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 203 AVELAR, Lúcia. Juán Linz - um sociólogo de nosso tempo.  Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 13(1): 203-227, maio de 2001. RESUMO: O artigo apresenta um resumo da história intelectual de Juan Linz, suas principais idéias sobre a política e a ciência política, com o objetivo de oferecer aos estudiosos da área um quadro geral de seu trabalho e principais publicações. Autor de numerosos artigos e livros publicados em muitos paí- ses, tendo influenciado toda uma geração de acadêmicos e políticos, uma síntese de seu trabalho de monstra a diversidade de temas e enfoques que faz parte de sua extensa obra.  Apresent ação os anos 70, em plena época do regime militar no Brasil, Juán Linz escreveu um artigo  , analisando o autoritarismo que se instalara em 1964. Ele concluía que, dentro das condições políticas e sociais do país, o regime não teria condições de institucionalizar-se. O gene- ral Golbery do Couto e Silva, principal arquiteto do regime, leu o artigo grifando-o. Anos mais tarde, um estudioso da biografia de Golbery decla- rou que a análise de Linz havia convencido o general. Recentemente, Fernando Henrique Cardoso confessou a Linz: “V ocê tem muito a ver com a evolução política brasileira”. Esse é um dos muitos exemplos da inf luência dos estudos e análi- ses realizados por esse incansável cientista social e político, Emérito Profes- sor de Ciência Política da Universidade de Yale, um dos mais importantes  Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 13(1): 203-227, maio de 2001. N A R T I G O Juán Linz um sociólogo de nosso tempo LÚCIA AVELAR PALAVRAS-CHAVE: biografia intelectual, política, ciência política, Juán Linz. Professora do Depar- tamento de Ciência Política da UnB

Juán Linz um sociólogo de nosso tempo LÚCIA AVELAR

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    AVELAR, Lcia. Jun Linz - um socilogo de nosso tempo. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 13(1): 203-227, maio de2001.

    RESUMO: O artigo apresenta um resumo da histria intelectual de Juan Linz,suas principais idias sobre a poltica e a cincia poltica, com o objetivo deoferecer aos estudiosos da rea um quadro geral de seu trabalho e principaispublicaes. Autor de numerosos artigos e livros publicados em muitos pa-ses, tendo influenciado toda uma gerao de acadmicos e polticos, umasntese de seu trabalho demonstra a diversidade de temas e enfoques que fazparte de sua extensa obra.

    Apresentao

    os anos 70, em plena poca do regime militar no Brasil, Jun Linzescreveu um artigo, analisando o autoritarismo que se instalara em1964. Ele conclua que, dentro das condies polticas e sociais dopas, o regime no teria condies de institucionalizar-se. O gene-

    ral Golbery do Couto e Silva, principal arquiteto do regime, leu o artigogrifando-o. Anos mais tarde, um estudioso da biografia de Golbery decla-rou que a anlise de Linz havia convencido o general. Recentemente,Fernando Henrique Cardoso confessou a Linz: Voc tem muito a ver com aevoluo poltica brasileira.

    Esse um dos muitos exemplos da influncia dos estudos e anli-ses realizados por esse incansvel cientista social e poltico, Emrito Profes-sor de Cincia Poltica da Universidade de Yale, um dos mais importantes

    Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 13(1): 203-227, maio de 2001.

    N

    A R T I G O

    Jun Linzum socilogo de nosso tempo

    LCIA AVELAR

    PALAVRAS-CHAVE:biografia intelectual,poltica,cincia poltica,Jun Linz.

    Professora do Depar-tamento de CinciaPoltica da UnB

  • AVELAR, Lcia. Jun Linz - um socilogo de nosso tempo. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 13(1): 203-227, maio de2001.

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    socilogos do nosso tempo, alemo de nascimento e, por opo, cidado es-panhol, autor de inumerveis livros e artigos acadmicos publicados em todoo mundo, que tem a Espanha como seu principal foco de investigao.

    A obra de Jun Linz compreende incontveis volumes de textosanalticos sobre a situao poltica de vrios pases, sempre com o objetivode produzir estudos e difundi-los, cooperando com o processo de decisopoltica de modo que este seja implementado com o mximo de conheci-mento das respectivas situaes e com a maior objetividade possvel. Antesde conhecermos um pouco de sua obra importante tecermos algumasconsideraes sobre sua histria de vida.

    Jun Linz nasceu em 1926 em Bonn, de pai alemo e me espa-nhola. Viveu seus primeiros anos em uma provncia no corao do bosquealemo, na Baviera, perto de Munique, em cuja universidade sua me cola-borava com o trabalho do romancista Karl Vossler. Seu pai morre num aci-dente em 1934. A me vai trabalhar na Espanha, no Centro de Estudos His-tricos de Madri. Vinda da classe alta andaluz, ela enfrentaria tempos dif-ceis, vivendo com um trabalho modesto mas transmitindo ao filho um hori-zonte intelectual amplo. Jun enfrenta as circunstncias adversas estudandoe trabalhando. Desde cedo, vrias pessoas reconhecem-lhe a capacidade,encaminhando-lhe trabalhos, at ele chegar Faculdade de Cincia Polticae ao curso de Direito, as vias que escolheu para dedicar-se a seu objetopreferido de conhecimento: a poltica.

    Muito cedo, entre 10 e 13 anos, assiste Guerra Civil Espanhola.Ao lado da me, que trabalhava como voluntria em organizaes de assis-tncia social, presencia a pobreza, recebendo diretamente o impacto da guerra.Essa experincia iria influenciar definitivamente sua opo profissional esua atitude cientfica: sempre que possvel, colaborar para que os processosdecisrios sejam otimizados, contribuindo para que a guerra jamais aconte-a. A democracia tornou-se seu ideal utpico, a marca do seu trabalho. Paraele, a democracia um conjunto de regras prticas, operacionais, conducenteaos arranjos institucionais que propiciam a convivncia poltica livre e pa-cfica dos homens na busca de seus objetivos, dentro de marcos institucionaislegtimos. No seu horizonte existencial, deveramos trabalhar o mximopossvel para instaurar tais condies.

    Desafios

    Para realizar esse ideal Jun Linz teve de enfrentar muitos desafi-os. Sua me morre em 1947 deixando-lhe 800 pesetas na conta corrente, oque o fez ver que as opes naturais da elite espanhola ficavam fora do seualcance. Ele estudava simultaneamente direito e cincia poltica, este ltimoum curso recm-introduzido e que oferecia aulas nos perodos da tarde e danoite; fez o servio militar como tradutor na Escola Superior do Exrcito,trabalhava no Instituto de Estudos Polticos e dava aulas nas classes de sua

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    me no liceu italiano e em outros lugares. Sucessivamente premiado combolsas de estudo pelo excelente desempenho, logo superaria as circunstn-cias desfavorveis de sua vida.

    Linz viveu e estudou em um regime poltico de enormes restries,com fortes limitaes na comunicao com os pases democrticos; estes pa-ses negavam aos estudantes intercmbio bibliogrfico, o que o levou a orga-nizar um servio que lhes facilitasse o acesso s revistas de todo o mundo. Emviagem a Paris ele visitou o escritrio da Unesco e conseguiu que vrias daspublicaes desse rgo lhes fossem enviadas em seu prprio nome. Foi as-sim que os estudantes puderam ler coisas a que dificilmente teriam acessonaquele tempo. Com alguns amigos, formou, em 1947, um grupo de trabalhointitulado Seminrio de Estudos Espanhis. Eles se reuniam para ler toda sor-te de estudos sobre a Espanha, com o propsito de se inteirar daquela realida-de poltica e cultural complexa. Esse grupo, em uma primeira viagem para umseminrio de vero organizado por uma organizao francesa de estudantescatlicos de cincia poltica, iniciou o desenvolvimento de uma atitude crticae independente para com o regime franquista.

    Desde cedo Linz colaborava na Revista de Estudios Polticos,publicando resenhas e bibliografias sobre sociologia eleitoral, um tema quese tornaria um dos mais centrais em sua obra. Ele ensinava para estudantesdas classes iniciais, tratando de coloc-los em contato com os pensadoresalemes clssicos, em aulas que, no final, estavam acima do que os estudan-tes podiam alcanar. Ao ler a literatura americana para as suas resenhas,deparou com mtodos de investigao desconhecidos, at ento, em seuscursos regulares. Ao se anunciar um concurso para bolsas de estudo no ex-terior, apresentou-se como candidato e, aprovado, esperou um ano, at reu-nir os recursos necessrios viagem.

    Ps-graduao

    Ele aspirava estudar na New School de Nova York, mas a Em-baixada Espanhola no concordou com essa escolha, dada a posio crti-ca daquela universidade, aprovando a sua ida para a UniversidadeColumbia, em 1954. Linz fez dessa circunstncia o melhor que algumpoderia fazer: aproximou-se do grupo de professores que ali ensinava,formado entre outros por Merton, Lynd, Lipset, Lazarsfeld, K. Davis. Foium fato definitivo em sua carreira. Ao estudar com os mestres mais emi-nentes da teoria sociolgica norte-americana, incorporou novos recursosde pesquisa em seu trabalho, tornando-se um dos mais eminentes conhe-cedores dos mtodos quantitativos nas cincias sociais. Trabalhou comoassistente de pesquisa de R. Bendix na Califrnia entre 1956 e 1958. Aovoltar Espanha, em 1958, havia escrito uma tese de 995 pginas, segun-do ele um verdadeiro monstro, sobre as bases sociais do voto na Alema-nha, que acabou no sendo publicada pela impossibilidade de reduo.

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    Em 1959, conseguiu um convite para ensinar na Universidade Columbia.Passou a colaborar em pesquisas em vrios lugares e a publicar sistemati-camente na Espanha, nos Estados Unidos e na Alemanha. Dominando com-pletamente o ingls, o alemo e o espanhol, e, mais do que isso, sentindo-se em casa nos Estados Unidos, na Alemanha e na Espanha, sua perspec-tiva no poderia ser outra: realizou estudos relacionados com essas vriasrealidades e interpretou-as sob a perspectiva comparada, ampliando o al-cance do conhecimento produzido.

    Professores

    Linz no poupa elogios aos que o ensinaram e influenciaram. Men-ciona vrios de seus professores tanto nos estudos secundrios quanto na uni-versidade, e destaca um deles, Javier Conde:

    Eu era menino quando conheci Javier Conde na Ale-manha, em casa de um jornalista, Garcia Diaz, queera o correspondente de El Sol em Berlim. Minha mehavia ido visit-lo na vspera do Natal para dele re-ceber material para tradues. Como acabvamos dechegar a Berlim, ele a convidou para a ceia de Natalna qual tambm estava Javier Conde, que era entoestudante aqui em Berlim. Minha me voltou aencontr-lo em Salamanca, e quando ele se tornou meuprofessor, fui saud-lo. Ele nos fez ler Tnnies, MaxWeber, Hans Freyer, Mannheim. Ensinava-nos que oimportante seria, sempre, voltarmo-nos para o pensa-mento e a teoria poltica de marcos explicativos am-plos, ler os clssicos, cimentando o caminho intelec-tual para o entendimento das questes de que a pes-quisa aplicada teria de dar conta. Para Javier Conde,a sociologia coisa muito sria. (Linz, 1991b, p. 48).

    Casamento

    Em 1968, Jun Linz contrai npcias com Roco de Tern, filhade um professor e gegrafo espanhol, Manuel de Tern. Ela, uma das maio-res entusiastas dos trabalhos que Linz produzia sobre a Espanha, tornou-seuma companheira inseparvel para as suas aventuras intelectuais e as inu-merveis viagens pelo mundo inteiro, uma colaboradora incansvel na bus-ca de dados e bibliografias. Aos estudantes de todas as partes do mundo quecrescentemente procuravam Linz, sobretudo quando ele j ocupava a suactedra na Universidade de Yale, ela dispensava um tratamento caloroso.Autora de histrias para crianas na Espanha, ela sempre encontrou tempopara colaborar nas pesquisas de Linz. Jun Linz e Roco de Tern so co-

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    autores de um trabalho sobre a histria social da Espanha entre 1930 e 1980,cuja primeira verso sintetizada foi publicada como captulo em um dosvolumes sobre a Histria da Espanha.

    Primeiros trabalhos

    Um de seus primeiros estudos, realizado ainda como estudante nosanos 50, foi uma pesquisa em colaborao com Lipset e Lazarsfeld, Thepsychology of voting: an analysis of political behavior (1954), publicado noHandbook of social psychology, uma referncia obrigatria, ainda nos dias dehoje, para todos os que se encontram na rea dos estudos eleitorais (Linz et alii,1954). Ainda com Lipset, ele escreveu em 1956 The social bases of politicaldiversity in western democracies (Linz & Lipset, 1956). Nessa mesma linhaescreveu, em 1957, Local politics and leadership in european democracies.Em 1958, inicia uma srie de estudos sobre religio e poltica.

    Preocupado com a importncia do conflito religioso na histriada Espanha e com a influncia deste nas atitudes polticas e no voto naEuropa do ps-guerra, especialmente nos pases em que so fortes os par-tidos da democracia crist, ele escreve, em 1958, Non-religious and anti-religious party problems in western Europe. Essa preocupao o faz es-crever ainda, em 1968, juntamente com Jos Cazorla, Religiosidad yestructura social en Andalucia: La prctica religiosa (Linz & Cazorla,1968-1969). O tema o acompanharia ao longo dos anos: escreveu Religiny poltica em 1986, publicado em um livro organizado por ele e seu amigoJos Ramn Montero intitulado Crisis y cambio: electores y partidos enEspaa de los aos ochenta. Nesse trabalho analisa-se como a religiosi-dade e as atitudes perante a Igreja influenciavam as orientaes polticasbsicas, as preferncias ideolgicas, o posicionamento esquerda/direita.Segundo ele,

    Na Espanha, como em outros pases, o tema comunis-mo/catolicismo e o conflito tradicional entre marxis-mo e catolicismo estavam presentes na mente dos elei-tores. Apesar da tradio anticlerical, o PSOE teve ocuidado de evitar um conflito com a Igreja, mas pelomenos em dois temas importantes a posio do parti-do chocava-se com a da Igreja: a legalizao do abortoe a subveno aos colgios privados. Desde inciosdos anos 70 as posies de esquerda na Igreja e aatrao dos partidos de esquerda para os catlicosperderam visibilidade e importncia. Produziu-se nes-se perodo uma mudana de orientao e de lideran-a tanto no Vaticano como na igreja espanhola; mu-dana que poder refletir-se nas atitudes e condutaspolticas. (Linz, 1986).

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    Essa uma passagem de um de seus trabalhos que, pela contundnciados dados apresentados, acabaram se constituindo numa fonte terica emetodolgica de fundamental importncia para os estudiosos da rea eleitoral.

    Consolidando o trabalho

    Nos anos 60, em parceria com Amando de Miguel, Jun Linz re-alizou uma srie de estudos sobre os grupos de interesse e os empresrios naEspanha. Entre 1963 e 1964 os dois publicaram nada menos que duas deze-nas de estudos sobre o tema, entre os quais: El empresario ante los proble-mas laborales; Fundadores, herederos y directores en las empresas espa-nholas; El prestigio de profesiones en el mundo empresarial; Tipos huma-nos y conducta empresarial; Bureaucratisation et pouvoir discrtionnairesdans les entreprises espagnoles; Caractersticas estructurales de las em-presas espaolas; Origen social de los empresarios espaoles. Esses es-tudos constituram uma escola nessa linha de investigao, formaram novospesquisadores e ofereceram Espanha um conhecimento sobre suas elitesat ento inexistente.

    Um destaque muito especial deve ser dado ao trabalho que escre-veu em 1967 e que foi publicado no livro de Lipset e Rokkan, Party systemsand voter alignments. Esse livro traz ainda outro artigo importante de suaautoria: Cleavage and consensus in west Germany politics: the early fifties,alm do captulo The party system of spain: past and future, no qual eleanalisou a poltica partidria espanhola do sc. XIX Guerra Civil e levantouhipteses sobre o provvel desenvolvimento partidrio ps-Franco. Em 1969publicou outro importantssimo estudo, que sob o ttulo de Ecological analysisand survey research integrou a coletnea Quantitative ecological analysis inthe social sciences, organizada por Dogan e Rokkan. Nesse artigo h umadiscusso sobre as vantagens do enfoque ecolgico nas pesquisas sociais,apontando-se as condies em que ele se apresenta com uma grande superio-ridade analtica. O estudo deixa clara a importncia do conhecimento da es-trutura social do indivduo para entendermos suas atitudes e preferncias napoltica. As pesquisas tipo survey, usadas sem a referncia contextual, noinformam sobre disposies individuais cuja origem tem a ver especificamen-te com aquele contexto. Linz explica isso pelo quadro de desenvolvimentodos dois tipos de estudo:

    se recuperarmos a histria da pesquisa em seus di-versos campos sociolgicos e reconhecendo os dis-tintos centros de aprendizagem, descobrimos queas anlises ecolgicas e as pesquisas tipo surveydesenvolveram-se separadamente, mesmo quandotratavam de problemas similares ou idnticos. Aecologia sociolgica tem uma histria anterior das pesquisas por amostragem. Mas o predomnio

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    dessa ltima nos ltimos tempos, particularmentenos Estados Unidos, nos leva impresso errneaque s agora a anlise ecolgica emerge. O argu-mento deste estudo que ambos os mtodos tmvantagens e desvantagens conforme o problema emquesto e que na maioria das vezes as duas abor-dagens se complementam se combinadas de modofrutfero. A combinao de unidades ecolgicasdefinidas com as pesquisas por amostragem nospermite fazer anlises comparadas entre pases tor-nando constante um grande nmero de variveis,alm de anlises das diferenas internas a um mes-mo pas dois tipos de comparaes que dificil-mente seriam feitas apenas com amostras nacionais(Linz, 1969).

    Ainda recentemente, comentando as dificuldades de pesquisar aopinio pblica em pases com fortes diferenciaes regionais e entre as clas-ses, como o caso do Brasil, Linz disse: difcil estudar a opinio pblicano Brasil por causa da estrutura de classes, ela tem pouca estabilidade.Desse modo ele ensinava as vantagens de combinar dados ecolgicos oucontextuais com os das pesquisas por amostragem.

    Nessa linha Linz realizou um estudo de enorme importncia paraa Espanha, juntamente com Manuel Gmez-Reino, Dario Vila e FranciscoA. Orizo: Atlas electoral del Pas Vasco, publicado em 1982. Servindo-se de uma tradio intelectual das mais importantes, a da geografia eleito-ral, ele aponta a influncia desses estudos na Frana, desde o incio dosculo XX com Andr Siegfried; em 1913, na Alemanha, com RudolfHeberle, e nos Estados Unidos com Stuart Rice, Gosnell, Key e outros.Jun Linz e seus colegas construram mapas eleitorais com os dados daseleies legislativas de 1933, 1936, do referendum para a Ley de Refor-ma Poltica de 1976, do Referendum Constitucional de 1978, alm de ou-tras consultas, para apontar, com um rigor impressionante, onde os parti-dos tinham sua maior fora e importncia, dependendo da maior ou menorheterogeneidade social das provncias analisadas. Em colaborao com osmesmos co-autores escreveu Conflito en Euskadi, um livro sobre poltica,nacionalismo e identidade no pas basco, em Navarra e na regio bascafrancesa, baseado em pesquisa de opinio pblica e em dados eleitorais de1979. Ele chama a ateno, de modo contundente e contra interpretaesnacionalistas simplistas, para o fato de que a nenhum partido permitidofalar em nome do povo como totalidade, j que a enorme heterogeneidadepoltica se apresenta como um fato incontestvel. Mais uma vez, esse um trabalho voltado para o plano da real poltica, em nome do respeito diversidade poltica e contra todas as tendncias fascistas que por acasose levantassem naquele pas.

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    Diversidade das pesquisas na Espanha

    As bases sociais dos partidos e as relaes centro-periferia so ou-tros temas sobre os quais Linz se debruou nos anos seguintes, procurando enten-der os contextos em que so fortes o poder e a autonomia das elites locais. Entreos anos 50 e 60 ele publicou numerosos trabalhos, inclusive com Amando deMiguel, Within-nation differences and comparisons: The eight Spains (1966),Elites locales y cambio social en Andalucia rural (1971); Early State Buildingand Late Peripheral Nationalism against the State (1973b). Ainda preocupa-do com os nacionalismos de toda natureza, estudou a influncia das autonomiasespanholas e os perigos do nacionalismo excessivo. Assim, nessa linha publi-cou sucessivamente Los jvenes en una Espaa multilinge y de nacionalida-des (1985a); Estado y nacionalidades (1981a); La crisis de un Estado unitario:nacionalismos perifericos y regionalismos (1985b); From Primordialism toNationalism (1985d); em 1989, ainda enfocando a questo centro-periferia, pu-blicou Spanish Democracy and the Estado de las Autonomias. Sobre a socie-dade espanhola, estudou os grupos sociais, a realidade associativa, a histria e apoltica, o sistema de partidos, a mudana poltica, o legado de Franco.

    Sua produo acabou conduzindo-o para o que se tornaria o n-cleo central do seu trabalho, e cuja influncia internacional tornou-se incon-testvel. Trata-se dos estudos sobre autoritarismo, transies dos regimesautoritrios, transies para a democracia, regimes polticos. O artigo pu-blicado em 1964, An Authoritarian Regime: The Case of Spain (Linz,1964), tornou-se a chave para o entendimento dos regimes que no se en-quadravam nos chamados totalitarismos e muito menos nas democracias.Nesse trabalho so vrias as passagens que se referem a Vargas e Salazar,salientando-se os casos do Brasil e de Portugal como exemplos dos regimesautoritrios. Tomando tais realidades como objeto de estudo, ele concebeuuma teoria dos regimes autoritrios.

    Teoria

    Um trabalho com o estatuto de uma teoria dos regimes autoritriosviria a ser divulgado em 1963, quando Linz apresentou na Conferncia de Tem-pere, Finlndia, o artigo Una teoria del regime autoritrio: el caso de Espaa,publicado em 1964. Abstraindo algumas diferenas entre os diversos tipos desistemas polticos e tomando o regime espanhol franquista como ponto de par-tida, ele polemizou com a distino entre governos totalitrios e democrticos,verdadeiras dicotomias e plos de um continuum. Perguntando-se como ficari-am os casos da Espanha, da Itlia fascista, do Japo antes de 1945, das ditadu-ras militares modernizantes, ele props o conceito de regimes autoritrios,como uma abstrao que enfatizaria certas caractersticas e ignoraria as diferen-as de grau e tendncias contraditrias do mundo real. A grande utilidade detratar tais regimes como entidades prprias seria entender como eles resol-

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    vem os problemas comuns a todos os sistemas polticos: manuteno do contro-le e conseqente legitimidade, recrutamento das elites, articulao e agregaode interesses, elaborao de decises e relao com as diversas esferasinstitucionais, os grupos religiosos, a intelligentsia, a economia etc. Ele definecomo regime autoritrio os sistemas polticos de pluralismo limitado, no res-ponsvel, sem uma ideologia mas com uma mentalidade peculiar, carentes demobilizao poltica intensa ou extensa, exercendo o poder dentro de limitesformalmente mal definidos mas bastante previsveis, cujos lderes no necessi-tam de qualidades carismticas mas combinam elementos de autoridadecarismtica, legal e tradicional. Assim, nesses regimes, o pluralismo caracteri-zado pela diferena entre mentalidades e ideologias, pela apatia e a despolitizaocomo meios de reduzir a tenso na sociedade, o que contrastaria com o ativismodos sistemas totalitrios. Linz d uma interpretao peculiar ao partido autorit-rio, com nfase na relao entre partido e exrcito, estudando as formas de con-trole social e a posio dos militares.

    Nesse trabalho h uma passagem em que Linz distingue, nos regi-mes autoritrios, mentalidade de ideologia. Assim, ele nos diz:

    Se queremos analisar o regime autoritrio em suasdiversas formas devemos examinar os estilos de lide-rana e os diferentes modos de conceber a relaoentre o poder do Estado e a sociedade. As ideologi-as contm um forte elemento utpico; as mentali-dades esto mais prximas do presente ou do passa-do. Os sistemas totalitrios tm ideologias, enquantoos regimes autoritrios se baseiam em mentalidadespeculiares, difceis, portanto, de definir (Linz, 1964).

    A ausncia de uma ideologia clara nos novos lderes autoritrios,diz ele, faz-se evidente quando analisamos alguns pargrafos do manifesto deFranco, de julho de 1936, ou de Vargas, em 1930, onde se l:

    Amparados no apoio da opinio pblica, com o prest-gio que nos acolhe pela adeso dos brasileiros ... con-tando com a simpatia das Foras Armadas e com a co-laborao de sua parte mais seleta, fortalecidos pelajustia e pelas armas, esperamos que a nao volte aassumir sua soberania, sem maior oposio por partedos reacionrios, com o fim de evitar a perda intil devidas e de bens, acelerar o retorno do pas normali-dade e restaurao de um regime de paz, harmonia etranqilidade sob o signo da lei (Linz, 1964).

    Mais para o final do artigo, concluindo sua anlise, Linz fala sobrea dinmica dos regimes autoritrios, apontando-os como hbridos, instveis,sujeitos a presses e tenses rumo democracia ou ao totalitarismo.

    Em 1989, ele publica outro estudo: La quiebra de las democracias,sistematizando as condies comuns aos processos que levaram mudana

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    dos regimes. A obra apresenta um modelo descritivo dos processos em cur-so, incorporando o conhecimento proporcionado pelos historiadores, os in-formes dos participantes e as formulaes derivadas das cincias sociais.Alguns dos elementos centrais da anlise, que toma Max Weber como fun-damento terico bsico, so a legitimidade, a eficcia e a efetividade nasquebras das democracias. A questo partidria, profundamente conceituali-zada, apresentada como um dos principais centros nervosos para o forta-lecimento democrtico.

    Com a base conceitual e terica construda, Linz analisou vrioscasos especficos. O caso do Brasil examinado em The future of anauthoritarian situation or the institutionalization of an authoritarian regime;The case of Brazil, publicado em 1973 em uma coletnea organizada por seuamigo e futuro parceiro de uma srie de trabalhos, Alfred Stepan (Linz, 1973a).Dois desses artigos foram publicados no Brasil: Regimes autoritrios, quese encontra em O estado autoritrio e os movimentos populares, de 1979,organizado por G. ODonnell, E. Hobsbawm e Jun Linz (Linz, 1979a), euma coletnea de 1980 que recebeu esse mesmo ttulo e foi organizada porPaulo Srgio Pinheiro (Linz, 1980). Ele analisa tambm a situao do Chileem Chile, 1973/Spain, 1936: similarities and differences in the breakdownof democracy (1979b); e, igualmente, em colaborao com Henry A.Landsberger, em Chile at the turner point: Lessons for the Socialist Years,1970/1973. Em 1978 ele organizou com Alfred Stepan The Breakdown ofDemocratic Regimes, em quatro volumes, encontrando-se no primeiro, TheBreakdown of Democratic Regimes: Crisis, Breakdown and Reequilibration,o fulcro da teoria de Jun Linz (Linz, 1978).

    Na dcada de 1980 ele produziu, entre outros: Un socilogo de lapoltica ante los problemas de la futura Constitucin espaola, somecomparative thoughts on the transition to democracy in portugal and spain(1981); juntamente com A. Stepan, Political conflict of democraticconsolidation or destruction: european and south american comparisons(Linz & Stepan, 1984). Na Coria, publicou em 1985 The transition fromauthoritarian regimes to democratic political systems and the problems ofconsolidation of political democracy (Linz, 1985c). Enfocando especifica-mente os regimes polticos, fez uma srie de estudos comparados sobre regi-mes no-democrticos, oferecendo uma tipologia para a anlise dos regimestotalitrios, autoritrios e aqueles regimes que denominou sultnicos, emum longo ensaio publicado em Handbook of Political Science, organizadopor Greenstein e Polsby. Essa comparao entre regimes foi, mais tarde, utili-zada no seu livro com Alfred Stepan Problems of democratic transition andconsolidation: Southern Europe, South America and post-comunist Europe(1996) para avaliar padres de transio e problemas encontrados na consoli-dao de novas democracias. Devemos salientar que muitos outros trabalhosforam realizados sobre o tema: Totalitarian and authoritarian regimes (1975);Democracy in developing countries (1988); Las diversas formas de Estado

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    y sociedad civil (1988); Democracia: presidencialismo/parlamentarismo?Hace alguma diferencia? (1990a); nesse mesmo ano, Perils of presidentialism(1990b) e Types of political regimes and respect for human rights: historicalcross-national perspective (1991a). Mais uma vez, seu objetivo chamar aateno para os problemas decorrentes do regime presidencialista, mais vul-nervel s rupturas e quebras:

    Sou um crtico contumaz do regime presidencialistana Amrica espanhola pelas enormes disfunes erigidezes em comparao com o regime parlamenta-rista. A questo j alcanou o debate poltico. NoChile publicou-se um dos meus livros e sei que pol-ticos importantes comearam a se dar conta disso.Pelo menos levantei uma questo que considero ca-pital para o desenvolvimento democrtico latino-americano (Linz, 1991b, p. 53).

    Vrios de seus trabalhos sobre o tema do presidencialismo foramtraduzidos para diversos idiomas. Desde 1994, h sucessivas publicaes so-bre esse tema: no Brasil, na Itlia, no Peru, no Mxico, na Hungria, naMonglia. Em 1997, juntamente com Alfred Stepan, ele publicou pela JohnsHopkins Problems of democratic transition and consolidation, uma anlisecomparativa sistemtica dos processos de consolidao democrtica na Euro-pa e na Amrica do Sul, sob a perspectiva da teoria democrtica e da polticacomparada. Nesse livro, de 495 pginas, os autores reconceitualizam os tiposde regimes no democrticos, discutindo os principais desafios das transiesrumo consolidao da democracia. Oferece-se uma srie de critrios e evi-dncias empricas tanto para polticos quanto para scholars, de modo a dis-tinguir entre consolidao democrtica e pseudodemocratizao, com fartosdados para os catorze pases estudados.

    A transio espanhola para a democracia

    Outro ncleo central das anlises de Linz so as transies polti-cas, as transies para a democracia, quando em quase todo o mundo os regi-mes autoritrios vo sendo superados, com transies polticas relativamentelentas como foi o caso do Brasil , com transies elegantes como aconte-ceu na Espanha. Seu entusiasmo enorme quando ele fala na transio espa-nhola, como mostra este trecho de uma entrevista sua:

    Quando fizemos a transio, o modelo no tinha sidoinventado. O caso grego era diferente, a ditadura forabreve, no conseguira institucionalizar-se. A transioportuguesa era um contra-exemplo para muitos espa-nhis, e nem a esquerda queria um exemplo como aquele.A transio espanhola foi uma inovao, elegante, l-gica. No estava claro se deveria ser monarquia ou re-

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    pblica, sequer algum poderia imaginar que uma mo-narquia instaurada por Franco pudesse alcanar legi-timidade e, portanto, continuidade. Nenhuma das ou-tras transies, nem a portuguesa, nem a coreana, nema grega, conhecia a questo das nacionalidades. Se-quer temos conscincia de como tal questo foi bemresolvida. Na Argentina e no Uruguai, bastava restau-rar a Constituio e convocar as eleies. Na Espanhateramos que desmontar a estrutura do franquismo, oque s poderia ser feito conforme a legalidade dofranquismo e de modo que o exrcito no se sentisseofendido. No nos damos conta das dificuldades enor-mes que tivemos de enfrentar para superar a transioespanhola (Linz, 1991b, p. 53-54).

    Na entrevista dada a Sotelo, da qual retiramos vrias passagens, JunLinz fala da possibilidade remota de algum de seus estudos ter influenciadoalgum poltico em algum momento: Quando se estava discutindo a Lei para aReforma Poltica, defendi a representao proporcional em uma entrevista paraInformaciones, e os argumentos ali expostos sei que foram recolhidos pelosprocuradores que apoiavam este sistema. No sei se o meu livro sobre Euskadi,que foi vendido no Pas Basco e no no resto da Espanha, teria influenciado nomodo de pensar de algum basco. Mas, claro, nenhum desses exemplos nem delonge comparvel ao brasileiro numa referncia ao general Golbery.

    Preocupaes correntes

    Em meio produo intelectual intensa, cuja base o Departamen-to de Sociologia e o de Cincia Poltica da Universidade de Yale, mas queimplica a superviso de grupos de pesquisa na Alemanha, Espanha e EstadosUnidos, Jun Linz aponta duas linhas de trabalho que so o centro de suaspreocupaes atuais: de um lado, qual ser a democracia do futuro; de outro,os pases chamados do Terceiro Mundo, uma expresso que ele abomina. Osdois temas, cuja interligao evidente, reclamam pesquisas maisaprofundadas, como ele mesmo diz:

    O que mais me preocupa o Terceiro Mundo, uma ex-presso que no me agrada porque h um segundo,terceiro, quarto, um quinto e at um sexto mundo. Te-mos que diferenciar esse conglomerado. A Argentina,por exemplo, pode at estar se terceiro-mundizando,mas nada tem a ver com uma sociedade como a ndiaou a Tailndia. A rigor o conceito de Terceiro Mundono serve para nada, e est distorcendo a anlise dosproblemas do mundo industrial no avanado. Temosde acabar com as simplificaes (Linz, 1991b, p. 56).

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    Sobre o futuro das democracias Linz preocupa-se com a necessida-de de se ter claro que democracia melhor resolver os problemas que esto a.Ele no acredita na democracia direta ou assemblesta e acha que a democra-cia tem de ser representativa. Mas h muitos problemas a ser resolvidos:

    Qual dever ser a estrutura interna dos partidos, qualo processo de deciso dentro deles pois, mesmo consi-derando que a organizao interna dos partidos sejademocrtica, eles representam um pequeno grupo so-cial, minoritrio, ao qual se outorga um enorme po-der. Outro dia estive estudando a crise do PSOE em1936. Em julho, s vsperas da guerra civil, realiza-ram-se eleies para escolher a executiva do partido,com um srio confronto entre os prietistas e oslargocaballeristas. Eram 59.000 os membros dopartido com direito ao voto. No h dados sobre osresultados. Sabe-se que metade dos votos foram con-siderados invlidos. Pode ser que ningum jamais ve-nha a conhecer a verdadeira histria. De todo mododuas fontes so coincidentes: aceitaram-se 21.000votos. O destino desse partido, que de certo modo erao destino da Repblica, foi decidido por 21.000 mili-tantes! O problema dos partidos srio. O problemado financiamento pblico dos partidos, que pode livr-los dos interesses menores da sociedade, tem efeitosindesejveis. Primeiro porque os que ganham as elei-es levam a parte do leo dos fundos pblicos, o queefetivamente impede o acesso a outros um tipo demonoplio que congela o sistema de partidos. Segun-do, ao administrar esses fundos pblicos a central dopartido pode cercear a autonomia dos deputados. Ter-ceiro, fica nas mos da direo o processo de seleodas elites partidrias (Linz, 1991b, p. 60).

    Linz, preocupado com o caso da Espanha, expe uma situao deenorme liberalidade do caso brasileiro. No Brasil, segundo ele, os partidos e aselites partidrias operam em um meio de excessiva permissividade da legislaoeleitoral, o que deveria levar discusso pblica sobre medidas que alterassemo quadro atual da legislao eleitoral. O recrutamento das elites partidrias, porexemplo, deveria pautar-se por um mnimo de comprometimento com um tra-balho de longo prazo realizado no partido pelos militantes. Pois se um dos tra-os essenciais da democracia sua capacidade de limitar e controlar o poder,isso deve comear na dinmica interna dos partidos. Esse problema ganha des-taque, pois, nas palavras de Jun Linz, nas democracias modernas cada vezmais difcil recrutar pessoas competentes para a poltica. Outro tema a serenfrentado a freqncia das eleies, pois difcil governar quando a todo

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    momento o governo tem de se deparar com eleies municipais, legislativas, oque deixa muito pouco tempo disponvel para a continuidade do trabalho gover-namental. O futuro das democracias deve ento ser discutido a partir de fatosconcretos: h uma crise das antigas ideologias, as ditaduras no so a regra, nassociedades avanadas esto diluindo-se as estruturas de classe. Hoje, mais doque nunca, difcil identificar as reais bases sociais dos partidos.

    A posio do intelectual

    A responsabilidade poltica o cerne do trabalho acadmico, razopela qual os problemas devem ser analisados com dados reais e de formaobjetiva. Linz discorda da posio por demais crtica do intelectual, contratudo o que est estabelecido. Deve-se ser crtico quando se tem razo paras-lo. Por isso ele tem horror expresso intelectual orgnico. O intelectualtem de fazer a melhor anlise, apresentar os melhores prognsticos e deixaraos polticos a responsabilidade da deciso. A teoria social o grande trunfo,e nenhum poltico deveria desconhec-la. Essa posio pde ser vista em suaapresentao no seminrio internacional O Brasil e as tendncias econmi-cas e polticas contemporneas, realizado em Braslia, poca da posse deFernando Henrique Cardoso. (Ver, em anexo, o texto.) A experincia da guer-ra e o fato de toda a sua gerao ter ficado fora da poltica levaram Jun Linza assumir uma atitude como a que segue:

    Se a poltica minha vocao frustrada, se isso meafastou da ao, alou-me produo de conheci-mento, com a conscincia de que um entendimentodos processos sociais, econmicos, institucionais, deuma sociedade, sobretudo em momentos de crise emudana, pode levar ao melhor equacionamento dosproblemas, busca da verdade sem concesses, poisnada substitui a ao poltica, mas podemos servir causa pblica produzindo conhecimentos que sirvamcomo base para as decises polticas.

    E completa:Devemos evitar posies intelectuais por demaisideologizadas que levam a explicar os problemas econflitos em termos do bem e do mal, concluindo queo mundo avanado o responsvel pela pobreza doresto do mundo. Tese simplista que serve de libi aosintelectuais desses pases para no analisar as res-pectivas realidades sociais, culturais, religiosas e eco-nmicas, e os leva a justificar as mobilizaes emoci-onais da populao com sentimentos de hostilidadepara com o Ocidente desenvolvido o que nada contri-bui para o bem-estar da humanidade.

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    Em duas ocasies Jun Linz esteve perto de tornar-se poltico naEspanha. A primeira vez foi em 1976, quando soube que seu nome constava nalista dos senadores reais; mas quando saiu a verdadeira lista ele fora excludo.

    Foi uma noite especial. Por um lado, eu estava muitotriste: seria uma forma de entrar na poltica, o queera importante para uma pessoa da minha geraoque no havia intervindo na oposio ativa mas tinhauma indiscutvel vocao poltica. Mas tambm mesentia feliz, porque isso desorganizaria minha vidatotalmente, eu teria de deixar a ctedra em Yale paraser senador real por um perodo, sem posio acad-mica na Espanha: o que faria eu depois? A segundaocasio foi quando Surez me consultou se eu gosta-ria de ser um dos Conselheiros da Presidncia e mepediu que respondesse at o dia seguinte. Felizmentetive o bom senso de dizer que no, pois teria sido umaviagem intil. Mas se Surez tivesse me chamado etivssemos conversado por duas horas sobre temassrios, com a sua capacidade de persuaso e o papelhistrico que ele iria desempenhar, temo que teria ditosim. Felizmente no foi assim (Linz, 1991b, p. 52).

    As palavras de Jun Linz expressam os dilemas dos intelectuaisque se encontram na atividade acadmica, tendo no horizonte a utilidade damaior transparncia da poltica e a atividade poltica, integrando os quadrosdecisrios. Um dilema antigo, como o de Max Weber, que sofria da totalambivalncia entre a necessidade de atividade prtica e a carreira acadmica.

    Sobre os Estados Unidos

    Jun Linz estudou e trabalhou nos Estados Unidos desde 1954. Qual a sua viso daquele pas? Segundo ele um pas que convive, de um lado,com setores dinmicos e modernos, de imensa criatividade cientfica etecnolgica; de outro, com uma enorme desorganizao social, marcada peladroga, pela desorganizao familiar. Linz considera difcil a incorporao con-tnua de correntes migratrias, particularmente dos pases que esto fora dequalquer sistema econmico e portanto sem condies de trabalho no mundoindustrial moderno. Esse um dos grandes desafios que aquela sociedade terde enfrentar: a poltica de imigrao. Ele destaca o fato de que os EstadosUnidos tm avanado na eliminao da discriminao racial mas no na pol-tica de integrao social, particularmente dos segmentos negros e hispnicos.Observa que com as primrias, o sistema poltico americano, embora no pro-duza as lideranas que deveria produzir, possibilita aos Estados Unidos sertalvez o nico pas que se pode dar ao luxo de ter governos no to capazes efuncionar bem. E, contradizendo avaliaes de que os Estados Unidos so

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    menos democrticos do que as naes europias, ele acha que o pas consegueser democrtico, pelo fato de processar politicamente a realidade social comseus problemas concretos.

    Trabalhos atuais

    Trs dos focos da atual atividade de Jun Linz so, entre outros, acrise do sistema presidencialista, anlises sobre a Europa ps-comunista eum trabalho que vem realizando em parceria com Houchang Chebabi sobreo que denominou de regimes sultnicos. poca em que escreveu o seulongo ensaio sobre Totalitarian and authoritarian regimes, publicado emHandbook of political science, Linz distinguiu um tipo de regime que cha-mou, usando um termo da sociologia de Max Weber, sultnico, originriodos regimes autoritrios, para evidenciar como as regras de exerccio dopoder no eram praticadas no interesse particular de uma classe e legitima-das por instituies especficas, como as militares, mas sim personaliza-damente pelo detentor do poder em benefcio de si mesmo, de sua famlia,seus aliados, subvertendo as estruturas institucionais, sem uma ideologialegitimadora e de um modo particularmente arbitrrio. Houchang Chebabi eJun Linz dividem a autoria de um longo ensaio introdutrio sobre o tema eorganizam um volume reunindo ensaios que analisam tais regimes, repre-sentados, entre outros, por Somoza, Duvalier, Batista, o X do Ir, gover-nos em que tais tendncias so predominantes.

    Ainda recentemente Linz preparou um texto para os estudantes detodo o mundo intitulado Democracy today: an agenda for students ofdemocracy, publicado em 1997 pela Scandinavian Political Studies. Aindaem parceria com Alfred Stepan ele trabalha em um livro sobre federalismo,democracia e nao, reunindo tpicos que em geral so tratados separada-mente. Com Roco de Tern, ele d continuidade pesquisa sobre a histriasocial da Espanha entre 1930 e 1980. Est envolvido em um projeto coletivode estudo das elites legislativas na Europa nos sculos XIX e XX, junto comos colegas espanhis Miguel Jerez e Pilar Gangas; com o colega Jos RamonMontero, um de seus antigos co-autores de vrias pesquisas, estuda o atualalinhamento partidrio e eleitoral na Espanha, sem deixar de lado os estudossobre nacionalismos e religio. Segundo ele:

    O nacionalismo um dos temas mais importantes,pois a causa principal da corrida armamentista,dos conflitos locais, da violncia religiosa, tni-co-cultural, de conflitos que impedem um mnimode administrao eficaz para a promoo do de-senvolvimento econmico. O nacionalismo, essainveno ocidental, desde o sionismo, fruto do na-cionalismo europeu, dos pases islmicos, deve sermelhor conhecido (Linz, 1991b, p. 57).

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    AVELAR, Lcia. Jun Linz - um socilogo de nosso tempo. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 13(1): 203-227, maio de2001.

    Dividindo o seu tempo entre Estados Unidos, Espanha e Alemanha,entre aulas e conferncias, Linz orienta muitos alunos com os quais ao mesmotempo amigvel e, por outro lado, implacvel: O importante produzir bonsdados, fincar o p na realidade, no se ater a peas pequenas que obstruem aspesquisas de maior flego. A sua opinio que, nesse ofcio, no se pode perdertempo, pois os problemas so por demais urgentes e exigem as solues polticasmais adequadas, e estas devem ser tomadas com maior conhecimento de causa. essa a sua posio fundamental na defesa dos ideais democrticos.

    O texto que apresentou no Seminrio realizado em Braslia, por oca-sio da posse de Fernando Henrique Cardoso, apresentado a seguir, para osque seguem a sua orientao ou que a contestam.

    Seminrio O Brasil e as tendnciaseconmicas e polticas contemporneas, Braslia/1995

    Novos parmetros do pensamento polticoMe impressiona, como lgico, o tour dhorizon de um avio que

    voasse muito alto sobre o globo, ou talvez de um satlite, do que a sociedadeno mundo de hoje. Mas vejo um perigo que se reflete no pessimismo, emgrande medida, da apresentao de Touraine, de reunir tudo o que no funcio-na, tudo que est estourando em um lugar ou em outro, e somar tudo, comouma viso de conjunto do que o nosso mundo. Ao final sempre h excees;por exemplo, o Cone Sul e o Chile no so parte desse mundo to ruim, comono o so algumas partes da Europa ocidental e algumas da Europa central.Fixamo-nos nas exploses dos nacionalismos violentos, mas nos esquecemosde que h nacionalismos que se integraram em um Estado e que, por exemplo,ainda que os catales faam coisas que a mim, como espanhol do centro, nome agradam, eles se sentem espanhis, como vimos por ocasio das Olimpa-das. Ou seja, todas as coisas no so to graves como parecem e quero enfatizaresta dimenso, digamos de pessimismo, que se reflete no ttulo do ltimo livrode Klaus Offe, que a luz no fim do tnel. Existe uma luz, logo havia umtnel, mas o tnel est iluminado pela luz da transio democracia, e aspessoas percebem isto como mostram as pesquisas de Richard Rose e ou-tros a luz, ao final, ou seja, o otimismo existe ao final deste processo. Por-tanto quero take exception formulao. Eu creio que temos uma razo fun-damental para abordar o tema em discusso, em um momento de transio democracia, mesmo que nem todas as transies levem consolidao da de-mocracia. Mas das muitas transies que tm havido, muitas delas ou se con-solidaram ou esto caminhando para a consolidao. Estamos aqui por oca-sio da eleio de Fernando Henrique, com todos os problemas e com todas asdvidas que os dados nos mostram que os brasileiros tm em relao democracia. Mas temos tambm de pensar nos meios que temos para contro-lar os processos polticos. Certamente, o exemplo mais claro que temos na

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    Amrica Latina, o caso da eleio de Fernando Collor, e o mesmo eleitoradobrasileiro que respondeu a outro tipo de convocatria elegeu FernandoHenrique. Ou seja, estamos falando de democracia.

    Tem-se falado muito do Estado e da importncia do Estado. Se o Esta-do pode fazer isto ou aquilo. O que esquecemos de dizer que estamos falando doEstado Democrtico, onde democrtico alguma coisa a mais do que um adjeti-vo. No creio que possa haver democracia sem Estado e no pode haver Estadolegtimo em nossas sociedades se no for democrtico. No passado, sim, havia oEstado fascista, havia o Estado comunista, havia concepes do Estado legtimaspara alguns setores da populao, para alguns intelectuais que no acreditavam noEstado democrtico. Mesmo os intelectuais diziam sempre no sou partidrio dofascismo, mas talvez em nosso pas falte algo como isto. Felizmente, esse mo-mento j passou. Esse cinismo de certos intelectuais. Ento encontramo-nos com atarefa de como construir Estados democrticos e legtimos. E com isto volto aotema da manh: ficou claro que as polticas econmicas exigem uma ao porparte do Estado, mas se esse Estado no tem legitimidade, no poder exerc-la.Vamos enfatizar uma coisa que creio que esquecemos: em todos os pases dosquais temos dados de pesquisa, com alguma exceo, talvez, na antiga UnioSovitica, as pessoas consideram a democracia como algo positivo, em uma pro-poro muito grande, mais de 80%, contando os que no respondem. Tambmo sistema econmico capitalista foi adquirindo legitimidade (os dados espanhisdemonstram como foi aumentando essa legitimidade diante de uma pergunta so-bre se o melhor sistema econmico para um pas como o nosso), mas com pro-pores sempre menores. Ou seja, que o sistema econmico no legitima o siste-ma poltico e meu amigo Adam Przeworski tem dados magnficos de que ademocracia agenta muitos anos mais do que uma crise econmica, uma ditadura, algo que a mim muito me agrada encontrar em seus dados e que demonstra umacoisa fundamental: o problema da legitimidade, ainda que ele no acredite nessapalavra. O fato que a legitimidade democrtica um elemento essencial parafazer polticas econmicas eficazes, e Alejandro Foxley nos deu alguns exemplos.Ento, o problema o problema da democracia. E aqui nos encontramos, eu creio,com uma confuso muito perigosa que surgiu na luta contra Estados de tipo comu-nista na Polnia e na luta contra a ditadura no Brasil, que falar de uma sociedadecivil e o Estado, e isto no funciona. A sociedade civil tem que articular-se em umasociedade poltica, quero dizer, em lideranas polticas, em partidos, em organiza-es para competir pelo poder e apropriar-se do poder. Tem-se falado aqui quetoda esta reconstruo do Estado e da sociedade essa sociedade que desapare-ceu, que no tem atores , tem que comear de cima. Sim e no. Compartilho coma perspectiva de Schumpeter de que os polticos se apresentam diante do povopara obter apoio para uma poltica que eles tm que formular, o povo no podeformul-la. A prova disto que os referendos no funcionam. No referendumsobre a OTAN, ao final, Felipe Gonzlez teve que fazer uma campanha gigantescapara mudar o clima de opinio na sociedade que ele havia criado. O fato que opovo no pode formular alternativas, no sejamos utpicos. Mas tampouco pode-

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    mos acreditar que em uma democracia se pode fazer poltica sem povo. O demos,em ltima instncia, cada quatro anos, decide. Portanto, a funo do poltico criar foras que venham de baixo para que lhe apiem sua gesto. Aqui se falou Foxley, me parece sobre a grande capacidade de comunicar. O poltico tem de teressa capacidade de comunicar e tem de ser exemplar. Aqui voltamos a um tema noqual no deveramos nos alongar muito, o da corrupo ou da percepo decorrupo nas democracias contemporneas como deslegitimadoras do poder e,portanto, incapacitando a gesto pblica. Temos de pensar muito o que corrupoe o que no , e em que medida as regras que formulamos para o financiamento davida poltica so a causa da corrupo e como, talvez, teramos de implementarreformas nesse campo em que no posso entrar. Aqui falamos do Estado comouma coisa dos polticos. O Estado , tambm, aquele que administra uma admi-nistrao pblica no bairro, a polcia. E a temos um dado curiosssimo. Eu, naEspanha, perguntava se a Espanha era uma sociedade injusta e muitas pessoasdiziam que sim. Em seguida, eu perguntava onde o haviam tratado injustamente:em um banco, em uma loja, no seguro de sade, em uma administrao pblica.Encontrei que, na maioria das vezes, o que achavam injusto resultava de suasrelaes com a administrao pblica e no com o mundo capitalista. Ou seja,existe um problema muito importante que a eficcia da administrao e a quali-dade da administrao. Essa uma tarefa que no acredito ser to difcil quantodizem. Pode-se formar funcionrios, polticas etc., que sejam capazes de uma cer-ta conduta e que podem servir a um regime ou a outro. A comparao entre oBrasil e o Chile, entre os carabineiros e a polcia, triste, em certo sentido, para oBrasil, e indica como h uma srie de instituies que podem ser mantidas apesardas mudanas de regimes.

    Outro tema que gostaria de assinalar que a democracia um conceitomuito genrico, mas que logo vm as instituies democrticas: presidencialismo,parlamentarismo, os sistemas mistos como o francs etc. Tudo isto eu acredito queteramos de incluir muito mais na anlise de como funcionam as instituies de-mocrticas. Tenho escrito sobre isto e quero destacar que tambm aqui, como emtantas coisas sobre as quais falamos nesta manh, existem alguns condicionantes.Por exemplo, a opo entre o parlamentarismo e o presidencialismo na AmricaLatina, salvo em um momento timo, depois da queda das ditaduras, que omomento para experimentar, talvez j tenha passado, mas se pode ainda introduzirelementos de flexibilidade do parlamentarismo no presidencialismo, para evitarcasos como os de Alan Garcia ou Carlos Andrs Perez, que ficam ali sem a menorcapacidade para governar. Teramos que estudar as instituies e creio que dever-amos dedicar mais tempo ao estudo das instituies democrticas. O problema dofederalismo parece-me central do ponto de vista da criao de desigualdades eineficcia do gasto pblico esses so alguns dados que foram mencionados estamanh , quero dizer, como funcionam as instituies em uma democracia.

    Outro tema a questo do tempo no processo democrtico. Se sabe-mos que existe um prazo limitado para que um governo democrtico faa algo, seo elegemos por um perodo de quatro anos, por que tem que fazer tudo em seis

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    meses? Teramos de encontrar meios de mudar esta imagem do processo governa-mental e do processo poltico. E isto me leva aos partidos. Creio que aqui h umasrie de temas fundamentais na crise europia ocidental e americana dos partidos;por um lado, queremos que sejam um instrumento para apoiar uma poltica dogoverno, sobretudo quando elegemos seu partido para que ele seja o chefe dogoverno (no caso dos partidos europeus); por outro, estamos descontentes de queesses partidos tenham disciplina, na Europa, no no Brasil e nem nos EstadosUnidos, e que portanto no representem os interesses do cidado, de seu distrito,seus problemas humanos. H uma idia de representao que est, em certa medi-da, em conflito com o papel do partido como instrumento de governo e de apoio auma poltica. O caso americano o oposto: a desintegrao do partido por umanfase excessiva na idia de representao de um eleitorado concreto, de umaconstituency concreta e total incapacidade de articular, atravs de um partido, umapoltica e uma legislao mais ampla e mais geral. Eu acho que temos de estudarmuito mais as contradies que tm os cidados sobre os partidos. Por exemplo,temos a idia da liberdade individual de votar, e acho que os floating voters, cadavez mais numerosos em uma sociedade sem estrutura rgida de classes e com acrise das ideologias, so a expresso dessa liberdade. Com isto, falta lealdade aospartidos, o que mais problemtico o exerccio da voice dentro dos partidos,para utilizar os termos de Hirschman. Aqui temos problemas muito interessantes:eu creio que os partidos podem ser criados, mas muito difcil no sistema presi-dencial porque o presidente est acima do sistema de partidos e no um ator ativono processo de criar um partido veja-se o caso de Yeltsin, que se abstm total-mente das eleies em dezembro de 1993 e no tem um partido e nem tem interes-se em t-lo. Creio que este um dos problemas das democracias.

    Quero tambm destacar a problemtica dos recursos para os partidos,que um tema central. Por um lado, o problema da contradio: queremos polti-cos que se dediquem totalmente coisa pblica, e queremos polticos que tenhamrelao direta com a sociedade. As duas coisas no so compatveis. o debatesobre os term limits, um espectro que vem dos Estados Unidos (de onde vmtantas inovaes que todo mundo imita, sem saber muito bem por qu) que tratade desprofissionalizar a poltica, quando todos sabemos que em qualquer comittemos de trabalhar por muitos anos para sabermos como as coisas funcionam epara ter influncia autntica. A grande vantagem de Fernando Henrique que eleconhece o Senado, conhece o Congresso, que no um governador de Alagoas oude algum outro estado (perdoem-me os de Alagoas porque escolhi esse exemplo,poderia ser do Rio Grande do Sul) que no tenha estado em Braslia, dia a dia,conhecendo o mecanismo de governo e o governo, pelo fato de ter sido Ministro.Nesse sentido h uma srie de problemas interessantes do cursus honorum dospolticos. Em que medida adquirem experincia para governar ou no adquirem?

    Finalmente temos aqui um problema que gostaria de discutir mais, que dizer bem, a democracia est bem mas no mais do que a democracia poltica,temos que ampliar a democracia, a democracia econmica etc.. Temos que pen-sar muito sobre isto, porque o cidado dedica pouco tempo e pouca ateno

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    AVELAR, Lcia. Jun Linz - um socilogo de nosso tempo. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 13(1): 203-227, maio de2001.

    democracia poltica embora tenha algo to emocionante como as eleies: chegaum momento em que sim, que se interessa, mas se tem que escolher muitas pesso-as (para a associao, para a universidade, para tudo o que h), deixa essa decisoao substituto no qual confia, como ocorre nos Estados Unidos; muitas vezes, paraalgumas eleies para juzes ou outros cargos, acaba seguindo uma sugesto doNew York Times ou confia no partido. Isto foi o que aconteceu na extensiva demo-cratizao da vida pblica italiana e que leva partitocrazia. Temos a partitocraziaitaliana e seus efeitos a longo prazo, a partitocrazia da Ao Democrtica naVenezuela, ou seja, a penetrao do partido em todas as esferas da sociedade, masque no tem a qualidade que deveria ter e se presta corrupo e a muitas outrascoisas que no so compatveis com uma sociedade democrtica.

    Temos que pensar muito sobre a democracia em vrias partes do mun-do e Alain Touraine nos lembrou dos sistemas no democrticos. Como temosfeito em nossos estudos sobre as transies e estamos fazendo sobre as consolida-es, temos de iniciar uma grande tarefa de estudo comparado das democracias edas diversas modalidades e formas que elas tomam, desde as mais institucionais,como so o parlamentarismo, o presidencialismo, o federalismo e acredito queisto significa coisas distintas na Alemanha, no Brasil e em um pas multinacionale multitnico. Temos de comear a entender todo esse mundo das democracias, econvido Fernando Henrique que nos convoque no final do seu mandato para quepossamos fazer uma anlise do caso da democracia brasileira como o exemplo deuma democracia que logrou ser o exemplo para as democracias latino-americanase do mundo. Gostaria de fazer uma anlise comparada das democracias e dasmltiplas variedades das democracias, que no so todas iguais, mesmo que todasrespondam a uma coisa muito simples, que que os que governam no tm omonoplio do poder, se que tm um monoplio, porque o poder muito pouco epor tempo limitado. Pelo menos, no por uma vida, sob o qual vivi por quarentaanos. E isto uma vantagem, alm de se poder pedir contas ao final. Essas duasvantagens, e que todo o demos participe, define a democracia. E aqui chegamos aotema de Estado, Nao etc. Se temos, como na maioria dos pases latino-america-nos, uma homogeneidade de cidadania, e no sei se so naes no sentido europeu,se so Estados-nao not nation-states, but state-nations como a Sua, oucomo a Espanha para muitos espanhis (no todos), isso permite a democracia e neste quadro que temos de estudar os problemas do futuro. Sem dvida, ningumfalou aqui do Peru, da Guatemala etc., que apresentam problemas muito distintos,mais complicados.

    Gracias.

    Recebido para publicao em fevereiro/2000

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    AVELAR, Lcia. Jun Linz a sociologist of our times. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo,13(1): 203-227, May 2001.

    ABSTRACT:The article presents a summary of the intellectual history of JuanLinz, his main ideas on politics and political sciences, with the aim to offerresearchers a general view of his work and main publications. Having writtenmany articles and published many books in a number of countries, he influenceda whole generation of academics and politicians; a synthesis of his work revealsthe diversity of themes and approaches of his extensive production.

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