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JOAQUIM CANUTO MENDES DE ALMEIDA – “PRINCÍPIOS ...  · Web viewO requerimento de apensação equivale ao pedido de arquivamento de inquérito policial (art. 28, do Cód. de

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FORMAS DE INVESTIGAÇÃO E DE INSTRUÇÃO PRELIMINAR

NO DIREITO PROCESSUAL PENAL

01. Inafastabilidade de apuração preparatória, ou prévia, no processo penal. 02. Persecução penal preparatória, no sistema brasileiro vigorante. 03. Inquérito policial civil. 04. Processo administrativo, em senso estrito. 05. Comissão parlamentar de inquérito. 06. Inquérito judicial da Lei de Falências. 07. Procedimento preliminar judicial e probatório, pertinente aos crimes contra a propriedade industrial. 08. Direito de defesa.

01. A repetição de enganos, no processo penal, estabeleceu, desde há muito tempo, a proposição evidente: “os que querem acusar devem ter prova”1.

A longa e comum experiência jurídica demonstrou a necessidade de alguma apuração preparatória ou prévia à ação penal, de natureza condenatória, demonstrativa da existência material de fato, que se desenha ilícito e típico; e, ao menos, de indícios de autoria, co-autoria ou de participação. Verificou-se que o acusado sofre o processo – da imputação subjetiva ao julgamento final – da ação penal condenatória, ainda que termine absolvido. Padece o procedimento e seu ritual. A função simbólica do processo de conhecimento traz-lhe a marca da infâmia. Tal averiguação, a inquirição prévia – cuja forma procedimental varia, consoante os diversos sistemas processuais – volta-se, assim, a duplo objetivo. Diminuir, minimizar, antes de tudo, o risco das acusações formais

1 Qui accusare volunt, probationes habere debent, L. ún. C., ut nemo invitus, 3,7.

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infundadas, temerárias e, até, caluniosas. Depois, evitar o custo, sem benefício, que tais inculpações desúteis trazem para a Justiça Penal2.

Em quase todos os sistemas processuais penais, portanto, emergiu fase preliminar, prévia ou preparatória da ação penal, de índole condenatória. O legislador, então, tomou em conta aspectos políticos e sociais, visando aos destinatários das normas, na procura do melhor instrumento, em determinado instante histórico3.

02. No sistema brasileiro, a persecução penal preliminar ou preparatória emerge nas três faces do Poder: Executivo, Legislativo e Judiciário. Perante a Administração divisam-se o inquérito policial civil e o militar; mais o processo administrativo, em sentido estrito. No Legislativo, pode irromper inquérito parlamentar, cujo resultado, de modo eventual, importe ao processo penal. No Judiciário, acham-se o inquérito judicial, da Lei de Falências; e, ainda, a formação judicial do corpo do delito e contingente apontamento da autoria, nos crimes contra a propriedade industrial. O inquérito policial, ultimado pela 2 Observou Vicente Greco Filho: “Já se sustentou que bastaria como justa causa para ação penal a descrição, na denúncia ou queixa, de um fato típico. A doutrina atual, porém, à unanimidade, percebendo que a ação penal, por si só é, já, um constrangimento à liberdade individual, exige, para que a ação penal seja proposta e se mantenha, elementos probatórios que sirvam de fundamento razoável para sustentar esse constrangimento, o qual, caso contrário, seria ilegal”. (Manual de processo penal, 4. ed., São Paulo: Saraiva, 1997, § 14, p. 92).3 Vejam-se alguns exemplos: no processo penal francês há o procedimento de inquérito (enquete et poursuite), dito preliminar, ou de flagrância, sob a direção do Procurador da República. Desaguam na fase instrutória (instruction préparatoire) perante o Juiz de Instrução, ou, de modo direto, no Tribunal de Polícia. Bastante semelhante surge o processo penal belga, posto que nele se originou. Existe averiguação informativa, procedimento encurtado – adotável, inclusive, em casos de flagrância –, ultimada pela polícia judiciária, que se reporta ao Procurador do Rei ( information). Tal perquirição vai ao juiz instrutor, ensejando instante intermédio (instruction), ou a julgamento, mas, no Tribunal de Polícia, que desponta monocrático. No processo penal alemão, emerge procedimento preparatório (das vorverfahren), cabente à polícia judiciária e dirigida pelo Ministério Público, que leva à fase intermédia (das zwischenverfahren), salvo hipótese de procedimento acelerado (das beschleungte Verfahren ), ou monitório (das strafbefehlsverfahren). Já, no sistema italiano, seja o procedimento comum (ordinario), seja especial exige-se investigação ou averiguação preliminar (indagini preliminari), iniciada, no mais das vezes, pela Polícia Judiciária e dirigida pelo Ministério Público. No denominado procedimento ordinário, da averiguação preliminar chega-se à audiência preliminar (udienza preliminare), com decisões de não proceder, ou de remeter a julgamento (decisione di non luogo a procedere ou rinvio a giudizio). Os procedimentos especiais, nascentes no inquérito preliminar são vários (giudizio abbreviato, applicazione della pena su richiesta delle parti, giudizio direttissimo, giudizio immediato e procedimento per decreto penale). A fase preparatória, no processo penal inglês, comporta dois instantes: a investigação e os atos iniciais de impulso, ambos pertinentes à polícia. O prosseguimento ou a interrupção da atividade atribui-se ao Ministério Público (Crown Prosecution Service). O controle da legalidade dos atos de polícia compete ao Juiz de Paz (Justice of the peace). Informações retiradas, de modo prevalente, da obra organizada por Mireille Delmas-Marty, “Procedure penali d’Europa”, edição italiana, aos cuidados de Mário Chiavario – Milão: CEDAM, 1998, e da coletânea, dirigida por Edmundo S. Hendler, “Sistemas procesales penales comparados”. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1999.

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Polícia Federal, para a expulsão de estrangeiro atende, tão só, ao direito administrativo. Não guarda pertinência com a persecução penal, do que estamos cuidando (arts. 68, parág. único e 71, da Lei nº 6.815/80 c/c art. 102, do Dec. nº 86.715/81).

Os cinco aludidos meios de perquirir e apurar, de modo prévio, fato e autoria, consistem em produto cultural. Todos merecem constante estudo, para adequação e aprimoramento.

03. A Polícia, em palavras simples, consiste em órgão da administração direta, voltado à paz pública4. Age — ou deve agir —, tutelando a liberdade jurídica, ou a restringindo, consoante a lei, em prol da mencionada paz5. Quando atua como integrante da Justiça Penal, se diz que a Polícia é judiciária6. Atribui-se às autoridades policiais, Delegados de Polícia, a feitura do inquérito preparatório (art. 144, § 1º, incs. I e II, ainda, § 4º, da Const. da República).

O inquérito policial emerge qual procedimento cautelar, voltado à “verificação da existência (material) da infração penal, descobrimento de todas as circunstâncias e respectiva autoria” (co-autoria ou participação)7. Surge administrativo, quanto à atuação e forma, mas, judiciário nos seus fins8. Ostenta fase procedimental da persecução penal. Contém atos de investigação e de instrução criminal (arts. 4o a 23, do Cód. de Proc. Penal).

4 Antônio de Paula conceitua polícia: “... organização destinada a prevenir e a reprimir os delitos, garantindo, assim, a ordem pública, a liberdade e a segurança individual” (“Do direito policial”, 2ª ed., Rio de Janeiro: A Noite, s/d., § II, p. 13). Hélio B. Tornaghi assenta: “Polícia. Órgão da administração pública, encarregados de manter a paz, proteger a ordem geral e a segurança de cada um ...” (“Instituições de processo penal”, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1977, v. 2º, p. 197). Os autores exibem clara influência do pensamento francês do século XVIII e XIX. O artigo 272, 1., da Constituição da República Portuguesa, de 1976, entretanto, diz: “A polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos”. Diga-se, dos indivíduos e não só dos cidadãos. Tal conceito funcional não significa que se deva criar um mero direito à segurança, que se distancie das liberdades públicas.5 Entenda-se paz pública como o produto da tranqüilidade social, não artificial, pela ordem social, enxergada como harmonia na comunidade.6 José Frederico Marques, Tratado de direito processual penal, São Paulo: Saraiva, 1980, v. I, § 3o , item 9, p. 12-3.7 Cf. artigos 11, § 2o e 38, in fine, do Decreto n o 4.824, de 22 de novembro de 1871, bem assim, artigo 42 do mesmo diploma regulamentar, com algumas adequações. 8 Fernando Henrique Mendes de Almeida, É sustentável que exista entre nós uma polícia mista? Em Arquivos da Polícia Civil, de São Paulo, v. III, p. 22-8, 1942.

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A inquisitividade, maior ou menor, acha-se, sempre, em qualquer sistema processual penal. No processo penal brasileiro, encontra-se em ambos os instantes da persecução penal — extrajudicial e judicial —, sem esquecer do processo de execução. Varia, tão só, a intensidade da pesquisa, conforme o escopo e a natureza do provimento jurisdicional intentado. Parece desútil repetir, a todo tempo, que se não confundem poder-dever inquisitivo do Delegado de Polícia e do Juiz penal, com procedimento inquisitório, extinto durante o século XIX. Tal baralhamento não tem mais lugar, na doutrina processual9. Anote-se, desde logo, que o aludido poder-dever não desponta incompatível com o exercício do direito de defesa, seja a jurisdição civil ou penal10.

Não guarda cabimento asserir-se que surge como simples peça informativa; para, em seguida, afirmar que os meios de prova, constantes do inquérito, servem para receber, ou rejeitar a acusação formal; prestam para decretar a prisão preventiva, em senso estrito; ou para conceder a liberdade provisória; surgem suficientes para instaurar incidente de insanidade mental; bastam, ainda, para determinar o arresto e o seqüestro de bens, por exemplo. Todos atos decisórios de manifesta gravidade11.9 Diz Rogério Lauria Tucci: “bem é de ver, entretanto, que a afirmada inquisitoriedade de toda a persecutio criminis, especialmente o poder inquisitivo conferido ao órgão jurisdicional, para a devida formação do seu convencimento não deve ser confundida com o processo inquisitorio, originário do direito penal romano e desenvolvido segundo o modelo canônico de triste memória. Como precisa Joaquim Canuto Mendes de Almeida, diferem, expressivamente, o procedimento ex officio, em que se consubstancia o processo penal inquisitorio e a inquisitividade ínsita à persecução penal, tendo ‘a doutrina e a jurisprudência pátrias confundindo, freqüentemente, o poder inquisitivo com o poder de procedimento ex offício, entendendo que o cancelamento deste exprime o desaparecimento daquele’. E, procurando afastar essa apontada dificuldade de entendimento, completa com veemência: ‘nosso juízo criminal é inquisitivo até nas ações exclusivamente privadas. Podemos ainda afirmar que, então, mais benéfica é a inquisitoriedade, talvez mais necessária do que nos casos de ação pública, porque, ao invés de obra imparcial do promotor público, o magistrado nelas vigia e tutela a verdade objetiva, contra os interesses secundários do particular ofendido’” (Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro, São Paulo: Saraiva, 1993, p. 38-9; o autor invoca a obra Processo penal, ação e jurisdição, São Paulo: Rev. dos Tribs., 1975, p. 193-4 ).10 Atentar para, no Código de Processo Civil, a atividade ex oficio do Juiz: ao “determinar as provas necessárias à instrução do processo” (art. 130); “determinar o comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las” (art. 342); “ordenar à parte a exibição parcial dos livros e documentos” (art. 382); “ordenar ... a inquirição de testemunhas” e “a acareação de duas (2) ou mais testemunhas” (art. 418, incs. I e II); nos procedimentos especiais de jurisdição voluntária, também, “a juiz é lícito investigar livremente os fatos e ordenar de ofício a realização de quaisquer provas” (art. 1.107).11 Observou José Frederico Marques: “Cumpre assinalar, porém, que se a instrução probatória é a fase procedimental específica para a produção de provas, atos instrutórios já se praticam desde a fase postulatória da instância e até mesmo nos atos preparatórios da investigação policial ou de outra

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Afirmar-se que o inquérito policial encerra, tão só, investigação é simplificar, em excesso, a realidade sensível. Resta-se na necessidade esforçada de asseverar, em conseqüência, que a decisão judicial, recebendo a denúncia ou a queixa, arrimada em inquérito, volta no tempo e no espaço, judiciarizando alguns atos do procedimento preparatório, ou preliminar12.

Recordem-se: as buscas e as apreensões, bem sucedidas; todas as perícias — exames, vistorias e avaliações —; reconhecimento positivo de pessoa e de coisa; juntada de documentos — papéis ou instrumentos — aos autos de inquérito13. Ocorre, admitida a acusação formal, espécie de banho lustral sobre os meios de prova, encontráveis, no primeiro instante da persecução penal, consoante criticada opinião.

Ora, quem investiga só rastreia. Instrução consiste em atividade tendente a produzir prova, reveladora do fato criminado, pois.

Na averiguação prévia, a Autoridade policial informa-se, instrui-se sobre o fato, que pode vir a ser declarado infração penal; e o comunica ao Poder Judiciário. Cifra-se a atividade instrutória, no inquérito policial, em: (a) demonstrar a existência material de fato, que se delineia ilícito e típico, imerso em sua circunstancialidade; (b) evidenciar-lhe a autoria, individuando o agente ou agentes, assim, recolhendo e conservando os meios de prova necessários à

informatio delicti, que tenha servido de base à acusação. Assim, é que a juntada de documentos, por exemplo, com a denúncia, constitui ato de instrução probatória. Por outro lado, as perícias efetuadas na investigação preparatória têm quase sempre, caráter de ato probatório definitivo. Além do mais, determine o artigo 12 que o ‘inquérito policial acompanhará a denúncia ou a queixa, sempre que servir de base a uma ou a outra’. Pelo próprio teor do texto, verifica-se que a função dos autos dessa investigação preparatória está em servir de fundamento à opinio delicti, que legitima a propositura da ação penal. Mas a verdade é que o inquérito, embora não possa, com suas provas, constituir-se como base da sentença definitiva, contém, no entanto, elementos indiciários e circunstâncias complementares, que podem esclarecer, reforçar ou consolidar elementos de convicção, colhidos na fase instrutória da instância penal. Assim sendo, o inquérito que acompanha a denúncia, é, sob certo aspecto, uma peça de instrução e que constitui, por isso, elemento probatório colhido fora da fase instrutória”. (Elementos de direito processual penal, Campinas: Bookseller, 1997, v. 2, § 84, n. 437, p. 251). Viu-se, portanto, levado a reconhecer o conteúdo instrutório do inquérito. Peça de instrução longe está de peça de informação.12 Nesse sentido, José Frederico Marques, Elementos de ... op. cit., v. 2, § 63, n. 313, p. 128.13 Ver sobre o tema: Maurício Henrique Guimarães Pereira; Alberto Angerami e Pedro Tonelli Neto, Provas policiais insuscetíveis de repetição, em Revista ADPESP, n. 26, p. 09-17, dez./ 1998.

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imputação subjetiva; e (c) afirmar a impossibilidade de atingir um ou outro resultado; ou ambos.

Forçoso anuir em que, no inquérito policial, irrompem atos de investigação e atos de instrução criminal preparatória. A distingui-los a relativa definitividade, ou não repetição. Melhor seria dizer atos sem mor provisoriedade, ou, em regra, insuscetíveis de reprodução: irrepetíveis.14.

O inquérito policial civil ganharia, em eficiência, com a regular cooperação do exercício do direito de defesa. A idéia não surge nova. Durante o ano de 1957, Joaquim Canuto Mendes de Almeida, grande mestre processualista, lançou-a15. Tanto que difundida, recebeu severo ataque da doutrina16 e nenhuma repercussão nos julgados. O pensamento vencedor persistiu em assentar que o inquérito policial desponta, em essência inquisitivo; contém, tão só, investigação e se exibe qual peça, meramente, informativa. O equívoco perdura, prevalecendo, desde há quarenta e cinco anos17.

Costuma-se dizer que, no inquérito, inexiste acusação ou partes. Em conseqüência, não enseja o exercício do direito de defesa18. Percebe-se, contudo, que o indiciado tem contra si

14 Maurício Henrique Guimarães Pereira e outros mencionam as provas policiais insuscetíveis de repetição e, na seqüência, as classificam, em face da instrução probatória, o quanto segue: “a) integrante da instrução probatória por força de lei; b) integrante da instrução probatória por força própria; c) passíveis de integrar a instrução probatória por contraste de regularidade”. (Provas policiais ... op. cit., p. 16). Na primeira espécie, estaria o exame do corpo de delito; na segunda o documento; e por fim o reconhecimento de pessoa ou coisa.15 O direito de defesa no inquérito policial, resultante da supressão da pronúncia no juízo singular, em Princípios fundamentais do processo penal, São Paulo, Rev. dos Tribs., 1973, p. 187-217. Cuida-se de republicação de quatro estudos, estampados no jornal o Estado de São Paulo, em julho e agosto de 1957.16 Tomou a frente, na doutrina, José Frederico Marques, combatendo a idéia de Joaquim Canuto Mendes de Almeida (A investigação policial; O inquérito policial; Ainda o inquérito policial, em Estudos de direito processual penal, Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 65-89).17 Eis, o conceito, em primeira abordagem: “Chama-se defesa à atividade de realizar, na na instrução e no julgamento penal, o direito a não sofrer penas, nem medidas de segurança; ou a sofrê-las, tão só, no limite legal” (Joaquim Canuto Mendes de Almeida, “Noções primeiras de direito judiciário penal”, em Investigações: Revista do Departamento de Investigações; São Paulo, ano I, n. 6, p. 22, junho de 1949).18 Cf. Hélio Tornaghi, Instituições de processo penal, 2 ed., São Paulo: Saraiva, 1997, v. 2, p. 253.

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imputação19. Chegou-se a denominar, por isso, o indiciado de quasi imputatus, temendo-lhe reconhecer o direito de defesa20.

Afirma-se, de outra sorte, que, no direito administrativo, importa distinguir mero procedimento de processo administrativo. No primeiro, inexistiria “contraditório”, pela falta de acusação e impossibilidade de aplicação de penalidade. Já, no processo administrativo, despontaria o “contraditório”, em razão de determinada imputação — constante de portaria, resolução ou outro meio incoador — e de eventual aplicação de reprimenda. Assim, o inquérito policial civil haveria de classificar-se dentre os simples procedimentos administrativos; ao lado, pois, de meios sumários de apuração de faltas — hoje, em desaparecimento — e de sindicância.

A argumentação é falha. Não há processo sem procedimento; mas, existe procedimento sem processo; nada implicando modificação substancial. No contraditório, pré-existe conflito, que se deseja solucionar mediante ele. Despontam — ou podem emergir —, portanto, tese e antítese: relação de oposição entre, ao menos, dois sujeitos parciais. A bilateralidade é, pois, exigência que leva ao método dialógico de superação do conflito, por meio da função e da atividade de sujeito imparcial. No puro exercício do direito de defesa, o conflito vem ostentando na afirmação da ocorrência de lesão, ou de ameaça de lesão. Daí, então, irrompe simples oposição ou resistência — parcial ou total — a determinada proposição, ou acusação informal. Em tal lanço, os sujeitos parciais bastam-se; cabendo, em regra, ao próprio imputante achar a solução do conflito, de modo potestativo.

19 A lei do processo, ao cuidar da instrumentalização da prisão em flagrante, diz que “a autoridade competente ... interrogará o acusado sobre a imputação que lhe é feita ...” (art. 304, caput).20 Hélio Tornaghi averbou: “Acertadamente evitou o Código a palavra acusado, na fase do inquérito policial. Como é óbvio, somente pode haver acusado depois da acusação, isto é, da denúncia ou queixa. É certo que, excepcionalmente, a lei defere a possibilidade de defesa ao simples indiciado, colocando-o na situação de quasi imputatus. Tal acontece em casos em que há restrição de um bem jurídico, v.g. da liberdade, na prisão em flagrante e na prisão preventiva, e do patrimônio, no seqüestro e na hipoteca legal. Nem por isso, entretanto, deve considerar-se acusado, embora possa parecer paradoxal que alguém se defenda sem ter sito acusado. É que a defesa se exerce aqui contra restrição, não contra a acusação. Tem pressuposto de direito processual, não de direito penal” (Instituições ... op. cit., v. 2, p. 253). A argumentação não convence.

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Fácil perceber que, no processo administrativo, não há contraditório, porém, exercício do direito de defesa, unicamente. Além do mais, a tendência legislativa está em permitir o seu exercício, também, na fase de sindicância.

Surge fácil perceber que o suspeito e o indiciado conseguem defender-se, ou exercitar defesa de maneira exógena, exterior, por meio do habeas corpus , do mandado de segurança e do habeas data (art. 5º, incs. LXVII e LXIX, da Const. da República). Os imputados, no inquérito, e os, formalmente, acusados reagem; mas, também, agem, defendendo-se, mediante os aludidos remédios juríco-processuais.

É manifesto que, ao ensejo da prisão em flagrante, a assistência, por advogado — cuja presença real há de mostrar-se ativa — e o recebimento da nota de culpa, ensejam defesa (art. 5º, incs. LXI, LXIII e LXIV, da Const. da República, c/c art. 304, caput, e § 1º; art. 306, e parágr. único, do Cód. de Proc. Penal). Anote-se que a proibição, ao preso, de comunicar-se com seu advogado quebranta-lhe o direito de defesa, ainda no correr do inquérito policial (art. 7º, inc. III, da Lei nº 8.906/94). Tais exemplos implicam aceitar que o direito existe e pode ser praticado.

A intervenção defensiva do indiciado, no persecução preparatória, em especial, apontando e requerendo meio de prova, ou pretendendo seguir-lhe a produção, não consiste em liberalidade, mas, em direito. Ensinou-se, com larga invocação da doutrina estrangeira, que a atuação, a assistência efetiva ao indiciado, pelo defensor, no desenvolvimento no inquérito policial, ostenta um direito subjetivo do constituinte.21 Direito nascente, de manifesto, na Lei 21 No processo penal belga, atingido o instante intermediário, perante o Juiz de Instrução (instrution), o inquirido não guarda direito de impugnação. A praxe, contudo, o tem admitido. No francês, a intervenção do imputado exsurge reduzida, mas, já existe na averiguação policial (enquete). Na instrução preparatória, corrente ante o Juiz Instrutor (mise en examen), ao increpado confere-se o direito de defesa. Já, no processo penal alemão, durante a fase preparatória, reconhecem-se vários direitos ao inquirido. Assim, o de ser ouvido; de contrariar a imputação e as provas emergentes. Valem-lhe, ainda, a presunção de inocência e a proporcionalidade das medidas coercitivas. No processo penal inglês, na fase policial, o inculpado exibe diversos direitos. A saber, por exemplo: conhecer os motivos da prisão, guardar a assistência de defensor. No processo penal italiano, a pessoa submete-se à averiguação (persona sottoposta alle indagini), ou o imputado (imputato) tem o direito de possuir defensor. Informações retiradas, de modo prevalente, da obra organizada de Mireille Delmas-Marty. “Procedure penali

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Maior (arts. 5o, incs. LV e LVXXIV, ainda, 134)22. Reforça-se, em conseqüência, o preceito da lei processual penal (art. 14).

Não se vai cuidar, entretanto, do inquérito policial militar, nesse lanço (art. 9º a 28, do Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969). As peculiaridades, ou especialidades do direito militar desfocariam, um pouco, a análise do tema.

04. A apuração de ilícito administrativo ultima-se mediante processo administrativo disciplinar (art. 41, § 1º, inc. II, da Const. da República). Surgem bem conhecidas as fases procedimentais: instauração, de ofício ou mediante provocação de qualquer pessoa; instrução; defesa; relatório e, depois, decisão da Autoridade. É obra de comissão disciplinar, denominada processante. Falhando elementos de convicção suficientes, para baixar a portaria incoadora, a Autoridade há de determinar a realização de prévia sindicância23.

Hoje, não há mais lugar para a recusa ao exercício do direito de defesa, no processo disciplinar.

Se a infração administrativa consistir, também, em infração penal, cópia de todo processado necessita remeter-se ao Ministério Público. Se, de outra sorte, a mais da infração disciplinar, vislumbrar-se a possível ocorrência de ilícito penal, cabe à Administração Pública dar notícia à Polícia Judiciária (art. 66, nº I, da Lei das Contrav. Penais e art. 319, do Cód. Penal).

Nada obsta a que, em procedimento administrativo não disciplinar, irrompam provas da ocorrência de fato ilícito e típico. Aguarda-se da Autoridade administrativa igual proceder:

d’Europa”– edição italiana, aos cuidados de Mário Chiavario – Milão: CEDAM, 1998, e da coletânea, dirigida por Edmundo S. Hendler, “Sistemas procesales penales comparados”. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1999.22 Rogério Lauria Tucci, após examinar o direito comparado, que exibe a clara tendência em aceitar o exercício do direito de defesa, na averiguação preparatória, firma sua convicção na indispensabilidade do direito de defesa, mesmo na fase de inquérito (Direito e garantias ... op. cit., p. 378-90).23 “Sindicância administrativa. Meio sumário de que se utiliza a Administração Pública, no Brasil, para, sigilosa ou publicamente, com indiciados ou não, proceder à apuração de ocorrências anômalas no serviço público, as quais, confirmadas, fornecerão elementos concretos para imediata abertura de processo administrativo contra o funcionário público responsável.” (José Cretella Júnior, “Dicionário de direito administrativo”, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, verb. resp., p. 438-9).

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comunicação ao Ministério Público, ou notícia da infração à Polícia Judiciária, tudo conforme o grau de incriminação, nele emergente 24.

Pode, assim, tornar-se forma de investigação e de instrução preliminar, atendendo ao direito processual penal.

05. Na esfera do Legislativo, desponta a comissão parlamentar de inquérito. Deita raízes na Lei Maior e desde os idos de 1934 (art. 36). Na Constituição da República atual, acha-se no Capítulo pertinente ao Poder Legislativo, Sessão VII, “Das Comissões” (art. 58, § 3º).

Volta-se à apuração de fato determinado e a tempo certo. Jamais contém o direito à devassa geral e infinda. As conclusões obtidas podem orientar eventual projeto de lei; conduzir a alguma recomendação; ou, de modo contingente, serão encaminhadas ao Ministério Público, “para que promova a responsabilidade civil e criminal dos infratores”, se emergir cabente (art. 58, § 3º, in fine da Const. da República)25.

Além das atribuições, que a Constituição lhe dá, tais como: “realizar audiências públicas”; “receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das Autoridades ou entidades públicas”; “solicitar depoimento de qualquer Autoridade ou cidadão” (art. 58, § 2º, incs. II, IV e V), as comissões parlamentares de inquérito regem-se pelas Leis nº 1.579, de 18 de março de 1952 e nº 10.001, de 04 de setembro de 2.000; bem como pelos Regimentos Internos das Casas, do Congresso Nacional.24 A Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, regulou o processo administrativo, no âmbito da Administração Pública Federal, abarcando os Poderes Legislativo e Judiciário da União. Já, a Lei 10.177, de 30 de dezembro de 1998, disciplinou o processo administrativo, no âmbito da Administração Pública Estadual, de São Paulo. Observe-se que a lei Paulista permite que qualquer pessoa, tendo conhecimento de violação da ordem jurídica, praticada por agentes administrativos, os acuse à Administração (art. 86). 25 Averba Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “Na verdade, a regra de ouro é que o poder investigatório há de estar vinculado a uma atribuição constitucional específica. Destarte, não sendo da alçada da Casa ou do Congresso tomar decisão a respeito do ‘fato’ investigado, descabe a investigação. É a condição geral de pertinência, que enfatiza a doutrina (...). É evidente que, por outro lado, pode a investigação levar à descoberta de delitos que não estejam na esfera punitiva do Congresso Nacional — que se limita aos crimes de responsabilidade. É por isso que a parte final do dispositivo em comentário prevê expressamente a remessa das conclusões da comissão ao Ministério Público, a fim de ser promovida a responsabilização penal ou civil dos ‘infratores’.” (“Comentários à Constituição brasileira de 1988”, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1997, p. 346).

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Os poderes da mencionada comissão de inquérito exsurgem limitados. Vale assentar: padecem das mesmas restrições, aplicáveis ao inquérito policial civil26.

Jamais aflorou dúvida séria, quanto à possibilidade de os indiciados exercitarem o direito de defesa, antes ou depois de serem ouvidos; tal como, em regra, se lhes permite o Código de Processo Penal e a Legislação, ao tratar de procedimentos especiais (arts. 2º, 3º e 6º, do Cód. de Proc. Penal; art. 106 do Dec.-Lei nº 7.661/45; art. 43, § 1º, da Lei nº 5.250/67; art. 2º, inc. I, do Dec.-Lei nº 201/67).

06. No Judiciário, irrompem duas formas de investigação e instrução preliminar: inquérito judicial da Lei de Falências e a denominada diligência preliminar de busca, apreensão e perícia, no procedimento especial dos crimes contra a propriedade industrial. Não se cogita, em tal lanço, da investigação e instrução preliminar de infração penal, supostamente, praticada por juiz (art. 84, do Cód. de Proc. Penal e Regimentos Internos dos Tribunais). Cuida-se de inquérito, cuja direção deslocou-se em razão da competência.

O inquérito judicial exibe-se como o primeiro instante, ou momento, da persecução penal, nos crimes falimentares (art. 103 a 108, do Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945).

No Juízo da quebra, abre-se o inquérito judicial, a requerimento do síndico, acompanhado da primeira via do relatório; seguida da perícia contábil e documentos, havidos por pertinentes. Em tal pedido, pode pleitear outras perícias e diligências; tudo destinado “ à apuração de fatos ou circunstâncias, que possam servir de

26 “A faculdade investigatória, atribuída às comissões parlamentares de inquérito, assemelha-se àquelas conferidas ao delegado de polícia, no exercício da persecução penal extrajudicial, ou persecução penal prévia. A autoridade policial, no curso do inquérito, pode e deve utilizar de todos os meios legais para atingir o bom êxito da investigação. Mas ninguém, jamais, afirmaria que a autoridade policial possa restringir direito fundamental, sem ordem e permissão judicial. Assim de igual modo, comissão parlamentar de inquérito não pode determinar a restrição a direito individual, como, por exemplo, decretar a prisão preventiva do investigado, expedir mandado de busca e de apreensão, interceptar conversa telefônica ou quebrar o sigilo bancário.” (Cleunice A. Valentim Bastos Pitombo, “Comissão parlamentar de inquérito e os institutos da busca e da apreensão”, em Justiça penal, 7: críticas e sugestões: justiça criminal moderna”, São Paulo: Rev. dos Tribs., 2.000, p. 275-6.).

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fundamento à ação penal” (art. 103, §§ 1º, 2º, da Lei de Falências, c/c art. 509, do Cód. de Proc. Penal). Permite-se, ainda, requerer o inquérito qualquer credor, se o síndico não o fez; e, também, solicitar o que acreditar necessário, com vistas à mencionada finalidade (art. 104).

A presidência da persecução penal, de manifesto, cabe ao Juiz da falência, Juiz cível da quebra.

Tanto que admitido a requerimento do síndico, dá-se vista ao Ministério Público, para que se manifeste sobre os requerimentos; e, de eventual, ofereça os seus. Observe-se que, se ninguém pediu a instauração do inquérito, ele, sempre, pode fazê-lo (art. 105, da Lei de Falências). Não requisita, requer.

O falido, ou qualquer envolvido, pode “contestar as argüições contidas nos autos de inquérito e requerer o que entender conveniente” (art. 106, da Lei de Falências). Sem razão os que sustentam não se ensejar plena defesa, no inquérito judicial. À evidência, de o inquérito emergir inquisitivo nunca lhe afasta o exercício do direito de defesa (art. 5º, incs. LIV e LV, da Const. da República). Armou-se desnecessária confusão entre sistema processual inquisitivo — hoje, inexistente — e inquisitoriedade, específica das duas fases da persecução penal, por motivo da regra da verdade material. O fato de o Juiz penal exibir-se inquisitivo — em qualquer forma procedimental — não arreda o direito de defesa e a contraditoriedade. Não surge lícito tratar o envolvido como estranho, no inquérito, cujo conteúdo é instrução criminal judicial. Basta lembrar de que nele se obtém e se produz prova da materialidade e da autoria, co-autoria e de participação, nos crimes falimentares. A postura irrompe, até, retrógrada. Desde, por exemplo, no direito comparado, os casos Escobedo versos Illinois (378 U.S. 478, 1964) e Miranda versos Arizona (384 U.S. 436, 1966), em que se consagrou o direito de defesa técnica, mesmo ao indiciado. Dizer que o inquérito

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judicial é simples peça informativa exibe desconhecimento do processo penal vigorante e da Lei Maior.

Afirma-se, enganadamente, que o inquérito judicial, por guardar caráter inquisitivo, não força a intimar o defensor do envolvido ou terceiro interessado. Hoje, se aceita que a ampla defesa exibe-se no jus de ser informado; na bilateralidade de audiência; ou contraditoriedade; e no direito à prova, legitimamente obtida, ou produzida27. Bem pode irromper, contudo, o exercício do direito de defesa, em face de certa imputação, sem que se estabeleça o contraditório, de modo necessário. A falta de intimação, engendrando carência de oportunidade de defesa, provoca nulidade absoluta (art. 5º, incs. LIV e LV, da Const. da República).

Deferidos os meios de prova, que se pleitearam, passa-se à aludida instrução judicial. Tanto que concluída, abre-se vista ao Ministério Público; que, no prazo de cinco dias, pedirá a apensação do inquérito, aos autos da falência; ou oferecerá denúncia, em face do falido e de outros envolvidos (art. 108, da Lei de Falências). O requerimento de apensação equivale ao pedido de arquivamento de inquérito policial (art. 28, do Cód. de Proc. Penal e art. 109, § 1º, da Lei de Falências).

O ato decisório do Juiz da falência — não despacho —, que aceita, ou rejeita, a acusação precisa emergir fundamentado (art. 109, § 2º, da Lei de Falência, e Súmula nº 564, do Supr. Trib. Federal, sem esquecer o art. 93, inc. IX, da Const. da República). Assim é, porque, o inquérito judicial encerra sumário de culpa, ou juízo de acusação, e tal decisão assemelha-se à de pronúncia (art. 408, do Cód. de Proc. Penal). Quem sustenta que o inquérito judicial não contém, como exigência, o exercício do direito de defesa, fica em dificuldade técnica, para, em seguida, reclamar motivação, no decisum interlocutório, que admite a acusação formal.

27 Conforme Rogério Lauria Tucci & José Rogério Cruz e Tucci, “Constituição de 1988 e processo: regramentos e garantias constitucionais do processo”, São Paulo: Saraiva, 1989, § 6º, item 16, p. 61.

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07. A Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, regulou direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. O Capítulo VII, “Das disposições gerais”, encerra preceitos de natureza penal, civil, processual e administrativa (arts. 196 a 210).

As diligências preliminares, referidas nas leis, dizem, de modo prevalente, com o corpo do delito e com sua evidenciação pericial (arts. 526; 527, parag. único; e 528, do Cód. de Proc. Penal; ainda, arts. 200 a 204, da Lei nº 9.279/96).

Na esteira dos mencionados preceitos, tais diligências seriam as buscas, as apreensões e as vistorias. Observe-se que, no sistema probatório brasileiro, as perícias mostram-se por via de exame, vistoria e de avaliação. Em verdade, o tema é exame do corpo do delito, meio de prova da materialidade da infração penal, cujo fato não é transeunte. Elas dirigem-se, portanto e cautelarmente, para formar o auto do corpo do delito, o qual surge indispensável, nas infrações penais, que deixam vestígios depois de si (arts. 525; 240, § 1º, letras c e h; 158 e 564, inc. III, letra b, do Cód. de Proc. Penal)28.

Cuida-se, em síntese, de procedimento judicial criminal, preventivo e cautelar, destinado à demonstração da materialidade de infrações penais, cujo objeto jurídico de tutela acha-se na propriedade industrial. Desnecessário lembrar de que nem tudo que exsurge preventivo é cautelar.

Tal diligência ostentar-se-ia inaudita altera parte, dominariam, então, as idéias de urgência e celeridade, vedando-se o direito de defesa 29. Esse entendimento necessita repensar-se, em face do tratamento que a Constituição da República deu à garantia da plenitude da defesa (art. 5º, inc. LV).

Assim, o procedimento judicial probatório, de que se cuida, não mais há de constituir-se em hiato de ilegalidade, no sistema do

28 Conforme José Frederico Marques, “Elementos ...” opus cit. v. III, § 857, p. 361.29 Conforme Fernando da Costa Tourinho Filho, “Processo penal”, 18ª ed., São Paulo: Saraiva, 1997, v. 4º, p. 180; no mesmo sentido Damásio E. de Jesus, “Código de processo penal anotado, 14ª ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 378, em nota ao art 525.; ainda, João da Gama Cerqueira , “Tratado da propriedade industrial”, 2ª ed., São Paulo: Ed. Rev. dos Tribs. , 1982, v. 1º, § 338, p. 572 e n. 36.

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processo penal. Tanto que ninguém argumentaria com a falta de interesse do eventual imputado, na feitura da evidenciação da materialidade do crime, que se lhe deseja atribuir. A pressa de ultimar o exame do corpo do delito atende-se com a ordem liminar inaudita altera parte, tão conhecida, nos procedimentos cautelares e em ações judiciárias, que a admitem (art. 928, do Cód. de Proc. Civil, por exemplo); sem obstar posterior ciência e oportunidade de manifestação daquele, que viria a ser acusado, de modo formal. Achar-se-iam as regras, ou os direitos respeitados: de ser informado, de audiência e de legalidade na produção da prova penal. Mantido, contudo, o procedimento preventivo tal como se mostrava na doutrina anterior, a busca, vistoria, apreensão e o exame vão todas as providência aflorar nulas e de pleno jus (arts. 43, inc. III; 158 e 525, do Cód. de Proc. Penal e arts. 200 e 201, da Lei nº 9.279/96 c/c art. 5º, incs. LIV e LV, da Const. da República).

Não poucas vezes, ao realizar-se o exame do corpo do delito, termina-se por indicar, ou fazer crescer a prova da autoria, co-autoria ou da participação, nas específicas infrações penais 30. O direito de defesa não se deve arredar, seja em razão de sua natureza, seja em base de motivação frágil.

O laudo dos peritos precisa, para ganhar força e efeito, de receber homologação judicial (arts. 528, c/c art. 799, do Cód. de Proc. Penal). O procedimento todo constitui reminiscência — não só a mencionada homologação — da antiga forma de julgamento do auto do corpo do delito 31.

A decisão judicial, que homologa o laudo, não se constitui em despacho, nem é interlocutória. Ostenta-se como sentença, no sistema vigorante. Dela, se contrária ao requerente da medida, cabe, por isso, apelação. Desnecessário lembrar de que é ato judicial, que deve emergir fundamentado (art. 93, inc. IX, da Const. da República).30 Conforme Cleunice A. Valentim Bastos Pitombo, “Da busca e da apreensão no processo penal”, São Paulo: Ed. Rev. dos Tribs., 1999, § 7.2.1.3, p. 250. 31 Conforme e com mínima divergência, José Frederico Marques, “Elementos...”, opus cit., v. III, § 857, p. 362 e nota 15.

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O procedimento, assim, exibe-se qual maneira de investigação e de instrução preliminar, relativa aos crimes contra a propriedade industrial.

08. As indicadas cinco formas de investigação e de instrução preliminar, no direito brasileiro, servem ao processo penal de conhecimento de natureza condenatória. Afastam a ação penal; ou lhe oferecem justa causa, ao darem fundamento, arrimo, à acusação formal. Dirigem-se à demonstração da existência material de fato ilícito e típico, bem como de respectiva autoria, co-autoria e participação.

Crescem de valor e de importância, se aceitarmos a idéia da inafastabilidade do exercício do direito de defesa; despregando-o da idéia de contraditório, que se reclama indisponível, ou indispositivo, na segunda fase da persecução penal.

Novembro de 2002