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Para a Gloria de Deus 4a prova - editoraculturacrista.com.br · Na versão da Bíblia em inglês English Standard Version (ESV), ... comprometido com o estudo e proclamação da Palavra

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Para a glória de Deus – Resgatando uma teologia bíblica do culto, de Daniel Block © 2018 Editora Cultura Cristã. Publicado originalmente com o título For the Glory of God: Recovering a Biblical Theology of Worship Copyright © 2014 by Daniel Block por Baker Academic, uma divisão da Baker Publishing Group, Grand Rapids, Michi-

gan, 49516, USA. Todos os direitos são reservados.

1ª edição 2018 – 3.000 exemplares

Conselho Editorial Produção Editorial Antônio Coine Tradução Carlos Henrique Machado Thiago Machado Silva Cláudio Marra (Presidente) Revisão Filipe Fontes Maria Suzete Casselato Heber Carlos de Campos Jr. Mauro Filgueiras Filho Marcos André Marques Wilton Lima Misael Batista do Nascimento Editoração Tarcízio José de Freitas Carvalho Spress Capa Magno Paganelli

B651p Block, Daniel I.Para a Glória de Deus / Daniel I. Block; traduzido por Thiago

Machado Silva. – São Paulo: Cultura Cristã, 2018

432 p.

ISBN 978-85-7622-758-8

Tradução: For the Glory of God

1. Teologia 2. Adoração comunitária 3. Pastoreio I. Título

CDU 27-78

A posição doutrinária da Igreja Presbiteriana do Brasil é expressa em seus “símbolos de fé”, que apresentam o modo Reformado e Presbiteriano de compreender a Escritura. São esses símbolos a Confi ssão de Fé de Westminster e seus catecismos, o Maior e o Breve. Como Editora ofi cial de uma denominação confessional, cuidamos para que as obras publicadas espelhem sempre essa posição. Existe a possibilidade, porém, de autores, às vezes, mencionarem ou mesmo defenderem aspectos que refl etem a sua própria opinião, sem que o fato de sua publicação por esta Editora represente endosso integral, pela denominação e pela Editora, de todos os pontos de vista apresentados. A posição da denominação sobre pontos específi cos porventura em debate poderá ser encontrada nos mencionados símbolos de fé.

Rua Miguel Teles Júnior, 394 – CEP 01540-040 – São Paulo – SPFones 0800-0141963 / (11) 3207-7099 – Fax (11) 3209-1255

www.editoraculturacrista.com.br – [email protected]

Superintendente: Haveraldo Ferreira VargasEditor: Cláudio Antônio Batista Marra

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Prefácio

Há vários anos, num domingo pela manhã, eu pregava em um dos três cultos matinais de uma grande igreja. Nunca esqueço que, em um mo-mento específi co do culto, o “líder de louvor e adoração” declarou para a congregação: “agora, antes de continuarmos o nosso culto, vou ler um texto que se encontra em Colossenses 3” – como se ler e ouvir as Escri-turas não fossem atos de culto.

Essa noção limitada da adoração é comum em nossos dias e, geral-mente, se refl ete nas capas dos CDs de músicas denominadas de “louvor e adoração”, na designação em boletins de igreja dos períodos de cânti-cos como “momento de adoração” e na identifi cação dos músicos na equipe pastoral como “ministros de adoração”. De fato, a indústria da adoração tende a identifi car a adoração não apenas com a música, mas também com um estilo musical específi co: louvor contemporâneo.*

Essas práticas levantam muitos questionamentos, não apenas quan-to ao signifi cado dos outros aspectos do culto dominical (oração, pre-gação, testemunhos, etc.), mas também quanto aos rituais religiosos encontrados na Bíblia e à ênfase relativamente pequena dada pelas Escrituras à música no culto. Não apenas a música é raramente asso-ciada ao culto no Novo Testamento1 como também o Pentateuco não diz muito sobre a relação da música com a adoração no tabernáculo. Tudo isso destaca a nossa preocupação com a música nos debates atuais a respeito do culto.

Mas as questões referentes ao culto enfrentadas pela igreja evangé-lica no início do século 21 são muito mais profundas do que as diferen-ças de gosto musical, que, na verdade, são simplesmente um sintoma de um problema muito mais sério. Em um livro recente sobre culto, Edith Humphrey identifi ca corretamente cinco doenças que afl igem o culto na igreja norte-americana: (1) a banalização do culto ao se preocupar

* No Brasil tem sido comum denominar esse estilo musical de “música gospel”. (N. do R.)1. Referências à música no contexto da adoração comunitária ocorrem apenas em Ef

5.19; Col 3.16; Hb 2.12; e Ap 5.9; 14.3; 15.3. Na versão da Bíblia em inglês English Standard Version (ESV), a palavra “música” ocorre apenas uma vez (Lc 15.25); “canção/canções” cinco vezes (Ef 5.19; Cl 3.16; Ap 5.9; 14.3; 15.3); “melodia” uma vez (Ef 5.19); o verbo “cantar/cantou /cantando” 13 vezes (Mt 11.17; Lc 7.32; At 16.25; Rm 15.9, uma citação de um texto do Antigo Testamento; 1Co 14.15 [2x]; Ef 5.19; Cl 3.16; Hb 2.12; Tg 5.13; Ap 5.9; 14.3; 15.3). No entanto, as passagens dos Evangelhos não envolvem culto litúrgico, e At 16.25; 1Co 14.15; e Tg 5.13 falam sobre adoração pessoal e informal.

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apenas com a atmosfera/humor (tudo se resume aos sentimentos que o culto me proporciona); (2) a má condução do culto focado no ser hu-mano em vez de estar centrado em Deus (o foco está em mim, o adora-dor); (3) o enfraquecimento do culto ao substituir pedras por pão (o descaso à Palavra de Deus); (4) a perversão do culto através de expe-riências emocionais e autoindulgentes no lugar da verdadeira liturgia; e (5) a exploração do culto com valores mundanos.2 Depois de observar as tendências de culto por meio século, eu concordo completamente com Humphrey.

Com o objetivo de ser justo e claro, gostaria de compartilhar as expe-riências que moldaram minha espiritualidade e que foram formativas na paixão com que escrevo este livro. Eu me converti e fui nutrido espiritual-mente através do ministério de uma pequena igreja dos “Irmãos Menoni-tas” em uma área rural de Saskatchewan, no Canadá. Meu pai era pastor, comprometido com o estudo e proclamação da Palavra de Deus, e minha mãe era uma incrível mulher de oração e, por isso, comecei muito cedo a participar dos cultos. Em nossa casa, começávamos o dia com devocionais matinais. Quando os fi lhos mais velhos terminavam de ordenhar as vacas e voltavam para a casa, nós nos assentávamos em volta da mesa e meu pai lia um trecho de uma Bíblia alemã. Cantávamos uma canção escolhida por uma das crianças (nos revezávamos, do mais velho ao mais novo), e então, nos levantávamos para orar (postura trazida da Rússia pelo meu pai em 1926). Quando eu era jovem, as orações do meu pai pareciam durar uma eternidade. Enquanto isso, o mingau fi cava frio e duro.

As devocionais noturnas eram realizadas em nossos quartos. Havia três quartos para as crianças no andar de cima: um para minha irmã, e os outros dois – chamados de “quarto das crianças” e “quarto dos ho-mens” – eram divididos entre os outros doze irmãos. (Crescemos dor-mindo três em uma cama. Aqueles que faziam parte da metade mais nova fi cavam felizes quando um irmão mais velho saía de casa, pois signifi cava que o próximo da fi la se mudaria do “quarto das crianças” para o quarto dos mais velhos.) Os ocupantes de cada quarto se assen-tavam na cabeceira de suas camas enquanto um dos irmãos lia um trecho da Bíblia. Então nós nos ajoelhávamos para orar – sempre do mais velho para o mais jovem. Em mais de uma ocasião, ao chegar o momento de o menor orar, ele já havia adormecido de joelhos. O restante de nós tran-quilamente se arrastava para debaixo das cobertas, rindo e fazendo apostas para ver quanto tempo ele fi caria naquela posição.

2. HUMPHREY, Edith M. Grand Entrance: Worship on Earth as in Heaven. Grand Rapids: Brazos, 2011, p. 155-187.

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viiPrefácio

Assim era o nosso culto familiar, seis décadas atrás. Enquanto escrevo, tais cenas parecem tão distantes. Mas ainda cultuamos. Com certeza, nossos padrões de culto mudaram. Desde aquela época, a nossa família mudou sucessivamente, da igreja dos Irmãos Menonitas para a igreja Evangélica Livre, e então para a Assembleia dos Irmãos (na Grã-Breta-nha), depois, para a Convenção Geral Batista e para a igreja Batista do Sul. Agora minha esposa e eu frequentamos a College Church, uma igreja independente em Wheaton, em Illinois, com raízes no congrega-cionalismo. Além de fazer parte dessas congregações, tenho servido como pastor interino e pregado em diversos contextos, desde pequenas igrejas independentes até na Catedral de São Paulo, em Minnesota. Te-nho também pregado na Colômbia, Inglaterra, Dinamarca, Grécia, Rússia, Hong Kong, Cingapura e Quênia. Por sete décadas, tenho tido a suprema alegria de testemunhar o povo de Deus em adoração em muitas formas e estilos.

Tais experiências me levaram a inúmeros questionamentos sobre a verdadeira natureza do culto. Quais são os tipos de culto apropriados? Mais especifi camente, quais são os tipos de culto que representam o verdadeiro culto ao Deus único e vivo? E como se pode determinar isso? Nas últimas décadas, as pessoas têm respondido a esses questionamentos de várias maneiras. De um lado, encontramos igrejas como a Willow Creek em South Barrington, em Illinois, e a igreja Saddleback em Lake Forest, na Califórnia, que levam em consideração as tendências cultu-rais. De outro lado, encontramos muitas igrejas que são infl uenciadas por Canterbury, Roma ou Bizâncio, onde séculos de padrões litúrgicos de culto são mantidos, resistindo à cultura contemporânea. Na verdade, se as pessoas hoje em dia perguntam que tipo de igreja você frequenta, elas provavelmente não estão perguntando sobre sua denominação, mas sobre o estilo de culto de sua igreja: tradicional, litúrgico ou contempo-râneo? Considerando que os debates antigos sobre o culto se davam em torno do uso de instrumentos musicais, credos, bênçãos formais, confi s-sões de pecado e orações, em muitas congregações hoje tais debates gi-ram em torno do estilo musical.

Aos meus leitores, sugiro que consultem também obras de outros autores que têm contribuído com estudos sobre o culto nas Escrituras. Recomendo especialmente a obra Engaging with God: A Biblical Theo-logy of Worship, escrito por David Peterson.3 Apesar de essa obra não trazer o equilíbrio que buscamos, oferece uma completa teologia do culto no Novo Testamento. Recomendo também o livro de Allen P. Ross,

3. PETERSON, David G. Engaging with God: A Biblical Theology of Worship. Downers Grove, IL: InterVarsity, 1992.

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Recalling the Hope of Glory: Biblical Worship from the Garden to the New Creation.4 Ross traça a história do culto nas Escrituras, começando com o culto no jardim do Éden e concluindo com o culto no livro de Apocalipse. Essa obra oferece conselhos inestimáveis para o estabeleci-mento de práticas confi áveis e autênticas de culto.

Apesar de as perspectivas apresentadas neste livro estarem de acordo com as perspectivas de Ross, preferi organizar meu material em tópicos. Cada capítulo é um estudo em si. Começo levantando três questiona-mentos fundamentais: O que as Escrituras querem dizer ao falar em culto (cap. 1)? Quem é o objeto do verdadeiro culto (cap. 2)? O culto de quem é aceitável a Deus (cap. 3)? Com base no capítulo 3, os capítulos 4 e 5 exploram o culto fora do contexto eclesiástico e comunitário, na ética, na vocação e na vida pessoal. Os capítulos 6 a 10 exploram o culto comunitário, com ênfase nos elementos vitais do culto cristão: os sacramentos (cap. 6), o ministério da Palavra (cap. 7), oração (cap. 8), música (cap. 9) e as ofertas e sacrifícios (cap. 10). Os três últimos capí-tulos são sobre tópicos gerais: o lugar do culto comunitário no contexto do drama da vida (cap. 11), a importância do espaço separado para o culto (cap. 12) e o papel dos ministros em promover um culto genuíno (cap. 13). Os leitores perceberão que a maior parte da discussão envolve exploração de textos bíblicos específi cos para estabelecer padrões de culto e as convicções teológicas que estão enraizadas nas Escrituras. Muitos capítulos terminam com sugestões práticas para a aplicação de princípios bíblico-teológicos para o culto nos dias de hoje.

Este livro foi planejado para a igreja – não apenas para pastores e lí-deres, mas também para leigos. Selecionei, organizei e apresento esses tópicos com o objetivo de orientar os leitores com base nas perspectivas bíblicas e para encorajar o diálogo entre o povo de Deus. Apesar de cada capítulo ser uma unidade independente, espero que, ao organizar o livro em 13 capítulos, esta obra possa servir como um recurso para estudos bíblicos trimestrais ou classes de adultos, assim como para cursos em faculdades e seminários. Uma vez que as análises apresentadas são ba-seadas nas Escrituras e na tradição essencialmente teológica e ortodoxa, este volume deve ter um apelo amplo, se não universal. Pelo fato de a teologia bíblica do culto ser a base para todo o culto, a maioria dos princípios defendidos aqui se aplica para além das fronteiras denomi-nacionais, culturais e geográfi cas.

Finalmente, este volume apresenta uma teologia bíblica do culto. Esta obra não é defi nitiva e nem a última palavra sobre o assunto. Ao contrário,

4. ROSS, Allen P. Recalling the Hope of Glory: Biblical Worship from the Garden to the New Creation. Grand Rapids: Kregel, 2006.

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o que trago aqui está escrito a lápis, sujeito a revisão baseada em estudos mais aprofundados das Escrituras e no conselho da comunidade da fé. Ofereço esta obra à igreja como um recurso, não tanto para dar respostas aos questionamentos que as congregações têm, mas para provocar e ins-pirar uma conversa saudável. Para cada opinião expressa, os leitores de-vem adotar a atitude dos bereanos em Atos 17.11, os quais, ao ouvirem Paulo e Silas, examinavam as Escrituras para ver se o ensino deles era verdadeiro. Se era necessário aos bereanos examinar as palavras de Paulo, quanto mais necessário é para os leitores sujeitarem a minha interpretação ao padrão das Escrituras. No fi nal, Deus é mais glorifi cado e seu povo é mais transformado quando o adora, não de acordo com os capri-chos de um intérprete humano decaído, mas em resposta à revelação que Deus faz de si mesmo e de acordo com a sua vontade.

Concluo este prefácio com uma explicação de minha interpretação do divino no Primeiro Testamento com quatro consoantes YHWH (o Tetra-grama).5 No período entre os Testamentos, os judeus pararam de pro-nunciar o nome de Deus e o substituíram pelo título a&Don`y, que signi-fi ca “Senhor, Mestre”. Essa prática se refl ete na tradução grega do Primeiro Testamento, a Septuaginta, em que YHWH é consistentemente interpretado como kyrios, “Senhor”, que é a tradução de a&Don`y, em vez da transliteração do nome representado por YHWH. Essa prática foi trazida para o Novo Testamento, no qual as citações dos textos do Primeiro Testamento também consistentemente traduziam YHWH como kyrios, e essa mesma interpretação foi trazida para as traduções na lín-gua inglesa como “Senhor”. Na versão impressa, a capitalização de todas as letras ajuda a distinguir o nome de a&Don`y, que é corretamente re-presentado por “Senhor”, mas, na leitura oral, são indistinguíveis. Isso cria problemas signifi cativos de interpretação, pois grande parte dos leitores das Escrituras não dá a devida atenção à grafi a capitalizada, embora as conotações e implicações de se referir a alguém pelo nome ou pelo título sejam bastante diferentes. Tradicionalmente, quando as tra-duções inglesas se referem ao nome, elas vocalizam YHWH como “Jeo-vá”,6 que combina de maneira artifi cial as consoantes de YHWH com as vogais de a&Don`y. Ainda que a pronúncia original do nome seja incerta, hoje os estudiosos não judaicos geralmente rejeitam a construção artifi -cial “Jeová” e preferem traduzir o nome como “Yahweh”, que também é uma forma hipotética. Sou muito grato pelo fato de Deus expressamente

5. Onde os números dos versículos das versões em português e hebraico ou da Sep-tuaginta diferem, a última é indicada entre colchetes. Por exemplo: Sl 22.23 [24].

6. Cf.: Êx 6.3; Sl 83.18; Is 12.2; 26.4. A mesma forma se refl ete (cf.: Versão King Ja-mes) nos nomes Jeová-jireh (Gn 22.14), Jeová-nissi (Êx 17.15) e Jeová-shalom (Jz 6.24).

Prefácio

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ter revelado seu nome ao seu povo e o convidado a se dirigir a ele pelo nome (cf. Êx 3.13-15). Em razão da incerteza da vocalização original de seu nome e em deferência à sensibilidade judaica, nesta obra interpreto o nome divino simplesmente com as letras do Tetragrama, YHWH. As únicas exceções ocorrem em citações diretas de versões em inglês ou autores secundários que usam “Senhor”.

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Agradecimentos

O presente volume possui uma longa história. Meu interesse pelo assun-to das práticas de culto foi inspirado em parte pelas experiências de culto com o povo de Deus em muitas partes do mundo, e, em parte, observando as frustrações que muitos têm expressado por causa das mudanças no culto que têm acontecido em suas igrejas. Para alguns, qualquer mudança é indesejável; para outros, nenhuma mudança é sufi -ciente. Como devemos lidar com essas perspectivas confl itantes? Algu-mas igrejas desmoronam diante das tensões a respeito do estilo de culto enquanto outras brotam da noite para o dia atendendo aos caprichos estilísticos particulares de grupos demográfi cos específi cos. E um edifício completo é visualizado como prova de que o que estão fazendo deve estar certo.

A semente desta obra foi plantada pelas discussões com amigos duas décadas atrás, quando começamos a questionar: “O que Deus pensa do que estamos fazendo?”. E é claro que isso levou a uma série de questio-namentos adicionais: “Será que importa o que Deus pensa do que esta-mos fazendo?”; “como podemos saber o que Deus pensa do que estamos fazendo?”. Refl etindo sobre tais questões, fi quei convencido de que as respostas só sejam determinadas por uma cuidadosa análise das Escritu-ras, nosso único guia seguro e autoritativo para a verdade espiritual.

Ao longo do caminho, muitos me auxiliaram e me inspiraram com suas respostas a esses questionamentos, seja por escrito, por palestras públicas ou conversas pessoais. Sou especialmente grato a Daniel Akin (atual presidente do Seminário Teológico Batista Southeastern [em Wake Forest] e antigo vice-presidente e deão acadêmico do Seminário Teológi-co Batista Southeast [em Louisville]) e aos professores de música desta última instituição, que me encorajaram a desenvolver um curso sobre “a teologia bíblica do culto”. O conteúdo programático desse curso evoluiu e chegou à forma atual deste manuscrito. Tem sido um prazer especial poder compartilhar minhas descobertas com centenas de estudantes em instituições acadêmicas ao redor do mundo. Seja no Wheaton College, em Hong Kong ou na Grécia, tem sido entusiasmante ver os alunos com os olhos brilhando ao compreenderem o ensino bíblico e especialmente quando esses ensinos são traduzidos em mudanças na disposição e nas práticas de culto pessoal e comunitário. Também tenho sido inspirado pelo povo de Deus nas igrejas através das oportunidades de testar mi-

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nhas teorias dentro do contexto de igrejas específi cas. As respostas delas continuam a me lembrar que as conversas a respeito do culto não deve-riam ser restritas aos “adoradores profi ssionais”, ou seja, os ministros de adoração. O culto que agrada a Deus deveria ser uma preocupação de todos. Sou especialmente grato pela amizade de colegas cujas ideias me incitaram a reavaliar meus próprios pontos de vista e me inspiraram a seguir seus pensamentos a respeito desses assuntos: Chip Stam, Tom Bolton, Donald Hustad, Chuck King, Gerard e Jane Sundberg, para citar apenas alguns.

De maneira mais prática, sou grato a diversos estudantes de doutora-do que me ajudaram na refl exão sobre esses assuntos e que me auxilia-ram em diversos estádios de desenvolvimento deste livro: Kenneth Tur-ner, Rebekah Josberger, Christopher Ansberry, Rahel Schafer e Matt Newkirk. Sou especialmente grato a Heather Surls, pela sua assistência valorosa na edição e na redução de um manuscrito muito grande até chegar ao tamanho atual desta obra. Por fi m, sou grato aos meus alunos de pós-graduação, Daniel Lans e Michelle Knight, e também à minha esposa Ellen, que gastaram muitas horas no tedioso trabalho de indexa-ção. Sou grato a todos eles.

Claro que este projeto nunca veria a luz do dia se eu não tivesse o fi rme apoio dos profi ssionais da editora Baker Publishing Group, que comigo trabalharam paciente e diligentemente na produção deste livro. Jim Kinney, diretor editorial da Baker Academic, supervisionou o pro-cesso desde o início, orientando-me na elaboração de um manuscrito que fosse acessível e útil para um público amplo. Tenho uma dívida especial de gratidão para com Brian Bolger e a equipe editorial da Baker, que com sua leitura atenta me alertaram para muitas obscuridades, infelicidades de estilo e inadvertidas deturpações de informação. Rachel Klompmaker habilmente supervisionou a preparação do material ilustrativo.

Sou grato aos administradores e colegas professores da Wheaton College pelo indispensável apoio institucional e encorajamento que me ofereceram, não apenas criando um maravilhoso espaço acadêmico, mas também providenciando todos os recursos para a pesquisa. Um semestre na casa Hawthorne em Wheaton College, três minutos de caminhada da biblioteca Tyndale em Cambridge, na Inglaterra, onde de meu escritório divisava um adorável jardim, são locais que fi zeram a composição de muitos destes capítulos ainda mais prazerosa. Não consigo expressar adequadamente minha gratidão a Bud e Betty Knoedler, que tão genero-samente assumiram minha cátedra. É uma graça especial conhecê-los, não apenas como apoiadores do Wheaton College, mas também como amigos pessoais e companheiros de culto na Church College. Ellen e eu

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xiiiAgradecimentos

somos gratos pelas orações diárias em nosso favor. Eu ardorosamente também reconheço Ellen, a alegria da minha vida, que por mais de qua-tro décadas se colocou a meu lado como amiga e conselheira graciosa. Sem o seu amor e sabedoria, este trabalho não teria sido concluído ou teria tomado uma direção diferente.

Palavras não podem expressar a dívida de gratidão que tenho àqueles que plantaram as sementes para a minha disposição a respeito do culto, particularmente em relação à vida como culto ao longo dos anos. Meu pai, Isaac H. Block, imigrante da Rússia stalinista para o Canadá em 1926 e fi el ministro dos Irmãos Menonitas, que me inspirou com seu amor pelas Escrituras e sua extraordinária ortopraxia: para ele, a vida era um culto. Meus irmãos e eu nos lembramos de nossa mãe, Ella Block como uma mulher de oração. De fato, quando soubemos de sua súbita passagem para a glória, 15 anos atrás, meu primeiro pensamento foi, agora quem vai orar por nós? Uma honra específi ca vai para duas pes-soas especiais a quem este livro é dedicado, meu sogro e minha sogra, David e Elma Lepp. David era um fazendeiro no norte de Saskatchewan, mas seu coração estava na igreja, onde ensinou uma classe de escola dominical para adultos e dirigiu o louvor por mais de três décadas. As expressões de culto de Elma eram diferentes; ela resistia se apresentar diante das pessoas, mas tinha prazer em trabalhar nos bastidores para garantir que outros fossem bem cuidados e que o culto em suas formas variadas acontecesse “com ordem e decência”.

Finalmente, ao refl etir sobre a produção de um livro como este, seria hipocrisia não declarar que, em última instância, todo louvor e glória são para Deus. Diferentemente de outros que adoram deuses de madeira e pedra, que têm olhos, mas não veem, ouvidos, mas não ouvem, e bocas, mas não falam, nós temos um Deus que fala. Pela graça ele se revelou a Israel por meio do seu nome, obras e palavras, mas tem se revelado a nós em seu ápice e superlativamente na pessoa de Jesus Cristo. A ele seja todo o louvor e glória.

A tarefa para a qual o Senhor nos tem chamado nos oferece oportu-nidades ilimitadas de expressar verdadeiro culto. Este livro é oferecido a Deus como um reverente ato de submissão e respeito em resposta à sua graciosa revelação de si mesmo. Nós louvamos a Deus por essas oportu-nidades e esperamos que nossos esforços tragam grande glória a ele. Adaptando as palavras do salmista, nós oramos:

Seja sobre nós a graça de YHWH, nosso Deus; Confi rma sobre nós as obras das nossas mãos,

Sim, confi rma a obra das nossas mentes e de nossas mãos! (Sl 90.17)

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Em busca de uma compreensão

bíblica e holística do culto

[...] a hora vem, e é agora, em que os verdadeiros adoradores adora-

rão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a quem

assim o adore. (Jo 4.23) [Textos bíblicos, tradução do autor]

O culto faz parte da essência do ser humano. Este é o ensino das Escri-turas,1 declarado em nossos credos,2 e evidenciado na História. Embora o impulso de cultuar um ser superior a nós pareça algo natural, os tipos de ser que as pessoas cultuam são diversos. Eles podem variar, desde objetos concretos identifi cados como divindades (animismo) até a abs-tração da divindade e a separação de Deus da realidade material.3 Os historiadores seculares supõem que essa realidade refl ete o desenvolvi-mento evolucionário da religião de primitiva para sofi sticada, e que o secularismo moderno ocidental – liberto das noções de realidades divinas – representa o auge da história.

A nossa preocupação é com o culto cristão, que em sua forma orto-doxa é essencialmente monoteísta e ao mesmo tempo misteriosamente trinitária, reconhecendo o Deus único e trino, Pai, Filho e Espírito Santo. Nas últimas décadas a igreja evangélica da América do Norte e da Euro-pa tem se esforçado para estabelecer padrões gerais de culto, esforço que tem sido exportado para outras partes do mundo. Frequentemente, as tensões se dão em torno da música, se devemos seguir um estilo mais tradicional ou contemporâneo. Cada vez mais vemos congregações res-pondendo a essas tensões de três maneiras diferentes: (1) elas se dividem

1. Note a natureza inclusiva do Sl 150.6: “Tudo o que respira louve ao SENHOR”.2. Note a primeira pergunta do Breve Catecismo de Westminster e a resposta propos-

ta: “Qual é o fi m principal do homem? O fi m principal do homem é glorifi car a Deus e gozá-lo para sempre”.

3. Para mais informações, cf.: “Idolatria: o problema da falsa adoração” no cap. 2 deste livro.

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em duas ou mais igrejas, e cada uma é livre para adotar as suas preferên-cias; (2) elas estabelecem múltiplos cultos, cada um com um estilo musi-cal diferente; ou (3) elas adotam a fi losofi a da indústria contemporânea de música e adoração, simplesmente marginalizando os que preferem hinos tradicionais, forçando-os a sair ou a aceitar aquilo de maneira conformada e passiva. Embora essas respostas tenham tornado o culto atrativo para os mais jovens, seus efeitos para o testemunho da igreja são desastrosos. Em vez de o culto trazer unidade ao povo de Deus, os confl itos a respeito do culto acabam gerando divisões.

A base bíblica do culto que glorifi ca a Deus

Em meio às discussões sobre estilos de culto, eu, muitas vezes, me ques-tiono se temos explorado de maneira sufi cientemente séria o que a Escri-tura tem a dizer sobre o culto aceitável a Deus. Diante do recente fascínio dos evangélicos pelas antigas práticas e perspectivas, muitas vezes obser-vamos uma tendência em aceitar as formas antigas de culto como auto-ritativas, mas observamos também uma menor atenção à teologia bíbli-ca do culto. Às vezes, o entusiasmo pelas tradições e práticas da igreja mais antiga faz com que enxerguemos suas características como norma-tivas a ponto de ameaçar o princípio da Reforma, sola Scriptura, mesmo quando tais práticas não têm garantia bíblica explícita.

Mas mesmo que concordemos que a Escritura é a autoridade máxima para a nossa fé e vida, nos dividimos no modo como a usamos para moldar o culto cristão. De um lado, algumas pessoas usam o princípio regulador do culto, que diz que o verdadeiro culto envolve somente aquilo que está explicitamente prescrito na Escritura, proibindo qual-quer outra coisa.4 Em casos extremos, as igrejas que adotam esse princí-

4. Veja a pergunta 51 do Breve Catecismo de Westminster:Pergunta 51. O que o segundo mandamento proíbe?R. O segundo mandamento proíbe adorar a Deus por meio de imagens, ou de qualquer

outra maneira não prescrita em sua Palavra.Veja também a pergunta 109 do Catecismo Maior de Westminster:Pergunta 109. Quais são os pecados proibidos no segundo mandamento?R. Os pecados proibidos no segundo mandamento são: estabelecer, aconselhar, man-

dar, usar e aprovar, de qualquer maneira, um culto religioso não instituído por Deus; fazer qualquer imagem de Deus, de todas ou de qualquer das três Pessoas, quer interiormente no espírito, quer exteriormente, em forma de imagem ou em semelhança de criatura; toda adoração dela, ou de Deus nela ou por meio dela; fazer qualquer imagem de deuses imaginários e todo o culto ou serviço a eles pertencentes; todas as invenções supersticiosas que corrompem o culto de Deus, acrescentando ou tirando dele, quer sejam inventadas e adotadas por nós, quer recebidas por tradição de outros, embora sob o título de antigui-dade, de costume, de devoção, de boa intenção, ou por qualquer outro pretexto; a simo-

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Em busca de uma compreensão bíblica e holística do culto 3

pio rejeitam instrumentos musicais e as canções que não são baseadas nos salmos. Por outro lado, muitos preferem o princípio normativo de culto, que permite, no culto cristão, formas e práticas que não são expli-citamente proibidas pela Escritura,5 desde que que tais formas e práticas promovam ordem no culto e não contradigam os princípios bíblicos. Enquanto o princípio regulador do culto é restritivo, o princípio norma-tivo do culto abre portas para um culto mais criativo e expressivo. Nos-so desafi o é assegurar que, mesmo quando as formas de culto são cultu-ralmente determinadas, os princípios fundamentais sejam biblicamente enraizados e teologicamente moldados.

Mas mesmo quando concordamos que somente a Escritura deve ser a última autoridade no que diz respeito ao culto cristão, permanecemos di-vididos com relação a quais textos bíblicos são determinantes para o culto. O culto cristão deve ser governado por toda a Bíblia ou apenas pelo ensi-no e prática do Novo Testamento?6 Este último entendimento tem sido implícito no ensino de muitos estudiosos que escrevem sobre esse tema. No livro que considero mais importante sobre culto, Engaging with God: A Biblical Theology of Worship, David Peterson entende que há uma “descontinuidade entre os Testamentos” com relação ao culto.7 Ainda que Peterson apresente uma teologia bíblica do culto em seu livro, e ainda que o Primeiro Testamento8 seja três vezes maior que o Novo Testamento e,

nia, o sacrilégio, toda a negligência, desprezo, impedimento e oposição ao culto e às or-denanças que Deus instituiu.

5. Este princípio é seguido pelos luteranos. Veja o artigo 15 da Confi ssão de Fé de Augsburgo: “Das ordenações eclesiásticas estabelecidas por homens se ensina a observar aquelas que possam ser observadas sem pecado e contribuam para a paz e a boa ordem na igreja, como, por exemplo, certos dias santos, festas e coisas semelhantes. Esclarece-mos, porém, que não se devem onerar as consciências com essas coisas, como se fossem necessárias para a salvação. Ensina-se, ademais, que todas as ordenanças e tradições feitas pelo homem com o propósito de por elas reconciliar-se com Deus e merecer graça são contrárias ao evangelho e à doutrina da fé em Cristo. Razão por que votos monásticos e outras tradições concernentes a distinção de alimentos, dias, etc. pelas quais se pensa merecer graça e satisfazer por pecados, são inúteis e contrários ao evangelho”. No entan-to, este princípio é mais associado ao grande sacerdote anglicano do século 16, Richard Hooker, e é frequentemente referido como “o princípio Hooker”.

6. Para uma introdução útil ao assunto, cf.: MICHAEL A. Farley. “What is ‘Biblical’ Worship? Biblical Hermeneutics and Evangelical Theologies of Worship.” In: Journal of the Evangelical Theological Society 51 (2008): p. 591-613.

7. PETERSON, Engaging with God, p. 24.8. A disposição de desprezo pela Bíblia hebraica se refl ete e é promovida pela contínua

designação da Escritura como “Antigo Testamento”. Esta expressão infelizmente traz uma conotação de antiguidade, e fora de contexto, como se a primeira revelação de Deus tivesse sido suplantada e se tornado obsoleta pela revelação mais atual. Ao observar que esta frase foi herdada do período patrístico, John Goldingay questiona justamente isto: “porque isto [...] sugere algo antiquado e inferior que foi deixado para trás por uma pessoa morta”. Cf.:

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provavelmente, contenha centenas de informações a mais sobre culto, Peterson trata do assunto em 56 páginas, enquanto dedica quase 200 pá-ginas para o Novo Testamento. Para Peterson, o foco do Primeiro Testa-mento no local, nos festivais e rituais sacerdotais fornece um contraste com a ênfase do Novo Testamento, que é centrado em uma pessoa, envol-ve toda a vida e cujo foco é a edifi cação dos cristãos reunidos.9

Esse problema também aparece em uma pregação de John Piper. Em um sermão intitulado Worship God, 10 Piper contrasta o culto do Primei-ro Testamento com o do Novo Testamento, afi rmando que o culto do Primeiro Testamento era algo externo, que envolvia forma e ritual, en-quanto que a preocupação do Novo Testamento era com uma experiên-cia espiritual interna.11 Tais generalizações são equivocadas em diversos aspectos. Primeiro, elas subestimam a natureza litúrgica do culto do Novo Testamento. O que pode ser mais cúltico e formal do que a Ceia do Senhor, uma excelente experiência de culto prescrita por Jesus, ou mesmo o ritual do Batismo, ordenado na Grande Comissão? Atos 2.41-42 descreve a igreja primitiva envolvida em diversas atividades externas: batismo, instrução, comunhão, partir do pão e oração.

Segundo, generalizações como essa deturpam o culto de como real-mente é apresentado no Primeiro Testamento. D. A. Carson está correto ao interpretar os dizeres de Jesus em João 4.21-24 como uma predição do dia em que o foco da adoração mudaria de um local para uma atitude

Old Testament Theology, vol. 1, Israel’s Gospel. Downers Grove, IL: InterVarsity, 2003, p. 15. Embora a referência não seja ao Antigo Testamento, quando a carta aos Hebreus com-para a primeira aliança com a segunda, ela se refere a elas como “primeira” (prwth diaqhkh) e “nova” (diaqhkh kainh) alianças, respectivamente (Hb 9.15). Portanto, no decorrer do livro, eu usarei Primeiro Testamento em vez de Antigo Testamento.

9. Perspectivas similares são encontradas no artigo de CARSON, D. A., “Worship un-der the Word”. In: CARSON, D. A., org. Worship by the Book. Grand Rapids: Eerdmans, 2002, p. 11-63. Carson adverte contra o exagero em apontar as diferenças entre as formas de adoração dos israelitas e daqueles que pertencem à nova aliança. No entanto, é isso que ele faz ao usar Romanos 12.1-2 para ilustrar a mudança na linguagem da adoração, que sob a antiga aliança estava vinculada ao templo e ao serviço sacerdotal, mas sob a nova aliança afasta-se do culto (p. 37). Em sua apresentação da adoração cristã, fala do Novo Testamento como nosso guia (p. 44). Isso implica que a prática dos cristãos do 1o século, conforme descrita e ordenada no NT, provê as normas para o culto cristão, realidade ob-servada também por Farley em “What is ‘Biblical’ Worship?”, p. 595-596.

10. PIPER, John. “Worship God!” (9 de novembro de 1997), http://www.desiringgod.org/Resource Library/Sermons/ByDate/1997/1016_Worship_God/.

11. Piper, em seu sermão “Worship God!” declara: “Perceba o que está acontecendo no Novo Testamento. A adoração está sendo signifi cativamente desinstitucionalizada, deslocalizada e desritualizada. A ênfase está sendo retirada das cerimônias, estações, lu-gares e formas; e está se voltando para o que está acontecendo no coração – não apenas no domingo, mas todos os dias, o tempo todo e na vida toda”.

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e ao sugerir que “em espírito e em verdade” é “uma maneira de dizer que devemos adorar a Deus por meio de Cristo. Nele a realidade raiou e as sombras são removidas”.12 E Peterson também está correto ao sugerir que o culto “em espírito e em verdade” contrasta com as formas “sim-bólicas e típicas” representadas pelo Primeiro Testamento. No entanto, sua interpretação de culto “em verdade” como a “real e genuína adora-ção” prestada pelos “verdadeiros adoradores” é problemática.13 No antigo Israel, o culto de muitos era verdadeiro; ou seja, era real e genuí-no. Peterson também está correto ao dizer que o culto “em espírito” aponta para o Espírito Santo, “que nos regenera, nos traz nova vida e nos confi rma na verdade”. Porém, se isso representa uma mudança, en-tão temos de admitir que no Israel antigo os adoradores não eram rege-nerados, não possuíam uma nova vida e não eram confi rmados na ver-dade. Isso não parece corresponder com a imagem de Calebe, que possuía outro espírito e “perseverou em seguir ao Senhor” (Nm 14.24; Dt 1.36; Js 14.9), ou com a imagem de Davi, que escreveu muitos dos sal-mos, ou de Isaías, em Isaías 6.

A interpretação de John Piper das palavras de Jesus é ainda mais problemática.

Eu entendo “em espírito” como a verdadeira adoração que é realiza-da pelo Espírito Santo e que está acontecendo principalmente como um evento interno, espiritual, e não como um evento externo e cor-poral. E compreendo “em verdade” como a verdadeira adoração que é uma resposta ao entendimento correto de Deus e é moldada e guiada pelo verdadeiro entendimento de Deus.14

Se tal interpretação estiver correta, e se Jesus pretendia contrastar o culto do Primeiro Testamento com o do Novo Testamento dessa manei-ra, então devemos admitir que no antigo Israel (1) o verdadeiro culto nunca foi realizado pelo Espírito Santo, (2) o culto era composto basica-mente de ações externas em vez de eventos espirituais internos e (3) fal-tava aos israelitas um entendimento verdadeiro de Deus que os guiaria ao verdadeiro culto. Ao fazer tais distinções entre os Testamentos, descartamos a única Bíblia que Jesus e os autores do Novo Testamento tinham como irrelevante e sem autoridade para nós, e removemos con-tinuidades signifi cativas entre a fé do antigo Israel e a igreja primitiva. Ao fazer isso, impomos problemas ao Israel antigo que talvez tenham

12. CARSON. “Worship under the Word”, p. 37.13. PETERSON. Engaging with God, p. 98-99.14. PIPER. “Worship God!”.

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passado a existir apenas no Judaísmo dos tempos de Jesus, nos recusa-mos a deixar o Primeiro Testamento falar por si mesmo e negamos aos verdadeiros adoradores de Israel a esperança que YHWH ofereceu a eles com sua graciosa revelação.15 Além disso, roubamos da igreja um rico recurso para o estabelecimento de princípios teológicos permanentes que poderiam e, provavelmente, deveriam guiar o nosso culto.

Mas os evangélicos são frequentemente inconsistentes na maneira como tratam o Primeiro Testamento. Muitos cristãos consideram os salmos um rico recurso para o culto cristão comunitário e pessoal, mas eles não percebem que todo o saltério está enraizado na Torá, especial-mente no livro de Deuteronômio.16 Desconsiderar Deuteronômio e o restante da revelação constitucional encontrada em Êxodo–Números como sendo irrelevante para o estabelecimento da teologia e prática do culto é violar a própria declaração de Paulo em 2Timóteo 3.16-17. No entanto, essa marginalização também viola as intenções dos salmistas, que teriam fi cado horrorizados ao observar os cristãos elevando a auto-ridade dos salmos acima da Torá. Aqueles que não levam a sério a auto-ridade e o poder transformador do Pentateuco e do restante do Primeiro Testamento não têm nenhum direito e nem fundamentos para apelar ao Livro de Salmos no que diz respeito ao culto.

Somado ao compromisso de deixar toda a Bíblia contribuir para o resgate de uma teologia bíblica do culto, este livro é direcionado por outros dois princípios fundamentais. Primeiro, o verdadeiro culto é es-sencialmente um exercício vertical, é a resposta humana ao Criador e Redentor divino. Por essa razão, o objetivo do culto autêntico é a glória de Deus em vez do prazer humano, ou seja, as formas de culto deveriam se conformar com a vontade de Deus e não com os caprichos da huma-nidade caída. Segundo, o conhecimento da natureza e das formas de culto que glorifi cam a Deus vem primariamente da Escritura. Reconhe-cemos que toda verdade é verdade de Deus e que a natureza proclama o poderoso Criador, que nos leva a cultuar. Contudo, como revelação escrita de Deus, a Escritura é a fonte primária para o desenvolvimento

15. Para uma discussão mais completa, cf.: BLOCK, Daniel I. “‘In Spirit and in Truth’: The Mosaic Vision of Worship”. In: The Gospel according to Moses: Theological and Ethical Refl ections on the Book of Deuteronomy. Eugene, OR: Wipf & Stock, 2012, p. 272-298.

16. Destaca-se essa realidade nos chamados Salmos da Torá: Sl 1; 19; 119. As refe-rências a “a Torá de YHWH” (geralmente traduzida como “A lei do Senhor”) referem-se não à Palavra de Deus em geral, mas aos atos de Deus em favor de Israel, à revelação recebida no Sinai e, especialmente, à exposição da revelação dada a Moisés em Deutero-nômio. Cf.: BLOCK, D. I. How I Love Your Torah, O Lord! Studies in the Book of Deuteronomy. Eugene, OR: Cascade Books, 2011, xi-xv.

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de uma teologia do culto e para o estabelecimento de formas de culto que agradam a Deus. Sendo assim, nos estudos que seguem, vamos nos man-ter fi xos no texto bíblico, procurando encontrar nele os princípios e padrões de culto que devem nos guiar hoje.

A contribuição do Novo Testamento para o culto cristão contemporâneo

Apesar de muitos encontrarem suas primeiras pistas para o planeja-mento do culto cristão na cultura popular, evangélicos em geral reconhe-cem o papel autoritativo do Novo Testamento para o estabelecimento de princípios e práticas do culto cristão. E fazemos isso a despeito do fato de que o Novo Testamento fornece pouca instrução sobre as reuniões formais comunitárias. Nos evangelhos encontramos muitas informações sobre Jesus Cristo, o objeto e o foco do culto cristão, mas nem ele e nem os apóstolos oferecem conselhos detalhados sobre como devemos prati-car o culto, exceto ao enfatizar as ordenanças da ceia do Senhor (Mt 26.17-30; Mc 14.22-26; Lc 22.14-20; cf.: 1Co 11.23-34) e do batismo (Mt 28.18-20). No livro de Atos, Lucas narra muitas cenas da igreja cultuando (At 2.41-47), mas fornece pouca instrução concreta sobre práticas normativas para a futura igreja.

Nas epístolas, Paulo frequentemente lida com abusos nas igrejas fun-dadas por ele (1Co 11–14; 1Tm 2.8-15), e, embora os princípios funda-mentais de Efésios 5.15-21 e Colossenses 3.12-17 tenham implicações óbvias para o culto comunitário, a preocupação de Paulo aqui é com a conduta diária dos cristãos e não com a liturgia da igreja. Suas instruções nas cartas pastorais falam mais sobre o caráter e conduta dos líderes da igreja do que com respeito às práticas de culto. A carta aos Hebreus tem mais a dizer sobre o culto do que qualquer texto anterior, mostrando os contrastes entre o culto cristão e o culto do antigo Israel, ao mesmo tempo em que enfatiza a continuidade do culto e a importância da reve-rência e do temor em um culto aceitável. O livro de Apocalipse fornece a mais detalhada informação sobre o culto cristão, mas esse culto está localizado no céu e não na terra.

A dádiva do Primeiro Testamento ao culto cristão contemporâneo

Mas por que não deveríamos estudar o Primeiro Testamento para entender como o verdadeiro culto – até mesmo para os cristãos – deve ser? Na verdade, à luz de Cristo, as formas têm mudado – os sacrifícios, o sacerdócio levítico e o templo foram declarados ultrapassados pela

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morte e ressurreição de Jesus – mas será que isso signifi ca que as primei-ras instruções de Deus sobre culto não têm mais qualquer relevância para o culto contemporâneo? Difi cilmente. Se Jesus Cristo é YHWH, o Deus de Israel em forma humana (Mt 1.23; Jo 1.23; Rm 10.13; Fp 2.11), e se Jesus Cristo é eternamente imutável (Hb 13.8), deveríamos pelo menos esperar uma continuidade de princípios entre os Testamentos. Quando exploramos as formas do antigo culto israelita e sua base teoló-gica, descobrimos uma notável continuidade de perspectiva entre os Testamentos. Jesus não declara a antiga teologia como sendo obsoleta; mas nele a base teológica do culto israelita encontra seu cumprimento.

Como veremos adiante, por causa da obra sacrifi cial de Cristo, tanto os rituais israelitas quanto as nossas expressões comunitárias de fé são efetiva-mente mantidos em um relacionamento pactual com Deus – assumindo que são oferecidos de acordo com a sua vontade revelada. Embora muitos assu-mam que a menos que o Novo Testamento reitere as noções encontradas no Primeiro Testamento, tais noções são obsoletas, nós deveríamos assumir o oposto: a menos que o Novo Testamento expressamente declare as noções do Primeiro Testamento como sendo obsoletas, elas continuam válidas. Isso deve ser levado em consideração quanto ao relativo silêncio do Novo Tes-tamento sobre muitos assuntos, incluindo a criação, certas questões éticas, e princípios de culto. Uma vez que o mesmo Espírito Santo inspirou toda a Escritura, não devemos hesitar em ir ao Primeiro Testamento para descobrir o pensamento de Deus em relação a nós.

As dimensões do culto bíblico

O resgate do culto bíblico deve começar com as defi nições. O que signifi ca a palavra “culto”? Ainda mais importante, qual o conceito de culto? Discussões sobre essas questões geralmente começam com o subs-tantivo “culto”. Como verbo, cultuar envolve uma pessoa reconhecer a posição superior de honra de outra pessoa. Teólogos frequentemente restringem tal expressão de reconhecimento à divindade, mas esse não é o modo como o culto tem sido tradicionalmente entendido. Quando era estudante universitário em Saskatoon, Saskatchewan, o prefeito da cida-de devia palestrar durante um evento. Quando chegou a hora de seu pronunciamento, ele foi apresentado como “nosso adorado, Prefeito Buckwold”. Chamar o prefeito dessa maneira não foi um ato de idola-tria; era simplesmente o refl exo do signifi cado normal da palavra.

Se, contudo, tentarmos desenvolver uma compreensão bíblica de cul-to ou um entendimento do culto bíblico, tanto a etimologia quanto o uso da palavra serão irrelevantes. O que importa é o vocabulário que a Es-

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