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Jornalismo científico Análise da superinteressante e suas tendências atuais 20/04/2008 Luiz Carlos S. R. Lima* RESUMO O presente trabalho busca contribuir para a compreensão do jornalismo científico, mais especificamente do conteúdo produzido por uma revista de circulação nacional: a superinteressante. A revista, desta forma, é compreendida como o maior periódico do tema no país. Nascida para divulgar as descobertas científicas, a superinteressante aos poucos vai quebrando esse paradigma e ampliando o conceito de jornalismo científico, abrindo espaço para as ciências humanas. A valorização das ciências humanas e sociais na pauta da superinteressante e a ascensão da religiosidade e do misticismo no cenário científico-tecnológico do Século XXI encontram embasamentos nos estudos sobre a pós- modernidade e a sua relação com o conceito de crise da ciência e o retorno ao sobrenatural. O trabalho tem como finalidade analisar a superinteressante, percebendo a forma com que trabalha o conceito de jornalismo científico em seus segmentos e compreender a tendência da abertura do conceito de ciência, dando espaço para as ciências humanas. INTRODUÇÃO O jornalismo científico é a parte do jornalismo que trata de ciência e tecnologia. É um jornalismo especializado, que tem como conteúdo a produção do conhecimento, a ciência, e a aplicação desse conhecimento, a tecnologia. A modernidade tardia tem como uma de suas características fundamentais a presença da ciência e da tecnologia no cotidiano. Junto com a ampliação das teorias, a divulgação científica extrapola os muros das universidades e torna-se acessível, via meios de comunicação, à população em geral. Assuntos de ciências e tecnologia são materiais jornalísticos cada vez mais freqüentes na mídia. E, por certo, a tendência é intensificar a divulgação desses assuntos devido à grande expansão desses assuntos, tanto na mídia como no próprio cotidiano das pessoas. Mediador entre ciência e sociedade, o jornalismo científico foi definido como o porta-voz da fronteira do conhecimento humano. Seu objetivo era popularizar a ciência, atendendo às necessidades do cidadão de compreender como e por que as descobertas científicas e tecnológicas afetam, para melhor ou para pior, o seu dia-a-dia. Porém, na sociedade pós-moderna, há uma necessidade de reavaliar a noção de ciência, a partir da convicção social de que o conceito de ciência depende, em grande parte, das mudanças sociais e ideológicas da época. Dessa forma, a ciência torna-se mais aberta para aceitar a religião e a filosofia como critérios válidos para a compreensão da sociedade. Essa abertura do conceito de ciência proporcionou ao jornalismo científico flertar com diversas áreas e deixar de ser relacionado apenas a ciências “duras”, como química e física. Neste aspecto, a revista Superinteressante, Editora Abril, destina-se à informação de novidades e curiosidades históricas, cultuais e científicas. A revista apresentou nos últimos anos, diversas matérias de capa voltadas à relação com o esoterismo e a religião. Responder as curiosidades. Explicar o mundo e a vida. Provar que o conhecimento é interessante e está diretamente relacionado ao cotidiano das pessoas, e que não pode

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Jornalismo científico Análise da superinteressante e suas tendências atuais 20/04/2008 Luiz Carlos S. R. Lima* RESUMO

O presente trabalho busca contribuir para a compreensão do jornalismo científico,

mais especificamente do conteúdo produzido por uma revista de circulação nacional: a superinteressante. A revista, desta forma, é compreendida como o maior periódico do tema no país. Nascida para divulgar as descobertas científicas, a superinteressante aos poucos vai quebrando esse paradigma e ampliando o conceito de jornalismo científico, abrindo espaço para as ciências humanas. A valorização das ciências humanas e sociais na pauta da superinteressante e a ascensão da religiosidade e do misticismo no cenário científico-tecnológico do Século XXI encontram embasamentos nos estudos sobre a pós-modernidade e a sua relação com o conceito de crise da ciência e o retorno ao sobrenatural. O trabalho tem como finalidade analisar a superinteressante, percebendo a forma com que trabalha o conceito de jornalismo científico em seus segmentos e compreender a tendência da abertura do conceito de ciência, dando espaço para as ciências humanas.

INTRODUÇÃO O jornalismo científico é a parte do jornalismo que trata de ciência e tecnologia. É

um jornalismo especializado, que tem como conteúdo a produção do conhecimento, a ciência, e a aplicação desse conhecimento, a tecnologia.

A modernidade tardia tem como uma de suas características fundamentais a presença da ciência e da tecnologia no cotidiano. Junto com a ampliação das teorias, a divulgação científica extrapola os muros das universidades e torna-se acessível, via meios de comunicação, à população em geral.

Assuntos de ciências e tecnologia são materiais jornalísticos cada vez mais freqüentes na mídia. E, por certo, a tendência é intensificar a divulgação desses assuntos devido à grande expansão desses assuntos, tanto na mídia como no próprio cotidiano das pessoas.

Mediador entre ciência e sociedade, o jornalismo científico foi definido como o porta-voz da fronteira do conhecimento humano. Seu objetivo era popularizar a ciência, atendendo às necessidades do cidadão de compreender como e por que as descobertas científicas e tecnológicas afetam, para melhor ou para pior, o seu dia-a-dia.

Porém, na sociedade pós-moderna, há uma necessidade de reavaliar a noção de ciência, a partir da convicção social de que o conceito de ciência depende, em grande parte, das mudanças sociais e ideológicas da época. Dessa forma, a ciência torna-se mais aberta para aceitar a religião e a filosofia como critérios válidos para a compreensão da sociedade.

Essa abertura do conceito de ciência proporcionou ao jornalismo científico flertar com diversas áreas e deixar de ser relacionado apenas a ciências “duras”, como química e física. Neste aspecto, a revista Superinteressante, Editora Abril, destina-se à informação de novidades e curiosidades históricas, cultuais e científicas. A revista apresentou nos últimos anos, diversas matérias de capa voltadas à relação com o esoterismo e a religião.

Responder as curiosidades. Explicar o mundo e a vida. Provar que o conhecimento é interessante e está diretamente relacionado ao cotidiano das pessoas, e que não pode

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ficar restrito aos acadêmicos. Eis o objetivo que orientou a linha editorial da revista Superinteressante, desde a sua criação em 1987.

A relevância da Super não se justifica apenas pelo seu sucesso editorial, o que já é bem significativo. Sua criação representou um empreendimento inovador no Brasil: apostar que o brasileiro se interessaria por ciência ou algo do gênero. Ademais, apesar das críticas, ela tem popularizado a ciência. E mais que isso, tem lançado e consolidando tendências.

O presente projeto se iniciará com um levantamento de uma vasta bibliografia acerca do jornalismo científico. Através desse conteúdo será possível caracterizar a essência do jornalismo científico na sociedade.

A pesquisa exploratória visa prover o pesquisador de maior conhecimento sobre o tema ou problema de pesquisa em perspectiva. Assim, pretende-se captar a essência das reportagens da revista e absorver melhor seu conteúdo dentro do jornalismo científico.

A etapa seguinte consistirá na pesquisa explicativa em que serão realizadas as análises do conceito de jornalismo científico aplicado dentro das reportagens da revista.

Conforme Alves (2003), a pesquisa explicativa tem como preocupação central identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência de fenômenos, em sua relação de causa e efeito. Desse modo, ao estudarmos o jornalismo científico e sua aplicabilidade dentro das reportagens, poderemos compreender de que forma a revista superinteressante o utiliza em sua linha editorial.

Posteriormente, com base na leitura sobre jornalismo científico, pretende-se analisar o conteúdo da Revista Superinteressante, tendo como base as edições de Agosto de 2006 a março de 2007. Destas edições, as 39 principais reportagens foram destacadas.

Para efeitos didáticos, o trabalho foi dividido em dois capítulos. O primeiro traz uma fundamentação teórica sobre o Jornalismo científico, com sua história, tendências atuais e objetivos, que servirão como base para o capítulo dois. Este segundo capítulo traz uma análise do corpus do trabalho, que são sete edições da superinteressante, de modo a perceber a divulgação do Jornalismo científico na revista.

1. JORNALISMO & CIÊNCIA: NOÇÕES PRELIMINARES 1.1 Jornalismo científico

O Jornalismo Científico diz respeito à divulgação da ciência e tecnologia pelos

meios de comunicação de massa, segundo os critérios e o sistema de produção jornalística.

É importante, pois, atentar para as duas partes essenciais desta expressão e que definem o conceito: o Jornalismo e o Científico. Isso porque é possível encontrar, nos meios de comunicação de massa, onde se manifesta a atividade jornalística, textos, artigos ou materiais sobre temas de ciência e tecnologia e que não podem ser considerados jornalismo cientifico, exatamente porque não são, em princípio, jornalismo. Estranho? Nem tanto: nos jornais e revistas estão incluídos os anúncios e estas mensagens são publicidade e, não, jornalismo. Repetindo a lição: nem tudo que fala sobre ciência e está escrito em jornais ou revistas é jornalismo científico.

O Jornalismo científico é um dos diversos ramos do jornalismo, resultante da segmentação dos públicos. Para entendermos melhor esse conceito, devemos também entender o que seria o jornalismo especializado. Nos escritos de Mesquita (1984, p. 178), encontramos a seguinte definição: “Jornalismo Especializado é aquele que traduz todos os ramos do conhecimento de forma técnica, com respaldo em sofisticadas sistematizações informativas que sofrem constantes mutações”.

Portanto, a técnica empregada na construção das notícias e a sistematização do conteúdo apresentado ao público são pontos-chave neste contexto. Para Erbolato (1981), o Jornalismo Especializado compreende todas as seções ou páginas diversas de um jornal. Com seu desenvolvimento, o público leitor passou a ser considerado de acordo com sua especificidade, isto é, seus interesses informativos. Como resultado

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deste fenômeno, houve o surgimento de tipos especializados de Jornalismo, organizados em editorias como: economia, cultura, esportes, ciência, entre outras.

Jornalismo científico é um gênero jornalístico, que atua, em princípio, em conformidade com os procedimentos de qualquer outra expressão jornalística. O contato com as fontes, a obtenção e checagem das informações e a formatação do texto noticioso com um emprego de um vocabulário de fácil compreensão são algumas das tarefas requeridas do jornalista.

O Jornalismo Científico é a parte do jornalismo que trata de ciência e tecnologia. É um jornalismo especializado, que tem como conteúdo a produção do conhecimento, a ciência, e a aplicação desse conhecimento, a tecnologia. Como diz Kneller (1980, p. 245),

“a palavra tecnologia deriva do grego techne que significa arte ou habilidade. Essa derivação diz-nos que a tecnologia é essencialmente uma atividade prática, a qual consiste mais em alterar do que compreender o mundo. Onde a ciência persegue a verdade, a tecnologia prega a ciência. Enquanto a ciência procura formular as leis a que a natureza obedece, a tecnologia usa essas formulações para criar implementos e aparelhos que façam a natureza obedecer ao homem”.

Como se trata de um ramo relativamente novo e que vem aos poucos atraindo a

atenção de um público mais especializado, definir jornalismo científico é uma questão um pouco controversa para muitos pesquisadores.

A amplitude atribuída à divulgação científica tem se mostrado como um fato obstaculizador dos estudos a ponto de vários pesquisadores buscarem circunscrever a melhor prática em questão. Mesmo assim, as propostas de conceituação das propostas da divulgação científica ainda parecem provisórias.

Uma linhagem de estudiosos prefere conceituar a prática em questão através de seu trabalho com a linguagem, o que implica o fundamento da divulgação em ciência como sendo o empenho de recodificação da linguagem científica, visando com isso favorecer que parcela de saberes restritos torne-se acessível e inteligível a um público não especializado.

“A divulgação científica com o propósito de levar ao grande público, além de notícias e interpretações do progresso que a pesquisa vem realizando, as observações que procuram familiarizar esse público com a natureza do trabalho da ciência e a vida dos cientistas. Assim, conceituada, ela ganhou expansão em muitos países, não só na imprensa, mas sob forma de livros e, mais refinadamente, em outros meios de comunicação de massa”.(Gonçalves, 1998)

Burkett (1990) relaciona o Jornalismo científico à divulgação de eventos científicos

realizados por cientistas. Veras Júnior (2005, p.45) destaca de outra forma: “a expressão Jornalismo científico é geralmente designada aos profissionais da informação (repórteres e editores que trabalham em veículos especializados)”.

Na concepção de Burkett (1990), ainda, a prática do JC envolve duas definições. A primeira designa-o como a divulgação de uma série de eventos científicos feitos por cientistas. A segunda define-o como um meio de divulgação através do qual a ciência e a medicina tenta abrir novos horizontes em seus campos.

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Pippi e Peruzzolo (2003) realçam que o Jornalismo científico enquanto prática jornalística voltada para os temas da ciência utiliza-se das mesmas características do fazer-jornalístico voltado para qualquer outro tema ou assunto, por isso, a apuração, a redação e edição de notícias e reportagens são idênticas porque o jornalismo é um só, no entanto, dependendo da especificidade do tema envolvido, os passos para a produção podem variar.

Bueno acrescenta ao conceito de Jornalismo científico características inerentes ao próprio jornalismo e por isso em conformidade com os procedimentos rotineiros desta atividade

1.1.2 Surgimento do Jornalismo científico A comunicação entre as sociedades científicas espalhadas por vários países se

realizava por meio da circulação de cartas. Burkett (1990, p.27) explica o uso das cartas como configurações de comunicação dos cientistas. “Os cientistas preferiam as cartas (com freqüências impressas, de modo que cópias pudessem ser enviadas a vários cientistas) porque os funcionários dos governos eram menos inclinados a abrir o que parecia ser uma correspondência ordinária”.

Segundo Burkett (1990) em 1667, Henry Oldenburg, secretário da Royal Society, foi quem inventou o Jornalismo científico. Ele foi aprisionado na torre de Londres quando o secretário do Estado britânico achou alguns comentários contidos numa comunicação científica que criticavam a conduta de guerra da Inglaterra com os holandeses pelo comércio das Índias Orientais.

Olndeburg deu início ao jornalismo científico com a publicação Philosophical Transctions, periódico da Royal Society, em março de 1668, com seu próprio esforço.

Hernando (1970) concorda com essa versão, que aponta como jornal mais antigo de divulgação científica o Philosophical Transactions, publicado a partir de 1665 pela Royal Society. Inclusive, esta comunidade é considerada como marco inicial para os encontros de cientistas e especialistas. Ou seja, a partir dela, a ciência passou a configurar-se como uma atividade social organizada.

Numa época em que os cientistas enfrentavam a censura da Igreja e do Estado, Henry Oldenburg, secretário da Royal Society, estabeleceu precedentes de cientistas funcionando como editores de periódicos da sociedade científica e para publicações em vernáculo.

Burkett (1990) ainda ressalta que, na primeira Guerra Mundial, os jornalistas escreveram e glamorizaram sobre as descobertas da química industrial e, na Segunda Guerra Mundial, sobre o poder da física e suas contribuições para a formação de bombas nucleares.

Oliveira (2005, p. 87) ainda observa que após os períodos entre-guerras surgiram as primeiras associações de Jornalismo científico: "As duas guerras mundiais certamente contribuíram para o avanço do jornalismo científico na Europa e nos Estados Unidos. Tanto que após a Primeira Guerra Mundial, jornalistas dos dois continentes, ávidos por reunir informações e conhecimento para interpretar as novas tecnologias bélicas criaram associações de jornalismo científico".

Outro marco histórico do Jornalismo de Ciência foi a chegada do homem à Lua, em julho de 1969. Porém, de acordo com Burkett (1990), foi mais especificamente a partir da década de 80 que se observou uma explosão do Jornalismo Científico em todo o mundo, inclusive no Brasil. Foi nesta época que os principais jornais do país criaram editorias específicas para a ciência.

Assim, a ciência moderna, cujo apogeu é alcançado com a teoria positivista do século XIX, tem sua identidade orientada para a dominação e a manipulação dos fenômenos e confere ao homem poder efetivo sobre a natureza e a imposição do saber dominante. Tal saber sofre um impulso nas primeiras décadas do século XX, com o avanço das descobertas científicas que proporcionam o desenvolvimento da tecnologia, dando início à chamada “revolução tecnológica”. Tais descobertas, entretanto, ampliam e extrapolam o estatuto da teoria e método positivistas.

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Desse modo, é possível afirmar que estamos num momento importante de transição e que a tendência é o crescimento irreversível da presença do Jornalismo Científico na Universidade brasileira. Este espaço na Academia é fundamental porque permite uma reflexão mais aprofundada sobre a prática do Jornalismo de Ciência, ao mesmo tempo em que contribui para despertar novas vocações.

1.1.3 A história do jornalismo científico no Brasil Da Europa, a imprensa foi exportada para as colônias em todo o mundo, chegando

ao Brasil com a família real. Entretanto, verifica-se um espaço de 308 anos entre a conquista do território e a instalação da imprensa no País (em 31 de maio de 1808), quando Dom João fundou no Rio de Janeiro a Imprensa Régia.

O advento da imprensa surgiu tardiamente no Brasil, apenas no reinado de D. João VI quando foi revogada a lei que proibia à impressão de livros. "Enquanto na Europa e nos Estados Unidos o século XIX foi marcado como um período de grande efervescência da divulgação da ciência e do jornalismo científico, no Brasil a corte portuguesa se instalou no início do século e só então resolveu suspender a proibição de imprimir livros e jornais". (OLIVEIRA, 2005, p. 27)

Após a revogação dessa lei, foi instalada uma oficina de impressão no Brasil, cujo objetivo era a reprodução de papeis diplomáticos. Nessa mesma oficina, Hipólito da Costa fundou o jornal Correio Braziliense, independente do poder oficial. Apesar de produzido em Londres, esse periódico foi considerado o marco inicial da imprensa brasileira.

A implantação da imprensa não constituiu uma iniciativa isolada, mas vinculou-se a um complexo de medidas governamentais capazes de proporcionar o apoio infra-estrutural para a normalização das atividades da Coroa Portuguesa, aqui instalada de modo provisório. Por este motivo, somente com a mudança do governo e da família real para o Brasil, as atividades culturais, o comércio e até a burocracia governamental exigiam que fosse instalada a imprensa.

Enfim, a trajetória do Jornalismo brasileiro no século XIX foi marcada pela construção de uma nova cultura política. De jornais meramente opinativos e bajulatórios da corte, passamos ao jornalismo partidário, engajado nas lutas sociais. Surgiram então jornais abolicionistas, reforçando a função ideológica e partidária que o jornalismo assumia naquela época. A abolição da censura prévia por Dom Pedro I, em 1821, foi vital neste contexto. Logo depois, surge a primeira versão da Lei de Imprensa, promulgada no ano de 1823.

Os jornais-empresa do início do século XX também fizeram história no Brasil. Este período foi marcado por iniciativas pioneiras na área do ensino da comunicação, sobretudo, em função das mudanças pelas quais passava a imprensa, evoluindo então para uma fase industrial, principalmente nas capitais do país. O Brasil passava por transformações políticas, sociais e econômicas, e a modernização viria a transformar o cenário urbano.

Em 1918, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), preocupada com o preparo de profissionais, tentou criar aquela que seria a primeira Escola de Jornalismo do país, baseada nos moldes das organizações norte-americanas. Mas foi só em 1935 que funcionaria, na Universidade do Distrito Federal,no Rio de Janeiro, o primeiro curso superior de Jornalismo.

Após o Estado Novo, a Ditadura de Vargas, a ciência brasileira passou a se firmar dentro do cenário nacional, muito por conta dos investimentos do Vargas, para alimentar a maquina de slogans, características próprias dos regimes totalitários.

Nesse contexto histórico, o término da Segunda Guerra Mundial também alavancou a expressão do jornalismo científico. As bombas atômicas e o grande poderio bélico das noções aguçavam a curiosidade das pessoas, fazendo com quem pessoas mais especializadas procurassem explicar ao grande público o que estava acontecendo,

Assim, as origens do Jornalismo científico, não apenas em nosso país, estão ligadas ao surgimento das sociedades científicas, de onde partiram as primeiras iniciativas de divulgação científica. Foi a vontade de compartilhar os conhecimentos em

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sua área que muitos cientistas se tornaram divulgadores e assim chamaram atenção para assuntos de interesse público.

No Brasil, em 1948, acontece o primeiro fato marcante: a criação da Sociedade Brasileira do Progresso da Ciência (SBPC), entidade ainda hoje existente que congrega todas as sociedades científicas do país.

Em 1951, criou-se o Conselho Nacional de Pesquisas, CNPq, que é considerado o primeiro esforço significativo para regulamentar à ciência e a tecnologia do país. Em 1974, o CNPq passou de autarquia a fundação, com o nome de Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, vinculado à Secretária de Planejamento da Presidência da República e em, 1985 passou a subordinar-se ao MCT (Ministério de Ciência e Tecnologia).

O CNPq é reconhecido como a principal agência que promove o desenvolvimento da ciência no país. É responsável pela manutenção de grande parte das bolsas de apoio à pesquisa e à qualificação de recursos humanos em cursos de pós-graduação no Brasil e Exterior.

Dentre os jornalistas que se destacaram, José Reis, é considerado o “pai do Jornalismo científico”, no Brasil. O jornalista tinha uma coluna cientifica semanalmente na Folha de S. Paulo desde 1947 até o fim de sua vida, em 2002.

José Reis, junto com outros amigos, foi o fundador da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, dando um salto significativo para a divulgação da ciência. Fundou, também, a Associação Brasileira de Jornalismo científico (ABJC). O reconhecimento a esse pioneiro do Jornalismo científico foi expresso pelo CNPQ, que em, 1979, criou o Prêmio José Reis de Divulgação Científica.

Mas é a partir da década de 80 que o Jornalismo Científico se firma totalmente, começando a fazer parte dos noticiários e periódicos. Há um crescimento significativo com o surgimento de novas revistas como Ciência Hoje (SBPC) e Ciência Ilustrada (Editora Abril) e, posteriormente, a Superinteressante. Com o passar do tempo, os editores dos grandes meios perceberam que havia interesse do público leitor por áreas específicas de conhecimento. Assim,começaram a surgir na década de 80 várias revistas de divulgação científica, como, por exemplo, a Ciência Hoje (1982); a Superinteressante (1986); a Globo Ciência (1982), que oito anos depois passou a chamar-se Galileu(1990). Na televisão, embora nos anos 70 o Fantástico já abordasse temas científicos, o programa especializado pioneiro foi o Globo Ciência (1984). Em meados de 1990, a divulgação científica ganha nova aliada, a internet, que através de jornais eletrônicos, sites de pesquisa e de debates, abre uma nova forma de aprender sobre ciência. Atualmente, a Internet tornou-se um dos meios mais utilizados por pesquisadores das mais diversas áreas.

Outros eventos de repercussão internacional também influenciaram o firmamento do jornalismo científico no Brasil como a passagem do cometa Halley (1986), a descoberta da supercondutividade (1987), as viagens espaciais e questões ambientais.

No início dos anos 90, as editorias dos grandes jornais estavam se estruturando e abrindo cada vez mais espaço para a produção jornalística nas áreas científica e tecnológica, apesar de, na maioria das vezes, privilegiarem material de conteúdo internacional, sobretudo de fontes americanas de notícias.

Embora algumas iniciativas isoladas tenham pontuado aqui e acolá, apenas recentemente a Academia descobriu a importância do JC e dedicou a ele espaço merecido nos cursos de Jornalismo. Para se ter uma idéia, há pouco mais de duas décadas, era defendida no Brasil a primeira tese sobre Jornalismo de Ciência numa Universidade. Uma novidade porque, àquela época, já se praticava por aqui o Jornalismo Científico, com grande competência, inclusive, mas existiam poucos estudos e pesquisas sobre o tema.

Oliveira (2005) nos alerta para o fato de que nos meios de comunicação brasileiros existe um gradativo número de informações científicas disponíveis, no entanto, a qualidade precisa melhorar, pois não adianta manter uma página diária de informação sobre ciência, se, por exemplo, o conteúdo não é claro e objetivo para o leitor. Por isso, é fundamental que o jornalismo científico não fique restrito apenas à tradução de

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conteúdo científico, mas permita uma reflexão e análise mais apurada sobre os fatos que permeiam o cotidiano da ciência.

1.1.4 Objetivos do Jornalismo científico Informar (do verbo latino informare) significa dar forma, formar, fabricar. A

informação da notícia, então, é fabricada, formada, a partir do contexto cultural compreendido socialmente. A indústria da informação, que produz a comunicação de massa, produz vasto volume de informações, gerando da "hipermídia" - explosão informacional.

Segundo Denise Siqueira (1999, p. 25), “o papel da informação na sociedade pós-guerra se torna de tal forma relevante que vem à luz o termo sociedade da informação. Nela vive-se cultural, política, científica e, principalmente, economicamente em torno da circulação de informações". Inserida nesse contexto, a ciência é transformada em notícia; e a pesquisa, mesmo que ainda em processo de formulação ou hipótese, é rapidamente divulgada. Contudo, geralmente, é divulgada como descoberta, criação já acabada ou como início de uma descoberta que alcançará o seu intento. O receptor, sem o saber, torna-se consumidor desse tipo desse tipo de informação.

A informação adquire, dessa forma, um caráter ideológico, no qual o discurso é proferido em nome do conhecimento científico-racional, mas elabora um imaginário que remete o receptor a uma visão ingênua e “encantada” acerca da ciência. A produção da divulgação transforma esse conhecimento em espetáculo. Nesse sentido, a informação construída pela divulgação científica, sendo conduzida com o propósito de fomentar o investimento da ciência enquanto um produto que gera a necessidade de consumo de suas descobertas e criações conduz à alienação do receptor (consumidor).

O empenho em produzir textos endereçados ao “leitor comum” remete aos questionamentos dos mais discutíveis e corriqueiros sobre a prática do jornalismo científico: é o profissional atuante nesta área apenas um tradutor do discurso científico para um vocabulário inteligível pelo homem do povo?

A informação científica contribui para a geração de conhecimento. É nessa perspectiva que a atividade do jornalismo científico pode ter um caráter educativo, cujo eixo principal é a popularização da ciência, trazendo à tona as conseqüências dos avanços científicos, a divulgação de descobertas e pesquisas, muitas vezes, “guardadas” nos muros das Universidades, a propagação das políticas científicas e outras.

Mediador entre a ciência e a sociedade, o jornalismo científico foi definido como o porta-voz da fronteira do conhecimento humano. Seu objetivo era popularizar a ciência, atendendo às necessidades do cidadão de compreender como e por que as descobertas científicas e tecnológicas afetam, para melhor ou para pior, o seu dia-a-dia.

Cabe ressaltar ainda que, para melhor comunicar os fatos da ciência, os jornalistas recorrem a múltiplas estratégias permitidas pela linguagem, inclusive uma profusão de metáforas e analogias. O emprego de tais recursos são, vias de regra, execrados pelos cientistas que, com freqüência, afirmam que “não declararam” aquilo que aparece na imprensa como sendo um fruto de seu depoimento e, mais ainda, que o uso da metáfora e analogia pode levar a erros e simplificações interpretativas e suas idéias e, em resultado, deporem contra o próprio entrevistado e a equipe de pesquisadores da qual faz parte.

Atualmente, o jornalismo científico encontra-se em um estágio de grande disseminação, o que torna cada vez mais necessária a reflexão acerca dos desafios dessa categoria jornalística. Não é à toa que a literatura sobre o jornalismo científico chama a atenção para o grande número de dificuldades para a prática dessa especialidade.

No entendimento de Bertiolli Filho (2006) o grande desafio do divulgador cientíifico e do jornalista científico é vencer as barreiras do analfabetismo científico, que a princípio parte do próprio jornalista. "O jornalismo não foge a esta regra e, se é comum invocar-se o despreparo do público para entender os fatos e os conceitos empregados pelos cientistas, é necessário se ressaltar que os próprios profissionais de comunicação tendem a demonstrar o mesmo ou até superior (des) conhecimento". (BERTIOLLI FILHO, p.9)

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Oliveira (2005) enfatiza que o jornalismo científico pode ser compreendido como um agente facilitador na construção da cidadania, pois cidadãos bem informados podem melhor discernir e opinar sobre questões relacionadas à ciência e à tecnologia e assim entender a extensão destas em sua vida.

O Jornalismo Científico encontra-se num estágio importante, de reflexão sobre sua função social por diferentes esferas da sociedade. O êxito da participação dos cientistas brasileiros no Projeto Genoma colocou a ciência brasileira em evidência no cenário internacional.

No entendimento de Hernando (1970), o grande desafio do divulgador científico ou do jornalista científico é a busca contínua pela harmonia entre ciência e compreensão popular. O jornalista precisa ter conhecimento sobre as grandes questões da ciência e os cientistas, por sua vez, devem perceber os problemas pelos quais passa o informador na hora de realizar seu trabalho.

Atualmente, com a complexidade do empreendimento científico, surgiram novos desafios para a eficácia da divulgação. “É preciso saber separar as informações e fatos científicos relevantes dos apelos comerciais, travestidos de informação científica, saber distinguir notícia de medicina de bula de remédio”. (BUENO, 1985, p.7). Aí não é suficiente ainda dispor de boas fontes, segundo esse mesmo autor. “Boas fontes não significam fontes insuspeitas e instituições estabelecidas nem sempre são independentes (2001, p.2). Inclui-se neste desafio a luta contra o “progresso” da pseudo-ciência, que promete milagres e ocupa espaço e tempo já escassos e que deveriam ser dedicados à informação qualificada em ciência e tecnologia.

A previsão vem se confirmando, pois os jornalistas começam a preocupar-se em melhorar o desempenho e ocupar o lugar de intérpretes da política científica e tecnológica do país, abandonando a posição de meros tradutores da produção em C&T. Para isso, estão buscando aperfeiçoamento em cursos de extensão e pós-graduação. Os cientistas, por sua vez, percebem finalmente a relevância da divulgação de sua produção e procuram, ainda que timidamente, entender a necessidade de cooperação com os jornalistas.

Observa-se que o jornalismo científico liga a produção do conhecimento científico e a sua difusão em forma jornalística. Atua, assim, na área de formação científica, já que suas fontes são os cientistas, mas seu produto final é a informação jornalística científica-tecnológica. Formação e informação são duas palavras chaves dentro do jornalismo científico.

Portanto, os principais desafios do Jornalismo de Ciência são: a relação entre cientistas e jornalistas; a interpretação da política científica e tecnológica do país; a quantidade e qualidade de cobertura da ciência na mídia brasileira; a difusão e divulgação das notícias; os critérios da publicidade nos jornais (matérias pagas); e a formação de um maior número de especialistas.

1.1.5 Tendências atuais do Jornalismo científico Desde o século XIX, a informação vinha desempenhando importante papel no

desenvolvimento científico e tecnológico (na organização, na difusão e no uso do conhecimento como recurso para a geração de novos conhecimentos). A fusão da ciência e da inovação (a possibilidade de crescimento tecnológico sistemático e organizado) transformou-se num dos esteios da sociedade pós-industrial. A partir desse momento, o conhecimento passou a ser pago, sujeito ao julgamento do mercado e capaz de reproduzir o sistema (à medida que produz novas informações).

A busca pela compreensão dos fenômenos naturais e da realidade remonta aos primórdios da humanidade – nós sempre procuramos entender o que ocorre ao nosso redor. No entanto, foi apenas na modernidade, em especial na Revolução Científica dos séculos 18 e 19, que a procura por explicações sobre a natureza e a vida tornou-se a mola propulsora da sociedade. E foi justamente para atender às expectativas de uma sociedade sedenta para ter conhecimento dos avanços científico-tecnológicos que surgiu o jornalista científico ou escritor de ciência. Nessa época a humanidade viu nascer o

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jornalismo científico, atividade que arrogava para si o direito (e o dever) de transformar conhecimento científico e tecnológico em informações de compreensão popular.

Não há mais a mesma impressão otimista e triunfalista criada pela ciência moderna. É na pós-modernidade(1) que os efeitos devastadores das duas grandes guerras, a poluição e destruição da natureza, a urbanização desumana, entre outras coisas, revelaram uma face do progresso científico que o homem não queria ver. Além disso, o próprio método científico moderno, inquestionável até então, entrou em xeque após a ascensão da física quântica e das descobertas da teoria geral da relatividade e da teoria da entropia.

O que ocorre na pós-modernidade é uma necessidade de reavaliar a noção de ciência e a validade dos métodos científicos – o que muitos chamam de "crise da ciência". Estudos de intelectuais como Jean François-Lyotard, Gaston Bachelard e Thomas Kuhn parecem concordar em um mesmo ponto: a queda do véu de infalibilidade científica cria a convicção de que o conceito de ciência, bem como seus métodos, dependem em grande parte das mudanças sociais e ideológicas da época.

A revista Superinteressante, maior periódico do gênero no Brasil, é um bom exemplo para entender como funciona a prática do jornalismo científico na pós-modernidade. Para atender à demanda e às expectativas do "interesse presumido" do leitor pós-moderno, a Super passou por significativas mudanças ao longo de sua trajetória. Logo que foi criado em 1987, a preocupação do periódico era ser reconhecido e aceito pela comunidade científica e por acadêmicos da área. Para isso, a revista assumiu uma postura defensora do que parecia ser um viés positivista da ciência.

Uma vez que a nova espécie de divulgação científica da Super reflete a nova concepção de ciência da revista é de se esperar que essa postura tenha implicações diretas ou indiretas na prática do jornalismo científico em todo o Brasil. A Super seria apenas o carro-chefe de um jornalismo científico que justifica a presença de misticismo e pseudociência pelo interesse do leitor por uma ciência mais aberta ao sobrenatural.

A busca pela compreensão dos fenômenos naturais e da realidade remonta aos primórdios da humanidade – nós sempre procuramos entender o que ocorre ao nosso redor. No entanto, foi apenas na modernidade, em especial na Revolução Científica dos séculos 18 e 19, que a procura por explicações sobre a natureza e a vida tornou-se a mola propulsora da sociedade. E foi justamente para atender às expectativas de uma sociedade sedenta para ter conhecimento dos avanços científico-tecnológicos que surgiu o jornalista científico ou escritor de ciência.

2. A LINGUAGEM JORNALÍSTICA E A LINGUAGEM CIENTÍFICA O jornalismo científico possui critérios de relevância da notícia cientifica que muitas

vezes entram em conflito com a visão do cientista. Em suma o que constitui uma novidade para os jornalistas pode, às vezes, ser considerado como sensacionalismo pelos cientistas. O cientista e o jornalista, de algum modo, praticam diferentes "jogos de linguagem".

A polêmica em torno do Jornalismo Científico tem como principais personagens jornalistas e cientistas, e acentuou-se com a disseminação da divulgação científica – antes restrita a periódicos especializados – na imprensa diária que, adepta do imediatismo e concisão, e visando a alcançar um número maior de leitores, procura simplificar a complexidade da linguagem científica. O público tem direito à informação científica, o cientista, por sua vez, mesmo acreditando na importância da sua divulgação, receia o tratamento que será dado às suas informações.

A utilização de uma linguagem adequada para o público é uma meta cobiçada, de um modo geral, pelo jornalismo, por isso se constitui em um desafio constante dessa prática. No contexto de possíveis conflitos entre jornalistas e cientistas, a linguagem é um ponto de entrave que delimita opiniões divergentes entre essas profissões.

Oliveira (2005) discorre que a produção do jornalista e a do cientista detêm aparentemente enormes diferenças de linguagem e de finalidade. Enquanto o cientista produz trabalhos dirigidos para um grupo de leitores, específico, restrito e especializado, o jornalista almeja atingir o grande público. A redação do texto científico segue normas

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rígidas de padronização e normatização universais, além de ser mais árida, atraente, objetiva e simples. A produção de um trabalho científico é resultado não raro de anos de investigação. A jornalística, rápida e efêmera. O trabalho cientifico normalmente encontra amplos espaços para publicação nas revistas especializadas, permitindo linguagem prolixa, enquanto o texto jornalístico esbarra em espaços cada vez mais restritos, e portanto deve ser enxuto, sintético.

Nesta conjuntura, cabe ao profissional jornalista compreender a informação científica para depois repassá-la ao público através de uma linguagem jornalística, ou seja, transformar a linguagem técnica notadamente utilizada pelos pesquisadores em um texto compreensível para a sociedade.

Esse ponto se caracteriza como uma questão de atrito entre ambas as personagens, já que essa transformação imposta pelo jornalista muitas vezes é entendida pelos cientistas como uma deturpação do discurso ou como uma distorção do conteúdo da pesquisa.

Pelo menos teoricamente, o jornalista especializado em ciência é capaz de “traduzir” o discurso dos cientistas para o cidadão comum. Obtém-se essa tradução a partir de transformações lingüísticas. Trata-se, na realidade, de uma tradução intralingüística ou retextualização.

O casamento maior da ciência e do jornalismo se realiza quando a primeira, que busca conhecer a realidade por meio do entendimento da natureza das coisas, encontra no segundo fiel tradutor, isto é, o jornalismo que usa a informação científica para interpretar o conhecimento da realidade.

2.1 A Notícia Científica Muitos são os elementos interferentes no processo de produção da notícia

científica, desde as cobranças sociais em relação à mídia e a sensibilidade e conhecimentos do editor responsável pelo setor, até a linha assumida pelo órgão de comunicação.

Segundo Burkket (1990) os redatores de ciência têm em mente a premissa de que escrevem para explicar a ciência para leigos, ou para explicar as descobertas à própria comunidade científica. Como o ramo interessa a uma minoria de jornalistas e de veículos de comunicação, por não ter fins comerciais fáceis, comumente os próprios cientistas se vêem obrigados a escrever seus próprios trabalhos, a escrever sobre descobertas científicas, adotando uma linguagem diferente dos tratados e teorias as quais estão acostumados a escrever a redação de textos cada vez mais universais.

A abundante informação sobre ciência, medicina, engenharia e tecnologia pode ser sufocante. Toda ela interessa potencialmente a alguém, em algum lugar, Escolher entre as produções de centenas de milhares de cientistas é uma das tarefas mais difíceis para o editor e redator da ciência. "Julgar bem a importância das notícias faz parte do processo de tomada de decisões do jornalismo bem-sucedido. Compreender alguns dos critérios que determinam o valor noticioso irá ajudar a desenvolver o julgamento das notícias. O jogo segue as regras estabelecidas pelos veículos decomunicação". (BURKETT, 1990, P. 49)

Tornou-se ponto comum na mídia aceitar que as matérias integrantes nas revistas, cadernos e seções de ciência devem se reportar quase que exclusivamente às chamadas ciências básicas (física, química e biologia) e às ciências aplicadas (engenharia, medicina, agronomia, dentre outras), eliminando ou minimizando as possíveis matérias voltadas para as ciências humanas. A estas últimas são reservados outros espaços na mídia, tais como os programas de variedade da televisão e no rádio e os cadernos culturais dos jornais e das revistas.

Apesar disso, a abundância de informações que podem ser colhidas na própria sociedade na qual o profissional está inserido e o caudaloso material que chega a ele através dos contatos com as agências internacionais impõem outros critérios que podem se tornar rígidos.

A notícia científica tem algumas peculiaridades em relação às demais. O alto teor de especialização dos assuntos abordados e a autoridade das fontes são duas das

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principais. Além disso, há também o problema da freqüente divergência entre cientistas sobre os mesmos assuntos, o que, às vezes, faz surgirem até três ou quarto conclusões diferentes e contraditórias sobre um mesmo fato, sem falar no constante jogo de poder a que estão submetidas as pesquisas científicas, de maneira que, um dia o café é mortal e passadas duas semanas é um salva-vidas precioso, como o (ou ao contrário do) álcool (que faz bem, que faz mal, que mata, dependendo das quantidades).

O jornalismo científico parece ter uma atração irresistível pela especulação, o que a priori não é condenável. A ciência vive das suposições, enquanto não dispõe das certezas, e é natural e saudável que os meios de comunicação compartilhem dessas possibilidades ainda a comprovar. Mas, como diz Leite Vieira: “Os textos de divulgação científica devem distinguir as especulações dos resultados já comprovados. Constantemente vemos, no entanto, as especulações sobrepujarem as comprovações e acabarem tomando a forma de verdades científicas. O mal talvez esteja no próprio meio científico, e não no jornalístico. O dever do divulgador é, sim, ver com olhos críticos e bom senso o que a ciência lhes tem a oferecer como informação. (DESTÁCIO, 2000, p. 93)”.

Essas peculiaridades tornam a notícia científica uma das mais delicadas de se

construir, visto que é necessário transmitir para a sociedade um fato novo, de certa forma duvidoso (já que pode ser contestado a qualquer momento) e de extrema importância social, já que, muitas vezes, influencia diretamente no futuro da humanidade, que cada vez mais se transforma pela tecnologia e pelas descobertas da ciência. Esse procedimento se agrava ainda mais devido aos inevitáveis jogos de interesses da política e do capitalismo, que acabam por interferir em todas as fases do processo, principalmente, no caso da política, quando se trata de assuntos relacionados às ciências sociais.

Colombo (1998) expõe três medidas de segurança para que os jornalistas construam as notícias científicas: a colocação das mesmas num contexto histórico; a verificação do contexto em que elas se inserem, procurando reportar cada uma das notícias a outra com que tenham relação, o que permitiria aos leitores ver as eventuais conexões entre as notícias que estão lendo e os demais acontecimentos; e uma comparação entre a notícia científica e o contexto político. Uma boa regra para o jornalista poderia ser esta: uma notícia científica que satisfaça e siga um pouco próximo demais as tendências políticas e culturais do momento é sempre suspeita.

2.2 A Linguagem da Superinteressante: características gerais O Jornalismo científico é um ramo da divulgação científica e refere-se a processos,

estratégias, técnicas, e mecanismos para veiculação de fatos que se situam no campo da ciência e da tecnologia. Os critérios adotados pelo Jornalismo Científico são os mesmos do jornalismo não especializado: noticiabilidade, atualidade, periodicidade, universalidade e relevância social.

Redigir textos em Jornalismo a partir de assuntos científicos é, antes de tudo, traduzir informações.Não muito diferente das demais áreas, a definição do público alvo neste tipo de trabalho é essencial. Mulheres, jovens, idosos, estudantes, professores, enfim, cada grupo recebe a ciência de uma maneira diferente.

Com o objetivo de aproximar os mais variados públicos dos seus textos, a revista procura usar uma linguagem de fácil entendimento. A Superinteressante apresenta uma linguagem caseira, que todos entendemos, mesmo aqueles que, como o signatário, entendem muito pouco de física, biologia, matemática.

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Quando a Revista aborda temas ligados às Ciências Naturais, os temas mais recorrentes estão dentro do campo da biologia e medicina. Trata-se das inovações que a medicina tem apresentado de modo a melhorar a vida das pessoas. Por ser uma revista tradicionalmente de Jornalismo científico e divulgação científica, ao tratar de temas ligados às Ciências Naturais, os cientistas ainda são uma fonte primária. Médicos, população, pesquisadores e fontes alternativas também são consultados, de modo a dar várias vozes à reportagem, garantindo credibilidade do texto final.

3. A CIÊNCIA NO SÉCULO XX A relação entre ciência, tecnologia e sua difusão por meio de informações é uma

prática inserida histórica e culturalmente na sociedade e que, conseqüentemente, reflete um contexto social e econômico.

A teoria da relatividade geral, apresentada por Einstein em 1915, “desenvolveu uma estrutura conceitual radicalmente diferente, que combina de modo belíssimo conceitos físicos e matemáticos” (GLEISER, 1997, p. 316). Na década de 20, as pesquisas observacionais de E. Hubble resultaram no reconhecimento de que o universo é composto por inúmeras galáxias que se distanciam continuamente umas das outras em todas as direções do espaço cósmico. O maior problema, entretanto, ainda era o de responder às questões que afligiam a curiosidade humana acerca da origem, fim,extensão e tempo que permitissem maior compreensão acerca da existência do universo. A busca de respostas a estas questões provocou não só a aceleração das pesquisas, como também a multiplicação assustadora de teorias. Dentre elas a teoria do big-bang. Simultaneamente, o físico N. Bohr aprofunda suas pesquisas em mecânica quântica empregando uma "nova interpretação" (próxima das teorias orientais), que trouxe ampla discussão acadêmica e controvérsias. Ao mesmo tempo que provocou grande foco de atrações e desenvolvimento tecnológico, provocou também críticas devastadoras, vindas de parte dos cientistas da academia tradicional, pois parte dos teóricos da física quântica enveredaram pelo caminho do misticismo e religião orientais.

No campo da biologia, a teoria darwinista adquire maior credibilidade.As constatações darwinianas reorganizam a ordem temporal do homem, conferindo-lhe um novo “lugar” na natureza. Isso significa que Darwin põe toda a humanidade no campo da ciência, tornando tudo científico. De acordo com sua teoria o homem está submetido à seleção natural das espécies. Dessa forma, a natureza é um processo que se desdobra continuamente, numa luta entre e as espécies, sobrevivendo a mais forte. A teoria darwiniana abre as portas ao avanço da zoologia comparada, da botânica, da anatomia comparada, da antropologia e da biologia genética (Cf. BUICAN, 1990). O darwinismo, através do neodarwinismo, desenvolve nos anos 30-40 do século XX, a “teoria sintética da evolução”, que postula as mutações no âmbito do gene (micromutações), cujas pesquisas permitem “passar das mutações gênicas a mudanças cromossômicas”. É responsável também pela descoberta do DNA e da biologia molecular. Estabelece, assim, a visão de mundos evolucionistas, explicáveis a partir da evolução dos genes, impondo uma metodologia determinada para a composição da explicação da espécie humana e também para a sua produção "clonada".

A proliferação destas teorias e seus respectivos métodos abrem amplo debate no seio da comunidade acadêmica e põe em questão a credibilidade do conhecimento científico em suas bases modernas. A ciência, apesar de continuar sendo a representante máxima, onipresente e triunfante, da verdade, adentra numa crise que se faz representar, sobretudo, em seu campo metodológico, provocando o surgimento do processo chamado de “multiplicidade teórico-metodológica. Tal situação resulta numa condição ambígua: ao mesmo tempo em que monopoliza a verdade, ampliam-se as teorias e metodologias diferentes em disputa desse monopólio. Dá-se início a uma verdadeira “guerra das ciências” (STENGERS, 1997), em meio a qual as questões especulativas, míticas e religiosas, se alternam; ora são desprezadas, ora são empregadas. Esse processo é chamado por vários teóricos da filosofia, da sociologia, da antropologia, entre outras áreas, de pós-moderno.

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Autores como S. P. Rouanet, F. Jameson e B. de Sousa Santos, destacaram-se na discussão acerca da problemática teórico-metodológica do conhecimento dito pós-moderno.

Segundo Rouanet (1987, p. 12): depois de Marx e Freud, não podemos mais aceitar a idéia de uma razão soberana, livre de condicionamentos materiais e psíquicos. Depois de Weber, não há como ignorar a diferença entre uma razão substantiva, capaz de pensar fins e valores; e uma razão instrumental cuja competência se esgota no ajustamento de meios a fins. Não é possível escamotear o lado repressivo da razão a serviço de uma astúcia imemorial, de um projeto imemorial de dominação da natureza e sobre os homens. Depois de Foucault não é lícito fechar os olhos ao entrelaçamento do saber e do poder.

Dessa forma, a pós-modernidade aparece como a substituição de conceitos, métodos e valores. Na esfera econômica, a industrialização é substituída pela informatização (produção toyotista de base informatizada, pluralizada, globalizada). No âmbito político, ocorre o fim da centralização do poder nas mãos dos grandes partidos e instituições. As organizações micrológicas são privilegiadas. O conceito de Estado perde o valor moral e a questão da cidadania e do respeito coletivo é re-conceituada, em função de valores individuais e restritivos (ROUANET, 1987, p. 37). Nas esferas da arte e cultura, as mudanças são mais radicais ainda. “Há um fascínio pela paisagem degradada do brega e do Kitsch”(JAMESON, 1996, p. 28). Ocorre a hipervalorização do vídeo (principalmente a TV), que é responsável pelo consumo da maior parte das informações pasteurizadas e seriadas.

Quanto à ciência e à filosofia, há um confronto explícito entre o saber legitimado pelo Iluminismo moderno e o pragmatismo. O conhecimento prima pela busca de legitimidade em vias opostas à da modernidade, valorizando a heterogeneidade, a diferença, a superficialidade dos gêneros pela anarquia (fim das padronizações) e pela paralogia (registro da impressão imediata do conhecimento). Também o campo da ética sofre alterações bruscas. Rejeitando-se os modelos, tanto da moralidade cristã quanto da moralidade laica e universal, a moralidade pós-moderna possui uma postura que privilegia o anarquismo e reflete a expressão do individualismo. Assim, a ciência e a filosofia pós-modernas colocam-se em favor do conhecimento constituído e definido pela realidade da comunidade investigadora.

No campo da ciência especificamente (que é o que nos interessa), o contexto pós-moderno, apesar de também apresentar mudanças radicais, como as já citadas anteriormente, não se caracteriza, necessariamente, por uma mudança de sistema. Em concordância com a análise posta por Rouanet e Jameson, as metodologias propostas pelos chamados pós-modernos não promovem uma ruptura de sistema propriamente dita, mas sim se identificam mais por uma “crise”, que representa a resistência às imposições da modernidade, que se constituirá em um novo padrão de leitura do próprio conhecimento, assim como da sociedade e da cultura. Para Rounaet (1987, p. 258-60), as características e os valores propostos nesse contexto são semelhantes àqueles propostos pelo projeto da modernidade. Segundo o autor não lhe parece que “a informatização da sociedade seja tão diferente da maquinização da vida, experimentada pelos modernos como uma bênção ou como uma catástrofe”.

Nesse contexto de debate acerca das divergências teórico-metodológicas das ciências, outra postura que chama a atenção é a do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (1987). Santos faz uma leitura crítica acerca do cenário que envolve a chamada pós-modernidade, porém, utiliza-se de argumentos diferentes daqueles propostos por Rouanet e Jameson. Pode-se dizer que sua leitura é mais “otimista”.

Num pequeno livro intitulado Um Discurso sobre as Ciências (1987), esse autor faz uma síntese acerca das teorias científicas constituídas no bojo da ciência contemporânea, delineando os novos contornos epistemológicos e sociológicos dessas teorias. Parte do princípio de que estamos, no século XX, vivendo uma condição ambígua nos campos da ciência e tecnologia. “Em termos científicos vivemos ainda no século XIX”, pois estamos ainda amparados pelas teorias desse século (A. Smith, Ricardo, Lavoisier, Marx, Durkheim, Weber, Planck, Poincaré). Mas, “no campo das potencialidades tecnológicas, cremos estar no limiar da comunicação interativa que nos

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lança para o século XXI” (SANTOS, 1987, p. 6). Em meio a este paradoxo, o autor elabora uma reflexão acerca das possibilidades e limites da natureza diante da rápida exploração humana sobre si mesma e a natureza.

O sociólogo interpreta que a crise que se manifesta na ciência, hoje, é o resultado do projeto iluminista que elegeu a razão científica como a única forma de conhecimento válido e verdadeiro. A supremacia do conhecimento racional e o abandono das especulações axiológicas provocaram um “vazio” nas teorias científicas que nos faz retornar ao problema que afligia o homem no início da modernidade, qual seja a necessidade de:

Perguntar pelas relações entre ciência e virtude, pelo valor do conhecimento dito ordinário ou vulgar que nós, sujeitos individuais ou coletivos, criamos e usamos e que a ciência teima em considerar irrelevante, ilusório e falso; e temos ainda de perguntar pelo papel de todo o conhecimento científico acumulado no enriquecimento ou empobrecimento prático de nossas vidas, ou seja, pelo contributo positivo ou negativo da ciência para a nossa felicidade (SANTOS, 1987, p.8-9)

Embora a pretensão do autor seja muito clara, percebemos quão árduo é o seu

desafio, pois sua proposta não é simplesmente negar, ou contestar os conhecimentos de bases modernas, nem de estabelecer confrontos teóricos com a ciência empírica. Mas seu objetivo é o de retomar as características humanizantes do conhecimento científico, ao mesmo tempo em que dissipa as dicotomias hierarquizantes entre as ciências naturais e sociais, e entre razão e senso comum.

Para Santos (1987) “o modelo global de racionalidade científica”(constituído entre os séculos XVIII e XIX, que resulta na crença de que há uma só forma de conhecimento verdadeiro e expressa o ideário baconiano de que a ciência fará da pessoa humana o senhor e o possuidor da natureza), entra em crise nas primeiras décadas do século XX, estabelecendo uma verdadeira “revolução científica que se inicia com Einstein e a mecânica quântica e não se sabe ainda quando acabará”. Certamente, esta crise é “profunda e irreversível” e os paradigmas dominantes, após esta crise, “colapsarão".

Santos destaca e atribui relevância à condição do exercício da ciência – a pesquisa científica – que ultimamente passou a depender de investimentos econômicos e dos interesses políticos. A comunidade científica estratificou-se e “as relações de poder entre os cientistas tornaram-se mais autoritárias e desiguais. A maioria dos cientistas está submetida a um processo de proletarização no interior dos laboratórios e dos centros de investigação”

Quanto ao caráter “universal” da ciência, Santos (1987, p.48-55) afirma que “o conhecimento pós-moderno, sendo total, não é determinístico, sendo local, não é descritivista. É um conhecimento sobre as condições de possibilidade”. Nesse sentido, a metodologia de abordagem no processo do conhecimento não pode e não deve ser unidimensional, vez que o objetivo do conhecimento, nessa acepção, não é o de “descobrir, mas sim o de criar”. O conhecimento científico, “ressubjetivado, ensina a viver e traduz-se num saber prático”.

3.1. Ascensão das ciências humanas e das pseudociências A abertura da ciência ao metafísico produziu mudanças na distinção clássica entre

ciências naturais (exatas e biológicas) e as ciências humanas e sociais, bem como sua validade na compreensão da realidade. A concepção positivista da ciência defendia legitimidade exclusiva às ciências naturais – o método das ciências da natureza deveria ser estendido a todos os campos da atividade humana (ARANHA e MARTINS, 1995, p.116)

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Entretanto, o mecanicismo e o determinismo da ciência positivista esbarram na complexidade e subjetividade dos fenômenos humanos e sociais. O veto positivista às ciências humanas, isto é, a negação do caráter de cientificidade àquilo que não pertence às ciências naturais, é questionado, entre outros autores, por Abraham Moles (1995).Para ele, “a ciência tal como a conhecemos não nos fala quase do que é impreciso, do que é flutuante, do que muda e só se repete aproximativamente”, pois prefere “as correlações fortes entre as variáveis ao invés das correlações fracas da vida” (1995, p.16). Moles contesta essa classificação tradicional e defende a reformulação da noção de ciência dentro do conceito que ele chama de “ciências do impreciso”: um termo genérico para todas as vertentes das ciências humanas e sociais.

Assim, o pós-moderno recorre às ciências do ser humano e, não mais como antes, às ciências matemáticas e físicas para compreender e definir as descobertas científicas. Contudo, essa nova ênfase humanístico-social da ciência, somada ao fenômeno de abertura ao metafísico e ao sobrenatural, é marcada pelo que muitos autores consideram como uma intrusão de práticas místicas e religiosas na ciência. Terrin (1996) acredita que a ciência está abandonando o suporte positivista e se lançando cada vez mais em direção a uma compreensão espiritual e religiosa da realidade, da natureza, do mundo e do ser humano.

Na prática, o resultado desse fenômeno é o crescimento das terapias e medicinas alternativas, entre outras atividades de origem mística. A expansão da pseudociência, conseqüentemente, penetra não somente na práxis científica, mas também na divulgação da mesma. Wilson Bueno, em artigo para o Portal do Jornalismo Científico (www.jornalismocientifico.com.br), cita a pseudociência como uma das grandes ameaças à prática sadia ética do jornalismo científico no país.

A disputa entre o conhecimento científico e o pseudocientífico, que costuma respaldar as chamadas terapias/curas alternativas, merece também ser aqui mencionada, especialmente porque a mídia tem dado espaço cada vez mais generoso a elas, favorecendo o incremento do charlatanismo. O universo dos gnomos, dos fluidos mágicos, dos aromas, dos florais e das pirâmides, aproveitando-se da boa-fé das pessoas, mas também das angústias e depressões do cidadão deste novo milênio, não resolvidas pela ciência tradicional, invade os meios de comunicação, criando condições para explicações fantasiosas e a emergência de uma nova era, povoada pelas bruxas e alimentada pela expectativa de milagres. (BUENO, 2004)

A pseudociência, portanto, pode ser caracterizada como uma manifestação científica da sociedade que vive o retorno ao sobrenatural; é a faceta mística da ciência na pós-modernidade; é a parte da ciência que se entrega ao irracional, ao metafísico,mas não abandona a roupagem científica e racional e que por esse mesmo motivo satisfaz os anseios do homem pós-moderno que se interessa por C&T.

3.2. A “Crise da Ciência” A união entre ciência e iluminismo estabeleceu a razão como único critério de

verdade e a ligação da ciência com o positivismo representou a rejeição dos mitos, da religião, das crenças em geral e da metafísica.

Santos (2001) vislumbra que uma nova ciência, a qual ele chama de ciência pós-moderna, está emergindo e, em seu novo modelo de racionalidade, não haverá espaço para verdades absolutas e únicas. Antes, a razão é produto do diálogo entre os diversos conhecimentos.

A "crise da ciência" não está centrada na condição da ciência enquanto um saber, pelo contrário, seu status lhe garante maior credibilidade a partir do momento em que as descobertas científicas começam a ser divulgadas pelos meios de comunicação de massa. Nesse contexto, a ciência passa a viver sob uma nova visão, gerada pelo imaginário social.

A valorização das ciências humanas e sociais e a ascensão da religiosidade e do misticismo no cenário científico-tecnológico do século 21 encontram embasamento nos estudos sobre a pós-modernidade e a sua relação com o conceito de crise da ciência e retorno ao sobrenatural. Neste contexto, o enfraquecimento da noção positivista e

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cientificista da ciência – denominado por muitos teóricos como crise da ciência na pós-modernidade – e assim podem indicar um novo paradigma na prática do jornalismo científico no Brasil.

4.A REVISTA SUPERINTERESSANTE 4.1 Trajetória histórica e editorial da Superinteressante Em setembro de 1987, foi lançado o primeiro exemplar da Superinteressante,

publicação do Grupo Abril dedicada à divulgação científica. Em 20 anos, a revista passou por, pelo menos, quatro grandes reformas gráficas, duas de caráter editorial e transformou-se, ainda em 1994, na maior tiragem entre as revistas da “família” internacional à qual está ligada – em 1978 surgia na Alemanha a Revista PM, do grupo G+J que, em seguida, lançou a Ça M’Interesse, na França, e a Muy Interesante, na Espanha, México, Colômbia, Venezuela, Argentina e Chile além da Focus inglesa e italiana. Hoje, a publicação figura entre as mais vendidas do Brasil, com uma tiragem média, superior a 485 mil exemplares – o que significa mais de 1,5 milhão de leitores -, atingindo um público com idade entre 18 e 39 anos, sendo 79% dele pertencentes às classes A e B.

Um dos grandes desafios do jornalismo em C&T (Ciência & Tecnologia) no Brasil é o fascínio dos veículos especializados em jornalismo científico pela religiosidade, pelo misticismo e pelas chamadas pseudociências. Como principal revistado segmento no Brasil, a Superinteressante apresentou, nos últimos anos, inúmeras matérias de capa com temas voltados para a relação da ciência com o esoterismo e a religião. A ascensão de tais temáticas na Superinteressante curiosamente parece coincidir com a época em que a revista consolidou-se como um dos maiores periódicos do país, com dezenas de prêmios ganhos e recordes de vendagem quebrados.

A tiragem do primeiro número da Superinteressante foi de 150 mil exemplares.A edição se esgotou em três dias. Foram lançados mais 65 mil exemplares extras.

Passaram-se 20 anos e Superinteressante está, atualmente, entre as maiores revistas de jornalismo científico voltadas para o público jovem no país. Com uma tiragem média de 400 mil exemplares por mês é a líder do segmento. Visual arrojado, textos simples, explicativos e curtos, uso farto de imagens e de modernos recursos gráficos e a valorização de aspectos curiosos dos fatos garantiram-lhe uma boa fatia do mercado editorial brasileiro.

A revista Superinteressante, maior periódico do gênero no Brasil,é um bom exemplo para entender como funciona a prática do jornalismo científico na pós-modernidade. Para atender a demanda e as expectativas do "interesse presumido" do leitor pós-moderno, a Super passou por significativas mudanças ao longo de sua trajetória. Logo que foi criado em 1987, a preocupação do periódico era ser reconhecido e aceito pela comunidade científica e por acadêmicos da área. Para isso, a revista assumiu uma postura defensora do que parecia ser um viés positivista da ciência. É por isso que nos primeiros oito anos de existência, aproximadamente 80% das suas capas abordavam as ciências naturais. Já os temas voltados para a religiosidade, misticismo ou pseudociência não representavam nem 5% das reportagens de capa.

Em sua fase embrionária, o perfil editorial da revista tinha como “cerne do projeto” proporcionar aos leitores “cultura geral” (CARVALHO, 1996, p. 43) e seu planejamento mercadológico previa a publicação de tudo aquilo que fosse “interessante e curioso”, pertencente a “qualquer campo do conhecimento, ciência ou arte, antiguidade ou grandes temas atuais, grandes catástrofes ou maravilhas da natureza, doenças ou grandes descobertas, arqueologia e meteorologia, física e tecnologia, religião e sociologia, alimentação e esportes” (Ibid, p 48). No entanto, o intuito da revista era que ela fosse reconhecida pela comunidade científica e não corresse o risco de ser rejeitada por cientistas e acadêmicos da área (Ibid, p. 35 e 36).

Em seu início, Superinteressante concentrou-se em enfocar temas e notícias que favoreciam uma imagem positivista e triunfalista da ciência, com pouco espaço para as humanidades, o metafísico, o sobrenatural. Mas à medida que a linha editorial da Super

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flerta com a noção de ciência na pós-modernidade e as expectativas do leitor pós-moderno, a postura editorial da revista diante da ciência se altera. Distanciando-se da visão absoluta do iluminismo e do positivismo, Superinteressante aborda a ciência de maneira mais social, humana, filosófica e relativa, porque é assim que o leitor pós-moderno a vê, a entende e a aceita. É por esse motivo que a Super na sua forma atual apresenta a predominância das humanidades sobre as ciências naturais e ostenta as capas cujos temas são voltados à religião e ao misticismo como os mais bem-sucedidos em termos de vendagem na história do periódico.

Dessa forma, a aparente indefinição editorial da revista em seus primeiros números foi substituída pelo que Carvalho (1996) e Muto (1999) consideram como uma linha cuja noção de ciência aproximava-se da mentalidade moderna racionalista e mesmo positivista. Muto afirma que uma das características da revista é a postura “iluminista” e “progressista” com a ciência, evitando assuntos delicados ou negativos da mesma (1999, P.97)

É na gestão Adriano Silva (2000-2005), entretanto, que a revista assiste sua maior mudança até então: a Superinteressante parece direcionar sua noção de ciência positivista para uma ciência mais voltada para as humanidades e subjetividades.

Uma das grandes discussões que envolvem a SUPER desde a sua criação é o

escopo do termo “ciência”. (...) Muitas pessoas tendem a imaginar que as ciências e circunscreve às ciências exatas. E a achar que as ciências humanas e sociais não merecem muito respeito. Em decorrência disso, há sempre uma expectativa de ver na SUPER apenas matérias calcadas na matemática e na biologia, na objetividade e nos números, nos laboratórios e na visão cartesiana de mundo.Sempre que publicamos matérias sobre áreas mais subjetivas do saber humano,amparadas na cultura e no comportamento, há a impressão de que não estamos falando de ciência. Para nós, essa distinção não faz sentido. Para a SUPER, tudo isso é ciência. História, filosofia, semiótica e psicologia, por exemplo, são objetos de estudo tão instigantes e merecedores de atenção quanto a física ou a química, a alta tecnologia ou a astronomia. Em suma: os pensamentos e os sentimentos nos interessam tanto quanto os neurônios e as células. A aventura humana, contraditória e espetacular, nos encanta tanto quanto os neurônios e as células. A aventura humana, contraditória e espetacular, nos encanta tanto quanto os átomos e as moléculas. E isso não torna a SUPER menos científica. Muito ao contrário (“Carta ao leitor” de julho de 2002).

Por essa “carta ao leitor” à revista, podemos verificar que essa abertura de

conceito de ciência, agregando novos valores como as ciências humanas, tem sido percebida pelos leitores. Assim, a revista consagra-se com uma linha editorial que passeia pelo jornalismo científico nos seus mais diversos ramos, como as ciências naturais, exatas e humanas.

O Corpus da análise consiste em sete edições da Revista Superinteressante. As edições são seqüenciais e correspondem ao mês de Agosto de 2006 a Março de 2007. Nas edições analisadas constata-se uma gama de temas que abordam Jornalismo científico. Ciência e Tecnologia, Ciência Política, Exoterismo e Religião são uns dos temas mais freqüentes, sejam nas capas ou espalhados dentro das reportagens da revista.

A Edição 229 (Agosto/2006) tem como tema de capa: “Os superpoderes do Cérebro” e traz diversas matérias no seu interior sobre ciência e tecnologia como “o caçador de tesouros” e “voto e cérebro”. Praticamente toda a edição 229 vem tratando de ciência e tecnologia. Já a Edição seguinte (Setembro/2006) traz a capa “Terrorismo” tema ligado à Ciência Política. Nesta edição a revista não segue uma tendência de Ciência e tecnologia e contempla temas como Ciência Política retratada também em matérias como “Conflitos”, “e se o 11/9 não tivesse ocorrido?” e “ Voto nulo”, sem deixar temas ligados ao misticismo, tema presente em todas as edições da revista, como na matéria “mapa astral e ciência”.

4.2. Métodos da pesquisa e técnicas

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A análise frequencial e temática do conteúdo da revistas percorre sete edições da revista, edições de Agosto de 2006 a Março de 2007. A pesquisa consiste em constatar o tratamento que a revista tem dado à abertura ao conceito da ciência e à derrubada do conceito positivista da ciência.

Iniciamos uma pesquisa para levantamento bibliográfico na área do Jornalismo e do Jornalismo Científico, assim como, a coleta de matérias científicas publicadas na revista que escolhemos como objeto de estudo. Após a leitura, organizamos os dados levantados em fichamentos para consulta, selecionando e anotando conceitos importantes. A seguir, realizamos uma filtragem em todo o material acumulado.

Na etapa seguinte, realizamos uma série de comparações entre as reportagens, analisamos de modo qualitativo os elementos de cada página da revista, segundo as hipóteses do nosso trabalho, verificando a presença da ciência e tecnologia. Ou seja, nosso trabalho adota inicialmente uma linha bibliográfica, documentando os fenômenos no processo de construção dos textos jornalísticos de ciência.

4.2.1. A proposta de Análise de Conteúdo A pesquisa foi realizada com base na técnica de análise de conteúdo (AC),

entendida como “um método de tratamento e análise de informações, colhidas por meio de técnicas de coleta de dados, consubstanciadas em um documento. A técnica se aplica à análise de textos escritos ou de qualquer comunicação (oral, visual, gestual) reduzida a um texto ou documento” (CHIZZOTTI, 1991, p.98). Apesar dessa definição, Bardin (1977, p.31) ressalta a dificuldade de se compreender a AC como um método uniforme, alertando para o fato de que se trata, antes, de “um conjunto de técnicas de análise das comunicações”. Por isso, complementa, deve-se entender a AC não como um instrumento, mas “um leque de apetrechos; ou, com maior rigor, será um único instrumento, mas marcado por uma grande disparidade de formas e adaptável a um campo de aplicação muito vasto: as comunicações”. Por essa razão, adotamos um dos procedimentos específicos desse “conjunto de apetrechos”, a análise categorial, a qual, conforme a autora citada:

“Pretende tomar em consideração a totalidade de um texto, passando-o pelo crivo

da classificação e do recenseamento, segundo a freqüência de presença (ou de ausência) de itens de sentido. Isso pode constituir um primeiro passo, obedecendo ao princípio de objetividade e racionalizando através de números e percentagem, uma interpretação que, sem ela, teria de ser sujeita a aval. É o método das categorias, espécie de gavetas ou rubricas significativas que permitem a classificação dos elementos de significação constitutivas, da mensagem. É, portanto, um método taxionômico bem concebido para (...) introduzir uma ordem, segundo certos critérios, na desordem aparente” (Bardin, 1977, p.37).

4.3. O Jornalismo da Superinteressante A revista Superinteressante é um veículo jornalístico periódico, que circula

nacionalmente de modo mensal. Em seus textos a revista prioriza o gênero reportagem, termo recorrente na prática do jornalismo. Para Sodré e Ferrari (1986) a reportagem se caracteriza como uma narrativa jornalística, na qual se narram as peripécias da atualidade e da história. Ainda conceituam reportagem como um conto jornalístico, estabelecendo uma comparação entre reportagem e conto literário: “As duas formas muito se assemelham: pode-se dizer que a reportagem é o conto jornalístico – um modo especial de propiciar a personificação da informação ou aquilo que também se indica como interesse humano. (SODRÉ e FERRARI, 1986, p. 75).

A reportagem é um relato jornalístico temático, focal, envolvente e de interesse atual, que aprofunda a investigação sobre o envolvente e de seus agentes. Para Nilson Lage (1987) é a exposição que combina interesse do assunto com o maior número possível de dados, formando um todo compreensível e abrangente. Coimbra (2003)

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especifica que o texto da reportagem tem como modelos de estrutura a dissertação, a narração e a descrição.

Nas reportagens, a revista procura aproximar seu discurso à prática jornalística, deixando o discurso científico à margem de sua redação. O texto científico tem por objetivo convencer o público da validade da pesquisa relatada e, como conseqüência, sua superestrutura apresenta-se como uma variante do texto argumentativo. O texto científico dirigi-se ao grupo de especialistas na área e, portanto, pressupõe um público conhecedor da matéria, dos métodos utilizados normalmente na área e interesse na pesquisa a ser relatada.

As reportagens da superinteressante adotam um caráter mais direto em seus textos, seguindo as diretrizes do texto jornalístico. Esse tipo de texto dirige-se a um leitor médio e é construído a partir da crença intuitiva de quem seja esse leitor,seu espectro de interesses, como compreende e o que compreende. A ordem semântica não é determinada pela seqüência dos fatos, mas pela coerência funcional baseada na relevância: o que é tido como mais importante ou interessante vem em primeiro lugar e as informações secundárias e detalhes vêm por último. Assim, o jornalista procura identificar o que é relevante para o leitor e daí inicia a produção do seu texto.

No tratamento jornalístico dado pela revista quase não se percebe a presença de notícias, muito embora por ser de circulação mensal e a notícias está mais ligada a temporalidade, ao imediato. Quando não na reportagem, a revista traz muita informação sobre determinado tema, de modo que pode ser substituir a notícia.

As notícias, de maneira geral definida pela teoria do jornalismo, são “tudo que o público necessita saber, tudo que o público deseja falar”. Lage (1987) define notícia como “o relato de uma série de fatos a partir do fato mais importante ou interessante; e de cada fato, a partir do aspecto mais importante ou interessante”. Essa demarcação indica que a notícia não trata exatamente de narrar os acontecimentos, mas de expô-los, já que parte do principio de relatar os fatos a partir do episódio mais importante, sem a necessidade de uma seqüência temporal. Por isso, na notícia, os eventos estarão ordenados pelo interesse ou importância decrescente dos fatos.

Os dois termos, notícia e informação parecem ter equivalência, mas notícia diferencia-se de informação. Este é cada vez mais usado atualmente, muito pelo avanço da informática que popularizou uma noção determinada da informação. No jornalismo, essa informação tem um caráter específico, condicionado pela natureza jornalística. Embora colocadas em um mesmo sentido, para fins jornalísticos, notícia não é igual a informação jornalística. Noticia é um rompimento, uma mudança, da ocorrência normal dos fatos. A informação jornalística tem outro caráter. Sua ocorrência não passa pela quebra da ocorrência normal dos fatos – o que produz uma notícia, mas pela veiculação de unidades de conhecimentos que tenham interesse jornalístico. Pode-se definir informação jornalística como a unidade de conhecimento, concreto, objetivo, que forma um nível determinado de compreensão de um fato que tenha interesse jornalístico, mediatizada por veículos de informação jornalística.

Segundo Denise Siqueira (1999, p. 25), “o papel da informação na sociedade pós-guerra se torna de tal forma relevante que vem à luz o termo sociedade da informação. Nela vive-se cultural, política, científica e, principalmente, economicamente em torno da circulação de informações”. Inserida nesse contexto, a ciência é transformada em notícia; e a pesquisa, mesmo que ainda em processo de formulação ou hipótese, é rapidamente divulgada. Contudo, geralmente, é divulgada como descoberta, criação já acabada ou como início de uma descoberta que alcançará o seu intento. O receptor, sem o saber, torna-se consumidor desse tipo de informação.

Nesse contexto, os gêneros jornalísticos que dividem a atenção da Superinteressante são as reportagens e as informações. A Revista traz inúmeras sessões repletas de informações, até recorrendo ao humor, para disseminar determinada informação sobre os mais diversos tipos de ciência. Exemplos são as colunas “superpapos” e “supernovas”, que trazem inúmeras informações sobre ciência, diferindo-se na notícia pela temporalidade das informações.

Portanto, a Revista apresenta o jornalismo científico como um gênero textual capaz de formar o conhecimento dos leitores, através das suas reportagens e coberturas

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completas de temas. Isso porque este gênero jornalístico é o único da comunicação que tem a preocupação com a exegese e com a explicação do método cientifico – algo não usual em outros gêneros jornalísticos – da mesma forma que o Jornalismo Científico tem um caráter metalingüístico e empírico, pois realiza estudo sobre os dados, faz as comparações estatísticas e estuda os fenômenos em questão.

Lembremos ainda que a revista se esmera na informação codificada como imagem, com infografia e demais recursos gráficos largamente utilizados para ilustrarar reportagens. Parece-nos que o conteúdo imagético tem tanto peso quanto o conteúdo textual dentro da revista e, muitas vezes, ele é fundamental para que se compreenda uma reportagem. A imagem em Superinteressante não é tratada apenas como elemento coadjuvante. Basta conferirmos o expediente da revista para constatar que, ao lado do editor de arte, ela tem um editor especialmente dedicado à infografia.

4.3.1. Reportagens da Superinteressante: características gerais A revista Superinteressante destina-se à informação de novidades e curiosidades

históricas, culturais e científicas. Sua ênfase, entretanto, é na ciência, daí suas manchetes de capa serem quase que em sua totalidade voltadas para as descobertas e domínios do conhecimento científico. Isso leva a crer que seu objetivo maior (sem esquecer do mercado econômico) é o de divulgação científica Uma demonstração disso é a constituição da capa da revista que traz, invariavelmente, assuntos abrangentes tais como história, religião, sexo, cultura, entre outros, sempre recortados em temáticas científicas.

Burkett (1990) questiona o que buscam os leitores de ciência, no que diz respeito ao contexto de informações científicas. De acordo com o autor, esses leitores buscam esclarecimentos sobre questões relacionadas à sobrevivência, como, por exemplo, saúde, alimentação e sexo.

Bertiolli Filho (2006) reitera o pensamento de Burkett, ao dizer que as matérias que abordam temas que criam a sensação que a informação é útil para a saúde e o bem-estar físico e mental dos leitores são rotineiramente incorporados à pauta do jornalismo científico.

Com a abertura do conceito de Jornalismo Científico, outros temas também vão sendo incorporados à pauta da produção. Esoterismo, misticismo, comportamento, religião e história vão sendo agregados as reportagens científicas abrindo um novo paradigma dentro da produção do Jornalismo Científico.

A ciência, na sua condição normativa e prescritiva da verdade, torna-se a fonte e fundamentação da divulgação das principais descobertas, transmitidas pelos meios de comunicação de massa. Em seu nome, esses meios (televisão, revistas, jornais), divulgam o conhecimento, instigando o imaginário de que a ela cabe a resolução de todos os problemas, principalmente, àqueles que envolvem a sobrevivência da humanidade, do planeta do cosmo. Mais do que isso promovem também o imaginário de que o conhecimento científico é acessível a todos.

Nessa conjuntura, a Superinteressante apresenta uma preferência nas suas reportagens de capa e o aumento do interesse editorial pela religião, pelo misticismo e pela pseudociência nos últimos anos. Para tanto, a mudança de pautas e o aumento do interesse pela temática espiritualista são analisadas segundo o enfraquecimento da noção positivista e cientificista da ciência.

4.4. SUPERINTERESSANTE: análise do corpus 4.4.1. Características Gerais Nas sete edições observadas da Superinteressante foram destacadas 39

reportagens para efeitos de análise. A pesquisa consiste em observar a abertura do conceito de Jornalismo Científico, distanciando-se da noção de jornalismo de “Ciência Dura”, identificando na Revista o predomínio de outras áreas.

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A identificação dos temas foi dividida em dois grandes grupos: reportagens voltadas para as Ciências Naturais, com um total de 14 matérias e as reportagens voltadas para a área das Ciências Humanas, em um total de 25 matérias. Além de serem divididas entre esses dois grandes grupos, há diversos temas em que se subdividem essas matérias, conforme a matéria que se segue.

CIÊNCIAS NATURAIS CIÊNCIAS HUMANAS 1. Tecnologia 1. História 2. Astronomia 2. Religião 3. Física 3. Comportamento 4. Biologia 4. Misticismo 5. Geologia 5. Atualidades 6. Ambiente/Ecologia 6. Geografia A sub-divisão dos dois grandes temas de tal modo se dá até mesmo pela forma

com que a Revista agrupa suas reportagens. Nas tabelas a seguir estão separadas as matérias por assunto e edição:

Tabela 1 Reportagens na área de Ciências Naturais Título da

reportagem Edição

Os Super Poderes do Cérebro Agosto de 2006 O Verdadeiro Sistema Solar Agosto de 2006 Carros do Presente Agosto de 2006 Droga Faz Bem? Setembro de 2006 Novas Espécies Setembro de 2006 Novo Combustível Setembro de 2006 Ele Matou Plutão Outubro de 2006 As Peças Invisíveis do

Universo Outubro de 2006

Olhos Novembro de 2006 Qual é a dos Orgânicos Novembro de 2006 Os Outros Janeiro de 2007 Países em Extinção Janeiro de 2007 Resta Um – Tartarugas das

Ilhas Galápagos Fevereiro de 2007

A Máquina da Longevidade Fevereiro de 2007 Tabela 2 Reportagens na área de Ciências Humanas Título da

Reportagem Edição

Vampiros Agosto de 2006 Guerra dos Mundos Agosto de 2006 Terceira Guerra Mundial Setembro de 2006 Como Escolher Melhor um

Candidato? Setembro de 2006

Escrito nas Estrelas Setembro de 2006 Diamantes, Lama e Sangue Setembro de 2006

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Ainda Votar Nulo? Setembro de 2006 Anarquismo Outubro de 2006 Este Homem Ainda Vai

Ganhar o Nobel Outubro de 2006

O Segredo do Vôo 2068 Outubro de 2006 Censura Outubro de 2006 Exorcismo Outubro de 2006 O Primeiro Avião do Futuro Outubro de 2006 Second Life Outubro de 2006 I Ching Janeiro de 2007 Você Ainda Vai sentir Falta

dos EUA Janeiro de 2007

Um Mudkó Caiu do Céu Janeiro de 2007 A Inteligência a Serviço do

Mal Janeiro de 2007

Lost e o Fim da TV Fevereiro de 2007 Cachaça do Brasil Fevereiro de 2007 O Besouro de Hitler Fevereiro de 2007 Al Jazeera Fevereiro de 2007 Espíritos Março de 2007 Jerusalém é na Amazônia Março de 2007 Tesouros Perdidos Março de 2007 Mediador entre a ciência e a sociedade, o jornalismo científico foi definido como o

porta-voz da fronteira do conhecimento humano. Seu objetivo era popularizar a ciência, atendendo às necessidades do cidadão de compreender como e por que as descobertas científicas e tecnológicas afetam, para melhor ou para pior, o seu dia-a-dia. Nesse contexto, a Superinteressante surge como um grande veículo de massa com esse propósito de divulgação, de deixar o conhecimento científico mais acessível.

Porém, com efeitos que a pós-modernidade traz há uma necessidade de reavaliar a noção de ciência e a validade dos métodos científicos, para muitos é a "crise da ciência". Essa "crise" rompe com os tabus da modernidade e as Ciências humanas são vistas como ciências legítimas. Religião e Filosofia tornam-se critérios válidos para a compreensão da realidade.

Os dados da tabela 1 e 2 apontam para um fenômeno no Jornalismo Científico: o predomínio das Ciências Humanas sobre as Ciências Naturais. Para acompanhar essas tendências por assuntos mais humanistas de dentro da ciência, a revista busca acompanhar as expectativas de seus clientes resultando em uma nova cara para o jornalismo científico.

A Edição de Novembro de 2006 traz uma reportagem sobre o Exorcismo. Tema recorrente em filmes e que alimenta o imaginário social sobre sua real existência e interferência na vida de qualquer pessoa. Com a chamada de matéria: “Vade retro, satã! A possessão é a doença; a cura o exorcismo. Isso é aceito por quase todas as fés. Por que demônios teimam em azucrinar o homem civilizado? Como a ciência reage a esse fenômeno?” A reportagem tenta explicar porque esse fenômeno eminentemente religioso ocupa tanto espaço no imaginário propondo na reportagem que a “ciência” pode explicar tal fenômeno.

A reportagem recorre a padres, monges, historiadores e neurologistas como fontes primárias para a construção do texto. O texto aborda um assunto que instiga a curiosidade, o imaginário. Tenta dar voz ao discurso das Ciências Humanas e das Ciências Naturais, mas não chega a um resultado comprovadamente científico, terminando o texto do seguinte modo:

“Acontece que as certezas são sempre frágeis nesse campo. Se a fé não exige provas, a ciência algumas vezes não consegue obtê-las. O comportamento

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humano é uma área ainda repleta de mistérios a ser desvendado – é nas brechas do conhecimento que se alojam os demônios e outras assombrações. Casos sem explicação racional continuam a acontecer a todo instante, só que não há como atestar a atuação do sobrenatural nessas situações. É uma dúvida do diabo, que promete viver em nossas entranhas por um bom tempo”. (Edição 232/Dezembro de 2006, p, 75).

A derrocada das pretensões que o cientificismo tinha de responder a todas as

nossas perguntas abrem espaço para o retorno do sobrenatural na compreensão da realidade. O resultado é o enfraquecimento da dicotomia ciência e religião, criada com tanto afinco na modernidade.

Quando retrata matérias no segmento das ciências humanas, a revista também tenta dar características de ciências humanas, procurando responder a questões mais freqüentes da população. Essas questões vão desde a preocupação com o corpo, a imortalidade e os mitos sobre o universo. Exemplo disso são matérias como “A Máquina da Longevidade” de Fevereiro de 2007, “Olhos” de Janeiro de 2007 e “O Verdadeiro Sistema Solar de Agosto de 2006”.

A reportagem “Olhos” da edição de Novembro de 2006 procura explicar a fisiologia dos olhos associada às mensagens do cérebro, para isso usa os exemplo das mensagens subliminares passadas através das propagandas. A reportagem traz várias fotos e brincadeiras para explicar como funciona a conexão olhos-cérebro. Recorre a cientistas, psicólogos e pesquisadores para explicar ao grande público o que a ciência tem a dizer sobre as novas descobertas da visão.

A revista tem tentado transformar a ciência em cultura geral. São parcas as reportagens que tratam exclusivamente de inovações científicas e daquele conceito de “ciência dura” vinculado ao Jornalismo Científico. Das 14 matérias agrupadas na sessão de “Ciências Naturais” apenas duas foram constatadas tratando-se de Ciência e Tecnologia. “Carros do Presente” e “Novo combustível” são os dois únicos exemplos que invocam aquela noção positivista da ciência, aquele conceito primitivo do Jornalismo Científico.

“Carros do Presente”, reportagem da edição de Agosto de 2006, traz a chamada “Você sonha com um veículo que se dirige sozinho no trânsito e não precisa de combustível?! Então pode acordar: isso já é coisa do passado”. O texto mostra as mais recentes inovações da industria automobilística de modo exagerado, como forma de chamar atenção dos leitores, para uma visão “espetacularizada” do futuro, das maravilhas que a ciência pode nos oferecer.

Não é de se espantar, portanto, que quando a noção de ciência muda, muda também a maneira de se divulgar a ciência e a Superinteressante apresenta claramente os efeitos da chamada "crise da ciência" em suas pautas e linha editorial.

O Predomínio das temáticas sobre as Ciências Naturais ressalta um novo paradigma no Jornalismo Científico Brasileiro: a variedade de temática a ser engloba dentro do JC. Um paradigma que apresenta uma ciência convencional em crise e uma ascensão de uma ciência com abertura ao sobrenatural ao pseudocientífico, com uma quebra da outrora rígida dicotomia entre ciência e religião. A Revista utiliza base científica para buscar explicações e resposta nos mais variados assuntos, como constatamos ser o caso da religião, misticismo, esoterismo. Assim, essa investigação científica, associada à tecnologia, passa a ser um “produto” de investimento para o desenvolvimento do mercado e, sobretudo, um forte mecanismo de competição e estabelecimento de relações de poder do sistema sócio-político e econômico.

As novas tendências do JC ressaltadas pela Superinteressante analisadas até aqui –enfraquecimento da noção positivista da ciência, a predominância das ciências humanas sobre as naturais e a ascensão da temática religiosa e mística nas reportagens – estão submetidas à relação da revista com o leitor. É a aceitação e aprovação do leitor que abaliza e impulsiona as mudanças editoriais que a revista sofreu durante sua história. Na

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verdade, a revista apresenta mudanças editoriais na pós-modernidade porque lida com leitores pós-modernos – e tenta satisfazer suas expectativas, desejos e interesses.

O interesse pela temática religiosa é uma via de mão dupla, na qual vem e vão o interesse presumido do leitor e o interesse de vendagem da revista. O que ambos têm em comum? Uma noção de ciência que valoriza cada vez mais o papel das humanidades e que dá abertura para o sobrenatural como critério de verdade.

De acordo com Sodré, a indústria da informação e da cultura realiza a mais-valia tanto no nível de rotação do capitalismo, quanto no poder decisório: “Essa ideologia informacional ultrapassa a esfera dos media. As necessidades do processo acumulativo ou de reprodutividade ampliada do capital central exigem também uma maior velocidade de circulação de dados e saberes no interior dos aparatos produtivos, tanto no nível das máquinas de construção (fábricas, usinas) como dos processos de gestão". (SODRÉ, 19877, P. 51)

Assim, na pós-modernidade a informação assume um papel político e econômico passando a atender a empresas e instituições. A informação torna-se bem de consumo e de produção: uma mercadoria.

As reportagens da Superinteressante são recheadas de fotografias e manchetes impactantes. Os textos são redigidos de forma a alcançar o maior número possível de leitores, muitas vezes sendo superficiais. Com isso, não se cria uma cultura científica, mas sim um possível acesso ao discurso da ciência nos seus mais variados aspectos por um público mais “leigo”, dando um caráter de cultura geral às análises científicas.

A “revolução tecnológica” (principalmente a partir de meados do século XX), impulsiona o hiper-desenvolvimento das tecnologias da informação e isso torna a divulgação do conhecimento científico mais acessível, expandindo-se a um público que excede os limites da Universidade. A comunicação torna-se ágil e alcança a casa dos ouvintes, telespectadores e leitores, permitindo um grande trânsito de informações acerca de boa parte das grandes (e das medíocres) descobertas e criações das ciências do mundo atual.

A investigação científica, associada à tecnologia, passa a ser um “produto” de investimento para o desenvolvimento do mercado e, sobretudo, um forte mecanismo de competição e estabelecimento de relações de poder do sistema sócio-político e econômico. A Superinteressante usa esta investigação para aproximar a ciência da vida dos leitores, especialmente, no quis diz ao imaginário das pessoas. Através dessa investigação a revista procura temas que alimentam esse mistério e inquietação, como a religião e o misticismo.

Palavras e imagens “atraentes” para conquistar o leitor são sempre bem-vindas pela revista. Trata-se de uma forma de voltar a atenção do leitor para um assunto aparentemente “banal” ou “chato”, mas que tem no respaldo da ciência a seriedade imaginada para alcançar credibilidade perante o público. Exemplo desta análise é a reportagem “Espíritos”, da edição de Março de 2007. Tema polêmico, descrições emotivas e fotos inquietantes. A matéria traz o título “Eles Vêem Espíritos” e diz o seguinte :

Para a ciência, ver e ouvir fantasmas não tem nada de sobrenatural: tudo criado

pelo cérebro. Agora cientistas tentam explicar por que tanta gente, em diferentes épocas e civilizações, afirma ver espíritos. (Março/2007, Capa).

Esta matéria ilustra não só a análise de que a revista torna suas matérias atrativas

não só pelas imagens e textos, também, pelo fascínio que a revista e o Jornalismo Científico tem se rendido ao paranormal e às pseudociências.

O predomínio pelas temáticas do sobrenatural não evidencia apenas um interesse mercadológico. Uma vez que a nova espécie de divulgação científica da Super reflete a nova concepção de ciência da revista é de se esperar que essa postura tenha implicações diretas ou indiretas na prática do jornalismo científico em todo o Brasil. A Super seria apenas o carro-chefe de um jornalismo científico que justifica a presença de misticismo e pseudociência pelo interesse do leitor por uma ciência mais aberta ao sobrenatural.

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4.4.2 A Linguagem da Superinteressante Na matéria sobre o Cérebro, da edição de agosto de 2006, a reportagem traz o

título “A Revolução do Cérebro” e a seguinte apresentação: “A máquina mais complexa do Universo está na sua cabeça. Agora que começamos a entender como ela funciona, descobrimos capacidades que nem imaginávamos. Saiba quais são esses superpoderes – e o que fazer para adquiri-los”.

Reportagens como esta citada, tradicionalmente, envolveriam apenas a tradução de informações dos cientistas pelos jornalistas. Mesmo que recorrendo a fontes exclusivamente de cientistas (neurocientistas, neurobiólogos e neorilogistas), o texto traz ilustrações, boxes e uma linguagem acessível para que qualquer pessoa possa se sentir atraído pelo assunto. A reportagem procura ao máximo se aproximar do leitor, chamando-o para a matéria.

“Algumas dessas façanhas sempre fizeram parte do seu cérebro e só agora

conseguimos perceber. Outras são frutos da ciência: ao decifrar alguns mecanismos da nossa mente, os pesquisadores estão encontrando maneiras de realizar coisas que antes pareciam impossíveis. O resultado é uma revolução como nenhuma outra, capaz de mudar não só a maneira como entendemos o cérebro, mas também a imagem que fazemos do mundo, da realidade e de quem somos”. (Agosto/2006, pág. 50)

Nestas reportagens sobre Ciências Naturais, a revista se propõe a levar o leitor

para uma viagem dentro daquele determinado assunto, procura não só traduzir as informações dos cientistas e suas mais recentes descobertas. Procura aplicar tais descobertas a vida prática do leitor, de modo a inseri-lo no contexto do assunto, estabelecendo uma democratização do conhecimento científico de forma mais didática.

Mas mesmo que as fontes se mantenham (os cientistas), a forma de transmitir a informação se transformou. Antes o discurso científico trazia explicações, hodiernamente, traz conselhos para a vida prática do leitor. A forma utilizada é o discurso direto preparado, que cria um certo distanciamento com a fonte. Essa forma caracteriza-se pelo uso de aspas com frases ditas pelo cientista. Outra forma de criar identidade com o leitor é antecipar perguntas que o público pode fazer. Essas perguntas tornam o texto mais didático e mais atraente.

Quando se trata de Ciências Naturais, a Revista distancia-se do papel de tradutor de informações científicas. Termos técnicos e linguagem rebuscada já não fazem mais parte do corpo do texto da Superinteressante. A ordem parece ser textos leves com o objetivo de que os leitores sintam-se atraídos por temas científicos – biologia, tecnologia ou astronomia – sem temer o conteúdo, julgando ser uma difícil leitura.

A divulgação de informações sobre ciência, tecnologia, saúde e medicina também possui implicações éticas para os jornalistas. Reportar assuntos que envolvem ciência é uma atividade que exige uma constante apreciação das diversas facetas da ética jornalística. Em termos práticos, há o desenvolvimento do processo jornalístico, que exige a checagem de informações, fontes e dados. Um pequeno erro de percurso pode comprometer o trabalho científico, sendo que também existe o risco de disseminar esperanças ilusórias ou, até mesmo, terror à população em geral.

Ainda nessa linha de raciocínio, temos a sensacionalização das informações e a simplificação exagerada das temáticas desenvolvidas pelo Jornalismo Científico, que podem ocasionar erros na decodificação dessas mensagens. Para Oliveira (2005), a ética é universal, fato que determina desde o respeito ao Direito Social à Informação, até a própria postura do profissional jornalista. Dessa forma, um jornalista científico não deve se deixar seduzir por trocas de favores ou outros benefícios. Bem como, não devem ocultar fatos que sejam de interesse universal.

Mas, além dos preceitos éticos comuns ao jornalismo, existem situações da divulgação científica que merecem uma atenção especial. Uma delas envolve a relação entre informação e democracia. De acordo com Hernando (2000, p. 196), o Jornalismo Científico:

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"[...] consiste em transmitir ao público o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, para que a maioria possa participar dos conhecimentos da minoria, no exercício da mais nobre, difícil e exigente democracia, a da cultura e que trata de evitar que o conhecimento, o mais nobre do espírito humano, e o que nos distingue basicamente dos outros seres vivos, se converta, uma vez mais,em causa de injustiças, desequilíbrios e desigualdades, como tantas vezes tem se sucedido ao longo da história"

A edição de Setembro de 2006 traz uma matéria sobre os novos combustíveis. Na

reportagem, a matéria tenta explicar de forma clara a produção em laboratório de um combustível, que pode ser consumido por grande parte da população. Apesar de ser um tema de tecnologia, o jornalista não se limitou a traduzir as informações da pesquisa e sim em mostrar, de modo também técnico, as implicações na vida do grande público. Como forma de atrair a atenção dos leitores e democratizar o conhecimento Científico, a Revista tenta aproximar os temas ligados às Ciências Naturais ao cotidiano dos leitores.

“O futuro já começou: desde maio desse ano, os consumidores das maiores

cidades brasileiras podem abastecer seus veículos com biodiesel, misturado ao diesel convencional. O uso desse combustível verde renovável representa uma contribuição para minimizar o impacto da queima dos combustíveis fosseis sobre o meio ambiente e diminuir nossa dependência externa do diesel derivado do petróleo”. (Setembor/2006, P. 94)

O trecho destacado da matéria é o primeiro parágrafo do texto. O jornalista já abre

a matéria com um “lead”, rápido e eficaz para prender a atenção do leitor. Aparentemente, por ser um tema de laboratório, não despertaria a atenção dos leitores. Então, a Revista já mostra no primeiro contato com o texto que aquela matéria pode ser útil à vida de qualquer pessoa que tiver acesso ao texto.

Ao tratar das Ciências Naturais, a revista busca diminuir o abismo existente entre cientistas e jornalistas. Conciliar essas duas linguagens tão diferentes e com discursos tão particulares de modo a tornar compreensível ao leitor o diálogo entre ambos. Assim, a linguagem adotada pela revista ao abordar as Ciências Naturais é procurar contribuir para o conhecimento do leitor, para lhe proporcionar algo que multiplique em sua vida e não apenas some. É uma linguagem adotada para levar a comunidade conhecimento científico, de maneira que as pessoas possam compreender.

A humanidade nunca passou por um período de tantas inovações tecnológicas, e isso afeta cada dia mais a vida das pessoas. Mas não só essas inovações tecnológicas mudam o cotidiano. As Ciências Humanas têm apresentado grande expressão dentro da sociedade pós-moderna e também têm sido utilizadas como critérios científicos e de busca da compreensão dos fenômenos sociais. Religião, História, Ciência Política, entre outros tem sido freqüentemente utilizados como critérios de positivação das relações sociais e a Superinteressante tem, freqüentemente, recorrido a tais métodos para explicar a população temas recorrentes no nosso cotidiano.

Na Superinteressante há um predomínio de reportagens que abordam as temáticas das Ciências Humanas. Estas temáticas englobam temas como História, Comportamento, Atualidades, Religião entre outros. Assim, a revista recorre às ciências do ser humano e, não mais como antes, às ciências matemáticas e físicas para compreender e definir as descobertas científicas. Contudo, essa nova ênfase humanístico-social da ciência, somada ao fenômeno de abertura ao metafísico e ao sobrenatural, é marcada pelo que muitos autores consideram como uma intrusão de práticas míticas e religiosas nas ciências.

A Revista revê esse paradigma de que Jornalismo Científico é Ciência Natural e integra, definitivamente, a sua pauta às temáticas das Ciências Humanas.

"Sempre que publicamos matérias sobre áreas mais subjetivas do saber humano,

amparadas na cultura e no comportamento, há a impressão de que não estamos falando de ciência. Para nós, essa distinção não faz sentido. Para a SUPER, tudo isso é ciência. História, filosofia, semiótica e psicologia, por exemplo, são objetos de estudo tão

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instigantes e merecedores de atenção quanto a física ou a química, a alta tecnologia ou a astronomia." (Carta ao Leitor, 2005)

A própria Revista reconhece essa inclusão, de modo que não separa Ciências

Humanas e Naturais dentro do Jornalismo Científico. Reponde esta Carta ao Leitor pelo estranhamento causado pela recorrente temática das Ciências Humanas no conteúdo da Revista.

Essas chamadas pseudociências vem despertando cada vez mais a curiosidade dos leitores e sendo exploradas pela Revista. A superinteressante usa dessas temáticas com uma linguagem bastante acessível de modo a construir um discurso leve e de fácil entendimento aos leitores. As temáticas também procuram esclarecer dúvidas, desfazer mitos. Por muitas vezes, começam os textos mostrando o que a maioria da população pensa sobre assunto e ao longo do corpo da matéria vai se desfazendo o senso comum, através de variadas fontes chegando a conclusões sobre determinados assuntos.

Como as Ciências Naturais são um grupo bastante abrangente, elas aparecem de modos diversos no conteúdo da revista. Os mais recorrentes são: Atualidades, Ciência Política, Religião e Misticismo.

A Edição de Setembro de 2006, às vésperas das eleições, traz uma reportagem cujo tema é “Ainda Adianta Votar Nulo?” e a seguinte chamada para o texto: “ o voto nulo é um protesto que funciona? Tem algum poder para pressionar o governo? Saiba o que sociólogos e políticos acham da questão mais polêmica das eleições”.

O texto procura, de forma clara e contextualizada, mostrar os benefícios e as implicações práticas de um voto nulo. Recorre a fontes diversas como sociólogos, filósofos, cientistas políticos, partidários e pesquisadores das Universidades. A matéria começa com uma linguagem bem coloquial tentando aproximar-se do leitor para introduzir uma linguagem mais técnica embasada do discurso das fontes.

“Um saco. Você liga a TV e as mesmas palavras aparecem: desvio de dinheiro

público, improbidade administrativa, caixa 2. Sem falar nos deslizes que os governos cometem mesmo quando são bem-intencionados. Diante de tanta desilusão com a política do Brasil, muita gente decide chutar o balde, recusar todos os candidatos de uma só vez e votar nulo. Outros perguntam se, afinal de contas, o ato de anular tem algum valor par a melhorar o país. No orkut, o site de relacionamento, há 55 comunidades que tratam explicitamente do voto nulo: 44 a favor; 8 contra; 3 registram-se prós e contras, sem posição firmada”. (Setembro/2006, P. 58)

Na mesma edição da matéria citada acima, a revista traz outra reportagem sobre

eleições. Com o título “como escolher melhor um candidato?”, o texto da matéria também traz de forma clara e de fácil entendimento, alguns aspectos que julgam importantes na hora de escolher um representante. Carreou-se a apenas uma fonte (Diretor de ONG sobre política) para trazer esclarecimentos à população. A impressão que passa o texto é de ser bem didático, apontando caminhos e perspectivas para ter um voto mais consciente.

“A Internet é uma ótima ferramenta para buscar informações sobre candidatos

desta eleição. Nos sites da Câmara, do Senado, das assembléias Legislativas, de algumas ongs ou simplesmente no google, é possível saber se seu candidato já esteve envolvido em algum escândalo, o que ele realizou em mandatos anteriores e avaliar as propostas do seu partido”.(Setembro/2006, P. 42)

A escolha de temáticas relacionadas à atualidades demonstra uma preocupação

com as questões políticas e econômicas do país. Embora se distancia do real sentido do Jornalismo Científico, a revista procura contribuir para uma conscientização pública de seus leitores. Percebemos que mesmo distanciando-se da real proposta do segmento especializado, a revista atende a uma função meramente jornalística, que é divulgar concepções do senso comum em um texto compreensível para todas as classes.

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Um dos assuntos mais explorados pela Superinteressante é a geopolítica e temas que envolvem questões políticas a nível mundial. Das 25 matérias classificadas em Ciências Naturais, 5 envolvem aquele tema, como as reportagens: Guerra dos Mundos (Agosto/2006), Terceira Guerra Mundial (Setembro/2006), Anarquismo (Outubro/2006), Você Ainda Vai sentir Falta dos EUA (Janeiro/2007) e Al Jazeera (Fevereiro/2007)

A freqüente presença dos temas ligados à realidade reflete não só uma tendência de afastamento ao real sentido do Jornalismo Científico. Reflete uma preocupação com as questões atuais, em mostrar aos leitores os problemas e as crises entre as nações. Estes temas são enquadrados no Jornalismo Científico como “ciência política”. Dentro do discurso dos textos e para dar maior credibilidade à reportagem, dando “status” de Jornalismo Científico, a revista parece ter todo o cuidado ao selecionar suas fonte. Os Cientistas Políticos são as mais recorrentes neste tipo de reportagem. Geralmente esses Cientistas são pesquisadores das mais renomadas Universidades de todo o Mundo.

Nessas reportagens sobre Ciência Política, mais do que divulgar as novas descobertas ou ponto de vistas de estudiosos no assunto, a revista privilegia a análise. Estas matérias apresentam profunda análise acerca dos temas como globalização e geopolítica, dando a possibilidade de o leitor entrar em contato com discursos opostos e de diferentes fontes.

Neste tipo de análise, a revista procura refletir sobre o assunto, mostrando aos leitores algumas projeções para o futuro. Historiadores, estudiosos e jornalistas de países envolvidos no assunto também são utilizados como fontes. Assim, apresenta-se uma análise baseada em pontos de vistas opostos, o que pode resultar numa interpretação coerente acerca daqueles temas.

Na Edição de Janeiro de 2007, a Superinteressante traz uma reportagem cujo título é: “Você ainda vai sentir Falta dos Estados Unidos”. O texto traz uma linguagem simples, com conceitos e dados, tornando um texto de fácil entendimento. A matéria fala da repercussão mundial do crescimento da China e o provável legado que esta nação deixará para o mundo, comparando com os Estados Unidos, maior potência econômica, na atualidade. Toda a análise proposta pela reportagem parece ter como principal objetivo às implicações que aquele avanço terá na vida de toda a população.

“Para muitos analistas, esse comportamento em relação à África dá o tom do que a

China quer ser quando crescer: um Estado pragmático, baseado em ganhos econômicos, sem debates ideológicos ou princípios morais. É um modelo surpreendente. Superpotências, afinal, são lideres mundiais. Moldam o planeta a sua imagem e semelhança. Têm dinheiro e força para fazer valer seus valores. A União Soviética, por exemplo, quis exportar o comunismo. Os EUA, a democracia e o liberalismo. Mas qual será o legado da China? Enriquecer a qualquer custo?” ( Janeiro/2007, P. 20)

Outra Reportagem que ilustra a análise encontra-se na edição de Setembro de

2006 e traz o titulo “Terceira Guerra Mundial” e a chamada para o texto: “Terroristas mais poderosos que nações. Armas nucleares em mãos perigosas. O Planeta dividido. Vivemos o momento de maior tensão em décadas. Será que o mundo vai entrar em guerra? Ou já entrou?”.

Também propõe uma análise sobre os conflitos atuais do mundo. Traz um texto longo, dividido em sub-tópicos de modo a tornar o texto menos cansativo. Uma linguagem acessível, com dados numéricos e conceitos. Fontes especializadas no assunto dão os discursos mais técnicos, mas sempre contextualizados pelo texto dos jornalistas.

Com o aumento de interesse pelas temáticas religiosas e místicas, a Revista apresenta um número considerável de reportagens referentes a tais temas. Com isso, assuntos do domínio das ciências humanas e sociais ganharam maior destaque. Nesse aspecto, os temas relacionados à religião, indubitavelmente, começaram a ser explorado com especial ênfase. Nas reportagens analisadas, foram cinco ocorrências entre temas diretamente relacionados à religião ou que tinham como pano de fundo temáticas, situações e embates religiosos: Vampiros (Agosto/2006), Escrito nas estrelas (Setembro/2006), Exorcismo (outubro/2006), Espíritos (Março/2007) e Jerusalém é na Amazônia (Março/2007).

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Tamanho interesse do público por este assunto confirma o que assinala Bittencourt Filho (2003): desde as comunidades arcaicas o papel da religião é primordial. Os valores e as práticas religiosas orientam dialeticamente a vida dos indivíduos, cumprindo papel preponderante na transformação e/ou na manutenção de condutas e estruturas sociais. Ademais, o indivíduo moderno busca, cada vez mais, sentido para a vida na religião. Acrescenta-se, ainda, que o Brasil é um país em que confluem diversas tradições religiosas, o que plantou no inconsciente coletivo brasileiro um pujante substrato religioso.

A Superinteressante, que nesta abordagem personifica a própria mídia, parece, portanto, ter identificado bem essa tendência e o jornalismo concentra esforços em certas organizações que, rendem mais e melhores informações. Ademais, deve-se considerar, conforme aborda Traquina (1999) que nos veículos de comunicação impera o conceito de atualidade. A notícia precisa trazer algo novo, mesmo que aparentemente. Nesse sentido, a religião é um lugar privilegiado, em permanente movimento e, nos dias de hoje, constante mudança.

A Edição de Agosto de 2006 traz uma reportagem sobre os Vampiros, com o seguinte título: “Mortos, mas não muito”. Como chamada para o texto, a revista escreveu: “O mito do vampiro assume as mais diferentes formas e cortes de cabelo, mas sua essência imutável assombra o mundo todo desde o surgimento da civilização. Por que a humanidade inteira precisa desses mortos vivos que bebem sangue?”.

O texto da reportagem segue uma metodologia que a revista procura seguir em seus textos mais longos: Conceitos, história, o que diz o senso comum e o discurso dos profissionais especializados naquele assunto, no caso dos Vampiros, os Cientistas:

“Em 1997, o químico Wayne Tikkanen, Da Universidade da Califórnia em Los

Angeles, propôs que o vampiro seria um doente acometido de porfiria, doença hereditária que provoca retração dos lábios e malformação dentária, necrose dos dedos e do nariz e escurecimento da pele, que se torna muito sensível aos raios ultravioleta. Tikkanen diz que muitos doentes se escondiam em caixões para se proteger do sol”. (Agosto de 2006. P. 64)

É possível que a configuração, tanto visual, quanto textual, das reportagens sobre

a temática religiosa da revista oscile entre o aprofundamento e a espetacularização da informação e, em alguns casos, tendendo mais para a segunda alternativa.

O formato de suas reportagens – privilegiando a imagem, a clareza, a leitura fácil, a exposição de aspectos curiosos e a variedade de informações sobre religião, cujo outro lado da moeda pode ser o simplismo e a superficialidade - parece atender aos anseios de leitores que buscam informação sobre o assunto, talvez na tentativa de construir seus referências particulares de crença, num mundo em que instituições religiosas consolidadas perdem força e novas despontam, obrigando às religiões tradicionais a uma reação.

4.4.3. Espetacularização na Superinteressante É verdade que o sensacional sempre chamou a atenção. Ainda mais no contexto

atual de monopólio visual e hegemonia da sensação. Logo, fazer jornalismo sem esse apelo parece inviável economicamente. No entanto, nivelar por baixo nunca foi a postura de um jornalismo ético e duradouro. É função do periódico, sobretudo de linha científica, refinar o gosto do público. Afinal, o jornalismo científico serve exatamente para isso: tornar atraente aquilo que a massa não vê graça.

A espetacularização, certamente, é uma das características marcantes da Superinteressante. A revista é de um grande grupo de comunicação brasileiro e está sujeita a todos os intervenientes destacados por Traquina (1999). É elementar, portanto, dizer que existam interesses comerciais e preocupação em vender o produto - a revista - em torno do processo de produção jornalística.

Diante dos compromissos empresariais e inerentes ao próprio fazer jornalístico, compete ao jornalista servir com afinco a esta burocracia produtora de notícia,

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produzindo reportagens atraentes e, em alguns casos, extraordinárias, sensacionais. É nesse contexto que entra o espetáculo.

Na Superinteressante, a primeira manifestação espetacular evidencia-se pela exaustiva e cuidadosa utilização das imagens.Fotos, montagens e diagramação, geralmente, são primorosas.

A espetacularização não fica apenas por conta das questões gráficas. Alguns textos, chamadas de capas, além do bom humor, as anedotas e o sarcasmo são parte da linguagem da Revista.

A Edição de Setembro de 2006 traz a capa: “Terceira Guerra Mundial”. Uma capa toda em cor preta, sugerindo um luto e própria frase mostra uma afirmação pontual, em que muitos poderiam se perguntar se aquilo era mesmo verdade. O texto também não decepciona. Apesar de uma linguagem de fácil entendimento, mostra afirmações de diversas fontes com o propósito de concluir que uma terceira guerra mundial é iminente. Nesta mesma matéria, a revista também abusa das questões gráficas. Para ilustrar a referida “Terceira Guerra Mundial”, a revista utilizou em duas páginas, uma grande ilustração fazendo referência ao jogo “war”. Países foram colocados em um tabuleiro simulando o jogo, para ilustrar a referida “Terceira Guerra Mundial”.

“Aqui está a receita: para acabar com as guerras, só mesmo a própria guerra.

Nada como uma boa dose dessa experiência traumática para o mundo aprender que a paz, afinal, é o melhor negócio. Bom, pelo menos era o que alguns dos nossos antepassados achavam quando estourou a 1ª Guerra Mundial. Veio o conflito mais sangrento da história até então e, apenas 20 anos depois, estourava outra guerra, ainda mais arrasadora. O ”remédio” de mostrou inócuo.” (Setembro/2006. P. 53)

Com aquele trecho, a revista começa o texto da matéria dando como certa a

terceira guerra. Ao longo da reportagem, diversas fontes como sociólogos, pesquisadores e cientistas vão confrontando suas opiniões a respeito do assunto, de modo que não se chega à conclusão alguma. E a reportagem chega ao final com as seguintes indagações: “E você? O que acha?

Também como forma de atrair a atenção do leitor, a revista em suas chamadas para o texto, utiliza-se do discurso direto das fontes como um verdadeiro roteiro cinematográfico para fazer do texto uma leitura surpreendente e atrativa. É o caso da matéria sobre espíritos, da edição de Março de 2007, que começa da seguinte maneira:

“No rádio tocava oceano, de Djavan. Maurício ia de São Paulo a Santos e acabava

de entrar no primeiro túnel da Rodovia dos Imigrantes. Foi quando sentiu um calafrio e ouviu: Ai, eu gosto tanto dessa música. Tia, o que a senhora está fazendo aqui?, disse Maurício reconhecendo a voz. Ué, estou indo para a praia, responde a tia, com naturalidade. Mas a senhora não pode. A Senhora está morta faz uma semana.” (Março/2007. P. 53)

As reportagens da Superinteressante apresentam-se como um produto típico da

Pós-Modernidade pronto a atender as necessidades de um leitor que vive inserido numa sociedade espetacularmente pós-moderna, e que as temáticas abordadas – e o modo como são abordadas – refletem a inquietude que permeia essa sociedade. Uma sociedade marcada pela oscilação, pela incerteza, pela perplexidade e pelas contradições.CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estamos acompanhando as mudanças de paradigma da ciência e da divulgação

científica. A primeira sofreu forte impacto da corrente ideológica pós-moderna, que acabou com a hegemonia das áreas de exatas e biológicas, e promoveu as ciências humanas – leia-se psicologia, antropologia, sociologia e outras "logias" – ao status de ciência.

De acordo com os apontamentos realizados nesta pesquisa, ascensão das ciências humanas sobre as naturais no conteúdo da Super e o aumento das matérias sobre

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religião, misticismo e pseudociência revelam a mudança da maneira pela qual a revista vê a ciência e, por conseguinte, da maneira como a divulga.

Esse direcionamento de ênfase das ciências reflete a influência das mudanças geradas pela abertura científica ao metafísico e ao sobrenatural, produzidas pela crise da ciência segundo a ótica do pós-modernismo. A predominância das ciências do homem sobre as ciências da natureza no conteúdo da revista representa um enfraquecimento do conceito positivista e cientificista da ciência, assimilando uma ênfase mais humanístico-social do conceito científico.

A popularização do conhecimento é uma das funções mais nobres da imprensa; todavia, o modo como se faz merece sempre ser reavaliado. A informação, geralmente, está impregnada de conceitos, termos (palavras) e fotografias impactantes, que remetem a uma visão espetacularizada, às vezes até “encantada”, que geram o imaginário de crença no conhecimento científico.

Fica claro que há um paradoxo entre a ciência produzida e discutida nas Universidades, que passa, continuamente, por um debate amplo e conflituoso, cujos limites são sempre postos em questão pelos próprios cientistas, e a divulgação dessas descobertas e criações que vão para os meios de comunicação e entram na vida dos receptores (consumidores) que sem o saber, consideram a informação recebida como um conteúdo pronto e acabado e passam a viver sob o imaginário ingênuo de que, sob a proteção científica, todos os problemas podem ou poderão ser resolvidos.

Superinteressante está, justamente, no ponto de transição entre a perspectiva moderna e a pós-moderna. Na abordagem dos assuntos que dizem respeito à religião e às pseudociências, é possível notar lugares conceituais e teóricos. Entretanto, também existem momentos de profunda dedicação ao conhecimento numa perspectiva de sabedoria e de qualidade de vida. Assim, como produto da controversa sociedade humana, acreditamos que, também contraditoriamente, a revista promove tanto a exaltação de uma ciência soberana quanto a democratização do saber, o diálogo entre os diversos conhecimentos.

Entretanto, não podemos esquecer que o jornalismo científico está associado ao processo de humanização da ciência, à superação de problemas que interfiram no bem-estar da população e à democratização do saber. Superinteressante, ao enquadrar-se como veículo dessa modalidade jornalística, tem uma grande responsabilidade social.Se, por meio da informação séria, fidedigna e responsável, a revista conseguir, de alguma forma, fomentar a tolerância e o diálogo religioso – ainda que indiretamente –já nos terá dado uma contribuição inestimável.

NOTA (1) Chama-se de Pós-Modernidade a condição sócio-cultural e estética do capitalismo contemporâneo, também chamado de pós-industrial ou financeiro. É um termo que se tornou de uso corrente, mas bastante disputado. Teóricos e acadêmicos têm diferentes concepções sobre o mesmo. Para o crítico marxista norte-americano Fredric Jameson, a Pós-Modernidade é a “lógica cultural do capitalismo tardio”, uma lógica conservadora, incapaz de promover a transformação social. REFERÊNCIAS ALVES, Magda. Como escrever teses e monografias: um roteiro passo a passo. Rio de Janeiro: Campus, 2003 ARANHA, Maria Lúcia e MARTINS, Maria Helena. Filosofando: introdução à filosofia.2.ed. São Paulo, SP: Editora Moderna, 1995. BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Paris: Edições 70, 1970.

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