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ISSN 2176-1396

JOGOS COOPERATIVOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL:

DESPERTANDO A COOPERAÇÃO

Marilicia Witzler Antunes Ribeiro Palmieri 1- UEL

Grupo de Trabalho – Educação da Infância

Agência financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Diferentes práticas educativas e pedagógicas desvelam-se no contexto da educação infantil.

Em tais práticas transitam uma ampla gama de valores, conceitos, regras, orientações, ideias e

concepções, configurando relações motivacionais complexas e gerando o desenvolvimento de

diferentes padrões de interação social. A presente pesquisa investigou a promoção da

cooperação na educação infantil, utilizando Jogos Cooperativos como recurso para auxiliar o

professor a incentivar as crianças a agirem cooperativamente. O objetivo foi refletir sobre o

processo educativo envolvido na interação entre crianças de 4 a 6 anos e estas com

professoras no sentido de analisar o potencial da proposta dos Jogos Cooperativos para

inserção de práticas que promovam atitudes cooperativas na escola, a qual tende a valorizar o

resultado e não o processo, enaltecendo a vitória como prêmio do sucesso individual. Com

base na pesquisa qualitativa em psicologia do desenvolvimento, a metodologia adotada foi a

de base microgenética, em que a investigação proposta foi realizada através do registro em

vídeo de dois jogos cooperativos promovidos por duas professoras para documentar a

emergência das interações entre elas e seus alunos. A análise dos dados aponta para a

importância dos Jogos Cooperativos para orientar professores a planejarem e promoverem

atividades de caráter cooperativo e favorecedoras do desenvolvimento integral das crianças.

Aponta, também, para a importância do professor instruir as crianças sobre as regras de

participação em atividades, já que é a quem cabe a definição de regras e a liderança do espaço

comunicativo das atividades a serem desenvolvidas pelas crianças. Sugere-se a realização de

cursos de formação aos professores voltados a prática dos jogos cooperativos em uma

perspectiva crítica das interações sociais, trabalhando a teoria na prática, para que esta seja

comprometida com a educação das crianças, quando o professor dispõe desse recurso para

trabalhar a cooperação com seus alunos.

Palavras-chave: Jogos Cooperativos. Cooperação. Educação Infantil.

1 Doutor em Psicologia pela Universidade de Brasília-DF. Endereço para correspondência: Rua: Joaquim

Távora, nº 392. Jardim Sabará. Londrina-PR. CEP: 86066-020. Telefone: (0XX43) 3338-0464. Fax: (0XX43)

3371-4488. Endereço eletrônico: [email protected]

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Introdução

Relações de dominação, desigualdade, exploração, individualismo e competição

prevalecem na sociedade. É difícil observar relações entre as pessoas pautadas nos princípios

de justiça, respeito mútuo, solidariedade e cooperação. Entretanto, nós, educadores e

cidadãos, almejamos construir e viver numa sociedade democrática e solidária, estabelecendo

relações compatíveis com os valores humanos de dignidade e justiça. Porém, nem sempre

temos consciência de que estamos reafirmando relações desiguais ancoradas no

individualismo e na competição exacerbados, os quais acabam por gerar hostilidade entre as

pessoas, bem como crises, violências e graves problemas sociais dificilmente superados.

Segundo a Declaração Universal de Direitos Humanos, a humanidade somente irá

caminhar para a construção de valores atrelados à cooperação, quando abandonar aqueles que

geram injustiça, competição, hostilidade, rivalidade, egoísmo. Em outras palavras, valores,

atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida que se baseiam no respeito à vida, no

fim da violência e na promoção da não-violência por meio da educação, cooperação e diálogo,

precisam ser estimulados, incentivados.

Dessa forma, podemos pensar em construir uma sociedade pautada em relações de

cooperação através da educação e, particularmente da educação infantil, valores cooperativos

precisam ser estimulados desde cedo, porque a criança nessa fase é mais sensível e menos

exposta à competição (SOLER, 2003). Ao ingressar na Instituição de Educação Infantil a

criança passa a conviver com vários colegas, e já participa de processos de avaliação de

desempenho, por exemplo, o que gera às vezes categorizações exclusivas como os “mais

aptos” de um lado, e os “menos aptos” por outro, podendo gerir competitividade exacerbada

na criança que mal começou a viver na sociedade (SOLER, 2003).

Para Almeida (2010), o maior desafio da educação do século XXI tem sido ensinar as

pessoas a aprenderem a viver juntas. É preciso entender que educar para a cooperação envolve

um processo contínuo de conscientização das pessoas e da sociedade, tendo como eixo

norteador o equilíbrio entre o eu, o outro e o contexto sociocultural. Neste sentido, o trabalho

educativo com crianças pequenas pode criar variadas condições cooperativas para que estas

desenvolvam sua autonomia, exercitem a vivência coletiva, práticas inclusivas, pautadas no

respeito e na ajuda mútuos, e na construção de valores compatíveis com uma sociedade

democrática, solidária e justa.

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Muitas das experiências vividas pelos professores da educação infantil são e foram

impregnadas de concepções teóricas e práticas competitivas e individualistas, não apropriadas

para orientar o caráter educativo, pedagógico e formativo das atividades propostas para serem

desenvolvidas com as crianças (MACHADO, 2000). Isto quer dizer que o trabalho educativo

precisa incentivar a expressão de comportamentos positivos que estimulem a igualdade de

oportunidades, a convergência de objetivos, a expressão individual e processos de negociação

e, possibilitar às crianças a descoberta e a criação de novas formas de conduta, novos

sentimentos, valores, ideias costumes e papéis sociais com base em dinâmicas cooperativas

(BRASIL, 1998).

Em muitas das práticas educativas no âmbito da educação infantil, desvelam-se

diferentes procedimentos contemplando alternativas educativas e pedagógicas diversificadas.

Estas permitem o trânsito de uma ampla gama de valores, conceitos, regras, orientações,

ideias e concepções, configurando relações motivacionais altamente complexas e que

implicam no desenvolvimento de diferentes padrões de interação social. Assim, por exemplo,

dependendo das ações pedagógicas do professor, é ele quem define as normas e as regras,

como também lidera e domina de forma quase absoluta o espaço comunicativo das atividades

a serem desenvolvidas pelas crianças. Destaca-se aqui a qualidade da relação professor-aluno,

que pode facilitar ou impedir a configuração de um clima motivacional positivo na ambiência

escolar (BRANCO, 2006; BARRIOS, 2009; JOHNSON; JOHNSON, 1989; PALMIERI,

2003; 2007; PALMIERI; BRANCO, 2014; SALOMÃO, 2001; TACCA, 2004, 2005).

Dentre as diretrizes apontadas pelo Referencial Curricular Nacional para a Educação

Infantil, elaborado pelo Ministério da Educação e Cultura (BRASIL, 1998), para o

desenvolvimento do trabalho com crianças de quatro a seis anos está a promoção de

interações criança-criança que favoreça a troca de ideias, oportunidade de expressão, de

contato com outras vivências e a construção conjunta de conhecimentos e habilidades sociais.

Desta forma, tal diretriz, de modo compatível com a literatura especializada em

psicologia do desenvolvimento, aponta a cooperação como condição necessária para o

desenvolvimento da criança nesta faixa etária, configurando-se como o principal tipo de

interação a ser estimulado e promovido na educação infantil.

Portanto, a nosso ver, a função educativa e pedagógica da escola está ligada à

promoção de interações, que podem favorecer uma participação ativa da criança em

atividades específicas, mas podem, também, constituir-se enquanto um contexto significativo

para todos os que dela participam (BRANCO; METELL, 1995). Deste ponto de vista,

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assegurar a construção do saber no contexto educacional sob o universo semântico das trocas

expressivas entre adultos e crianças e, entre as crianças, é fundamental ao favorecimento de

certos tipos de interação, que irão constituir uma rede de relações que poderá, ou não,

favorecer o processo educativo na direção desejada.

Nesta direção, a lógica das interações em contextos educacionais pressupõe um

processo de organização de objetivos continuamente negociados com relação aos conteúdos e

métodos de ensino-aprendizagem e às regras de participação nas atividades (BRANCO;

METTEL, 1995). No entanto, para que ocorram momentos permanentes de negociação que

facilitem a configuração de atividades orientadas para a promoção da autonomia e de

comportamentos sociais positivos como cooperação e comportamentos pró-sociais, é

fundamental que o significado e a importância da atividade conjunta estejam explicitados com

clareza para todos os envolvidos nas dinâmicas interativas (BRANCO; METTEL, 1995;

PALMIERI; BRANCO, 2007; BRANCO; MANZINI; PALMIERI, 2012; PALMIERI;

BRANCO, 2014; SALOMÃO, 2001; TACCA, 2004).

Fica claro que as práticas educacionais caracterizam-se por tipos (ou padrões) de

interação social (como a cooperação, competição e o individualismo), e estão associadas a

crenças e valores correspondentes, ou seja, cada definição se refere aos múltiplos significados

valorativos em termos de valores pró-sociais (empatia, solidariedade, etc.) e antissociais

(hostilidade, agressão e indiferença, por exemplo). Estas práticas dão origem a disposições

motivacionais distintas que interagem mutuamente. Os padrões de interação social, entretanto,

não existem isoladamente, mas possibilitam a conversão de um no outro, de forma complexa

e dinâmica. Por exemplo, quando o professor promove atividades com regras competitivas,

orienta o processo educativo a gerar uma disposição motivacional na criança para competir.

Sendo assim, as chances da criança apresentar maior tendência à agressividade, hostilidade,

rivalidade, etc. são maximizadas. De forma inversa, quando o professor maximiza orientações

cooperativas para a realização de atividades cooperativas, as crianças tendem a mostrar ações

e disposições motivacionais para cooperar, e expressar valores que fortalecem suas relações

com as outras crianças e com o contexto educacional.

É nesse contexto que os Jogos Cooperativos podem ser utilizados para reorientar o

processo educativo e auxiliar o professor a planejar e promover atividades cooperativas na

escola. Nosso objetivo aqui será sublinhar a necessidade e a importância de desenvolver

atividades que sejam verdadeiramente cooperativas no contexto da educação infantil – as

quais garantam o desenvolvimento global das crianças em constante interação com adultos e

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com outras crianças –, recorrendo aos Jogos Cooperativos para instrumentar professores a

promoverem a cooperação nesse contexto educacional.

Nossa pesquisa demonstra que a prática dos jogos cooperativos na educação infantil

incentiva as crianças a cooperarem entre si, já que as regras desse tipo de atividade visa o

alcance de objetivos comuns, momento em que as crianças coordenam suas ações com a de

outros e, ao professor possibilita compartilhar seus objetivos e metas com os alunos. Além

disso, a pesquisa permite analisar diferentes tipos de inter-relações que abrange o conjunto de

normas, regras, valores, rotinas, atividades livres e estruturadas, recursos materiais e

simbólicos, enfim, todo um conjunto de fatores que se se apresentam típicos desse contexto

infantil.

O que são jogos cooperativos?

Chamamos de “cooperativos” jogos que aceitam as diversidades e as limitações dos

participantes, tendo a função de resgatar valores perdidos na sociedade, possibilitando o

exercício da confiança, cumplicidade, solidariedade, respeito mútuo entre as pessoas e inibir a

disputa pela vitória e pela derrota (CORREIA, 2006; 2007; SALVADOR; TROTTE, 2001).

Os jogos cooperativos são exercícios para compartilhar, unir pessoas, despertar a coragem

para assumir riscos, tendo pouca preocupação com o fracasso e o sucesso em si mesmos, mas

sim uma fonte de prazer. Promovem o encontro onde reforçam a confiança pessoal e

interpessoal uma vez que ganhar e perder já não é tão essencial; são apenas referências para

um contínuo aperfeiçoamento de todos, vislumbrando ao final deste caminho um verdadeiro

exercício educativo para desenvolver a cultura da paz (BROTTO, 2000).

Segundo Correia (2006), Salvador e Trotte (2001) e Soler (2003), o precursor dos

jogos cooperativos foi o educador americano Ted Lentz, cuja proposta foi sistematizada na

década de 50 nos Estados Unidos e difundida para outros países. No entanto, segundo os

autores, o principal estudioso dos jogos cooperativos, que pesquisou a relação entre jogo e

sociedade, foi Terry Orlick, pesquisador canadense da Universidade de Ottawa, nos anos 70

com a publicação do livro “Vencendo a competição”, o qual têm servido de referência para

qualquer trabalho sobre o tema. Nesta publicação o autor destaca a forte influência da

exacerbação da competição no esporte – desde os gregos, na antiguidade – e a visão

esportivizante da educação física escolar atrelada ao modelo competitivo das relações sociais

na tentativa de valorizar e promover a cooperação como o paradigma fundamental das

relações e ações humanas. Visão esportivizante da educação física ou processo de

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esportivização da educação física escolar é entendido como um “processo de associação e

incorporação do esporte de rendimento com manifestações corporais populares, assim como a

tentativa de reproduzi-lo nos espaços públicos, como ruas, praças e, mais especificamente, a

escola” (CORREIA, 2006, p. 28).

No Brasil, a experiência com os jogos cooperativos aconteceu por volta de 1980 no

Estado de São Paulo, e hoje, de certa forma é conhecida em todo país a partir de diversas

publicações de autores ligados à área da Educação e da Educação Física escolar (BROTTO,

2000; CORREIA, 2006, 2007; SOLER, 2003, entre outros). Tendo como pano de fundo as

ideias de Orlik (1989) em tais publicações, de forma geral, questiona-se tendências teóricas

que enfatizam a visão esportivizada e competitivista dos esportes, apresentando a proposta

dos Jogos Cooperativos como uma tendência teórica crítica, sendo esta destacada como uma

das mais viáveis e adequadas para promover a cooperação e superar o processo de

esportivização e acabar com o mito que é a competição que nos faz evoluir.

Uma boa expressão dessa proposição é destacada no trabalho de Correia (2006, p. 43),

a qual representa a tentativa de valorizar uma estrutura cooperativa dos jogos em detrimento

de outra competitiva, quando as seguintes características são observadas em cada uma delas:

Jogo competitivo: é divertido para alguns, alguns se sentem perdedores, alguns são

excluídos por falta de habilidade, estimula a desconfiança e o egoísmo, cria barreiras

entre as pessoas. Os perdedores saem e observam, estimula o individualismo e o

desejo que o outro sofra. Nestes jogos é nítida a exclusão social, alguns sobressairão e a maioria será considerada perdedora. Jogo Cooperativo: divertido para todos,

todos se sentem ganhadores. Todos se envolvem de acordo com as habilidades;

estimula o compartilhar e confiar; cria pontes entre as pessoas; os jogadores ficam

juntos e desenvolvem suas capacidades; ensina a ter senso de unidade e

solidariedade; desenvolvem e reforçam os conceitos de nível AUTO (auto-estima,

auto-aceitação); fortalece a perseverar frente às dificuldades; todos encontram um

caminho para crescer e desenvolver. Desta forma não há exclusão, cada um auxilia

com suas possibilidades para o grupo obter sucesso.

Amparado nas formulações de Orlick, Correia (2006, 2007) sugere que os jogos

cooperativos alterem a estrutura “vitória-derrota” comumente observada nos esportes e nos

jogos tradicionais pela estrutura “vitória-vitória”. Isto significa fazer com que essas atividades

sejam reestruturadas, de modo a introduzir valores, princípios e regras dos Jogos

Cooperativos, visando “criar oportunidades para o aprendizado cooperativo e a interação

cooperativa prazerosa" (ORLICK, 1989 apud CORREIA, 2007, p. 123).

Correia (2007) entende que essas mudanças se iniciam quando alteramos a estrutura

dos jogos tradicionais de suas características de exclusão, agressividade, seletividade e

exacerbação presentes em jogos competitivos, para uma estrutura de jogos que sejam

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basicamente pautados na cooperação, na aceitação, no envolvimento e na diversão. No

Quadro 1 o autor apresenta a categorização dos Jogos Cooperativos formulada por Orlik

(1989), a qual serve para orientar o professor para modificar e adaptar jogos a uma concepção

não competitiva ou cooperativa.

QUADRO 1: CATEGORIZAÇÃO DOS JOGOS COOPERATIVOS

Jogos cooperativos sem perdedores São os jogos plenamente cooperativos, pois todos

jogam juntos e não há perdedores.

Jogos cooperativos de resultado coletivo Existe divisão em duas ou mais equipes, mas o

objetivo do jogo só é alcançado com todos jogando

juntos.

Jogos cooperativos de inversão Envolvem equipes, mas todos os jogadores trocam

de equipe a todo instante, dificultando reconhecer

vencedores e perdedores.

Jogos semi cooperativos Envolve duas ou mais equipes. O objetivo do jogo

só é alcançado quando há cooperação entre os participantes do grupo (intra-grupos) e competição

entre as equipes (inter-grupos).

Fonte: Adaptado de Correia, Marcos Miranda. Jogos Cooperativos e Educação Física Escolar: possibilidades e

desafios. Revista Digital, Buenos Aires, Ano 12, n°107, 2007.

Por outro lado, é importante destacar que os autores não defendem a eliminação da

competição no esporte, mas sim a “ressignificação crítica do esporte e do significado da

competição” (OLIVEIRA, 2002, p.6). A ressignificação, nesse sentido, implica a ênfase a ser

dada ao significado central do esporte que é marcar pontos e não sofrer por não os ter

marcado, o que leva à percepção de fracasso e derrota, e pode causar incompatibilidade e

rivalidade. Portanto, a competição não pode ser vista como um “problema” do esporte, de

modo a eliminar as próprias estruturas dos jogos competitivos (CORREIA, 2006), mas sim

numa composição entre a cooperação como um processo social pertinente ao jogo, à vida, ao

esporte e à natureza. Ao examinar essa composição Brotto (2000) assim se expressa

A competição é um processo de interação social onde os objetivos são mutuamente exclusivos, as ações são individualistas e somente alguns se beneficiam dos

resultados (...) e a cooperação é um processo de interação social onde os objetivos

são comuns, as ações são compartilhadas e os resultados são benéficos para todos.

(BROTTO, 2000, p.27)

Seguindo essa linha de raciocínio, a proposta dos Jogos Cooperativos evoca a reflexão

sobre o tipo de relações que temos vivenciado em nossa sociedade como uma forma de

superar tendências individualistas e competitivas que perpetuam a desigualdade social, foco

do presente estudo. Em outras palavras, quando os autores falam de Cooperação estão se

referindo à cultura competitiva e individualista que vivemos como reflexo da forma pela qual

a sociedade se organiza, a qual enaltece o resultado (e não o processo) de modo a valorizar a

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vitória como prêmio do sucesso individual (CORREIA, 2006; 2007) e, nesse sentido, “se o

importante é competir, o fundamental é cooperar” (BROTTO, 2000, p.63). Contudo, quando o

discurso da competição é aceito como um valor importante para a sociedade e deve, portanto,

ser ensinada de maneiras mais sutis na escola, esquece-se que ela é estimulada por uma

cultura e ideologias direcionadas para a negação do outro nos espaços de convivência, dando

continuidade às políticas de exploração e dominação (CORREIA, 2006).

Desta forma, quando os autores da área da educação física escolar propõem a

construção de uma sociedade baseada na cooperação, apontam a necessária mudança de

concepções e práticas que levem a novas aprendizagens sócio-educativas na escola, cujo

potencial transformador e questionador em relação à competição está no exercício da

cooperação através dos Jogos Cooperativos. Nesta direção, Salvador e Trotte (2001)

defendem que cabe à escola, como um contexto sociocultural privilegiado para a constituição

de modelos de conduta social e de valores humanos e, ao educador como um agente de

mudança, a possibilidade de integrar espaços de cooperação, que favoreçam um

desenvolvimento pleno, flexível, sadio e diversificado aos seus alunos, na direção de valores

democráticos, e de autonomia associados à solidariedade.

O universo da pesquisa

Duas professoras e suas turmas de crianças entre 4 e 6 anos participaram da pesquisa

em um Centro Filantrópico de Educação Infantil (CEI) na cidade de Londrina-PR. Na

pesquisa usamos P1 e P2 para nominar as professoras. P1 tinha 10 alunos e P2 14. A pesquisa

foi desenvolvida em duas etapas. Na primeira etapa P1 e P2 participaram de dois encontros de

formação com duração total de 8horas, nas dependências do próprio Centro de Educação

Infantil. Essa etapa visou instrumentar as professoras conceitualmente sobre o termo

“cooperação” e orientá-las na escolha de um jogo cooperativo constantes no livro “Jogos

cooperativos na educação infantil” (SOLER, 2003), que seria proposto e desenvolvido com as

crianças. Uma apostila explicativa sobre cooperação, definição dos jogos cooperativos e

sugestões de jogos foi elaborada especialmente para a condução dos encontros com as

professoras.

A segunda etapa aconteceu logo após os encontros de formação. Ao escolher um jogo

cooperativo para realizar essa atividade com as crianças, cada uma das professoras foi

convidada a participar de um vídeo gravação do jogo que iriam promover. Os jogos foram

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“Pipoca Melada” (P1) e “Caiu na rede é amigo” (P2), ambos classificados como “sem

perdedores”, de acordo com a classificação dos jogos cooperativos (ORLIK, 1989).

Resultados

O jogo cooperativo “Pipoca Melada” acontece quando duas pipocas [crianças] entram

em contato umas com as outras, elas devem ficar juntas (grudadas). Uma vez grudadas, as

crianças devem continuar a procurar outras “pipocas”, até que todas formem uma grande bola

de pipocas. Para jogar o “Caiu na rede é amigo” é preciso que a professora escolha quem seja

o jogador que correrá em perseguição a todos os outros. O amigo que é apanhado pelo

perseguidor, passa a ser também perseguidor e deve dar-lhe as mãos e unidos, partem à

procura de outros amigos. Os novos amigos incorporam-se ao grupo dos perseguidores,

unindo as mãos em fileira, que constitui a rede. As crianças devem correr em perseguição aos

que estiverem dispersos e, os fugitivos, devem tentar escapar. O jogo só termina quando uma

grande rede é formada com todos os jogadores de mãos dadas.

O tempo de duração do jogo promovido por P1 foi 9’ e 23’’, e o jogo “Caiu na rede é

amigo” instruído por P2, foi 11’ e 45’’. Para ilustrar o padrão de interação promovido pelas

duas professoras junto às crianças, apresentamos seis episódios interativos vídeos gravados,

os quais foram analisados em nível microgenético. Os episódios selecionados dizem respeito

às instruções oferecidas pelas professoras às crianças sobre as regras do jogo, ao

desenvolvimento do jogo em si e, o resultado final do jogo quando anunciado pelas

professoras às crianças.

Sequencias do Jogo Cooperativo “Pipoca Melada” promovido pela Professora 1

Episódio 2: O que é Cooperação? (Duração: 1’:52’’)

P1 explica às crianças como a brincadeira vai funcionar: - Hoje nós vamos brincar daquela

brincadeira pipoca melada. Que brincadeira é essa? É uma brincadeira...

E algumas crianças respondem animadamente: - Cooperativa.

P1 pergunta: - O que é cooperativo para vocês?

Uma criança responde: - Tem que brincar junto.

P1 balança a cabeça positivamente e parafraseia:- Tem que brincar junto e o que mais?

E a mesma criança continua:- Tem que ser amigo.

P1 reitera dizendo: - Tem que ser amigo.

Dando um passo na direção de Raul, P1 pergunta: - Você sabe Raul o que mais?

Raul não responde. P1 responde no lugar da criança: - Tem que respeitar o amiguinho, não é

verdade?

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E outra criança ao lado de Raul responde em tom animado: - É, tem que brincar com o

amiguinho.

P1 afirma animada: - Issooo!

Episódio 4: Do ladinho ou Separadinho? (Duração: 43’’)

P1 diz em tom explicativo: - Todo mundo vai levantar, levanta todo mundo. Um vai ficar do

ladinho do outro, um do ladinho, todo mundo do ladinho. Mas P1 continua, dizendo: - Pode

ficar um pouquinho separado! Todo mundo! Todo mundo separadinho.

P1 começa a separar as crianças direcionando-os para os lados. Vendo que duas crianças estão

de mãos dadas, diz: - O Luis e João podem soltar as mãozinhas! Aí nós vamos erguer os

bracinhos, lá no alto...

Todos levantam suas mãos e P1 continua: - E todo mundo vai começar a pular e contar,

contar até 3! Tá?

Uma das crianças pergunta: - Até 3?

P1 responde: - Isso! Aí nós vamos ter que ir pulando, pulando, pulando até um ficar de frente

para o outro, e todo mundo ir ficando beeem juntinho igual pipoca lá na panela, tudo bem?

Alguns respondem: - Tá!

- Então vai... um, dois, três e já!

Episódio 5: O Jogo Cooperativo (Duração: 2’:15’’)

P1 e as crianças começam a pular. Uma das crianças começa pulando em direção à P1 e

estende suas mãos para que ela as segure. P1 segura às mãos da criança e diz gritando: -

Todos pulando! Vai, vai. Vamos, todo mundo pulando bem juntinho.

Algumas crianças vão se grudando e gritando uns para os outros: - Aqui, aqui, vem aqui!

P1 diz em tom de ordem: - Tem que encontrar o amiguinho! Vai, vamos pulando juntinho.

Vai Raul, vamos lá. Com alguém.

P1 olha para a criança que está segurando suas mãos e diz: - Vamos lá, vamos encontrar o

Raul.

Elas se aproximam de Raul e P1 diz: - Vem Raul, vamos lá igual pipoca.

P1 segura sua mão e continua pulando junto com as crianças. As crianças se juntam

espontaneamente e começam a pular em círculos segurando as mãos em roda. P1 diz se

direcionando para uma criança: - Vai com a Julia, vamos pegar a Julia. Pula, pula, pula! Raul

segura a mão da Julia.

Após isso, P1 se dirige a outra criança, dizendo:

- Vamos buscar os amiguinhos aqui.

P1 e as crianças vão pulando de encontro com as outras. Duas crianças não estão de mãos

dadas e P1 faz um pequeno gesto com a mão para que segurem as mãos, fechando o círculo.

Quando todas as crianças estão juntas P1 anuncia o término do o jogo:

- Aê!!!

Ao longo do jogo cooperativo “Pipoca Melada”, promovido por P1, observamos o

estabelecimento de regras e de instruções cooperativas para as crianças participarem do jogo.

Neste sentido, P1 deixa claro que cooperar é a regra que deve ser cumprida pelas crianças

para participar do jogo. Dito de outro modo, P1 esclarece às crianças que elas têm uma única

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condição para jogar: somente se jogasse cooperando uns com os outros é que a brincadeira

poderia acontecer, pois, do contrário a principal regra do jogo não será cumprida. Para tanto,

incentiva às crianças a seguirem a regra da “ajuda” explicitando sua real necessidade,

complementada por falas do tipo “tem que brincar junto, ser amigo, ajudar e respeitar o

amigo...”.

Podemos dizer que apesar de P1 responder, muitas vezes, no lugar das crianças, as

crianças interpretaram a instrução da “ajuda” como indicação de regra para participar do jogo

(“- É, tem que brincar com o amiguinho”), tornando a noção do “não agir sozinho” sinônimo

de requisito e capacidade para participar do jogo que ela estava propondo. Podemos dizer,

então, que o significado do termo “ajuda” passou a ter, assim, uma conotação positiva e

motivadora para as crianças participarem do jogo que P1 iria promover.

A atuação de P1, portanto, serviu como influência canalizadora das interações

desenvolvidas durante o jogo “Pipoca melada”, através da indução à cooperação, já que as

crianças precisavam cooperar umas com as outras para participarem da atividade.

Conclusivamente, P1 estruturou uma atividade em que as crianças tinham que alcançar metas

congruentes fazendo prevalecer a motivação para cooperar, o que favoreceu interações

conjuntas entre os participantes (BRANCO, 2001; BRANCO;VALSINER, 1997).

Sequencias do Jogo Cooperativo “Caiu na rede é amigo” promovido pela professora 2:

Episódio 2 – Explicando o significado de “rede” no jogo (Duração: 52’)

P2 indaga: - Por que a nossa brincadeira se chama assim? Caiu na rede é amigo? O que é

uma rede?

Uma das crianças, gesticulando com as mãos responde: - Ela é cheia de fio colorido.

P2 continua questionando as crianças: - É um monte de fiozinho. E ficar separado vai ficar

legal?

Todas as crianças respondem juntas: - Não!!

P2 pergunta: - Não, porque o que pode acontecer? Isso, se vocês sentarem... Isso, se alguém

sentar na rede com buraco o que vai acontecer?

Algumas crianças respondem: - Vai cair!

P2 continua perguntando em tom de entusiasmo: - Então. E para nossa rede ficar forte o que

precisa acontecer?

Uma criança responde: - Tem que pegar o amiguinho e deixar ele te pegar.

P2 concorda e continua perguntando: - Isso, isso... Tem que ficar de mãozinha dada bem

junto.

Uma criança interrompe P2 e diz em tom alto de voz: - é de deixar a mãozinha dada.

P2 concorda com a criança balançando a cabeça afirmativamente, dizendo: - De mãos dadas,

muito bem!

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Episódio 4: Vamos brincar? Interrompendo o jogo (Duração: 1’:30’’)

P2 convida as crianças: - Vem todo mundo aqui pertinho de mim.

As crianças se levantam rapidamente e correm ao encontro de P2 que diz em tom de

explicação: - Eu vou ficar de mãos dadas aqui com o Luis [pegador] para a gente poder

começar. E vou falar: um, dois, três e...

As crianças respondem animadas: - Já!!

P2 fala em tom mais sério: - Calma aí!

P2 volta a contar, mas agora um pouco mais devagar: - Um, dois, três e... espera só um

minutinho. A nossa brincadeira vai ser realizada só aqui na grama, tá?

As crianças que haviam começado a correr param e prestam atenção às instruções. P2

continua a falar em tom explicativo: - No pátio nem na escada não. Combinado?

As crianças respondem afirmativamente e P2 diz: - Então pode começar.

Episódio 12: Finalizando o jogo (Duração: 32’’)

P2 instrui as crianças para fecharem a roda e para ficarem de mãos dadas, mesmo

considerando que algumas crianças não estavam de mãos dadas formando a rede. Ela

pergunta em tom de entusiasmo: - Nós conseguimos?

O grupo responde animadamente em coro: - Sim!

- Fizemos uma rede de amigos? - Sim!

P2 pergunta com animação: - Foi legal?

E as crianças respondem em tom desanimado: - Foi!

- Todo mundo cooperou e deixou pegar na mãozinha?

Algumas crianças dizem: - Sim!

P2 diz em tom de animação: - Parabéns para vocês então!

Todos começam a bater palmas, gritando animadamente.

No jogo “Caiu na rede é amigo” P2 também apresentou às crianças uma regra

cooperativa, procurando incentivá-las na compreensão do significado de rede sempre

respondendo suas incitações “Tem que pegar o amiguinho e deixar ele te pegar” (...) é de

deixar a mãozinha dada. Contudo, ao longo do jogo a regra cooperativa que P2 propôs às

crianças para jogar vai se transformando pelas suas próprias interrupções, em uma atividade

desmotivadora coordenada por ela. Por exemplo, no episódio 4, apesar das crianças

demonstrarem motivação para participar da construção conjunta da atividade (“Já”), P2

instruiu “Calma aí!”. A nosso ver, esta ação de P2 acabou por suprimir as motivações das

crianças para cooperarem entre si, preocupando-se mais em enfatizar as regras do jogo e

menos no jogo que aconteceria em “grupo”. Essa orientação de P2 limitou as chances das

crianças de participar de modalidades cooperativas na construção do jogo, levando-as a

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desenvolver um padrão de interação independente em relação à P2, à espera que a atividade

terminasse. Em função dessa orientação, portanto, P2 decide encerrar o jogo abruptamente e

independentemente da participação ou não das crianças que acabam por concordar com as

suas perguntas (Nós conseguimos? – Sim! Foi legal? – Foi! Todo mundo cooperou e deixou

pegar na mãozinha? – Sim! Parabéns para vocês então!).

Discussão

A análise das interações em ambos os jogos cooperativos organizados e promovidos

pelas duas professoras mostrou que as orientações para crenças e objetivos das duas

professoras carregavam um sentido de cooperação, onde vencer o jogo não era o principal

objetivo dos participantes. Antes de iniciar o jogo, por exemplo, as professoras se orientaram

em fazer com que as crianças entendessem o significado do que é cooperar.

Da mesma forma, durante os jogos, as professoras também se orientaram por

assegurar-se de que as crianças entendessem a regra da “ajuda” para participar do jogo,

preocupando-se em encorajá-las a colaborarem umas com as outras. Nossas análises apontam

que os seis episódios analisados mostraram orientações para crenças e objetivos das

professoras revelando que: a) em uma situação de cooperação, as crianças deveriam contar

com a ajuda dos colegas para participar do jogo; b) é muito importante segurar nas mãozinhas

dos colegas para participar do jogo; c) é mais importante respeitar o amigo e brincar junto do

que brincar de forma independente.

Com essas orientações para crenças e objetivos comunicadas às crianças, as

professoras revelaram indução à cooperação durante as instruções oferecidas para a realização

dos jogos cooperativos, garantindo, inclusive, que a instrução dúbia e ambivalente que

marcou o episódio 4 (“juntinho ou separadinho”), conduzido por P1, por exemplo, não

interferisse no funcionamento do jogo em termos da promoção de processos interativos

convergentes (cooperação), tendo P1 sempre incentivado e estimulado as crianças a darem as

mãos e a realizarem juntas a brincadeira (episódio 5).

Portanto, verificou-se grande coerência entre a proposta original (para que as

professoras promovessem uma atividade de jogo cooperativo entre as crianças) e os jogos

efetivamente promovidos por elas. Tanto as atividades quanto as instruções e as orientações

das professoras estiveram voltadas para a promoção da cooperação. Isto nos leva a concluir

que durante a aplicação dos jogos cooperativos, as professoras instruíram positivamente o

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significado do termo “cooperar”, tal como foi enfocado nos encontros de formação realizados

na primeira etapa da pesquisa.

Portanto, as crianças foram orientadas pelas professoras por objetivos convergentes, os

quais expressaram o processo de canalização cultural (BRANCO, 2009; VALSINER, 2012)

para cooperar na construção conjunta dos jogos conduzidos. Além disso, ainda que o espaço

dos jogos tenha evidenciado interações ambivalentes, estas foram se transformando em

interações convergentes (cooperação) ao longo do fluxo das interações professoras-crianças.

Assim, a partir dos episódios analisados podemos dizer que as duas professoras explicitaram

para as crianças o significado e a importância de cooperar durante a condução dos jogos.

A análise microgenética das interações professoras-crianças revelou a importância da

proposta dos jogos cooperativos para promover a cooperação, na medida em que permitiu a

análise das interações sociais de forma detalhada, ao longo do fluxo contínuo e complexo de

comunicação e metacomunicação entre as professoras e as crianças (BRANCO; VALSINER,

1997; SALOMÃO, 2001), caracterizada pela contínua coconstrução de orientação para

objetivos. Durante a condução dos jogos cooperativos as professoras mostraram que a

cooperação é fruto da coordenação de esforços de uns com os esforços dos outros no alcance

de metas comuns, a qual é favorecida em situações tipicamente estruturadas de forma

cooperativa.

Conclusão

A pesquisa nos faz pensar sobre a importância da instrução inicial oferecida pelas

professoras para as crianças participarem de atividades diversas, ao incentivarem o

entendimento em relação às regras de participação (BRANCO; METELL, 1995; BRANCO;

PALMIERI; GOMES PINTO, 2012; PALMIERI; BRANCO, 2007). Nos leva a pensar

também que a proposta dos jogos cooperativos serve como uma ferramenta ou auxílio às

professoras para promoverem cooperação com seus alunos, possibilitando-lhes explorar as

configurações motivacionais facilitadoras das crianças para cooperar.

Deste ponto de vista, uma das proposições que fazemos é a urgência de estruturação

de projetos de orientação continuada a professores da educação infantil, relacionados ao

estudo e promoção de interações e valores atrelados à cooperação, utilizando os jogos

cooperativos. Tal projeto envolveria discussões sobre os processos de desenvolvimento

humano com o objetivo de fomentar ideias, reflexões e ações sobre a natureza e os objetivos

das atividades que hoje são oferecidas às crianças na educação infantil.

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Acreditamos que as possibilidades e os limites dessa proposta no contexto da educação

infantil contribuirão à análise do complexo processo construtivo de socialização entre

professores e alunos inseridos em espaços educacionais que tem por base um contexto

heterogêneo e dinâmico, ancorado em diferentes aspectos relativos à interdependência

humana, aí convivendo, em princípio, orientações múltiplas e diversificadas.

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