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Jovens formados para emigrar Médicos, engenheiros e enfermeiros es- tão cada vez mais a sair do país. Portu- gal tornou-se um dos maiores exporta- dores de jovens licenciados para países que precisam de mão-de-obra qualifica- da, como o Brasil, a Alemanha, a Norue- ga ou a França. Se não regressarem, o país perderá o investimento feito na sua formação. Em média, o Estado gasta quatro mil euros por ano com cada universitário. No caso das engenharias, os custos es- tão entre os cinco e os oito mil euros. E na Medicina o valor pode chegar aos 10 mil euros por cada um dos seis anos de formação na Faculdade. Destes valores. apenas 1.037 euros - a propina máxima em vigor - são pagos directamente pelas famílias. O resto sai do Orçamento do Estado e das receitas das universidades. Mas não é o investimento na Educa- ção que se perde. «Se saírem, nâo con- tribuem para a Segurança Social, para o sistema fiscal e para a econo- mia no seu conjunto», alerta a especia- lista em Segurança Social, Manuela Ar- canjo. «Estamos a perder uma gera- ção», lamenta. Os dados do Inquérito ao Emprego do INE atestam, de resto, a ten- dência, revelando uma quebra de 131 mil jovens entre os 15 e os 35 anos na popu- lação activa em 2012. O Pág. 18 Milhares de engenheiros, médicos e enfermeiros recémrlicenciados abandonaram o país em 2012

Jovens formados para emigrar - Técnico Lisboa · 2016. 7. 11. · Jovens formados para emigrar Médicos, engenheiros e enfermeiros es- tão cada vez mais a sair do país. Portu-gal

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Jovens formados para emigrarMédicos, engenheiros e enfermeiros es-

tão cada vez mais a sair do país. Portu-

gal tornou-se um dos maiores exporta-dores de jovens licenciados para países

que precisam de mão-de-obra qualifica-da, como o Brasil, a Alemanha, a Norue-

ga ou a França. Se não regressarem, o

país perderá o investimento feito na sua

formação.Em média, o Estado gasta quatro mil

euros por ano com cada universitário.No caso das engenharias, os custos es-

tão entre os cinco e os oito mil euros. E

na Medicina o valor pode chegar aos 10

mil euros por cada um dos seis anos de

formação na Faculdade. Destes valores.

apenas 1.037 euros - a propina máximaem vigor - são pagos directamente pelasfamílias. O resto sai do Orçamento do

Estado e das receitas das universidades.Mas não é só o investimento na Educa-

ção que se perde. «Se saírem, nâo con-tribuem para a Segurança Social,para o sistema fiscal e para a econo-mia no seu conjunto», alerta a especia-lista em Segurança Social, Manuela Ar-canjo. «Estamos a perder uma gera-ção», lamenta. Os dados do Inquérito ao

Emprego do INE atestam, de resto, a ten-

dência, revelando uma quebra de 131 miljovens entre os 15 e os 35 anos na popu-lação activa em 2012. O Pág. 18

Milhares de engenheiros,médicos e enfermeirosrecémrlicenciadosabandonaram o país em 2012

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FORMADOS

Margarida Davim

[email protected]

Portugal está a formar i

Saída de jovensqualificados desperdiça investimentona Educação e é um rombo para a Se-

gurança Social.

ií 'I^llflla estão na mira¦^ íâiSp dos empregado-

-¦-¦», .r..,~^ res estrangeiros.Enquanto cá se fecham portas,anúncios e feiras de emprego pro-metem melhores salários lá fora,contratos sem termo e reconheci-mento profissional. E são cada vezmais os que saem de Portugal ã

procura de um futuro melhor. Mui-tos poderão não voltar, perdendo--se para sempre o investimentoque o país fez na sua formação e

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agravando o buraco da Seguran-ça Social.

Números recolhidos pelo SOLjunto das universidades mostram

que formar um engenheiro custaao Estado, em média, cinco a oitomil euros por ano -, sendo que o

tempo médio para concluir o cursoanda pelos seis anos numa facul-dade como o Instituto SuperiorTécnico. No caso de um médico, só

a sua formação inicial de seis anosna faculdade implica um investi-mento de cerca de 10 mil euros porano. Nos restantes cursos superio-

res, cada estudante custa cerca de

quatro mil euros por ano, sendo

que a propina máxima em vigor é

de 1.037 euros.«Se não voltarem mais e se

não transferirem dinheiro paracá, estivemos a investir na qua-lificação de pessoas que vão aju-dar a desenvolver outros paí-ses», admite António Cruz Serra,reitor da Universidade Técnica de

Lisboa.

'Efeito explosivo' para aSegurança Social«O Governo olha para estaspessoas como despesa, maselas também são receita. Sesaírem, não contribuem paraa Segurança Social, para o sis-tema fiscal e para o desenvol-vimento da economia no seuconjunto» - avisa Manuela Ar-canjo, especialista em Seguran-ça Social e Finanças Públicas,que reconhece estar por calcularo impacto que a emigração de

profissionais altamente qualifi-cados terá no país. «Estamos aperder uma geração, que esta-va em idade de ter filhos e decontribuir para renovação ge-racional», resume a ex-ministrasocialista, que antevê um «efei-to explosivo» para a SegurançaSocial.

Dados do Inquérito ao Empre-go do Instituto Nacional de Es-tatística (INE) apontam parauma quebra acentuada da popu-lação jovem activa no últimoano. Segundo este estudo, Por-tugal perdeu 131 mil pessoas en-

tre os 15 e os 35 anos, entre Mar-ço de 2012 e o mesmo mês desteano. Fonte oficial do INE frisaque «os números dos fluxosmigratórios só serão conhe-cidos em Junho», mas admiteque este estudo, que é feito poramostragem, já «pode apontaruma tendência».

«Profissionais altamentecompetentes são obrigados aemigrar», resume o bastonário da

Ordem dos Engenheiros, CarlosMatias Ramos, que assume estarpreocupado com o efeito destassaídas. «Há o risco de esses enge-nheiros criarem raízes nos paí-ses onde trabalham, o que po-derá dificultar ou inviabilizar oseu regresso quando Portugalassim o necessitar».

Com a economia em recessão,a maioria das ofertas de trabalhona engenharia são para fora. «Se-

gundo um estudo elaboradoem 2012 por uma empresa derecursos humanos, nesse anoo recrutamento de engenhei-ros destinado ao mercado por-tuguês foi de apenas 8%, cor-respondendo 15% ao mercadodo Brasil e os restantes 77% aode África», aponta Carlos MatiasRamos, que vê a tendência man-ter-se em 2013.

No site da Ordem, há neste mo-mento 46 ofertas de emprego parao Qatar, 23 para os Emiratos Ára-bes Unidos, e a Noruega e a Ho-landa somam 42 anúncios. «EmÁfrica, a especialidade mais

procurada é Engenharia Civil.No Médio Oriente, são Enge-nharia Civil e Engenharia Me-cânica, sendo esta tambémprocurada na Europa», diz o

bastonário.

Médcose engenheiros em fugaSe o que se promete no estrangeiroé aliciante, as perspectivas cá den-tro não são animadoras. CarlosMatias Ramos diz que há ofertas

para Portugal «colocadas de for-ma despudorada em portais ofi-ciais na internet, com ordenados

ultrajantes, nalguns casos de500 euros», que são «um motivoadicional para que os engenhei-

ros portugueses procurem ou-tros mercados».

Para os médicos recém-forma-dos, as perspectivas também sãomelhores no estrangeiro. «Cá, atéaos 30 anos, um médico recebeà volta de 1.100 ou 1.200 euroslíquidos. No estrangeiro, há ofer-tas muito atractivas», reconheceAntónio Marques Pinto, da Asso-

ciação de Jovens Médicos. Alémdos salários, surgem outros proble-mas: «Há médicos a mais a sairdas universidades e começa anão haver vaga para fazerem aespecialização nos hospitais».

Mais de sete mH enfermeirosemigraram em quatro anosMas o problema português é umaoportunidade para os empregado-res estrangeiros. «De cada vez queorganizamos uma feira de em-

prego em Portugal, aparecemmais trabalhadores da área daSaúde», garante Catalina Poiana,da empresa de recrutamento Ca-

reers in White, que em Abril rece-beu 900 médicos e enfermeiros numevento em Portugal para recrutarpara países como Reino Unido, Ale-

manha, França, Bélgica e Noruega.Os salários oferecidos começam

nos 1.500 euros para enfermeiros,nos dois mil euros para médicos a ti-

rar a especialidade e dentistas e nos

quatro mil euros para clínicos es-

pecialistas. Cardiologia, medicinainterna e pediatria estão entre as

especialidades mais procuradas.Liliana Costa, da empresa de re-

crutamento Best Personnel - queno ano passado conseguiu coloca-

ção no estrangeiro para mais de

uma centena de candidatos -, ex-

plica por que os profissionais por-

tugueses de saúde estão em altanos mercados internacionais: «O

estereótipo é o de alguém moti-vado para progredir na carrei-ra, assíduo, polivalente, de con-fiança, com boa capacidade de

adaptação e bons conhecimentotécnicos».

Dados da Ordem dos Enfermei-ros mostram que a tendência de saí-

da tem aumentado acima dos 60%ao ano desde 2010. Só no ano passa-do, saíram 2.814 enfermeiros: mais

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63% do que no ano anterior. Desde

2009, foram 7.062 os que emigraram.Graziela Cordeiro tem uma em-

presa que recruta profissionais desaúde para França e explica quenão é difícil entender os motivos da

emigração. «Ainda há pouco faleicom um enfermeiro com 19 anosde experiência em bloco opera-tório, que está a recibos verdes.Em Franca, num ano consegue--se entrar para a função pública,mesmo sendo estrangeiro». Avontade em manter profissionaisqualificados é patente: «Já há Câ-maras em França a comprar con-sultórios e a oferecer salários fi-xos, de 2.500 euros, a médicosque queiram fixar-se lá».

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Vagas porpreencher

No estrangeiro, há vagas que não são ocupadaspor ser difícil conseguir o lugar. Uma cidade ale-mã ofereceu três mil postos, mas só 40 portu-gueses foram para lá. A língua é um problema.Bastou uma pequena cidade alemãanunciar estar à procura de traba-lhadores qualificados, para receber

quase 15 mil candidaturas de Portu-

gal. Mas muito poucos consegui-ram emprego.

Schwàbisch Hall, no Sul da Ale-

manha, lançou em 2012 uma cam-

panha para preencher 2.700 postosde trabalho e anunciou estar sobre-tudo à procura de engenheiros. Umano depois, a maior parte das va-

gas continua aberta. «Não temosnúmeros exactos, mas andarãoà volta de 40 os portugueses quevivem e trabalham aqui. E amaioria não são engenheiros»,explica Robert Gruner do gabinetede imprensa da Câmara deSchwàbisch Hall. A explicaçãopara tão poucos terem conseguidoficar na cidade pode estar num re-

quisito básico: «É necessário serfluente em Alemão», frisa Gru-ner. Dois dos portugueses que con-

seguiram emprego e são engenhei-ros trabalham na multinacional es-

pecializada em ar condicionado

Ziehl-Abegg. «Os nossos colegasportugueses estão bem prepara-dos», assegura o relações-públicasda empresa, Rainer Grill, garantin-do que o nível de formação é seme-lhante ao de qualquer engenheiroalemão. Por isso, sublinha RainerGrill, «para trabalho igual, paga-mento igual».

A Ziehl-Abegg não gosta de reve-lar salários, mas garante não estarinteressada em «contratar traba-lhadores baratos».

O problema é mesmo a falta de

engenheiros na Alemanha. «Só es-

tamos à procura de engenheirosque queiram ficar cá a longoprazo, porque não temos gentealtamente qualificada em núme-ro suficiente na Alemanha, ape-sar de termos aumentado os

contingentes de formação em10%», diz Grill.

Propostas a maispara a ofertaEstima-se que na Alemanha hajaum défice de mais 100 mil enge-nheiros. Noruega e Bélgica - onde

já há empresas especializadas emrecrutar engenheiros do Sul da

Europa - são outros países a pre-cisar de licenciados na área.

A procura de pessoal qualifica-do é tão grande que, por isso, hácasos em que excede a oferta. Em

grupos de Facebook especializa-dos em anúncios de emprego parao estrangeiro, como o Manda-teou o Emprego pelo Mundo, mui-tas vezes há propostas a mais

para os candidatos. «Há sema-nas, tive 30 vagas para enfer-meiros no Reino Unido e sou-be que eles não conseguiramcandidaturas suficientes», conta Filipe Amorim, do Manda-te.Filipe acredita que «os enfermei-ros portugueses já deram pro-vas que são bons» e diz que é porisso que o Reino Unido não desis-

te de os contratar. «Há anúnciosquase todas as semanas».

M.D.