John M. Frame - Não Há Outro Deus - Uma Resposta Ao Teísmo Aberto

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  • No H Outro DeusUma Resposta ao Tesmo Aberto

    John M. Frame

  • No H Outro DeusUma Resposta ao Tesmo Aberto

    John M. Frame

  • Expediente

  • Dedicado ao conselho, ao corpo docente, aosadministradores, aos alunos e aos assistentes

    do Reformed Theological Seminary

  • Prefcio 11

    1.O Que o tesmo aberto? 15A retrica e a realidadeA abertura do Deus soberanoVulnerabilidade soberanaAs ambigidades do tesmo abertoComo os telogos que defendem o tesmo aberto vem o tesmo

    tradicionalAs principais reivindicaes do tesmo aberto

    2.De onde veio o tesmo aberto? 23A antiguidade do tesmo abertoDeus e os gregosSocinianismo: O elo perdido na genealogia do tesmo abertoInfluncias mais recentesO que novo no tesmo aberto?

    3. Como os telogos que defendem o tesmo aberto lem a bblia? 35LgicaModelosExegese direta e antropomorfismo

    4. O Amor o atributo mais importante de Deus? 41Amor, sensibilidade, receptividade e vulnerabilidade

    Sumrio

  • 5. A vontade de Deus a explicao final para todas as coisas? 47O mundo naturalA histria humanaVidas humanas individuaisDecises humanasPecadosF e salvaoPassagens que resumem o tema

    6. Como os telogos do tesmo aberto respondem? 69Universalizao de particulares?Preordenao divina versus responsabilidade humana?Que tipo de eleio?Como Deus pode agir agora se ele age sempre?Outras objees dos telogos do tesmo aberto

    7. A vontade de Deus irresistvel? 81Vontades antecedentes e conseqentesVontades decretatria e normativaA distino de SandersA eficcia da vontade de Deus

    8. Ns temos liberdade verdadeira? 93Uma anlise critica do indeterminismoOutros tipos de liberdadeO problema do mal

    9. Deus est no tempo? 109Argumentos contra a divina atemporalidadeArgumentos filosficos em favor da supratemporalidade divinaO que dizem as escrituras sobre Deus e o tempoA onipresena temporal de Deus

    10. Deus muda? 121Um Deus que tem compaixoDe que modo Deus imutvel?Imutabilidade e onipresena temporal

    11. Deus sofre? 135AsseidadeDeus tem sentimentos?

  • Deus pode fraquejar?Deus sofre a morte em Cristo?

    12. Deus sabe antecipadamente de todas as coisas? 145Divina ignorncia nas escrituras?O conhecimento exaustivo de Deus sobre o futuro

    13. O tesmo aberto coerente com outras doutrinas bblicas? 155Inspirao bblicaPecadoRedenoSeguranaCu e infernoOrientao

    Concluso 159

    Bibliografia 162

    Notas 169

  • O propsito deste livro descrever e avaliar biblicamente o movimentoteolgico conhecido por tesmo aberto. Os telogos desse movimento ensi-nam que Deus no est acima do tempo, que ele no controla toda a naturezae nem toda a Histria, que ele no conhece o futuro exaustivamente e que ele,s vezes, comete erros e muda os seus planos, sendo, portanto, em algunsaspectos, dependente do mundo. Esses telogos apresentam os seus pontos devista de modo cativante, assim atraindo muitos discpulos. No entanto, no meuentender, a posio deles totalmente desprovida de fundamento bblico, eesse movimento tem causado divises e confuses em igrejas, seminrios, uni-versidades, editoras e outras organizaes crists.1

    Em vrias sees do meu livro mais volumoso, The Doctrine of God (Adoutrina de Deus) a ser publicado, trato desses temas, e, numa proporo me-nor, do prprio tesmo aberto. No entanto, nesse livro a minha crtica est espa-lhada por vrios captulos que tambm tratam de outros assuntos, o que poderfazer com que o leitor tenha dificuldade de entender o todo. Portanto, como otesmo aberto assunto de grande importncia em nossos dias, eu reuni asminhas idias sobre esse movimento teolgico neste livro menor. Ele contmalgum material do livro The Doctrine of God, mas tambm muito materialnovo que rebate, especialmente, os escritos dos preponentes do tesmo aberto,e analisa, com mais profundidade, os textos bblicos relevantes.

    Embora a minha avaliao geral, com respeito ao tesmo aberto, sejanegativa, tenho me beneficiado da interao com os telogos desse movimen-to. Eles me desafiaram a entender melhor a relao recproca que h entreDeus e o mundo, conforme descrita na Bblia. Concordo com eles que no

    Prefcio

  • 12 - No h outro Deus

    podemos simplesmente desconsiderar esse relacionamento recproco e trat-loapenas como antropomorfismo. Ou, se decidirmos considerar essa relao comoantropomrfica, precisamos prestar mais ateno ao verdadeiro sentido deantropomrfico nesse contexto. Por esse motivo, neste livro, tento no so-mente avaliar criticamente o tesmo aberto, mas tambm formular de formasistemtica o relacionamento entre o plano eterno de Deus e os acontecimen-tos da criao, de um modo mais preciso do que, por vezes, tem sido feito pelostestas tradicionais.

    Neste livro, portanto, h algum relacionamento recproco entre os telogosdo tesmo aberto e a minha pessoa. Tenho tentado ser justo na minha interpreta-o dos seus escritos para evitar exageros, dar crdito quando este devido, ereconhecer as fraquezas da posio tradicional quando estas existem. Isso tudona confiana de que minha crtica negativa venha a ser ainda mais convincente.

    Sou grato a todos os que me encorajaram neste projeto (e na minha com-posio da obra maior, The Doctrine of God) e a todos os que compartilharamcomigo os seus pensamentos a respeito deste tema. Meu estimado colega vete-rano, Roger Nicole, foi de grande ajuda ao compartilhar material, tanto dos seusprprios escritos quanto de escritos de outros. Devo dizer ainda que, depois que oprimeiro rascunho deste livro foi completado, tornou-se disponvel o excelentelivro de Bruce Ware, Gods Lesser Glory: The Diminished God of OpenTheism.2 Depois de ter lido esse livro, comecei a refletir sobre o meu prpriotrabalho: o que eu teria a acrescentar a um trabalho to completo, equilibrado econvincente como esse feito por Ware? Porm, refletindo um pouco mais, perce-bi que possvel contribuir com certas coisas, tanto para o alicerce como para asuperestrutura do argumento de Ware, como seu entusiasta obreiro contempor-neo, sem menosprezar o seu empreendimento. Neste livro dou mais ateno doque faz Ware, entre outras coisas, (1) universalidade da soberania divina, (2) perspectiva indeterminista antibblica e incoerente da liberdade humana (3) spressuposies metafsicas e epistemolgicas do tesmo aberto e (4) base his-trica do movimento. Revendo o que escrevi, percebo que, mesmo que Ware eeu compartilhemos muitas preocupaes e idias, quem ler ambos os livros nover muita repetio. E, alm das diferenas no modo de tratar o assunto, Wareprecisa de companhia. importante reunir testemunhos mltiplos na defesa doque acreditamos ser a posio bblica.

    Agradeo tambm a P&R Publishing por sua disponibilidade e rapidez deexpresso em me apoiar nesta empreitada, aos meus alunos do WestminsterTheological Seminary na Califrnia e do Reformed Theological Seminary deOrlando pelas estimulantes interaes. Sou grato, especialmente, ao meu alunoJustin Taylor pelas suas sugestes bibliogrficas e por seus comentrios a respei-

  • Prefcio - 13

    to do rascunho anterior deste volume. Sou grato tambm a James Scott, da P&R,que editou este livro. Ainda sou grato a Canon Press, por sua permisso paraincluir partes do meu artigo Open Theism and Divine Foreknowledge (Tesmoaberto e prescincia divina)3 e, no geral, por continuar me encorajando.

  • Neste captulo, tentarei descrever em termos gerais a posio do tesmoaberto, contrastando-o com o tesmo tradicional. Porm, em primeiro lugar,preciso remover algumas barreiras para um entendimento recproco.

    A retrica e a realidade

    Os telogos do movimento tesmo aberto nem sempre tm sido muito cla-ros ao descrever aquilo em que acreditam. Muitas de suas exposies (porm,certamente, no todas) so mais parecidas com palestras motivadoras ou discur-sos polticos do que com filosofia ou teologia sria. Eles parecem estar maisinteressados na persuaso do que na clareza. Muitas vezes, eles escrevem pro-sas emotivas, procurando sensibilizar o leitor com respeito sua posio e dar umsentimento de averso em relao s concepes tradicionais de Deus. Precisocomear alertando os leitores a que no se deixem levar por essa retrica.

    Clark Pinnock, por exemplo, um dos telogos desse movimento, distinguedois modelos de Deus que as pessoas comumente trazem consigo na mente:

    Podemos imaginar Deus primeiramente como um monarca distante,afastado das contingncias do mundo, imutvel em todos os aspectosdo seu ser, como um poder todo-determinante e irresistvel, ciente detudo o que ir acontecer e que nunca se arrisca. Ou, podemos enten-der Deus como um pai que se preocupa, dotado de atributos de amore receptividade, generosidade e sensibilidade, abertura e vulnerabili-dade, uma pessoa (em vez de um princpio metafsico) que se aventura

    1

    O que o tesmo aberto?

  • 16 - No h outro Deus

    no mundo, reage ao que lhe acontece, relaciona-se conosco e interagedinamicamente com os seres humanos.1

    Pinnock endossa o segundo modelo e o identifica como sendo o tesmoaberto.2 Porm, essa descrio de supostos modelos gerais de Deus, no soacomo verdadeira. Minha impresso que a maioria dos cristos associa elemen-tos de ambos os modelos: Deus um monarca, mas no afastado. Ele um podertodo-determinante e irresistvel, mas tambm um Pai que se preocupa.3 Ele no contingente (ou seja, dependente) do mundo, nem tampouco est afastado dascontingncias do mundo, pois est muitssimo envolvido com o mundo que criou.Est a par de tudo o que acontece e nunca se arrisca, contudo abundante emamor e receptividade, em generosidade e em sensibilidade. Ele uma pessoa,no meramente um princpio metafsico.4 Tambm no creio que muitos cristos(mesmo os tradicionais) desaprovassem a descrio que Pinnock fez a respeitode Deus como algum que conhece o mundo, reage ao que acontece, relaciona-se conosco e interage ativamente com os seres humanos.5

    O que Pinnock apresenta como sendo dois modelos distintos de Deusconsiste, em grande parte, de aspectos de um modelo nico o modelo bblicoque tem orientado o pensamento da maioria dos cristos atravs dos sculos.Eu rejeitaria dois elementos da primeira lista (a indiferena de Deus e seuafastamento do curso do mundo), e questionaria dois da segunda lista (a aber-tura de Deus e sua vulnerabilidade).6 Penso que a maioria dos cristos atravsda Histria concordaria comigo.

    A abertura do Deus soberano

    Eu disse que questiono os termos de Pinnock, abertura evulnerabilidade, mas no que os rejeito. Na verdade, posso ratificar essestermos em alguns sentidos. Contudo, eles so ambguos. O termo abertura ,certamente, uma metfora. No usado nas Escrituras como um atributo deDeus, e no possui um significado padro na literatura teolgica. Richard Ricedefine esse termo mostrando que o tesmo aberto considera Deus como re-ceptivo a novas experincias e flexvel quanto ao modo como age em direo aseus objetivos no mundo.7

    Porm, eu acredito que Pinnock e outros usem a palavra aberto tam-bm por causa de suas conotaes.8 O termo d uma boa impresso. Elesugere um panorama de vastas campinas, cheias de alegres raios solares, es-teiras convidativas, portes abertos, pensamentos no-dogmticos e pessoasdispostas a compartilhar os seus segredos mais ntimos. Esse tipo de fantasia

  • O que o tesmo aberto? - 17

    certamente atraente s pessoas em nossa cultura. No entanto, precisamos sercuidadosos quanto a isso. Isso porque fechado , s vezes, melhor que aber-to. A comida se estraga se deixarmos a porta da geladeira aberta. Um cofreaberto um convite para os ladres. E no nada prudente deixar a porta docarro aberta enquanto este estiver em movimento. Talvez, em certos aspectos, melhor para Deus que ele seja fechado. Por exemplo, se ele realmentedeixou todo o futuro completamente em aberto, ele tambm deixou em aberto apossibilidade da vitria de Satans.

    Como veremos, o soberano Deus do tesmo cristo tradicional fechadoem certos aspectos. Porm, concernente a outros aspectos, ele tambm umDeus de abertura. Ele abre o mundo de maneira maravilhosa para os seusfilhos, ordenando que exercitem domnio sobre o mundo inteiro (Gn 1.28), habi-litando Paulo a dizer que ele tudo pode por meio de Cristo (Fp 4.13)! Ele colocauma porta aberta perante o seu povo enquanto proclamam a Cristo por todo omundo (Cl 4.3; Ap 3.8). Deus pode abrir e fechar as portas da criao precisa-mente por ser soberano: o que abre, e ningum fechar, e que fecha, e nin-gum abrir (Ap 3.7).

    Sua soberania o torna totalmente aberto nossas oraes, pois ele semprepode respond-las. Para ele, porta alguma se encontra fechada. Ele pode, deve-ras, at mesmo abrir as portas do corao humano sua influncia; no podemosdeix-lo de fora. Seu poder soberano nos abre para ele e, vice-versa, ele a ns.

    Portanto, a metfora da abertura beneficia ambas as partes. Na verda-de, os relativamente poucos usos de aberto na Bblia encaixam-se melhor nomodelo tradicional do que no de Pinnock. Porm, no h dvida de que no sepode construir teologia sobre metforas, pois estas tm a caracterstica de po-derem ser tomadas em vrias direes diferentes, mas de preferncia combase no ensino das Escrituras.

    Vulnerabilidade soberana

    Vulnerabilidade uma idia que examinarei mais adiante neste livro.Minha opinio que Deus, em sua natureza bsica, no pode sofrer perda, e oseu plano eterno no pode sofrer derrota alguma. Nesses aspectos, ele invulnervel. Porm, ao interagir com as criaturas, ele realmente pode se en-tristecer (Ef 4.30). Jesus era profundamente vulnervel, mesmo sendo nadamenos que o prprio Filho de Deus. E at mesmo, independentemente daEncarnao, o profeta declara que Em toda a angstia deles, foi ele (Deus)angustiado (Is. 63.9). Essa nfase bblica totalmente compatvel com o tesmoclssico, como argumentarei neste livro.9

  • 18 - No h outro Deus

    As ambigidades do tesmo aberto

    Entretanto, no fizemos muito progresso em definir, de modo mais preci-so, a natureza do tesmo aberto e suas diferenas com relao viso tradici-onal. As duas listas de Pinnock, como vimos, so muito vagas, ambguas eequivocadas ao definir essas diferenas. Gastei algum tempo em suas listaspara demonstrar que o apelo do tesmo aberto freqentemente baseado nasconotaes, nos sons e na retrica das palavras, em vez de na substncia.

    Outro exemplo fornecido pelo prefcio do livro The Openness of God:

    Deus, em sua graa, concede aos seres humanos liberdade significati-va para cooperar com, ou ir contra, a vontade de Deus para suas vidas,e ele entra em relacionamentos dinmicos e recprocos conosco. Avida crist envolve uma genuna interao entre Deus e os seres huma-nos. Respondemos s iniciativas graciosas de Deus e Deus reage nossas respostas... e assim por diante. Deus se arrisca nesse relacio-namento recproco. Mesmo assim, ele infinitamente rico em recursose competente para manejar as coisas, levando-as a seus objetivos lti-mos. s vezes, Deus, sozinho, decide como executar esses objetivos.Em outras ocasies, Deus age com decises humanas, adaptando osseus prprios planos para que se ajustem s situaes inconstantes.Deus no controla tudo o que acontece. De preferncia, ele est aber-to a receber informao de suas criaturas. Em dilogo amoroso, Deusnos convida a participar com ele na formao do futuro.10

    Os autores admitem, para mrito deles, que essa descrio de tesmoaberto feita somente em forma de grandes pinceladas.11 Todavia, esse otipo de descrio que prende a ateno e as emoes da maioria dos leitores.Os autores se oferecem para nos levar a uma aventura maravilhosa, de granderisco, mas de braos dados com o prprio Deus. Quem no gostaria de ir?

    Porm, o que liberdade significativa? Os telogos do movimento dotesmo aberto tambm a descrevem como sendo a liberdade real ou liberda-de verdadeira. (Compare a ltima referncia com a interao verdadeira.) claro que todos querem ter liberdade verdadeira, e todos gostariam deacreditar que a possuem (na verdade, que outro tipo de liberdade h?). Entre-tanto, essa linguagem prejudica grandemente a argumentao. Como veremosmais adiante, o tesmo aberto ensina uma perspectiva especfica de liberdade,ou seja, o indeterminismo, o qual altamente controverso na teologia. Argu-mentarei que esse conceito no bblico e incoerente. Por meio de uma

  • O que o tesmo aberto? - 19

    anlise cuidadosa, o indeterminismo se revela como sendo, no liberdade ver-dadeira, mas sim um tipo de escravido ao acaso imprevisvel.

    E qual o significado de um relacionamento dinmico com Deus, emoposio a um relacionamento esttico? A teologia moderna exalta coisas di-nmicas e demoniza tudo o que esttico. E os autores de The Openness ofGod seguem fielmente essa tendncia. Porm, qual a verdadeira diferena?Evidentemente, nesse contexto, dinmica significa mudana, em vez de po-deroso. Contudo, mesmo na teologia clssica, o nosso relacionamento comDeus muda em certos aspectos, mesmo que Deus, em si mesmo, no mude.Ou seja, Deus imutvel em sua natureza e em seu plano eterno, mas o seurelacionamento com as criaturas certamente muda. Portanto, na verdade, tantoa teologia ortodoxa como o tesmo aberto, nos prometem um relacionamentodinmico com Deus.

    Ser que queremos realmente excluir qualquer aspecto esttico (imu-tvel) do nosso relacionamento com Deus? Ser que no importante quealguns dos aspectos desse relacionamento sejam imutveis, como por exem-plo, as promessas de Deus, o seu caminho para a salvao, a sua justia, asua santidade e a sua misericrdia? O escritor do Salmo 136 no se deleitaem repetir o refro: sua misericrdia dura para sempre? Ser que algumtelogo do tesmo aberto ficaria contente se visse o amor de Deus se trans-formar em crueldade?

    Meu apelo a todos os leitores de livros escritos por telogos que defen-dem o tesmo aberto que no se deixem levar pela retrica. No deixem quecoisa alguma lhes passe desapercebida. Reflitam bem sobre o assunto; pergun-te-se o que esses autores esto realmente dizendo. No se deixem impressio-nar pela linguagem ambgua, mas retoricamente atraente, que eles usam.

    Como os telogos que defendem o tesmoaberto vem o tesmo tradicional

    Agora hora de nos deslocarmos da retrica s diferenas verdadei-ras entre o tesmo aberto e o tradicional. Os telogos do tesmo aberto, diga-se a seu favor, vo, por vezes, alm de uma postura retrica para uma postu-ra analtica. Richard Rice, por exemplo, nos d um relato preciso dos temasem controvrsia, e preciso examin-lo. Devemos, primariamente, conside-rar como os telogos do tesmo aberto vem os ensinamentos dos testastradicionais. Aqui vai o meu resumo do que Rice denomina de perspectivatradicional ou convencional:12

  • 20 - No h outro Deus

    1. Ela enfatiza a soberania, a majestade e a glria de Deus.2. A vontade de Deus a explicao final de todas as coisas.3. A sua vontade irresistvel.4. Ele generoso e benevolente, mas igualmente glorificado com a

    destruio do mpio.5. Ele est acima do tempo.6. Ele conhece todas as coisas do passado, do presente e do futuro.7. Em sua essncia, ele no afetado pelos acontecimentos e pelas

    experincias humanas.

    Os termos tradicional e convencional sugerem que as tradies teolgi-cas, em sua maioria, concordariam com essas afirmaes. Porm, na realidade,a descrio de Rice reflete especificamente as convices calvinistas, mais doque qualquer outra tradio. Os arminianos, por exemplo, no concordariam quea vontade de Deus a explicao final de tudo ou que sua vontade irresistvel.Por outro lado, nem todos os calvinistas concordariam que Deus glorificadoigualmente (ou em todos os sentidos), tanto na salvao dos justos quanto nadestruio dos perversos. Os calvinistas acreditam que Deus predestina igual-mente ambos os resultados, assim como preordena todos os acontecimentos danatureza e da Histria. No entanto, nem todos os acontecimentos lhe so agrad-veis e, nesse sentido, nem todos os acontecimentos o glorificam de maneira idn-tica. Quanto destruio do mpio, a Escritura afirma que Deus no tem prazerna morte do perverso (Ez 33.11) e muitos calvinistas tomam esse ensinamentode modo totalmente literal.13 Entretanto, a lista de Rice indica os conceitos sobreDeus que os telogos do tesmo aberto querem rejeitar.

    As principais reivindicaes do tesmo aberto.

    Posteriormente, Rice expe a sua prpria perspectiva de Deus, a qual compartilhada por outros telogos do tesmo aberto. Mais uma vez parafraseioe resumo, usando muito da prpria linguagem de Rice:14

    1. O amor a qualidade mais importante de Deus.2. O amor no apenas cuidado e comprometimento, mas tambm ser

    sensvel e compreensivo.3. As criaturas exercem influncia sobre Deus.4. A vontade de Deus no a explicao ltima de todas as coisas. A

    Histria o resultado da combinao do que Deus e suas criaturasdecidem fazer.

  • O que o tesmo aberto? - 21

    5. Deus no conhece todas as coisas eternamente, mas aprende com odesenrolar dos acontecimentos.

    6. Portanto, em certos aspectos, Deus depende do mundo.

    Alm dessas, h uma stima proposio que Rice no menciona aqui,mas que central ao tesmo aberto possivelmente seja, at mesmo, a raiz daqual se deriva todo o sistema:

    7. Os seres humanos so livres no sentido indeterminista.

    Indeterminismo o nome filosfico daquilo que Pinnock chama de li-berdade significativa, descrita na passagem anteriormente citada. O filsofo etelogo do tesmo aberto, William Hasker define o livre-arbtrio indeterministada seguinte maneira:

    Um agente livre com respeito a uma dada ao num dado momentose, nesse momento, est em seu poder execut-la, bem como, em seupoder, a capacidade de abster-se dela.15

    Dessa perspectiva, as nossas escolhas livres so absolutamenteindeterminadas e sem motivo ou razo. Elas no so predeterminadas por Deus,ou pelas circunstncias, ou at mesmo pelo nosso prprio carter e pelos nos-sos desejos. Argumentarei no captulo 8 que essa perspectiva de liberdade no bblica. A Escritura afirma que somos livres para agir de acordo com osnossos desejos e nossa natureza, e que a graa de Deus pode nos libertar dopecado para servir a Cristo. No entanto, ela no ensina o indeterminismo, mas,antes, o exclui. Ademais, argumentarei que, contrrio a Hasker e outros, oindeterminismo no estabelece responsabilidade moral, antes, a destri.

    Nos captulos que se seguem examinarei essas reivindicaes distintasdo tesmo aberto, tanto as positivas quanto as negativas, comparando-as com oensino da Bblia.

  • O foco deste livro principalmente analtico e avaliativo, em vez dehistrico. Contudo, para entender um movimento teolgico importante que seconhea algo a respeito de sua histria. Esse conhecimento especialmenteimportante no que diz respeito ao tesmo aberto, pois os seus defensores des-crevem esse movimento como sendo algo bastante contemporneo. Para eles,uma das razes principais pela qual as pessoas deveriam ser atradas pelo tesmoaberto o fato de que ele novo. Pinnock, por exemplo, apresenta a visoclssica de Deus como sendo um ser que imutvel e impassvel, e entocomenta em seguida:

    Entretanto, para muitos de ns hoje, essa imutabilidade de Deus no de modo algum atraente. No vibramos ao saber que Deus , naverdade, fechado em si mesmo e totalmente imutvel.1

    Mais adiante ele diz:

    Admito que a cultura moderna me influenciou neste assunto. A novanfase a respeito da liberdade humana requer que eu pense em Deuscomo tendo uma natureza autolimitada com relao ao mundo. Para osgregos, pode ter sido natural colocar Deus completamente fora do flu-xo temporal, numa serena indiferena ditatorial. Porm, para ns cer-tamente no o ... O mundo moderno nos convida a restaurar a com-preenso positiva da Histria e da mudana e, ao fazer isso, ns nos

    2

    De onde vem o tesmo aberto?

  • 24 - No h outro Deus

    achegarmos ao ensinamento bblico. Que ningum afirme que a moder-nidade sempre nos afasta e nunca nos chama em direo verdade.2

    O captulo de John Sanders sobre Consideraes Histricas em TheOpenness of God3 apresenta uma abordagem semelhante: o tesmo tradicio-nal uma mistura de filosofia grega e ensinamento bblico que dominou o pen-samento da igreja crist at o sculo 20. Porm, a teologia moderna tem tes-temunhado um reexame notvel da natureza e dos atributos de Deus.4 Deacordo com Roger Olson, a teologia est passando, de fato, por uma mudanade paradigma.5 Portanto, o tesmo aberto uma opo contempornea, algocompletamente novo, um novo modelo de Deus.

    Em grande parte, o apelo que o tesmo aberto exerce sobre as pessoasprovm dessa nfase na novidade. Pinnock quer uma teologia que seja atra-ente para as pessoas de hoje, em vez de atolada no passado. H claramentevrios perigos nessa abordagem. Os cristos deveriam ser os primeiros a rejei-tar a afirmao de que o mais recente o mais verdadeiro.6 E muito do que atraente para as pessoas de hoje no , de forma alguma, cristo.

    Apesar de tudo isso, os telogos do tesmo aberto ainda procuram justi-ficar sua posio por meio de um apelo s Escrituras. Por esse motivo, noquero enfatizar demais esse ponto. A minha inteno, aqui, somente questio-nar a reivindicao de novidade feita pelos telogos do tesmo aberto. Os inte-ressados no tesmo aberto, especialmente aqueles que so atrados pela novi-dade, precisam entender que o tesmo aberto no to novo quanto reivindicaser. De fato, em certos aspectos, seria melhor advertir os telogos do tesmoaberto a que anunciem sua posio com base na sua antiguidade, em vez defaz-lo com base na sua contemporaneidade.

    Este captulo no ser um trabalho original de historiografia. Serei muitobreve e citarei essencialmente as fontes secundrias, incluindo escritos dosprprios telogos do tesmo aberto. Um estudo histrico completo das razesdo tesmo aberto, mesmo que seja til, requereria muito mais que um captulo,e diminuiria o argumento principal do livro, que exegtico. Como argumen-tei em outra parte, embora os estudos histricos tenham o seu valor, nuncaresolvero qualquer problema teolgico. Somente a Escritura (Sola Scriptura)pode julgar entre alternativas teolgicas.7 Ademais, o meu propsito aqui simplesmente observar algumas correlaes um tanto bvias entre o tesmoaberto e os movimentos intelectuais do passado. Cito, propositadamente, fon-tes secundrias, como Cornelius Van Till fez muitas vezes, para mostrar queo meu entendimento da Histria no idiossincrtico.

  • De onde vem o tesmo aberto - 25

    A antigidade do tesmo aberto

    O prprio Sanders admite que um dos elementos caractersticos cruciais(o elemento crucial, na minha viso) do tesmo aberto antigo: o livre-arbtrioindeterminista. Ele observa que esse conceito pode ser encontrado em Filo8 eem muitos dos antigos pais da igreja.9 Ele encontra o indeterminismo, obvia-mente, tambm nos escritos de Jacob Arminius (m.1609), o oponente docalvinismo.1 0 Evidentemente, o indeterminismo no uma idia to nova assim.

    Historiadores da filosofia acrescentariam ainda que a idia adentraria ain-da mais o passado, chegando at Epicuro, filsofo grego (341-270 a.C.). Esteacreditava que o mundo era formado de tomos pequenssimos que normalmentese moviam para baixo em linhas verticais. Porm, para que esses tomos colidis-sem, se combinassem e produzissem objetos maiores, precisariam ocasionalmen-te se desviar da rota vertical. Esse desvio era imprevisvel e acontecia por acaso.Para Epicuro, essas guinadas repentinas explicam a formao de objetos comotambm a natureza da liberdade e responsabilidade humana.1 1

    Plato (427-347 a. C.) e Aristteles (384-322 a. C.) tambm defendiamuma espcie de acaso na natureza, a esfera do mundo dos sentidos (Plato) ouda matria-prima (Aristteles). Essas esferas so radicalmente indeterminadas,por no serem formas ou conceitos.1 2

    Consistente com essa concepo, os deuses de Plato e de Aristtelesesto muito aqum do Deus soberano das Escrituras. Plato se refere a umnmero grande de seres como divinos: (1) Os deuses finitos das religies gre-gas. (2) O Demiurgo do Timaeus, que forma o receptculo material numacpia do mundo das Formas. O Demiurgo reprimido tanto pela natureza dasFormas quanto pela natureza do material. (3) O prprio mundo das Formas,especialmente a Forma do Bem. Mas para Plato, a Forma do Bem s explicaa bondade do mundo, no os seus defeitos ou maldades. Portanto, todos osseres, aos quais Plato se refere, so essencialmente finitos. Eles no contro-lam o mundo, antes so, em si mesmos, limitados pela autonomia do mundo,pelo acaso, pelo (na verdade) livre-arbtrio indeterminista dos seres finitos.

    O deus de Aristteles a Causa Primeira, aquele que move todas ascoisas, enquanto ele mesmo imutvel. Esse ser impessoal, ao invs de pesso-al. Como os telogos do tesmo aberto muitas vezes afirmam, o deus de Aristtelesno conhece o mundo, nem o ama. Ele move o mundo atraindo os seres finitos ase moverem em sua direo, assim como uma bela pea de arte atrai visitantes auma galeria. Essa perspectiva essencialmente um conceito libertrio de causa-lidade divina. Para usar a linguagem comum teologia do processo, o deus deAristteles move o mundo com persuaso e no de modo coercivo.1 3

  • 26 - No h outro Deus

    As premissas que formam a base do indeterminismo retrocedem aindamais no tempo. Os filsofos gregos mais antigos, como Tales, Anaximandro eAnaximanas, procuraram explicar a ordem e o curso do mundo sem se refe-rir a deuses. Assim, a viso de mundo deles no tinha lugar para um serpessoal que controlasse o mundo com um plano eterno. O mundo funcionapor iniciativa prpria, autonomamente, e o filsofo vem a entender este mun-do autonomamente, pelo uso da razo desassociada da revelao divina. Nemsempre evidente se esses pensadores concebiam o progresso do mundo demaneira determinista ou no-determinista, mas a concepo deles evitava abarreira mais bvia ao indeterminismo, ou seja, a noo de um Deus sobera-no e pessoal.

    Devo registrar, de passagem, que o comentrio supracitado oferece umaresposta parcial acusao dos testas abertos de que o tesmo tradicional sebaseia parcialmente na filosofia grega. Consideraremos esta questo em outroscontextos, mas desde j podemos ver que, no que diz respeito ao conceito inde-terminista da liberdade, o tesmo aberto mais grego do que o tesmo tradicional.

    Ns podemos traar esse desenvolvimento regredindo ainda mais notempo de fato, ao princpio da Histria. A crena na autonomia humana, araiz do indeterminismo, retrocede queda do homem. Como est registrado emGnesis 3, Ado e Eva acreditaram que poderiam permanecer numa posioneutra entre Deus e Satans e autonomamente decidir qual o ser sobrenaturalque estava dizendo a verdade. Implicitamente, eles acreditaram, mesmo quepor um momento trgico, na mentira de Satans: que Deus no estava no con-trole do mundo que havia criado.

    O que eu estou querendo dizer que, ao longo de toda a Histria, o pensa-mento no-cristo, tem sido, implicitamente, indeterminista. verdade que mui-tos pensadores no-cristos, no mencionados aqui, tal como os esticos, Spinozae B. F. Skinner, foram deterministas. Esse determinismo (a viso de que todoacontecimento completamente explicvel por causas prvias eficientes) parececontrrio ao indeterminismo. Porm, da perspectiva calvinista, o determinismosecular parente prximo do indeterminismo, pois nenhum dos dois reconheceque o mundo est sob o controle de um Criador pessoal. Em ambos os sistemas,portanto, o progresso do mundo simplesmente acontece. Em ambos, o elemen-to regente o acaso.

    O mesmo pode ser dito do neoplatonismo e das outras filosofiashelensticas as quais Roger Olson associa particularmente ao tesmo tradicio-nal.1 4 O neoplatonismo ensinou a existncia de um ser supremo impessoal que,mesmo de modo oposto ao fluxo irracional do mundo material, era correlativo aeste, sendo incapaz de evitar suas imperfeies.

  • De onde vem o tesmo aberto - 27

    Portanto, o tesmo aberto se inspira em idias existentes no mundo desdeo den. Eu no quero equiparar o tesmo aberto idolatria da antiguidade ou sformas seculares de indeterminismo, mas o indeterminismo do tesmo abertocompartilha muitos conceitos com estas. Dizer isso no prova que esses con-ceitos sejam errados. Porm, esses paralelos conceituais refutam a idia deque o tesmo aberto exclusivamente contemporneo, um discernimento total-mente novo. Vimos tambm que as pessoas que defendem essas idias nemsempre o tm feito com o desejo de serem fiis s Escrituras.

    Deus e os gregos

    Outra concluso que se segue argumentao acima que o tesmoaberto deve filosofia grega, no mnimo, tanto quanto o tesmo clssico. Testasabertos tm argumentado muitas vezes que o tesmo clssico , na realidade,uma combinao de ensinamentos bblicos com a filosofia grega. Eu no possonegar que alguns conceitos da filosofia grega, como a imutabilidade e aimpassibilidade divina, etc., tenham influenciado o tesmo clssico, embora de-vamos discutir ainda se essa influncia foi boa ou m. Mas, como j vimos, otesmo aberto tambm possui afinidades com o pensamento grego. Sua visoindeterminista de liberdade era mantida por alguns filsofos gregos e estavaimplcita nos ensinamentos de outros.

    As comparaes que os telogos do temo aberto fazem entre a filosofiagrega e o tesmo clssico nem sempre so convincentes. Recordemos a decla-rao de Pinnock citada no captulo 1:

    Podemos imaginar Deus como um monarca distante, afastado dascontingncias do mundo, imutvel em todos os aspectos do seu ser,como um poder todo-determinante e irresistvel, ciente de tudo o queir acontecer e que nunca se arrisca. Ou podemos entender Deuscomo um pai que se preocupa, com atributos de amor e receptividade,generosidade e sensibilidade, abertura e vulnerabilidade, uma pessoa(em vez de um princpio metafsico) que se aventura no mundo, reageao que acontece, relaciona-se conosco e interage dinamicamente comos seres humanos.1 5

    Aqui, Pinnock contrasta o que considera a perspectiva filosfica grega deDeus com sua prpria concepo aberta. Ele parece acreditar que a teologiaclssica est mais prxima da concepo grega. Porm, eu me pergunto quaisfilsofos gregos ele tinha em mente. No sei de nenhum filsofo grego que tenha

  • 28 - No h outro Deus

    pensado em Deus como um monarca. Na maioria dos sistemas filosficos gre-gos, Deus era impessoal, e os monarcas so claramente pessoais. A religiogrega inclua deuses pessoais. Um deles, chamado Zeus, era, em certo sentido,monrquico. Mas esses deuses certamente no eram distantes, imutveis,irresistveis, etc. O Demiurgo de Plato no era todo-determinante, e aquiloque ele chamava de Bem divino, s causava as coisas boas, no as ms. Aimpessoal Causa Primeira de Aristteles no estava ciente das coisas queocorriam no mundo finito ela no era consciente de coisa alguma. A divindadeestica se aproxima da caracterizao de Pinnock, mas era pantesta e panentesta.

    Nem o tesmo aberto nem o clssico deveriam ser menosprezados sim-plesmente por causa dos movimentos histricos que os influenciaram. Porm,quando fizermos comparaes entre movimentos contemporneos e histricos,precisamos procurar faz-lo com mais cuidado do que Pinnock.

    Socinianismo: o elo perdido na genealogia dotesmo aberto

    Alm do indeterminismo, outra idia central do tesmo aberto particu-larmente antiga: sua rejeio da total prescincia de Deus. Essa rejeio tam-bm tem um antecedente histrico importante. Depois de comentar os concei-tos de Armnio em sua anlise histrica, Sanders salta para o sculo 20 e falasobre o pensamento de Paulo Tillich e de outros. Porm, ao fazer isso, ele deixade fora um movimento importante para a histria das idias dos telogos dotesmo aberto: o socinianismo. Os italianos Lelio Socino (1525-1562) e seu so-brinho Fausto Socino (1539-1604) foram considerados herticos tanto pelosprotestantes como pelos catlicos. Eles negavam a divindade plena de Cristo, asua expiao substitutiva e a justificao pela justia imputada de Cristo. RobertStrimple registra esses pontos de vista e depois acrescenta:

    Porm, o socinianismo tambm se apegava a uma doutrina hertica deDeus. A doutrina sociniana pode ser declarada de modo bem resumi-do, e precisa ser contrastada tanto com o calvinismo como com oarminianismo. O calvinismo (ou agostinianismo) ensina que o Deus so-berano preordenou tudo quanto vem a acontecer e, portanto, ele temprescincia de tudo quanto h de se suceder. O arminianismo negaque Deus tenha pr-ordenado tudo quanto vem a ocorrer mas, no en-tanto, deseja afirmar a prescincia de Deus com respeito a tudo o quevier a suceder. Contra os arminianos, os socinianos insistiam que oscalvinistas, na lgica, estavam corretos em insistir que a nica base real

  • De onde vem o tesmo aberto - 29

    para se acreditar que Deus sabe o que voc est para fazer acreditarque ele preordenou o que voc ir fazer a seguir. De que outra manei-ra Deus poderia saber de antemo quais seriam as suas decises? Noentanto, assim como os arminianos, os socinianos insistem que umanegao da liberdade humana acreditar na pr-ordenao soberana deDeus. Por isso, eles foram at o fim (pela lgica) e negaram, nosomente que Deus preordenou as decises livres de agentes livres,mas tambm que Deus sabe de antemo quais sero essas decises.Esse precisamente o ensino do tesmo do livre-arbtrio de Pinnock,Rice e de outros evanglicos do novo modelo que pensam de modosemelhante. Eles querem que essa sua doutrina de Deus soe bastan-te nova, bastante moderna, revestindo-a com referncias ao princ-pio da incerteza de Heisenberg na fsica e tambm da compreensoda teologia do processo (embora eles rejeitem a teologia do processocomo um todo...) Porm, acaba sendo simplesmente o antigosocinianismo hertico que foi rejeitado pela Igreja h sculos.1 6

    Strimple acrescenta que o paralelo entre socinianismo e o tesmo abertose estende at mesmo aos seus argumentos mais bsicos. Os partidrios dotesmo aberto argumentam que oniscincia significa conhecer tudo o que sepode conhecer e, visto que as decises livres das criaturas no so cognoscveis,a ignorncia desses fatos no milita contra a oniscincia de Deus. Strimpleressalta o fato de que isso um claro eco do argumento sociniano.1 7

    notvel que nenhum dos telogos do tesmo aberto se refira aosocinianismo como uma raiz de sua doutrina. Sanders a omite em sua anlisehistrica, da mesmo modo que Pinnock o faz na descrio de sua peregrinaohistrica.1 8 Porm, a viso deles sobre o conhecimento de Deus claramentesociniana. No quero aqui acusar os telogos do tesmo aberto de todas asheresias do socinianismo, ou mesmo concluir que eles tenham escondido algosobre a sua herana. Possivelmente, eles no perceberam a conexo sociniana,embora essa ignorncia possa trazer algum descrdito qualidade do seu co-nhecimento histrico.1 9 Desejo somente chamar a nossa ateno para o fatode que sua posio no absolutamente nova, e que faz parte de um sistemacujos dogmas principais seriam condenados pela maioria dos cristos atravsda Histria (incluindo os telogos do tesmo aberto).

    Por que isso importante? Strimple comenta que essa perspectiva novaajuda a nos resguardar da noo falsa de que

    ... talvez, se os nossos antepassados, os pais da Reforma, ao menostivessem conhecido algo sobre essas idias, teriam repensado sua

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    doutrina de Deus. Ao contrrio, os nossos antepassados da Reformaconheciam os argumentos modernos de Rice e Pinnock sob a formado socinianismo, e claramente os rejeitaram. Lelio Socino incomodouCalvino e Melancton com muitas cartas nas quais expunha essespontos de vista, e os Reformadores rejeitaram as opinies de Socnio,por consider-las infiis ao testemunho bblico.2 0

    E ns que, como os Reformadores, acreditamos num Deus que conheceo futuro exaustivamente, podemos traar a rejeio dessa doutrina ainda maisprofundamente na Histria, muito alm dos tempos dos socinianos. Lembramo-nos dos zombadores citados no Salmo 73.11 que dizem: Como sabe Deus?Acaso, h conhecimento no Altssimo? E recordamos os idlatras dos dias deIsaias, que ignoraram o fato de que o verdadeiro Deus demonstra sua divinda-de contra os deuses falsos declarando as coisas que ho de acontecer (Is.41.22; cf.vs. 21-29). Do mesmo modo que a incredulidade gravita na direodo indeterminismo, como vimos anteriormente, ela tambm tende a negar oconhecimento de Deus com respeito ao futuro. A razo, em ambos os casos, a mesma. Os incrdulos querem viver de modo autnomo, e um Deus quecontrola o mundo e conhece o futuro uma barreira a essa autonomia.

    Novamente, no estou acusando os telogos do tesmo aberto dos errosdos seus predecessores, os socinianos ou os idlatras do tempo de Isaas. Ostelogos do tesmo aberto tambm no esto errados simplesmente por causado pano de fundo histrico de suas posies. Mais propriamente, o objetivo daminha argumentao aqui mostrar que, em lugar de serem contemporneas,as posies centrais do tesmo aberto so antiqssimas. Precisamos ser caute-losos ao examinarmos as idias do tesmo aberto, pelo fato de elas terem secolocado, por vezes, a servio da incredulidade.

    Influncias mais recentes

    No entanto, devemos levar a srio a declarao dos telogos do tesmoaberto de que eles tm sido amplamente influenciados por movimentos e te-mas contemporneos. Como Pinnock afirma na passagem anteriormente ci-tada, uma das influencias que ele recebeu a cultura moderna, inclusive anova nfase na liberdade humana (a nfase pode ser nova, mas a idiacertamente no ).

    H, porm, na descrio de Pinnock, uma reverncia doentia pelo novo.Observe sua afirmao de que a nfase moderna requer que eu pense deDeus como sendo autolimitado em relao ao mundo. Requer? Ele parece

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    afirmar que a cultura moderna o compele e, indiretamente, a todos os cristos a mudar sua teologia. Que idia terrvel! Os cristos deveriam rejeitar essaidia de Pinnock de maneira vigorosa. Somente Deus, em sua Palavra, tem odireito de dizer aos cristos no que devem acreditar, e os cristos deveriamestar desejosos de defender os ensinos da Palavra de Deus, confrontando todoe qualquer modismo intelectual.

    Se quisssemos ser mais simpticos em relao a Pinnock, poderamosentender que ele est simplesmente dizendo que a nfase moderna na liberda-de humana o levou a uma maneira melhor de ler a Bblia, e que essa novaexegese, portanto, requer que ele pense de Deus como sendo autolimitado.Certamente no errado relermos a Bblia em resposta a desafios culturais,para ver se por acaso no temos tido alguma coisa erroneamente. Porm, Pinnockparece dizer que a cultura moderna requer um certo tipo de exegese das Escri-turas, o que jamais deveria ocorrer.

    O tesmo aberto no o primeiro movimento intelectual a revisar o tesmoclssico em resposta nfase moderna na liberdade. Essa nfase tem influen-ciado um grande nmero de filsofos e telogos desde o sculo 18, os quais tmprocurado limitar a soberania divina para dar mais espao ao livre-arbtrio dohomem. David Hume sugere, em Dialogues Concerning Natural Religion,que um deus finito pode ser suficiente para satisfazer as necessidades da f.2 1John Stuart Mill concordou.2 2 Immanuel Kant removeu Deus da esfera daexperincia humana, em parte para dar lugar liberdade indeterminista. Osidealistas alemes e britnicos ensinaram que o ser absoluto co-relativo aomundo de espao e tempo isso significa que Deus e o mundo so mutuamen-te dependentes.2 3 William James (1842-1910) ensinou a existncia de um deusfinito que luta conosco para combater o mal. Para ele, Deus precisa ser finitopara que ns sejamos livres. James identifica a liberdade com acaso.2 4 Noincio do sculo 20, a escola do Personalismo de Boston (Borden P. Bowne,Edgar S. Brightman, Albert C. Knudson, Peter Bertocci) insistia que Deus erafinito e co-relativo liberdade humana indeterminista. Outros que propuseramargumentos semelhantes foram: John Fiske, Henri Bergson, Andrew SethPringle-Pattison, F. H. Bradley e H. G. Wells.2 5

    Muitas vezes, os telogos acadmicos no sculo 20 tm adotado umalinha semelhante, enfatizando a liberdade humana e a vulnerabilidade divina.Sanders menciona Jrgen Moltmann e Wolfhart Pannenberg, para quem Je-sus revela que Deus est envolvido com a Histria e est disposto a se tornarvulnervel.2 6 Ele ainda menciona Emil Brunner, Hendrikus Berkhof, EberhardJngel, Colin Gunton, as feministas catlico-romanas Catherine LaCugna eElizabeth Johnson, e ainda outros que tm afinidade com o tesmo aberto.

  • 32 - No h outro Deus

    Porm, pela maior parte do sculo 20, o movimento que mais serviu paraenfatizar a liberdade indeterminista e a vulnerabilidade divina, foi a filosofia doprocesso de Samuel Alexander, Alfred North Whitehead e Charles Hartshorne,juntamente com a teologia do processo de pensadores como John Cobb, SchubertOgden e David Ray Griffin. Os telogos do tesmo aberto elogiam a teologia doprocesso por sua crtica ao tesmo clssico, mas tambm objetam a alguns dosensinos distintos do pensamento do processo, como, por exemplo, sua falta deuma doutrina da criao, sua insistncia de que Deus sempre age de formapersuasiva em vez de coercivamente, sua viso de que todas as aes de Deusdependem do mundo, e sua falta de garantia de que os propsitos de Deustriunfem no final.2 7

    O que novo no tesmo aberto?

    Pelo fato de no serem novas as idias do tesmo aberto, os telogos queo defendem tambm no foram muito criativos ao repensar as perspectivasanteriores. Suas idias so amplamente antigas, e muitas pessoas j defendiampontos de vistas semelhantes no sculo passado. O tesmo aberto se distingueparticularmente por ser um movimento teolgico. Ele reuniu um grupo de escri-tores que possuem mais ou menos o mesmo ponto de vista a respeito dessesassuntos, com a inteno clara de persuadir a igreja a segui-los. Os telogos dotesmo aberto escreveram um bom nmero de livros, bem como colaboraramem outros, que muitos consideram persuasivos. Eles apresentam suas idias demaneira vvida, com paixo e emoo. O apelo do tesmo aberto, em outraspalavras, est na sua apresentao, e no na novidade das suas idias.

    O tesmo aberto tambm se distingue por ser um movimento evangli-co. Tradicionalmente, o termo evanglico tem sido usado para descrever osprotestantes que acreditam na inerrncia das Escrituras e na justificao pelagraa por meio da f na obra completa de Cristo. Os evanglicos tambm tmsido conhecidos por sua crena no sobrenaturalismo bblico, incluindo o nasci-mento virginal de Jesus, seus milagres, a sua expiao substitutiva e a suaressurreio. Porm, nos dias de hoje, o rtulo evanglico est ligado a mui-tos que rejeitam a inerrncia bblica, tornando-se de difcil definio no contex-to presente. Os telogos do tesmo aberto se autodenominam evanglicos, masao mesmo tempo rejeitam doutrinas (tal como o pr-conhecimento exaustivode Deus) que nunca tinham sido alvo de controvrsia nos crculos evanglicos.

    A viso indeterminista da doutrina do livre-arbtrio certamente j existeh mais tempo dentro da tradio evanglica na linha de pensamento arminiano.Os telogos do tesmo aberto muitas vezes se identificam especialmente com

  • De onde vem o tesmo aberto - 33

    os arminianos (embora, como j vimos, sejam mais socinianos com respeito aisso). No entanto, acreditam que o arminianismo tradicional no tem sido con-sistente o suficiente no que diz respeito ao seu ponto de vista da liberdadeindeterminista. No arminianismo tradicional, mesmo que Deus no predetermineas escolhas livres do homem, ele as conhece todas de antemo, pois conheceexaustivamente o futuro. Os telogos do tesmo aberto perguntam, correta-mente, como que Deus pode conhecer as escolhas livres do homem sem queele as tenha preordenado. Se as escolhas livres do homem so conhecidas deantemo, elas devem, de alguma maneira, ter sido predestinadas de antemo. Eisso o que o indeterminismo nega. Os telogos do tesmo aberto, por conse-guinte, concordam com os calvinistas que a prescincia de Deus exige apreordenao de Deus, mostrando assim que o arminianismo tradicional ina-dequado. No entanto, em vez de aceitar a doutrina da preordenao, eles rejei-tam tanto a preordenao quanto a divina prescincia.2 8

    Sendo assim, a principal pergunta que se encontra diante de ns no se otesmo aberto recente ou novo ou, de algum modo atraente, ou se fiel suaherana evanglica. O que importa saber se esse tesmo verdadeiramentebblico. Essa a pergunta que vai ocupar a nossa ateno no restante deste livro.

    Como calvinista, rejeito tanto o arminianismo tradicional quanto o tesmoaberto. De acordo com o meu entendimento, dos dois o primeiro mais bblico;o segundo, mais logicamente consistente. No h dvida de que o arminianismo melhor, pois melhor ser inconsistentemente bblico, do que alcanar a con-sistncia por meio de um erro. Mas evidente que no podemos nos satisfazercom nenhuma dessas duas posies.

  • Antes de examinar as questes mais fundamentais levantadas pelo tesmoaberto, eu preciso, primeiro, abordar os mtodos que os telogos que o defen-dem usam para chegar s suas concluses. No geral, como vimos, eles seconcentram na Bblia. Isso os diferencia um pouco de muitos outros filsofos etelogos (alguns dos quais foram apresentados no captulo anterior) que defen-dem pontos de vista semelhantes. Os telogos do tesmo aberto acreditam etentam demonstrar, acima de tudo, que a posio deles mais bblica que aposio do tesmo tradicional. Para avaliar essa reivindicao, precisamos daralguma ateno ao seu mtodo de interpretao da Bblia.

    Nenhuma teologia simplesmente repete as palavras da Bblia. A teologiausa palavras e expresses extrabblicas e outros mtodos de organizao dife-rentes dos da prpria Bblia. No entanto, os telogos evanglicos afirmam queos seus escritos so fieis Escritura. Eles sustentam que as suas obras teolgi-cas ajudam os leitores a entender a Bblia, isto , com o fim de aplic-la a seuspensamentos e vidas.1

    Portanto, mesmo tendo que admitir as influncias extrabblicas em nos-sas formulaes teolgicas, no deveramos deixar que essas influncias deter-minassem o que falamos. Nosso objetivo deve ser deixar que as Escriturasfalem por si. Somente a Palavra de Deus autoridade suprema na teologia e notodo da vida. Outras fontes de conhecimento podem informar a teologia, masno deveriam restringi-la.

    H, no entanto, alguns fatores extrabblicos que determinam a exegesedo tesmo aberto. J vimos que a nova nfase na liberdade humana colocauma restrio imprpria na exegese da Escritura feita por Pinnock. E vere-

    3Como os telogos que defendem o

    tesmo aberto lem a bblia?

  • 36 - No h outro Deus

    mos (especialmente no captulo 8) que a doutrina da liberdade humana, nosentido do indeterminismo, funciona como uma pressuposio no-negoci-vel. Os telogos do tesmo aberto insistem em interpretar todos osensinamentos bblicos de tal maneira a serem consistentes com oindeterminismo, sem submeter o prprio indeterminismo crtica bblica. Noentanto, por ora, vou colocar a minha ateno em duas outras restriesexegticas do tesmo aberto.

    Lgica

    Todos os telogos procuram ser lgicos. Porm, como os prprios livrossobre lgica nos informam, h maneiras certas e erradas de se usar a lgica.As leis da lgica so universais e necessariamente vlidas, mas o nosso usodessas leis, como tambm o nosso uso de qualquer outra coisa, falvel porcausa da nossa pecaminosidade e da nossa finitude. Na mente de Deus no hcontradies. No entanto, os argumentos humanos erram de vrias maneiras, eos sistemas humanos de lgica tambm no so infalveis.2

    Sanders rejeita o apelo s antinomias, que ele entende como a pers-pectiva de que certos ensinamentos da Escritura so aparentemente contradi-trios. Sanders reconhece que os seus prprios oponentes, os testas tradicio-nais, rejeitam a possibilidade de contradio real na Bblia. E, na realidade, eledefende a consistncia do tesmo tradicional em relacionar a soberania divina liberdade humana. Ele reconhece que os tradicionalistas usam uma definiode liberdade que diferente do seu indeterminismo,3 uma liberdade que con-sistente com o ponto de vista deles da soberania divina.4 Ao mesmo tempo, noentanto, ele acredita que os testas tradicionais fazem um apelo ilegtimo aantinomias, e que eles apelam para contradies aparentes.5

    Sanders acusa os testas tradicionais de defender que certas doutri-nas, so verdadeiras contradies para ns, mas no para Deus.6 Eu noconheo qualquer testa tradicional que faa uma afirmao semelhante aessa. Alguns tm falado sobre contradies aparentes, mas isso comple-tamente diferente da afirmao verdadeiras contradies para ns. Essaltima frase certamente no tem sentido. As contradies so ou aparentesou verdadeiras. Elas no podem ser verdadeiras para um e no-verdadeiraspara alguma outra pessoa. Quando os telogos tradicionais falam sobre con-tradies aparentes, eles simplesmente querem dizer que essas contradiesno so reais e nem verdadeiras para quem quer que seja. Eles querem sim-plesmente dizer que negam a capacidade de mostrar a consistncia das doutri-

  • Como os telogos que defendem o tesmo aberto lem a bblia? - 37

    nas que esto sendo discutidas. Eu gostaria que os telogos confessassemcom mais freqncia as suas inabilidades! Certamente nada pode ser ditocontra uma modstia to extraordinria e apropriada.

    A discusso de Sanders sobre lgica confusa, no somente a esserespeito, mas sobre vrios outros. Porm, o conceito abstrato da contradioaparente menos importante do que a acusao substantiva dos telogos dotesmo aberto de que, na teologia tradicional, existem contradies. Sandersconsidera contraditrio, por exemplo, o ponto de vista tradicional de que aBblia ensina tanto o total controle divino sobre todos os acontecimentos, quan-to a realidade de que os homens continuam moralmente responsveis.7 Pinnocktenta provar o seu argumento usando a sua costumeira retrica floreada:

    Dizer que Deus odeia o pecado enquanto secretamente o deseja; dizerque Deus nos adverte a no cair mesmo que isso seja impossvel; dizerque Deus ama o mundo enquanto exclui a maioria das pessoas daoportunidade de salvao; dizer que Deus amorosamente convida ospecadores a irem a ele sabendo, no entanto, que na realidade, impos-svel que o faam essas coisas no merecem ser chamadas de mis-trios quando o termo s um eufemismo para contra-sensos.8

    Argumentarei no captulo 7 que essas crticas erram ao deixar de fazeruma distino apropriada entre a vontade normativa e a vontade decretiva deDeus. Argumentarei, tambm, no captulo 8, que Deus, s vezes, tem boasrazes para deixar que aconteam certas coisas que ele abomina. Se essesargumentos forem corretos, respondero adequadamente acusao de con-tradio lgica, levantada por Sanders e outros.

    No podemos julgar se duas afirmaes so contraditrias at que te-nhamos um entendimento adequado do significado delas. s vezes, afirmaesparecem ser contraditrias at que as analisamos com cuidado. Quando umapessoa afirma estar chovendo e outra afirma que no est, suas informaesparecem ser contraditrias. Porm, se descobrirmos que h uma nvoa pesadal fora, podemos concluir de que ambas as descries esto corretas. Todos oslivros-texto sobre lgica reconhecem esse fato. A lei da no-contradio afir-ma que A nunca no-A ao mesmo tempo e no mesmo sentido. A qualifica-o de mesmo sentido implica que precisamos entender o significado dostermos antes de considerar duas expresses como sendo contraditrias. Nopodemos considerar que duas afirmaes so contraditrias simplesmente porque elas parecem contraditrias primeira vista. Portanto, o problema real no a lgica, mas o contedo teolgico.

  • 38 - No h outro Deus

    Modelos

    Sanders expe um modelo de risco da providncia, em vez da visosem risco da teologia tradicional.9 Ele admite que algum que se arrisca uma metfora, em vez de uma descrio literal de Deus, mas ele acha que essa uma metfora importante que precisa ser enfatizada no presente contexto.Ele acha que metforas mais tradicionais, tal como rei, obscurecem vriosaspectos do relacionamento de Deus conosco.1 0

    Modelos, portanto, so metforas que nos ajudam a organizar, numa con-cepo unificada, muitas das coisas particulares que conhecemos a respeito deDeus. Um modelo nico nunca exaustivo. Aprendemos sobre Deus por meiodo ensino completo das Escrituras, no pela extrapolao de idias a partir de ummodelo. Nossa exegese da Escritura precisa controlar os nossos modelos, e noo contrrio. Por sermos finitos, entretanto, no podemos pensar em tudo o que aBblia contm de uma vez s. Portanto, organizar dados bblicos em diversosconceitos e modelos gerais um aspecto necessrio do trabalho teolgico.

    Eu explorarei mais tarde o modelo de Deus proposto por Sanders comoalgum que se arrisca, concluindo que o mesmo no bblico. No entanto,mesmo neste estgio preliminar do tema em discusso, o leitor j dever teralgumas dvidas a respeito desse modelo. As Escrituras, na verdade, nuncafalam sobre Deus como sendo algum que se arrisca, mas afirma milharesde vezes que ele Rei e Senhor. A noo de que Deus algum que se arrisca, no mximo, uma deduo de certas interpretaes discutveis, enquanto aidia de que ele Rei e Senhor, claramente uma nfase central da doutrinados prprios escritores bblicos sobre Deus.1 1

    Sanders realmente relaciona a idia de Deus, como algum que se arris-ca, ao conceito do arrependimento divino, o qual, de fato, pode ser encontradoalgumas poucas vezes nas Escrituras. Defenderei mais tarde que o arrependi-mento divino, entendido biblicamente, no implica correr riscos. Alm disso,existe ainda uma enorme desproporo entre o uso bblico do conceito de arre-pendimento em relao a Deus e o uso bblico do conceito de Rei e Senhor.

    A idia de que algum que se arrisca pode na verdade substituir reicomo uma metfora controladora, parece-me absurda. Essa idia completa-mente incorreta e extremamente perigosa. Como veremos, esse procedimentotraz consigo distores macias para a teologia. Mas ela , no entanto, essen-cial para o tesmo aberto. Na verdade, simplesmente uma outra maneira deexpressar o principio essencial do tesmo aberto, que o de que todas as coisasdevem ser amoldadas doutrina indeterminista de liberdade. Para que o ho-mem seja livre nesse sentido, Deus no pode controlar o futuro. Se Deus pre-

  • Como os telogos que defendem o tesmo aberto lem a bblia? - 39

    cisa agir, ele o faz correndo riscos. Num mundo de liberdade indeterminista, arealeza de Deus e seu senhorio se tornam problemticos. Tornam-se metfo-ras que deveriam ser evitadas para que o modelo de algum que se arriscaseja entendido com clareza.

    A escolha de um modelo controlador, portanto, um tipo de pressuposi-o. Essa escolha determina o curso de uma discusso teolgica desde o seucomeo. Mesmo tendo muitas diferenas exegticas com os defensores dotesmo aberto, minhas objees mais srias dizem respeito s pressuposiesque eles trazem ao texto, as pressuposies que governam a sua exegese.

    Exegese direta e antropomorfismo.

    Uma das discusses entre os telogos do tesmo aberto e os telogostradicionais tem a ver com a interpretao das referncias nas Escrituras aoarrependimento de Deus, que ele muda de opinio, que continua a adquirirconhecimento, etc. A pergunta , essas referncias devem ser tomadas demodo literal ou figurado? Ware diz:

    Um dos apelos iniciais da proposta do tesmo aberto o seu desafiopara que entendamos o texto das Escrituras simplesmente como estescrito. Os defensores da doutrina do tesmo aberto argumentam: pa-rem de fazer com que a Escritura diga o oposto do que ela diz toclaramente e com tanta simplicidade. Quando o Senhor diz a Abrao...pois agora sei que temes a Deus (Gn 22.12), precisamos deixar queessas palavras falem e signifiquem o que transmitiriam numa conver-sao normal. Ou seja, Deus realmente e literalmente descobriu o queele antes no sabia.1 2

    Escritores que defendem o tesmo aberto geralmente falam desse prin-cipio como sendo uma exegese direta. No entanto, os telogos tradicionaistm costumeiramente descrito essas passagens como sendo antropomrficas:elas descrevem Deus como se ele fosse um homem. Na viso tradicional,Deus tem conhecimento perfeito do futuro e, portanto, no pode, literalmente,aprender algo novo.

    Ware ressalta que a interpretao direta de Gnesis 22.12 no pode sermantida, nem mesmo pelo sistema do tesmo aberto. Ele expe trs pontos. Pri-meiro, se Deus literalmente precisava testar Abrao para saber o que se passavano corao dele, ento a sua ignorncia no era com respeito ao futuro, mas aopresente. No entanto, os telogos do tesmo aberto declaram com freqncia que

  • 40 - No h outro Deus

    Deus conhece o presente exaustivamente. Em segundo lugar, essa interpretaonega o que os telogos do tesmo aberto afirmam em outro lugar, ou seja, queDeus conhece as motivaes interiores do corao do homem. Em terceiro lugar,se Deus estiver tentando saber se Abrao ir ser fiel no futuro, ele est tentandoconhecer as escolhas da liberdade indeterminista antecipadamente, a qual, doponto de vista do tesmo aberto, nem mesmo Deus pode saber.

    Concordo com Ware que geralmente devemos seguir o significado apa-rente do texto, a menos que tenhamos alguma razo para faz-lo de outramaneira.1 3 Contudo, as controvrsias exegticas acontecem exatamente emtorno dessas razes. No podemos resolver essas controvrsias sem avaliaressas razes. Simplesmente reivindicar que a interpretao correta a diretano resolve. No exemplo de Ware, tanto os telogos do tesmo aberto quantoos tradicionais, tm razes para no interpretar o texto literalmente, mesmo queos telogos do tesmo aberto nem sempre tenham conscincia das suas razes.

    A exegese desses textos deve levar em considerao o seu significadoaparente, bem como o restante dos ensinamentos das Escrituras sobre Deus.A teologia tradicional reconhece esse aspecto da interpretao, pois consideraque textos como Gnesis 22.12 so antropomrficos, com base na sua visoampla do conhecimento de Deus. Os telogos do tesmo aberto deveriam estarigualmente preocupados em entender o texto luz de suas outras afirmaes,embora, muitas vezes, eles no estejam preocupados com isso. Eles deveriam, aomenos, estar mais preocupados com a consistncia lgica entre a sua interpreta-o de Gnesis 22.12 e suas outras declaraes sobre Deus. Em todo caso, simplista afirmar que a teologia tradicional trata esses textos antropomorficamente,enquanto o tesmo aberto os trata literalmente.

    De fato, at mesmo simplista classificar todas as interpretaes comosendo antropomrficas ou literais. Todas as referncias bblicas sobre Deus soantropomrficas no sentido de que elas falam de Deus em linguagem humana,usam conceitos que so, ao menos de certa maneira, compreensveis aos sereshumanos. Elas fazem alguma comparao entre Deus e os seres humanos, pelomenos implicitamente. E todas essas referncias so literais, pois, entendidascorretamente, apresentam Deus como ele realmente e verdadeiramente.

    Na verdade, de diversas maneiras, Deus literalmente como um ho-mem. Por exemplo, o homem fala e Deus tambm fala, embora a fala de Deusseja, em muitos aspectos, diferente da dos homens. E, como veremos, quandoDeus entra na Histria (como na Encarnao, mas no s ento) ele sente ofluxo do tempo do mesmo modo que ns: ele v uma coisa acontecendo nasegunda-feira e outra na tera. As referncias nas Escrituras com respeito aosatos de Deus no tempo so antropomrficas, embora no sejam somente isso.1 4

  • No restante deste livro, examinarei as principais alegaes do tesmoaberto que resumi no captulo um, embora no na mesma ordem. Em primeirolugar, vou considerar o primeiro ponto da lista, ou seja, que o amor de Deus asua qualidade mais importante.

    As qualidades de Deus, que geralmente so chamadas de atributos, soidias expressas por substantivos (como eternidade) ou adjetivos (como eter-no) por meio dos quais descrevemos Deus. Na teologia tradicional, alguns des-ses atributos so: infinitude, eternidade, imutabilidade, onipotncia, oniscincia,onipresena, sabedoria, bondade, justia, santidade, verdade e amor.

    Alguns telogos tm tentado mostrar que um atributo de Deus (ou umconjunto de atributos) descreve de maneira nica a sua essncia, sendo portan-to mais fundamental que os outros atributos. Em alguns casos, tentaram dedu-zir alguns ou todos os outros atributos a partir do atributo bsico. Para Tomsde Aquino, o nome apropriado para Deus Ser. Assim, ele deduz muitos, talveztodos, os atributos de Deus a partir da premissa de que a essncia de Deus idntica a esse Ser (esse, existncia). Herman Bavinck analisa outras tenta-tivas dessa natureza na histria da teologia: para Duns Scotus, por exemplo, oatributo fundamental de Deus sua infinitude; para alguns telogos reforma-dos, a asseidade [atributo divino fundamental de existir por si mesmo N.T.];1para Cornelius Jansenius, a veracidade; para Saint-Cyran, a onipotncia; paraos socinianos, a vontade; para Hegel, a razo; para Jacobi, Lotze, Dorner eoutros, a personalidade absoluta; para Ritschl, o amor.2 Podemos ainda obser-var, entre os telogos posteriores a Bavinck, a nfase de Barth sobre o amorna liberdade,3 a pessoa de Buber e Brunner4 e a futuridade de Moltmann.5

    4O amor o atributo mais

    importante de Deus?

  • 42 - No h outro Deus

    A respeito dessa questo, os telogos do tesmo aberto adotam a posiode Ritschl, considerando o amor como o atributo fundamental de Deus.6 Essaposio , certamente, tentadora, por causa da afirmao Deus amor, en-contrada em 1Joo 4.8 e 16, e por causa da centralidade da tica bblicadesse amor que imita o amor de Deus (x 20.1-3; Dt 6.4-9; Jo 13.34,35; 1Co13; Fl 2.1-11; 1Jo 3.16; 4.10). Porm, ser que Deus amor descreve algomais fundamental em Deus do que a afirmao Deus luz (1Jo 1.5) ouDeus esprito (Jo 4.24)? Ou, ser que ela descreve a natureza de Deuscom mais perfeio do que a exposio do nome de Deus (em termos tanto deamor quanto de ira) em xodo 34.6,7? E o que podemos dizer com respeito a onome do SENHOR Zeloso em xodo 34.14 (cf.20.5)? Ou, o Santo deIsrael (Sl 71.22; 78.41; 89.18; Is 1.4 e muitas outras vezes em Isaias; note asua repetio trplice em Is 6.3)? Ou onipotncia, o atributo dado a Deus nonome patriarcal El Shaddai? E o que devemos pensar sobre xodo 33.19, emque Deus expe o seu nome em termos da soberania de sua misericrdia (te-rei misericrdia de quem eu tiver misericrdia e me compadecerei de quem eume compadecer)? mais fcil argumentar pela centralidade de um atributosem fazer comparaes especficas com outros atributos. Porm, centralidadee importncia so termos comparativos. Para demonstrar a importncia rela-tiva de um atributo divino, precisamente tais comparaes so requeridas.

    No meu prximo livro, The Doctrine of God, o ttulo Senhor tomauma posio central. O nome mais fundamental de Deus nas Escrituras ,certamente, Senhor, e toda a revelao bblica expe esse fato. Deus executaseus atos majestosos para que as pessoas saibam que eu sou o SENHOR(x 6.7; cf. 7.5, 17; 8.22, e muitos outros versculos ao longo das Escrituras).Portanto, o seu senhorio o atributo mais mencionado nas Escrituras, pelo usoconstante da palavra hebraica yahweh e adon e do termo grego kyrios. Parapropsitos pedaggicos e propsitos de edificao, muito importante comearonde a Escritura comea e enfatizar o que a Escritura enfatiza, especialmenteuma vez que o senhorio de Deus nos leva, com muita facilidade, consideraode outros tpicos. No entanto, no quero afirmar que o senhorio metafisicamente central natureza de Deus de uma maneira que a santidade,o amor, a eternidade e a justia no o so. Esses outros conceitos tambmpodem ser centrais em contextos bblicos especficos. Eles tambm podemdenominar Deus e at mesmo descrev-lo, como em 1Joo 1.5 e 4.8.

    Em vez de tornar central qualquer atributo de Deus, a teologia clssicaensina que todos os atributos descritivos7 de Deus so modos de descrever asua absoluta essncia. Portanto, os atributos de Deus no so partes ou divi-ses encontradas na sua natureza, mas cada atributo necessrio ao seu ser.

  • O amor o atributo mais importante de Deus? - 43

    Cada um deles essencial a Deus e, portanto, a sua essncia inclui todos eles.Deus no pode ser Deus sem a sua bondade, a sua sabedoria, a sua eternidadeou o seu amor. Em outras palavras, ele necessariamente bom, sbio, eterno eamoroso. Nenhum dos seus atributos pode ser tirado dele, e nenhum atributonovo lhe pode ser acrescentado. Nenhum atributo pode existir sem os outros.Portanto, cada atributo tem atributos divinos; cada um qualificado pelos ou-tros. A sabedoria de Deus uma sabedoria eterna; a sua bondade uma bon-dade sbia e uma bondade justa.

    Assim, em The Doctrine of God eu argumento que os atributos essen-ciais de Deus so perspectivais, ou seja, cada um deles descreve tudo o queDeus , mas de uma perspectiva diferente. Por um lado, cada atributo pode sertomado como central, e os outros podem ser vistos em relao a ele. Assim,nesse sentido, a doutrina de Deus no tem somente um, mas muitos pontoscentrais. Os telogos erram ao pensar que a centralidade do seu atributo favo-rito exclui a centralidade de outros atributos. Esses escritores esto (comomuitas vezes acontece com os telogos) certos no que afirmam, mas erradosnas coisas que negam. Ritschl est certo ao dizer que amor a essncia deDeus, mas errado ao dizer que santidade no o . E esse tipo de erro geralmen-te vem ligado a outros erros teolgicos. Na maioria das vezes, quando umtelogo centraliza o amor de Deus, em contraste com outros atributos, a suainteno , contrariando as Escrituras, lanar dvida sobre a realidade ou inten-sidade da ira e do julgamento de Deus. Esse foi o caso de Ritschl, e o caso dealguns evanglicos modernos.8

    No estou afirmando que todos os atributos de Deus so igualmente im-portantes para a nossa compreenso de Deus. Um escritor diz que Deus umtecelo no Salmo 139.15.9 Bem, suponho que, com base nisso, teramos quereconhecer a capacidade de tecer como um atributo divino. Mas esse atributo,com certeza, no seria to importante quanto o amor ou a onipotncia de Deus.Ele seria apenas uma perspectiva sobre todos os atributos de Deus, pois todotrabalho de Deus o bordado de uma tapearia para expor a sua glria. Porm,essa no a perspectiva mais importante de Deus que temos na Escritura.

    Portanto, deveramos nos perguntar se a primazia do amor no poderiaser entendida num sentido mais brando, ou seja, que o amor no metafisicamenteprimrio, mas fundamental para o nosso entendimento de Deus. Aqui, noestamos perguntando se somente o amor a essncia de Deus, mas se a Escri-tura enfatiza a qualidade do amor como mais proeminente que outras qualida-des de Deus. No entanto, defender essa concluso muito difcil, em vista dosoutros candidatos bblicos a central, atributos estes vistos anteriormente: luz,Esprito, cime, santidade, onipotncia, misericrdia soberana, senhorio. Para

  • 44 - No h outro Deus

    estabelecer a concluso do tesmo aberto, seria necessrio mostrar no sque o amor importante, no s que ele a perspectiva central, como jvimos da discusso acima, mas que ele , de algum modo, mais importantepara a revelao bblica do que cada um dos outros candidatos a essa posi-o. Pelo que eu sei, nenhum telogo do tesmo aberto jamais ao menos co-meou essa rdua tarefa.

    Richard Rice resume muita evidncia bblica sobre a importncia do amordivino (p. ex., 1Jo 4.8-10, 15,16; Sl 103.8; Is 54.8; Dt 7.8; Jr 31.3; Is 63.9; Rm8.32; 5.8; Jo 3.16), citando Heschel, Barth, Brunner, Kasper e Pannenbergpara apoi-lo. Certamente esses textos mostram que o amor de Deus impor-tante. Porm, Rice quer ir mais alm, e argumenta que o amor mais impor-tante que todos os outros atributos de Deus, at mesmo mais fundamental.Ele diz: O amor a essncia da realidade divina, a fonte bsica da qual seoriginam todos os atributos de Deus.1 0 Mas, ele, na verdade, nunca apresentaqualquer comparao entre o amor e outro atributo divino. Apenas mostrar aimportncia e a centralidade do amor nas Escrituras no justifica essa conclu-so. preciso tambm mostrar que outros atributos so menos importantes emenos centrais do que o amor. Porm, os argumentos de Rice nunca tocam emoutro atributo divino exceto o amor.

    Em particular, difcil justificar pelas Escrituras que o amor de Deus mais importante que o seu senhorio. Para dar apenas uma pequena ilustrao daimportncia do termo, a NVI usa a palavra Senhor cerca de 7.484 vezes. SE-NHOR a traduo do nome pactual que Deus deu a Moiss em xodo 3.13-15. Deus regularmente executa atos poderosos para que as pessoas possamsaber que eu sou o SENHOR (x 6.7; 7.5, 17; 8.22; 10.2; 14.4, 18, e muitasvezes ao longo de todo o Antigo Testamento). A confisso crist fundamental Jesus Cristo Senhor (Rm. 10.9; 1Co 12.3; Fl 2.11; cf. Jo 20.28; At 2.36). obvio que o senhorio de Deus nas Escrituras no est em oposio ao seu amor.Na verdade, o inclui, como tambm a todos os outros atributos de Deus.

    Mesmo que os telogos do tesmo aberto pudessem mostrar que o amorde Deus o seu atributo mais importante, deveriam ento fazer a perguntaseguinte: o que o amor? Pois j vimos que cada atributo descritivo de Deusinclui todos os outros. O amor de Deus um amor justo, um amor eterno, umamor soberano. Deduzo que os telogos do tesmo aberto mantm, em parte,sua posio com respeito primazia do amor porque querem negar a primaziade atributos como onipotncia e imutabilidade, para no mencionar justia e ira.Porm, se o amor inclui esses outros atributos, se o amor de Deus onipotentee imutvel, ento os telogos do tesmo aberto no ganham quase nada aotornar o amor o atributo principal de Deus.

  • O amor o atributo mais importante de Deus? - 45

    Ningum negar que o amor de Deus muito importante nas Escrituras,e que ele fornece uma perspectiva legtima para que se saiba outras coisas arespeito de Deus. Mas os telogos da abertura de Deus precisam ser relembradosde que, qualquer que seja seu pensamento a respeito da relativa importncia doamor, eles tm, no mnimo, a responsabilidade de fazer justia plena a tudo omais que a Bblia diz sobre Deus. Para fazer isso, importante olhar para elede vrias perspectivas.

    Amor, sensibilidade,receptividade e vulnerabilidade.

    Ao descrever a natureza do amor divino, o interesse bsico dos telogosdo tesmo aberto enfatizar que o amor mais do que cuidado e compromis-so; ele envolve tambm ser sensvel e receptivo.1 1 Evidentemente, eles noacreditam que a teologia tradicional reafirme ou enfatize suficientemente essasqualidades do amor.

    A teologia clssica geralmente no usa esses termos, mas certamenteafirma as idias por eles expressas. Ser sensvel se comover com as atitudes,os sentimentos, ou as circunstncias dos outros.1 2 Ser receptivo agir de ma-neira graciosa e apropriada em relao a essas atitudes, sentimentos e circuns-tncias. O Deus da teologia clssica, certamente conhece exaustivamente asatitudes, os sentimentos e as circunstncias de suas criaturas. E esse Deus agegraciosamente de acordo com esse conhecimento. De fato, como veremos pos-teriormente de modo mais completo, o prprio Deus sente. Charles Hodge escre-veu: O amor envolve, necessariamente, sentimentos. Portanto, se no existirsentimento em Deus, tambm no haver amor.1 3

    Discutirei mais adiante como um Deus supratemporal pode reagir a acon-tecimentos e circunstncias temporais. (Como indiquei anteriormente, eu norejeito essa receptividade como sendo meramente antropomrfica.) Mas cer-tamente, no h nada na teologia clssica que impea Deus de ter um entendi-mento solidrio da nossa situao, e no h nada que o impea de agir em amorpara nos libertar das nossas angstias. Seu poder, sua sabedoria e sua onipotnciafazem dele o amigo mais fiel e mais ntimo de todos os que o invocam em f. Oque mais pode uma pessoa pedir de maneira legitima em nome do amor?

    Talvez o que os telogos do tesmo aberto queiram de Deus, na realidade,seja a vulnerabilidade, que Pinnock associa com o amor de Deus numa passagemque foi citada no captulo um.1 4 Argumentarei no captulo 11 que, at mesmo nateologia clssica, possvel haver um sentido no qual Deus seja vulnervel: ele seexps morte, na encarnao de Cristo. Porm, a teologia clssica tambm

  • 46 - No h outro Deus

    afirma que Deus invulnervel no sentido de que no pode sofrer perda em suanatureza ou derrota na execuo do seu plano eterno. evidente que o tesmoaberto no est satisfeito com esse entendimento tradicional. Ele exige um nvelalm de vulnerabilidade como um aspecto do amor divino.

    Mas, o que dizer a isso? Algum precisa ser vulnervel para poder amarvoc? Ou para que voc o ame? A vulnerabilidade de algum pode levar voc ater simpatia por ele ou ter pena dele, e essas emoes podem ser confundidascom o amor de vrias maneiras. Porm, ser que realmente impossvel perce-ber o amor em algum que forte demais para ser derrotado? Muito pelo contr-rio! Ser que no precisamente esse tipo de fora que queremos ver naqueleque nos ama? Um amor que no nos desapontar o tipo de amor que nossustenta, e do qual ningum nos pode separar? Essa , certamente, a natureza doamor de Deus descrito nas Escrituras. Nada nos poder separar do amor deCristo (Rm 8.35). Ningum nos arrebatar da sua mo (Jo 10.28,29). O amor deDeus um amor soberano no, em ltima anlise, um amor vulnervel.

  • Como j vimos, os telogos do tesmo aberto negam que a vontade deDeus seja a explicao final para todas as coisas. O ponto de vista deles quea Histria o resultado da juno das coisas que Deus e suas criaturas deci-dem fazer.1 Comentarei posteriormente sobre a funo das criaturas no pro-gresso histrico: a natureza da sua liberdade (captulo 8) e se possvel dizerelas que podem influenciar a Deus (captulos 10 e 11). No entanto, neste cap-tulo, pretendo apresentar a base bblica para a viso de que a vontade de Deus realmente a explicao ltima de todas as coisas.2 Neste captulo, no mereferirei muito aos telogos do tesmo aberto, mas no prximo captulo conside-rarei suas objees doutrina da predestinao universal de Deus.

    O mundo natural

    Os escritores bblicos no hesitam em atribuir diretamente a Deus osacontecimentos do mundo natural. Ele rega a terra (Sl 65.9-11). Ele faz osrelmpagos e o vento (Sl 135.5-7). Ele espalha a neve, a geada e o granizo edepois manda a sua palavra e os derrete (Sl 147.15-18). Compare Gnesis8.22; J 38-40; Sl 104.10-30; 107.23-32; 145.15,16; 147.8,9; Atos 14.17, e mui-tas outras passagens. No que Deus simplesmente deixa que essas coisasaconteam, ele as faz acontecer.

    At mesmo os acontecimentos que parecem ser mais aleatrios estosob o controle soberano de Deus: A sorte se lana no regao, mas do SENHORprocede toda deciso (Pv 16.33). Tudo o que chamamos de acidentes vmdo Senhor (x 21.13; Jz 9.53; 1Re 22.34).

    5A vontade de Deus a explicao

    final para todas as coisas?

  • 48 - No h outro Deus

    s vezes, Deus produz acontecimentos naturais com propsitos defini-dos. Ao mandar o granizo sobre os egpcios como castigo pela desobedinciade Fara, Deus deixou intacta a terra de Gsen, onde os israelitas viviam (x9.13-26). Ele manda chuva para uma cidade e a retm de outra (Am 4.7).Deus o que envia tanto a prosperidade quanto a fome (Gn 41.32).

    Jesus enfatiza que o controle de Deus sobre a natureza se estende aosmais nfimos detalhes. Ele afirma que o nosso Pai no somente faz o sol nascere envia a chuva (Mt 5.45), mas tambm alimenta os pssaros (6.26,27), vesteos lrios (6.28-30), considera os pardais cados (10.29), e conta os cabelos danossa cabea (10.30).

    Portanto, a viso bblica do mundo natural intensamente personalista.Os acontecimentos naturais vm de Deus. Isso no significa negar que haja,em algum sentido, foras na prpria natureza, talvez at mesmo leis naturais,embora seja difcil comprovar a existncia dessas leis pela Escritura. Porm,por trs de todas as foras da prpria natureza, h a fora do Senhor pessoal.

    A histria humana

    Deus nos fez do p (Gn 2.7), portanto fazemos parte da natureza e de-pendemos da chuva, da luz do sol, da colheita e dos animais. Sem a cooperaoda criao inferior, no poderamos existir. Ao falar sobre Deus como aqueleque prov para os pardais e para os lrios, Jesus mostra que essa providnciafaz parte de um argumento a fortiori: quanto mais ele cuida de vs? Valemosbem mais do que muitos pardais (Mt 10.31).

    Tambm no poderamos existir sem o vasto acmulo de acontecimen-tos aparentemente sem propsito. Todos ns devemos a nossa existncia combinao de um esperma e um vulo, vindos de um vasto nmero de poss-veis combinaes, e de combinaes igualmente improvveis que produziramtanto os nossos pais quanto os nossos ancestrais at chegar a Ado. E conside-re ainda quantos acontecimentos naturais possibilitaram que cada um dos nos-sos ancestrais sobrevivesse at a maturidade e se reproduzisse. Todas essascoisas, juntamente com os acontecimentos improvveis da nossa vida e dasnossas experincias pessoais, fizeram de ns o que somos.

    Portanto, se Deus controla todos os acontecimentos da natureza, elecertamente controla o curso da nossa prpria vida. No precisamos chegar aessa concluso por meio da argumentao anterior; a prpria Escritura a ensi-na explicitamente. O apostolo Paulo declara aos filsofos atenienses: De ums [Deus] fez toda a raa humana para habitar sobre toda a face da terra,havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habi-

  • A vontade de Deus a explicao final para todas as coisas? - 49

    tao (At 17.26). Deus Rei, no somente sobre Israel, mas sobre todas asnaes, sobre toda a terra (Sl 45.6-12; 47.1-9; 95.3; cf. Gn 18.25). Ele governaos acontecimentos da histria do homem para os seus propsitos (Sl 33.10,11).

    Reflita sobre algumas das maneiras pelas quais Deus governa os gran-des acontecimentos da Histria. Estamos familiarizados com a histria de Jos,que trado pelos seus irmos e vendido como escravo no Egito, sendo maistarde elevado a uma posio de proeminncia. Deus o usa como meio de pre-servar a sua famlia no Egito, onde se torna uma grande nao. A narrativa deGnesis atribui todos esses acontecimentos a Deus.

    Jos interpreta os dois sonhos de Fara como indicando sete anos prs-peros, seguidos de sete anos de fome. Jos nega que tenha alguma habilidadede interpretar sonhos: No est isso em mim; mas Deus dar resposta favor-vel a Fara (Gn 41.16). Deus no somente o intrprete do sonho, mas tam-bm o seu tema. Jos diz: Deus manifestou a Fara que ele h de fazer...eDeus se apressa a faz-la (vs. 28, 32). Deus quem trar primeiramente aprosperidade e depois a fome.

    At mesmo a traio de Jos pelos seus irmos obra do Senhor. Deus quem envia Jos ao Egito para salvar vidas e Deus que faz com queJos se torne lder no Egito (Gn 45.5-8). Jos conscientizou-se de que os seusirmos intentavam o mal contra ele, porm Deus o tornou em bem, para fazer,como vedes agora, que se conserve muita gente em vida (Gn 50.20).3

    Deus quem tira o seu povo do Egito com seu brao forte. E, a seguir,coloca terror nos coraes dos inimigos de Israel quando seu povo toma aherana dele na Terra Prometida (x 23.27; Dt 2.25; cf. Gn 35.5). Depois dasconquistas de Josu, Deus lhes d descanso, mantendo todas as suas promes-sas (Js 21.44,45). Nas guerras, sempre o Senhor quem d a vitria (Dt 3.22;Js 24.11; 1Sm 17.47; 2Cr 2.15; Pv 21.31; Zc 4.6).

    Quando Israel abandona o Senhor, ele usa os assrios e os babilnioscomo instrumentos para executar os seus propsitos determinados (Is 14.26,27;cf. 10.5-12; 14.24,25; 37.26), mas ele tambm quem humilhar essas naesno seu devido tempo (Jr 29.11-14). o Senhor quem remove reis e estabelecereis (Dn 2.21; cf. 4.34,35). Ele d nome ao imperador persa, Ciro, centenasantes do seu nascimento, e o designa como aquele que far retornar Israel Terra Prometida (Is 44.28; 45.1-13). Em seguida, Deus move o seu corao(Ed 1.1) para que ordene o retorno. Anos antes do edito de Ciro, Deus diz Eufarei isso (Jr 30.4-24).

    Todos esses acontecimentos preparam o palco para a vinda de Jesus (Gl4.4) De novo, Deus faz tudo acontecer. A concepo de Jesus sobrenatural.Tudo o que ele faz cumpre as profecias (p. ex., Mt 1.22; 2.15; 3.3; 4.14). Ele

  • 50 - No h outro Deus

    trado, mas mesmo essa traio resultado do determinado desgnio e presci-ncia de Deus (At 2.23,24; cf. 3.18; 4.27,28; 13.27; Lc 22.22). E Deus o Paiquem ressuscita a Jesus de entre os mortos, e que tem planejado o dia e a horade seu retorno (Mt 24.36).

    Portanto, Deus rege o curso total da histria da humanidade. As Escritu-ras claramente focalizam-se no grande acontecimento da histria da redeno:a eleio de Israel por Deus, e a encarnao, morte, ressurreio, ascenso eretorno de Jesus. Porm, para que esses grandes acontecimentos se concreti-zem, preciso que Deus esteja no controle de todas as naes do Egito, daBabilnia, da Assria e da Prsia, como tambm de Israel. E ele deve estar nocontrole de todas as foras da natureza, pois sem elas os acontecimentos daHistria no podem acontecer. No h dvida de que os seus poderosos feitosprovam ser ele nada menos que o Rei que domina sobre toda a terra.

    Vidas humanas individuais

    Mas Deus no s controla o curso da natureza e os grandes acontecimen-tos da Histria. Como vimos, ele tambm se preocupa com detalhes. Assim,encontramos nas Escrituras que Deus controla o curso da vida de cada pessoa.Como poderia ser diferente? Deus controla os acontecimentos naturais detalha-damente, incluindo acontecimentos aparentemente sem sentido algum. Ele contro-la a histria das naes e a histria da salvao humana, que, por sua vez, gover-na em grande parte os acontecimentos da nossa vida diria. Caso contrrio, seDeus no controlar um nmero vasto de vidas humanas individuais, difcil ima-ginar como ele seria capaz de controlar os grandes desenvolvimentos da Histria.

    Na realidade, as Escrituras nos ensinam explicitamente que Deus con-trola o curso da nossa vida individual. Esse controle comea antes de sermosconcebidos no ventre, assim como ocorreu com Jeremias (Jr 1.5). Se Deusconhecia Jeremias antes da sua concepo, ele deve ter arranjado que umesperma especfico atingisse um vulo especfico para produzir, a partir deAdo, cada um dos seus ancestrais, para assim chegar ao prprio Jeremias.Portanto, Deus est no controle de todos os supostos acidentes da Histriapara criar aquela pessoa especfica que pretende usar como seu profeta.4 Aprescincia de Deus a respeito de uma pessoa implica amplo controle sobretoda a famlia humana. Paulo diz, referindo-se a todos os crentes, que Deusnos escolheu, nele (Cristo), antes da fundao do mundo (Ef 1.4).

    Assim sendo, toda a histria da procriao da raa humana est sob ocontrole de Deus, o qual age intencionalmente para ocasionar a concepo decada um de ns (Gn 4.1, 25; 18.13,14; 25.21; 29.31-30.2; 30.17, 23,24; Dt 10.22;

  • A vontade de Deus a explicao final para todas as coisas? - 51

    Rt 4.13; Sl 113.9; 127.3-5). E com certeza, Deus tambm est ativo depois daconcepo de cada criana, na formao dela no ventre materno (Sl 139.13-16).

    Portanto, devemos a nossa prpria existncia, como seres humanos, ddiva da vida proveniente de Deus. Alm do mais, como indivduos, somos oque somos por causa da providncia de Deus. A cincia moderna continuadescobrindo mais e mais informaes a nosso respeito, provenientes da nossaconstituio gentica, por meio da incrvel complexidade da programao docdigo do DNA.5 Quem, seno um criador pessoal poderia ser o responsvelpor informaes tecnolgicas to perfeitas dentro de cada clula viva?

    Os acontecimentos da nossa vida esto nas mos de Deus, inclusivedepois do nascimento. xodo 21.12,13, uma lei que trata do assassinato, avisa:

    Quem ferir a outro, de modo que este morra, tambm ser morto.Porm, se no lhe armou ciladas, mas Deus lhe permitiu casse emsuas mos, ento, te designarei um lugar para onde ele fugir.

    Aqui a lei atribui o que chamaremos de perda acidental de uma vida ao de Deus. Noemi, a sogra de Rute, v a mo de Deus na morte dosseus dois filhos (Rt 1.13). Na orao de Ana, me de Samuel, ela reconhecea mo de Deus:

    O SENHOR o que tira a vida e a d;faz descer sepultura e faz subir.O SENHOR empobrece e enriquece;abaixa e tambm exalta. (1Sm 2.6,7; cf. Sl 37.23)

    Portanto, Deus planeja o curso da nossa vida: o nosso nascimento, anossa morte e se prosperamos ou no.6

    As diferenas entre ns nossas diferentes habilidades naturais e espi-rituais procedem de Deus (Rm 12.3-6; 1Co 4.7; 12.4-6).

    Tiago nos diz para no estarmos to certos quanto ao nosso futuro, poiso mesmo est inteiramente nas mos do Senhor (Tg 4.13-16).7 Claramente,todos os acontecimentos da nossa vida esto nas mos de Deus. Tudo o quefazemos depende de Deus desejar que acontea.

    Decises humanas

    Aqui nos aproximaremos de uma rea mais controvertida, a das deci-ses humanas. Ser que Deus causa as nossas decises? Algumas delas?

  • 52 - No h outro Deus

    Nenhuma delas? No captulo 8, discutirei a natureza da responsabilidade e daliberdade humanas, as quais so genunas e importantes. Mas aqui devemosencarar o fato de que as nossas decises no so independentes de Deus e,que, portanto, a nossa definio de liberdade deve ser, de algum modo, consis-tente com a soberania de Deus sobre a vontade humana.

    Na nossa avaliao da histria da redeno, vimos que Deus causou asdecises livres de certas pessoas, como a dos irmos de Jos (Gn 45.5-8), Ciro(Is 44.28) e a de Judas (Lc 22.22; At 2.23,24; 3.18; 4.27,28; 13.27). Portanto,n