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CIDADES DENTRO DE CIDADES O Projecto Urbano na Revitalização da Cidade Contemporânea João Pedro Capote Fernandes Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em ARQUITECTURA Júri Presidente: Professor Doutor António Barreiros Ferreira Vogal: Professor Doutor Jorge Manuel Gonçalves Orientador: Professor Doutor António Salvador de Matos Ricardo da Costa Co-Orientador: Arquitecto Vítor Manuel de Matos Carvalho Araújo OUTUBRO 2009

João Pedro Capote Fernandes - Autenticação · Figura 33 – Maquete do novo centro urbano. El croquis (OMA, 1996).....95 Figura 34 – Maquete da primeira proposta: a grande escala

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CIDADES DENTRO DE CIDADES

O Projecto Urbano na Revitalização da Cidade Contemporânea

João Pedro Capote Fernandes

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em

ARQUITECTURA

Júri

Presidente: Professor Doutor António Barreiros Ferreira

Vogal: Professor Doutor Jorge Manuel Gonçalves

Orientador: Professor Doutor António Salvador de Matos Ricardo da Costa

Co-Orientador: Arquitecto Vítor Manuel de Matos Carvalho Araújo

OUTUBRO 2009

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AGRADECIMENTOS

Quando concluí a escrita deste documento, apercebi-me que não teria sido possível terminá-lo sem a

participação e o apoio de variadíssimas pessoas, às quais quero aqui deixar os meus mais sinceros

agradecimentos.

Em primeiro lugar quero agradecer ao Professor António Costa, pois sem a sua presença enquanto

orientador, nunca teria sido capaz de terminar a dissertação com a qualidade que me era exigida,

dentro do tempo estipulado. Após a passagem de diversas pessoas pelo papel principal de

acompanhamento, encontrei, em Junho de 2009 mais que um orientador na sua pessoa. A sua

dedicação, amizade e apoio, bem como os seus profundos conhecimentos sobre o tema, permitiram-

me manter esperança e motivação, disponibilizando-se em todas as ocasiões para me ajudar, apesar

da distância a que Suíça e Portugal se encontram. Quero também agradecer ao Arq. Vítor Carvalho

Araújo, por ter aceitado o desafio de me ajudar neste trabalho à distância, nunca tendo desistido de me

acompanhar perante todos os contratempos do processo. Agradeço igualmente ao Arq. John Morgan,

colaborador do atelier LAPA na EPFL por ter lançado as primeiras pedras que sustentariam muitas das

ideias do meu estudo até ao fim.

Deixo aqui um agradecimento à minha amiga, “afilhada” e colega de curso, Catarina Sampaio Cruz, por

me fazer acreditar mesmo quando eu duvidei, e por me ter dado uma preciosa ajuda nos exemplos

sobre Projecto Urbano, assim como nas correcções do texto. Não tenho dúvidas que ela será um dia

uma excelente arquitecta.

No plano pessoal gostaria deixar um agradecimento muito especial aos meus Pais, por serem os

pilares do meu ser, exemplos a seguir, de disciplina, dedicação e esforço, e que me transmitem, como

pais e como amigos, tendo estado sempre presentes durante a execução deste trabalho e todo o meu

percurso académico, dando o apoio e o amor à altura das grandes pessoas que são. À minha irmã,

amiga e “colega de faculdade”, quero deixar também um agradecimento especial, pela sua inteira

disponibilidade, e apoio, pois enquanto aluna de Doutoramento do IST, serviu como referência pela sua

inteligência e dedicação, tendo-me sempre ajudado como ponte de informação entre mim e a

faculdade, nos momentos em que não pude estar presente.

Gostaria igualmente de agradecer aos meus patrões e colegas de profissão, Eric Frei e Kaveh

Rezakhanlou, do ateliê FRAR, pela compreensão necessária, que me permitiu compatibilizar o trabalho

da dissertação com o trabalho do ateliê, tendo este último sido interrompido por inúmeras viagens a

Portugal para o acompanhamento necessário à dissertação.

Por fim deixo um agradecimento geral a todos os meus amigos, fontes de alegria e motivação pessoal,

pelo apoio e presença na minha vida, fazendo-me sempre acreditar de que eu seria capaz.

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CIDADES DENTRO DE CIDADES

O projecto urbano na revitalização da cidade contemporânea

Resumo

Cidades Dentro de Cidades, é um estudo realizado com o objectivo de compreender, de que forma

poderá o Projecto Urbano contribuir para a revitalização da cidade contemporânea.

Para atingir esse objectivo, estudámos teorias desenvolvidas durante a segunda metade do séc. XX,

nos contextos Italiano, Espanhol e Francês. Foi dado especial destaque às questões da morfologia e

do tipo, passando também pelos planos, procurando estabelecer bases teóricas que nos permitissem

definir o Projecto Urbano.

Numa segunda fase, dedicámo-nos ao estudo das estruturas metropolitanas e das complexas

dinâmicas a estas adjacentes. Definimos então como prioridade um estudo sobre as questões políticas

e económicas, que originaram, num contexto de globalização, o aparecimento de estruturas

metropolitanas policêntricas. Recorremos ao estudo de questões transversais ao Projecto Urbano, tais

como a densidade, a mobilidade e o espaço público, a mistura de usos e as necessidades de

alojamento, relacionadas ainda, com as questões económicas, políticas e sociais.

Na última parte da dissertação, relacionando as matérias desenvolvidas nas partes precedentes,

associamos o Projecto Urbano às estratégias de compactação e policentralização, que estão na base

da revitalização da cidade contemporânea. Servimo-nos de exemplos para ilustrar o nosso estudo,

procurando afirmar o Projecto Urbano como instrumento capaz de criar Cidades Dentro de Cidades.

Palavras-chave: Projecto Urbano, Tipo, Morfologia, Metrópole, Policentralização

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Abstract

Cities Within Cities, defines a research around the capacity of an Urban Design to draw and revitalize

the contemporary city.

In order to reach that goal, we studied theories which were developed in countries such as Italy, Spain

and France during the second half of the 20th Century. From those we paid special attention to those

around the morphology and the typology, which were along with the study of urban planning, the bases

of the Urban Design.

The second step was to study the contemporary city, trying to understand the complexity of

metropolitan structures. We found in the political and economic globalization context the factors that are

the foundation of these emerging realities. By focusing on the matters of density, mobility, public space

and mix, as well as the needs for new forms habitat in cities, we achieved a coherent basis to relate

them to the Urban Design.

Finally we developed our study around some examples that illustrate the strategies that allow to reach a

compact and sustainable polycentric city, focusing on the main goal that was to conceive the Urban

Design as an instrument capable of creating Cities Within Cities.

Keyword: Urban Design, Typology, Morphology, Metropolis, Polycentrism

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ÍNDICE

ÍNDICE ..................................................................................................................... 9

ÍNDICE DE FIGURAS ............................................................................................ 11

INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13

1 Apresentação do Tema .........................................................................................................................13

2 Justificação e Motivação .......................................................................................................................15

3 Objectivos ..............................................................................................................................................15

4 Estrutura, Conteúdos e Metodologia ....................................................................................................16

5 Estado da arte .......................................................................................................................................18

I. O PROJECTO URBANO .................................................................................... 23

Introdução à primeira parte ......................................................................................................................23

I.1 A nova dimensão da cidade (pós)-moderna ......................................................................................23

I.2 Morfologia e Tipo .................................................................................................................................27

I.3 Do plano ao projecto ...........................................................................................................................30

II. AS CIDADES DA ERA DA INFORMAÇÃO....................................................... 37

Introdução à segunda parte .....................................................................................................................37

II.1 A globalização e o crescimento das metrópoles ..............................................................................37

II.2 Áreas Metropolitanas e Supra-Metropolitanas .................................................................................39

II.3 Dinâmicas populacionais nas metrópoles ........................................................................................42

II.4 Cidade e Cidadania: A crise do espaço público ...............................................................................46

II.5 A Paisagem Metropolitana .................................................................................................................48

II.6 A Cidade Compacta e os Processos de Policentralização ..............................................................50

III. ESTRATÉGIAS de POLICENTRALIZAÇÃO e PROJECTO URBANO........... 55

Introdução à terceira parte .......................................................................................................................55

III.1 Planeamento Estratégico, Projectos Urbanos e Policentralização ................................................55

III.2 Projecto Urbano: Da Teoria à Prática nas Metrópoles ...................................................................60

CONCLUSÃO ........................................................................................................ 83

1 Síntese de Conteúdos ...........................................................................................................................83

2 Notas Conclusivas .................................................................................................................................87

3 Limitações do Trabalho e Estudos Futuros .........................................................................................88

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BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 89

ANEXOS ................................................................................................................ 91

Anexos aos exemplos do Projecto Urbano .............................................................................................91

Almada Nascente – “Cidade da Água”, Portugal ....................................................................................91

Renovação Urbana em Almere, Holanda ...............................................................................................95

EuraLille, França .......................................................................................................................................97

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ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 – Projecto para um bairro em Marene di San Giuliano, Mestre. (Gutiérrez, 2006) ....................24

Figura 2 - Canary Wharf Business District. (wordpress.com) .....................................................................26

Figura 3 – A amálgama de arranha-céus de Nova Iorque ganha coerência numa estrutura primária

reticulada bem definida. The Endless City (AA VV, 2007) ..........................................................................32

Figura 4 – Projecto Urbano EuraLille. (OMA) www.oma.eu .......................................................................40

Figura 5 – Cidade do México, uma cidade sem horizonte.The Endless City (AA VV, 2007) ...................41

Figura 6 – Cidades com mais de um milhão de habitantes, 1825 e 1900. The Endless City (AA VV,

2007) ..............................................................................................................................................................42

Figura 7 – Cidades com mais de 1 milhão de habitantes, 1950 e 2005. The Endless City (AA VV, 2007)

........................................................................................................................................................................43

Figura 8 – Shanghai e a crescente construção de torres. The Endless City (AA VV, 2007) ....................44

Figura 9 – Desigualdade Social: Um novo bairro de luxo é a vizinhança de uma favela na cidade de

São Paulo, Brazil. (AA VV, 2007) .................................................................................................................47

Figura 10 – Aeroporto Check Lap Kok em Hong Kong. (Hofstra University) http://people.hofstra.edu/ ..49

Figura 11 – Estradas, pontes e viadutos como elementos constituintes da paisagem urbana. The

Endless City (AA VV, 2007) ..........................................................................................................................50

Figura 12 – Zonas de regeneração urbana em Barcelona. Tracès (Veuve, 2008) ...................................59

Figura 13 - Zona de Intervenção, 115 hectares entre a Cova da Piedade e Cacilhas. AML Estuarium,

Frentes Ribeirinhas - cadernos especiais (AA VV, 2007) ...........................................................................62

Figura 14 - Cortes desenvolvidos por Richard Rogers demonstrando a relação entre a densidade,

percursos, exposição solar, referências paisagísticas, etc. (Rogers Stirk Harbour + Partners) .............65

Figura 15 - Perspectiva da Praça Lisnave mostrando a representatividade do pórtico dos antigos

estaleiros. (Rogers Stirk Harbour + Partners)..............................................................................................66

Figura 16 - Vista da Praça Tejo onde se evidencia a sua relação ao estuário. (Rogers Stirk Harbour +

Partners).........................................................................................................................................................67

Figura 17 - Vista da Praça da Cova da Piedade: recuperação e transformação dos silos em centro

cultural e de exposições. (Rogers Stirk Harbour + Partners) .....................................................................68

Figura 18 – Planta geral da intervenção. A norte o novo centro empresarial e a sul o novo centro

urbano da cidade. El Croquis (OMA, 1996) .................................................................................................72

Figura 19 – Estudos morfológicos do novo centro. El croquis (OMA, 1996) .............................................72

Figura 20 – Planta do Projecto Urbano para o novo centro de Almere. Fases de construção e usos.

http://www.e-architect.co.uk/ .........................................................................................................................73

Figura 21 – Diagramas de espaço construído (esquerda) e espaço público (direita). El Corquis (OMA,

1996) ..............................................................................................................................................................74

Figura 22 – Maqueta do Projecto Urbano com as torres de escritórios em primeiro plano e o novo

centro da cidade iluminado ao fundo. El Croquis (OMA, 1996) .................................................................75

Figura 23 – Vista aérea da construção do novo centro de Almere. http://www.e-architect.co.uk/ ...........75

Figura 24 – Vista aérea da intervenção praticamente concluída. http://www.e-architect.co.uk/ ..............76

Figura 25 – Zona da intervenção, antes da execução do Projecto Urbano EuraLille. El Croquis (Nouvel,

1998) ..............................................................................................................................................................77

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Figura 26 – Esquiço de Rem Koolhaas demonstrando a intenção de trabalhar grandes escalas e

diferentes tipos construindo uma nova paisagem urbana. Destaca-se a marcação das estradas, pontes

e viadutos como elementos marcantes dessa paisagem. (Nederlands Architectuurinstituut) .................78

Figura 27 – Planta geral da intervenção. À direita o Grand Palais, em posição central o Traingle des

Gares situando-se entre a antiga estação ferroviária de Lille e a nova estaçaõ de TGV. A Norte a

estaçaõ de TGV com a sobreposição das torres e à esquerda o novo parque urbano, marcando uma

grande zona verde na intervenção. (Nederlands Architectuurinstituut) .....................................................79

Figura 28 – Vista aérea do projecto. El Croquis (OMA, 1996) ...................................................................80

Figura 29 – Vista do triângulo das gares pontuado pelas torres, com especial foco nas duas torres

sobre a estação de TGV. El Croquis (Nouvel, 1998) ..................................................................................81

Figura 30 – O Triangle des Gares: 3 torres comerciais e a grande praça de entrada no complexo

comercial e cultural. El Croquis (Nouvel, 1998)...........................................................................................82

Figura 31 – Localização dos espaços públicos. Câmara Municipal de Almada ........................................91

Figura 32 – Planta e corte geral da intervenção. Definição de zonas, tipologias e núcleos de

concentração. Camâra Municipal de Almada ..............................................................................................93

Figura 33 – Maquete do novo centro urbano. El croquis (OMA, 1996)......................................................95

Figura 34 – Maquete da primeira proposta: a grande escala. OMA (Nederlands Architectuurinstituut)..97

Figura 35 – Esquiço de Koolhaas evidenciando a relação entre os diferentes elementos. (Nederlands

Architectuurinstituut) ......................................................................................................................................97

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INTRODUÇÃO

1 Apresentação do Tema

A cidade é um tema complexo e, embora a sua complexidade possa estar ligada a muitos factores

exteriores à arquitectura, acreditamos que esta, pela sua expressão espacial e temporal na cidade e

consequente influência na vida do Homem deve estar atenta a esses factores, responsabilizando-se

pelo desenho da cidade.

Embora esta nos pareça uma ideia relativamente óbvia, a história prova-nos o contrário. As ideias

vanguardistas do Movimento Moderno, na sua busca funcionalista, demonstraram-se insuficientes para

dar respostas coerentes e eficazes às exigências da cidade Industrial. Ainda que, se tenha tentado

através da Carta de Atenas, atender a uma melhoria das condições de vida, nas poluídas e

congestionadas cidades industrializadas, estas ideias, sobretudo quando mal interpretadas, deram

origem a cidades caracterizadas por um excessivo zonamento, que as segregavas.

Foi num contexto de crise das ideias Modernistas, que na segunda metade do século XX, se

procurava, nas escolas de Veneza, Roma e Milão, entender uma nova dimensão citadina emergente: a

cidade-região. Para tal, e após anos de estandardização, a arquitectura e a urbanística deveriam

afirmar-se como as ciências responsáveis pelo desenho da cidade, devendo por isso recuperar os

valores da cidade histórica, que haviam sido perdidos. Para compreender esta nova realidade tornava-

se, assim, imperativa uma redução da cidade à arquitectura, sendo que esta foi ensaiada através das

análises morfo-tipológicas. Estas análises tiveram a sua origem no contexto Italiano, estendendo o seu

debate a França, Espanha e também Portugal.

A revisão do Modernismo e das questões funcionalistas e construtivas foi apenas um dos pontos de

partida, que acabaria por se estender à abordagem de problemáticas até então deixadas ao

planeamento, urbanismo, ciências sociais, política e economia separadamente, e que fariam sentido

incluir na revisão da arquitectura enquanto ciência multidisciplinar incumbida do desenho do espaço

urbano.

Ao mesmo tempo que se tentava entender a cidade-região, ensaiava-se também, metodologias de

actuação que permitissem desenhar a cidade à escala territorial. Destas, surgiram em vários contextos

Europeus, nomeadamente o Espanhol, instrumentos como os planos para áreas metropolitanas, que

mais uma vez se revelaram insuficientes e redutores, regressando a uma separação funcionalista do

tecido urbano. Surgiam assim, nos vários países onde estas ideias estavam na ordem do dia,

evidências, da necessidade de se encontrar um instrumento capaz de actuar no tecido urbano à

grande escala, ao mesmo tempo que representava uma alternativa aos planos, e também aos objectos

arquitectónicos isolados. Recuperando as questões de processo, actuando através da morfologia e dos

tipos, o Projecto Urbano, assumia-se desta forma como um instrumento capaz de actuar nas novas

estruturas citadinas, recuperando os elementos da cidade histórica, integrando a paisagem natural e

construída. Para tal, seria ainda necessário atender à componente temporal, inerente ao espaço

citadino, fosse este construído ou simbólico. Assumia-se assim, a possibilidade de voltar a desenhar a

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cidade, sem perder os valores inerentes às cidades e aos cidadãos que as habitam, dando-se portanto

atenção aos valores da identidade e da memória.

A entrada na Era da Informação atribuiu à cidade contemporânea uma maior complexidade. Esta

complexidade, ligava-se numa primeira instância à velocidade das transformações de um mundo

globalizado. Assim, as cidades assumiam um protagonismo, cada vez maior, na vida política, social e

económica, umas das outras.

A revolução tecnológica, trouxe igualmente, tal como já tinha acontecido com a revolução industrial

profundas mudanças nas cidades, nomeadamente na sua estrutura social e morfológica, dando-se

uma vez mais, uma mudança de escala da estrutura urbana. A estrutura citadina conhecida até então

passaria para uma estrutura metropolitana, supra citadina e policêntrica. (Borja, 1998)

Acreditamos, então, ser de novo necessário fazer uma reflexão sobre o papel do arquitecto no desenho

da cidade contemporânea, que se afigura como um organismo em constante e rápida transformação.

Essa revisão não estará tanto ligada à profissão em si, mas sim, à necessidade de recuperar

instrumentos, como o Projecto Urbano, reinterpretando-os, para tornar possível atender às dinâmicas

económico-sociais impostas pela metrópole.

A evolução e transformação da estrutura da cidade contemporânea, tal como é referido no presente

documento, acrescenta-lhe complexidade e apresenta novos desafios ligados às questões de

sustentabilidade das cidades. Nestas incluem-se os temas transversais ao Projecto Urbano tais como a

densidade, a mobilidade e o espaço público, a mistura de usos e as necessidades de alojamento,

relacionados, como não poderia deixar de ser, com as questões económicas, políticas e sociais.(AA

VV, 2007)

Assim, torna-se necessário revitalizar a imagem urbana, metropolitana, procurando para tal, uma

viabilização do Projecto Urbano como instrumento capaz dessa revitalização. Este deverá atender às

necessidades concretas de um mundo globalizado, reconhecendo que o espaço e o tempo são cada

vez menos controláveis e que qualquer dos nossos actos hoje não deverá comprometer as nossas

cidades do amanhã, muito menos romper com o nosso passado.

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2 Justificação e Motivação

A ideia inicial, que deu origem ao título Cidades Dentro de Cidades propunha focar este estudo no

tema da policentralização na cidade contemporânea, e que surgiu no decorrer do 1º semestre de

Projecto na EPFL – École Polytechnique Federale de Lausanne, onde o objectivo era criar uma Urban

Constitution (Plano Estratégico de Intervenção) para Southwark em Londres, que sustentasse a criação

de 60 000 novos alojamentos na cidade até 2012. Com o decorrer do presente trabalho tornou-se óbvio

que esta abordagem poderia passar ao lado dos temas mais ligados à arquitectura e, também, que a

sua extensão poderia levar a abordagens demasiado teóricas sobre questões políticas, económicas e

geográficas que se poderiam desviar, a nosso ver, dos objectivos de uma dissertação de Bolonha em

Arquitectura.

Como tal e mantendo as cidades da Era da Informação como objecto de estudo da dissertação optou-

se por tentar dar uma maior relevância à Arquitectura e à sua contribuição no desenho da cidade, que

poderá estar ainda relacionada em alguns momentos com as questões da policentralização. A

caracterização desta relação estabelecer-se-á como um dos objectivos deste trabalho.

Poder-se-á mesmo afirmar que o tema central é o Projecto Urbano, como ferramenta da arquitectura

da cidade, e que a metrópole é o pano de fundo desta dissertação.

A motivação passou então a ser a descoberta dos novos desafios que são apresentados pela cidade

contemporânea à nossa profissão, e que, dada a actualidade do tema bem como a sua complexidade,

justificam uma reflexão teórica. A esta, acrescenta-se a sensação de que a arquitectura está em muitos

casos em ruptura com um desenho responsável da cidade. A mediatização da arquitectura, por

exemplo, resultou sobretudo numa arquitectura representativa do poder económico e político de uma

dada cidade ou país, aliada a um crescente idolatrar do star system e dos objectos por este

construídos. Assim, esta arquitectura em nada contribui para a cidade e para os que nela habitam, uma

vez que ignora muitos dos ensinamentos que podemos tirar destes últimos 50 anos de reflexão,

sobretudo das análises morfo-tipológicas. Estas ajudam-nos a compreender a cidade na sua nova

dimensão espacial e temporal, informando o processo de actuação, para que a arquitectura não se

reduza à produção objectual.

Não queremos ainda assim, fazer uma crítica à mediatização da arquitectura mas antes abrir uma

porta ao entendimento da forma como esta poderá, recuperando as teorias do projecto urbano,

contribuir para o desenho da metrópole.

3 Objectivos

O principal objectivo desta dissertação é reflectir sobre o papel do Projecto Urbano no desenho da

cidade, isto é, contribuir para a compreensão dos modos em que a arquitectura se poderá

instrumentalizar, para actuar e responder aos desafios impostos pelas novas estruturas urbanas que

são o reflexo da Era da informação, numa sociedade mediatizada e de dinâmicas complexas. Para

responder ao objectivo central foram definidos os seguintes objectivos específicos:

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a) Fazer uma abordagem ao projecto urbano de forma a entender a sua evolução, desde as

teorias Rossianas, da morfologia e do tipo, passando por algumas ideias de outras escolas,

até aos dias de hoje.

b) Caracterizar a metrópole atendendo aos fenómenos urbanos e arquitectónicos, bem como às

principais dinâmicas políticas e económicas que os acompanham e que poderão ter influência

nos mesmos.

c) Entender os factores sociais e as exigências do Homem na sua relação directa com a

metrópole: necessidades de mobilidade, comunidade, imagem, identidade e memória, bem

como outras que sejam representativas do Homem contemporâneo enquanto elemento

central do espaço metropolitano construído.

d) Compreender os novos centros urbanos e suas referências: entender o seu estatuto e

influência na estrutura metropolitana, assim como a importância do projecto urbano enquanto

instrumento de desenho da cidade, na criação desses centros, pondo em evidência a sua

actuação nos campos da memória, identidade e cidadania.

e) Relacionar o projecto urbano com os desafios da cidade contemporânea, procurando

entender de que forma se poderá este afigurar como instrumento do desenho da metrópole, e

de que forma deverá ser reinterpretado para dar resposta às necessidades físicas e

temporais, do Homem “Informado” e do espaço que este habita.

4 Estrutura, Conteúdos e Metodologia

O trabalho divide-se em duas grandes investigações que terão como finalidade a sua inter-ligação na

perspectiva de compreender como deve e pode a arquitectura – através do Projecto Urbano - integrar o

desenho da metrópole. A divisão do presente trabalho em três partes baseou-se na necessidade de

num primeiro momento definir histórica e teoricamente o Projecto Urbano, para que se pudesse, após

um reconhecimento das características mais relevantes patentes nas estruturas metropolitanas, fazer

interagir estas duas pesquisas, exemplificando a aplicação do projecto urbano em estruturas

metropolitanas policentradas.

O Projecto Urbano é então o tema da primeira parte. Procuramos entender não só a sua génese

teórica mas também a sua evolução no conceito e na prática, para poder posteriormente relacioná-lo

com o desenho da cidade da Informação. Para isso foi feita uma abordagem às teorias de algumas

escolas europeias, dando especial atenção às Italianas, mais precisamente Veneza, Milão e Roma (por

serem a origem da conceptualização da arquitectura como ciência urbana), mas passando também

pelas reflexões sobre o tema em França e Espanha.

Em primeiro lugar, recorremos à aproximação Italiana a uma nova dimensão do espaço urbano a

cidade-região. Para tal, enunciando a crise do Modernismo no que diz respeito às questões da cidade,

procurámos entender de que forma a arquitectura e o urbanismo se instrumentalizaram para actuar na

nova dimensão territorial. Esta nova dimensão foi então estudada no âmbito da morfologia do espaço

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em relação com o tipo. Esta abordagem permitiu-nos entender a função e consequência do

parcelamento, na sua relação com a forma da cidade, assim como entender o tipo, enquanto base

linguística que influencia profundamente a morfologia da cidade, numa redução da cidade à

arquitectura. Esta análise levou-nos a entender a evolução das estruturas urbanas, relacionando-as

com as suas componentes social e temporal, revendo as questões do processo de actuação que viriam

a estar ligadas à necessidade de um instrumento de projecto e processo para a cidade – O Projecto

Urbano.

Dado que no contexto Espanhol, o Projecto Urbano, além da sua relação com as análises morfo-

tipológicas, surge também como uma resposta ao planeamento, procurou-se pesquisar a evolução dos

planos entre os anos 70 e 90, criticando a imposição de estruturas monodimensionais, de zonamento e

consideração estática da cidade. Assim, surgem mais uma vez questões de processo, na medida em

que se torna necessário autonomizar a arquitectura, dada a sua componente temporal, para além de

uma hierarquização processual com limites espaciais e temporais demasiado fechados que se

protagonizavam nos planos.

Desta forma, conseguimos chegar a uma compreensão do projecto urbano e das suas valências,

viabilizando um estudo mais aprofundado da cidade contemporânea – a metrópole.

A segunda parte inclui análises mais genéricas, de carácter político-social, económico, geográfico, que

são fundamentais à compreensão da cidade e servem como bases do objecto central do presente

trabalho, que é o Projecto Urbano. Para isso, foram feitas análises numa perspectiva de contribuição

multidisciplinar às temáticas do projecto urbano. Organizámos o nosso estudo procurando entender

quais são as dinâmicas populacionais que poderão ter influência no tecido físico e social da cidade.

Atendemos também às questões habitacionais e de mobilidade, relacionando-as com a arquitectura e o

espaço público, procurando estabelecer a forma como estas influenciam a imagem da cidade

contemporânea.

Mais uma vez nos deparámos com as questões das novas dimensões físicas e temporais da cidade

que se materializa já em estruturas metropolitanas e supra metropolitanas.

Estas análises permitem-nos assim, criar possíveis retratos da cidade contemporânea que informam o

Projecto Urbano para a intervenção na mesma.

Na terceira parte, salientando as ideias do Projecto Urbano que fomos levantando e explorando, e a

sua inserção em intervenções estratégicas, estudámos a viabilidade deste instrumento como

revitalizador da imagem da cidade-metrópole. Para tal, focámos o nosso estudo nas oportunidades de

utilização do Projecto Urbano que resultam em grande parte do reconhecimento dos desafios que são

impostos pelas estruturas metropolitanas de hoje. Procurámos igualmente inserir essas ideias em

estratégias de policentralização, compactação e densificação dos tecidos, em busca de uma cidade

socialmente justa e sustentável.

Através da apresentação crítica de exemplos de projectos urbanos, executados e não executados,

tentámos explorar e defender as ideias morfo-tipológicas apresentadas no primeiro capítulo, cruzando

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essas ideias com os inputs obtidos na caracterização da cidade contemporânea, explorando também a

forma como estes influenciam as decisões de processo e de projecto inerentes a um desenho

responsável da metrópole.

5 Estado da arte

O levantamento do Estado da Arte revelou-se uma tarefa bastante difícil, sobretudo no que diz respeito

à segunda parte do trabalho. Dada a dificuldade de maturação do tema, cuja abordagem é complexa e

apresenta muitas possibilidades, não foi fácil estabelecer bibliografia que permitisse fazer uma

abordagem clara sobre o tema da metrópole e dos processos urbanos, arquitectónicos e sociais que a

acompanham.

Começamos então por pesquisar os autores que reflectem no seu trabalho prático as questões teóricas

ligadas ao tema da metrópole e onde destacamos a especial importância de Richard Rogers e da

Urban Task Force que este lidera. Esta equipa dedicou-se precisamente ao estudo dos fenómenos

urbanos acima mencionados, no Reino Unido e que, pela sua próxima ligação com a classe política do

seu país, representam um trabalho de pesquisa importante e abrangente, com reflexões teóricas e

exemplos de experiências práticas.

Outro autor de destaque é Peter Hall, também ele ligado à corrente anglo-saxónica do projecto urbano

e que desde os anos 60 teoriza sobre as grandes cidades mundiais e os desafios que estas

representam ao trabalho dos arquitectos, urbanistas e planeadores.

No campo do Projecto Urbano propriamente dito, as ideias de Rossi assumem um papel central, bem

como Victoriano Sainz Gutiérrez que sintetiza com clareza a evolução teórica da arquitectura da cidade

na segunda metade do século XX, para nos apresentar o Projecto Urbano como ponto central dessa

mesmo evolução.

The Megacities Foundation - www.megacities.nl

A Megacities Foundation, é uma fundação Holandesa criada há 15 anos e que se dedica ao estudo de

problemáticas no âmbito da metrópole. Esta foi formada pela necessidade de reflectir sobre a

sociedade, que assentará num futuro próximo, na capacidade das cidades para a acolherem a maior

parte da população mundial, em especial nas megacities. Para este efeito a fundação organiza desde

1997,anualmente, conferências onde são abordados os mais diversos temas em torno da questão

central da Metrópole. Destacamos aqui a participação de Peter Hall que se ocupou precisamente da

primeira conferência. Na lista dos participantes podemos ver ainda nomes como o de Richard Rogers

ou Saskia Sassen, percebendo desde logo que foram chamados a participar alguns dos maiores

especialistas da área.

Os principais objectivos da Megacities Foundations são o de agrupar o conhecimento do maior número

de disciplinas, na tentativa de compreender a essência do crescimento urbano e da extensão da

megalopoli numa era tecnológica e de informação, num mundo globalizado e mediatizado que assenta

numa grande diversidade económica, cultural e social. As conferências procuram expandir o

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conhecimento sobre esta problemática, não numa tentativa de criar um código ou um esquema preciso

de actuação mas sim, de forma a poder criar um conjunto de cenários dos sistemas de sociedades que

contribuem para a concentração das populações nas grandes metrópoles, para que estes possam ser

encarado como oportunidades e não como fatalidades deixadas ao acaso da globalização.

Apesar de no decurso do trabalho terem sido estudadas várias conferências, daremos aqui especial

destaque às de Peter Hall e Richard Rogers, visto ter sido o trabalho destes dois autores, dentro e fora

do contexto da Megacities Foundation, a principal base para a compreensão da problemática da

Metrópole.

Peter Hall (1997)

World cities and global cities

Nesta conferência Hall procura classificar as cidades no sistema global mundial, atribuindo-lhes

classificações consoante as suas densidades populacionais e formas de crescimento e também no que

diz respeito ao seu papel e posicionamento político-económico no mundo globalizado. Para isso, Hall

faz uma aproximação histórica, e sucinta dos factores fundamentais que geraram a partir dos anos 60

as estruturas metropolitanas policêntricas.

O autor dá especial destaque às mudanças sociais e populacionais que influenciam profundamente

toda a cidade, nomeadamente nas formas de habitar e de mobilidade, ilustrando com alguns exemplos

as medidas encontradas para responder aos desafios impostos pelas Mega Cities.

Richard Rogers (2001)

The Fragmented City

Esta conferência foi dada já depois de Richard Rogers ter efectuado o seu relatório com a Urban Task

Force e também, as duas obras teóricas que se seguem a esse trabalho: Cities For a Small Country e

Cities for a Small Planet. A conferência não substitui a leitura das obras acima mencionadas mas

completa-as pois apresenta uma reflexão sobre a sua experiência no estudo do papel do arquitecto no

desenho da cidade baseada em estruturas metropolitanas policêntricas.

Tendo como tema central um desenho sustentável da cidade, Rogers reflecte sobre o uso do

transporte colectivo como elemento fundamental da estruturação da metrópole. O autor fala-nos

também da necessidade de revisão das tipologias, quer habitacionais, quer dos equipamentos, do

espaço público e o seu papel social e comunitário. Para tal, este faz abordagem às questões políticas

que devem sustentar estes desenvolvimentos, mantendo sempre presente a preocupação pela

expansão desenfreada das cidades e as suas repercussões, fazendo um constante paralelo com a sua

experiência no Reino Unido.

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Victoriano Sainz Gutiérrez (2006)

El proyecto urbano en España: Génesis y desarrollo de un urbanismo de los arquitectos

Este livro faz um apanhado histórico sobre a evolução do urbanismo e da arquitectura da cidade na

segunda metade do século XX face à crise dos modelos de cidade apresentados pelo Modernismo.

Esta aproximação, através do morfologismo em Itália, França e Espanha, é particularmente importante

para compreender a génese do Projecto Urbano, sendo que explica não apenas o contexto do seu

aparecimento ligado à necessidade de compreensão da nova dimensão urbana, mas também em que

medida poderá este ser o instrumento de resposta à complexidade das áreas metropolitanas.

O autor foca o seu estudo no caso Espanhol passando também pelo tema do planeamento que está,

no contexto Espanhol, intimamente ligado ao aparecimento de uma via de Projecto para a arquitectura

da cidade.

Para alcançar o objectivo que enunciámos, o autor procura citar vários autores de renome, sobretudo

nos contextos Italianos e Espanhol, de forma a por em evidência aspectos fundamentais como a nova

dimensão da cidade: a cidade-região, as questões de morfologia e tipo, a complexidade de factores,

actores, e sociedade no contexto urbano entre outros, procurando explicar a essência do Projecto

Urbano.

Nuno Portas

A cidade como arquitectura

A cidade como arquitectura é uma referência clara ao livro de Aldo Rossi, A arquitectura da cidade, e

como tal propõe-se, sobre uma via metodológica em muito idêntica à do autor Italiano, a estudar o

problema da arquitectura da cidade através do tipo e da forma. Este livro resulta da Tese de

Doutoramento de Nuno Portas onde os conteúdos não se apresentam de uma forma muito clara dada

a “experimentalidade” do ensaio e actualidade dos temas que trata, em 1969, bem como a tentativa de

tocar em outros temas ligados à própria revisão da profissão, tema tão em voga na época. Mas ainda

que a reflexão se desvie para campos que acabam por não nos interessar no tema do trabalho, há que

salientar que este livro teve apenas duas edições, em 1969 e em 2007, isto após a insistência do

editor, considerando que várias das reflexões expostas no trabalho de Portas apresentam toda a

pertinência em serem recuperadas, opinião da qual partilhamos.

O autor aborda os temas dos núcleos, da expansão descontrolada das cidades, do projecto urbano,

sendo assim uma importante contribuição que aponta no mesmo sentido do presente trabalho, escrito

40 anos mais tarde. Destacamos aqui algumas da palavras de Portas e que caracterizam bem o seu

discurso e a actualidade do seu pensamento:

“Olhando a cidade real, é bem visível que vastos grupos não têm as condições de “habitat”, instrução,

mobilidade territorial e lazer criador que o seu ainda inferior nível de desenvolvimento autorizaria. E

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que são “técnicos” que diariamente decidem, para esses grupos, que com este ou aquele espaço ou

equipamento “já não ficam muito mal […] ”

“Tal estudo das liberdades urbanas e seus “standards”, uma vez trabalhado rigorosamente nas suas

interacções, teria uma utilização imediata num projecto (…), para os quais a arquitectura arriscaria,

riscando, um sistema de qualidade e relações espaciais e temporais. Teríamos já então relações

figurativas – que permitiriam a edificação e, após o seu uso iniciado, a vida quotidiana invadindo-a,

dando-lhe sentido, usando-a, contestando-a, ter-se-iam condições laboratoriais para lançar uma

segunda fase de pesquisa: o juízo interdisciplinar sobre o uso e a transposição das suas conclusões

para novos programas de conteúdos.”

Richard Rogers

Cities for a Small Planet

Neste livro, Rogers lança uma mensagem de esperança indicando como uma cidade equitativa e

compacta é pluralista e integrada, diversa e coerente. O autor defende também uma cidade policêntrica

de alta densidade, onde exista mistura de usos e se tenha em atenção as questões ecológicas,

privilegiando a comunicação e a comunidade, em que a imagem construída pela arte, arquitectura e

paisagem possa responder às necessidades da sociedade Humana.

Aldo Rossi

La arquitectura de la Ciudad

Rossi dedicou-se, em praticamente todo o seu trabalho como arquitecto, à pesquisa por afirmar a

arquitectura como ciência urbana. Este livro insere-se nessa pesquisa, afirmando Rossi que este é “um

projecto de arquitectura”.

O autor propõe um olhar sobre a cidade, analisando os processos de transformação da mesma. Para

tal este propõe uma aproximação aos factos urbanos em 4 partes das quais destacamos aqui as duas

primeiras. Na primeira parte, Rossi trata de problemas de descrição e classificação focando o seu

estudo nos tipos. Na segunda parte foca-se nas questões de estrutura e morfologia.

O seu estudo aborda as questões da historicidade do tecido urbano e da composição da cidade por

partes, ligando a cidade à vida do homem e à memória colectiva.

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I. O PROJECTO URBANO

Introdução à primeira parte

Procurámos aqui fazer uma aproximação histórica ao aparecimento do Projecto Urbano. A

problemática do Projecto Urbano apareceu nos contextos Italiano, Francês e Espanhol. Abordada

pelos autores da época, evidencia o aparecimento de questões ligadas à cidade que consideramos

estarem ainda hoje presentes, ainda que, reconhecendo a distância das mesmas, à complexidade que

a metrópole apresenta hoje em dia.

Organizámos o nosso estudo nesta primeira parte sobre o Projecto Urbano em três capítulos:

O primeiro capítulo, a nova dimensão da cidade (pós)-moderna, enuncia a crise do Movimento

Moderno no que diz respeito à forma como este tratava os temas da cidade e do seu desenho.

Procurámos aqui compreender a nova dimensão da cidade, reconhecida durante a segunda metade do

século XX e que levou à necessidade de recuperação de valores e revisão das disciplinas da

arquitectura e da urbanística.

No segundo capítulo, apoiamos o nosso estudo nas análises morfo-tipológicas da cidade-região

protagonizadas sobretudo nos contextos Italiano, Espanhol e Francês, mas que tiveram também a sua

reflexão em Portugal. Assim, tentámos fazer uma redução da cidade à arquitectura em que o estudo

dos tipos informa não apenas as questões formais, mas também temporais, relacionando-as com a

sociedade.

Por fim, fazendo uma crítica à abordagem estandardizante e redutora do planeamento, procuramos

entender o aparecimento do Projecto Urbano enunciado ao longo dos outros dois capítulos.

Exploramos aqui já algumas das valências deste instrumento considerando a sua relação com os tipos

e a morfologia da cidade, com a escala das intervenções, abrangendo áreas maiores de

descontinuidade do tecido urbano, realçando a importância do Projecto Urbano como instrumento

capaz de protagonizar a arquitectura da cidade.

I.1 A nova dimensão da cidade (pós)-moderna

A crise do funcionalismo no ambiente pós-guerra dos anos 50 trouxe à luz uma necessidade de revisão

das doutrinas da urbanística e do projecto de arquitectura para as cidades. O Movimento Moderno

protagonizou uma ruptura com a história e com a cidade histórica. A exaltação da evolução da técnica,

bem como a necessidade de afirmação de uma nova arquitectura, separaram progressivamente a

arquitectura, da cidade. Essa separação evidenciou-se com as propostas feitas na Carta de Atenas

com a implantação de edifícios de habitação a baixa densidade em grandes espaços verdes. A má

interpretação destas ideias vanguardistas levou a um crescimento descontrolado em que a rua, a

praça, a mistura de usos entre outros, não figuravam como tipos fundamentais à estruturação do

espaço citadino, dando lugar a uma cidade cada vez mais dividida em zonas, segregada física e

socialmente. O Movimento Moderno afirmou de facto uma posição de ruptura com a história, dando-se

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também uma ruptura de valores e a sua representatividade na memória colectiva dos cidadãos, além

das rupturas que se materializaram no espaço construído.

A década de 50 viria a estar marcada pela ideia de que se queria construir uma cidade, realmente mais

humana e justa, com a qual os seus habitantes se identificassem, após anos de estandardização.

Tornava-se portanto necessário atender às necessidades do Homem concreto.

Num clima de revisão da Arquitectura como ciência, em que se tornava imperativo procurar entender a

cidade para descobrir de que forma a arquitectura e o urbanismo poderiam intervir, Claudio D’Amato

sublinhou que “o dado que caracteriza a segunda metade dos anos 50 como elemento determinante é

a presença activa que o papel da história e o recurso aos valores da memória jogam no debate

sobre a arquitectura”, cit in (Gutiérrez, 2006) ideia que viria a estar também presente na pesquisa de

Rossi.

Num dos escritos teóricos mais importantes dos anos 60, Samonà1, mediante as críticas ao modelo da

Cidade Jardim, à contribuição do racionalismo na construção da cidade contemporânea, contrapunha

um olhar mais atento à cidade Oitocentista. Este olhar pressuponha um ponto de vista “territorial”

referindo-se à nova dimensão das transformações em curso. A ideia de uma nova dimensão da cidade

tornou-se ponto de partida e de referência para as teorias das duas décadas seguintes e encontra-se

presente em todo o pensamento dos autores Italianos da época.

É na tentativa de compreender esta nova dimensão de cidade, agora entendida numa escala territorial,

que surge o projecto da autoria de Quaroni2 para um bairro Barene di San Giuliano, entre Mestre e

Veneza. Este projecto surgiu no âmbito de um concurso à escala do bairro. No entanto, na sequência

de explorar a nova dimensão das transformações, o projecto era pensado como uma nova praça, um

novo centro administrativo

direccional, abrangendo a

Grande Veneza e toda a área

lagunar.

1 G. SAMONÀ, L’urbanística e l’avvenire della città (1959), Roma-Bari – este livro antecipava muitos dos problemas com os

quais a disciplina da arquitectura viria a ser confrontada nos anos seguintes. A sua importância refere-se também ao facto de

ter sido um trabalho em constante evolução e que conheceu 3 edições (1959, 1967, 1971) às quais o autor foi acrescentando

reflexões fruto do seu trabalho.

2 L. QUARONI, « Storia segreta delle imagini”, in Constropazio, nº 1-2 (1983), pp 51-52, cit in (Gutiérrez, 2006)

Figura 1 – Projecto para um bairro em Marene di San Giuliano, Mestre. (Gutiérrez, 2006)

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Identificamos já aqui um pensamento de projecto urbano e requalificação do espaço público,

demonstrando uma preocupação por uma maior escala nas intervenções arquitectónicas que evidencia

uma relação completa entre as diferentes partes da cidade - entre tecido consolidado e emergente,

entre elementos urbanos primários e secundários, entre monumentos e habitação. Este pensamento

demonstra um carácter nuclear das intervenções e claras intenções de influência num território muito

mais amplo. O território urbanizado passaria então a ser apelidado de cidade-região (Gutiérrez, 2006).

Há aqui, igualmente, uma atenção pela recuperação dos conceitos de centro, com capacidades de

abranger, simbólica e fisicamente, áreas maiores.

Uma vez que introduzimos aqui o termo centro direccional, torna-se importante explicar que este

conceito surge aliado a esta nova dimensão territorial. A sua problematização afirmou-se na

oportunidade de criar novas áreas de centralidade que acolheriam os serviços necessários para

abastecer a cidade-região, fortemente marcada por novas relações dinâmicas, para lá das tradicionais

centro-periferia. O centro direccional surge então como um conceito que constitui uma hipótese de

estrutura que deve ser considerada como problemática e aberta, e que procuraremos explorar durante

o decorrer do presente trabalho. No entanto, estes acabariam por corresponder na prática norte-

americana, aos “Central Business District”. Estes foram considerados por H. Lefèbvre “versões

enfraquecidas e mutiladas do que foi o fulcro da cidade antiga, ao mesmo tempo comercial, religioso,

intelectual, político e económico”, cit in (Portas, 2007), demonstrando que classificação de centro não

deverá desligar-se das valências históricas e multifuncionais, existentes na cidade histórica. Na figura

dois podemos ver o Canary Wharf Business District em Londres. Este é um dos mais recentes

exemplos da segregação funcional das cidades protagonizada pelo aparecimento destes centros. Muito

embora estes tenham uma grande carga simbólica na cidade, a sua monofuncionalidade enfraquece a

função centralizadora que estes anunciam, perdendo a oportunidade de funcionarem como

catalisadores do desenvolvimento de uma nova centralidade no tecido urbano. Outra das questões que

se levanta quanto à ineficácia destes Business Districts no exercício da sua função de centros para a

cidade, prende-se com o facto de estes apenas estarem habitados durante uma parte do dia, à imagem

do que se passa com os subúrbios residenciais, tornando-se cidades fantasma fora do horário laboral.

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Figura 2 - Canary Wharf Business District. (wordpress.com, 2009 )

O debate sobre uma nova dimensão territorial, iniciado na década de 50, prolongar-se-ia durante as

décadas seguintes e a sua discussão estender-se-ia a diferentes escolas Italianas. No contexto

Milanês, em 1962 este é o tema central de um debate de ideias no qual G. De Carlo3 participou, sobre

o tema da nova dimensão da cidade: a cidade região. Desse debate surgem quatro diferentes

posições:

a cidade região é uma cidade de crescimento desmesurado que se estende pelo território

sobre a forma de um contínuo urbano;

a cidade região é uma aglomeração de centros que, estando todos envoltos num mesmo

processo de crescimento, conservam a sua existência autónoma;

a cidade região como um artifício de forma adequado para resolver os problemas de

congestionamento;

a cidade região como uma relação dinâmica que substitui a relação estática da cidade

tradicional.

3 G. DE CARLO, “Relazione di sintesi”, en AA. VV., La nuova dimensione de la città. La città- Regione, Milán 1962, pp. 186-

187 cit in (Gutiérrez, 2006)

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Este debate é particularmente importante porque coloca em questão a existência ou não de

continuidade do tecido urbano e permite-nos, em consonância com o ambiente em que estas reflexões

surgem, criticar a policentralização virada de costas para a cidade. Enuncia-se também o perigo do

crescimento desmesurado, expandindo a cidade pelo território e que viria a confirmar-se como

consequência das políticas de divisão das actividades quotidianas, possibilitando a segregação

funcional.

Consideramos que a quarta posição que defende a cidade região como uma relação dinâmica, que

substitui a relação estática da cidade tradicional, é a abordagem mais acertada pela sua componente

dinâmica, que evidencia um pensamento mais aproximado à verdadeira dimensão e escala da

problemática urbana, conferindo-lhe, na nossa interpretação, uma dimensão temporal. E se a área do

urbano mudou de escala não foi apenas no espaço, que Portas define como “distribuição da matéria

construída sob formas mais unitárias ou mais complexas por vastos territórios”, certo é que também se

dá uma mudança de escala no tempo, isto é, houve “uma sensível aceleração das alterações das

funções e do seu suporte físico” (Portas, 2007). Defendemos esta posição, pois acreditamos que

qualquer intervenção de arquitectura, independentemente da escala, traz com ela uma mudança, ou

seja, uma provocação de tensões, cuja repercussão não estará apenas cingida ao espaço e ao tempo

da sua execução mas que despoletará acções e reacções espaciais e temporais num período muito

mais longo. Estas reacções repercutem-se necessariamente no Homem e na sua memória. Assim, a

cidade região é um espaço não limitado que depende da vivência de cada ser humano, vivência essa

que é, tal como a nova dimensão, de origem dinâmica.

Regressando ainda à dimensão física e espacial da cidade, na procura de entender quais seriam as

relações dinâmicas mencionadas anteriormente, recuperamos o pensamento de Samonà, que

defendeu que “a cidade deve ser considerada como parte de um encontro mais amplo, que não se

pode limitar à escala municipal, sendo que se deve incluir aqueles territórios e outras cidades com as

quais existam relações bastante vivas.” Tal como Samonà4, também Rossi (Rossi, 1982) alertava para

a insuficiência do termo cidade, passando a fazer sentido considerar a área metropolitana como nova

realidade que caracteriza esse conjunto de inter-relações, económicas, sociais e espaciais.

Esta consideração supõe então, relações de ordem funcional e física e também de influência social,

política e económica.

I.2 Morfologia e Tipo

O conceito de cidade território, expandido o campo de intervenção por todo um espaço não

homogéneo, obriga, em primeiro lugar, a perceber a dimensão e o critério de delimitação e, em

segundo, a perceber a natureza e elementos da estrutura que enquadram uma busca formal.

4 Op cit.

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Na incessante procura por compreender a nova dimensão da cidade, surge pelas mãos de Rossi5 uma

abordagem morfo-tipológica que viria a ter bastante sucesso enquanto metodologia de pesquisa e

compreensão das complexas relações da cidade, na tentativa de encontrar um instrumento que ligasse

urbanismo e arquitectura. Isso mesmo evidencia Portas quando diz que “sob o ponto de vista da

arquitectura urbana não pode haver edifício que não faça cidade, ou seja, não há tipologia que não

esteja, por estrutura, penetrada por uma morfologia urbana. Fora deste sistema não há senão

individualismo ou ilusão tecnocrática.”(Portas, 2007). Este pensamento reflecte a importância de uma

estrutura morfológica primária que sustente actuação tipológica. Para podermos melhor entender as

aproximações morfo-tipológicas é antes de mais imperativo procurar esclarecer o que se entende por

tipo. Para esse feito Rossi (Rossi, 1982) cita-nos Quatremère de Quincy na sua distinção de tipo e

modelo, relacionando-os:

“[…] A palavra tipo representa tanto a imagem de uma coisa a copiar ou a imitar perfeitamente

quanto a ideia de um elemento que deve servir de regra ao modelo […]. O modelo entendido segundo

a execução prática da arte é um objecto que tem que repetir-se tal qual é; o tipo é, pelo contrário, um

objecto segundo o qual ninguém pode conceber obras que não se assemelhem em absoluto entre elas.

Tudo é preciso e dado no modelo; tudo é mais ou menos vago no tipo. Assim, vemos que a imitação

dos tipos nada possui que o sentimento e o espírito não possam reconhecer.”

Desta forma, resultando de um estudo analítico e sempre redutor, a tipologia constitui uma base

linguística com regras próprias de articulação e lógica de uso. Caso esta assente em invariantes, que

possibilitem fazer uma aposta de provisória confiança, segue-se que, de elemento analítico a tipologia

passará a instrumento operante. Encontramos assim “bases de uma linguagem adequada que nos

permitirá programar formas (através das razões básicas ou modelares do tipo) sem sermos obrigados

a projectá-las por forma acabada, o que significaria fechá-las” (Portas, 2007). O tipo pela sua

capacidade de ser identificado representa, também ele, um elemento reconhecível e independente da

materialização formal do mesmo. São exemplos muitos dos componentes do espaço público vazio ou

construído: os parques, a praça, a rua, o museu, a sala de espectáculos e também, claro, nas funções

de habitar.

Assim, a redução da cidade à arquitectura permite estudar a estrutura formal da cidade mediante a

introdução do conceito de tipologia edificatória, o qual implica, segundo as palavras de Rossi:

“conceber o feito arquitectónico como uma estrutura […]; assim, a tipologia converte-se no momento

analítico da arquitectura e pode ser determinada de melhor forma no âmbito dos feitos urbanos”.(Rossi,

1982) Portanto, o tipo apresenta mais uma vez duas valências reforçadas nas ideias que temos vindo a

explorar, enquanto elemento base da linguagem arquitectónica que permite a abertura à concretização

formal e também o seu reconhecimento independente desta, que o liga às questões da memória.

5 A. ROSSI, La arquitectura de la ciudad (1982) – Este livro é segundo palavras do autor, “um projecto de arquitectura”. É um

marco na busca que houve no contexto europeu sobre as ferramentas necessárias para a compreensão da nova dimensão da

cidade.

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O sucesso desta abordagem através de tipo e da morfologia deteve a atenção de alguns autores

franceses como Devillers6, que afirma que “o tipo, essa abstracção de propriedades comuns a uma

classe de edifícios, é uma estrutura de correspondência entre um espaço construído ou projectado e os

valores diferenciais que lhe atribui o grupo social a que está destinado”, relacionando o tipo à

componente social da arquitectura. É essa componente social aqui referida, que liga igualmente o tipo

à percepção e memória do ser humano.

Ainda fundamentando o estudo da cidade na tipologia, Portas (Portas, 2007) explica-nos que o “que

pode ser entendido como continuidade estrutural da cidade não só a nível funcional traduzido em

esquema distributivo, mas envolvendo, para além do método de Rossi, ainda o nível formal básico que

é o da ideia ou organismo espacial integrador de uma certa “complexidade estrutural”. Parece provada

a hipótese de uma arquitectura da cidade, uma vez que a cidade aparece como campo de tal

continuidade assegurada por regras próprias de articulação: por repetição (paradigmática) ou

justaposição (sintagmática) dos elementos típicos (reduzidos a um número finito mas podendo gerar

uma infinidade de formas concretas )”.

Mais interessados nas questões da forma da cidade, Panerai e Mangin7 e procuram estudar a cidade

através da parcela, ajudando-os a entender a construção da cidade não como uma soma de projectos

de partes de cidade formalmente completas, acabadas e fechadas em si mesmas, mas como um jogo

em que se articulam traçado e parcelamento e que, por sua vez, permite definir com clareza o espaço

público, possibilitando a adaptação dos tecidos urbanos a mudanças futuras produzidas com o passar

do tempo. Tal como enunciamos, o tempo passa também ele a ser uma dimensão dos processos

urbanos. Solà-Morales e Pierre Pinon citam-nos Léonce Reynaud dizendo que “O traçado de uma

cidade é mais obra do tempo que do arquitecto”.

Insistindo no papel do tempo na construção da cidade, e que o objectivo não passaria por desenhar

uma parte da cidade através de um correspondente projecto de arquitectura, Pinon cit in (Gutiérrez,

2006) afirma que:

“Não se trata de produzir (ou reproduzir) uma parte de cidade, mas de desencadear um

processo. Pensar a cidade é sobretudo pensar o tempo, pensar o processo de elaboração progressiva

da cidade, e então colocar em curso as condições para essa elaboração progressiva, ou seja, em

primeiro lugar uma estrutura territorial capaz de absorver, de suportar as evoluções. […] A composição

urbana deve, portanto, desenvolver-se no tempo e não só no espaço”.

Este é claramente, a nosso ver, um aspecto fundamental do projecto urbano, na medida em que este

não deve afirmar perante a cidade uma posição de rigidez e de controlo, nem ser tomado como um fim,

mas sim, ser capaz de criar as condições necessárias para o desencadeamento de processos, que no

6 C. DEVILLERS, “Typologie de l’habitat et morphologie urbaine », in L’architecture d’Aujourd’hui, nº 174 (1974), p18. Cit in

(Gutiérrez, El Proyecto Urbano en España. Génesis y desarrollo de un urbanismo de los arquitectos, 2006)

7 Ph. PANERAI & D. MANGIN, Projet Urbain (Marsella 1999) cit in (Gutiérrez, El Proyecto Urbano en España. Génesis y

desarrollo de un urbanismo de los arquitectos, 2006)

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tempo, construam, em conjunto com o projecto, a cidade. O projecto deverá então ter em atenção a

necessidade de estrutura e definição da morfologia urbana, na organização de sequências de

conjuntos de edifícios e espaços, interdependentes ao nível da vida quotidiana, de todos os cidadãos,

individual e colectivamente.

A coerência, e também a beleza, que devem ser características da arquitectura da cidade, terão de ser

reflectidas, propostas e executadas em termos igualmente dinâmicos. Quer isto dizer que contando

com a mediação do tempo (quanto mais vasta for a arquitectura) e a intromissão de sucessivos

autores para a realização de uma ideia, esta deverá ser identificada como um discurso ainda que a

diferentes interlocutores. E, portanto, “as imagens urbanas fundadas em composições formais

conduzem a formas estáticas; formas estáticas violentarão a vida ou serão por esta

violentadas.”(Portas, 2007) Reforça-se aqui a ideia da importância da estrutura e da sua interacção

com o tipo, antes da execução formal do objecto construído. Esse momento entre a identificação de um

elemento linguístico e as suas possibilidades de composição, permite a identificação do discurso antes

da materialização formal do mesmo e assim a intromissão de diferentes autores e actores.

Regressando ainda ao parcelamento, sabemos que este é de facto um elemento determinante para

enfrentar a questão das condições de produção do tecido edificado, uma vez que influencia

directamente a morfologia do espaço construído, sobretudo daquele cuja dependência do

parcelamento é inevitável, falamos portanto do espaço urbano. Há aqui no entanto que ressalvar que

muito embora este se apresente como um factor fundamental para a integração da arquitectura no

contexto urbano, não pode isto significar a assunção de um sistema rígido. Esta abordagem deve

considerar uma clara adaptação ao sítio e afigurar-se como parte integrante do mesmo, através da

concepção ou invenção de estruturas que articulem as tipologias propostas ao território concreto, o que

quer dizer, em termos mais reais, que tomem os valores do sítio e dos conteúdos da vida urbana, para

se compor sobre eles um discurso novo que integre palavras conhecidas.

I.3 Do plano ao projecto

Embora não tenhamos como objectivo – sob pena de nos afastarmos da pesquisa que nos propomos

fazer – aprofundar o tema do planeamento, seria impossível falar das tentativas de aproximação à

nova dimensão da cidade sem falar de plano, sendo que foi nesse mesmo contexto que o projecto

urbano ganhou evidência e se afirmou como uma possível alternativa à abordagem da arquitectura da

cidade. Essa afirmação dá-se sobretudo no contexto Espanhol, onde decorreu um vivo debate entre

plano e projecto.

O plano director para a Área Metropolitana de Barcelona de 1966, que se baseava num conceito de

cidade “como lugar definido pela variedade de componentes e densidade de relações entre elas”,

criava uma malha infra-estrutural. Mediante uma racional organização da mobilidade, esta malha,

permitiria articular o território sobre a base de um conjunto de centros terciários – centros direccionais –

e de equipamentos, que não eram unicamente pensados como elementos funcionais, mas sim

formalmente caracterizados, que serviriam para configurar a nova imagem urbana do território.

(Gutiérrez, 2006). Assumia-se desta forma, que o território passava a ser o marco imprescindível ao

planeamento, tal como vimos ser atribuído à arquitectura e à urbanística no contexto italiano com o

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reconhecimento, sob as análises tipo-morfológias, da cidade-território. Este plano reflecte também a

preocupação de afirmar pontos de centralidade dotados de significados na afirmação da imagem da

cidade, facto que merece aqui destaque.

Ainda assim, levantar-se-iam questões sobre processo de fazer cidade que remetiam mais uma vez

para a crítica a um planeamento bidimensional, que racionalizaria a ocupação do solo e tráfego,

remetendo a arquitectura para a resolução de “lote-pré-definido” (Portas, 2007). O parcelamento

imposto por decisões de planeamento é mais uma vez reconhecido como um elemento constrangedor

para a arquitectura da cidade. Reduz-se assim, o acto de fazer cidade a dois extremos, em que a

arquitectura apenas participa pelo objecto.

Não seria portanto antes mais viável conceber-se um processo de projectar? Processo em que o

sistema de funções se definisse na sua crescente complexidade em passos estratégicos, permitidos

pelo conhecimento adquirido na sua aproximação à realidade, como se se começasse por “uma

conquista da coerência sintáctica (ou estrutura) para, de passagem em passagem de testemunho,

irromper poeticamente cada vez que surgisse uma nova relação de elementos físicos que definisse

espaços novos, da grande à pequena escala” (Portas, 2007). Por outras palavras, era necessário fixar

momentos chave de concretização arquitectónica, confrontando projecto e processo de forma a que, o

primeiro não se submetesse ao segundo e ficasse reduzido ao planeamento. Esta é de facto uma

abordagem fundamental no presente trabalho. Se por um lado o parcelamento é extremamente rígido e

redutor das intervenções, esta situação não pode ser vista como algo inevitável de consequências

negativas. Isto é, é preciso compreender o lado positivo do parcelamento e atribuir-lhe a sua

importância enquanto estrutura primária, que permite um controlo de conjunto, independente de cada

intervenção. O que estamos a tentar dizer e que é bem patente no caso de Nova Iorque, é que a malha

reticulada e rígida imposta ao tecido da cidade, garante que não haja uma perda de coerência

geradora de cacofonia cada vez que “muda uma fachada”.

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Figura 3 – A amálgama de arranha-céus de Nova Iorque ganha coerência numa estrutura primária reticulada bem definida. The Endless City (AA VV, 2007)

Da sua leitura morfo-tipológica Portas sugere, ainda no mesmo pensamento, apresentar como solução

o Metaprojecto que seria, segundo o autor, “um projecto que permitisse falar de uma família potencial

de projectos localizados, possíveis dentro de certos limites genéticos”(Portas, 2007) . Este conceito de

metaprojecto ou “projecto de projectos” é-nos introduzido para falar da necessidade de intervenções

que procedessem por uma espécie de análise lógica da arquitectura, perscrutando necessidades

genéricas e soluções tipológicas. Estas intervenções deviam prever as máximas possibilidades

combinatórias ou topológicas que interessassem, compreendendo a mais rica gama de escalas dos

espaços internos e externos a criar para um alcance previamente definido. Podemos então falar mais

uma vez de uma abordagem de projecto à cidade sustentada nos tipos, solução que é inseparável do

pensamento do Projecto Urbano e que Portas nos apresentou como metaprojecto8.

Também em Espanha, no começo dos anos 70, existia uma consciência generalizada, entre os

profissionais dedicados ao urbanismo, da necessidade de flexibilizar o planeamento, de o entender

como processo, dentro do qual os programas se adaptassem durante a sua execução à medida que a

informação de retorno o exigisse. Daqui se deduz a intenção de passar da ideia do planeamento como

previsão científica ou uma “profecia técnica”, ao planeamento como politica e como pacto social, com

uma maior componente estratégica. E se, de facto, o nosso estudo se dedica à arquitectura, surge aqui

uma natural crítica ao planeamento urbanístico, uma vez que o plano de urbanização é apresentado

com uma grande carga de ambiguidade e propõe um zonamento elementar e planificado,

8 O autor refere-se num posfácio do livro escrito para a segunda edição de 2007, que a experimentação do meta-projecto o

associavam às questões do tipo e efectivamente o aproximariam do que hoje conhecemos como projecto urbano, deixando a

ideia, que à época em que o livro foi escrito (1969) as suas ideias pudessem estar associadas aos mega-projectos. p208

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frequentemente abstracto em relação ao desenvolvimento do tecido urbano. Há no entanto que

salientar que a crise no planeamento não se deu com a crise do plano mas sim com a crise de um tipo

de plano, que se apresentava sob forma finalizada. Esta crise impunha assim a necessidade de pôr em

questão, “tanto conceptual como metodologicamente, o planeamento hierarquizado em decisões

sequenciais e apresentado de forma determinista a níveis distintos – correspondentes aos diferentes

âmbitos territoriais – que têm o seu corolário legal nas diferentes figuras do planeamento, também

hierarquizadas” (Portas, 2007). A crítica ao planeamento descrito [...] “resulta da verificação da

interdependência dialéctica entre decisões estruturais e de ordenação, entre qualificação do solo e

edificação de elementos, entre plano e projecto, entre reserva e programa, entre traçado viário e

tipologias e outros tantos binómios de decisões assinadas burocraticamente ao confiar o seu

tratamento a várias figuras do planeamento” F. Terán cit in (Gutiérrez, 2006).

O plano geral de Tarragona de 1984 de Lluís Cantallops surge com a intenção de ser entendido “como

um processo aberto, em que os técnicos perderiam o protagonismo de outras épocas e se convertiam

em simples intérpretes do diálogo que se estabelece entre os cidadãos e a administração.” Opta-se,

numa cidade policêntrica, por um modelo de compactação e finalização dos núcleos, de forma a utilizar

os espaços intersticiais como solo urbanizável de ligação e sutura dos centros dispersos. Estas ideias

são, a nosso ver, as bases a nível do planeamento estratégico que sustentam algumas das

intervenções de projecto urbano. Há no entanto que salientar e salvaguardar a sua componente

estratégica e não vinculativa.

Porém, o grande handicap dos planos dos anos 80 em Espanha, como o Plano Geral de Tarragona,

era a sua consideração da cidade como elemento acabado e que não cresceria mais, visão errada e

que a expansão das cidades para a periferia durante os anos 90 viria a provar.

Foi neste contexto que surgiu uma “guerra” ideológica que opunha os que defendiam os planos como

instrumento fundamental da arquitectura da cidade e os que por sua vez, com o mesmo fim, defendiam

uma via de projecto, que de uma forma simplista, pôde ser vista entre Madrid e Barcelona

respectivamente. Neste contexto há uma afirmação interessante de Bohigas sobre o que era então

necessário fazer: “reconstruir a disciplina urbanística, reflectir sobre a maneira de pensar o urbanismo

de tal forma que da cidade da arquitectura possamos passar à arquitectura da cidade”, cit in (Gutiérrez,

2006). Mais uma vez encontramos um discurso que vai de encontro aos ideais de Rossi e Portas.

Portas (Portas, 2007) defendia ainda que, a difusão de planos directores só faria sentido à escala inter-

municipal e para cumprir missões de ordenação e racionalização locacional das actividades e dos

sistemas de comunicações, a partir de indicações de um plano de desenvolvimento, com sentido

estratégico. Isto obrigaria a voltar a estudar os métodos adequados e formas de comunicação e a

definir o conteúdo ou função do escalão que lhe ficaria a jusante: o dos projectos urbanos que

proporiam um programa em formas específicas para cada zona chave. Para tal, tornava-se necessário

estabelecer uma comparação entre o tipo de definição de actividades ou funções e de conformação do

espaço que lhe seria atribuído, com as necessidades de informação que teria o projecto arquitectónico

local para que este pudesse, então, partir de uma base justa para a colectividade, garantindo a sua

contribuição para a imagem e vida da cidade.

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Denotamos no discurso de Portas a necessidade de encontrar um instrumento intermediário que não

se limitasse a um trabalho em escalas hierarquizadas mas que tivesse na sua génese uma autonomia.

Autonomia na medida em que tivesse algo de novo a dizer ou acrescentar que não devia ser

materializado antes, mas que também não deve ser deixado ao somatório das partes que o

sucedessem. Isto é, deveria permitir inputs de natureza específica e no outro extremo, outputs que

possibilitassem ao conjunto ter uma consistência superior ao somatório das contribuições parcelares

sem que anulasse o seu legítimo valor.

O projecto urbano surge-nos então como instrumento eficaz e operativo frente à rigidez e incerteza dos

planos de ordenação do território, conotado ainda com uma grande componente de debate político e

sujeito a um sem número de pressões económicas inerentes.

Procurava-se agora, conceptualizar o projecto urbano como um instrumento capaz de articular em

diversas escalas e diferentes tempos, isto é, tanto nos aspectos espaciais como nos aspectos

sociais da intervenção, através do “eixo morfológico” e do “eixo do processo”. O primeiro referia-se à

organização dos espaços e o segundo à capacidade de transformação ao longo do tempo. Pretendia-

se assim afirmar um instrumento, relativamente autónomo no que diz respeito tanto ao plano

urbanístico como à arquitectura, e que reintroduziria a continuidade no processo de transformação da

cidade, assegurando a mediação entre tempo, organização espacial e as práticas sociais e políticas. A

ideia de continuidade reflecte um carácter de incerteza e abertura, da qual o Projecto Urbano não se

pode dissociar se pretendemos assegurar a sua componente temporal.

Esta seria ainda uma ideia bastante indefinida, manifestando-se portanto a necessidade de começar a

formalizar em ideias mais concretas este instrumento, sendo desta forma importante recuperar

algumas das linhas nascidas no debate entre os Franceses, que poderão ajudar a entender o projecto

urbano:

a atenção ao contexto e à história dos lugares;

a insistência na consideração da componente temporal no processo da construção da cidade

e a aposta cada vez mais firme por uma variedade de usos e, consequentemente, uma maior

complexidade social, tipológica, paisagística da cidade;

o interesse pela gestão do espaço público e não apenas pelo seu desenho.

O projecto urbano não deve ser, portanto, entendido como um projecto de arquitectura de maior

escala, mas sim como um instrumento disciplinar específico que assume a complexidade característica

do urbano e ensaia uma ideia de intervenção a meio caminho entre a arquitectura e o plano. Ao

mesmo tempo, esse mesmo instrumento deve vincular as propostas concretas a uma instância

operativa que assegure a sua execução, sem renunciar, incorporar essas propostas numa ideia global

de cidade, num projecto colectivo que seja a expressão de um futuro desejado pelos cidadãos. A estes

deve-se reconhecer em qualquer caso o direito a manifestar livremente o que pensam sobre o lugar

que irão habitar. É desta forma, relembrando uma afirmação de M. Solà-Morales, “feito de

complexidade e da sobreposição, que o projecto urbano nasce e se configura como o momento

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projectual mais adequado, rico, variado e capaz para a projectação da cidade moderna”. (Solà-

Morales, 1987)

Sem pretender dar uma definição fechada ao projecto urbano mas sim uma caracterização do seu

modo de enfrentar a intervenção na cidade a que se propunha, o mesmo autor afirma que “o projecto

urbano mantém hoje em boa parte aquele gosto pela cidade como geografia variada e aquele amor

pelas suas partes que desde princípio do século sobreviveram às roturas”. Para tal deve incluir temas e

materiais, métodos e instrumentos, rejuvenescidos, atendendo às novas dinâmicas em curso.

Destacamos a atenção aos traçados viários como instrumento de formalização, a proposta de novos

tecidos de edifícios e a reinterpretação dos lugares urbanos, como três dos grandes temas em que,

com soluções e enfoques inovadores, coincidem muitos dos projectos urbanos mais interessantes.

Sintetizamos, aqui, cinco características que devem estar presentes, segundo o autor catalão (Solà-

Morales, 1987), nos projectos urbanos:

Efeitos territoriais, para lá da sua área de intervenção;

Carácter complexo e interdependente do seu conteúdo, superação da monofuncionalidade,

mistura de usos, de utilizadores, ritmos temporais e orientações visuais;

Escala intermédia, susceptível de ser executada totalmente num prazo máximo de poucos

anos;

Carga voluntária de fazer arquitectura da cidade, independente da arquitectura dos edifícios;

Componente pública importante na inversão dos usos colectivos no programa.

O projecto urbano deve, portanto, ser dotado de complexidade funcional, dimensional e programática

para que este seja produtor de cidade.

Como vimos, não se trata de um acto de projecto a jusante dos planos mas sim independente destes,

ainda que lhes devolva informação. O próprio âmbito de projecto urbano deve assentar, numa primeira

instância, na redução da cidade à arquitectura feita pelos tipos. Estes representam formas puras de

linguagem, que não assumem o acto de urbanizar como fechado, sem cair na ambiguidade dos planos.

Os tipos permitem ainda uma definição suficientemente concreta das intenções projectuais que devem

assentar numa mistura de usos.

Essa sua ambivalência de incerteza e definição relaciona as intervenções com a capacidade de

adaptação a tecidos existentes, ao mesmo tempo que propõe novas formas de habitar e definir o

espaço, podendo criar tensões de carácter estrutural, resultando em concretizações formais que

interagem com o meio. Essas tensões criadas entre tipo e estrutura reflectem uma dimensão temporal

das intervenções, ao mesmo tempo que as relacionam, já não necessariamente, com a imagem, mas

sobretudo com o reconhecimento e a memória. Este é um ponto que temos vindo a defender pois

acreditamos existir uma relação linguística conhecida ao ser humano, nos tipos que compõe o espaço

urbano e cuja representatividade não se liga apenas à imagem estética, ou de época que possa estar

associado, mas à sua função e morfologia. Um dos exemplos mais compreensíveis desta relação de

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independência que atribui ao tipo tal importância são os tipos religiosos, e que tanta importância

representaram e representam na sociedade e na memória colectiva.

Ao integrar toda esta complexidade de factores, o Projecto Urbano garante que a sua escala de

intervenção não se reduza a ele mesmo. Pode-se desta forma afirmar que a grande parte dos projectos

que assentem nestes pensamentos que aqui definimos, transformarão a cidade como catalisadores de

uma revitalização de valores já antes observados nos centros históricos, dotados de carga simbólica e

multifuncional.

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II. AS CIDADES DA ERA DA INFORMAÇÃO

Introdução à segunda parte

Fizemos no primeiro capítulo uma aproximação à nova dimensão territorial, assim como às teorias em

torno das quais se procurou estudar este fenómeno. Demos especial enfoque à análise morfo-

tipológica como forma de estudar a arquitectura da cidade, procurando relacioná-las com a génese do

projecto urbano. Isto serviu-nos para entender as problemáticas postas ao urbanismo e à arquitectura,

perante a figura de uma nova dimensão da cidade: a cidade-região. Estas, deram então origem a

vários instrumentos, como os planos directores para áreas metropolitanas, que estão também na

afirmação do projecto urbano. Foi no mesmo contexto que entendemos essa nova dimensão de

carácter territorial e que, como não poderia deixar de ser, se reflecte na arquitectura e no ambiente que

esta constrói. Isto atribui, às intervenções do projecto urbano uma forte componente social, de tensão

entre espaço público e privado, construído e vazio, que procuraremos aprofundar nesta parte da

dissertação. Estes temas demonstram uma infinita e complexa quantidade de relações, que terá

eventualmente na componente temporal, acentuada pela globalização, um dos seus pontos mais altos

de complexidade no que diz respeito aos desafios que nos são impostos.

Se a velocidade e o tempo das transformações é já um atributo dos anos 80, a Era da Informação veio

acentuar essa mesma componente temporal, não apenas na medida em que a evolução do espaço

construído se dá de uma forma mais frenética e complexa, mas sobretudo porque essa mesma

evolução anuncia as profundas e rápidas transformações na sociedade e na economia, ambas

globalizadas, repercutindo-se na cidade. É no contexto da globalização que nos propomos a fazer aqui

uma análise, e uma caracterização, mais pragmática de algumas das componentes sociais, políticas e

económicas que afectam o espaço construído e protagonizam a problemática da metrópole.

Acreditamos que estas estão profundamente presentes no pensamento do projecto urbano,

influenciando-o. Assim, partiremos sobretudo sobre o estudo das cidades a partir dos anos 90, nos

quais generalizou-se a percepção de uma mudança de época, caracterizada pelo aparecimento de

novas formas de organização do habitat urbano, cujos sinais mais visíveis seriam a fragmentação, a

descontinuidade e a amplificação de contrastes de todo o género. Encontramo-nos, portanto, perante a

emergência de uma nova complexidade, não apenas física mas também social e cultural e que apesar

da dificuldade de compreensão é normalmente descrita por conceitos como “desordem, incerteza,

ruptura ou perda de um horizonte partilhado” (Gutiérrez, 2006).

II.1 A globalização e o crescimento das metrópoles

Ainda que nos tenhamos permitido analisar a cidade de um ponto de vista ligado a teorias de

arquitectura e do urbanismo, que foram sido desenvolvidas durante a 2ª metade do séc. XX, não

esmiuçámos as causas nem as consequências reais da nova dimensão das cidades, dimensão essa

que acreditamos estar para além da anteriormente enunciada. Queremos com isto dizer que é

importante entendermos quais os factores de ordem social, politica e económica que levaram ao

crescimento e expansão das cidades, para uma nova dimensão, procurando apontar igualmente as

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consequências, sociais, culturais e físicas, que podem ser reportadas à arquitectura e constituir matéria

de trabalho no âmbito do projecto urbano.

As cidades adquirem um protagonismo cada vez maior tanto na vida política como económica, social,

cultural e mediática. Jordi Borja fala-nos das cidades como actores sociais complexos e

multidimensionais cuja expressão enquanto actor social é feita entre as instituições públicas e a

sociedade civil. (Borja, 1998)

Questionamos sobre o que pretendem as cidades ser, nos dias que correm? Quais são os factores

políticos adjacentes à afirmação das cidades numa escala global?

Peter Hall (Hall, 1997) hierarquiza e classifica as cidades em 3 categorias – internacional ou global,

sub-global - classificação que prevalece sobretudo na Europa - e por último, nível regional.

Nas cidades globais assistiu-se durante as décadas de 70 e 80 a uma terciarização da mão-de-obra

em detrimento da mão-de-obra ligada à indústria de produção, tendo havido um reposicionamento

deste tipo de indústria em zonas mais periféricas do tecido urbano. Tal como o nome indica, estas

cidades são a imagem e o motor de um mundo globalizado sendo Nova Iorque e Londres exemplos

disso mesmo. Na categoria de sub-globais encontramos, sobretudo, cidades europeias onde Lisboa

está incluída. A um nível internacional estas cidades entram em competição com as primeiras tentando

oferecer uma especialização em determinados sectores. Barcelona, Milão, Zurique, Genebra e

Frankfurt por exemplo, destacam-se como capitais comerciais e culturais. Uma das grandes vantagens

destas cidades prende-se com a sua proximidade umas das outras, que potenciada pelas ligações

aéreas e ferroviárias formam um núcleo bem articulado num sistema urbano europeu. Há ainda outras

cidades, tais como Manchester ou Estugarda, que apesar de a sua população se equiparar à de outras

grandes cidades europeias a sua função está mais ligada ao nível interno dos respectivos países

servindo então como centros administrativos e de serviços para zonas mistas urbano-rurais.

Estes exemplos servem-nos para ilustrar, à partida, uma dimensão de sistemas urbanos que não

conhecíamos. Os limites territoriais não existem ou são apenas instituídos. A imagem ganha uma

importância crucial nesta competição e a informação e a economia são os catalisadores fundamentais

deste sistema. Percebemos igualmente que nem todas as cidades apontam para um mesmo

protagonismo nesse mesmo sistema, embora nos importe aqui salientar que acreditamos que o objecto

deste trabalho não será nenhuma das 3 categorias enunciadas em específico. Reconhecemos, porém,

que as cidades globais e sub-globais são as que mais nos interessam na medida em que apresentam

uma maior complexidade de dinâmicas, que são também, de certa forma, atribuíveis a um maior

número de grandes cidades dos países desenvolvidos, reduzindo ao essencial o nosso estudo. Assim,

permitimo-nos fazer abordagens de índole social, político e económico que serão tangentes a todas

estas cidades, guardando na consciência que existem sempre os valores inerentes a cada contexto e

lugar.

Enunciada que está a existência destas estruturas metropolitanas, torna-se necessário caracterizar

este tipo de classificação, pelo que propomos uma metodologia assente em pontos, ou temáticas que,

acreditamos, poderem retratar a metrópole de uma forma compreensível e útil para o trabalho. Esta

metodologia está necessariamente ligada às questões que acreditamos estarem presentes no Projecto

Urbano. Procuramos, então, definir a metrópole através das suas dinâmicas populacionais, sociais e

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culturais, da sua expansão territorial, nas questões de mobilidade, espaço público e espaço

construído, reconhecendo de antemão que estes temas são mutuamente complementares e, portanto,

dificilmente separáveis em capítulos distintos. Alertamos que desta abordagem poderá resultar a

repetição de alguns factores, pela sua necessidade de interligação.

II.2 Áreas Metropolitanas e Supra-Metropolitanas

Já enunciámos que compreender as cidades da nova ERA não é tarefa fácil. Como é possível definir

uma área metropolitana das dimensões de Londres (7,5 milhões de habitantes) ou Nova Iorque (21

Milhões, 8 dos quais habitantes na NYC (New York City)? (AA VV, 2007)

A (in)definição dos limites das cidades sempre foi uma problemática central no desenho da cidade,

sobretudo porque estes estão cada vez mais, muito para lá dos limites político-territoriais e, as cidades

como as percepcionamos, em forma de tecidos contínuos construídos, não existem. Estas têm

capacidade de absorver nas suas áreas de influência outras cidades que estão muitas vezes

separadas da cidade mãe por vastas zonas florestais, também estas absorvidas nos limites de uma

grande cidade. E se isto poderá ser visto como um fenómeno natural, deve sobretudo ser encarado

como um grande desafio de projecto. E, de facto, surgem-nos evidências, no decorrer deste estudo, de

que os projectos urbanos deverão ser capazes de estender a sua influência para lá dos limites político-

territoriais e situar-se nesta escala de intervenções.

Para melhor compreendermos a que ponto pode chegar o quebrar das fronteiras tomaremos como

exemplo a EuraLille que foi uma deliberada tentativa de desafiar a velha definição dos limites de

cidade. Com 800000 m2 de escritórios assentes sobre uma estação de TGV, Lille encontra-se a uma

hora de viagem de uma área que abarca cerca de 30 Milhões de pessoas, potenciando portanto a

construção de escritórios de baixo valor imobiliário e cuja ideia seria claramente eliminar as fronteiras a

todos os níveis - quem trabalhasse em Lille encontrar-se-ia a uma hora da Disneyland Paris ou a uma

hora e meia de Londres. Finalmente, Lille não foi o sucesso esperado, não pelas questões de

acessibilidade, mas sim porque estas levaram a uma tendência de circulação no sentido inverso – de

França para o Reino Unido – uma vez que os comércios tenderam a procurar um ambiente de

negócios menos burocrático e mais liberal que o Francês. (Sudjic, 1999) Ainda assim, um objectivo foi

cumprido sob o ponto de vista da mobilidade e capacidade de quebrar fronteiras, presente neste tipo

de intervenções.

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Figura 4 – Projecto Urbano EuraLille. (www.oma.eu, 2009)

Já falámos aqui de que nas três últimas décadas a população das cidades cresceu de facto bastante.

Foi adoptada, principalmente pela iniciativa privada, a racionalização da forma urbana e das tipologias,

resultando em subúrbios segregados e desprovidos de sentido de cidade, identidade ou significado.

Tanto na Europa como nos Estados Unidos da América deu-se um aumento da sub-urbanização

residencial, fora da área de influência do sistema de transportes existente, levando a uma crescente

dependência do automóvel que se tornava, já nesta altura, num símbolo de poder da sociedade

contemporânea. (Hall, 1997) Ao mesmo tempo, assiste-se a movimentos também no sector do

emprego. As zonas industriais posicionam-se estrategicamente nas periferias e perto das auto-

estradas. Já as empresas relacionadas com a pesquisa científica procuram a proximidade aos

aeroportos inseridas numa estratégia de internacionalização. A estas, juntam-se também nas

periferias, as empresas nacionais em busca de uma mão-de-obra mais barata. Todos estes

movimentos são acompanhados por um acréscimo dos postos de trabalho nos sectores do comércio

local, escolas e outros serviços já espalhados pela região. Se por um lado houve um processo de

despovoamento das cidades e dos seus centros – o efeito “donut” – por outro, umas das principais

consequências deste acontecimento foi um complexo processo de alastramento e alargamento destas

áreas metropolitanas cujas dinâmicas enunciadas levam-nos a falar de estruturas metropolitanas

policêntricas. Há que entender que o alastramento das áreas urbanas pode não ser uma fatalidade,

visto ser em certa medida uma forma normal de transformação das cidades. O que é uma fatalidade

sim é a “expansão em mancha de óleo que destrói todas as pré-existências, apagando os elementos

essenciais que, há séculos, estruturam e dão sentido ao território e à paisagem que conhecemos”

(Salgado, 2004) .

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Figura 5 – Cidade do México, uma cidade sem horizonte.The Endless City (AA VV, 2007)

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II.3 Dinâmicas populacionais nas metrópoles

Em 1900 apenas um décimo da população mundial vivia em cidades. Em 1950, ainda menos de 30%

da população era considerada urbana sendo que até ao final do séc. XX as cidades eram já ocupadas

por 50% da população mundial, estimando-se que este valor aumentará para 75% durante a primeira

metade do séc. XXI (AA VV, 2007) . As mudanças então verificadas prenderam-se sobretudo com os

contínuos êxodos rurais, sendo que nos países desenvolvidos, resultou igualmente do aumento da

mobilidade económica e social, possibilitada pelas políticas liberais do pós-Segunda Grande

Guerra.(Hasan, 2004)

Figura 6 – Cidades com mais de um milhão de habitantes, 1825 e 1900. The Endless City (AA VV, 2007)

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Um exemplo notável deste rápido crescimento populacional nas cidades foi o imprevisível e

surpreendente crescimento de algumas cidades dos países asiáticos como Shangai. O alto

crescimento económico registado nestes países causou mais uma vez um êxodo rural que seguiu a

revolução tecnológica nos mesmos passando as economias a assentar numa indústria de serviços

para lá das indústrias de produção.

Estas foram as cidades que criaram um proletariado urbano antes dominado pela pobreza do campo e

atraíram a ambição de muitos investidores. E da mesma forma que rapidamente fizeram muito dinheiro

também o utilizaram na construção de cidades cuja imagem coincidisse com as suas grandes

ambições. Neste panorama, mesmo apesar da flutuação das moedas nestes países e até mesmo da

instabilidade política, factores que levaram à obsolescência de alguns destes novos centros, há que

entender a importância de existirem pela primeira vez cidades cuja população chegou aos 40 milhões

de habitantes (Sudjic, 1999) albergando mais pessoas que muitos países do globo terrestre. Estes

Figura 7 – Cidades com mais de 1 milhão de habitantes, 1950 e 2005. The Endless City (AA VV, 2007)

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novos organismos, sem precedentes históricos a todos os níveis, escala, geografia, forma etc.,

representam um desafio no que diz respeito às formas de habitar e de entender as dinâmicas a estas

adjacentes.

Figura 8 – Shanghai e a crescente construção de torres. The Endless City (AA VV, 2007)

Deixamos como exemplo que entre 1996 e 2016 o Reino unido apontava para a necessidade de criar

4,4 milhões de novos alojamentos. (Hall, 1997)

Mas se até aos anos 80 as migrações se davam sobretudo dentro do mesmo país, a partir desta data,

passaria a existir um outro nível de migrações, como resultado da globalização e expansão no sector

de serviços. As migrações, foram também influenciadas pelo aumento da pobreza em alguns países

devido às desigualdades sócio-económicas, numa economia de mercado liberal, relacionada também à

mediatização da cultura e da sociedade em que há uma troca de valores difundidos globalmente pelos

média, internet, etc.

Sabemos, também, que a vida na cidade, sobretudo após a revolução industrial, nunca foi estática nem

estável. Como consequência de uma mudança extraordinariamente rápida da população e do

agregado familiar nas metrópoles, as comunidades urbanas afiguram-se mais como uma expressão

simbólica do que como uma realidade física. Os contínuos êxodos de que falámos, verificado em

muitos países, são também uma mostra da vontade e necessidade da mobilidade social que o Homem

encontra nas cidades. Assim, a estrutura populacional das grandes cidades está em mudança

contínua, influenciada pela imigração e pela prosperidade ou declínio económico das mesmas e, já não

tanto, com um crescimento natural da população, uma vez que as taxas de natalidade nos países

desenvolvidos tendem a diminuir assim como a esperança média de vida tende a aumentar.

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As mudanças no agregado familiar são talvez uma das consequências mais relevantes da evolução

social e cujas causas se podem ligar com o envelhecimento da população, pelo enfraquecimento da

instituição que é o casamento e sem dúvida devida à necessidade de mobilidade acima referida. Peter

Hall alerta-nos para um cada vez maior número de jovens que na procura de uma educação superior

ou do seu primeiro trabalho, abandonam o seio familiar.(Hall, 2007) Em algumas áreas, como Londres

ou Nova Iorque, o agregado familiar encontra-se já abaixo de 2 pessoas por família. (AA VV, 2007) Isto

tornou-se na evidência de que a ideia tradicional de comunidade já não existe e que as cidades se

afiguram como espaços flutuantes. Outro indicador mostra-nos que nos E.U.A. os proprietários mudam

de domicílio em cada 4 anos e na Grã-Bretanha a cada 6 anos.(Sudjic, 1999) As flutuações na

população das grandes cidades e as mudanças no agregado familiar ganham no presente trabalho

especial importância pois qualquer que seja o tipo de intervenção de arquitectura, sobretudo no que diz

respeito às tipologias habitacionais há uma influência directa destes factores.

Também a composição étnica das grandes cidades é um factor em constante mudança e que deve ser

tido em consideração como factor social que influência a forma como encaramos o desenho da cidade.

De acordo com os censos de 1981, vivam na Grã-Bretanha 700 000 pessoas de origem Indiana

tornando assim este o maior grupo de imigrantes, seguido dos originários das Caraíbas (547 000),

Paquistaneses (406 000), Chineses (122 000), Africanos (100 000) e ainda 99 000 oriundos de

Bangladesh. Nos mesmos censos, podemos ainda ver que a 18% da população de Londres era já

composta de estrangeiros nãos nascidos na Grã-Bretanha.(Sudjic, 1999) Esta diversidade pode

também ser encontrada em outras grandes cidades mundiais, como Nova Iorque ou Los Angeles, onde

a diversidade étnica é causa de complexidade social.

A existência das cidades pluri-étnicas indica que num mesmo espaço viverão pessoas cujas diferenças

culturais e necessidades habitacionais são muito distintas e às quais os tipos deverão corresponder.

Também a forma como a geografia de uma dada cidade é percepcionada depende de grupo para

grupo e cada elemento que compõe a paisagem urbana representa significados e identidades

diferentes, dependente das origens culturais de cada um, o que mais uma vez acrescenta uma

complexidade à interpretação da cidade contemporânea e consequentemente um desafio no desenho

e planeamento da mesma. Mas estas propriedades, da sobreposição complexa de significados, que

temos vindo a descrever não se afiguram apenas como desafios mas, numa primeira instância, são

elas mesmas uma prova real e característica que apenas pode estar inerente a uma autêntica

metrópole, assim como já vimos serem atribuídos ao projecto urbano.

Ainda assim quanto mais crescem as comunidades maior é o risco de perda de coerência social

(Rogers & Gumuchdjian, 1997). Para além de providenciarem trabalho e riqueza, as cidades são a

base física das comunidades urbanas e a sua complexidade requer, como já referimos, que seja posto

na ordem do dia, a criação de novos conceitos de planeamento, que podem até estar assentes na

reutilização de conceitos existentes – objectivo do presente documento. Citando Rogers (Rogers &

Gumuchdjian, 1997) “ se perguntarmos nos dias que correm às pessoas o que é para elas uma cidade

estas falar-nos-ão mais facilmente dos seus carros e dos edifícios do que das ruas ou praças”

evidenciando que o espaço público, unificador da vida comunitária, está negligenciado e foi claramente

relegado para um segundo plano. “Se lhes perguntarmos sobre a vida citadina, irão provavelmente

falar-nos de alienação, isolamento, medo da criminalidade, do tráfego, da poluição, ao invés do espírito

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comunitário e da sua participação, da animação, beleza e prazer.” Por outras palavras, cidade e

qualidade de vida, ao contrário do que esperaríamos, são hoje, mais uma vez incompatíveis.

II.4 Cidade e Cidadania: A crise do espaço público

A cidade é hoje vista como a arena do consumismo com políticas económicas e sociais que tendem

para um privilégio do individual e não do plural. Embora, em teoria, sejamos hoje mais democráticos,

assistimos a polarização da sociedade e à segregação das comunidades. E a verdade é que a

dicotomia da cidade está na sua capacidade de brutalizar ou de civilizar. Quais serão, então, as

causas possíveis de degradação do espaço público e cujas consequências sociais são bastantes

negativas?

Quanto mais uma cidade se espalha territorialmente mais difícil se torna sustentar uma rede de

transportes públicos que a sirva, sobretudo economicamente, o que aumenta por consequência a

dependência do carro para os cidadãos que a habitam, aumentando também os movimentos

pendulares. Também a segregação dos tecidos com intervenções monofuncionais inviabiliza uma

redução do número de deslocações. As consequências ambientais são conhecidas e catastróficas,

visto ser o carro a maior fonte de poluição mundial. (Rogers & Gumuchdjian, 1997) Paradoxalmente, o

carro continua a ser o ícone da sociedade contemporânea, porque é acessível e porque tal como

referimos, as cidades são cada vez mais desenhadas para adorar este ícone, numa sociedade que

vive muito da imagem, aumentando a sua representatividade como símbolo de estatuto.

Mas as consequências não são apenas ambientais. A nós interessa-nos neste capítulo, precisamente

entender quais os efeitos da sobrelotação das cidades pelo carro no espaço público. Apontamos, para

já, que a poluição produzida é sem dúvida um factor de desmotivação à utilização do espaço público.

Um número curioso que nos pode ajudar a entender também esta questão, necessariamente ligada ao

espaço público, é que um estacionamento eficaz requer cerca de 20m2 por carro. Se supusermos que

apenas 1 em cada 5 habitantes possui carro, uma cidade como Londres com cerca de 10 milhões de

habitantes, necessitaria de uma área 10 vezes superiores à City of London só para automóveis,

(Rogers & Gumuchdjian, 1997) o que é absolutamente impensável e insustentável. E os passeios,

outrora espaços privilegiados do cidadão, passam a ser concebidos para albergar estacionamento,

quase sempre numa óptica do automóvel e da acessibilidade individual e não colectiva. Por último, os

carros são como fortalezas onde as pessoas se fecham do mundo e da comunicação com os outros,

enquanto a utilização do transporte colectivo propicia encontros entre a população.

O teórico de política Michael Walzer, cit in (Rogers & Gumuchdjian, 1997), classifica o espaço urbano

em dois grupos distintos: “single-minded” e “open-minded”, mente fechada e aberta, respectivamente.

Single-Minded descreve um conceito de espaço urbano que preenche uma única função, sendo

geralmente a consequência de decisões estandardizadas dos promotores imobiliários e urbanistas.

Podemos tomar como exemplo de espaços single-minded os subúrbios residenciais, as grandes

urbanizações de moradias privadas, os centros de negócios, as zonas industriais, os grandes parques

automóveis, as vias circulares, o centro comercial e até o próprio automóvel. Open-minded é concebido

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como multifuncional e evolui no sentido da participação dos seus utilizadores, sendo os exemplos a

praça pública, a rua, o mercado, os espaços verdes como os parques, as esplanadas entre outros. Os

primeiros representam a azáfama impessoal ao passo que os segundos são locais preparados para o

encontro de pessoas e propiciam a sua participação.

Perante esta definição, apercebemo-nos que todo o espaço público que deveria servir de elemento

unificador, como as ruas e as praças, não apresentam a diversidade, vitalidade e humanização de uma

vida citadina, tornando-se terras de ninguém, privilegiando o automóvel privado. Certamente que a

desvirtuação do espaço público, pelo desaparecimento de espaços “open-minded”, tem consequências

degenerativas no mesmo, aspecto que torna quase paradoxal um sentimento de vazio pela falta de

participação na vida destes espaços, e a sua obsolescência leva necessariamente a sentimentos de

insegurança.

Há, portanto, uma crise de valores ligados à cidadania. Cidadania, que representa a noção de

responsabilidade partilhada pelo próprio ambiente, tende a desaparecer com a desigualdade social

espelhada nas cidades de hoje. Um exemplo extremo dessa separação que vivemos é a cidade de

Houston onde foi criada uma rede de ruas subterrâneas seguras sem acesso para a rua pública e que

ligam os átrios dos bancos e das companhias petrolíferas.

Figura 9 – Desigualdade Social: Um novo bairro de luxo é a vizinhança de uma favela na cidade de São Paulo, Brazil. (AA VV, 2007)

O projecto urbano terá de assumir um papel relevante na recuperação dos valores da cidadania e da

memória colectiva. Acreditamos que a reintegração de um desenho responsável do espaço público,

reconhecendo o seu papel unificador, deve estar presente no desenho da cidade. O cidadão reconhece

e apropria-se, reconhecendo-se. A relação das tensões criadas entre a mistura de funções, sugerida

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por este tipo de intervenção, reconhece ao espaço público uma capacidade participativa no espaço

construído e na sociedade que o habita, sendo que deve integrar o existente e o novo.

II.5 A Paisagem Metropolitana

Os marcos da cidade mudaram em tipo, forma, escala e geografia. Na cidade contemporânea

encontramos agora como referências na paisagem os grandes centros comerciais, as torres ligadas à

actividade terciária, museus e aeroportos. Este último é o portal de entrada da cidade contemporânea.

É o monumento que celebra a chegada e a partida, da mesma forma que se impõe como imagem de

prestígio e que permite, ainda, tornar-se um dos primeiros lugares que oferece a ilusão de encontro e

proximidade entre ricos e pobres num mundo cada vez mais segregador.

De facto, o aeroporto é um tipo que adquire uma importância muito grande, na vida das cidades e

daqueles que a habitam, tanto ao nível da função que representa, enquanto elemento de ligação

funcional ao mundo, enquanto marco na paisagem de uma cidade, ligado à sua função, mas também

ligado à sua escala e dimensão, e ainda como lugar habitável, cuja complexidade oferece um sem

número de espaços extremamente ligados ao Homem moderno.

O aeroporto é um lugar de trocas comerciais oferecendo grandes áreas de comércio, restauração etc.

É um lugar de trabalho e aqui é percepcionado de formas muito distintas por todos os que lá trabalham

permanentemente ou de uma forma um tanto ou quanto efémera. Dentro destes dois grupos há muitas

distinções que podem ser feitas entre a equipa da alfândega e uma lojista, entre os transeuntes e a

equipa de aviação, entre outros.

Para entendermos o impacto dos aeroportos em algumas cidades tomaremos como exemplo o

aeroporto Chek Lap Kok, em Hong Kong, que contabilizou um investimento de um total de 19 mil

milhões de dólares americanos que incluíram além da construção do aeroporto com meio milhão de

metro quadrados de implantação, a criação de 34 km de acessos, túneis, uma ligação de comboio de

alta velocidade, pontes e ainda uma nova cidade para acomodar alguns dos trabalhadores do

aeroporto. Este projecto do arquitecto Sir. Norman Foster protagoniza-se claramente como um marco

de significância internacional, podendo mesmo ser considerado como um projecto urbano.

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Figura 10 – Aeroporto Check Lap Kok em Hong Kong. (http://people.hofstra.edu/ , 2009)

Este exemplo serve também para ilustrar que as infra-estruturas, como estradas pontes, etc., que

resultam necessariamente do desenvolvimento económico de uma da sociedade, são “(…) objectos ou

sistemas, que não cumprem apenas funções mas são, no mesmo acto, elementos constituintes e

alterantes da paisagem” (Portas, 2007). Esta é uma ideia que está também patente no trabalho que o

Arq. Manuel Salgado efectuou no Plano Concelhio de Évora e que recuperamos aqui:

“[…] houve a oportunidade de explorar uma ideia chamada “Plano Negativo” que definia uma

macro estrutura que integrava não só os elementos essenciais da paisagem natural – a água, manchas

florestais, solos férteis – mas também elementos do património construído – vistas sobre a cidade e

edifícios conjuntos classificados, e que funcionava quase como quadro estável, para além do prazo de

vigência do próprio Plano, que enquadrava o que viesse a ser construído.” (Salgado, 2004)

Consideramos que esta visão sobre um enquadramento de elementos existentes, sejam eles naturais

ou patrimoniais e construídos, representa uma estratégia fundamental no desenho de qualquer

Projecto Urbano pois se num primeiro momento permite uma integração do novo e do existente,

representa uma salvaguarda na flexibilidade que se impõe quando se faz Cidade. Não se trata porém

de uma visão saudosista mas sim de uma abordagem que implica valores de sustentabilidade, na

medida em que é o registo daquilo que perdura, que nos foi legado pelas gerações anteriores e que

nós vamos legar às gerações futuras. Salgado afirma ainda que “é a cultura do próprio território,

obviamente com transformações, porque a forma de exploração das paisagens muda, os usos podem

mudar mas não há subversões, há uma coisa que estabilizou e que enquadra as outras intervenções.

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Por outro lado, existe a memória, e todos nós reagimos quando no processo de transformação do

território nos amputam elementos dessa mesma memória.” (Salgado, 2004) Nas linhas gerais do

pensamento de Salgado identificamos então, como objectivos principais do desenho da cidade, dar

forma com a paisagem natural, com matas e os rios, com o relevo e as vistas, mas também desenhar

os viadutos e as estradas visto estes serem cada vez mais componentes marcantes da paisagem

urbana.

Figura 11 – Estradas, pontes e viadutos como elementos constituintes da paisagem urbana. The Endless City (AA VV, 2007)

Mais uma vez, há aqui uma ideia clara de que o Projecto Urbano se refere a uma abordagem através

de tipos e de elementos estruturantes, como factos constituintes do seu campo de intervenção, e

modeladores da paisagem urbana.

II.6 A Cidade Compacta e os Processos de Policentralização

Segundo Borja, a nova cidade metropolitana deve entender-se como um sistema ou uma rede de

geometria variável, articulada em nós, pontos fortes de centralidade definidos pela sua acessibilidade.

A qualidade desta nova realidade urbano-regional dependerá da intensidade de relações entre esses

nós, da multifuncionalidade dos centros nodais e da capacidade de integrar o conjunto da população e

do território mediante um adequado sistema de mobilidade. Deve, portanto, entender-se como

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resultado de três dinâmicas distintas mas inter-relacionadas: globalização, concentração e

comunicação. (Borja, 1998)

Mas não basta afirmar que entendemos esta realidade. Os Projectos Urbanos, como temos vindo a

demonstrar, afiguram-se como um instrumento capaz de intervir à escala da metrópole com bastante

autonomia. Mas temos igualmente de reconhecer que todas as problemáticas enunciadas neste

capítulo devem ser recuperadas sobre a forma de uma visão. Ou seja, sob a forma de uma proposta de

modelo de cidade, que emerge precisamente destas problemáticas.

Rogers (Rogers, The Megacities Foundation, 2001) defende que a sustentabilidade urbana deve estar

assente num modelo de cidade densificada, que foi rejeitado pelas densas e poluídas cidades da Era

Industrial. No entanto, as causas que levaram à degradação deste modelo de cidade estão a ser

progressivamente ultrapassadas e são quase inexistentes na grande parte das cidades do primeiro

mundo, o que nos permite voltar a repensar nele e redescobrir as vantagens sociais, económicas e

ecológicas da proximidade.

Surge então a ideia da Cidade Compacta, densa, onde a diversidade social é reflectida por uma

sobreposição das actividades terciárias e sociais.

Este modelo difere radicalmente do modelo americano do zonamento por função em que o centro é

praticamente dedicado ao sector empresarial, como já explicámos nos capítulos precedentes, e os

grandes centros comerciais e de lazer ficam após a mancha de subúrbios residenciais servidos por

grandes auto-estradas que cicatrizam a paisagem natural e urbana. O seguimento deste modelo tem

razões puramente económicas ligadas à especulação imobiliária, disfarçadas de conforto e oferta de

qualidade de vida. A criação de um modelo de cidade compacta obrigará à rejeição deste tipo de

desenvolvimento mono-funcional, assim como a do domínio do automóvel que está normalmente

adjacente, tendo porém a consciência de que estes dois grandes passos requerem intervenções que

respondam às necessidades humanas de mobilidade e utilização da cidade.

Reforçamos então a necessidade de exploração de um modelo de cidade compacta policêntrica, isto é,

que cresce assente numa rede de centros de actividades sociais e comerciais localizados em nós da

rede pública de transportes. Estes tornam-se assim nos focos de desenvolvimento das comunidades,

com espaços verdes e sobreposição entre actividades públicas e privadas. A integração do sistema de

transportes é, também ela, uma característica muito importante, que ganha expressão na interligação

de intervenções através do Projecto Urbano com o modelo de Cidade Compacta, defendido por

Rogers.

Apesar de estarmos aqui num modelo urbano teórico, o que é importante frisar é que este pode ser

reinterpretado pelas necessidades e culturas de cada população, tendo sempre em conta que as

cidades devem ser fundamentadas no abrigo dos seus cidadãos, propiciando-lhes a expressão da sua

cultura e o espírito de encontro para as quais foram historicamente pensadas. Do lado económico

ecológico torna-se igualmente muito mais viável pensar num modelo compacto e multi-funcional, visto

que a base de mobilidade estrutural é assente num sistema de transportes colectivos sendo também

mais propícia às deslocações em bicicleta e a pé, provocando uma proporcional redução da

dependência do automóvel e, assim, diminuindo a poluição o que, voltando atrás, incentivará a

utilização do espaço público, bicicletas, deslocação a pé etc. Encontramos, no catálogo do Forum das

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Culturas 2004, um exemplo de comparação da sustentabilidade entre um modelo de expansão

territorial, em Cidades Jardim e um modelo de cidade compacta. A Cidade Jardim, feita de moradias

isoladas, oferece um ambiente tranquilo em que cada uma das moradias tem o seu espaço próprio. No

entanto, os serviços encontram-se longe, obrigando os habitantes a percorrer grandes distâncias de

automóvel para os alcançar, o que requer um maior consumo de energia (45 minutos e 28 kW em

média, por pessoa). Também o privilégio pelo individualismo, limita as relações interpessoais neste

modelo. Na cidade compacta tudo está mais próximo, e as pequenas distâncias a percorrer estarão

cobertas pela rede pública de transportes colectivos. As relações interpessoais são privilegiadas e as

pessoas, independentemente da origem étnica e estrato social partilham o mesmo ambiente,

misturando-se espontaneamente. Assim cada pessoa dispensa cerca de 15 minutos e apenas 5 kW

em média por dia. (AA VV, 2004)

Tal como Salgado defende, falar em densificação sobre um modelo de cidade compacta não significa

porém ter medo do vazio. No que diz respeito à responsabilização da arquitectura contemporânea é

necessário “passar da noção de que a arquitectura é só fazer edifício para a noção de que a

arquitectura é modelar o espaço e que, por vezes, é o vazio e outras é maciço”. (Salgado, 2004) É

exactamente este jogo de cheios e vazios que se coloca no desenho do edifício que se deve colocar

também a nível da cidade. Há ainda um aspecto nos vazios existentes na cidade consolidada que deve

ser valorizado, uma vez que estes vazios são estratégicos para implantar aquilo que faz falta à cidade

para a tornar mais visível, para fomentar a cidadania, conceito indissociável de cidade, através da

criação de equipamentos comunitários inter-geracionais que tenham capacidade de devolver à

metrópole o espírito de bairro e comunidade local. Os vazios devem ser objecto de desenho e de

atenção especial pois potenciam a criação de espaços públicos, como sejam os parques ou as praças,

definindo um sistema de comunicação física e social, com benefícios ecológicos que não vamos

enumerar, mas que acima de tudo têm funções a nível psicológico e sociológico e de identificação e

encontro cultural.

Ainda que nos tenhamos dedicado neste segundo capítulo a uma abordagem de caracterização e

crítica da cidade contemporânea, apontámos sempre que possível visões, ideias e teorias que

relacionassem o nosso trabalho à produção de uma cidade sustentável. Em jeito de conclusão desta

parte recuperamos então a visão de Richard Rogers sobre a cidade sustentável e suas virtudes:

É uma cidade justa onde justiça, alimentação, abrigo, educação saúde e esperança são

igualmente distribuídos e onde a democracia será participativa.

É uma cidade bela onde arte, arquitectura e paisagem dão azo à imaginação e alimentam o

espírito.

É uma cidade criativa, onde a abertura das mentes bem como a experimentação mobilizarão

todo o potencial Humano e permitirão respostas mais rápidas às velozes e complexas

mudanças.

É uma cidade ecológica, eficiente energeticamente demonstrando harmonia entre paisagem

e construção.

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É uma cidade de fácil comunicação, onde o espaço público encoraja o espírito comunitário e

a mobilidade.

É uma cidade compacta e policêntrica, lutando contra a destruição do património natural,

que protege as vizinhanças, integrando-as pela maximização da proximidade.

É uma cidade diversificada, onde um vasto número de actividades se sobrepõe criando

animação, e inspiração, fomentando a vida pública.

Entendemos que não existe exclusividade de muitas destas características à cidade dos dias de hoje,

mas acreditamos, igualmente, serem importantes estes pensamentos, por estarem presentes como

bases do pensamento do projecto urbano. Salvaguardamos também que, ainda que genérica, esta

visão corresponde à cidade compacta, modelo, que tal como referenciamos no início deste capítulo

este associado à poluída e segregada cidade Industrial, importando por isso estabelecer uma visão

clara da nova cidade compacta.

Focamos ainda o facto das dinâmicas descritas nesta parte, ligadas à globalização, se afigurarem cada

vez mais como matéria de projecto. Queremos com isto dizer que é impossível responder aos desafios

da metrópole sem pensar no tempo, no que diz respeito à velocidade vertiginosa a que as alterações

sociais e espaciais se dão, e que impõem uma necessidade de ambiguidade e uma certa capacidade

de previsão aos Projectos Urbanos.

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III. ESTRATÉGIAS de POLICENTRALIZAÇÃO e PROJECTO URBANO

Introdução à terceira parte

Propomo-nos neste capítulo, uma vez que possuímos bases teóricas que nos ajudam a compreender o

Projecto Urbano e a complexidade da metrópole, explorar a instrumentalização do Projecto Urbano

como figura de actuação nos núcleos de estruturas urbanas policêntricas. Tentaremos, portanto,

entender de que forma poderá o projecto urbano contribuir para a coesão de áreas metropolitanas e

supra metropolitanas, pois como vimos a problemática não se poderá cingir às divisões políticas do

espaço construído. Procuraremos desta forma a afirmação de uma via projectual – através do Projecto

Urbano – na reconstituição da imagem urbana.

Salvaguardamos de antemão que esta não se trata de uma ideia impositiva, nem uma crença no

controle da arquitectura sobre a cidade e do Homem que a habita, mas antes a oportunidade de ver a

arquitectura enquanto elemento proporcionador de dinâmicas sociais e culturais numa crescente

sociedade de consumo e de perda de valores, cuja degradação se reflecte dia após dia nas nossas

amadas cidades.

Assim, apresentaremos em primeiro lugar uma abordagem à viabilização do Projecto Urbano como

concretização de estratégias. Estratégias essas, que apontam para um retorno a modelos de cidade

compacta e policêntrica, anunciando a escala e a localização das intervenções deste tipo na cidade.

Anunciamos aqui que as nossas bases teóricas procuraram neste capítulo reforçar a sustentação do

projecto urbano nas análises morfo-tipológicas, assim como nas dinâmicas apresentadas pela

metrópole. Mas ao falarmos de estratégias torna-se evidente a necessidade de enunciar e exemplificar

os momentos e as oportunidades de intervenção através do projecto urbano, explicando como estes se

relacionam.

Tentaremos, portanto, ilustrar através de exemplos, a concretização das bases teóricas sobre o

Projecto Urbano nas metrópoles, evidenciado de que forma responde este aos desafios apresentados

durante a segunda parte do presente documento.

Acreditamos, poder desta forma estabelecer uma base teórico-prática sobre a eficácia do Projecto

Urbano como instrumento de revitalização das Metrópoles, afirmando-o como uma via de projecto da

arquitectura da cidade.

III.1 Planeamento Estratégico, Projectos Urbanos e Policentralização

Durante o primeiro capítulo referenciámos o aparecimento do Projecto Urbano à crise do planeamento.

Tencionámos no entanto salientar que o planeamento não deve ser descartado mas deve assumir uma

posição estratégica no desenho da cidade. Assim, apresentamos aqui os Planos Estratégicos que

representam, segundo Borja, um instrumento político que deve procurar viabilização em Projectos

Urbanos. (Borja, 1998)

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Mas em que sentido deverão apontar estes planos estratégicos? Em primeiro lugar, a definição de um

projecto de futuro só será eficaz se mobilizar desde logo actores urbanos, públicos e privados, e se

concretizar em intervenções e medidas que podem começar a implementar-se imediatamente, não só

por questões de verificação da viabilidade do próprio plano, mas também por questões de confiança

dos actores envolvidos, inclusive a dos cidadãos. A capacidade de finalização dos Projectos Urbanos

num curto espaço de tempo foi já uma característica apontada por Solá-Moralez e que mencionámos

na primeira parte. Em segundo lugar, um Plano Estratégico deve construir e/ou modificar a imagem

interna e externa de uma cidade pois, como vimos no início da segunda parte, a afirmação das cidades

num mundo globalizado é um factor político-económico importante e que se repercute no espaço

construído.

A ideia da existência de um Plano Estratégico ligado ao Projecto Urbano não regressa à imagem que

tínhamos dos planos para as áreas metropolitanas e que já aqui criticámos. Um dos exemplos mais

bem conseguidos da introdução de estratégias que sustentam as intervenções é o caso Holandês.

Estas estão assentes sobretudo em políticas de integração do sistema de transportes colectivos e

apropriação territorial com uma estratégia ambiental a nível nacional.

Como nos explica Peter Hall(Hall, The Megacities Foundation, 1997) o quarto relatório (EXTRA) feito

pelo governo Holandês identifica uma política que procura fazer frente às pressões do crescimento

desenfreado e melhorar a qualidade da vida citadina através de uma redução do tráfego automóvel nas

cidades e zonas urbanas, bem como uma visão integrada de toda a gestão de tráfego, transportes

colectivos, política ambiental e políticas de planeamento do território urbano. A chave está, mais uma

vez, no concentrar de usos mistos e habitação, emprego e instalações, de forma a criar tempos de

viagem que sejam o mais curtos possíveis para que estes possam ser feitos de bicicleta, a pé ou em

transportes públicos. Desta forma, as zonas residenciais ao contrário da grande parte dos anteriores

exemplos, são pensadas e posicionadas nos centros das cidades numa primeira fase e só

posteriormente na periferia urbana e, apenas numa terceira e última instância, em zonas mais distantes

com vista a reduzir a quantidade de movimentos pendulares. Contudo, qualquer que seja a situação, o

transporte colectivo é sempre o principal factor de base.

Através de uma compreensão da relação entre os diferentes programas e as necessidades destes no

que diz respeito ao ambiente circundante e às suas qualidades e/ou capacidades, foi estabelecida uma

classificação que ajuda a optimizar a sua integração no tecido urbano:

As actividades que envolvem um grande número de trabalhadores e visitantes, tais como os escritórios

de serviços públicos, teatros ou museus são classificados como A, ou seja, devem estar situados perto

de interfaces de transportes centrais. Os hospitais, centros de pesquisa e actividade terciária liberal

devem gozar de um bom acesso tanto a nível dos transportes colectivos como individuais e são

classificados na categoria B e, com a classificação C, à proximidade das auto-estradas devem estar

apenas as zonas cuja afluência seja baixa e que necessitem obrigatoriamente de ser acessíveis por

automóveis e veículos pesados.

Este tipo de estratégia insere-se na mesma ideologia da cidade compacta apresentada por Rogers.

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Citamos novamente Jordi Borja (Borja, 1998) para relacionar as intenções estratégicas presentes nos

planos com algumas características que consideramos definir o Projecto Urbano, as quais procurámos

completar:

1. Antes de mais devem fazer parte de um projecto de cidade;

2. Devem procurar oportunidades (uma zona obsoleta, é uma oportunidade, que pode inclusive

dar origem a uma centralidade, por exemplo, através de um grande evento internacional –

Exposição Mundial, Fórum das Culturas 2004 em Barcelona, ou os Jogos Olímpicos de 1992

também na cidade de Barcelona);

3. Devem procurar a mistura de usos - concepção plurifuncional dos grandes projectos urbanos

(susceptibilidade na promoção de um desenvolvimento urbano diversificado, melhoramento da

acessibilidade e mobilidade da Área Metropolitana, criação de espaços públicos e

proporcionar “sentido de lugar” ao território).

4. Procurar a integração e a transformação do tecido urbano. Em muitos casos, é importante

preservar ou criar a continuidade formal entre a nova operação e o tecido pré-existente.

Noutros casos, convém realizar uma intervenção forte de reconversão urbanística e de

prestígio, precisamente para tornar possível esta continuidade. Aqui, estão mais presentes

questões de morfologia mas que não se podem dissociar da interacção com os tipos

apropriados a cada intervenção.

5. Considerar a mudança de escala da estrutura urbana: novas centralidades. As novas

centralidades não são resultado de um só projecto mas de um conjunto de intervenções

múltiplas. Em contrapartida, todos os grandes projectos devem ter alguma relação ou

articulação com centralidades velhas ou novas, isto é, ter impactos favoráveis. E, na maioria

dos casos criar alguns elementos de centralidade física e simbólica.

No terceiro ponto, relativamente à questão da mistura de usos, há ainda que especificar três funções

complementares que nos parecem especialmente importantes. Estas reflectem também algumas das

ideias fundamentais que mencionámos em torno das tipologias: a criação de espaços públicos deve

estar interligada com os equipamentos colectivos e com os monumentos de forma a reforçar a

identidade simbólica e a memória colectiva; a criação de emprego em grandes centros empresariais,

deve estar relacionado com outras actividades, de forma a evitar o “adormecimento” de qualquer uma

durante os diferentes períodos de um dia; deve ser previsto o desenvolvimento urbano das periferias,

tendo em conta as possibilidades de criar centralidades, com impacto redistributivo das funções

(habitação e serviços).

Relativamente ao ponto 4 – quer estejamos numa situação de preservação do tecido existente, ou de

uma intervenção de reconversão urbanística – é necessário reconhecer os processos urbanos

inerentes às mesmas: deve se prever a integração com a envolvente imediata, bem como, os efeitos

de contaminação transformadora (como catalisadores de outras intervenções fortes, ou através do

efeito de “metástase” urbana); deve ser mantido um equilíbrio entre a mudança de actividades, de usos

e das populações, e a manutenção, ainda que parcial, de tecidos e colectivos sociais próprios da zona;

as intervenções devem ter um efeito dinamizador sobre a cidade e para lá desta, tanto no aspecto

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físico como no económico e cultural. Esta é uma característica igualmente presente nas novas

centralidades.

No que diz respeito às novas centralidades estas podem-se caracterizar, e ser viabilizadas, pelas

seguintes premissas: resultam de um conjunto de intervenções complementares e concentradas, em

algumas áreas definidas como prioritárias e viáveis, quase sempre situadas em zonas de fronteira

entre as áreas centrais e periferias; as intervenções em curso ou programadas incluem infra-estruturas

e nós de comunicações, proporcionando zonas atractivas para o terciário qualificado, para operações

emblemáticas ou monumentais, assentes numa estratégia de melhoria da mobilidade urbana.

As novas centralidades devem resultar, assim, numa mudança da escala da cidade. Numa primeira

instância amplia-se o território estruturado no âmbito urbano, com repercussões ao nível regional e

nacional. Prevê-se que desta forma um maior número de residentes e utilizadores da cidade tenha

acesso a áreas qualificadas pela sua oferta de serviços, marcando o carácter simbólico da nova

centralidade, uma vez que em bastantes casos, a nova centralidade permite sectores pouco integrados

na cidade aceder a um nível superior de qualidade urbana. Desta forma criam-se condições de

desenvolvimento mais sustentável na medida em que as novas centralidades permitem também,

descongestionar as existentes e melhorar as suas condições de funcionamento.

Embora enunciemos aqui várias ideias que definem o Projecto Urbano e o seu campo de actuação,

denotamos que o pragmatismo destas definições não dá a devida importância aos tipos, focando-se

primeiramente em estratégias. Esta é uma abordagem quanto a nós fundamental e que temos vindo a

explorar ao longo da presente dissertação. Também nos referimos aos tipos, quase sempre no sentido

da massa construída, raramente os associando aos vazios. Porém, e como nos diz Manuel Salgado,

“Um dos campos no qual o arquitecto se deve reinventar, e reflectir traduz-se na descoberta de novas

tipologias de espaços públicos tendo como base modelos do séc. XIX, como a rua, a praça, a alameda,

e ainda criar outros novos.” (Salgado, 2004)

Citámos com alguma frequência autores Espanhóis e sobretudo Catalãs, tendo-nos já servido de

Barcelona para ilustrar o debate de ideias em torno do projecto urbano. A verdade é que esta é uma

cidade que reflecte em muitos aspectos as virtudes do planeamento estratégico. As boas políticas de

reacção à invasão da cidade pela especulação imobiliária e uma resistência fenomenal do tecido

histórico, nomeadamente o medieval, mas também plano de Cerdà, são apenas algumas das

características deste autêntico laboratório urbano. (Gotlieb, 2004)

Barcelona desenvolveu uma visão mais complexa da cidade, fazendo uma aproximação integrada.

Quer isto dizer que a vontade de desenvolvimento responsável da cidade combina simultaneamente, o

urbanismo, a promoção de actividades económicas, o habitat, a coesão social e a valorização dos

equipamentos e espaços públicos. É desta aproximação que surgem duas classificações de zonas e

que são campos de actuação através do projecto urbano: áreas de reabilitação integral, quando se

trata da reabilitação de um centro histórico, ou áreas de nova centralidade (ANC), quando falamos de

zonas à volta do centro e que se situam normalmente entre a cidade propriamente dita e as periferias.

Já procurámos, compreender as áreas de nova centralidade, mas torna-se igualmente importante

contextualizá-las nas estratégias urbanas de Barcelona.

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A ilustrar a atitude visionária da necessidade de intervenção na cidade em diferentes campos, temos a

figura 12, onde a vermelho estão indicadas as áreas de “acupunctura” urbana, efectuadas durante os

anos 80, sobretudo no tecido consolidado, a verde as intervenções feitas no âmbito dos Jogos

Olímpicos de 92 e a azul todas as intervenções posteriores, até 2004. É bem patente nesta planta da

cidade que a recuperação da sua zona costeira, das suas belas colinas como a de Montjuic, ou ainda

do seu tecido histórico, tanto na cidade medieval como na malha reticulada do plano de Cerda, é um

passo fundamental para manter a coesão da imagem da cidade bem como do seu tecido edificado e

património natural.

Figura 12 – Zonas de regeneração urbana em Barcelona. Tracès (Veuve, 2008)

Sobre as ANC, Joan Busquets cit in (Veuve, 2008), ainda no contexto de Barcelona, diz que estas são

problematizadas nas seguintes considerações:

a estrutura da cidade caracteriza-se pela descontinuidade (a cidade é feita de diferentes

partes);

os interstícios entre diferentes tecidos são ameaçados pelas intervenções massivas, das

quais é preciso tomar consciência e tomá-las como activos de oportunidades de actuação;

a constatação de que a escala da cidade já não consegue corresponder às necessidades

actuais no que toca aos modos de vida dos cidadãos, à estrutura sócio-económica, às novas

tecnologias e actividades económicas ligadas ao conhecimento;

as áreas de nova centralidade são nós destinados à articulação de espaços de aglomeração,

diferenciando-se do contexto como pontos de concentração de encontros e trocas. Procuram

dar coerência ao espaço urbano ao mesmo tempo que renovam a cidade social, cultural e

economicamente. Para tal o sector terciário deve coabitar com os centros de pesquisa, de

formação, com o comércio e a habitação, com os espaços verdes e os equipamentos

públicos.

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Ainda que estejamos aqui apenas a reforçar algumas das ideias já expostas no trabalho, serve o

exemplo de Barcelona para ilustrar a importância dada ao desenvolvimento de Áreas de Nova

Centralidade sustentadas por uma estratégia de cidade. Essa estratégia serve de reconhecimento

factorial e de mote de intervenção. Mas há aqui uma ideia clara quanto à complexidade da intervenção

a fazer, enunciando a necessidade de procura de encontros entre os diferentes tipos e actividades a

estes ligadas, valorizando sempre a mistura de usos e o espaço público como elemento unificador e

essencial à sobrevivência de qualquer estrutura. Por exemplo, desde os anos 80 que os grandes eixos

viários urbanos da capital catalã são tratados como elementos urbanos e espaciais com grande

relevância e não apenas simples estradas.

III.2 Projecto Urbano: Da Teoria à Prática nas Metrópoles

Após termos estabelecido então uma base teórica que nos permite reconhecer o Projecto Urbano e as

suas características, bem como o seu campo de intervenção e a sua capacidade de influência nas

estruturas metropolitanas, torna-se evidente a necessidade de ilustrar este tipo de intervenção.

Dada a indefinição da escala do Projecto Urbano e a sua polivalência e complexidade, interessa-nos

aqui utilizar exemplos que demonstrem numa primeira instância diferentes campos de aplicação,

correspondentes a diferentes tipos de oportunidades e contextos. De qualquer das formas e dado

termos em certa medida procurado associar o Projecto Urbano à compactação e policentralização da

cidade contemporânea, uma grande parte dos exemplos aqui apresentados vão de encontro ao título

desta dissertação: Cidades dentro de Cidades. Queremos com isto dizer que procurámos obter

projectos que sejam caracterizados pela sua capacidade (ou eventual capacidade no caso dos

projectos não realizados) de criar novas centralidades de alcance territorial abrangente. Com o mesmo

pensamento de não abrirmos mais o leque de opções sob o risco de dispersão do estudo e de

resultados pouco conclusivos do mesmo, tencionamos dar especial enfoque às questões de

morfologia e tipo, e a forma como estas foram encaradas na concepção destes mesmos projectos.

Achamos ainda assim importante abranger intervenções que independentemente da sua escala,

estejam ligadas a alguns dos objectivos estratégicos e oportunidade de intervenção. Assim,

apresentamos no nosso estudo intervenções na cidade consolidada – centros históricos e áreas de

nova centralidade, bem como intervenções mais radicais de criação de novas partes da cidade, estas

últimas ligadas normalmente aos grandes eventos e/ou recuperação de zonas obsoletas.

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Almada Nascente – “Cidade da Água”, Portugal

Almada, cidade situada na margem sul do Tejo, goza de uma excelente posição estratégica

relativamente a Lisboa. Não só pela sua proximidade geográfica, mas também pelas variadas ligações

físicas a Lisboa, como a Ponte 25 de Abril por onde passam automóveis e um comboio regional,

completadas ainda pelas ligações fluviais, Almada afirma-se cada vez mais como um centro de Lisboa.

Ao mesmo tempo que procura aproximar as duas margens, Almada pretende também afirmar a sua

autonomia, tendo registado significativos desenvolvimentos, como a construção de duas linhas do

Metro Sul do Tejo, procurando uma alternativa à excessiva utilização do automóvel privado ao mesmo

tempo que se inserem numa estratégia de apagar a imagem de subúrbio e dependência da cidade de

Lisboa.

É neste contexto de aproximação das duas margens e de um maior contacto com o Rio Tejo que em

Almada se tentou projectar a cidade do futuro – Almada Nascente, a Cidade da Água. Assim, foi

lançado em 2001 um concurso público internacional para a elaboração de um Estudo de

Caracterização Ambiental, Geológica e Geotécnica e um consequente Plano de Urbanização para a

frente Ribeirinha da Cidade de Almada. Embora tenha sido apelidado de Plano de Urbanização,

apresentamos aqui este projecto como um projecto urbano, uma vez que acreditamos que a proposta

vencedora se enquadra na temática que temos vindo a explorar ao longo do documento, apresentando

muitas das características e potencialidades inerentes a um projecto de arquitectura de cidade.

Na realidade, pode-se dizer que existe de facto um projecto urbano ligado a um plano estratégico de

intervenção numa área de 115 hectares, entre Cacilhas e a Cova da Piedade, concentrando-se

sobretudo nos 50 hectares onde se encontram obsoletos os antigos Estaleiros Navais da Lisnave, na

zona da Margueira.

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Figura 13 - Zona de Intervenção, 115 hectares entre a Cova da Piedade e Cacilhas. AML Estuarium, Frentes Ribeirinhas - cadernos especiais (AA VV, 2007)

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A autarquia (AA VV, 2007) definiu então que o plano deveria criar um novo troço de cidade que

promovesse o desenvolvimento urbano multifuncional, com forte animação urbana e capaz de reforçar

a identidade local e o seu carácter urbano. Esta vontade traduziu-se numa visão para o que deveria ser

a Almada Nascente Cidade da Água:

Um lugar para trabalhar, através das condições para a instalação de actividades diversas,

comércio, serviços e equipamentos de apoio à comunidade local.

Um lugar de relação com a água, potenciando a proximidade com o rio, um terminal de

cruzeiros, uma marina, um museu do Estuário do Tejo e um museu nacional da Indústria

Naval.

Um lugar para habitar, valorizando a arquitectura bioclimática, a diversidade da oferta

residencial e o desenvolvimento de espaços exteriores.

Um lugar de cultura, tirando partido das condições naturais e apostando nos festivais,

eventos e exposições, na arte pública e nos museus.

Um lugar de conhecimento, com a instalação de um pólo universitário, desenvolvimento do

Parque Tecnológico da Mutela e a criação de um centro de Ciência e Tecnologia, entre outras

infra-estruturas.

Podemos já aqui, ainda antes de apresentarmos de forma mais precisa e organizada o programa do

projecto, identificar a complexidade adjacente a este tipo de intervenção. De facto, acreditamos que

inerente à criação de uma nova centralidade há necessariamente uma reflexão muito grande em torno

do tipo. Em primeiro lugar, por questões de função e necessidade, onde vários tipos de habitação se

incluem e, em segundo, à reflexão sobre a interacção entre diferentes tipos complementares, como as

residências para estudantes e os edifícios universitários. Também a possibilidade de criação de

emprego junto a zonas residenciais e ligados a diferentes tipos de actividades, além da empresarial, é

um factor de extrema importância contra a segregação pelo zonamento que temos vindo a criticar. Por

último é de salientar a integração da proposta com os elementos existentes, construídos e da

paisagem, nomeadamente com a rede de transportes públicos – autocarros, metro, barco - com um

ponto de concentração na zona de cacilhas Cacilhas, com uma especial atenção ao Rio Tejo,

valorizando-o.

Estas ideias inserem-se na linha de pensamento de Richard Rogers, o que não é um acaso visto o

primeiro prémio ter sido atribuído ao consórcio internacional constituído por WSAtkins, Santa-Rita

Arquitectos e Richard Rogers Partnership.

Com base na visão estratégica acima descrita construíram-se quatro cenários (Projecto Urbanos), dos

quais após submetidos a apreciação por parte da Assembleia Municipal de Almada, foram excluídos

dois, que apresentavam uma versão predominantemente residencial. (AA VV, 2007)

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Desta forma, a equipa adjudicatária deveria seguir as seguintes linhas para o desenvolvimento do

Projecto Urbano que concretizaria as visões estabelecidas no Plano Estratégico e formalizadas no

documento “Visão”9:

Características do Lugar – O Projecto valorizará as características existentes, usando

referências como as docas e o pórtico, os silos, o morro, as vias principais de circulação, os

espaços verdes e edifícios históricos.

Vento e Exposição Solar – A malha urbana será orientada para aproveitar a luz solar e as

sombras nas diferentes horas do dia.

Vistas e aspectos – Todos os espaços públicos principais terão vistas para o rio Tejo, Lisboa

central e Almada. As ruas principais terão vistas sobre o pórtico e a sua praça.

Espaços Públicos Chave - Uma grande percentagem da área em desenvolvimento será

reservada para espaços públicos de grande escala cívica. Estes incluem uma série de

corredores de água e verdes, o Ecoparque, um grande plano de água, jardins e praças.

Pólos de Desenvolvimento - Três pólos de desenvolvimento com usos mistos serão

estabelecidos de acordo com os constrangimentos e oportunidades do local, usos do solo e

infra-estruturas de transportes públicos.

Transportes Públicos - Uma rede de autocarros eléctricos, MST (Metro Sul do Tejo), ferry e

táxis de água será criada para promover o transporte público. As ligações com Lisboa

poderão vir a ser melhoradas com uma futura ligação de metro (eventualmente entre a

Trafaria e Algés).

Acessos Viários - O transporte individual privado será condicionado de forma a criar um

ambiente urbano pedestre agradável e a minimizar as áreas e necessidades de

estacionamento.

Rede Ciclável – O uso da bicicleta como modo de transporte preferencial nas deslocações

de curta distância, dentro e na envolvente da área de intervenção, será potenciado através de

uma rede de ciclo-vias articulada com o transporte público.

Rede de Circulação Pedonal - Será criada uma nova frente ribeirinha de 1,5 quilómetros

com ligações à rede interna de percursos pedonais.

Construção - O edificado ao longo do estaleiro crescerá gradualmente no sentido do

interface da Doca 13, com a presença de edifícios de referência nas zonas de paragem do

MST.

Praças Públicas - Será criada uma estrutura de praças hierarquizada ao longo das infra-

estruturas públicas chave, estações do MST, ruas pedonais e corredores verdes.

9 As ideias do documento “Visão” são-nos descritas no boletim Estuarium para a Área Metropolitana de Lisboa e formalizam a

visão estratégica do plano bem como o programa de actuação do Projecto Urbano que o concretiza.

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Tecido Urbano - Construir-se-ão bandas de espaços públicos (corredores, docas, canais,

áreas verdes) que garantam uma distribuição equilibrada destes espaços na área de

intervenção.

Quarteirões Urbanos - O desenvolvimento será organizado numa série de quarteirões

urbanos sustentáveis que poderão ser faseados de diversas formas.

Água e Corredores Verdes - Uma série de corredores verdes, enriquecidos com o elemento

água, desenvolver-se-ão paralelamente às docas existentes formando uma série de espaços

públicos chave.

Ligação com o Centro Histórico de Almada - A nova área estabelecerá ligações fáceis

com a zona central de Almada, através de uma série de percursos pedonais pensados em

função dos desníveis e das distâncias a percorrer.

Pensamos estar aqui bem patente o pensamento do Projecto Urbano. De forma a clarificar esta

afirmação achamos então necessário comentar alguns dos pontos acima descritos:

A integração de alguns dos elementos existentes, históricos e naturais, como seja o pórtico que é um

marco na paisagem do lugar, ou o morro situado a oeste dos estaleiros, é um ponto extremamente

importante numa intervenção desta escala. Após anos de ocupação desta área pela Lisnave, que

empregou durante muito tempo uma percentagem significativa da população da cidade, esta

integração é vital para o sucesso da intervenção, representando os valores da memória inerentes a

estes elementos e que representam a identidade de um povoado ribeirinho. A interligação do espaço

Figura 14 - Cortes desenvolvidos por Richard Rogers demonstrando a relação entre a densidade, percursos, exposição solar, referências paisagísticas, etc. (Rogers Stirk Harbour + Partners, 2008)

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público com conceitos de mobilidade suave e com os elementos naturais, como o rio, segue o mesmo

pensamento.

O espaço público, como as praças, liga-se aos nós da rede de transportes, potenciado igualmente pela

densificação de actividades públicas, obrigando à reinterpretação tipológica dos elementos

constituintes destes nós. O quarteirão é recuperado como forma preferencial, visto esta estar bastante

presente no tecido formal das cidades de Almada e Lisboa. Esta é uma abordagem morfo-tipológica

necessária ao controle espacial, formal e temporal da intervenção e que permite mais uma vez abordar

as questões de identificação dos utilizadores com a intervenção.

De facto, o Projecto para a Cidade da Água prevê em muitos casos tipologias híbridas, propondo-se a

marcar a paisagem com tipos como os museus ou os centros de pesquisa que se afirmam, como vimos

no decorrer do presente trabalho, como os novos marcos da paisagem pela sua carga cultural e

intemporal.

As praças jogam um papel fundamental no projecto, como mencionado, articulando os diferentes

programas, os diferentes percursos e afirmando-se como espaços centrais e preferenciais das

actividades sócio-culturais. Torna-se evidente a necessidade de deitar um olhar mais atento então à

concretização das 3 principais praças do projecto.

A Praça Lisnave representa a nova entrada em Almada, actuando como a maior área comercial ao ar

livre na nova área urbana. A sua situação é óptima ao estar ligada ao novo interface de transportes

(paragem do MST, terminal fluvial, novo terminal de autocarros, e ainda atracagem de cruzeiros). É

também aqui que o pórtico Lisnave assume toda a sua imponência, destacando-se como ponto central

da praça que celebra a história dos estaleiros navais.

Figura 15 - Perspectiva da Praça Lisnave mostrando a representatividade do pórtico dos antigos estaleiros. (Rogers Stirk Harbour + Partners, 2008)

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A Praça Tejo, por sua vez, assume o papel de novo espaço cívico e cultural, privilegiado pelas

melhores vistas panorâmicas sobre o estuário do Tejo e o centro histórico de Lisboa. Isto representa

em primeiro lugar uma valorização dos vazios urbanos enquanto espaços de encontro das populações,

mas também como simples zonas de estar e de contemplação da cidade que nos rodeia.

Relativamente à praça da Cova da Piedade, os espaços públicos da zona são hierarquizados de modo

a reforçar a sua urbanidade local. Os silos, primeira construção em betão feita em Portugal, são

preservados para se transformarem no novo fórum cultural da Cova da Piedade. A praça formada em

frente aos silos afirma-se assim como um novo espaço de cultura, como podemos ver na figura na

página seguinte.

Figura 16 - Vista da Praça Tejo onde se evidencia a sua relação ao estuário. (Rogers Stirk Harbour + Partners 2008)

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Este projecto urbano, que aqui apresentamos e procurámos descrever, é provavelmente uma das

intervenções mais importantes, previstas no início do século XXI, sobre a Área Metropolitana de

Lisboa. A oportunidade de criar uma nova centralidade instalada numa área obsoleta, abandonada e

em progressiva degradação deu origem a um projecto complexo. Complexo não na medida em que é

difícil de concretizar, mas porque interliga pré-existências e novas intervenções, definindo vários

programas com um e apenas um sentido final, o de desenhar de uma forma responsável e sustentável

a cidade dos cidadãos.

Prova disso e completando todas as características já aqui estudadas, completamos o programa

previsto para o projecto a nível dos equipamentos básicos e outros espaços que afirmam este projecto

em toda a sua amplitude e abrangência, como uma Cidade dentro da Cidade.

O projecto, na sua versão preliminar, propõe então um conjunto de equipamentos básicos, dos quais

destacamos

Duas escolas básicas, uma escola básica com jardim-de-infância, uma escola básica integrada e uma

escola secundária.

Um Centro de Saúde com capacidade para 9500 utentes.

Um Complexo Desportivo, que inclui uma pista de atletismo, um grande campo de jogos, seis campos

de ténis, três quintais desportivos, e ainda um pavilhão e duas piscinas cobertas.

Figura 17 - Vista da Praça da Cova da Piedade: recuperação e transformação dos silos em centro cultural e de exposições. (Rogers Stirk Harbour + Partners, 2008)

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Pavilhão Multiusos com capacidade para eventos de escala regional e nacional, reforçando a ideia de

que esta intervenção localizada pretende ter uma influência a uma escala metropolitana e supra-

metropolitana.

O programa alberga ainda o Terminal de Cruzeiros, a Marina, o Museu do Estuário, o Museu Nacional

da Indústria Naval, Residências Universitárias, um Parque Tecnológico e o Centro de Ciência e

Tecnologia: Parque das Descobertas.

Infelizmente este não é um projecto concretizado até à data, por razões que desconhecemos. A

participação pública através de um fórum foi um ponto assente e notícias, cuja fonte não conseguimos

apurar, apontavam para uma oposição da população relativamente à intervenção pelo facto de se

recorrer à utilização de torres numa frente ribeirinha, tema que foi igualmente polémico no projecto de

recuperação de Alcântara, para o qual o arquitecto Álvaro Siza Vieira propôs a construção de três

torres. Esta polémica em torno de um tipo pouco recorrente nas cidades portuguesas, a torre,

evidencia a problemática ligada aos tipos que temos vindo a discutir no presente trabalho. A oposição a

uma “nova” forma na paisagem urbana de um determinado território demonstra a relação directa que o

espaço construído tem com a memória colectiva e cultural, podendo ser por vezes uma força

impulsionadora da intervenção ou a fraqueza pela qual esta não se concretiza.

Ainda que este projecto possa parecer demasiado ambicioso, e talvez por isso esteja ainda “no papel”,

acreditamos que é necessário haver vontade política e acordos para investimento privado ainda que,

este último, seja o mais difícil de mobilizar. Outros exemplos que vamos aqui mostrar demonstram

como existe viabilidade em intervenções desta escala, assim como a importância de um Projecto

Urbano de qualidade que sirva de base à sua execução num curto prazo de tempo.

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Remodelação Urbana em Almere, Holanda

Ainda que não nos tenhamos referido à produção teórica de Rem Koolhaas no que diz respeito às

questões da metrópole, reconhecemos no trabalho prático do arquitecto e do ateliê que este chefia

OMA (Office for Metropolitan Architecture) uma preocupação pelos desafios impostos à arquitectura

das cidades. Exemplo disso foi o seu interesse nos anos 90 pela situação asiática e pelas

oportunidades que o crescimento frenético nestes países podia dar à arquitectura, tanto na

componente prática como na teórica, e que o autor compara um pouco aos anos 80 vividos na Europa.

(Zaera & Koolhaas, 1996)

Um dos seus trabalhos mais interessantes, que recuperamos aqui como um excelente exemplo de

projecto urbano não se encontra porém na Ásia mas sim na Europa, mais precisamente em Almere, na

Holanda. Este, ao contrário do exemplo anterior, encontra-se neste momento concluído, demonstrando

a viabilidade e importância de um projecto de arquitectura a grande escala.

Almere é uma pequena cidade com uma curta existência de pouco mais de três décadas. Em meados

dos anos 90, com uma população de 100 000 habitantes, a cidade demonstrava um enorme potencial

de crescimento aliado a um compromisso pela inovação arquitectónica. Fruto desta ideia e

consequente desenvolvimento da cidade, espera-se que a sua população venha a aumentar,

equiparando-se na primeira década do séc. XXI, à de uma cidade média Europeia. A provar este

compromisso pela inovação arquitectónica foi lançado em 1994 um concurso para uma remodelação

urbana. O projecto, com um orçamento total de 750 milhões de Euros, procurava a constituição de um

novo centro em Almere assim como um novo complexo de escritórios.

É igualmente importante saber que Almere é uma aglomeração poli nuclear onde tráfego e zonamento

se encontram devidamente hierarquizados, sendo que esta separação funcional se pode encontrar

também no actual centro da cidade, cuja forma de malha reticulada pretende imitar a de uma cidade

“tradicional”. (OMA, 1996)

Este projecto é o exemplo de um desafio claro ao Projecto Urbano, aglomerando uma reflexão sobre

os diversos tipos, nomeadamente no que diz respeito às tipologias híbridas, possibilitando ao mesmo

tempo a criação de uma nova centralidade na cidade. Também a dimensão de um projecto como estes

obriga a um trabalho preciso de escalas e da estrutura primária de forma a definir, antes da

materialização objectual, as relações entre densidades e vazios, procurando escala humana nos

espaços públicos e nas circulações pedestres e, obviamente, na sua relação com a massa construída.

Este é um passo muito importante e extremamente delicado pois deve prever que num relativamente

curto espaço de tempo, o projecto urbano ganhará forma em diversos objectos trabalhados por

diferentes autores a diferentes momentos, sendo aí posto à prova dos significados e dos símbolos que

estes geram, e cuja viabilidade será por fim testada pelos derradeiros actores – os cidadãos que

nestes viverão.

A proposta vencedora feita pelo ateliê OMA, visou concentrar o novo programa para o centro

empresarial e o centro da cidade em duas zonas ocupando apenas 50% da área do concurso, uma vez

que a concentração da intervenção seria importante na afirmação de uma nova centralidade.

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Figura 18 – Planta geral da intervenção. A norte o novo centro empresarial e a sul o novo centro urbano da cidade. (OMA, 1996)

Na imagem acima apresentada vemos então a opção de separar a intervenção em duas partes. O

complexo de escritórios de 130 000 m2 é assim posicionado a norte do interface de transportes tirando

desta forma um maior partido da sua localização. O programa misto que define o novo centro situa-se

a sul privilegiado pela sua ligação com a frente ribeirinha, sendo que se optou por deixar o passeio

marítimo livre para uma maior ligação com as actividades lúdicas e culturais. O vazio deixado a Este da

intervenção é propositado, na ideia de possíveis intervenções futuras despoletadas, quem sabe, por

esta intervenção, prevendo o efeito catalisador que deve figurar numa nova centralidade.

Figura 19 – Estudos morfológicos do novo centro. (OMA, 1996)

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Em consonância com a liberação do boulevard da frente ribeirinha, o programa misto com grande

componente comercial foi, assim, densificando a proposta em praticamente toda a área, tendo sido

rasgado um atalho sob a forma de uma grande rua diagonal que permitiria assim ligar num gesto as

diferentes zonas comerciais da intervenção.

Após esta primeira fase que se afigura mais como um plano para a área de intervenção, o projecto

urbano passou para a discussão entre os diferentes actores, arquitectos, investidores e órgãos

políticos públicos, situação já várias vezes referida como fundamental para a viabilidade deste tipo de

intervenção. Nesta fase, os actores privados detalharam as diferentes componentes da intervenção. O

programa misto é então composto por 67000 m2 de zonas comerciais, 9000 m2 dedicados a áreas de

lazer, 890 unidades habitacionais, 3300 m2 em parqueamento subterrâneo. O programa prevê ainda

uma nova biblioteca, um hotel, uma sala de espectáculos / teatro. Com vista à sustentabilidade da

intervenção os programas estão dispostos em tipologias híbridas.

Figura 20 – Planta do Projecto Urbano para o novo centro de Almere. Fases de construção e usos. (http://www.e-architect.co.uk/ , 2009)

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Não menos importante, a estrutura de suporte da intervenção refere-se ao espaço público, cuja escala

e forma é harmoniosa e humana, proporcionando uma maioria de percursos pedonais, estreitando-se e

abrindo-se em diferentes ambientes, harmonizados pela boa relação com a massa construída. A opção

pelo parqueamento subterrâneo é a nosso ver bastante boa uma vez que libera completamente o

espaço público da circulação automóvel.

Figura 21 – Diagramas de espaço construído (esquerda) e espaço público (direita). (OMA, 1996)

A mesma opção foi tomada na zona de escritórios, sendo que o acesso aos edifícios é também

pedonal, permitindo a locação dos pisos térreos a serviços comuns como salas de conferência,

agências de emprego e algum comércio.

Ainda que estejamos de acordo com a ligação do centro de negócios aos transportes públicos,

criticamos a separação programática deste com o resto do centro, o que permitiria a nosso ver uma

maior complexidade social evitando a “morte” desta zona fora do horário de trabalho. Ainda assim a

distância entre os dois centros não é tão significativa o que de certa forma viabiliza a escolha feita.

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Figura 22 – Maqueta do Projecto Urbano com as torres de escritórios em primeiro plano e o novo centro da cidade iluminado ao fundo. (OMA, 1996)

Por fim, gostaríamos de salientar a rapidez da execução deste projecto. O concurso data de 1996

sendo que a construção do primeiro edifício teve início em 1998. Em 2007 este encontrava-se

praticamente concluído e habitado estando apenas por terminar alguns dos edifícios, por exemplo o

bloco 3 (figura 18).

Figura 23 – Vista aérea da construção do novo centro de Almere. (http://www.e-architect.co.uk/ , 2009)

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Como referimos na introdução deste projecto, este é, realmete, um bom exemplo de concretização de

um projecto urbano, dotado de complexidade morfo-tipológica. A inclusão de diferentes programas e a

sua cuidada relação com o espaço público e o sistema de transportes é uma das mais fortes

características, dando à intervenção uma grande carga social. A criação de uma nova centralidade em

consonância com o tecido edificado é também uma valência deste projecto que demonstra que,

quando há vontade de todas as partes implicadas, é de facto possível fazer uma cidade dentro de uma

cidade.

Há ainda que dar uma especial atenção ao facto da estrutura definida pelo projecto urbano ter

conseguido dar coerência aos vários edifícios desenvolvidos por diferentes arquitectos, estando de

certa forma provada a eficácia da intervenção que, segundo um jornalista do e-architect.co.uk, resulta

em perfeição, denotando-se nos cidadãos que habitam este espaço uma satisfação clara num local de

encontro entre os cidadãos, onde habitação, lazer e trabalho coabitam em harmonia numa cidade

socialmente justa.

Figura 24 – Vista aérea da intervenção praticamente concluída. (http://www.e-architect.co.uk/ , 2009)

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EuraLille, França

O projecto urbano, que apresentamos aqui como exemplo, foi já referenciado no presente documento,

para ilustrar a capacidade, que algumas intervenções têm para quebrar fronteiras, num mundo

globalizado, em que as cidades competem para alcançar representatividade política e económica.

Interessa-nos aqui, explorar o processo de desenho e execução das diferentes fases, estudar o

conteúdo programático e aprofundar as transformações accionadas por este projecto, que como

sabemos tiveram uma escala internacional.

Figura 25 – Zona da intervenção, antes da execução do Projecto Urbano EuraLille. (Nouvel, 1998)

Em 1989, uma parceria público privada, denominada Euralille, concebeu um vasto programa com uma

área total de 800 000 m2. Com uma grande carga urbana este projecto consistiria então em criar – um

centro comercial, escritórios, hotéis, habitação, uma sala de concertos, um centro de congressos,

servidos de uma nova Estação de TGV, e por um parque automóvel. A área de intervenção com uma

extensão total de 120 ha, situava-se, onde outrora estiveram as muralhas da cidade. Este era então um

projecto muito ambicioso, sobretudo por se basear na ideia de que o Canal da Mancha, seria um passo

de sucesso, na ligação da Grã-Bretanha com o resto da Europa. Desta forma, a rede francesa de TGV

estender-se-ia para incluir Londres. A concretizar-se o sucesso do Canal da Mancha, Lille veria uma

oportunidade de passar do seu estatuto de dormitório, do triângulo conceptual, Londres, Bruxelas,

Paris – cuja soma das populações equivale mais de 50 milhões de habitantes – afirmando-se como um

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novo centro representativo das novas actividades urbanas. É ainda, importante perceber que Lille era

uma cidade industrial com uma elevada taxa de desemprego, sendo esta a oportunidade ideal para

contraria este factor.

Este projecto demonstrava uma intenção da reinterpretação tipológica, através de tipologias híbridas

emergentes, ao mesmo tempo que criaria uma nova centralidade de âmbito regional e global,

afirmando a cidade como o 4º vértice do futuro quadrado com Londres, Bruxelas, Paris. Lille ficava

assim, a 59 minutos de Paris, 39 minutos de Londres e 27 minutos de Bruxelas.

Figura 26 – Esquiço de Rem Koolhaas demonstrando a intenção de trabalhar grandes escalas e diferentes tipos construindo uma nova paisagem urbana. Destaca-se a marcação das estradas, pontes e viadutos como elementos marcantes dessa paisagem. (Nederlands Architectuurinstituut, 2009)

O desafio, encontrava-se também, na possibilidade de injectar, numa zona de transição entre tecido

histórico e periferia emergente, um programa de escala e simbologia, completamente distintas das

existentes, confrontando história e modernidade. Estamos por isso, dentro dos pensamentos dos

autores que temos vindo a estudar, com a criação de novas centralidades em contextos de transição

sobre tecidos consolidados.

Ainda em 1989, era então atribuído ao ateliê OMA do arquitecto Rem Koolhaas o desafio de desenhar

o Projecto Urbano para a EuraLille. A complexidade programática teria de ganhar forma num plano e

num projecto, tendo o autor consciência, do desafio e consequente responsabilidade de um projecto

deste género. No seu livro S, M, L, XL Koolhas, publicou um pensamento que teve quando o projecto

lhe foi atribuído:

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“A única razão pela qual não estávamos completamente paralisados, prendia-se com o facto de nunca

termos acreditado que este projecto fosse realmente ser realizado. Portanto a aproximação ao

exercício que nos foi imposto foi: ok, estamos chocados. Estamos surpreendidos. Vamos então estar

hiper-chocados, e hiper-supreendidos, tomando isto como pretexto […] para tornar algo que já é

complicado, e explorar esse facto a níveis de complexidade incríveis. Depois, ou o projecto não se irá

concretizar, ou seremos despedidos.”

Este era realmente, um projecto pioneiro neste tipo de intervenção, na Europa, causando perplexidade

até aos mais ousados dos arquitectos.

A proposta configurou-se então na composição diferentes elementos de grande escala: o Triangle des

Gares, a nova estação de TGV, o Espace Le Corbusier - um grande parque e uma ponte que ligam o

projecto à antiga estação ferroviária de Lille, e o Grand Palais também conhecido como Congrexpo.

Como podemos observar no esquiço de Koolhaas e também na imagem seguinte, estes elementos

revelam uma clara intenção de um trabalho tipológico, cuja escala e estrutura definem uma nova

morfologia urbana em Lille.

Figura 27 – Planta geral da intervenção. À direita o Grand Palais, em posição central o Traingle des Gares situando-se entre a antiga estação ferroviária de Lille e a nova estaçaõ de TGV. A Norte a estaçaõ de TGV com a sobreposição das torres e à esquerda o novo parque urbano, marcando uma grande zona verde na intervenção. (Nederlands Architectuurinstituut, 2009)

Cada elemento foi, numa segunda fase do projecto, desenhado por diferentes arquitectos. O Triangle

des Gares, projectado por Jean Nouvel, afirma-se na posição central da intervenção, albergando um

espaço de comércio, lazer e cultura, escritórios e habitação. A estação de TGV, concebida pelo

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arquitecto Jean-Marie Duthilleul, encontra-se debaixo de duas torres: a Tour Credit Lyonnais, edifício

atribuído ao francês Chistian de Portzamparc, e a torre do World Trade Centre de Claude Vasconi. O

parque foi desenhado por Gilles Clément, sobrando finalmente o Gran Palais atribuído aos autores do

projecto urbano, o ateliê OMA. Este último alberga um centro de congressos, exposições, e ainda a

sala de espectáculos Zenith.

Figura 28 – Vista aérea do projecto. (OMA, 1996)

A grande escala está bem patente nas torres sobre a estação do TGV, no grande edifício triangular

entre as duas estações e na enorme implantação do Congrexpo.

O projecto inclui ligações à rede de transportes públicos da cidade, assentando numa estrutura de

espaços públicos. Houve também, a preocupação de integrar as grandes vias automóveis que marcam

a zona da intervenção criando desnivelamentos privilegiando, assim, o espaço público, assumindo no

entanto, a forte presença destes elementos no local. Esta integração, como já vimos, é uma condição

importante quando actuamos em cidades, cuja presença destes elementos, marca fortemente a

paisagem urbana.

Achamos importante salientar a escolha de posicionamento do Triangle des Gares, tal como o nome

indica, entre as duas gares. Este é um passo importante para a viabilidade da complexidade

programática, concentrada num Mega-edifício, onde se sobrepõem várias tipologias. É também

interessante a marcação da paisagem pelas torres, procurando afirmar, em consonância com o

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projecto, uma certa mediatização da cidade, bem patente nas intenções de um projecto de escala

global.

Figura 29 – Vista do triângulo das gares pontuado pelas torres, com especial foco nas duas torres sobre a estação de TGV. (Nouvel, 1998)

Em Maio de 1994 foi inaugurada a nova estação de TGV, estando a primeira fase do projecto que

incorporava as duas torres, terminada no final do mesmo ano. Mais uma vez, é de salientar a rapidez

de execução do Projecto Urbano, permitida por um trabalho de fixação precisa dos elementos

tipológicos sobre uma estrutura morfológica que reflecte as intenções estratégicas do projecto.

O sistema de transportes é, de facto, a alavanca de sustentação urbana de todo o empreendimento. O

sistema, assente na intermodalidade, funciona bem, correspondendo aos pressupostos iniciais de

integração de Lille num sistema metropolitano europeu. A cidade passou assim, da estagnação ligada

a um dormitório, para assumir a sua imagem de metrópole europeia, realçando a capacidade do

projecto urbano na revitalização da imagem das metrópoles – objectivo da dissertação.

No entanto, o sucesso não foi tão grande como esperado. A viabilidade económica do projecto está

ainda por provar, até porque, das 10 torres comerciais, inicialmente previstas, apenas 3 das 4 que

restaram, foram construídas.

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Figura 30 – O Triangle des Gares: 3 torres comerciais e a grande praça de entrada no complexo comercial e cultural. (Nouvel, 1998)

O Grand Palais será o maior handicap do projecto, não apenas a nível da sua materialização

arquitectónica, o que não nos interessa aqui aprofundar, mas sobretudo pelo isolamento relativamente

ao resto da intervenção. A interligação dos diferentes programas, era um dos pressupostos projectuais,

que ficou comprometida, com o acesso ao Grand Palais ser feito apenas de automóvel. Numa fase

inicial do projecto este teria sido previsto como uma ponte de ligação que atravessava as grandes vias

automóveis, o que estaria, a nosso ver, em maior concordância com os pressupostos da intervenção.

Fica ainda a nota, de que este projecto urbano, deveria ter tido uma maior consideração com a

situação local de Lille. Queremos com isto dizer que um projecto megalómano, numa cidade com

apenas 350000 habitantes responde certamente bem à emancipação da cidade num sistema Europeu,

mas poderá estar comprometido, pela incapacidade de entender a escala local. Como já, vimos os

fluxos previstos, de importação de mão-de-obra e investimento empresarial, não terão ocorrido como

esperado, tendo estas, tomado o sentido inverso.

Tendo sido um projecto de sucesso relativo, é ainda assim um excelente exemplo de Projecto Urbano

no âmbito da nossa pesquisa. Em suma, o projecto demonstrou a capacidade, aliando-se à rede de

TGV, de quebrar todas as fronteiras, sobretudo pela injecção de um programa misto que oferece a

possibilidade, física e simbólica de criar uma nova centralidade, em mais uma cidade dentro da

cidade.

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CONCLUSÃO

1 Síntese de Conteúdos

Definimos como objectivo principal da dissertação, procurar a viabilidade do Projecto Urbano, no

desenho da arquitectura da cidade contemporânea, mais precisamente na revitalização da imagem de

estruturas metropolitanas – criando Cidades Dentro de Cidades.

Após termos feito uma aproximação às teorias que sustentam a génese do Projecto Urbano, torna-se

necessário sintetizar aqui as matérias estudadas, de forma a estabelecer, como poderá este

instrumento, contribuir para a revitalização das cidades num mundo em crescente globalização.

Verificámos, durante a primeira parte do trabalho, que em diferentes períodos da história,

nomeadamente após a revolução industrial, nos períodos pós-Guerras, e derradeiramente com a

revolução nas tecnologias de informação, os arquitectos procuraram dar respostas aos problemas

concretos do Homem e da cidade. Desta forma, observámos que os factos urbanos que constroem a

cidade, produzindo a história das mesmas, têm uma repercussão na vida do Homem, jogando com a

sua identidade, no espaço e no tempo. Ao mesmo tempo, as cidades são, tal como a arquitectura, uma

criação humana, para a Humanidade, estando penetradas pelas suas vivências, jogando portanto com

as memórias individuais e colectivas. Na história da arquitectura da cidade, está assim, uma boa parte

da história do Homem, o que em análise é um factor bastante importante no nosso estudo. Estas

afirmações revelam-nos a importância de pensarmos nas consequências dos nossos actos, enquanto

arquitectos, responsáveis pela construção das cidades, não num sentido de controlo sobre as nossas

vidas e a dos que nos rodeiam, mas de consciencialização de que cada facto urbano tem uma

consequência profunda na nossa história. Concluímos, que é então importante recuperar os

ensinamentos da cidade histórica, nomeadamente nas questões da forma e estrutura dos factos

urbanos, que segundo as análises aos tipos nos revelam a morfologia do espaço urbano.

Enunciámos que durante a segunda metade do século XX, procurava-se entender as novas realidades

espaciais das cidades. Essas realidades, profundamente influenciadas pela sua expansão galopante,

impulsionada pela Revolução Industrial, acentuar-se-iam com a afirmação do automóvel e a

capacidade de se atingir maiores distâncias em curtos espaços de tempo. Durante a segunda parte do

trabalho, percebemos então as consequências perversas da sobrelotação das cidades pelo automóvel

privado e sobrevalorização deste, no espaço público citadino. Estabelecemos também, a

insustentabilidade de uma expansão territorial reforçada pelo automóvel. Concluímos então que se

torna imperativo repensar, e revitalizar o espaço público, como estrutura essencial da cidadania e da

imagem da cidade. Por outro lado o automóvel deve ser relegado para segundo plano, e serem

estudadas estratégias de transportes colectivos, que tal como vimos na terceira parte da dissertação,

são bases fundamentais do projecto urbano. Estes pensamentos estão bastante patentes nas

estratégias urbanas da Holanda e que revelam resultados positivos nas cidades deste país.

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Ainda relativamente à densificação das cidades no princípio do século, recordamos que o Movimento

Moderno procurou uma melhoria na vida do Homem, essencialmente no que dizia respeito às suas

condições de habitabilidade e higiene, que se haviam deteriorado com a industrialização. Ainda assim,

reconhecendo a importância destas ideias, verificou-se, já com as críticas a este movimento, que o

resultado da reflexão e aplicação das teorias funcionalistas, viria a estar aquém do seu vanguardismo.

Deste pensamento, retemos que as divisões funcionais do espaço urbano, levadas ao extremo por más

interpretações técnicas, viriam provocar um zonamento do tecido urbano, que não correspondia às

necessidades do Homem na sua vida citadina. O zonamento é algo que procurámos criticar,

concluíndo que este não corresponde às necessidades de uma mistura social, sustentada por uma

mistura das actividades, e que são fundamentais, como vimos durante a segunda parte, para a vida da

cidade. Esta é também uma característica fundamental do Projecto Urbano; a previsão de uma mistura

funcional, implica uma reflexão sobre as novas tipologias, o que influencia, como documentamos com o

estudo de Almere e Lille, a morfologia do espaço construído. O zonamento, surge no nosso estudo,

também associado aos planos para as áreas metropolitanas. Durante a primeira parte do trabalho

estas observações levam-nos a reforçar a ideia de que é necessário estabelecer uma via de projecto –

através do Projecto Urbano – para responder à complexidade do espaço construído.

Houve também, no Movimento Moderno, uma intenção declarada de romper com a cidade histórica,

ficando assim esquecidos, os ensinamentos que poderiam ser retirados de análises cuidadas e

objectivas sobre os centros históricos, recuperadas por autores como Rossi, nas suas análises morfo-

tipológicas, as quais exploramos na primeira parte do trabalho.

O recurso às reflexões em torno do tipo e da forma, permitiram em primeiro lugar observar a relação

dos factos urbanos com a forma da cidade, e em segundo lugar, estabelecer bases para a afirmação

da arquitectura no desenho da mesma – como bases teóricas do Projecto Urbano. Retiramos que a

cidade, como soma de várias partes, tem de ser estudada de uma forma metodológica, fazendo um

levantamento da estrutura primária, recorrendo aos tipos cuja própria estrutura define a forma

tridimensional da cidade, através das tipologias construídas e dos elementos típicos do espaço público.

Acreditamos agora, ter sido este, o caminho certo para a compreensão das estruturas a que nos

referimos, uma vez que através das questões da estrutura e forma dos tipos, podemos entender de

que maneiras se podem estes relacionar com a estrutura e forma da cidade. (Rossi, 1982)

Concluímos que a cidade, como conjunto de factos urbanos, pode assim, ser problematizada nas suas

composições típicas, identificando a relação destes elementos com a construção da cidade e da vida

do Homem. Ao mesmo tempo ficaria provado que o tipo não tem tempo, ao sintetizar estrutura e forma,

dissociada de estilos e formalismos, associando-se à componente temporal das transformações

urbanas. O tipo como elemento analítico de uma composição permite também o levantamento das

estruturas primárias, das quais destacamos o papel de rigidez destas estruturas, verificado no

parcelamento, o qual influencia de forma explícita a morfologia da cidade. A rua, a praça e a sua

relação com os elementos construídos, seriam igualmente introduzidas como elementos fundamentais

da morfologia urbana dentro do âmbito das análises morfo-tipológicas, representando neste trabalho,

recuperações importantes para a nossa pesquisa.

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Concluímos então, que o tipo poderia ser um elemento de actuação na cidade, ao afirmar-se como

primeiro momento arquitectónico, com capacidade de definição da forma da mesma. Não apenas nas

suas componentes físicas, mas também representativas e simbólicas, o tipo afirma a sua capacidade

de ligação aos valores da memória e da identificação do Homem com o meio citadino. Assim, fomos

capazes de compreender a génese do Projecto Urbano, e afirmar a sua viabilidade, uma vez que este

se situa a montante dos objectos arquitectónicos, e deverá assim estabelecer estrutura, forma e os

elementos tipológicos que a definem. Numa realidade distinta – as metrópoles da era da Informação –

àquela em que apareceram as análises morfo-tipológicas entre os anos 50 e 80 do século passado, o

tipo sustenta assim, uma redução da cidade à arquitectura, a revelar-se como elemento fundamental

do Projecto Urbano.

A recuperação das componentes tipológicas do espaço público revelou-se, como mencionado, um

ponto fundamental, na viabilização da nossa pesquisa. Como ilustrámos, num primeiro momento com

“a crise da cidadania e do espaço público” e posteriormente nos exemplos apresentados na última

parte do trabalho, o espaço público manifesta-se como um elemento essencial e indispensável do

Projecto Urbano. As cidades que descoraram este aspecto são hoje lugares empobrecidos pelo

individualismo e alienação dos seus habitantes. As praças, as ruas, etc. desempenham funções

estruturais de coesão, criando tensões com os elementos construídos; ao mesmo tempo são também

espaços sociais, de encontro das populações e animação cultural, características inerentes aos centros

urbanos e à vida citadina, que queremos aqui valorizar.

A caracterização das metrópoles, durante a segunda parte do trabalho, não tencionava descrever

minuciosamente todas as dinâmicas inerentes à complexidade política e económica das cidades

contemporâneas. Dando especial destaque à condição de afirmação política das cidades, e que se

reflecte na produção arquitectónica das mesmas, concluímos que a escala do projecto urbano,

ilustrada nos exemplos apresentados, permite a criação de novas centralidades, reforçando uma

actuação num espaço metropolitano e supra metropolitano. Voltamos a afirmar, que as cidades

desempenham um papel cada vez maior na vida mediática, manifestado na representatividade de um

projecto a grande escala. No projecto EuraLille o trabalho de Rem Koolhaas, dos elementos tipológicos

de escala gigante, da afirmação das torres, é um exemplo que reforça a ideia aqui exposta, ao mesmo

tempo que aponta para o nosso estudo.

Salientámos ainda, alguns dos aspectos que nos parecem importantes, para a justificação do desenho

da cidade por vias do Projecto Urbano, que não estão apenas relacionadas com a afirmação de uma

imagem mediatizada de força e poder económico e político das cidades, num mundo globalizado.

Torna-se portanto, importante entender as dinâmicas populacionais e a mistura étnica que abunda nas

metrópoles, o que nos permite afirmar que é imperativo, atendendo às necessidades colectivas, mas

também individuais de cada um, incluir essas dinâmicas no pensamento do Projecto Urbano.

Queremos com isto dizer, que a percepção e interpretação do espaço urbano, tem de responder à

multiculturalidade inerente a uma metrópole. Por outro lado, o ritmo de vida quotidiano – habitat e

trabalho – muda de dia para dia com a crescente globalização. Defendemos, por isso, que a inclusão

destes factores no Projecto Urbano é condição fundamental, para que este seja eficaz na transmissão

de mensagens, e permita um intercâmbio de culturas e ideias necessário à sustentabilidade das

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cidades. Destacamos ainda aqui, relacionadas ao ritmo de vida dos cidadãos as questões de

mobilidade e densificação dos centros nos nós dos interfaces transportes que sustentam a criação de

estruturas metropolitanas policêntricas. Este foi um aspecto recorrente nos nossos exemplos,

demonstrando que a inclusão das questões da mobilidade, é uma estratégia fundamental para a

viabilidade do Projecto Urbano.

Ainda no campo da mediatização e da relação com a identidade dos cidadãos, concluímos que o

trabalho dos tipos revela também uma função importante que está para lá das questões físicas e

estruturais. Aqui mais uma vez se destacam as funções do tipo, ao estar relacionado com os

elementos reconhecíveis do espaço urbano, e portanto, reconhecíveis pelos seres que habitam as

cidades, independentemente da sua cultura ou religião. A imagem da cidade é hoje um campo de

informação, que permite aos indivíduos o reconhecimento da sua própria vida nos edifícios que os

rodeiam. Neste campo destacamos igualmente, a importância de mistura de funções, que permite em

última instância uma reinterpretação das tipologias, alterando significativamente a imagem da cidade

para o exterior e sobretudo para os que nela habitam. Ao mesmo tempo estas funções reflectem as

necessidades actuais do Homem informado.

Os pontos aqui discutidos revelam também a importância da criação de novas centralidades. Temos de

ter consciência que em estruturas metropolitanas como Londres ou Lisboa não se pode exigir o

reconhecimento de uma centralidade única na cidade e no seu centro histórico, sob pena da perda de

uma coesão, bem como da própria capacidade da cidade para se afirmar como a referência de uma

área que vai muito para além dos seus limites políticos. Em casos extremos como o de Lille, essa

necessidade de criar uma identidade forte na cidade foi mesmo para além dos limites territoriais do

país.

Embora tenhamos fundamentado o nosso estudo no tema das cidades dentro de cidades, salientamos

a importância de inclusão das pré-existências. Sejam estas construídas ou naturais, não é sustentável

exercer uma posição de ruptura com as permanências, reforçando que a cidade não é apenas uma

construção no espaço mas sim no tempo. Isto mesmo está bem patente no pensamento de Rossi que

voltamos a sublinhar: “A forma da cidade é sempre a forma de um tempo da cidade; e há muitos

tempos na forma da cidade.” (Rossi, 1982)

Por fim, afirmando que o Projecto Urbano deve fazer parte de um projecto de cidade, salientamos, no

início da terceira parte, a importância dos planos estratégicos. Estes são também, bases

programáticas, que não definem a cidade bidimensionalmente como os Planos das Áreas

Metropolitanas, indicando ao invés, as directrizes sobre as quais devemos guiar o Projecto Urbano,

definindo conceitos e analisando as intenções políticas, económicas e sociais. Desta forma a

viabilidade do Projecto Urbano é completada por alicerces políticos, ideológicos e estratégicos,

permitindo um trabalho tridimensional de definição de estruturas primárias de assentamento das

tipologias definidas no projecto, que respondem a problemas concretos e fazem parte de uma Bigger

Picture.

Como processo, o Projecto Urbano afirma ainda a sua capacidade de ser executado num curto espaço

de tempo, por diferentes actores e autores, como vimos no projecto do novo centro de Almere.

Concluímos que as tipologias, enquanto estruturas formais do cheio e do vazio, dos edifícios e do

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espaço público, permitem um reconhecimento de uma forma de cidade que não estará comprometida,

mas sim reforçada, aquando da execução singular de cada objecto singular. A carga dramática das

realizações formalistas que estes impõem fica reforçada, desta forma, numa morfologia que as define,

a montante, aumentado a capacidade de afirmação das centralidades, numa paisagem urbana

revitalizada por Cidades Dentro de Cidades.

2 Notas Conclusivas

Cidades Dentro de Cidades, é um estudo que afirma a capacidade do Projecto Urbano, de transformar

as estruturas metropolitanas policêntricas numa ideia de compactação da cidade. A compactação e

densificação que propomos à metrópole não se enquadram na ideia simplista da construção de

grandes torres, nem de contenção física da expansão natural das cidades, como Green Belt em

Londres.

Afirmamos que a revitalização da imagem da cidade contemporânea, como tão bem nos mostra a

Cidade de Barcelona, é antes de mais, sujeito de intervenções localizadas através do Projecto Urbano.

Acreditamos ter ficado provada a ideia, de que este é um instrumento cuja independência, sustentada

por características próprias de actuação e definição da morfologia do espaço construído, permite uma

actuação flexível e atenta às incertezas da evolução das cidades, no campo físico-temporal. Assim, a

criação de novos centros urbanos permitirá a compactação e densificação das cidades, aproximando

as comunidades, para que nada seja considerado subúrbio e tudo passe a ser cidade.

O carácter simbólico destas intervenções ficou também aqui bem reforçado. Numa primeira instância

pela capacidade de transformação da paisagem urbana, como projecto tridimensional que respeita as

pré-existências e que permite num futuro, afirmar-se como pré-existência de uma nova arquitectura da

cidade. Numa segunda análise o Projecto Urbano está também dotado de razões de ordem funcional,

que integram as actividades diárias do Homem contemporâneo: viver, trabalhar, cultivar o bem-estar, a

cultura, divertir-se e conviver, deverão coexistir em razões de proximidade que se sustentem numa

rede de transportes colectivos e fomentem as relações inter-pessoais. Como consequência, o

automóvel, e o símbolo de individualismo que este representa, serão progressivamente substituídos

por outras formas de mobilidade, em consonância com a valorização do espaço público.

A arquitectura da cidade volta assim a ser protagonista, como monumento, como obra de arte, como

palco de uma vida comunitária e de um horizonte partilhado.

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3 Limitações do Trabalho e Estudos Futuros

Focámos o nosso estudo na compreensão da viabilidade do Projecto Urbano, como instrumento capaz

de revitalizar a imagem da cidade contemporânea. No entanto, uma das limitações do trabalho, bem

patente nos exemplos escolhidos, foi a sua redução às intervenções de grande escala. No decorrer do

nosso estudo, tomámos consciência de que não será sempre necessário, muito menos possível, de

intervir nos tecidos consolidados com intervenções megalómanas como as estudadas. Terão sido

mesmo, muitos mais os exemplos que encontrámos que não foram concretizados, do que aqueles que

tiveram um final merecido. Ainda relacionado com este assunto, consideramos que as bases teóricas

que possuímos, sobretudo da primeira parte da dissertação, definem o Projecto Urbano de uma forma

coerente e estruturada. Ao mesmo tempo, estas anunciam intervenções a outra escala, e que

poderiam ser estudadas na continuidade deste trabalho. Acreditamos que estas podem igualmente, ser

capazes da afirmação de novas centralidades e consequente revitalização da imagem das metrópoles.

Ainda assim, ao explorarmos uma caracterização de áreas metropolitanas e supra-metropolitanas, na

sua complexidade dinâmica, os nossos exemplos encontram uma maior compreensão destes factores

do que intervenções mais concentradas.

Precisamente as dinâmicas de que falámos poderiam, ganhar um maior entendimento da sua relação

directa com o Projecto Urbano, num caso de estudo. Por um lado, teríamos estudado um contexto

específico, as questões do parcelamento, que não estarão muito evidentes nos exemplos

apresentados. Também as respostas do Projecto Urbano, à multiculturalidade relacionada com as

questões da identidade e memória, poderiam ter tido mais desenvolvimento teórico-prático num caso

de estudo. Quanto às questões das tipologias, consideramos que estão bem explicadas e ilustradas

nos exemplos escolhidos. Por outro lado, um caso de estudo e a utilização de inquéritos ter-nos-ia

aproximado de uma relação mais directa das características simbólicas, relativas ao tipo.

Contudo, acreditamos que tudo isto não invalida a coerência e consistência do nosso estudo.

Apontamos apenas, que um maior leque de exemplos, que deverão ir até à escala do edifício, cuja

influência poderá estar dotada de grande carga urbana, é também sujeito de análise na revitalização

da cidade contemporânea, podendo eventualmente ganhar nas bases morfo-tipológicas, e na relação

com os novos marcos da paisagem, uma denominação de Projecto Urbano.

Concluímos que o tema aqui estudo pode figurar numa dissertação de pós-graduação ou

doutoramento, uma vez que a sua complexidade, merece sem dúvida estudos mais aprofundados de

algumas das questões enunciadas. Recuperando as mesmas bases teóricas, aprofundando algumas

das temáticas abordadas, levará a um estudo mais completo, respondendo com maior eficácia ao

desafio proposto.

Como nota final, voltamos a salientar a importância deste estudo pela sua actualidade. Mais do que

nunca, o Homem depende do meio citadino. Nós, arquitectos, não o podemos controlar na totalidade,

nem devemos ter essa ambição, no entanto, tudo devemos fazer, para reflectir sobre a Humanidade,

para a qual construímos. Só assim seremos capazes de cumprir a missão que nos propusemos ao

aceitar os desafios da nossa profissão, que constrói, do Homem para o Homem.

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ANEXOS

Anexos aos exemplos do Projecto Urbano

Almada Nascente – “Cidade da Água”, Portugal

Figura 31 – Localização dos espaços públicos. Câmara Municipal de Almada

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Figura 32 – Planta e corte geral da intervenção. Definição de zonas, tipologias e núcleos de concentração. Camâra Municipal de Almada

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Renovação Urbana em Almere, Holanda

Figura 33 – Maquete do novo centro urbano. El croquis (OMA, 1996)

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EuraLille, França

Figura 34 – Maquete da primeira proposta: a grande escala. OMA (Nederlands Architectuurinstituut)

Figura 35 – Esquiço de Koolhaas evidenciando a relação entre os diferentes elementos. (Nederlands Architectuurinstituut)