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7/25/2019 José Luís Crespo Participação Publica Planeamento
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No sistema top-down ou centralizado o Governo determina as orientações fundamentais sobre
a organização do território e os níveis regional e municipal executam-nas. Mesmo não
existindo um Plano Nacional há políticas e orientações definidas ao nível nacional que
afectam a escala regional e local. Como exemplos disso temos as condicionantes do tipo
Reserva Agrícola Nacional (RAN) e Reserva Ecológica Nacional (REN), o Plano Rodoviário
Nacional (PRN), os planos referentes à conservação da natureza e, também, as áreas elegíveis
em sistemas de incentivos regionais (Silva, 2000; Crespo, 2003).
No sistema bottom-up o município dispõe de um amplo grau de autonomia face ao nível
central, na elaboração dos planos e na sua gestão, uma vez aprovado e ratificado pelo
Governo. No entanto, o Governo pode intervir em caso de conflito, mas a gestão corrente
compete por inteiro ao município. No sistema misto, nenhum dos dois níveis administrativos parece predominar, pois a maioria
das decisões são tomadas em parceria. Ao Governo compete verificar a conformidade dos
planos locais com orientações nacionais e a compatibilização entre eles. O sistema de gestão
territorial definido em 1998/99, em Portugal, apresenta características que fazem dele, um
sistema deste tipo (Silva, 2000; Crespo, 2003).
Figura 1 – O sistema de gestão territorial em Portugal e suas inter-relações
União Euro eia
Nível nacional
Nível regional
Nível municipal
Outros Planos,Programas e Estudos
Organismos de gestãoública indirecta
Desenvolvimento,Ordenamento do Território e
do UrbanismoFonte: Extraído de Silva, 2000:21
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A partir de 1998/99, o sistema de gestão territorial que tem, como se disse, características de
um sistema misto de autonomia limitada, passou a estar estruturado da seguinte forma: três
níveis geográficos (nacional, regional e municipal), ou quatro se considerarmos também um
nível supranacional (europeu), articulados entre si (Silva, 2000).
2. Gestão do território à escala municipal
Em 19823 foi regulamentada, pela primeira vez, uma figura de plano de ocupação do solo de
todo o território municipal, o Plano Director Municipal (PDM). A primeira Lei das
Autarquias Locais4 tinha definido como uma das atribuições do município a elaboração deste
tipo de plano. Assim, às figuras de plano introduzidas em 19715 juntou-se a do PDM
constituindo, em conjunto, a primeira geração de Planos Municipais de Ordenamento do
Território (PMOT) (Abrunhosa, 1995; Portas, 1995; Silva, 1993; 2001; Pereira, 1997; Crespo,
2003).
O Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março, clarificou o enquadramento dos PMOT6 e tornou
mais célere o processo de elaboração, tendo sido mais tarde alterado7, pois existia falta de
articulação entre os três tipos de planos de âmbito municipal. Neste segunda geração de
planos municipais simplificaram-se “especificações técnicas”, associadas ao regime de 1982,
para que o respectivo conteúdo “correspondesse apenas ao que fosse necessário” (Silva
2001:31). Para que o país tivesse uma ampla cobertura de PDM foi preciso que se impusesse
um prazo para a sua conclusão, pois daí resultavam um conjunto de aspectos negativos para
os infractores: impossibilidade de uma candidatura a fundos estruturais e a contratos-
programa e, também, o impedimento de recorrer a processos de expropriações por utilidade
pública. A estes aspectos devemos associar as simplificações do conteúdo e do respectivo
processo de elaboração para que um número elevado de PDM fosse ratificado e publicado
(Pereira, 1997) 8.
3 Decreto-Lei n.º 208/82, de 26 de Maio; Portaria 989/82, de 21 de Outubro; Decreto Regulamentar 91/82, de 29de Novembro.4 Lei 79/77, de 25 de Outubro.5 Plano Geral de Urbanização (PGU), Plano Parcial de Urbanização (PPU) e Plano de Pormenor (PP).6 Planos Directores Municipais, Planos de Urbanização e Planos de Pormenor.7 Pelos Decreto-Lei n.º 211/92, de 8 de Outubro e pelo Decreto-Lei n.º 155/97, de 24 de Junho.8
Com a entrada em vigor do DL 69/90, o número de PDM em elaboração passou rapidamente para 269. Onúmero de ratificados, em Outubro de 1997 era de 250. Em 31 de Dezembro de 2000 somente 5 não tinhamainda um PDM “eficaz” (Silva, 2001).
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planos gerais de urbanização e planos parciais de urbanização de 1944 (não obrigatório) e dos
planos gerais de urbanização, planos parciais de urbanização e planos de pormenor de 1971
(obrigatório) (Crespo, 2003).
Quadro 1 – A participação pública nos Planos de Urbanização
DL 24:802/34 DL 33:291/44 DL 560/71
Procedimentos - Inquérito público - Inquérito público - Inquérito público
Intervenientes - - -
Fase do processo
de planeamento
- Após elaboração do plano e
antes da aprovação
- Após elaboração do plano e
antes da aprovação
- Após elaboração do plano e
antes da aprovação
Actos ou
documentos
- Indicação período do
inquérito público;
- Local de exposição
- Indicação período do inquérito
público;
- Local de exposição
- Indicação período do
inquérito público;
- Local de exposição
Conteúdo - - -
Duração - 30 dias - 30 dias - 30 dias
Publicitação - Por edital afixados nas
formas e lugares do costume
- Por edital afixados nos lugares
e na forma do costume
- Por edital nos locais de
estilo e num jornal concelhio
ou regional
Carácter - Obrigatório - Facultativo - Obrigatório
Fonte: Decreto-Lei n.º 24:802/34, de 21 de Dezembro; Decreto-Lei n.º 33:921/44, de 5 de Setembro; Decreto-Lei n.º 560/71,de 17 de Dezembro.
O regulamento de 1944 retirou em termos formais a participação da população no
planeamento, pois a realização do inquérito público deixou de ser obrigatória. A via utilizada
para as pessoas mostrarem o seu descontentamento passou a ser através da imprensa. Lobo
(1995:223) refere, a propósito de uma reacção ao Plano de Setúbal (1947), que “ A população,
informada e consciente dos valores que pretende defender, utiliza os meios ao seu alcance
para defender o centro histórico, o património natural da área envolvente da cidade, o seu
direito à fruição de vistas panorâmicas e a boa integração dos equipamentos na
comunidade”. Esta reacção realizou-se através da imprensa local e nacional.
Num outro caso, Plano da Praia da Rocha, o descontentamento da população prevaleceu sobre
um parecer favorável ao Plano. O Plano foi reprovado pelo Ministro em virtude de uma
reacção da população que foi veemente e eficaz. Apesar de apenas estar equacionado o
inquérito público para divulgar os planos, alguns urbanistas da época consideravam
indispensável que a execução dos planos deveria ter alicerçado uma ampla divulgação do
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mesmo9. Por outro lado, alguns municípios sentiam essa mesma necessidade, apesar de
facultativo, de publicar e difundir os planos com um acompanhamento de textos explicativos
ou na imprensa regional10.
A problemática da participação foi de novo equacionada a propósito da execução dosesquemas de desenvolvimento de nível regional inseridos no III Plano de Fomento. Nesse
documento as orientações que enquadravam os objectivos apontados11 deveriam ter em conta
as aspirações locais. Para fazer face a determinados problemas específicos em determinadas
áreas poderiam ser criados órgãos especiais. Esses órgãos eram as comissões consultivas
regionais, criadas no âmbito do III Plano de Fomento, que visavam assegurar, numa primeira
fase, a coordenação e a participação ao nível regional (Crespo, 2003).
Relativamente à participação das pessoas no processo de planeamento urbanístico, um grupode técnicos da Divisão de Planeamento da época (1970) teve a incumbência da elaboração de
um estudo regional da Madeira (Faria, 1978). As preocupações daí resultantes incidiram na
criação de formas de participação activa no processo de planeamento por parte das populações
interessadas. Neste contexto, em Maio de 1971, o então Subdirector – Geral, citado por Faria
(1978), refere que a ausência de participação das entidades públicas e privadas no processo de
planeamento, desde a concepção até à aprovação dos planos era um ponto fraco das actuações
e intervenções no domínio do planeamento. Já na época se reconhecia o não envolvimento da população no processo de planeamento, a não adesão às decisões daí resultantes, a não
colaboração na execução, o que impedia o surgimento de iniciativas individuais e colectivas.
A participação da população, num sentido lato, passou na década de sessenta a ser entendida
como o envolvimento do público na formulação de políticas e propostas de planeamento. Até
aí, fortes restrições ao nível da responsabilidade da formulação do plano, por ser da
competência da Autarquia, fizeram com que não existisse uma verdadeira participação pois a
população não tinha oportunidade de desempenhar um papel activo no processo de elaboraçãodo plano. Outro aspecto a considerar, como impeditivo da participação, era o elevado grau de
especialização técnica requerida para a elaboração dos planos (Lobo, 1995, Crespo, 2003).
9 Foi o caso do Plano da Figueira da Foz (Lobo, 1995).10 Aconteceu em Coimbra com o Plano de Embelezamento, Regularização e Extensão; no Porto com o PlanoRegulador; no Plano de Urbanização da Costa da Caparica (1947); no Plano a Sul da Avenida Alferes Malheiro;e nos Planos para as Praias da Rocha e do Cabedelo (Lobo, 1995).11 Quanto à harmonização do crescimento à escala regional que era pretendido.
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O inquérito público passou a ser obrigatório e apareceu pela primeira vez mencionado a
publicitação do mesmo num jornal concelhio ou regional. Faria (1978), a propósito da
legislação de 1971, refere que deveria existir o reconhecimento e a consagração legal do
direito de participação da população nos processos de planeamento, para assim permitir
acabar com o inquérito público, pois na prática este só atingia os proprietários e os visados
directamente pelos planos.
3.2. A participação não formal num período de transição (1975-1982)
A participação das pessoas no seu quadro de vida passou a ter uma nova importância após o
25 de Abril de 1974. Com as profundas alterações políticas e sociais trazidas pelo 25 de Abril
de 1974, assistiu-se à forte mobilização e participação dos moradores, em detrimento da
intervenção pública/institucional. Neste contexto, deve-se referir a experiência feita pelo
Gabinete de Planeamento de Setúbal que, entre 1975 e 1976, através de várias organizações
de moradores, surgidas após a Revolução de Abril, conseguiu iniciar um processo de
participação da população pelo esforço conjunto na detecção de carências existentes ao nível
do bairro e na definição das principais metas a atingir e nas suas prioridades (Faria, 1978).
Outro exemplo é o SAAL – Serviço de Apoio Ambulatório Local12. O programa SAAL foi
desenvolvido através de uma intensa discussão entre cidadãos e técnicos, em reuniões que
muitas vezes aconteciam na rua o que dinamizava o processo (Reis e Passos, 1991; Sustelo,
2003). As associações de moradores surgidas em muitos bairros degradados e em que se
destacaram líderes locais, bem como as cooperativas de habitação, são outros exemplos de
participação pública intensa em questões de Urbanismo (Mendes, 1980; Reis e Passos, 1991).
A Constituição da República Portuguesa, de 1976, contém diversas referências explícitas à
participação pública. Por exemplo, proclama que “ Incumbe ao Estado incentivar e apoiar as
iniciativas das comunidades locais e das populações tendentes a resolver os respectivos
problemas habitacionais e fomentar a autoconstrução e a criação de cooperativas de
habitação” (artigo 65º, nº 2), e que “a elaboração do Plano é coordenado por um Conselho
Nacional do Plano e nele devem participar as populações através das autarquias e
comunidades locais” (artigo 94º, nº 2). Por outro lado, garante a participação dos interessados
na elaboração dos instrumentos de planeamento físico do território13 (artº 65.º, n.º 5), o “(…)
12 Despacho do Secretário de Estado da Habitação de 31 de Julho de 197413 Inserido na última revisão constitucional de 1997.
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direito de ser informado pela administração, sempre que o requeiram (…)”, através do n.º 1
ou no “(…) direito de acesso aos arquivos administrativos (…)”, consagrado no n.º 2 e,
ainda, neste número do referido artigo, “(…) no direito de impugnar as normas
administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos”.
4. Um sistema misto com participação discreta (1982-1999)
O sistema de gestão territorial em vigor neste período tem características de um sistema
misto, apesar de ter herdado alguns elementos de um sistema centralizado que vigorou no
período anteriormente analisado.
Neste período, para Silva (2000), o sistema de gestão territorial ficou caracterizado por: i)
uma dispersão legislativa; ii) uma desarticulação dos instrumentos de planeamento; iii) uma
descoordenação entre os vários níveis da administração pública; iv) um reduzido número de
planos municipais concluídos; v) a falta de uma orientação à escala regional.
A nova figura do plano director municipal, introduzida pela Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro,
regulamentada pelo DL 208/82, impôs a obrigatoriedade do projecto final do plano ser sujeito
a inquérito público para depois ser apresentado à aprovação da assembleia municipal. O
período do inquérito público não podia ser inferior a 120 dias e seria aberto através de avisos
a publicar no Diário da República, 2ª série, em dois dos jornais mais lidos no concelho e
através de editais nos locais do estilo. Nesses avisos deveria constar o prazo do inquérito,
assim como os locais de exposição (exame) e divulgação do projecto do plano (sede concelho
e nas das freguesias), bem como o local de entrega das exposições e de outras formas de
participação das populações.
Para que os cidadãos pudessem participar no processo de planeamento territorial ele teria de
existir, formalizando-se o processo de elaboração. A prática neste enquadramento foi o deevitar a formalização e a publicitação dos processos de planeamento territorial à escala local
até uma fase já relativamente avançada do desenvolvimento do plano e, em casos extremos,
até muito perto da exposição e inquérito público da proposta do plano. Os cidadãos viam-se
confrontados com um produto acabado, que dificilmente estariam habilitados a contestar para
além dos aspectos pontuais que conhecessem melhor (Campos, 2000).
O Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março definia no seu preâmbulo (…) a intervenção no
processo, das populações interessadas, através do inquérito público – agora devidamenteesclarecido – e assegura-se a todos os munícipes o acesso (…) a qualquer momento,
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formalizando assim a transparência (…). O inquérito público consistia na recolha de
observações sobre as disposições do Plano Director Municipal, na sequência da exposição
deste em locais acessíveis ao público (sede de município, juntas de freguesia a que respeita,
etc.). O inquérito era aberto através de editais nos locais de estilo e mediante aviso publicado
em dois dos jornais mais lidos do concelho, um dos quais de âmbito nacional. Foram
realizadas por vezes reuniões públicas integradas nos processos de inquérito público dos
PDM. Na maioria dos casos, estas reuniões tiveram apenas o objectivo de apresentar o Plano
e a justificação das opções tomadas, mais do que a solicitação de opiniões que pudessem
influenciar a decisão.
Quadro 2 – A participação pública nos PDM
DL 208/82 DL 69/90 DL 380/99
Procedimentos- Inquérito público - Inquérito público - Sugestões sobre elaboração
- Discussão pública
Intervenientes- População - População interessada - Todos os interessados
- Todos os interessadosFase do processo deplaneamento
- Após elaboração do projecto final do plano eantes da aprovação
- Após elaboração do planomunicipal e antes daaprovação
- Elaboração do plano
- Após concertação e antes da proposta final doPDM
Actos ou documentos
- Indicação período doinquérito público;- Local de exposição pública;- Peças principais do plano podem seradquiridas
- Indicação período doinquérito público*;-Locais de exposiçãoacessíveis ao público (sedemunicípio e das juntas defreguesia);- Formas diversas deapresentação da participação
- Fase elaboração com a formulação desugestões à autarquia e à comissão mista decoordenação.
- Indicação do período de discussão pública;- Sessões públicas;- Local de exposição/consulta dos documentosdo plano;
Conteúdo
- Exposições dosinteressados e demaisformas de participação*
- Recolha de observações ousugestões sobre asdisposições dos planosmunicipais
- Sugestões;- Apresentação de informações
- Reclamações;- Observações;- Sugestões;- Esclarecimento directo pelos técnicos;- Respostas por escrito, pela CâmaraMunicipal, em certas situações
Duração- 120 dias fixado com pelo menos 15 diasantecedência
- 30 dias - 30 dias
- 60 dias
Publicitação
- Aberto mediante avisono Diário da República,2ª série, em 2 jornaismais lidos no concelho e por editais
- Aberto através de editais emediante aviso publicado em2 dos jornais mais lidos noconcelho, sendo um deâmbito nacional
- Divulgação pela câmara municipal através deavisos
- Aviso publicado no Diário da República e adivulgar através dos meios de comunicação
Carácter- Obrigatório - Obrigatório - Obrigatório
- Obrigatório
* No DR n.º 91/82, de 29 de Novembro é referida uma comunicação obrigatória àqueles cujas observações/reclamações nãotenham sido atendidas na elaboração.
Fonte: DL n.º 208/82, de 26 de Maio; DL n.º 69/90, de 2 de Março e DL n.º 380/99, de 22 de Setembro.
Para Lourenço, Craveiro e Antunes (1997; 1998) a fase de inquérito público nos PDM é, em
regra, monopolizada pela Câmara Municipal que divulga os documentos exigidos para a
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recolha formalizada e individualizada de reclamações ou sugestões de munícipes, o que pode
ser visto como uma forma apenas de organizar o consentimento dos munícipes, uma vez que a
confrontação directa de argumentos, a favor ou contra o plano, não é permitida. Para Joye
(1999) o inquérito público tem um efeito circunscrito e localizado, tocando uma categoria
precisa de destinatários.
Desta forma, ao basear-se em reclamações escritas espacialmente identificadas em termos de
parcelas cadastradas, o legislador favoreceu um tipo de intervenção individual que,
juntamente com as limitações induzidas pela fase tardia em que se realizava o Inquérito
público, condicionou em muito o impacte da participação pública na proposta final do plano
e, através dele, na organização do território. A fase do processo de planeamento onde se
insere a participação pública é importante, na medida em que quanto mais tardio oenvolvimento de pessoas e grupos pior porque a informação fica menos disseminada e os
técnicos têm ideias mais cristalizadas (Crespo, 2003).
Crespo (2003), no estudo realizado com base na participação pública nos inquéritos públicos
dos planos directores nos municípios da Área Metropolitana de Lisboa, concluiu que a
participação é, em parte, condicionada pelas características individuais. Os participantes eram,
na sua maioria, do sexo masculino, proprietários, residentes no município e participaram a
título individual. As suas motivações e os conteúdos das suas propostas centraram-se,sobretudo, em questões de âmbito local, espacialmente identificadas em termos de parcelas
cadastradas, com uma relação estreita com interesses particulares e com a definição de usos
aos terrenos (alterações de um determinado uso para urbanizável). A maioria dos participantes
possuía uma profissão14 associada a um nível de instrução elevado (licenciatura), enquanto
que a menor incidência de participantes esteve nas profissões de trabalhadores de produção
industrial e artesãos e não qualificados. A familiaridade com o planeamento e com os planos e
o pertencer a grupos apoiados por especialistas explica, em parte, o diferente efeito dos
comentários feitos aos planos.
O procedimento previsto para a participação pública, o inquérito público, baseando-se em
participações escritas, favoreceu um determinado tipo de participantes. O enquadramento
legislativo induz à prática da participação com determinadas características: ao nível dos
participantes, das motivações e do tipo de alterações que foram incorporadas no plano e na
decisão final sobre o território.
14 Com base no caso de Sesimbra
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A atitude geral da população residente nos municípios da Área Metropolitana de Lisboa foi
tendencialmente passiva, revelando, em regra, uma fraca propensão para participar na
condução dos assuntos da comunidade, o que em parte justifica os níveis de participação
verificados nos processos de planeamento analisados. Este quadro geral exige que se tomem
medidas de reforma destes mecanismos, o que em parte já foi contemplado na actual estrutura
do sistema de gestão territorial (Crespo, 2003).
5. Um sistema misto com participação reforçada (pós-1999)
O novo sistema de gestão territorial instituído em 1998/99 consagra o direito à informação,
em que todos os interessados têm o direito a ser informados sobre a elaboração, aprovação,
acompanhamento, execução e avaliação dos instrumentos de gestão territorial. O direito à
participação preconiza que “todos os cidadãos bem como as associações representativas dos
interesses económicos, sociais, culturais e ambientais têm o direito de participar na
elaboração, alteração, revisão, execução e avaliação dos instrumentos de gestão territorial”.
Ao contrário do inquérito público, onde existia um momento definido para as pessoas e
grupos participarem, a participação nos Planos Municipais de Ordenamento do Território é
contínua ao longo de todo o processo.
O período de consulta pública é diferente nos vários regimes: 120 dias (1982), 30 dias (1990)
e 60 dias (1999). Este último é mais explícito no que respeita ao esclarecimento de dúvidas e
às objecções colocadas durante o período de discussão pública (Silva, 2001). A Câmara
Municipal, após ponderação, fica obrigada a responder, fundamentadamente, por escrito, às
reclamações, observações, sugestões e pedidos de esclarecimento. A mesma pode ainda,
quando necessário e conveniente, promover o esclarecimento directo dos interessados através
dos técnicos (Oliveira, 2000).
Mais recentemente, tem-se experimentado, no caso dos PDM, formas de divulgação pública
diversificadas, por exemplo com o recurso à exposição informatizada (multimédia) dos seus
objectivos estratégicos e dos zonamentos previstos para diversos tipos de actividades.
Um número significativo de municípios passa actualmente pelo processo de revisão dos seus
planos. Os processos participativos nesses planos, na sua maioria, ainda não estão concluídos.
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No entanto, os dados disponíveis15 sugerem que os níveis de participação continuam a ser
fracos.
As garantias dos particulares foram reforçadas pelo Decreto-Lei 380/9916 com o
reconhecimento, aos interessados, de um conjunto de garantias previstas no Código doProcedimento Administrativo e no regime de participação procedimental: “a) o direito de
acção popular; b) o direito de apresentação de queixa ao Provedor de Justiça; c) O direito
de apresentação de queixa ao Ministério Público”. Também a consulta directa aos cidadãos
eleitores, ao nível local, sobre matéria exclusiva da competência dos órgãos autárquicos, está
contemplada na Lei 49/90, de 24 de Agosto. A Lei Orgânica 4/2000, de 24 de Agosto,
estabelece o Regime Jurídico do Referendo Local17. No entanto, talvez pela falta de tradição,
raramente foram utilizadas.
Conclusões
A história do planeamento municipal em Portugal revela, como uma das suas características
fundamentais ao longo de todo o Século XX, um fraco envolvimento directo da população e
de outros agentes urbanos na definição dos planos territoriais, não obstante alguns episódios
de participação activa, limitados no tempo e no espaço. Se até 1974 essa situação se ficou a
dever, sobretudo, às características do regime político vigente, após a Revolução de Abril os
traços de continuidade que se identificam neste domínio devem-se muito, por um lado, à
ausência de uma cultura técnica que veja o planeamento sobretudo como uma actividade
comunicacional e menos como uma tradução prática do modelo racionalista dominante na
teoria do planeamento até à década de 70 e, por outro lado, ao défice de cidadania existente na
população portuguesa, designadamente o seu baixo nível de exigência em relação à
administração pública.
Apesar dos elementos de continuidade, houve mudanças significativas entre os regimes
jurídicos do planeamento municipal referidos. A inclusão da participação pública no processo
de planeamento municipal passou de um acto pontual (até 1998/1999) para um processo
contínuo, bem como de formas incipientes de comunicação para outras mais sofisticadas e
mais eficazes. Apesar das diferenças, os elementos disponíveis sobre a prática dos regimes
15 Notícias vindas a público pelos órgãos de comunicação, principalmente jornais.16 Artº 7º, no âmbito dos instrumentos de gestão territorial.17 Noutros países o referendo local tem sido utilizado para decisões sectoriais com interesse para o conjunto doshabitantes, tratando questões económicas, culturais e de educação (Joye, 1999).
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sugerem que os níveis de participação continuam a ser fracos, não obstante o facto de só
muito recentemente se estar a aplicar as regras do novo regime.
As mudanças verificadas ao longo das últimas décadas no conceito de participação pública se
reflectiram no modo como esta é percepcionada e valorizada no processo de planeamentomunicipal. O elemento determinante talvez seja o facto de a participação pública ter deixado
de ser uma mera formalidade e ter deixado de ter um interesse exclusivamente instrumental
para passar a ser valorada como uma dimensão essencial do próprio desenvolvimento social e
uma condição de sobrevivência do sistema político.
A existência de mecanismos formais para a participação pública, no sistema de gestão
territorial, só por si não é suficiente para garantir que os interesses ou as preferências da
população e dos outros actores urbanos serão considerados pelos responsáveis municipais nomomento da elaboração dos planos territoriais. É necessário que a população esteja motivada
para intervir nos assuntos públicos.
Outra conclusão é que o envolvimento das pessoas e grupos nos processos de planeamento
deve situar-se numa fase inicial do processo. Isso é benéfico pelo facto de se tratarem
questões mais gerais e, consequentemente, existir uma maior probabilidade de influenciar o
plano final. Em vários estudos consultados, concluiu-se que quanto mais tardio o
envolvimento das pessoas e grupos no processo de planeamento, menor é o efeito doscomentários no plano final. Numa fase avançada da elaboração do plano as questões são mais
específicas, de mais difícil apreensão pelo público em geral, as ideias dos especialistas estão
mais cristalizadas, logo menos propensas a alterações, o que constitui factor que limita a
capacidade de influenciar as opções estratégicas e o conteúdo formal do plano.
Em suma, é necessário criar ou desenvolver uma cultura técnica e administrativa geradora de
uma ambiente organizacional favorável à incorporação dos residentes e dos outros agentes
urbanos no processo de decisão municipal.
À semelhança do que se verifica com os mecanismos formais previstos no sistema de gestão
territorial também nas outras formas de participação existentes fora do sistema se verifica uma
utilização muito escassa por parte da população para, através delas, interferir na elaboração
dos planos municipais e na organização do território. Neste caso os responsáveis políticos e os
técnicos podem influenciar a participação, quer pelas técnicas usadas para fomentar a
participação, quer pela importância dada aos contributos obtidos por essa via.
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14
Por último, se considerarmos o planeamento territorial como uma actividade essencialmente
comunicacional entre os diversos stakeholders presentes no processo urbano, a participação
pública na elaboração dos planos municipais de ordenamento do território deve ser vista,
sobretudo, como uma componente de um modelo de tomada de decisão que atravessa toda a
organização municipal e em que o envolvimento dos stakeholders, a título individual ou em
grupo, é assumido como uma condição estruturante. Por conseguinte, na sua forma mais
simples, a participação na elaboração do plano municipal será, nesta perspectiva, apenas mais
um acto numa prática mais ampla de participação nas decisões. Trata-se, sobretudo, de definir
uma solução ou contribuir para a construção de alternativas sobre as quais recairá,
subsequentemente, a decisão do poder político legitimamente eleito.
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