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226 Jornada do Percurso de Escola XI (II) agosto. 2013

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Jornada do Percurso de Escola XI (II)

agosto. 2013

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Gestão 2013-2014

Presidência Marta Pedó1ª Vice-Presidência Liz Nunes Ramos2ª Vice-Presidência Eduardo Ely Mendes Ribeiro1ª Secretaria Gerson Smiech Pinho 2ª Secretaria Fernanda Breda Maria Elisabeth Tubino 1ª Tesouraria Marcia Helena de Menezes Ribeiro 2ª Tesouraria Ieda Prates da Silva

Mesa DiretivaAlfredo Néstor JerusalinskyAna Laura GiongoAna Maria Medeiros da CostaBeatriz Kauri dos ReisDeborah Nagel PinhoEduardo Ely Mendes RibeiroFernanda BredaGerson Smiech PinhoLúcia Alves MeesLucia Serrano PereiraMarcia Helena de Menezes RibeiroMaria Ângela BulhõesMaria Ângela Cardaci BrasilNorton Cezar dal Follo da Rosa JúniorRenata Maria Conte de AlmeidaRobson de Freitas PereiraSidnei Artur GoldbergSilvia Raimundi FerreiraSimone Goulart KasperSimone Madke BrennerTatiane Reis Vianna

Correio da APPOA / Associação Psicanalítica de Porto Alegre. – Ano. 1, n. 1 (1993). – Porto Alegre, APPOA, 1993 –

Mensal ISSN 1983-5337 1. Psicanálise 2. Periódicos. I. Associação Psicanalítica de Porto Alegre – APPOA.

CDU 159.9(05)

Bibliotecária Responsável: Luciane Alves Santini CRB10/1837

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editorial.

Em tempos de mobilização política intensa na cidade e no país, rece-

bemos as notícias com a satisfação de perceber os jovens, e nós mesmos,

não tão entorpecidos pelo mundo virtual, mas, ao contrário, dispostos a

sair na chuva e no frio para caminhar e se fazer ouvir. Apesar de terem-se

iniciado como um protesto sobre os 20 centavos do transporte público, as

manifestações se expandiram a reverberar insatisfações variadas.

Dentre os efeitos dos movimentos, a dita “cura gay” foi retirada, e o

Ato Medico não foi acatado pela Presidenta. Este ainda deverá ser revisado,

e o esforço pela sua não promulgação segue, para cada um de nós.

Neste Correio, seguimos a publicação dos escritos dos jovens autores

no encerramento do Percurso.

O Final do Percurso de Escola da APPOA é brindado com uma Jornada

de trabalhos, em que cada um dos autores compartilha conosco um recorte

de sua elaboração da trajetória.

Em maio deste ano, a Turma XI responsabilizou-se pelo trabalho

de construir essa jornada, que se desdobrou em um dia mais uma noite,

quando pudemos assistir e usufruir de sentar na platéia, escutar e debater.

O trabalho da associação, em sua responsabilidade com o ensino e a

transmissão, dando lugar aos tempos de estudo em seminários, de trabalho

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editorial.

em cartéis, bem como do acompanhamento da escrita de cada um, inclui

ainda o de publicar os textos produzidos a partir do Percurso.

A sessão temática deste Correio traz, assim, mais uma oportunidade

de compartilhar os efeitos desse tempo de trabalho conjunto. Conforme

lemos, nas palavras dos autores: “Ao nos aproximar do campo psicanalítico,

não somos mais os mesmos. Nos projetamos no que lemos, nos compomos no que

lemos, e o que lemos, então, nos inclui.”

Boa leitura!

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notícias.

III Jornada do Instituto APPOA Psicanálise e Intervenções Sociais

Desamparo e Vulnerabilidades

23 e 24 de agosto de 2013

Hotel Continental – Porto Alegre

Largo Vespasiano Julio Veppo, 77,

Centro, Porto Alegre, RS

O desamparo é uma experiência

fundamental da condição humana e é em

torno dela que se constitui a posição do

sujeito no laço social. Freud faz do estado

de desamparo (hilflosigkeit) um conceito

de referência em sua obra, enfatizando-o

como o protótipo das situações traumáti-

cas, geradoras de angústia no adulto, pois o confronta, no tempo presente,

com a impotência de seu estado de desamparo infantil originário. Segundo

Imagem: Nem tudo são fl ores, de Betinha Trevisan, 1997.

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notícias.

ele, o mal-estar, a infelicidade e as situações traumáticas nos chegam de

três direções: do sofrimento de nosso próprio corpo, do mundo externo

e das insatisfações ou da violência desencadeadas pelas relações com os

outros. O sofrimento proveniente desta última talvez seja o mais penoso

de todos eles.

A cultura com que procuramos fazer frente à condição humana e seu

inevitável mal-estar nos defronta com inúmeras situações de vulnerabilida-

de em seu movimento permanente de conflito entre civilização e barbárie.

Em todas estas situações, o sujeito está diretamente implicado. Quando

somos atingidos, o catastrófico se articula com o desamparo estrutural e

somos confrontados com o trauma do real irrepresentável.

O desamparo e as diferentes vulnerabilidades colocam um desafio

para a clínica da psicanálise em extensão. Propomos com esta III Jornada

do Instituto APPOA abrirmos o debate sobre nossas intervenções fundadas

no desejo do analista e na ética da Psicanálise.

PROGRAMA

Sexta-feira, 23/08/2013

17:30 – Inscrições

18:00 – Abertura – Jaime Alberto Betts (APPOA, Diretor do Instituto

APPOA)

Lançamento da Revista da APPOA nº 41-42 – Psicanálise: invenção

e intervenção

18:30 – Conferência – O desejo do analista face ao desamparo con-

temporâneo – Caterina Koltai (psicanalista, PUCSP)

20:00 – Mesa 1 – Passagens: Sujeito e Cultura – Catástrofe e Repre-

sentação

• A colaboração da psicanálise na construção do acolhimento às vítimas

do incêndio na Boate Kiss – Volnei Antonio Dassoler (APPOA, Instituto

APPOA, Secretaria Municipal de Saúde de Santa Maria)

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Jornada do Percurso de Escola XI (II).

• É possível falar sobre esta tragédia? – Luciana Portella Kohlrausch

(APPOA, Instituto APPOA) Imagens apesar da catástrofe – Robson de

Freitas Pereira (APPOA, Instituto APPOA)

Coordenação: Norton Dal Follo da Rosa Jr. (APPOA, Instituto APPOA)

Sábado, 24/08/2013

9:30 – Mesa 2 - Psicanálise e Educação: O que pode a psicanálise no

campo da educação?

Educação impossível? Gerson Pinho (APPOA, Instituto APPOA, Centro

Lydia Coriat) e Larissa Scherer (APPOA, Instituto APPOA)

Crise do vínculo educativo – Roseli Cabistani (APPOA, Instituto

APPOA, UFRGS) e Cristina Pinto Gomes Mairesse (Psicóloga, UNIFIN)

Coordenação: Sonia Ogiba (APPOA, Instituto APPOA)

11:00 – Intervalo

11:15 – Mesa 3 - Psicanálise, Políticas Públicas e Saúde Mental

• A clínica e as práticas de cuidado na rede de atenção à infância e

adolescência – Ieda Prates (APPOA, Instituto APPOA, supervisora de

CAPSi) e Tatiane Reis Vianna (APPOA, Instituto APPOA, CIAPS/HPSP)

• Brincando de tráfico? Notas sobre o proibicionismo e a internação

compulsória – Sandra Djambolakdjian Torossian (APPOA, Instituto

APPOA, UFRGS)

• A Casa dos Cata-Ventos: uma aposta na dimensão política do brin-

car – Anderson Beltrame Pedroso (Casa dos Cata-Ventos, consultor

UNESCO/PIM)

Coordenação: Renata M. C. de Almeida (APPOA, Instituto APPOA,

Casa dos Cata-Ventos)

12:45 – Almoço

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notícias.

14:30 – Mesa 4 - O Desejo do Analista nas Práticas Institucionais

• Apoio matricial, uma clínica em extensão – Elaine Rosner Silveira

(Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre)

• “Secretários do alienado”? A psicose e a instituição psicanalítica –

Siloé Rey (APPOA, Instituto APPOA, ULBRA) e Liz Nunes Ramos

(APPOA, Instituto APPOA)

Coordenação: Marcia Helena de Menezes Ribeiro (APPOA, Instituto

APPOA)

16:00 – Mesa 5 - Imigrantes, Exilados e Refugiados

• Do exílio ao asilo: escutas clínicas – Barbara Conte, Alexei Indursky,

Daniela Feijó e Liege Didonet (Sigmund Freud Associação Psicanalítica)

• Os tempos do luto – Ana Maria Medeiros da Costa (APPOA, Instituto

APPOA, UERJ)

Coordenação: Otávio Winck Nunes (APPOA, Instituto APPOA)

17:30 – Intervalo

17:45 – Conferência: O desamparo da saúde mental infanto-juvenil –

Nilson Sibemberg (APPOA, Instituto APPOA, Centro Lydia Coriat, CAPS-

CAIS Mental Centro – Porto Alegre)

Coordenação: Lucia Serrano Pereira (APPOA, Instituto APPOA)

19:15 – Encerramento

Valores para inscrição:

Antecipadas até 17/08 Após e no evento

Associados R$ 70,00 R$ 90,00

Estudantes de Graduação

ou recém formado* R$ 80,00 R$ 100,00

Profissionais R$ 90,00 R$ 110,00

* Estudantes de GRADUAÇÃO e recém formados até 2 anos devem enviar com-provante por e-mail ou fax.

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Jornada do Percurso de Escola XI (II).

Informações e inscrições:

• Na sede da APPOA.

• Horário de funcionamento da Secretaria da APPOA: De segunda a

quinta-feira, das 8h30 às 12h e das 12h às 21h30 e sextas-feiras das

8h30 às 12h e das 12h às 20h.

• Inscrições pelo site www.appoa.com.br. Após efetuar o pagamento da

sua inscrição pelo site, enviar por fax ou por e-mail o comprovante

de pagamento devidamente preenchido.

• Inscrições mediante depósito bancário, para Banco Itaú, agência

0604, conta-corrente: 32910-2 ou Banco Banrisul, agência 0032,

conta-corrente 06.039893.0-4. Neste caso, enviar, por fax ou e-mail, o

comprovante de pagamento devidamente preenchido, para a inscrição

ser efetivada.

• Estudantes de GRADUAÇÃO e recém formados até 2 anos devem

enviar comprovante por e-mail ou fax.

• Inscrições para grupos, informe-se na Secretaria da APPOA.

• As vagas são limitadas.

ATIVIDADES PREPARATÓRIAS À III JORNADA DO INSTITUTO SÃO

DIVULGADAS POR E-MAIL E NAS LINHAS DE TRABALHO DISPONÍVEIS

NO SITE www.appoa.com.br/instituto_appoa

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temática.

(Des)enlaces – O que convoca à escrita?

Carmela de Lima Tubino1

testemunha não seria somente aquele que viu com os próprios olhos.

(...) testemunha também seria aquele que não vai embora, que con-

segue ouvir a narração insuportável do outro e que aceita que suas

palavras levem adiante, como num revezamento, a história do outro:

não por culpabilidade ou por compaixão, mas porque somente a

transmissão simbólica, assumida apesar e por causa do sofrimento

indizível, somente essa retomada reflexiva do passado pode nos

ajudar a não repeti-lo infinitamente, mas a ousar esboçar uma outra

história, a inventar o presente” (Gagnebin, J. M., 2009, p. 57).

O convite para construir uma produção escrita que traga um recorte

da experiência que se inscreveu ao longo desse “Percurso”, inicialmente,

provocou inquietação e uma pergunta: “que experiência convoca uma

escrita?”. Para conseguir lançar-me em alguma primeira palavra, fez-se

1 Psicóloga, especialista em Atendimento Clínico com ênfase em Psicanálise.

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temática.

necessário lembrar onde se iniciou meu trabalho clínico. Recuperar ex-

periências construídas em uma prática de escuta em um serviço de inter-

nação psiquiátrica teve, como efeito, a emergência de interrogantes que

sustentam e colocam em movimento minha escuta para além dos muros

do hospital. Nessa travessia de lugares algo acompanhou meu trabalho.

Meu fazer clínico manteve como inspiração a escuta de pacientes que se

encontram em um tempo de urgência na psicose. O desejo, rascunhado

nesse breve escrito parece ser revisitar – desde um outro lugar – os enig-

mas da clínica da psicose. Em Gagnebin (2009) encontro alguma pista

no seguinte trecho:

Tal rememoração implica uma certa ascese da atividade historiadora

que, em vez de repetir aquilo de que se lembra, abre-se aos brancos,

aos buracos, ao esquecido e ao recalcado, para dizer, com hesitações,

solavancos, incompletude, aquilo que ainda não teve direito nem à

lembrança nem às palavras(...) (p. 55).

Inspirada pelas palavras da autora, tomo emprest ado o estilo do “nar-

rador sucateiro”, que ao realizar seu trabalho não possui como alvo os

grandes feitos, mas apanha tudo aquilo que é deixado de lado como algo

que não tem significação, aquilo que parece não ter nem importância ou

sentido. O que interessa ao sucateiro é o que sobra. Uma direção para esse

escrito aqui encontro: um possível fio que se inscreve a partir das sobras,

daquilo que fica sem nome na clínica.

Retomo, então, a pergunta de um paciente durante uma oficina de

escrita realizada no hospital: “O que se faz com palavras?”. As palavras em

sua fala parecem convocá-lo a um fazer-com, um fazer que se faz enigma.

As palavras adquirem um estatuto de algo com o qual se manuseia. Assim,

gostaria de pensar a escuta da psicose como uma clínica que convida a

um fazer-com as palavras. Um fazer-com o material possível que decanta

do sujeito. E nesse artesanato de si, acompanhar o sujeito a compor, tecer

anteparo ao gozo absoluto do Outro. Anteparo que, na psicose, não foi

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Jornada do Percurso de Escola XI (II).

produzido como efeito da organização simbólica decorrente da experiên-

cia da castração. A tela da fantasia, como assinala Guerra (2010), não se

coloca na psicose, pois não há inscrição da falta. Dessa forma, o mal-estar

da ausência de sentido da existência, como delicadamente diz a autora,

não encontra véu na fantasia.

Assim, o sujeito situado na psicose está diante do real da castração.

Para a autora, a não incidência da castração é responsável pela consistência

do objeto a que se manifesta nos olhares e nas vozes. Quinet (2011), ao

traçar uma diferença entre fala e voz, situa a fala no terreno do endereça-

mento ao Outro. Há, portanto, uma demanda que coloca em circulação

uma fala que irá articular os significantes na produção de uma significa-

ção. A voz é apresentada, na elaboração do autor, como aquilo que resta

do significante que não produz efeito de significação. É o equivalente ao

real do significante. Isso do significante que não pôde ser dito, que toma

corpo e toma o corpo do sujeito.

O psicótico, dessa maneira, permanece identificado à posição de ob-

jeto do gozo do Outro, numa entrega absoluta e sem intervalo. Lembro da

fala do paciente que inspira essa escrita. Ele em um momento de muita

angústia me relata ter pesquisado como extrair cirurgicamente de sua nuca

o chip que havia sido implantado para monitorar seus pensamentos. Para

ele, tratava-se de extrair no real do corpo esse elemento capaz de inaugurar

um furo no Outro, sempre onisciente e onipresente em sua vida. Uma per-

gunta, então, se presentifica: como fazer passar do real do corpo para uma

experiência articulada às palavras? Algo da história que resta do sujeito,

nesses momentos de crise na psicose, precisa ser encontrado, recolhido

no espaço da transferência, tal como faz o sucateiro que apanha “tudo

aquilo que é deixado de lado como algo que não tem significação, algo que

parece não ter nenhuma importância nem sentido (...)” (Gagnebin, 2009,

p. 54). Resto que, através da escuta, se converte em palavra possível de

endereçamento, construindo assim uma fala articulada a uma demanda,

uma narrativa.

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temática.

“Quando o corpo fica fraco...”

Assim J. – paciente que começo a escutar em sua primeira internação

– iniciava sua fala sobre a iminência de um novo tempo de crise. Estava

no Brasil para realizar mestrado em matemática. Na internação, começa

a falar sobre seu tema de pesquisa: o “espalhamento acústico”. J. procu-

rava entender como seus pensamentos se espalhavam. E, para explicar

a dispersão de suas ideias falava da certeza de ter um chip implantado

em sua nuca. Sentia-se estranho nessa cidade com pessoas tão diferentes

dele e de seu povo. Tudo nele produzia um estranhamento aos olhos do

outro. Olhares que foram se fazendo muito ameaçadores e hostis para ele.

O chip, contudo, ao longo dos atendimentos, pôde assumir uma outra

posição. J. começa a falar do chip como uma hipótese para compreender

os efeitos de sua vinda e sua chegada em Porto Alegre. Algo que constru-

ímos a partir dos relatos dos sonhos e de suas explicações sobre a tese do

“espalhamento acústico”, que, para mim, leiga no campo da matemática,

não passavam de hipóteses.

J. pedia uma “técnica” para lidar com a angústia, parecia querer saber

como barrar, cegar, emudecer esse Outro que estava a vigiá-lo. Nas crises,

se entregava inteiro, dizia que falaria tudo, contaria todos os seus segredos

se isso o curasse. O “dizer tudo” se fazia um imperativo. O trabalho, nes-

ses momentos, parecia ter como direção parcializar o que é possível falar

e escutar. Limite que atravessava a nós dois. Em uma das crises, me diz:

“toma tudo, todo meu dinheiro, tudo que é meu”. J. nesse dia fica devendo

a sessão, pois eu não poderia aceitar o “tudo dele”.

J. nos momentos de crise falava da vontade de abandonar tudo, de

voltar para seu quarto em seu país, de voltar para junto de seus pais. O

retorno para casa era associado ao fracasso primeiramente, para com o

tempo se fazer uma possibilidade que poderia acompanhá-lo sempre.

Permanecer em Porto Alegre poderia ser uma escolha e voltar para casa

também. A cidade natal assume em sua narrativa uma outra posição: um

lugar onde poderia ser apenas “mais um” e não o estrangeiro.

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Jornada do Percurso de Escola XI (II).

J., a partir disso, fala da saudade de sentir-se apenas “mais um”. Aqui

é o estrangeiro, o estranho. Na medida em que sua fala podia continuar,

inicia um movimento na direção de apresentar ao outro sua cultura. Algo

do estrangeiro que se fazia estranho e ameaçador tornou-se menos perse-

cutório, mais habitável, mais compartilhado. J. passa a experimentar-se em

outros espaços da cidade, descobre lugares onde pode dançar o merengue

e a salsa. A música de seu país e a língua materna começam a encontrar

eco no outro. Filho de donos de restaurante começa a preparar e a oferecer

pratos que trazem o gosto de sua terra.

Assim, no atendimento a pacientes em urgência, escuta-se sujeitos

estrangeiros do próprio corpo e da própria fala. Ao longo de meu trabalho

percebo que a escuta faz função ao acompanhar o sujeito por sua incur-

são no discurso, podendo se possível e suportável apontar elementos que

possam oferecer ao sujeito um instante de encontro com sua história. A

transferência, nessa linha associativa, assume a direção de um trabalho

possível com a psicose, principalmente em seus momentos de ruptura.

Uma pergunta, a partir disso, me acompanha: o que (ir)rompe em um

episódio de crise na psicose?

A crise psicótica, como retoma Ramalho (2007), acontece quando

alguém em algum momento da vida – momento esse caracterizado por

uma injunção imperiosa – vive a situação como sendo além de suas pos-

sibilidades psíquicas. Diante da situação, para conseguir lidar com ela, o

sujeito sente a necessidade de se referir ao saber paterno (ao significante

Nome-do-Pai) e, como não o tem simbolizado, o mundo, o saber que até

então o sustentava, desmorona. Depois da crise, quando tudo aquilo que

era insuportavelmente intenso já passou, resta, por vezes, um vazio sem

sentido. Na urgência, há algo que se desmonta no nível da palavra e o que

emerge aí é a angústia, um não nomeável, indizível que paralisa. Nem

sempre a palavra, o discurso tem efeito.

Por vezes, parece que minha função é apenas estar ali, fazendo-me

presente via olhar, voz, ritmo, como presença de um corpo outro que parece

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temática.

se fazer necessário para sustentar algo da existência de alguns pacientes.

Fernández (2004, p. 39), “(...) a intervenção na urgência faz com que o

analista tenha que olhar mais que escutar, dizer mais do que interpretar

e, sobretudo, estar e oferecer sua presença para reunir os pedaços partidos

dessa existência que está ameaçada”.

A prática com as urgências subjetivas, em minhas elaborações, é

um fazer que potencializa a delicadeza de escutar o detalhe, o destaque

singular no discurso. Detalhe que diz de uma história, que se faz âncora

para quem está à deriva de si. Palavras, imagens, detalhes que possam

remeter o sujeito a sua história, como nos destaca Mônica Fudín (2005) no

texto “Pescadores de Ilusões”. “Pescadores”, “arqueólogos” (Freud, 1937),

“sucateiros”, o lugar do analista é reinventado, renomeado na tentativa

de dizer do fazer clínico, algo que na clínica da urgência se potencializa

e desperta uma certa disponibilidade para a invenção.

Do que foi possível recolher...

O atendimento a esses pacientes se faz um constante ensaio. Há situa-

ções em que partimos da ausência do discurso para além de uma fragilidade

simbólica. Narrar o momento do “surto”, esse instante de apagamento do

sujeito, convoca esse irrepresentável que começa a ter contorno quando

alguém se põe a escutar. Na experiência de escuta na clínica da urgência

o ato de colocar-se a escutar um relato assume toda sua potência de in-

tervenção. Tenho pensado, a partir dessa experiência, minha intervenção

como uma tessitura de enlaces, um trabalho de garimpo com as palavras.

Algo que relance o sujeito à cadeia significante, ou ofereça um lugar de

suporte, de testemunho para uma produção subjetiva.

Lembro-me de um filme que J. traz como uma ideia que lhe ajudou a

entender a razão de eu não lhe ensinar técnicas para lidar com seus me-

dos. “O Circo das Borboletas” conta a história de um rapaz que não possui

pernas e braços e vive em um circo que tem como espetáculo “aberrações”.

O rapaz, resistente à condição de ser tomado como uma “atração”, se toma

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Jornada do Percurso de Escola XI (II).

de coragem e vai ao encontro do dono de um outro circo: “O Circo das

Borboletas” - lugar que permitia a criação de cada um. O rapaz no novo

circo questiona o dono a respeito de como os artistas montavam seus

números. O dono responde que “todos têm uma história”. O rapaz um

dia acompanhado de amigos do circo se lança em um lago e, por alguns

instantes, debate-se sem conseguir nadar. Porém, quando os amigos estão

prestes a salvá-lo, ele emerge do lago nadando! Ele ali encontra seu nú-

mero. J., a partir disso, diz ter entendido meu trabalho e a razão pela qual

eu não lhe ensinava “técnicas”, pois cada um deve encontrar seu próprio

número a partir da sua história.

O trabalho, então, atravessa uma transformação: de um lugar de en-

trega total ao Outro, para aproximar-se de uma posição mais enlaçada a

uma história e apropriada de palavras. Lugar subjetivo que será fundado

a partir dos “precipitados psíquicos” de cada sujeito. Assim, como escreve

Lobosque (2001, p. 39) “mesmo quando a possibilidade de endereçar-se

a alguém parece inteiramente perdida, não será jamais perda de tempo

procurar resgata-la”. Nessa direção, será a escuta da história de cada um,

na sua singularidade, que permitirá encontrar palavras que indiquem o

que pode fazer marca e ajudar na construção de uma amarragem que,

delirante ou não, lhe permita outros modos de existência menos colados

ao Outro, mais próximos de uma condição de alteridade.

Referências bibliográficasGAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar, escrever, esquecer. Rio de Janeiro: editora 34, 2009.

GUERRA, Andrea M. C. A Psicose. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

LOBOSQUE, Ana Marta. Experiências da loucura. Rio de janeiro: Garamond, 2001.

PIPKIN, Mirta & HOLGADO, Mirta. Intervir em la emergência. A clínica psicoanalítica em los limites. Buenos Aires: Letra Viva, 2007.

QUINET, Antônio. Teoria e Clínica da Psicose. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011.

RAMALHO, Rosane Monteiro. Clínica das psicoses: os impasses da transferência. Em Psicose: aberturas da clínica. Porto Alegre: APPOA: Libretos, 2007.

SOTELO, Inés. Clínica de la urgência. Buenos Aires: JCE Edições, 2007.

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agosto 2013 l correio APPOA .17

temática.

A delicadeza dos tempos das primeiras entrevistas

Marcia Giovana Pedruzzi Reis1

Quando um sujeito formula um pedido de atendimento, o faz por

conta de um sofrimento psíquico, um sintoma, algo que lhe incomoda,

que se torna insustentável e do qual quer se ver livre. Ruptura narcísica,

partícula de Real que se apresenta ao sujeito em sua experiência para que

a angústia, o insuportável, o faça buscar um saber que dê conta, de algum

modo, de suas dores.

Mas qual é a porta de entrada de uma análise? Basta que um paciente

adentre a porta do consultório e apresente ao analista a sua queixa?

1 Psicóloga (UFRGS), Mestre em Psicologia Social e Institucional (UFRGS), Psicóloga da equipe técnica da Clínica de Atendimento Psicológico da UFRGS.

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temática.

Trabalho em uma instituição pública de atendimento psicológico2, e

uma das práticas mais instigantes que realizamos são as, assim nomeadas,

Entrevistas Iniciais (EIs), nas quartas-feiras. Neste dia, acolhemos e escu-

tamos todos os pacientes que procuram a instituição. O trabalho das EIs

consiste em realizar, durante algumas sessões, as primeiras entrevistas, com

vistas ao encaminhamento do paciente para o seu tratamento propriamente

dito. Na medida em que o terapeuta que realiza o trabalho das EIs pode

fazer esta leitura, do encerramento deste primeiro tempo do tratamento,

tece um encaminhamento para um dos colegas da instituição, que, por se

tratar de uma clínica-escola, conta com o trabalho de diversos psicólogos

clínicos que ali fazem sua formação.

O exercício da clínica nos defronta com alguns questionamentos

que se desvelam no justo transcorrer do trabalho. De minha parte, me vi

capturada por algumas perguntas suscitadas pelo trabalho que venho de-

senvolvendo nas Entrevistas Iniciais. Dentre elas, a delicadeza de pensar

qual o momento para se fazer a passagem.

Às vezes, nos deparamos com algumas verdades rigidamente estabe-

lecidas – por exemplo, de que nas entrevistas preliminares, em psicaná-

lise, trata-se de transformar queixa em demanda, de se estabelecer uma

transferência e de se embasar um diagnóstico – porém, suponho haver

uma pertinência clínica na abertura para que estas questões possam ser

repensadas e aprofundadas.

Minha questão, portanto, é a respeito deste momento de passagem.

Gostaria de poder desdobrar esta discussão, a respeito do que singulariza

e do que determina este momento de passagem das primeiras en trevistas

– extravasando, portanto, o campo das EIs, ainda que delas partindo – para

a continuidade do tratamento, dialogando com os autores aqui escolhidos,

sem a pretensão de esgotar quaisquer conceitos.

2 Cabe situar que, quando estivermos nos referindo à instituição, utilizaremos os termos atendimento psicológico, terapeuta e paciente, por se tratar da nomenclatura ofi cial e adequada ao local. No entanto, nos apontamentos teóricos, utilizaremos os termos análise, analista e analisante.

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Jornada do Percurso de Escola XI (II).

A hipótese é de que opera um tempo lógico nestas entrevistas, tempo

lógico de saída, para o sujeito, desta posição de queixa para uma de de-

manda. No que tange aos diferentes tempos que modulam uma análise,

a delicadeza de pensar qual o momento de realizar o encaminhamento.

No transcorrer das primeiras entrevistas, existirá, pois, uma travessia

entre a demanda de alívio do sofrimento e a demanda de saber sobre o

seu sintoma e, neste sentido, não se trata de pensar em como chega este

paciente, no que o faz buscar uma análise, mas pensar como se sustenta

o desejo por aquele espaço, o que sustenta a sua permanência.

Segundo nos aponta Isidoro Veg , se nessas entrevistas se formula,

pois, uma demanda de análise, quer dizer que quem toca a nossa campai-

nha adverte que há algo que escapa ao saber que tem para dar conta do

sofrimento. Assim,

se conseguimos nas entrevistas que o sujeito advirta que desse so-

frimento há um saber que ele ignora e situa a possibilidade desse

saber no analista, o sujeito vai começar a falar. E quando alguém fala

seguindo a regra fundamental, [...] o instalamos em uma pequena

armadilha: no labirinto de suas palavras, o convidamos à sua alie-

nação, a que advirta que a razão está fora do seu Eu (2010, p. 24).

Sendo assim, de que modo reconhecer o tempo do encerramento das

primeiras entrevistas?

Início do tratamento

A psicanálise sustenta-se de seu ato, o qual opera por meio da pala-

vra. O ato psicanalítico é o que situa a psicanálise em sua esfera ética. É o

próprio analista que, com seu ato, dá existência ao inconsciente, regido,

pois, por seu desejo. Existe, enfim, uma profunda delicadeza envolvida

em um percurso analítico no que tange à direção do tratamento, desde

suas primeiras sessões.

Em uma interessante citação, Freud traçará certo paralelo entre as pri-

meiras entrevistas e um jogo de xadrez: “Todo aquele que espera aprender o

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temática.

nobre jogo de xadrez nos livros, cedo descobrirá que somente as aberturas

e os finais de jogo admitem uma apresentação sistemática exaustiva e que

a infinita variedade de jogadas que se desenvolvem após a abertura desafia

qualquer descrição deste tipo (Freud, 2003, p. 139)”.

Segundo Freud, as regras que podem ser estabelecidas para o trata-

mento psicanalítico acham-se sujeitas a limitações semelhantes, ou seja, o

modo como conduzo as primeiras peças será crucial para o seguimento do

jogo de xadrez, tal qual a condução das primeiras entrevistas será crucial

para o desenrolar do tratamento analítico.

Em O início do tratamento (1913), Freud situará, pois, a relevância

do que chama de ‘tratamento de ensaio’, o qual teria duração de uma ou

duas semanas e se calcaria em razões diagnósticas e de estabelecimento

da transferência.

Em Lacan (1971/1997), o tratamento de ensaio corresponde às entre-

vistas preliminares, denotando que existe um momento, um limiar a ser

transposto em um determinado tempo, que separa as primeiras entrevistas

do tratamento propriamente dito, corte que corresponderá à travessia entre

aquilo que é preliminar e aquilo que já está na dimensão de um discurso

analítico. Sendo assim, podemos depreender que não há entrada em análise

sem as entrevistas preliminares (op. cit.).

No percurso das entrevistas preliminares, o analista toma sua deci-

são no que tange a acatar ou não aquele pedido de análise. Diz-nos Quinet

(2005) que, do ponto de vista do analista, “as entrevistas preliminares

podem ser dividas em dois tempos: um tempo de compreender e um

momento de concluir, no qual ele toma a sua decisão. É nesse momento

de concluir que se coloca o ato psicanalítico, assumido pelo analista, de

transformar o tratamento de ensaio em análise propriamente dita” (p. 15).

Nesta passagem, o sujeito estará impelido a elaborar sua demanda

de análise, o que podemos situar em dois momentos: a histericização e a

produção do sintoma analítico.

No processo de tratamento preliminar (na clínica clássica da neurose)

trata-se, pois, de uma dupla transformação da demanda. Isso implica dizer

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Jornada do Percurso de Escola XI (II).

que a demanda inicial é estéril, e não deve ser tomada como demanda real

da análise, mas deve ser trabalhada, questionada.

No que se refere à dita histericização, trata-se eminentemente de um

reconhecimento, o sujeito reconhecendo-se como dividido, sendo capaz

de reconhecer que há algo de um saber que lhe escapa, que lhe transcen-

de. É na forma de um enigma que um sintoma pode, enfim, ser decifrado.

Neste sentido, poder pensar sobre o que faz um paciente sustentar um

tratamento talvez seja pensar que, ao que algo de um enigma se constitua

nesta divisão subjetiva, nesta cisão entre saber e verdade, o paciente suporá

que o analista saberá resolver isso.

Lacan trabalha, igualmente, a ideia de que a demanda de análise é

correlata à elaboração do sintoma (do qual o sujeito vem queixar-se) em

sintoma analítico, este sim o âmago de uma demanda verdadeira - deman-

da de saber sobre si. É neste momento que se estabelece a transferência

analítica, na justa produção de um sujeito suposto saber.

De acordo com Quinet (2005), o sujeito bem pode se apresentar ao

analista com vistas a se queixar de seu sintoma ou até pedir para dele

se desvencilhar, mas isso não é o bastante: “É preciso que esta queixa se

transforme em uma demanda endereçada àquele analista, e que o sintoma

passe de estatuto de resposta para o estatuto de questão para aquele sujeito,

para que este seja instigado a decifrá-lo” (p. 16). De acordo com o autor, o

analista é colocado no lugar do Outro, e cabe a ele transformar esse sintoma

na questão que Lacan denomina “que queres?”, questão chamada desejo.

Assim, o que é decisivo para que estejamos no campo da psicanálise

é que este sujeito acredite que seu sintoma comporta alguma verdade e, a

propósito disto, recorra à figura do analista como aquela que supostamente

porta o saber que lhe escapa.

As Entrevistas Iniciais

Desde o início de suas atividades, a instituição em questão passou por

diversas etapas até a constituição das atuais Entrevistas Iniciais. As EIs

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temática.

se constituíram inspiradas nas entrevistas preliminares – aspecto clínico

–, porém, pela especificidade de ser uma clínica em uma Universidade,

situa-se também como uma espécie de triagem das muitas demandas que

chegam – aspecto de funcionamento.

As EIs funcionam em regime de plantão e os pacientes são atendidos

em ordem de chegada. Conforme já situado, neste tipo de organização

todas as pessoas que chegam são ouvidas. Este arranjo das entrevistas

inicias, segundo Brizio (1997), levou a um melhor aproveitamento do

tempo, sem a formação de listas de espera, e um olhar atento ao aspecto

teórico-clinico, que se refere às questões atinentes ao início do tratamento.

A instituição considera crucial o momento inicial de um tratamento para

o seu prosseguimento.

Esta organização do trabalho é uma vicissitude institucional, e faz-nos

deparar com uma questão: o trabalho de estabelecimento da transferência,

bem como da elaboração da queixa em demanda. Com o meu trabalho, ao

longo daquelas duas, três ou mais semanas, ofereci ao paciente uma escuta e

com ele desenvolvi uma delicada costura entre o que ele trazia como queixa

e a implicação deste pedido naquilo que é próprio do sujeito que o enuncia,

o que é próprio da sua história. Tornei-me, pois, testemunha da verdade

daquele sujeito. No momento em que a transferência enfim se constituir,

um outro direcionamento àquele pedido de tratamento a mim dirigido se

dará: endereçarei a demanda a outro terapeuta, que assumirá o caso.

O que sustenta este encaminhamento?

Minha hipótese é de que será somente através de uma aposta de que

algo pode ser trabalhado que o paciente suportará ser encaminhado, e

voltar, balizado em uma transferência já constituída, havendo suposto o

saber de que o terapeuta estaria investido, vindo a crer que a indicação

que o terapeuta lhe faz está bem fundada.

Conforme viemos pensando até aqui, existe uma linha de corte, que

se refere à mudança de posição deste sujeito com relação à queixa. Isso se

dará por conta do meu trabalho de escuta e costura, ou seja, em função do

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Jornada do Percurso de Escola XI (II).

modo como se conduziu esta escuta. Numa situação de encaminhamento,

de passagem, o paciente seguirá a minha aposta. O que deste enigma tem

que permanecer, e em que medida o paciente precisará seguir no curso

transferencial que estou apontando, direcionando-o?

Cabe lembrar que muitos dos pacientes que nos chegam vêm trans-

ferenciados ao significante nome da instituição, cujo lugar no imaginário

social é o de produção de saber de excelência. Da transferência com a

instituição, ao longo das EIs haverá um trabalho de direcionamento para

uma transferência nominal, trabalho de quem o acolhe. No momento da

passagem, um novo trabalho se desvela, no sentido de poder, de minha

própria parte, apostar no trabalho do colega para quem eu vou endereçar

a questão, e, posteriormente, apontar esta direção ao paciente.

A fórmula instituição + saber do terapeuta de EIs + saber do próximo

terapeuta indica-nos a direção do que podemos pensar como trabalho nas

EIs e o estabelecimento da transferência, primeiro com o significante nome

da instituição, depois com o terapeuta de EIs e, por fim, na indicação para

um próximo terapeuta.

Trata-se de uma costura delicada. Que mínimo testemunho da verdade

deste sujeito precisa ser feita para ele desejar apostar no encontro com

este outro terapeuta?

Sobre a transferência

Nas primeiras entrevistas, o que está em jogo é fazer trabalhar a trans-

ferência. De acordo com Lacan (1953/1998, p.258), a assunção, pelo sujeito,

em situação de análise, de sua história é constituída pela fala endereçada

ao outro. Contudo, a questão fundamental que se coloca com relação à

transferência é a de pensar sua posição ética, ou seja, qual o lugar que o

analista ocupará frente às demandas do paciente.

O sujeito que vem em busca de um analista o faz porque supõe que

este detém a priori um saber sobre sua verdade. O analista, por seu turno,

deve abster-se de identificar-se com esta posição de saber absoluto, todavia

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temática.

faz semblante, encarna um sujeito suposto saber para o paciente. Ao fazer-

se semblante, montar-se-á, enfim, o cenário para que a verdade apareça.

O analista deve saber utilizar-se da transferência de saber, mencionada

por Lacan (1953; 1998, p. 258), quando refere-a tal uma ilusão na qual o

sujeito acredita que sua verdade encontra-se já dada no analista e que este

a conhece de antemão. Nas palavras de Pommier (1998), “transfiro, pois,

para outrem, – para esta aparência que detém o mistério da minha – um

saber que me escapa” (p. 20). Esse erro subjetivo é, segundo Quinet (2005),

imanente à entrada em análise. O saber será suposto, mas, por outro lado,

o analista é convidado à prudência no que tange à sua posição.

O pressuposto capital para a existência do sujeito do inconsciente

é a oferta da escuta analítica, a qual prepara a inclusão do analista no

próprio conceito de inconsciente, tendo em vista que este se constitui

como seu destinatário (Lacan, 1963, p. 848). As entrevistas preliminares

ao processo do tratamento analítico decorrem, também, da realização

desta inclusão.

O advento do sujeito do inconsciente em sua relação com o desejo

do analista é a verdadeira mola do que constitui a transferência. Cito

Lacan: “eis porque a transferência é uma relação essencialmente liga-

da ao tempo e a seu manejo” (1998, p. 858). Se a transferência é uma

relação ligada ao tempo e à sua manobra, podemos inferir, situados na

intimidade entre estes dois conceitos, que a transferência se estabele-

cerá na delicada e precisa costura dos tempos do início do tratamento,

e que será ela própria a sustentar a passagem para um novo tempo do

desenrolar do tratamento.

Dos tempos para uma aposta

Le Poulichet nos traz que os tempos acionados pela análise não se

regulam pelo relógio, mas pela transferência, que são “tempos de trans-

posição e transformação” (p. 8). Segundo a autora, uma análise desafia a

noção de tempo linear, subvertendo a trama do tempo ao provocar tempos

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Jornada do Percurso de Escola XI (II).

de atualização e anacronismos os quais dão lugar aos acontecimentos

psíquicos. Cito Le Polichet (1996): “É precisamente na transferência que

estes acontecimentos encontram seu lugar e seu tempo próprios. A trans-

ferência é um tempo de realização dos acontecimentos psíquicos. Ela lhes

dá presença em todas as suas ressonâncias temporais”.

No percurso entre o pedido de escuta e a demanda, qual o tempo para

fazer este giro, de entrada em análise?

Conforme Lacan (1945/1998), as entrevistas preliminares também

podem ser divididas em três tempos lógicos: instante de olhar, tempo para

compreender, que implica na questão diagnóstica e momento de concluir,

no qual o analista toma a sua decisão de acatar tal demanda de análise ou

não. Isso do lado do analista. Por seu turno, do lado do analisante, o que

se daria entre o instante de ver e o tempo de compreender?

Entendo tratar-se de um apostar. Sendo assim, a entrada em análise,

no que tange aos três tempos, parece se tratar de uma aposta no tempo de

compreender. Havendo o paciente visto algo durante as EIs, e desejando

saber algo a mais, algo para além disso, algo que se configura como um

enigma, poderá apostar em adentrar no tempo de compreender. Sendo

assim, esta passagem entre o ver e o tentar compreender pode marcar uma

posição de início de tratamento. E esta aposta toma, pois, por sustentáculo

o estabelecimento da transferência, essa, que dá matriz aos tempos da

experiência analítica.

Do lado do analista, é no momento da descontinuidade destes dois

tempos, compreender e concluir, que se coloca o ato psicanalítico de

transformação das entrevistas preliminares em análise.

Finalmente, retomemos a questão: de que modo reconhecer o tempo

do encerramento das primeiras entrevistas?

Ao longo desta escrita, entendo haverem se configurado dois tempos

capitais nesta passagem, tempos não lineares, mas que se costuram um

por sobre o outro: o primeiro deles, quando o analista é instituído, ato

em que o analista reconhece o analisante, mas, mais do que isso, no qual

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temática.

o analista venha a ser reconhecido como aquele quem irá acompanhar o

sujeito na travessia que uma análise compreende.

O primeiro ato do analista é tomar alguém em análise – ali o analista

está instituído. Todavia, não por decreto, não por um ato burocrático,

mas porque foi suposto neste lugar de sujeito suposto saber, na medida

em que, através de seu ato, de alguma maneira, provocou outro efeito, e

possibilitou ao sujeito saber que há um saber inconsciente, do qual ele, o

sujeito, nada sabe. Por seu turno, o analista devolve a suposição de saber

indicando a direção do saber inconsciente.

Para haver entrada em análise é preciso, pois, que o analista produza,

com sua intervenção, um ato analítico, ato que se desvela em um encontro

com um significante o qual produza uma torção, um corte na repetição,

significante que, ao ser descortinado, tenha tal valor para o analisante que

o faça buscar mais uma vez, pelo revelar deste sentido, outro que tanto se

buscava mas não se encontrava. Esta intervenção estabelecerá, enfim, a

virada da transferência imaginária para a transferência analítica.

O segundo tempo que pudemos vislumbrar diz respeito a certa di-

mensão de protagonismo da própria queixa: se o analista, por seu ato,

permite saber que existe ali um sujeito do inconsciente, que há algo que

escapa ao sujeito, uma espécie de enigma, o analisante poderá agora, ele

próprio, escutar em seu pedido de análise um algo a mais, que ultrapassa,

que está para além da queixa, e que esta investigação talvez possa ser algo

interessante. Assim, protagonismo, em EIs, trata-se de tornar o paciente

sujeito de seu desejo de saber sobre si.

Não havendo continuidade entre queixa e demanda, entre estes dois

tempos, o que funda a diferença é a posição do analista ao suscitar a im-

plicação do sujeito na condição de protagonista da própria queixa.

Na medida em que haja o reconhecimento deste protagonismo - “qual

a minha parte nisso?” – implica-se o sujeito em uma corajosa busca, mo-

vida pelo desejo de desvelar o que é isso que, neste ponto da travessia, se

traduz como enigma.

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Jornada do Percurso de Escola XI (II).

O que possibilita que este contrato se sustente para além da burocracia

do método será algo que o amarre e o sustente, o que implica tanto a forma

como o analista irá emprestar seus ouvidos, como uma forma que permita

ao sujeito reconhecer seu protagonismo. Este protagonismo se traduzirá,

ao longo do processo de análise, em um engajar-se em seu próprio desejo,

o que significa responsabilizar-se pelo prazer e pela dor que este suscita.

Assim, reconhecer-se na incompletude, na falta, e estar disposto a dialogar

com os fantasmas que construímos sobre nós mesmos.

Referências bibliográficasBRIZIO, M. Abertura da II jornada do curso de especialização e comemoração do aniversário da Clínica de Atendimento Psicológico. In: Boletim da Clínica de Atendimento Psicológico da UFRGS, Porto Alegre, 1997.

FREUD, S. O início do tratamento. Obras Completas. Vol. XII, Rio de Janeiro: Imago, s/d.

LACAN, J. A Direção do tratamento e os princípios de seu poder. (1958). In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

_________. Posição do inconsciente. (1963). In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

_________. O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada: um novo sofi sma. (1945). In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

_________. Função e campo da fala e da linguagem. (1953). In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

_________. O saber do psicanalista. (1971). Centro de Estudos Freudianos do Recife. Publicação Interna, 1997.

LE POULICHET, S. O tempo na psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.

POMMIER, G. O amor ao avesso: ensaio sobre a transferência em psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

QUINET, A. As 4+1 condições da análise. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

VEGH, I. A lógica do ato na experiência da análise. Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, nº. 39, jul-dez/2010.

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temática.

Aventurar-se na desventura: um ensaio sobre política pública e laço social

Carolina Monte Lague1

Juliana liga insistentemente no início da manhã de segunda-feira.

Diz que fez algo horrível e que precisa de ajuda. A sua voz alterada expõe

o desespero de quem não sabe o que fazer. Chegamos em sua residência

e a situação encontrada é preocupante. Roupas jogadas no chão, móveis

revirados, garrafas de cachaça e um cachimbo de crack. Ao nos ver joga, li-

teralmente, sua filha de quatro meses nos nossos braços. Sabe que, naquele

momento, não pode protegê-la. “Fica com ela, segura ela” diz aos prantos.

E enquanto isso, novos casos nos chegam, demandas do Judiciário,

do Conselho Tutelar, do Ministério Público, da Saúde, etc.

1 Psicóloga da Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC) – Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Especialista em Atendimento Clínico – ênfase em psicanálise (UFRGS).

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correio APPOA l agosto 201330.

temática.

Marcela e seu marido Lucas vêm nos procurar. Ela se mostra muito

apreensiva com a possibilidade de uma nova internação de seu compa-

nheiro em função do uso excessivo de álcool. Marcela diz: “Mas e eu? Vou

ficar sozinha?”. No que imediatamente o marido rebate: “Não, a D. Carolina

é que vai cuidar de você!”.

Seguem-se mais reuniões e mais casos a serem atendidos. Casos graves

dentro de uma região em que casos graves são o que há de mais comum.

Vânia e seu psiquiatra encontravam-se com a relação estremecida.

Vânia se queixava. Dizia que ele não a entendia. Na tentativa de inter-

mediar essa relação a acompanhamos em uma consulta. Durante o aten-

dimento o médico solicita alguns dados pessoais. Ela diz: “Não lembro,

mas a Carol sabe!”.

Emanuele nos liga chorando e diz que está sendo expulsa de sua

casa pelos traficantes. Se não sair em poucas horas ela e seus filhos serão

assassinados. Somos os primeiros a quem ela pede ajuda.E assim, vamos

representando os nossos usuários, tecendo com cuidado os delicados

laços no social...

Aventurar-se na desventura. Esse parece ser o lema que acompanha o

profissional que atua na política de Assistência Social. Talvez seja o lema

de profissionais que atuam com populações socialmente vulneráveis. Mas

há algo dentro da política de Assistência Social que faz com que, muitas

vezes, essa aventura vá longe demais. Como política de intermediação

com outras políticas, sentimos na pele a fragilização de toda uma rede

de atendimento. Vamos traçando planos de atuação e também planos

de sobrevivência. Sobrevivência considerando os casos que nos chegam

cotidianamente. Aventurar-se num mundo que não é nosso pode ser mais

caótico do que poderíamos supor. Isso parece ficar ainda mais claro no

momento em que uma política pública está sendo implantada. Estamos

falando da criação do Sistema Único de Assistência Social, o SUAS.

Quando iniciamos nesse trabalho somos tragados por uma quantidade

enorme de apelos e situações que nos arrepiam as espinhas. Identificamo-

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agosto 2013 l correio APPOA .31

Jornada do Percurso de Escola XI (II).

nos, martirizamo-nos, culpamo-nos. Passamos a adentrar em cidades fan-

tasmas, cidades tão informais quanto os seus nomes. Elas ficam escondidas

nas regiões periféricas das cidades oficiais em que poucos têm a chance, ou

mesmo o desejo de entrar. Às vezes, nem o Estado. É estabelecida, assim, a

divisão: cidades oficiais de um lado e cidades clandestinas de outro. Estes

são territórios da exclusão “(...) nos quais a deformação ocorre de forma

lenta e insistente, representam um ideário de cidade injusta e desigual.

Isto foi levado adiante, com a sucessiva degradação do que, na cidade,

deveria ser público e comum a todos” (Endo, 2005, p. 50).

E é nesses locais que desenvolvemos o nosso trabalho, em que re-

alizamos escutas. Tentativas de costurar laços possíveis dessas pessoas

com o restante do mundo. Ao mesmo tempo, sabemos que trabalhar com

qualquer política pública é um desafio, pois devemos agir de acordo com

as possibilidades que nos são oferecidas dentro de contextos graves como

os das famílias e dos indivíduos que acompanhamos. De qualquer maneira,

é importante observar que o momento da implantação de uma política é

ainda mais delicado, pois impõe a todos os envolvidos no processo, sejam

eles trabalhadores, usuários e gestores, uma certa demanda de eficácia

bastante idealizada. Esse processo de idealização só parece ser visto em

tão grande conjuntura no momento em que uma política se materializa na

prática. É o que aqui estamos chamando de furor implantatório. De todos os

lados espera-se de si e dos outros uma atuação fiel ao que está apregoado

pelas leis e normas recém-lançadas.

Mas afinal, do que se trata o SUAS? Ele surge na esteira da Lei Orgâ-

nica de Assistência Social (LOAS), que em 1993, com sua promulgação,

estabelece a organização da Assistência Social no país tratando essa política

como direito do cidadão e dever do Estado. Assim, ela passa a ser destinada

a todos que dela necessitarem sem qualquer tipo de discriminação. Em

2003, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)

passa a ser o responsável pela Assistência Social em âmbito federal. Tanto

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correio APPOA l agosto 201332.

temática.

a LOAS quanto a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) servem

de amparo à sua criação em 2005. O SUAS é descrito como:

(...) um sistema público, não-contributivo, descentralizado e partici-

pativo, destinado à gestão da assistência social, através da integração

das ações dos entes públicos (União, Estados, Municípios e o Distrito

Federal) responsáveis pela política socioassistencial e das entidades

privadas de assistência social (NOB-SUAS, 2005, p. 10).

Como consequência, estados e municípios passam a compartilhar

de algumas normas e critérios para a gestão e execução da política de

Assistência Social no país. De fato, desde a constituição federal de 1988

a Assistência Social se enquadrava no tripé da Seguridade Social (Previ-

dência, Saúde e Assistência Social), mas com o SUAS isso passa ser ainda

mais potencializado.

Um dos diferenciais do SUAS é que ele passa a separar as suas ações

por complexidade de atendimento. Dessa maneira, foram criadas a Prote-

ção Social Básica e a Proteção Social Especial, esta dividida entre média

e alta complexidades. A Proteção Social Básica tem como função atuar na

prevenção de vulnerabilidades e riscos sociais através de diversas ações no

território capitaneados pelos Centros de Referência de Assistência Social,

os CRAS. Já a Proteção Social Especial, dividida entre média e alta comple-

xidades, visa um trabalho mais sistemático com famílias e indivíduos que

apresentam graves riscos sociais por dificuldades ou mesmo rompimentos

dos seus laços sociais.

O que está em jogo é a tentativa de resgate e/ou fortalecimento des-

ses vínculos pensando em maneiras de atuação que possibilitem a quem

atendemos encontrar novas maneiras de circulação no mundo. Circulação

possível dentro de um mundo possível. Em se tratando da Média Comple-

xidade, os locais que realizam essas ações são os Centros de Referência

Especializados de Assistência Social, os CREAS. Eles são responsáveis

pelo acompanhamento de situações consideradas limites, que envolvem,

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Jornada do Percurso de Escola XI (II).

por exemplo, exploração e abuso sexual, indivíduos em situação de rua,

adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, violência in-

trafamiliar severa. A Proteção Social de Alta Complexidade atua nos casos

em que há ruptura dos vínculos familiares e seus espaços de atendimento

são os abrigos, albergues, casas-lares, etc.

Em se tratando do município de Porto Alegre, a sua gestão e execu-

ção é de responsabilidade da Fundação de Assistência Social e Cidadania

(FASC). De fato, antes da criação do SUAS, a cidade sempre se constituiu

como uma referência nacional no trabalho dessa política pública. Há um

certo consenso entre os trabalhadores e gestores de que o município reali-

zava um trabalho eminentemente focado no que chamamos hoje de média

complexidade. As famílias acompanhadas eram aquelas que demonstravam

mais dificuldades e que por isso demandavam mais atenção. Além dos

espaços próprios, eram firmados convênios com diversas instituições para

também atuarem no atendimento a essa população. Foi criada, portanto,

uma maneira de trabalhar dentro dos limites que esse tipo de trabalho

permite aliado aos recursos humanos e materiais disponíveis.

Com a criação do SUAS, essa forma de se trabalhar precisou ser re-

pensada. Assim, passaram a existir 22 CRAS divididos em nove regiões

da cidade, e em cada região um CREAS. Os espaços conveniados foram

vinculados à Proteção Básica, somando-se aos 22 CRAS da cidade. Os

CREAS, então, passaram a ser os únicos espaços de atendimento da Assis-

tência Social para as situações mais graves da cidade. Um exemplo mais

claro e que demonstra bem o quanto a lógica de atuação mudou foi o de

que na região Eixo Baltazar-Nordeste, onde se encontra o CREAS em que

desenvolvemos o nosso trabalho, funcionavam dez espaços de atendi-

mento da Assistência Social, entre próprios e conveniados, que atuavam

eminentemente em casos de média complexidade. Atualmente, apenas o

CREAS presta esse serviço numa região da cidade em que casos graves

são absolutamente recorrentes.

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temática.

De fato, ao entrarmos em contato com as leis, normas e orientações que

foram divulgadas as expectativas são grandes. E em se tratando do CREAS,

há muito o que se pensar sobre a presença do significante especializado

que seu nome carrega. O especializado do CREAS por si só já produz ex-

pectativas em toda uma rede de atendimento. Expectativas que também são

identificadas nos documentos lançados pelos gestores da política. Afinal,

esse significante não surge à toa. Há algo no especializado que, atualmente,

parece indicar uma luz no fim do túnel. Ele carrega uma promessa, uma

promessa de que em última instância algo funcionará. Uma última aposta,

quando todas as etapas anteriores de alguma maneira fracassaram. Falhas

em toda uma rede de atenção. As expectativas aumentaram e as equipes

reduziram. Parece simples. Parece apenas...

Somos convocados a responder desse lugar ao mesmo tempo em que

somos referências de famílias e indivíduos que há muito perderam suas

referências. Em muitos momentos somos aqueles que tentam unir laços

já tão fragilizados. Laços, inclusive, com outras políticas de atendimento.

A Assistência Social, por assumir uma posição de intermediação, acaba

sendo aquela que sustenta, muitas vezes, a posição e os direitos do usuário.

Nesse sentido, a nossa presença é, em diversas situações, o que impede

uma ruptura maior com o mundo. Trabalhamos com a contradição. Não só

a contradição social tão comentada, mas contradição de posições. Somos

não só aqueles que amparam, mas somos também aqueles que assumem

uma posição de controle, o que Julien (2000) chama de terceiro social.

Sem dúvida, constitui-se em um avanço a existência de uma política

pública destinada a uma população historicamente considerada irrele-

vante, colocada à margem de qualquer atenção mais cuidadosa ou espe-

cializada. Atualmente, o Brasil é uma referência através de sua política de

transferência de renda, a maior do mundo. Todos esses aspectos devem

ser valorizados e defendidos. Entretanto, reconhecer esse avanço também

implica em refletir como essa política é pensada e implantada, tanto do

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Jornada do Percurso de Escola XI (II).

ponto de vista nacional quanto regional, e entender que a magnitude dessa

proposta é diretamente proporcional ao desafio de colocá-la em prática.

Na nossa concepção, quando expectativas como essas surgem é necessário

assumir uma posição política. Como aponta Rosa (2004):

Cabe-nos resgatar a radicalidade da proposta psicanalítica e ressaltar

o caráter ético e político dessa escuta, contribuição da clínica que

pode se estender às demais situações, dentro das quais se pretende

elucidar aspectos referentes ao sujeito sob desamparo social e dis-

cursivo e aos processos de sua manutenção em tal condição, que pro-

movem impasses nas propostas de políticas de intervenção (p. 151).

A criação do SUAS parece indicar uma nova maneira de ver uma

população que por muitos anos foi pouco vista. Uma reflexão sobre a con-

dução dessa nova forma de olhar é necessária para que, dessa maneira, ela

não seja contaminada por velhas formas de se fazer política para os mais

pobres.

E é assim que a psicanálise se torna um instrumento de atuação e

reflexão. Afinal, o nosso trabalho clínico dentro de uma política pública

funciona no momento em que podemos escutar e cuidar. Escutar e cuidar

de todos os envolvidos nesse processo, usuários e trabalhadores. É essa a

verdadeira demanda. O que importa, em última instância, são as pessoas

que atendemos e a forma de se conduzir o trabalho em equipe, dentro

dos limites do possível. É através dessas relações que algo poderá surgir

e criar impacto social.

É na relação transferencial que se criam possibilidades para a transfe-

rência de nossos desejos a quem atendemos. Algo que lhes dê identidade.

Que lhes dê reconhecimento. É a nossa dupla função agindo em nosso

favor. Aquilo que chamamos anteriormente de contradição de posições. De

um lado quem escuta e do outro a representação do Estado. E não seriam

essas duas posições, esse dois olhares, fundamentais para o advento da

cidadania?

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temática.

O que funciona realmente é a escuta. A possibilidade de dar voz.

Deixar em suspenso a urgência das demandas e do furor implantatório

e possibilitar o surgimento de sujeitos. Nossa função é levantar dúvidas

e motivar reflexões sobre o trabalho dentro da equipe e mesmo entre os

gestores. Mais do que números de atendimentos, o que está em jogo é o

cuidado. O bom funcionamento é observado quando se criam possibili-

dades de intermediar e representar quem atendemos. Isso é o que faz uma

política ser bem sucedida!

Fazemos uma clínica do laço social, costurando cotidianamente novas

possibilidades de ser no mundo.

Referências bibliográficasBRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social, 2005.

ENDO, P. A violência no coração da cidade: Um estudo psicanalítico. São Paulo: Escuta/Fapesp, 2005.

JULIEN, P. Abandonarás teu pai e tua mãe. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2000.

ROSA, M. D. Uma escuta psicanalítica das vidas secas. Em: Adolescência: Um problema de fronteiras. Porto Alegre: APPOA, 2004.

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temática.

Psicanálise e o coletivo, uma ética singular

Júlia Lângaro Becker1

Este escrito pretende abordar questões a partir de minha prática como

psicóloga numa instituição pública federal de educação, acolhendo e

acompanhando servidores públicos federais numa proposta de equipe de

saúde multidisciplinar. Lá, encontramos diferentes frentes de atuação: a

clínica individual institucional, o trabalho em equipe, a escuta de grupos,

a atuação política enquanto servidora pública, etc. Tudo isso nos convoca

a pensar sobre a prática da psicanálise em contextos institucionais. Pensar

a psicanálise em contextos diferentes daquele tradicional inaugurado por

Freud, o do setting terapêutico em quatro paredes, é um exercício cons-

tante de alguns psicanalistas. Exercício importante, na medida em que

a prática psicanalítica avança cada vez mais, se propondo a intervir em

diferentes coletivos.

1 Psicóloga na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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temática.

Debieux Rosa (2004), em seu texto A psicanálise e as instituições: um

enlace ético-político, assinala como os psicanalistas estão migrando para

as instituições (de saúde mental, de educação, jurídicas, etc), buscando

levar com eles sua posição e suas concepções. O que a autora alerta é

que algumas vezes as práticas psicanalíticas são transportadas sem que o

contexto institucional seja levado em conta. Mas afinal, como podemos

então levar em conta esse contexto institucional? Como pensar o coletivo

a partir de uma ética psicanalítica?

Na tentativa de responder a essas perguntas, nos pareceu crucial

retomar Freud em Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921). Nessa

produção textual podemos acompanhar os primeiros questionamentos da

psicanálise sobre psicologia social. Freud inicia apontando que a psicologia

individual é também uma psicologia social, pois mesmo que a psicologia

individual se dedique a investigar a psique do ser individual, ela dificil-

mente conseguirá abstrair das relações desse ser com os outros indivíduos.

Portanto, a psicologia das massas trata o ser individual como membro de uma tribo, um povo, uma casta, uma classe, uma instituição, ou como parte de uma aglomeração que se orga-niza como massa em determinado momento, para um certo fim (Freud, 1920-1923, p. 15).

Algumas passagens dessa elaboração freudiana são muito importan-

tes para pensar o conceito de coletivo. O fenômeno da massa psicológica,

por exemplo, explicado por Freud (1921) a partir de Le Bon (1912), é

definido como um ser provisório de células que se soldam e formam

características diferentes de quando estão por si só. Também o conceito

de alma coletiva reforça que apenas pelos indivíduos comporem a mes-

ma massa, eles passam a adquirir uma espécie de alma comum e, ainda,

que o indivíduo age de modo distinto quando alinhado a uma multidão

que adquiriu a característica de uma massa psicológica. Interessa-nos

essa ideia de que o indivíduo é sempre parte de um aglomerado que se

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Jornada do Percurso de Escola XI (II).

organiza e que, em alguns casos, essa massa pode transformar a maneira

do sujeito agir.

No serviço em que atuo, por exemplo, uma das primeiras propostas

da equipe de saúde foi a de possibilitar um acolhimento dos usuários com

uma escuta individual. Essa proposta se consolidou como um serviço ofe-

recido a toda a instituição, e até hoje se sustenta, sendo reconhecido como

de extrema relevância. Porém, o formato individual começou a mostrar-se

insuficiente na perspectiva da equipe de saúde, justamente porque sempre

houve algo da ordem do funcionamento institucional a ser escutado e

trabalhado, mas muito difícil de ser acessado no formato até aquele mo-

mento oferecido. Era preciso entender melhor de que forma essa massa

psicológica da instituição estava incidindo no modo daqueles servidores

agirem e como ela estava relacionada com suas patologias.

Kastrup (2005), em O Conceito de coletivo como superação da dico-

tomia indivíduo-sociedade traz algumas contribuições a respeito desta

questão. Ela propõe o coletivo não como o que se opõe ao individual,

confundindo-se com o social, mas sim como um plano de co-engendra-

mento e de criação, que supera a dicotomia indivíduo-sociedade. Com-

plementando essa construção, Debieux Rosa (2004), em seu outro texto

A pesquisa psicanalítica dos fenômenos sociais e políticos: metodologia e

fundamentação teórica, nos auxilia novamente neste tema quando relem-

bra que, em Freud, a divisão indivíduo-sociedade é recusada, assim como

a divisão de psicologia individual-social. A autora ressalta que na teoria

freudiana as instituições impõem ao indivíduo algumas modificações

psíquicas, assim como a entrada na vida social impõe modificações ao

sujeito. Calligaris (1993), também aponta nessa direção em Sociedade e

Indivíduo colocando que essa dicotomia é aparente, e que, na necessidade

de conciliar esses dois termos é que se formula a questão social. Tudo isso

nos ajuda a demonstrar que, ao falar de coletivo, não temos a intenção de

dicotomizar o individual e o social, mas de seguir a pista que Freud (1921)

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temática.

nos deixou, de que ideias contraditórias e opostas coexistem tanto na vida

anímica dos sujeitos quanto na formação das massas.

Isso nos indica que existe algo na organização social que escapa ao

individual e que é da ordem do inconsciente, da ordem daquilo que faz laço.

A libido, ou o amor, é a essência da alma coletiva, pois o que caracteriza

um coletivo são os laços afetivos (investimentos libidinais) nele existentes.

A isso que escapa à individualidade, a essa soldagem libidinal que permite

algo em comum, a isso que está enlaçado, chamaremos de coletivo.

Pensando assim, fica mais fácil compreender algumas propostas que

começaram a ser elaboradas pela equipe de saúde para dar conta desses

coletivos, como a de oferecer uma escuta a equipes de trabalho em vez de

restringir-se aos pedidos individuais. Conforme a equipe multidisciplinar

foi se apropriando dessa proposta e dessa necessidade de uma clínica do

coletivo, as demandas institucionais que já existiam nesse sentido come-

çaram a ter mais visibilidade. Quanto mais essa oferta ficava presente no

discurso do serviço de saúde, mais emergiam pedidos de trabalho dentro

dessa linha. Fica então evidente para o serviço que há um funcionamento

que só pode ser analisado a partir do encontro com coletivos e da percepção

de suas formas de organização, tanto no que diz respeito a seus processos

de trabalho quanto ao funcionamento de seus laços afetivos.

Falar em psicanálise e coletivo implica tentar dar conta de alguns

conceitos interessantes que estão sendo criados para denominar práticas

psicanalíticas em contextos sociais, institucionais e políticos: psicanálise

ampliada, psicanálise extramuros, clínica psicanalítica da instituição,

entre outros. Porém, antes de seguir este questionamento, é importante

uma parada para aprofundar o conceito de instituição.

Ao discorrer sobre Estruturas coletivas, suas lógicas e modos de subje-

tivação: instrumentos para uma Clínica Psicanalítica da Instituição, Betts

(2011) situa o conceito de instituição de forma esclarecedora. Para o autor,

a instituição é a rede simbólica que demarca as bordas do real impossível

de simbolizar, de forma que podemos concebê-la como as estruturas discur-

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Jornada do Percurso de Escola XI (II).

sivas coletivas que também funcionam enquanto agentes de subjetivação

do ser humano. Dessa forma, as instituições “são simultaneamente origem

e palco da subjetividade, definindo os sintomas sociais, seus ideais, suas

formas de gozo e sofrimento” (Betts, 2011, p. 44).

Tomar a instituição como uma estrutura discursiva coletiva nos ajuda

na compreensão de alguns impasses que podem começar a surgir na própria

equipe de saúde multidisciplinar. Durante o processo de elaboração de

novas propostas de trabalho, podemos encontrar sinais de que a equipe

reproduz algumas das patologias anteriormente observadas em outros

coletivos da instituição. Ou seja, assim como existe a necessidade de

escutar uma patologia institucional emergente, fica também visível que a

própria equipe enquanto um coletivo inserido naquela instituição enfrenta

obstáculos de diferentes ordens, sejam eles relacionados a concepção do

trabalho, como relacionados aos laços afetivos que a compõe.

Com isso, podemos elaborar que, ao construir intervenções institu-

cionais, uma equipe multidisciplinar de saúde enfrenta dois desafios: um

está relacionado à dificuldade de abrir espaço na cultura da instituição

para que os pedidos de análise institucional emerjam de forma mais na-

tural, o que também compete à equipe um esforço para contribuir com a

mudança do discurso institucional; o outro está relacionado ao próprio

processo de construção da proposta metodológica que norteará a inter-

venção em equipe, um momento que dificilmente não será acompanhado

de enfrentamentos.

Ribeiro (2011), em A psicanálise nas instituições: clínica e política, traz

uma excelente contribuição para este debate ao assinalar que em contextos

institucionais ficam tensionadas diferentes concepções de sujeito que, por

sua vez, fundamentam diferentes éticas. O autor também se pergunta sobre

os limites e as possibilidades de atuação de profissionais orientados pela

psicanálise quando inseridos no cotidiano de uma equipe multiprofissional

e mostra como muitos psicanalistas encontram dificuldades para fazer com

que as funções para as quais foram contratados em instituições sociais,

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temática.

geralmente psicólogos e psiquiatras, possam ser exercidas a partir do re-

ferencial psicanalítico. Na maior parte das vezes este propósito não está

presente na contratação destes profissionais. Também é raro encontrarmos

instituições que promovam intervenções sociais orientadas explicitamente

pela psicanálise e, mais raro ainda, é identificar uma política pública que

tenha sido proposta a partir de concepções psicanalíticas.

Mas será que é isso que devemos esperar das instituições nas quais

trabalhamos enquanto profissionais da saúde? Parece-me que há uma

diferença importante entre o exercício de uma ética psicanalítica e a prá-

tica de um trabalho com referencial psicanalítico. De fato, é um desafio

pensar nisso quando estamos inseridos num contexto de trabalho onde

a ética da instituição, na qual trabalhamos, muitas vezes desencontra a

ética psicanalítica. Porém, sustentar esta ética não é levantar a bandeira

da psicanálise como visão de mundo ou muito menos querer, por exem-

plo, que uma equipe multidisciplinar estude psicanálise. Até porque, é

preciso considerar as outras éticas em jogo, como a ética orientada por

diferentes conselhos profissionais, a ética das políticas de governo, entre

outras. Frente a isso temos de nos perguntar então como seria afinal o

exercício da ética psicanalítica nesses coletivos compostos por diferentes

éticas? Como operar um trabalho possível? Ribeiro (2011) situa bem essa

questão quando sugere que não se trata de que as equipes façam Um,

enquanto uma totalidade, mas sim de que tenham algo em comum. Esse

comum da equipe tem de estar relacionado com o lugar de não-saber,

deslocando a suposição de saber que está na equipe para o sujeito que

procura o serviço.

Kehl(2002), em Sobre ética e psicanálise, define a ética da psicaná-

lise enquanto aquilo que não responde a um dever conhecer, mas a um

deixar falar a verdade do sujeito. Ela nos diz que a psicanálise é, antes de

mais nada, uma prática da dúvida. O analista, que deve estar preparado

para não se identificar com o lugar (de poder) que a transferência do

analisante lhe atribui, vai ser aos poucos destituído do lugar de sujeito

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Jornada do Percurso de Escola XI (II).

suposto saber. Dessa forma, o analisante é encorajado não a tudo saber,

mas a indagar-se.

Sobre isso, Lacan, no Seminário – livro 17, O avesso da psicanálise,

nos diz: “Ele, o analista, se faz de causa do desejo do analisante” (Lacan,

1969-1970, p. 36). Fazer-se causa de desejo é esvaziar-se de saber, fazendo

aparecer no outro a verdade do sujeito do inconsciente. É nesse sentido

que o discurso do analista é o avesso do discurso do Mestre, pois enquan-

to o primeiro abre espaço para a verdade do sujeito, o último assujeita. E

mais, no seu Seminário sobre a Transferência (1960-1961), Lacan mostra o

caráter exemplar de Sócrates (no Banquete) quanto à posição do analista.

Ele, Sócrates, se apresenta como nada sabendo a não ser as coisas do amor,

e quando é sua vez de falar disso, não consegue fazer outra coisa senão

citar as palavras de um outro. Manifesta com isso sua divisão de sujeito:

não pode falar do que sabe a menos que permaneça na zona do “ele não

sabia”. Lacan insiste no caráter essencialmente social desse discurso.

É assim que queremos pensar nosso lugar profissional enquanto

psicanalistas inseridos num coletivo. Nem sempre teremos o privilégio

de trabalhar em equipes onde todos estejam dispostos a indagar mais

do que responder. As diferenças estão sempre pulsando num coletivo,

mesmo que uma equipe inteira trabalhe com o mesmo referencial teórico.

Essa realidade abrange diferentes concepções do trabalho e de sujeito e,

consequentemente, diferentes concepções metodológicas, muitas delas

baseadas em teoria nenhuma. Por isso devemos sempre contar com um

tensionamento entre éticas e não apostar que um acordo ético é condição

para um trabalho possível. É nessa tensão que talvez possamos sustentar

o lugar de não-saber, fechando as portas para a disputa de saberes que

impede que o trabalho aconteça. Aqui cabe um alerta: o que propomos não

vai na direção de entregar-se à sedução da diplomacia. Apostar no lugar

de não-saber não significa submeter-se a outras éticas ou recuar perante

diferentes posicionamentos, mas, pelo contrário, significa marcar posição e

não se privar disso. É marcando posição a partir de uma ética psicanalítica

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temática.

que possibilitamos o reconhecimento do saber do outro e apostamos na

circulação da palavra.

Vale resgatar a reflexão de Kehl sobre a década de 70, quando Foucault

começou a pensar a psicanálise como mais uma manifestação do poder

disciplinar. Ela afirma que,

de fato, nas sociedades em que se popularizou, a psicanálise foi se

deslocando de sua função original, de fazer falar uma subjetividade

até então silenciada, para uma função normatizadora da subjetivida-

de moderna. Alguns mal-entendidos na prática clínica podem fazer

de um tratamento psicanalítico uma forma sofisticada e eficaz de

pedagogia (Kehl, 2002, p. 134).

E é exatamente isso que queremos evitar. Não queremos fazer da

psicanálise mais um poder disciplinar. Se a formação de um analista está

essencialmente em seu trabalho de análise enquanto analisante, a trans-

formação social parece também depender de um deslocamento discursivo.

Portanto, ao trabalhar com o coletivo enquanto psicanalistas, é importante

estarmos atentos às formações discursivas das quais fazemos parte.

Em Cartas a um Jovem Terapeuta, Calligaris (2004) já chamava a

atenção de jovens terapeutas no que diz respeito à vocação profissional:

ele diz que para ser um psicanalista é importante que se tenha “uma ex-

trema curiosidade pela variedade da experiência humana com o mínimo

possível de preconceito”. Dizer isso é apostar que mesmo no constante

tensionamento que as relações humanas nos colocam, é possível com-

por uma prática psicanalítica que possa atuar no coletivo sem deixar

de lado a singularidade dos sujeitos, sejam eles pacientes, usuários dos

serviços, nossos colegas de profissão ou de equipe. Portanto, mesmo

não respondendo a todas as questões levantadas neste escrito, podemos

entender que ao falar de coletivo, a psicanálise nos convoca a marcar

uma ética singular.

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Jornada do Percurso de Escola XI (II).

Referências bibliográficasBETTS, Jaime. Estruturas coletivas, suas lógicas e modos de subjetivação: instrumentos para uma Clínica Psicanalítica da Instituição. Porto Alegre: Correio da APPOA, 2011, nº 200.

CALLIGARIS, Contardo. Cartas a um jovem terapeuta: refl exões para psicoterapeutass, aspirantes e curiosos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

FLEIG, M. (org.) Psicanálise e Sintoma Social. CALLIGARIS, Contardo. Sociedade e Indivíduo. In: Psicanalise e Sintoma Social. São Leopoldo, Ed. UNISINOS, 1993.

FREUD, Sigmund. Obras Completas vol.15, Psicologia das Massas e Análise do Eu e outros textos (1920-1923). São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

KASTRUP, Virginia. Psicologia em Estudo. O conceito de coletivo como superação da dicotomia indivíduo - sociedade. Maringá: 2005, . 10, n. 2.

KAUFMANN, Pierre. Dicionário Enciclopédico de Psicanálise: o legado de Freud e Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1996.

KEHL, Maria Rita. Sobre Ética e Psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

LACAN, Jaques. O seminário livro XVII: o avesso da psicanálise (1969-1970). Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1992.

________. O seminário livro VIII: a transferência.(1960-1961). Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2010.

RIBEIRO, Eduardo Mendes. A psicanálise nas instituições: clínica e política. In: Psicanálise e Intervenções Sociais. Porto Alegre: APPOA, 2011.

ROSA, Miriam Debieux. Revista Mal-estar e Subjetividade. A pesquisa psicanalítica dos fenômenos sociais e políticos: metodologia e fundamentação teórica. Fortaleza, 2004, vol. IV, nº 002.

________. A psicanálise e as instituições: um enlace ético-político. On-line ISBN 978-85-60944-06-4. An. 5 Col. LEPSI IP/FE-USP. São Paulo, 2004.

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agosto 2013 l correio APPOA .47

temática.

Irreversível? Sobre o trabalho de transferência com crianças e adolescentes em situação de abrigamento

Fernanda Perlin de Cesaro

Trazer questões e apontamentos sobre a transferência com adolescen-

tes e crianças institucionalizados em situações de privações, que tiveram

experiências de falência na relação com seus pais, sempre é uma tarefa

delicada, bem como o trabalho cotidiano, que circula por pontos delica-

dos e importantes para qualquer analista, como o amor de transferência

(Freud, 1915 [1914]. Assim, tal escrito visou compartilhar a experiência

de trabalho clínico e institucional com uma adolescente que tentava se

estabelecer e criar caminhos, após uso de drogas e passagens por alguns

lares e por instituições.

O título irreversível é polissêmico neste trabalho, pois faz pensar nos

caminhos que parecem já determinados como se apresentam no discurso

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correio APPOA l agosto 201348.

temática.

social: “Drogas: um caminho sem volta”, foi inspirado no filme francês

homônimo de Gaspar Noé, onde o diretor e roteirista apresentam sua his-

tória mostrando o final antes do início. O filme gera angústia e desconforto

pela forma como a câmera é manejada, e aqui associo com as condições

de trabalho institucionais e a vida de adolescentes e crianças em situações

de abrigamento. O filme é narrado de trás para frente, e no início perce-

bemos a truculência, a agitação com que a câmera é manejada, o que ao

longo do filme, que vai do presente para o passado, os personagens vão se

mostrando mais calmos e em situações emocionais diferentes. Ao chegar a

uma situação de abrigamento, muitas crianças e adolescentes encontram-

se em um momento de angústia de suas vidas, por rupturas de vínculos,

incertezas sobre o seu presente e o seu futuro, algumas vezes desorientadas

ao entrar em um território que desconhecem.

“Eram umas duas horas da tarde, as crianças e os adolescentes se

preparavam para um passeio. Natasha pediu à cozinheira para tomar

refrigerante, ao que esta lhe respondeu que pretendia abrir a garrafa na

volta do passeio e assim todos poderiam bebê-la junto com o lanche que

prepararia. Natasha, contrariada, pergunta a um monitor, sem que a co-

zinheira percebesse, se pode beber o refrigerante e este a autoriza. Outro

monitor, que havia observado as duas conversas, avisa ao monitor que a

tinha autorizado sobre a conversa de Natasha com a cozinheira. Este volta

atrás em sua decisão e diz a ela que esperasse para beber quando voltasse

do passeio, junto com os demais. Ela senta em um banco na cozinha e

começa a contar até dez, a se balançar e a sacudir uma cadeira de bebê a

sua frente. Antes de chegar aos dez ela levanta a cadeira e a joga contra a

parede, ao mesmo tempo em que começa a gritar e a arremessar objetos

que encontra a sua frente. Nesse momento a cozinheira desmaiou, a faxi-

neira teve uma crise de pressão, os demais ficaram perplexos e o passeio

não aconteceu”.

Esta vinheta institucional, relatada por monitores, apresenta uma

das várias atuações de uma adolescente e dos funcionários, em uma Casa

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Jornada do Percurso de Escola XI (II).

de Passagem, serviço de alta complexidade da Assistência Social de uma

cidade da Grande Porto Alegre. Trata-se de uma adolescente de 16 anos,

a quem chamarei de Natasha, inspirada na música homônima do Capital

Inicial, que remete não apenas a esta adolescente, que teve mudanças

constantes de residência, mas a tantas outras que já passaram pela situação

de abrigamento em algum momento de suas vidas. A música fala de uma

mudança de identidade (“era Ana Paula agora é Natasha”), ou no deixar

as certezas, aquilo que se tem, os amores que se tem (“...deixou pra trás os

pais e o namorado...”) e que para isso (“um passo sem pensar, um outro dia

um outro lugar”) se lançam sem pensar, sem medir as consequências para

outra situação, outro lugar, outras pessoas, outros amores. Não calculam

o preço que terão de pagar.

No que diz respeito à adolescência, sabemos de um lugar específico

na subjetividade de cada um de nós: separação dos pais da infância,

novos ideais, assim como novas experiências sexuais, habitadas, a

partir de então, não apenas pelas fantasias de procriação, mas tam-

bém pela possibilidade de que essa se concretize (Alberti e Pollo,

2005, p. 26).

Os sintomas, como os de Natasha, que se apresentam em forma de repe-

tição são muitas vezes tentativas psíquicas de encontrar uma solução para

a angústia e é seguidamente uma tentativa de simbolização e elaboração,

ainda que fracassada, ao mesmo tempo em que é o que tem de mais vital

o sujeito, pois é pelo sintoma que se faz sujeito. Assim, Natasha costuma

criar vínculos e rompê-los, mudar de casa, de lugar, num ciclo intermi-

nável, repetindo o abandono ao qual foi submetida desde sua infância.

Natasha vai ao abrigo na semana seguinte ao retorno de minhas

férias, relatando uma briga em que sua mãe se envolvera com vizinhas,

briga na qual a mãe havia apanhado, ficando muito machucada. Neste

relato Natasha menciona: “Bater não pode, né, tia Fer? É o que você dizia”.

Natasha afirma querer alugar a casa no mesmo terreno em que moram a

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temática.

sogra e o namorado para morar ‘sozinha’. Afirma que há momentos em

que ela tem vontade de bater com uma vassoura no namorado, repetindo:

“É, mas bater não pode, né, tia Fer?”. “Sim, Natasha, bater não pode”. Há

uma fragilidade na simbolização e uma construção dessa simbolização

que parece estar em curso, na alienação à fala do Outro. Natasha ainda

precisa segurar-se na fala do outro para tentar a transição no processo de

internalização da lei simbólica.

Natasha permaneceu oito meses mais ou menos em situação de

abrigamento. Nesse período envolveu-se em vários conflitos com outras

adolescentes, com monitores, com a direção e com a equipe técnica. Na-

tasha conseguiu um trabalho e saiu do abrigo para morar com o namorado,

depois de desistir de esperar que sua mãe lhe ajudasse nessa questão. Foi

sustentada sua decisão pela equipe técnica em pareceres ao Judiciário e

nas entrevistas com Natasha, que foi convidada a ir ao abrigo para ter aten-

dimento psicológico e desta forma manter o vínculo com a instituição. Ela

foi ao atendimento durante um mês, mais ou menos, e depois começou a

ausentar-se e ao passar algumas semanas sem contato com Natasha fomos,

a assistente social e eu, lhe fazer uma visita domiciliar interdisciplinar. Na

visita, soubemos que ela havia sido demitida, pois havia batido em uma

colega de trabalho. Nesta mesma visita, o namorado e agora companheiro

de Natasha, presente na conversa, menciona que estava entendendo o que

cada uma de nós duas (eu e a assistente social) fazíamos: “uma cuidava da

razão e a outra da emoção”. Ao que a assistente social protesta, afirmando

que ela também cuidava da emoção. Natasha, rapidamente, diz ao namo-

rado: “A tia Fer é quem diz não.” O que aponta o quanto ela precisa que a

“tia Fer” sustente os nãos, enquanto ela ainda não pode fazê-lo sozinha.

(...) Qual é o mínimo que somente um analista pode e deve fazer, a

partir do momento em que se dirigem a ele em nome de uma crian-

ça? Qual é o mínimo que somente um analista está apto a efetuar

a partir do momento que os pais vêm consultar um ‘psi’? Eu não

tomaria como ponto de partida as chamadas adaptações técnicas

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Jornada do Percurso de Escola XI (II).

contingentes, mas um dos fundamentos da psicanálise: a transfe-

rência (Porge, 1998, p. 8).

Aqueles que estão abrigados vivem um momento no qual o Estado

produz intervenções em sua situação familiar, escolar, cotidiana. Para

isso utiliza aparatos como varas da infância e juventude, instituições de

abrigamento adequadas às diferentes situações que as pessoas ditas de

direitos apresentam. A instituição da qual faço parte, que se propõe a

atender crianças e adolescentes de zero a 18 anos, possui alguns aparatos

para dar conta dessas intervenções: um grupo de monitores; equipe técnica

que é composta por uma psicóloga e uma assistente social; um diretor que

é vinculado à gestão partidária do município, e ainda conselheiros tutela-

res, o juiz e a promotoria da infância e juventude. É nesse contexto que se

exerce o cargo de psicóloga, e se é demandada a apresentar observações,

relatórios, laudos, pareceres e intervir com Natasha e outras crianças e

adolescentes em situação de abrigamento, bem como intervenções com

os demais integrantes desse aparato de proteção social, em questões rela-

cionadas a crianças e adolescentes abrigados.

De qualquer forma, os limites, as disposições, as demandas se fazem

com muitas diferenças de uma clínica em consultório. Estar em contato

cotidiano e intenso (no espaço onde comem, dormem, assistem televisão,

etc.) com crianças e adolescentes em situações em que seus lares e seus

vínculos sofreram abalo, joga-nos a outra intensidade na relação e nas

transferências.

“Tu sabes cozinhar? Então me leva para comer na tua casa?”, “Tu é

feia, vai embora daqui!”, “Eu quero um óculos de natação. Tu me dá?”,

“Não te mete na minha vida”, “Tem homenagem do dia das mães na escola,

olha o bilhete. Tu podes ir?”, “Tu podes me dar moedas pra comprar um

salgadinho do Homem de Ferro?”, “Tu tens dinheiro e condições de me

adotar. Adota-me!”, “Olha, a Mari aprendeu a falar não igualzinho a ti, faz

até o gesto com o dedinho”. Ou, ainda, ao quase ser derrubada quando

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temática.

agarrada por três meninos de aproximadamente oito anos, que pedem que

eu os leve para minha casa. Sendo bombardeada diariamente por perguntas

sobre a minha vida: se tem cama, comida ou brinquedos em minha casa;

se tenho filhos, se sou casada, se eu levo meus filhos na pracinha, se eu

e meu marido costumamos bater em nossos filhos, etc. Frases, perguntas

e atitudes como essas são frequentes e mostram experiências vividas, ao

mesmo tempo em que apontam a esperança de constituir outros laços, tão

necessários a sua integridade psíquica

Muitas das pessoas que trabalham no abrigo acabam por levar as

crianças ou os adolescentes para passar finais de semana em suas casas

ou para passeios com suas famílias, por se sentirem sensibilizadas por

tais pedidos. Algumas vezes tais proximidades são de grande proveito

para as crianças e adolescentes e lhes permitem viver e conhecer outras

formas de dinâmicas familiares e de relações afetivas, porém há de se

ter cuidado em tais situações, pois outras vezes lhes criam esperanças

de fazer parte daquelas famílias ou de ter vínculos mais fortes do que

realmente o são, ou a gerar questionamentos nas crianças e adolescentes

como: “Por que o tio André levou Marcelo para passear e não a mim?”.

Isto pode acabar por reforçar experiências de desamparo ou de reviver

abandonos. Uma das lutas que entravo na instituição e junto ao poder

público é a de que se proporcionem, aos finais de semana, atividades

fora da instituição, de cultura e lazer, para que a instituição lhes pro-

mova tais direitos. Não ter tais atividades tem criado, na instituição, a

justificativa necessária para que os passeios sejam proporcionados por

monitores em suas residências, considerando que não há no município

o projeto Apadrinhamento Afetivo.

A demanda de amor, que nos é endereçada na transferência, nesta

convivência na Casa de Passagem torna-se mais intensa, mais escancarada e

é verbalizada diretamente por crianças e adolescentes quando são tratados

e escutados com atenção e respeito. A especificidade desde ambiente nos

permite questionar quais seriam as condições mínimas necessárias para se

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Jornada do Percurso de Escola XI (II).

estabelecer um trabalho com essas crianças e adolescentes? Como tomar

esse endereçamento sem assumir demasiado o lugar do suposto saber?

“Se há uma ética da psicanálise – a questão que se coloca – é na me-

dida em que, de alguma maneira, por menos que seja, a análise fornece

algo que se coloca como medida da nossa ação – ou simplesmente pretende

isso” (Lacan, 1991, p. 374.)

A ética da psicanálise nos diz da importância do lugar de escuta,

do lugar de sujeito suposto saber, ou ao menos de estar sempre com este

lugar no horizonte, pois este lugar permite a um sujeito endereçar sua

fala a alguém.

Nesta transferência transito pelo lugar materno. Natasha chegou

a verbalizar o pedido de que eu a adotasse e já se adiantando a dizer que

sabia que eu tinha dinheiro porque eu ia de carro ao abrigo e que tinha

condições de tomá-la como filha. Assim, como sua mãe dizia que nunca

tinha condições de levar sua filha para casa, sempre faltava resolver um

problema de espaço na casa, ou cuidar de uma de suas outras filhas que

ficavam doentes, ou ajudar a sogra adoentada e diversos outros impedimen-

tos que surgiam ao longo desses oito meses, eu era colocada por Natasha

no lugar daquela que não poderia dar-lhe desculpas esfarrapadas para não

tomá-la como filha. Não adotei Natasha literalmente, mas durante esse

período em que esteve em atendimento, pude adotá-la de outra forma,

ocupar e não ocupar essa demanda que me era apresentada de forma tão

escancarada, visando operar cortes de efeitos simbólicos, de forma que

ela pudesse construir possibilidades de superação e ressignificação de sua

história.

Lacan, em seu Seminário 7, cujo título é A ética da psicanálise, nos

traz a diferença entre o “dizer o bem” e o “bem dizer”, e aponta que a

experiência moral nos conduz a um bem, a um ideal de conduta e a um

sentimento de obrigação. Lembra-nos que a análise apontou a importância

do sentimento de culpa e que Freud entende que a dimensão moral está

associada ao desejo e que é dele que se desprende a energia que ao final

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temática.

de sua elaboração se apresentará como censura. O trabalho na instituição

é atravessado pelo discurso de proteção à adolescente, de querer o bem,

que se perde às vezes um pouco da potência de uma escuta analítica.

Lacan, no seminário 8, nos fala do lugar do analista, e no começo da

experiência analítica, para ele, há amor. Entre o extremo daquilo que não

sei e; os solavancos, as brutalidades e urgências de situações limites desta

adolescente em situação de abrigamento em que o desejo do sujeito fez

junção ao desejo do Outro, ali onde se situa a transferência, há um desejo

de que esse sujeito possa, a partir dessa experiência de escuta, estabelecer

sua individualidade, que tenha o “privilégio de culminar como sujeito de

seu desejo” ( Lacan, Seminário 8, p. 173).

Pois o desejo, em sua raiz e sua essência, é o desejo do Outro, e é aqui, falando propriamente, a mola do nascimento do amor, se o amor é

aquilo que se passa nesse objeto em direção ao qual estendemos a

mão pelo nosso próprio desejo e que, no momento em que nosso

desejo faz eclodir seu incêndio, nos deixa aparecer, por um instante,

essa resposta, essa outra mão que se estende para nós, bem como

seu desejo (Lacan, Seminário 8, p. 180).

Referências bibliográficasALBERTI, S. & POLLO, V. Adolescência e criminalidade. In: Revista Marraio – Formações Clínicas do Campo Lacaniano, nº 10. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2005.

FREUD, S. (1915 [1914]). Observações sobre o amor transferencial (Novas recomendações sobre a técnica da Psicanálise III). In:. O caso de Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1980.

LACAN, J. O Seminário - Livro 7 – A ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 1991, 2ªed.

PORGE, E. A transferência para os bastidores. Littoral: a criança e o psicanalista. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1998.

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temática.

Reflexões sobre a avosidade na contemporaneidade

Valéria Rombaldi1

Inicio esta escrita pelo termo avosidade, que aparece no título. Não

sei se o escutei de alguém ou se surgiu de uma necessidade de nomear a

função exercida pelos avós. De qualquer forma, esta palavra não aparece

no dicionário Aurélio, então coloco aqui minhas reflexões sobre o que está

implicado no ser avô/avó no contexto social em que vivemos, na tentativa

de delinear o que avosidade poderia significar.

A partir da escuta de diversos relatos e de observações sobre as rela-

ções familiares em que avós, seus filhos e netos estão em foco, algumas

mudanças não podem passar despercebidas. De alguma forma, a imagem

dos avós aparece cada vez menos associada a uma possibilidade de trans-

missão entre gerações, seja porque dedicam menos tempo ao convívio

1 Psicanalista.

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temática.

familiar, seja por serem demandados apenas no que se refere às tarefas de

cuidado físico dos netos, sem que sejam autorizados a menor interferência

na sua educação. Em algumas situações, os avós podem se ver convoca-

dos a assumir totalmente a responsabilidade da educação e cuidados dos

netos, quando os pais das crianças não exercem a função parental que lhe

é própria. Nestes casos, a transmissão também é deslocada pela mudança

de lugar dos avós na estrutura familiar.

Muitos de nós certamente já ouviram queixas de que os avós não têm

mais tempo para colaborar nas atividades dos netos, como buscar na es-

cola, levar para dormir em suas casas, para que seus pais possam sair nos

finais de semana. Ouve-se que os avós só viajam e não podem participar

de festas familiares. Nestas queixas, o valor dos avós está bastante restrito

à capacidade de exercer a função de babás, não se reconhece o valor dos

avós como transmissores de experiências, de princípios morais e éticos, da

história familiar onde cada sujeito poderia se situar, ou de desejo. É como

se estas possibilidades ficassem relegadas a uma posição secundária, ou

mesmo nem fossem consideradas.

Um aforisma do poeta e escritor francês René Char, diz que: “Nossa

herança nos foi deixada sem nenhum testamento” (em Feuillets d’Hypnos).

Se não há testamento, se não está escrito em lugar algum o que se recebe de

nossos antepassados, alguém poderia se perguntar sobre como reconhecer

o que herdamos e o que nos é legado. O que pode ser transmitido de pai

para filho, de filho para seu próprio filho, de uma geração para as outras

está muito além de objetos. Mesmo não estando escrito, seu lugar está

posto. Não se tem controle sobre o que se transmite, muito é da ordem do

não dito. Certamente, o que está no centro da questão da transmissão é o

desejo, em sua presença ou ausência.

No livro Abandonarás teu pai e tua mãe, Phillipe Julien aborda várias

questões sobre a transmissão. Nos lembra que a lei do desejo funda a con-

jugalidade e que o amor e o gozo sexual não são suficientes para sustentar

o laço conjugal. Mas como transmitir o desejo para a próxima geração? A

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Jornada do Percurso de Escola XI (II).

conjugalidade de um homem e uma mulher funda a parentalidade que

permite a transmissão da lei do desejo, necessária para que ocorra a rup-

tura do vínculo filial com a família de onde se vem, a partir do que o filho

se tornará capaz de se assumir e constituir uma nova conjugalidade. “[...]

pais que graças à sua conjugalidade, permanecem em sua própria geração

não fazem recair sobre os filhos tornados adultos o peso de uma dívida de

reciprocidade” (no que diz respeito ao amor)” (p. 36). Os pais devem saber

retirar-se, permitindo que o filho, tendo se tornado capaz de se assumir,

não ocupe o lugar de gozo deles.

Considerando as três gerações, o que estaria então implicado numa

possível diminuição da participação dos avós no dia a dia dos filhos e netos

e na insatisfação dos filhos com essa falta? Uma grande disponibilidade

de tempo por parte dos avós certamente não é garantia de que assumiram

este papel na família. Qual é a função dos avós hoje? O que é a avosidade

ou como deveria ser exercida? O que se reedita para os avós quando pri-

meiramente tem seus filhos e quando estes, por sua vez, tornam-se pais?

O que se reedita para os filhos, quando estes se tornam pais, em relação

aos próprios pais?

Faço um recorte destas questões tomando como referência para minhas

reflexões um conto de Mia Couto, publicado no livro O Fio das Missangas,

chamado O Adiado Avô.

Este conto apresenta história de uma mulher que dá à luz um menino,

fato que foi motivo de muito contentamento dos familiares, com exceção

do avô materno. Este se recusa a visitar o bebê no hospital; quando o le-

vam para visitá-lo, vê o berço mas não olha o menino, não quer olhá-lo.

A reação surpreende o restante da família, que não consegue compreen-

der o avô. A filha, desesperada, pede ajuda à mãe, que é muda, para que

fale com pai, para que ele pare de castigá-la. Quando o menino diz os

primeiros sons, o avô afirma: “aprender a falar é fácil. Custa é aprender a

calar”. A avó materna, a muda, agora, “tão assumidamente avó”, sacode a

cabeça. Segundo o narrador, tio do menino, o pai, nesse ponto tem razão:

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temática.

“nós, pobres, devíamos alargar a garganta não para falar, mas para melhor

engolir sapos” (p. 34). O avô conta uma experiência ruim no trabalho,

consequência de ter ficado calado, e a avó suspira. Diz o filho: “Amadalena

suspirava direito por silêncios tortos” (p. 35). Após uma outra situação

em que o avô repele o menino que aprende a engatinhar, a avó o convoca

a dar explicações. E ele se explica.

Afinal, ele sempre dissera: não queria ter netos. Os filhos não des-

pejassem ali os frutos do seu sangue.

– Não quero cá disso, eu não sou avô, eu sou eu, sou Zedmundo

Constante.

Agora, ele queria gozar o merecido direito: ser velho. A gente morre

ainda com tanta vida!

– Você não entende, mulher, mas os netos foram inventados para,

mais uma vez, nos roubarem a regalia de sermos nós.

E ainda mais se explicou: primeiro, não fomos nós porque éramos

filhos. Depois, adiávamos o ser porque fomos pais. Agora, querem-

nos substituir pelo sermos avós (p. 35).

A avó, farta da situação, lhe diz que ou ele se abrandasse ou que tudo

estaria acabado entre eles. Ele que saísse, procurasse outro lugar. Eles

ficaram juntos, mas a filha, seu marido e o filho é que se mudaram para

outra cidade.

Após poucas semanas, o genro faleceu, a filha foi internada e o neto

voltou para a casa dos avós. No momento em que entrou, o avô saiu.

“Tudo o que você não falou, está certo, Amadalena, mas eu não agüento”

(p. 36), disse ele.

Ficou sumido por dias, e quando voltou estava mais magro e chorava.

A esposa o recebeu maternalmente, acatando o marido no peito. “E sentiu

que já não era apenas o espreitar da lágrima. Vendo-o assim, babado e

minguado, minha mãe entendia que o velho, seu velho homem, queria,

afinal, ser sua única atenção” (p. 37).

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Jornada do Percurso de Escola XI (II).

A avó levou o avô pela mão para ver o neto em seu berço. Este o

levantou e beijou longamente, como se saboreasse seu cheiro. Depois de

deitá-lo de volta, deitou-se com o marido no sofá, com o neto adiado ao

seu lado. Quando o filho chega, na manhã seguinte, lê um bilhete escrito

pela mãe antes de sair:

Meu Zedmundo, durma cumprido. E trate desse menino, enquanto

vou à cidade.

Entre rabiscos, emendas e gatafunhos, o bilhete era mais de ser

adivinhado que lido. Diz que meu pai ainda estava em tempo de ser

filho. Culpa era dela, que ela já tinha se esquecido: afinal, meu pai

nunca antes fora filho de ninguém. Por isso, não sabia ser avô. Mas

agora, ele podia, sem medo, voltar a ser seu filho.

“Seja meu filho, Zedmundo, me deixe ser sua mãe. E vai ver que

esse nosso neto nos vai fazer semos nós, menos sós, mais avós.”

O filho dobra o bilhete e o coloca de volta na mesa. Planeja contar a

história para a irmã, mas lembra das palavras do pai sobre o aprender

a calar. Decide não contar isto a ninguem. “Minha mãe, que é muda,

que conte (p. 37-38).

Lacan considera o estádio do espelho, o momento inaugural de cons-

tituição do eu, no qual a criança, antes de falar, vislumbra uma totalidade

corporal através da visualização da sua imagem no espelho, imagem esta

acompanhada pelo assentimento do outro que a reconhece como verda-

deira. O eu é descrito por Lacan como essencialmente imaginário, embora

dependa do reconhecimento simbólico do Outro, no caso a mãe.

O que a avó do conto faz para ser considerada “tão assumida” não é

dito, como se já estivesse dado aquilo que lhe faria ser reconhecida como

tal. Os efeitos subjetivos nela são resultado do reconhecimento simbólico,

primeiramente pelos seus filhos, pais do neto e, posteriormente, pelo pró-

prio neto. Para isso, não é preciso que diga uma única palavra. A linguagem

se impõe de outras formas, mas permite mesmo assim que ela demonstre

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correio APPOA l agosto 201360.

temática.

que ocupou aquele lugar. Para que os pais dos pais de uma criança se

façam avós, há também uma dimensão de escolha, eles precisam desejar

ocupar este lugar. É preciso que opere uma mudança subjetiva para que

uma outra posição do sujeito se produza.

Alfredo Jesuralisnky nos lembra, em um seminário de outubro de 2004,

que Freud, no “Projeto de uma psicologia para neurologistas”, estabelece

uma discussão com a corrente já chamada Psicologia Social, sobre a cau-

salidade das mudanças subjetivas. Intelectuais alemães sustentavam que

a causa de qualquer mudança subjetiva estava naquilo que a sociedade

como um todo apresentava para cada indivíduo, e não em cada sujeito

mesmo. Segundo Jerusalinsky, é uma polêmica que continua.

A causalidade psíquica se opera a partir do discurso social ou a

partir da posição do sujeito do inconsciente? O quanto o sujeito do

inconsciente é tributário do discurso social? O quanto o discurso é

tributário do sujeito do inconsciente? (p. 75).

Ainda segundo Jerusalinsky, a psicanálise reconhece a causa na

posição do sujeito do inconsciente, mas que causalidade? Diz que essa

causalidade é ambígua. Por um lado, se situa nas experiências primordiais

que têm como antecedente as fantasias originárias, nas quais Melanie

Klein se agarra para sustentar a tese de que a determinação da posição do

inconsciente está no constitucional, portanto, no instinto. Por outro lado

Freud apresenta outra vertente, retomada posteriormente por Lacan, em

que “a determinação está no significante, que permite a articulação do

indivíduo com o coletivo. A determinação está nesse ponto de enlace que

o significante faz entre o sujeito e o discurso” (p. 76). E ele (Lacan) diz que

quando muda a relação do sujeito com o significante, muda a história, ou

seja, a causalidade estaria na posição que este significante tem na relação

com o sujeito. Poderia-se dizer então que a posição em que o significante

avó/avô se inscreve na cadeia de significantes do sujeito determina como

este vai se posicionar no discurso social e nas relações familiares. O mesmo

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agosto 2013 l correio APPOA .61

Jornada do Percurso de Escola XI (II).

em relação ao significante filho e ao significante pai/mãe. Uma vez que

há uma ordem na genealogia familiar, podemos nos perguntar como seria

possível ser avô, sem ter sido antes, filho e pai?

Zedmundo, parece nunca ter se reconhecido como alguém a não ser

na relação com a mãe, no lugar de filho. Ao recobrir a castração da mãe,

acreditou ser seu falo, precisando ser parte do outro para ser. Parece não

ter saído desta posição, o que é reforçado sob o olhar da esposa. Na relação

com o desejo da esposa, que o autorizou, através do seu desejo, a ocupar o

lugar de pai, será que conseguiu ser pai? Certamente teve que, novamente,

se haver com a própria castração simbólica e, talvez, de alguma forma, te-

nha transmitido a lei para os seus próprios filhos. Entretanto, não consegue

reconhecer o filho de sua filha, se recusa a fazê-lo, não quer participar da

transmissão da lei para os filhos de seus filhos, não há lugar para eles no

seu desejo. O significante avô não está inscrito, ou talvez não tenha sido

(re)significado. Agora mais velho, Zedmundo continua na busca de si,

não sabe quem é, a que veio. Parece não ter construído um mito familiar

que lhe permitisse situar-se na estrutura familiar, nos diferentes lugares

possíveis. Ao contrário de reconhecer o seu desejo, permanece desejando

o reconhecimento. De quê, de quem, não parece saber.

Maria Rita Kehl, no texto “A juventude como sintoma da cultura”, nos

faz pensar sobre o tema da juventude:

O efeito paradoxal do campo de identificações imaginárias aberto

pela cultura jovem é que ele convoca pessoas de todas as idades.

Quanto mais tempo pudermos nos considerar jovens hoje em dia,

melhor. Melhor para a indústria de quinquilharias descartáveis,

melhor para a publicidade – melhor para nós? O fato é que nas

últimas décadas viramos jovens perenes. Por que não? Se no tempo

de Nelson Rodrigues todos queriam ser velhos (imagem de velhice

associada à respeitabilidade, à seriedade); se cada época elege um

período da vida para simbolizar seus ideais de perfeição – que lei,

moral ou natural, deve determinar os critérios de maturação humana,

os padrões de longevidade, o limite para o que podemos exigir ou

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temática.

desfrutar de nossos corpos? Se ainda não se sabe do que a máquina

humana, feita de apetites e de linguagem, é capaz, por que o poder

da cultura, do dinheiro, do cinema e da televisão não podem congelar

cinco, seis gerações num estado de juventude perpétua?

Se o discurso social deixa indefinida a diferença entre as posições

subjetivas do jovem, do adulto e do velho, e não reconhece o valor do

crescimento, da maturidade, que vem com o tempo pra uns, pela força

das circunstâncias de vida para outros, ou pode ainda nunca advir, como

poderiam-se fazer inscrever /(res)significar os significantes pais e avós?

Ricardo Rodulfo nos diz em O brincar e o significante que

a tarefa eminentemente ativa que todo o ser humano deve em-

preender, para a qual precisa de ajuda, porque sozinho não pode

consumá-la, é encontrar significantes que o representem frente ao

e dentro do discurso familiar, no seio do mito familiar, ou seja, do

campo desejante familiar (p. 34).

Bernard Penot, no texto “A importância da noção de adolescência”,

analisando uma abordagem da patologia adolescente, a considera uma

possibilidade rica para o psicanalista “em razão da exemplaridade daquilo

que seus casos de figuras clínicas desenvolvem sob nossos olhos como

modalidades possíveis de liberação, do sujeito de um desejo próprio

através da entrada em crise de um aparato de conformidade, do eu e do

supereu” (p. 35). A adolescência, assim como a chegada de um filho, um

neto, implica fases da vida propícias para o sujeito reviver os processos

identificatórios imaginários constitutivos do Eu, prolongamento do modelo

de conformidade do Eu-ideal, e a emergência do sujeito de desejo próprio

dependente do operador psíquico Ideal-de-Eu. Com a chegada de um novo

potencial sujeito, filho ou neto, as dificuldades não superadas dos proces-

so de constituição e de reconhecimento da castração se reeditam. Assim

como na adolescência conflitos não elaborados de origem familiar podem

novamente retornar na forma de sintoma. Não seria de se surpreender se a

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Jornada do Percurso de Escola XI (II).

angústia que daí deriva, quando adicionada à falta de reconhecimento do

seu lugar e de seu valor pelos filhos, agora pais, e ao imperativo do gozo

presente no discurso social, pudesse provocar o afastamento dos avós e

de seus filhos e netos.

Marie-Christine Laznik aborda em O complexo de Jocasta um outro

tema, ligado diretamente ao envelhecimento: a feminilidade e a sexualidade

sob o prisma da menopausa. Fica clara a confusão entre o fim da capacidade

de reprodução e a perda da feminilidade. Para sair da alienação radical na

imagem como Eu Ideal, o sujeito vai apoiar-se em seu Ideal de Eu, de uma

identificação com um traço paterno. Numa mulher, isto não dá conta da

sua feminilidade e, portanto, “ela continuará dependente dessa imagem

como Eu Ideal, construída a partir do olhar do Outro e nunca definitiva-

mente adquirida” (p. 108). O parceiro conjugal tem um papel fundamental

pois pode permitir à mulher ver sua imagem corporal falicizada, investida

libidinalmente, através de seu olhar, de sua voz, ao longo de toda a vida,

neutralizando, por assim dizer, a perda da qualidade estética objetiva do

corpo em sua real dimensão, puramente orgânica. Quando isso não acon-

tece, entre as saídas encontradas por algumas mulheres para a crise da

meia idade, está a renúncia ao próprio desejo para viver em função dos

filhos adultos. O mesmo pode acontecer no que diz respeito aos netos, ou

em atividades outras, como viagens ou projetos sociais e culturais, numa

tentativa de sublimação, recurso valorizado pela nossa cultura. Aquelas

que conseguem encontrar outras formas de manter sua posição feminina,

possivelmente poderão criar diferentes e ricas relações com filhos e netos,

que comportem espaço para seu desejo se fazer presente, aproveitando

o largo horizonte de possibilidades que o mundo contemporâneo tem a

oferecer.

Para o homem de meia idade, quando o seu órgão genital já não fun-

ciona mais como na juventude, a diminuição da potência fálica no plano

imaginário pode ser compensada pela manutenção de uma oferta de falta da

parceira, junto com a indicação de que ele é quem pode suprí-la. Quando

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temática.

isto não acontece, o homem pode fazer um super investimento profissional

ou procurar na relações com outras mulheres, muitas vezes mais jovens,

o reconhecimento do falo no seu poder econômico, posição social, etc.

As crises conjugais enfrentadas por casais de meia idade, tanto pelas

questões femininas quanto masculinas, claramente afetam a manutenção

do laço conjugal e, portanto, a transmissão da lei do desejo, diretamente

para a segunda geração e direta ou indiretamente para a terceira. A psica-

nálise poderá ter um papel relevante para os que buscarem nela a ajuda

necessária.

Falhas nos processos constitutivos do Eu, insuficiência simbólica,

crises conjugais, vínculos filiais não rompidos, dificuldades de assumir

a parentalidade, falta de reconhecimento do valor do que os avós podem

transmitir... Certamente são muitos os elementos que podem interferir na

subjetivação das três gerações no que diz respeito a avosidade. Algumas

questões foram abordadas neste momento, certamente há outras. Mesmo

sem responder completamente as questões levantadas, espero ter podi-

do avançar um pouco na direção de como apreender o que se passa no

discurso social sobre o tema avosidade e quais são seus efeitos sobre as

relações familiares.

Referências bibliográficasARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1968.

COUTO, Mia. O Fio das Missangas. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 2004.

JERUSALINSKY, A. Seminários V – O declínio do império patriarcal. São Paulo: Universidades de São Paulo, Instituto de Psi-cologia, 2004.

JORGE, M. A. Coutinho, Fundamentos da Psicanálise – De Freud a Lacan, vol I. Rio de Janeiro: Ed Zahar, 2000.

JULIEN, Phillipe. Abandonarás teu pai e tua mãe. Rio de Janeiro: Ed. Companhia de Freud, 2000.

KEHL, Maria Rita. A juventude como sintoma da cultura, blog da autora (acessado em maio 2013).

LACAN, J. O estádio do espelho como formador da função do eu. In: Escritos. Rio de Janeiro: Ed Zahar, 1966.

LAZNIK, Marie-Christine. O Complexo de Jocasta. Rio de Janeiro: Ed. Companhia de Freud, 2003.

PENOT, Bernard. A importância da noção de adolescência para uma concepção psicanalítica de sujeito. In: Revista da APPOA, número 11, 1995.

RODULFO, R. O brincar e o signifi cante – um estudo psicanalítico sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas, 1990.

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julho 2013 l correio APPOA .65

agenda.

agenda

dia hora atividade

próximo número

02, 09, 16, 23 e 30 14h Reunião da Comissão da Revista

09 e 16 16h Reunião da Comissão de Aperiódicos

12 e 26 20h30min Reunião da Comissão do Correio

01, 08, 15, 22 e 29 19h30min Reunião da Comissão de Eventos

01 e 15 20h Reunião da Comissão da Biblioteca

08 e 21h Reunião da Mesa Diretiva

22 e 21h Reunião da Mesa Diretiva aberta aos Membros

agosto. 2013

eventos do ano

data evento local

23 e 24 de agosto III Jornada do Instituto APPOA Hotel Continental – Porto Alegre – RS

26 e 27 de outubro Jornada clínica Plaza São Rafael – Porto Alegre – RS

2013

Relendo Freud: Além do princípio do prazer (1920)

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normas editoriais do Correio da APPOA

O Correio da APPOA é uma publicação mensal, o que pressupõe um trabalho de seleção temática – orientado tanto pelos eventos promovidos pela Associação, como pelas questões que constantemente se apresentam na clínica –, bem como de obtenção dos textos a serem publicados, além da tarefa de programação editorial.

Tem sido nosso objetivo apresentar a cada mês um Correio mais elabo- rado, quer seja pela apresentação de textos que proporcionem uma leitura interessante e possibilitem uma interlocução; quer pela preocupação com os aspectos editoriais, como a remessa no início do mês e a composição visual.

Frente à necessidade de uma programação editorial, solicitamos que sejam respeitadas as seguintes normas:

1) os textos para publicação na Seção Temática, Seção Debates, Seção Ensaio e Resenha deverão ser enviados por e-mail para a secretaria da APPOA ([email protected]);

2) a formatação dos textos deverá obedecer às seguintes medidas: – Fonte Times New Roman, tamanho 12 – O texto deve conter, em média, 12.000 caracteres com espaço – Notas de rodapé em fonte tamanho 103) as notas deverão ser incluídas sempre como notas de rodapé;4) as referências bibliográficas deverão informar o(s) autor(es), título da

obra, autor(es) e título do capítulo (se for o caso), cidade, editora, ano, volume (se for o caso);

5) as aspas serão utilizadas para identificar citações diretas;6) citações diretas com mais de 3 linhas devem vir separadas do corpo do

texto, com recuo de 4 cm em relação à margem, utilizando fonte tamanho 10;7) o itálico deverá ser utilizado para expressões que se queira grifar, para

palavras estrangeiras que não sejam de uso corrente ou títulos de livros;8) não utilizar negrito (bold) ou sublinhado (underline);9) a data máxima de entrega de matéria (textos ou notícias) é o dia 05,

para publicação no mês seguinte;10) o autor, não associado a APPOA, deverá informar em uma linha como

deve ser apresentado. A Comissão do Correio se reserva o direito de sugerir alterações ao(s) autor(es) e de efetuar as correções gramaticais que forem ne-cessárias para a clareza do texto, bem como se responsabilizará pela revisão das provas gráficas;

11) a inclusão de matérias está sujeita à apreciação da Comissão do

Correio e à disponibilidade de espaço para publicação.

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c o r r e i o

A P P O AÓrgão Informativo da APPOA

Associação Psicanalítica de Porto Alegre

Rua Faria Santos, 25890670-150

Porto Alegre RSFone: 51 3333 2140

Fax: 51 3333 [email protected]

www.appoa.com.br

Comissão do Correio

Coordenação Luciano Assis Mattuella

Regina de Souza Silva

Integrantes Ana Paula Melchiors Stahlschmidt

Fernanda Pereira BredaGraziela Alberici

Lúcia Martins Costa BohmgahrenMarcia Helena de Menezes Ribeiro

Márcia da Rocha Lacerda Zechin Mercês Sant Anna Ghazzi

Paulo GleichSilvia Raimundi Ferreira

Tatiana Guimarães Jacques

Jornalista responsável Jussara Porto

Capa e projeto gráfico Rosana Pozzobon

Foto de capa Reprodução de texto lacaniano

Editoração eletrônicaClo Sbardelotto

Impressão Gráfica Calábria

Tiragem 350 exemplares

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Editorial 1

Notícias 3

Temática 9

(Des)enlaces – O que convoca à escrita? 9 Carmela de Lima Tubino

A delicadeza dos tempos das primeiras entrevistas 17 Marcia Giovana Pedruzzi Reis

Aventurar-se na desventura: um ensaio sobre política pública e laço social 29 Carolina Monte Lague

Psicanálise e o coletivo, uma ética singular 37 Júlia Lângaro Becker

Irreversível? Sobre o trabalho de transferência com crianças e adolescentes em situação de abrigamento 47 Fernanda Perlin de Cesaro

Reflexões sobre a avosidade na contemporaneidade 55 Valéria Rombaldi

Agenda 65