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JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL: ATÉ ONDE NOS PODEM LEVAR AS ASAS DE ÍCARO Vanice Lírio do Valle 1 Resumo: Duas décadas de aplicação da Constituição de 1988 demonstram que o Judiciário ocupou um lugar central na equação política do poder, tendo em conta o empoderamento dos direitos fundamentais. Nas cortes brasileiras, políticas públicas são controladas diariamente, especialmente depois que a Suprema Corte afirmou que o Judiciário, em tema de direitos fundamentais, está autorizado não só a controlar, mas mesmo a formular políticas públicas. A enunciação de um largo espectro de direitos fundamentais na Constituição brasileira pode ser compreendida quando se tem em conta essa opção como uma estratégia destinada a fazer avançar o projeto de democratização que teve lugar após a ditadura militar. O ambiente normativo e institucional que facilitou essa revisão judicial de políticas públicas foi ainda reforçado por um significativo número de emendas constitucionais que trouxeram para o texto fundamental temas que deveriam se ter por delegados à política ordinária. Como resultado, o Judiciário está decidindo sobre políticas públicas em litígios individuais – o que com certeza não se revelará adequado quando se cogita de trazer real transformação social. Devemos estar cônscios do risco de, apesar 1 Pós-doutorada pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas – EBAPE/FGV, Doutora em Direito pela Universidade Gama Filho, Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá e Procuradora do Município do Rio de Janeiro.

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Page 1: JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL:

JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL:

ATÉ ONDE NOS PODEM LEVAR AS ASAS DE ÍCARO

Vanice Lírio do Valle1

Resumo:

Duas décadas de aplicação da Constituição de 1988 demonstram que o Judiciário ocupou um lugar

central na equação política do poder, tendo em conta o empoderamento dos direitos fundamentais.

Nas cortes brasileiras, políticas públicas são controladas diariamente, especialmente depois que a

Suprema Corte afirmou que o Judiciário, em tema de direitos fundamentais, está autorizado não só a

controlar, mas mesmo a formular políticas públicas. A enunciação de um largo espectro de direitos

fundamentais na Constituição brasileira pode ser compreendida quando se tem em conta essa opção

como uma estratégia destinada a fazer avançar o projeto de democratização que teve lugar após a

ditadura militar. O ambiente normativo e institucional que facilitou essa revisão judicial de políticas

públicas foi ainda reforçado por um significativo número de emendas constitucionais que trouxeram

para o texto fundamental temas que deveriam se ter por delegados à política ordinária. Como

resultado, o Judiciário está decidindo sobre políticas públicas em litígios individuais – o que com

certeza não se revelará adequado quando se cogita de trazer real transformação social. Devemos

estar cônscios do risco de, apesar do discurso de proteção aos direitos fundamentais, ter-se por

resultado uma desigualdade estabelecida pelo Judiciário.

Palavras-chave: jurisdição constitucional, direitos fundamentais, políticas públicas, controle,

igualdade.

Abstract:

Two decades of application of the 1988 Constitution demonstrates that the Judiciary has occupied a

central place in the political power equation, regarding the enforcement of fundamental rights. In

Brazilian courts, public policies are scrutinized in a day-to-day basis, especially after the Supreme

Court’s proclamation that the judiciary is allowed – when it comes to fundamental and socio-

economic rights – not only to control, but even to formulate those public policies. The inclusion of a

large spectrum of fundamental rights in the Brazilian Constitution should be understood as a

strategic choice to promote the democratization project that was adopted after the military 1 Pós-doutorada pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas – EBAPE/FGV, Doutora em Direito pela Universidade Gama Filho, Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá e Procuradora do Município do Rio de Janeiro.

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dictatorship. Also, the normative and institutional ambience propitious to judicial review of public

policies was reinforced by the introduction in the constitutional text, through a significant number

of amendments, of themes that should be delegated to ordinary politics. As a result, the Judiciary is

deciding about public policies in individual cases – which for sure is not efficient when it comes to

bringing real social transformation. Despite the “protecting fundamental rights” speech, we should

be aware of the risk of a result consisting in a judicially established inequality.

Key-words: judicial review, fundamental rights, public policies, judicial control, equality.

Sumário:

1. O Poder Judiciário como controlador de políticas públicas – uma

realidade estabelecida na jurisdição constitucional brasileira. 2. O

ambiente constituinte e o perfil da Carta de Outubro. 3. A

constitucionalização de políticas públicas como estratégia de poder. 4.

Os excessos na busca da máxima efetividade: o discurso dos direitos

fundamentais se voltando contra os direitos fundamentais

1. O PODER JUDICIÁRIO COMO CONTROLADOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS – UMA REALIDADE

ESTABELECIDA NA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

Vinte e três anos de vivência constitucional no Brasil redemocratizado têm revelado

surpresas de toda ordem. A própria aptidão do texto para conduzir a sociedade na travessia para a

consolidação democrática se apresentou, em alguma medida, inesperada2, dadas as características

atípicas de uma transição que, não obstante originária das elites políticas inseridas no aparelho

2 Demonstrando os indicadores do sucesso institucional em que se converteu a Constituição de 1988, Barroso destaca, a par do impeachment do Presidente Collor de Mello, outros episódios políticos de grande tensão, com forte abalo ao Poder Legislativo, superados segundo o mais estrito caminho da legalidade, sob a guia do Texto Fundamental: “...Ao longo desse período, diversos episódios deflagraram crises que, em outros tempos, dificilmente teriam deixado de levar à ruptura institucional. O mais grave deles terá sido a destituição, por impeachment, do primeiro presidente eleito após a ditadura militar, sob acusações de corrupção. Mas houve outros, que trouxeram dramáticos abalos ao Poder Legislativo, como o escândalo envolvendo a elaboração do Orçamento, a violação de sigilo do painel eletrônico de votação e o episódio que ficou conhecido como “mensalão”. Mesmo nessas conjunturas, jamais se cogitou de qualquer solução que não fosse o respeito à legalidade constitucional” (Luís Roberto Barroso, Vinte anos da constituição brasileira: o Estado a que chegamos, disponível em http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20081127-03.pdf, acesso em 7 de janeiro de 2010).

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institucional do Estado ao final do período autoritário3, concretizou-se de forma negociada,

conduzida sem ruptura mais significativa.

Outro elemento que particulariza a vivência constitucional no cenário brasileiro é a hoje

significativa judicialização da política4, notadamente nas questões envolvendo a efetividade da

Carta de Outubro no que toca a seus compromissos valorativos enunciados num amplo elenco de

direitos fundamentais nas suas distintas dimensões5.

Embora seja certo que o fenômeno em si da judicialização da política não constitui

peculiaridade do universo brasileiro6, a manifestação em terra brasilis desse mesmo fenômeno

mundial apresenta uma nota característica, a saber, a afirmada orientação à efetivação de direitos

fundamentais, inclusive e especialmente aqueles classificados como sociais7. Trata-se de um

desdobramento natural do caráter analítico da Carta de Outubro nessa mesma temática que, na lição

de Barroso, retira esses temas do debate político para inseri-los no universo das pretensões

suscetíveis de tutela judicial8.

Não é ocioso registrar que essa mesma conclusão – de que a enunciação do direito

fundamental determina de per si um direito subjetivo em favor dos cidadãos – vem sendo 3 Marcos Wachowicz, Poder constituinte e transição constitucional. Perspectiva histórico-constitucional, 2ª ed. revista e atualizada. Curitiba: Juruá, 2008, p. 171.4 O tema foi detalhadamente examinado – e revisitado, 17 anos depois – por Werneck Vianna, em trabalho de observação empírica, que não só aponta o fenômeno jurídico-político em si, como igualmente diagnostica causas justificadoras da crescente judicialização da política no Brasil (Luiz Werneck Vianna et alii, A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, e Luiz Werneck Vianna, Marcelo Baumann Burgos e Paula Martins Sales, “Dezessete anos de judicialização da política”, in Tempo social, São Paulo, vol. 19, n.º 2, 2007, pp. 39-85, disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702007000200002&lng=en&nrm=iso, acesso em 26 de julho de 2010).5 Tenha-se em conta que, a par do elenco contido nos arts. 5.º e 6.º CRFB, há ainda um expressivo conjunto de direitos fundamentais referidos ao longo de todo o texto, como aquele ao pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (art. 182.º, caput, CRFB); à saúde, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196.º CRFB); à previdência social, organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória (art. 201.º CRFB); à assistência social àqueles que dela necessitarem, independentemente de contribuição (art. 203.º CRFB); à educação básica obrigatória e gratuita dos quatro aos dezessete anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita a todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria (art. 208.º, I, CRFB); à cultura (art. 215.º CRFB); ao desporto, cumprindo ao Estado expressamente o desenvolvimento de atividades de fomento (art. 217.º CRFB), etc.. Finalmente, o art. 5º, § 1.º, CRFB faz compreender no sistema de direitos fundamentais que orienta axiologicamente o Estado brasileiro, a par dos expressos no texto constitucional, outros decorrentes do regime e dos princípios constitucionalmente adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.6 Evidenciando a disseminação do fenômeno em países do mundo de distintos arcabouços históricos e estruturas sociais e institucionais, Ran Hirschl, “The Judicialization of Mega-Politics and the Rise of Political Courts”, in Annual Review of Political Science, vol. 11, 2008, disponível em http://ssrn.com/abstract=1138008, acesso em 30 de dezembro de 2010.7 O texto alude a uma afirmada orientação a esse propósito, porque embora seja essa a vocalização da própria Corte, não se tem ainda por plenamente demonstrado que, seja a judicialização em si dos conflitos, seja o manifesto ativismo a que se vem dedicando o Supremo Tribunal Federal no Brasil efetivamente prestigiem exclusiva ou predominantemente esse processo de concretização dos propósitos constitucionais no plano da garantia da dignidade da pessoa e da emancipação dos menos validos. Nesse tema especificamente, consulte-se Vanice Regina Lírio do Vale (org.), Ativismo jurisdicional e o Supremo Tribunal Federal, Curitiba: Juruá, 2009.

8 Luís Roberto Barroso, Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política no Brasil contemporâneo, disponível em http://www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/constituicao_democracia_e_supremacia_judicial_11032010.pdf, acesso em 30 de dezembro de 2010.

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reafirmada constantemente pelo Supremo Tribunal Federal na proclamação da plena efetividade

desses mesmos direitos, seja para parametrizar o campo das possibilidades legislativas naquela

matéria9, seja para assegurar o direito em favor de cidadãos individualmente considerados ao

recebimento de prestações concretas de parte do Poder Público, como a de garantia de acesso à

creche e pré-escola10; ao transporte para fins de freqüência às aulas11 e ao recebimento de

medicamentos pelo Estado12.

A conjugação desse ambiente que favorece a judicialização de temas em princípio

reservados ao campo da política com um espaço institucional ampliado reconhecido ao Supremo

Tribunal Federal – como de resto, à jurisdição constitucional em si, em várias partes do mundo13 –

conduziu, no Brasil, a um foco concentrado no tema do controle judicial das políticas públicas 14,

numa trajetória, esta sim, atípica no que toca a Cortes Constitucionais. Àqueles que afirmam que

essa reivindicação de competência se traduz numa manifestação típica de ativismo judicial15, o STF

responde que sim – cuida-se, efetivamente, de ativismo – mas que esse comportamento se revela

necessário e desejável quando se identifique violação à Constituição, especialmente pela via

insidiosa da inação dos poderes políticos constituídos16.9 Censurando deliberações legislativas tidas por violadoras de direitos fundamentais, aponta-se, dentre muitas, as recentes decisões em que se afirmou o direito ao reconhecimento de efeitos civis às uniões homoafetivas, não obstante o silêncio do Código Civil (ADPF 132, Relator Min. Ayres Britto, Pleno, julg. em 05/05/2011); a censura à opção legislativa que reconhecia a briga de galos como manifestação cultural, afirmando haver aí violação a direito fundamental de terceira dimensão (ADI 1856, Relator Min. Celso de Mello, Pleno, julgado em 26/05/2011).10ARE 639337 AgR, Relator Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT, vol. 02587-01, p. 125.11RE 603575 AgR, Relator Min. Eros Grau, Segunda Turma, julgado em 20/04/2010, DJe-086 DIVULG 13-05-2010 PUBLIC 14-05-2010 EMENT vol. 002401-05 PP-01127 RT vol. 99, n.º 898, 2010, pp. 146-152.12 RE 607381 AgR, Relator Min. Luiz FUX, Primeira Turma, julgado em 31/05/2011, DJe-116 DIVULG 16-06-2011 PUBLIC 17-06-2011 EMENT VOL-02546-01 PP-00209.13 Revela a expansão da jurisdição constitucional a adesão a esse modelo até mesmo por países originários da Commonwealth que, comprometendo-se com a enunciação formal de direitos fundamentais, completam o sistema com a cunhagem de uma judicial review que, mais afeita às tradições parlamentaristas, procura temperar a lógica da supremacia judicial com a previsão de mecanismos que assegurem a prática de um diálogo institucional entre os braços do poder político organizado (Cecília de Almeida Silva, Francisco Moura, José Guilherme Berman, José Ribas Vieira, Rodrigo Tavares e Vanice Regina Lírio do Valle, Diálogos institucionais e ativismo, Curitiba, Juruá, 2010).14 O Supremo já afirmou constituir competência sua – ainda que excepcional – empreender até mesmo a formulação de políticas públicas, na hipótese de reiterada omissão de parte dos demais braços do poder político organizado. Como precedente mais recente na matéria – repetindo, todavia, outras decisões no mesmo e exato sentido – consulte-se ARE 639337 AgR, Relator Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011. Compilando decisões do próprio STF no campo do controle de políticas públicas, especialmente no campo da educação e da saúde, consulte-se Vanice Regina Lírio do Vale, Políticas públicas, direitos fundamentais e controle judicial, Belo Horizonte: Editora Forum, 2009.15 Escaparia aos limites do possível no presente trabalho, enfrentar o tema em si do conceito de ativismo – matéria por si bastante polêmica; para um breve percurso dos debatas sobre o tema e dos possíveis sentidos da expressão, consulte-se William P. Marshall, “Conservatives and the Seven Sins of Judicial Activism”, University of Colorado Law Review, vol. 73, 2002, disponível em http://ssrn.com/abstract=330266 ou http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.330266, acesso em 18 de fevereiro de 2012, e ainda Benjamin A. Neil et alii, Activist judge – it means different things to different people, disponível em http://www.aabri.com/manuscripts/10436.pdf , acesso em 20 de fevereiro de 2012.16 Por ocasião da posse do então Presidente do STF, Min. Gilmar Mendes, no ano de 2008, o Min. Celso de Mello afirmou: “Nem se censure eventual ativismo judicial exercido por esta Suprema Corte, especialmente porque, dentre as inúmeras causas que justificam esse comportamento afirmativo do Poder Judiciário, de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito, inclui-se a necessidade de fazer prevalecer a primazia da Constituição da República, muitas vezes transgredida e desrespeitada por pura, simples e conveniente omissão dos poderes públicos” (Celso de Mello,

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A própria associação empreendida na referida pronúncia entre ativismo e superação da

suposta inação dos poderes constituídos já sinaliza para uma estratégia de julgamento que revela, no

geral, pouca deferência para com as decisões políticas dos demais poderes. Nesse cotejo com os

compromissos constitucionais, tais decisões são frequentemente apontadas como inexistentes,

insuficientes ou defeituosas – o que abre oportunidade para uma atuação substitutiva de parte do

Judiciário.

Desnecessário dizer que, se o Supremo Tribunal Federal, a quem compete precipuamente a

guarda da Constituição (art. 102.º, caput, CRFB) afirma que o ativismo pode se revelar como

estratégia legítima quando se tenha em jogo a preservação da Carta de 1988, o resultado é – num

sistema como o brasileiro, em que o controle de constitucionalidade é atividade possível a todo o

Judiciário – o espraiamento dessa conduta em todas as esferas de jurisdição. Assim, constitui-se

pauta diária de apreciação dos órgãos jurisdicionais em todo o país a alegação de violação à Carta

de 1988 pela negação da efetividade de direitos fundamentais. A partir disso, as ordens judiciais –

de natureza definitiva, ou a título de providência cautelar – determinando a outorga de prestações de

toda natureza pelo Poder Público se multiplicam, com sérios reflexos no planejamento das ações

das distintas entidades federadas, para não falar nos riscos democráticos e mesmo de politização da

justiça17.

Antes de se formular qualquer juízo de valor quanto a esse encaminhamento institucional de

um Judiciário que, como Ícaro, busca com asas alcançar a liberdade que decorreria da máxima

efetividade da Constituição, é preciso compreender o contexto jurídico-político que determinou essa

mesma opção – sem o que a compreensão do atual momento de protagonismo judiciário brasileiro

poderá ficar mascarado no que toca às suas complexidades.

2. O AMBIENTE CONSTITUINTE E O PERFIL DA CARTA DE OUTUBRO

Uma vez mais, é o distanciamento assegurado pelo transcurso de já mais de duas décadas

sobre os trabalhos constituintes, que permite uma compreensão maior das tensões e estratégias

políticas ali havidas – e de seus efeitos no modelo constitucional brasileiro.

Discurso na posse do então Presidente do STF, Min. Gilmar Mendes, em 23 de abril de 2008, disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/discursoCMposseGM.pdf, acesso em 16 de janeiro de 2011). Esse mesmo ponto de vista foi reiterado pelo Min. Celso de Mello em texto constante do sitio de próprio STF, datado de 15 de novembro de 2010, disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=165752, acesso em 17 de fevereiro de 2012.17 Luís Roberto Barroso, Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática, disponível em http://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf, acesso em 17 de fevereiro de 2012.

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Urdida a partir do interior do próprio sistema político18, a transição democrática – e a

redação de um novo Texto Fundamental como seu momento culminante – se deu num ambiente que

combinava um limitado mas presente pluralismo partidário, revigorado enquanto possibilidade

formal pela promulgação da Lei n.º 6767/7919, com uma vida social e política que adquirira

gradativo dinamismo, e com o surgimento ou renascimento de associações civis e outras estruturas

da sociedade organizada.

De outro lado, a par da insustentabilidade do regime político, impulsionava ainda a transição

democrática e a cunhagem da Carta Constitucional a crise econômica do modelo nacional-

desenvolvimentista, exigindo a construção de uma nova relação entre Estado e mercado20.

Esse é o cenário que determina acorram à Assembléia Nacional Constituinte representantes

de forças de conservação e de mudança, sem que exista um bloco hegemônico que tenha o controle

do processo – o que determinará uma intensa prática de negociação em torno de cada ponto, não

sem episódios de verdadeiro clinch político21. De outro lado, o caráter multidimensional da crise em

que se via submerso o país – de regime político, de relações de poder no próprio seio da sociedade,

de modelo econômico – impulsionará para o centro dos debates um amplo espectro de temas que se

pretendia fossem, de alguma maneira, respondidos por esse momento (re)fundacional do Estado

brasileiro. Têm-se aí já os primeiros elementos caracterizadores do verdadeiro labirinto no qual se

viam inseridos os afirmados condutores do processo de redemocratização do país.

A experiência da Assembléia Nacional Constituinte de 1987, a rigor, materializava a busca

de uma reformulação da ordem jurídica, que se dá em meio a um movimento de transformação, sem

a identificação de um necessário momento de ruptura política, mas num processo de mudança

pacífico e prolongado. Significa dizer que nessa mesma quadra se haveria de dar conta da gestão de

18 Registre-se o ponto de vista divergente de Versiani, que vê na mobilização pré-constituinte da sociedade civil um relevante fator determinante da sua própria convocação e especialmente de sua atípica abertura à participação, inclusive com a figura das emendas populares, através das quais se garantia a possibilidade de qualquer eleitor apresentar emendas ao projeto de Constituição, contanto que subscritas por 30 mil cidadãos brasileiros e referendadas por três entidades da sociedade civil (Maria Helena Versiani, “A Republic during the Constituent Assembly (1985-1988)”, in Revista Brasileira de História, São Paulo, vol. 30, n.º 60, 2010, disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882010000200013&lng=en&nrm=iso, acesso em 19 de novembro de 2011.19 O referido instrumento legislativo – Lei n.º 6767/79 – integrou as primeiras iniciativas tendentes à redemocratização brasileira e restaurou a possibilidade da existência legal de vários partidos políticos, afastando-se do modelo vigente no período de exceção, de bipartidarismo.20 É de Sallum Jr. a afirmação de que, em verdade, a crise impulsionadora do momento constituinte brasileiro não se limitava à dimensão do regime e do modelo econômico, compreendendo também o colapso das relações entre o poder político e a sociedade, desconstituindo-se a concepção de que o Estado pudesse se apresentar simplesmente como o pacto de dominação de uma ou mais classes sociais, por outras (Brasílio Sallum Júnior, “Transição política e crise de estado”, in Lua Nova, São Paulo, n.º 32, 1994, disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451994000100008&lng=en&nrm=iso, acesso em 18 de novembro de 2011.21 Marcos Nobre, “Indeterminação e estabilidade. Os 20 anos da Constituição Federal e as tarefas da pesquisa em direito”, Novos Estudos CEBRAP, vol. 82, 2008, pp. 97-106.

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uma ampla agenda de reforma, de bloquear movimentos violentos de resposta ao passado que se

repudiava e ainda facilitar a integração social22.

Esse é o contexto em que se desenvolverá um texto constitucional que, a par de consolidar

elementos importantes da transição democrática – notadamente no campo da organização política

propriamente dita –, materializa o uso, pelas forças de mudança, de uma estratégia nova de

transformação, ancorada com firmeza em uma ampla e compreensiva declaração de direitos

fundamentais23. A ela se associou uma não menos robusta estrutura institucional de controle, com o

fortalecimento do Judiciário, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, além da afirmação

do caráter essencial à justiça da Defensoria Pública e da Advocacia de Estado24. O labirinto de

problemas e alternativas de solução com que se deparava a constituinte reconhecia seu próprio

Dédalo – um pensamento conservador, que via na maior porção da constituição um caráter

meramente programático, e portanto, sem o condão de transformação.

Fixadas na Carta de Outubro as pautas de atuação do poder, deflui do texto uma agenda

futura que, se não resolvida pelo exercício ordinário da política, poderia ainda judicializar-se por

intermédio daquelas mesmas instâncias de controle fortalecidas pelo Texto Fundamental, “a fim de

viabilizar o encontro da comunidade com seus propósitos, declarados formalmente na

Constituição”25. Surge agora na narrativa Ícaro que, aprisionado pelas paredes do labirinto de

desafios à construção de um Estado Democrático de Direito com fortes compromissos sociais,

buscaria uma liberdade na maximização das potencialidades de proteção à dignidade da pessoa,

prometida pela efetividade da constituição.

De outro lado – e ainda como consequência da inexistência de um grupo hegemônico que

presidisse o processo de transição constitucional – os trabalhos constituintes foram fortemente

caracterizados por uma atomização, circunstância que favoreceu a inclusão no Texto Fundamental

de temas das mais variadas matizes, que ali se inseriam por vezes pela simples circunstância de não

encontrarem contra si oposição política substancial que pudesse determinar sua rejeição26. 22 As cartas constitucionais resultantes desse tipo de momento sócio-político foram posteriormente identificadas como materializadoras de um constitucionalismo de transição, cuja proposta era conferir um arcabouço normativo e institucional destinado a viabilizar justamente a mudança pretendida por aquela sociedade (Yeh Jiunn-Rong e Chang Wen-Chen, “The Changing Landscape of Modern Constitutionalism: Transitional Perspective”, in National Taiwan University Law Review, vol. 4, n.º 1, pp. 145-183, 2009, disponível em http://ssrn.com/abstract=1482863, acesso em 3 de fevereiro de 2012). Á época, todavia, predominava ainda a lógica de que o momento para transformar a realidade era aquele esforço constituinte.23 Luiz Werneck Vianna, “O terceiro poder na Carta de 1988 e a tradição republicana: mudança e conservação”, in R. G. Oliven et alii (orgs.), A Constituição de 1988 na vida brasileira, São Paulo: Hucitec/Anpocs/Fundação Ford, 2008.24 A arquitetura constitucional no que toca notadamente ao Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública assegura-lhes plena independência funcional e ainda autonomia administrativa e financeira, com o que não é incomum que sua atuação institucional se volte contra as demais estruturas do poder político, no cumprimento dos compromissos fundantes para com a efetividade dos direitos fundamentais. 25 Luiz Werneck Vianna et alii, A judicialização da política e das relações sociais no Brasil, Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 40.26 Cláudio Gonçalves Couto, “A Longa Constituinte: Reforma do Estado e Fluidez Institucional no Brasil”, in Dados, Rio de Janeiro, vol. 41, n.º 1, 1998, disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-

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Está-se afirmando que, naquele momento, a cunhagem de um novo Estado – nisso se

compreendendo sua dimensão político-representativa, seus compromissos axiológicos e seu modelo

econômico – estava em curso, sem que se tivesse assentado suficientemente as reais escolhas dos

destinatários desse verdadeiro novo pacto social27. A suposição era a de que as opções refundadoras

do Estado Brasileiro deveriam se dar naquele privilegiado momento, pelo que ali se fez incluir tudo

aquilo que parecia relevante ou possível, com ou sem maior densidade em relação ao consenso

social em torno da matéria28. Mais intrincado o labirinto, pela conjugação de interesses

diversificados e muitas vezes contrapostos, mais difícil a libertação de Dédalo e de Ícaro.

No que toca, por sua vez, aos reclamos de substituição do modelo nacional-

desenvolvimentista – e de propositura de um novo perfil para o cenário econômico –, as escolhas

constituintes foram dúbias e conflitantes. Apesar do discurso do chamado neoliberalismo

econômico que se vocalizava ao longo da década de 80, o texto constitucional reproduziu cláusulas

que se reportavam a um modelo já esgotado: é o caso da preservação de relevantes monopólios

estatais nas áreas da comunicação e do petróleo, da restrição ao capital estrangeiro, da estrutura

leniente no que toca à contenção e ao controle dos gastos públicos, etc.. Nesse campo, portanto, o

texto constitucional nasce superado – reclamando, em curtíssimo espaço de tempo, intervenções

reformadoras, sob pena de, pelo viés da crise econômica, comprometer-se a pauta de prioridades de

justiça social que se lograra estabelecer.

Esse é o quadro que nos remete – na lição de Couto – à chamada “longa constituinte”.

Afinal, o texto promulgado em 5 de outubro de 1988 estabelecia uma tal ordem de restrições aos

governantes nos períodos que se seguiram, que sua reforma se apresentou como proposta no cenário

político quase ato contínuo à sua promulgação.

O momento oportuno, em tese, para a reformulação de juízos eventualmente identificados

como equívocos no processo constituinte era o da revisão da Constituição – curiosamente já

agendada para cinco anos após sua promulgação, nos termos do art. 3.º do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias. O ano de 1993, todavia, não favorecia um debate mais profundo

acerca da revisão constitucional, pelos efeitos da profunda crise econômica em que se via

52581998000100002&lng=en&nrm=iso, acesso em 18 de novembro de 2011.27 Manifestação clara desse dualismo é a previsão, no art. 3.º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, de uma revisão constitucional que seria de se dar após 5 anos de vigência da nova Carta, e por voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional (quorum inferior àquele ordinariamente exigido no processo de emenda à Constituição).28 É de Sunstein a advertência de que a inclusão em texto constitucional de preceito que não expresse a formação de um acordo teórico pleno se apresenta como estratégia válida de deliberação constituinte, remetendo-se a densificação desse arcabouço teórico-compreensivo ao jogo ordinário da política, permitindo com isso inclusive o convívio de múltiplos sob uma mesma ordem constitucional, não obstante seus desacordos (Cass Sunstein, “Constitutional agreements without constitutional theories”, in Ratio Juris, vol. 13, 2000). Se é verdade que tal metodologia de redação constitucional se apresenta como possível, não é menos verdade que ela tende a gerar maior tensão no plano das relações políticas ordinárias, onde a busca desse consenso, que não se revelou originalmente possível, haverá de se materializar.

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mergulhado o país, com a perda de controle do processo inflacionário29. Com isso, o processo de

atualização da Carta de 1988, notadamente no que toca às opções econômicas e à chamada Reforma

do Estado, veio a se deflagrar em 1994, dando início a um ciclo de emendas constitucionais que se

prolongaria pelos dois mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso30 e ainda pelos do

Presidente Luis Inácio Lula da Silva.

Por outro lado, a reiterada prática de emendas constitucionais – e, portanto, a construção de

canais e estratégias políticas que permitissem a formação da necessária coalizão reformista –

evidenciou, para os então detentores do poder, a viabilidade de, nesse mesmo esforço político

reputado necessário ao desenvolvimento de seu próprio projeto de governo, trazer para o texto

constitucional opções que traduzem, na verdade, escolhas públicas próprias do jogo da policy,

favorecendo a judicialização desses temas.

Preservada a alegoria, tem-se aqui uma última tentativa de Dédalo – arquiteto do labirinto –

que busca a liberdade não na superação dos obstáculos, mas numa estratégia de acrescentar novas

cláusulas-corredores ao intrincado desenho da galeria de possibilidades constitucionais.

3. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COMO ESTRATÉGIA DE PODER

Já se mencionou a percepção de que o Texto de 1988, apesar dos muitos méritos, veio à luz

no que toca a determinados temas – máquina do Estado, sistema previdenciário, modelo econômico,

dentre outros – datado e tido como verdadeiro obstáculo às possibilidades de desenvolvimento do

país que se reencontrava com a normalidade democrática. Essa afirmação parece confirmada

quando se tem em conta o volume de emendas constitucionais editadas logo após a sua

promulgação e o malogro do processo de revisão em 199331.

29 O ano de 1993 se encerrou no Brasil com uma inflação acumulada de 2.780% (dois mil, setecentos e oitenta por cento) ao ano. Um patamar mínimo de estabilização econômica duradoura só se veio efetivamente a alcançar com o chamado Plano Cruzado, em 1994.30 É ainda de Couto a clarificação de que a viabilidade do encaminhamento conjuntural da política econômica através das Medidas Provisórias (que à época se podiam editar e reeditar sem maiores limites) “facilitava a tomada de decisões autônomas por parte no Executivo nessa matéria, reservando sua pauta parlamentar quase que unicamente para a tramitação dos projetos de emendas constitucionais” (Cláudio Gonçalves Couto, “A Longa Constituinte: Reforma do Estado e Fluidez Institucional no Brasil, in Dados, Rio de Janeiro, vol. 41, n.º 1, 1998, disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52581998000100002&lng=en&nrm=iso, acesso em 18 de novembro de 2011).31 “Ao longo de 14 anos de vigência da Constituição de 1988, 44 emendas constitucionais foram aprovadas, sendo 6 durante o já mencionado processo de revisão – as Emendas Constitucionais de Revisão – e outras 38 como Emendas Constitucionais comuns. Destas últimas, 34 foram aprovadas somente durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (entre os anos de 1995 e 2002) tendo sido, na sua maior parte, propostas do Poder Executivo recaindo majoritariamente sobre matérias que compunham uma agenda tipicamente governamental e não necessariamente constitucional, no sentido mais rigoroso que essa expressão possa conter” (Cláudio Gonçalves Couto e Rogério Bastos Arantes, Constituição ou políticas públicas? uma avaliação dos anos FHC, disponível em http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/344_constpolpub.pdf , acesso em 3 de fevereiro de 2012).

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Disso decorre que o processo político pós-constituinte passou a compreender, como um

significativo elemento de viabilização da agenda de governo, profundas intervenções no próprio

texto constitucional, buscando a criação de condições institucionais mais adequadas para o

desenvolvimento da politics, especialmente no campo econômico. O processo de governo passa a

envolver portanto uma hierarquia decisória mais qualificada, aumentando o custo de tomada de

decisão, que estará a reclamar muitas vezes a formação de coalizões que viabilizem a reforma

constitucional: “a Constituição criou um modus operandi de produção normativa que vincula os

interesses conjunturais, do governo e dos policy advocates, ao marco constitucional”32.

Essa realidade do cenário político brasileiro – que conduz a que em 2012, com 23 anos de

vigência e com 68 emendas já aprovadas, se tenha o espantoso índice de 2,95 emendas

constitucionais por ano – transformou o processo de reforma constitucional em parte integrante do

processo político ordinário, o que permite, de outro lado, duas curiosas constatações.

A primeira delas, já de há tempos enunciada por Barroso33, é a afirmação de que por mais

paradoxal que pareça, esse expressivo número de emendas está a revelar uma preocupação nova,

qual seja, a de que o simples descumprimento da Constituição não se apresente mais como

alternativa politicamente aceitável. O labirinto é real – mas puramente demolir suas paredes não é a

solução.

De outro lado, esse curioso modo de viver a Constituição – onde o reconhecimento da sua

importância não impede a sua constante alteração – vem permitir uma prática de inversão no

processo político, com remessa para o texto constitucional de políticas públicas como estratégia,

impondo às forças majoritárias supervenientes um conjunto de constrições que, ou perpetuam o

projeto político daquele que sai, ou exigem por sua vez um alto investimento de capital político para

a sua modificação.

O tema das políticas públicas (policy) insere-se no campo daquilo que é tratado no jogo

cratológico ordinário, fruto das composições de perde e ganha que se empreendem no exercício

democrático. Fixação de policy portanto se relaciona às preferências dos grupos ocasionalmente

majoritários que, na concretização de seus próprios projetos de governo, desempenham o papel

impositivo que é próprio daquele que esteja no poder. Não se trata todavia de atividade desprovida

de qualquer contenção, na medida em que a normatividade constitucional, buscando prevenir a

tirania da maioria, estabelece cláusulas de bloqueio a esse mesmo risco pela estipulação de regras

de decisão e ainda de limites às possibilidades no que toca àqueles temas que estariam submetidos à

32 Cláudio Gonçalves Couto e Rogério Bastos Arantes, “Constituição, governo e democracia no Brasil”, in Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, vol. 21, n.º 61, 2006, disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092006000200003&lng=en&nrm=iso, acesso em 3 de fevereiro de 2012.33 Luis Roberto Barroso, “Dez anos de Constituição de 1988 (Foi bom para você também?)”, in Margarida Maria Lacombe Camargo (org.), 1988-1998: Uma Década de Constituição, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 72.

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deliberação política ordinária34. Assim, se a Constituição estatui – como a brasileira o faz – que o

ensino será ministrado com base no princípio do pluralismo de ideias (art.º 206.º, III, CRFB),

exclui-se esse mesmo parâmetro do espectro de possibilidades de deliberação das maiorias.

Disso decorre que um dos meios de preservação de uma policy por parte de um segmento

que esteja ocupando as posições de mando, é empreender a majoração do custo político de

reconsideração dessa mesma policy – elevando ao status constitucional aquela que lhe interesse ou

que tenha implementado em seu turno. Essa estratégia determina sérias constrições políticas na

reformulação do decidido hoje em relação às correntes que se venham mostrar majoritárias no

futuro – que podem se ver na contingência de atacar uma decisão que, com ou sem propriedade, se

viu transferida para o texto constitucional.

Os exemplos dessa estratégia de constrição política de maiorias futuras são muitos e vão

desde o extenso elenco de reformulações políticas públicas no campo econômico (diminuição das

restrições originariamente impostas ao capital estrangeiro – EC nº 6/95; flexibilização dos

monopólios estatais – EC’s n.ºs. 5, 8 e 9/95), passando ainda pela Reforma do Estado (EC n.º

19/95), até alcançar medidas mais detalhadas como a instituição de vinculações orçamentárias

obrigatórias em favor da saúde (EC n.º 29/00) e da educação (EC n.º 14/96, posteriormente

substituída pela EC n.º 53/06)35.

Sem a característica específica de expressar uma política pública – ao menos não no sentido

de um programa de agir estatal minimamente desenhado a partir de uma diagnose de problemas e da

exploração de soluções possíveis – mas evidentemente beneficiária de um contexto de

reconhecimento de prioridade no planejamento do Estado em favor dos direitos fundamentais

expressos na Carta de Outubro, tem-se a curiosa inclusão no texto do art. 6.º CRFB dos direitos

fundamentais à moradia (EC n.º 26/00) e à alimentação (EC n.º 64/10). Diz-se curiosa, porque sem

qualquer cogitação para com temas como os da universalidade e indivisibilidade – características

associadas ao caráter jusfundamental dos direitos –, o que pode determinar, no campo dessas

específicas prestações, questionamentos de toda ordem que comprometam uma pretensão de

máxima efetividade36.

34 Cláudio Gonçalves Couto, “O avesso do avesso: conjuntura e estrutura na recente agenda política brasileira”, in São Paulo Perspec., 2001, vol. 15, n.º 4, p. 36.35 Esta última hipótese – criação de Fundo Orçamentário Especial destinado ao financiamento dos gastos com educação fundamental – tem ainda como traço curioso a circunstância de que envolve o emendamento, e por duas vezes, de preceito que originalmente se incluía no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. 36 Importante registrar que, nos grandes centros urbanos, também o tema da moradia já se judicializou de forma intensa, vulgarizando-se as demandas que reclamam do Poder Público, seja a outorga de uma unidade habitacional em si, seja a de prestações pecuniárias supostamente orientadas ao financiamento da habitação. As situações de fato onde se reclama esse suposto direito subjetivo à tutela pelo Estado ao direito fundamental à moradia compreendem as mais diversas hipóteses, indo desde a perda da moradia por força de atuação do próprio Estado (por força, por exemplo, de grandes intervenções urbanas, como vem acontecendo no Município do Rio de Janeiro, futura sede da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016), passando por remoções determinadas por condições naturais (áreas de risco ou de enchentes), até alcançar aquelas hipóteses de desalijo decorrentes do regular exercício do poder de polícia edilício ou

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Fato é que as políticas públicas alcançaram o texto constitucional – e, por essa razão, tem-se

afirmado e oferecido jurisdição a partir dessa perspectiva: a compreensão da existência de

verdadeiros direitos subjetivos em face do Estado. Acrescente-se que muitas vezes, à falta de uma

indicação explícita de quem seja o destinatário da correspondente obrigação, afirma-se a existência

de uma obrigação solidária entre os entes federados, o que agrava a situação de obscurecimento das

esferas de responsabilidade e a subversão dos programas de ação de cada ente público.

Completa o quadro decorrente dessa estratégia política de constitucionalização de escolhas

públicas a circunstância, destacada por Sampaio37, de que, sem prejuízo do fenômeno que denomina

“má vontade de constituição” – em que as elites culturais afirmam uma espécie de culpa

constitucional pelo atraso e pela persistência de mazelas sociais38 –, a operação de desvalia que

(ainda) se promove em relação àquele documento não foi capaz de desfazer a “mania

constitucional” que tomou conta do linguajar brasileiro.

Esse ambiente de prestígio do texto constitucional combina-se com uma abertura à

organização da sociedade, que pode expressar-se nos seus multifacetados grupos de interesse, e com

a já referida significativa estrutura institucional voltada ao exercício da jurisdição constitucional e

da efetivação de direitos em favor da sociedade, que compreende o Ministério Público39 e a

Defensoria Pública, nos âmbitos federal e estadual, ambos dotados de autonomia institucional e

financeira. O resultado é o elevadíssimo grau de judicialização da política. Aqui Ícaro, provocado

pelos efeitos aprisionantes do labirinto de Dédalo, passa a figurar como o repositório das esperanças

de liberdade.

Por último – mas não menos importante –, é de se reafirmar que as manifestações do

judicial review no território nacional não se limitam à oferta dos mecanismos de controle abstrato

de constitucionalidade que, na clássica lição de Bickel40, expressariam uma alternativa de

manifestação contramajoritária41. É certo que o controle de constitucionalidade pela via da ação

ambiental.37 José Adércio Leite Sampaio, “Teoria e prática do poder constituinte: como legitimar ou desconstruir 1988 – 15 anos depois”, in 15 Anos de Constituição, Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 62.38 José Adércio Leite Sampaio, “Teoria e prática do poder constituinte”, cit., p. 62.39 Analisando especificamente o envolvimento do Ministério Público com a judicialização da política, consulte-se Ernani Carvalho e Natália Leitão, “O novo desenho institucional do Ministério Público e o processo de judicialização da política”, in Rev. Direito GV, São Paulo, vol. 6, n.º 2, 2010, disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-24322010000200003&lang=pt, acesso em 10 de fevereiro de 2012.40 Alexander Bickel, The Least Dangerous Branch. The Supreme Court at the Bar of Politics, 2.ª ed., New Haven e London: Yale University Press, 1986.41 A referência aqui ao caráter contramajoritário das Cortes Constitucionais se faz em atenção a uma ainda amplamente aceita concepção teórica segundo a qual esse seria o fundamento de legitimidade da intervenção judicial nas escolhas políticas – sem que se esteja a desconhecer que não se encontra ainda pacificada a idéia central, seja no que toca às virtudes em si desse tipo de atuação revisora das deliberações políticas, seja em relação à real ocorrência desse tipo de fenômeno. Sintetizando o debate quanto à legitimidade da jurisdição constitucional e sua relação com o contramajoritarianismo, consulte-se o debate acadêmico travado entre Jeremy Waldron, “The Core of the Case against Judicial Review”, in Yale Law Journal, vol. 115, 2006, pp. 1396-1406, e Richard H Fallon, “The Core of Uneasy Case for Judicial Review”, in Harvard Law Review, vol. 121. n.º 7, 2008, pp. 1693-1736. De outro lado, informando que as

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direta tem ainda importante presença no cenário político brasileiro42. Mas é no campo do controle

difuso, particularmente aquele que reclama omissões constitucionais do Estado, que se terá o

terreno mais propício à judicialização da política – aqui não a partidário-deliberativa, mas aquela

que expressa os planos de agir do Estado em cada uma das áreas que contemplam, direta ou

indiretamente, um direito fundamental. Significa dizer que judicializa-se a irresignação do cidadão

para com a não oferta ou a entrega deficiente de prestações que julga a si devidas – e o magistrado

delibera quanto a essa indigitada omissão ou deficiência na ação e, a partir disso, redireciona

políticas públicas43, não só junto à Corte Constitucional44 (como se dá em boa parte da experiência

internacional), mas também e especialmente no âmbito da justiça de primeiro grau, onde a

proximidade com o jurisdicionado determina uma ótica da microjustiça.

Examine-se, a título de ilustração da abrangência da judicialização das políticas públicas, o

direito à saúde. Nessa seara, o art. 196.º CRFB cuidou de enunciar um direito fundamental à saúde,

reforçado pela previsão, em seu próprio texto, de uma estrutura institucional denominada Sistema

Único de Saúde (SUS), que congregaria União, Estado e Municípios45 no planejamento das ações e

na execução das prestações na área ofertadas pelo Estado lato sensu. Essa previsão originária foi

ainda objeto da Emenda Constitucional nº 29/00 que, em nome de assegurar efetividade ao SUS –

cujas prestações são inteiramente gratuitas, sem que se tenha qualquer seletividade na indicação de

relações entre Judiciário e Legislativo efetivamente se dão nesse espírito de substituição de deliberações recíprocas, consulte-se Mark A. Graber, “The nonmajoritarian difficulty: legislative deference to the Judiciary”, in Studies in American Political Development, n.º 7, 1993, pp. 35-73; e mais recentemente, The Countermajoritarian Difficulty: From Courts to Congress to Constitutional Order, disponível em http://works.bepress.com/mark_graber/38/, acesso em 4 de fevereiro de 2012. 42 A consulta à página de estatísticas do Supremo Tribunal Federal brasileiro (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=pesquisaClasse) evidencia firme patamar de mais de 200 ADI’s oferecidas por ano, já há mais de uma década.43 Exemplo curioso e emblemático de decisões revisivas das escolhas públicas em relação a temas que se podem igualmente albergar sob a reserva da Administração é a trazida a lume pelo Min. Luiz Fux, à época integrante ainda do Superior Tribunal de Justiça. Afirmando a inadequação do serviço de coleta de lixo prestado pelo Município de Cambuquira, Minas Gerais, refixa o número de dias em que essa atividade deveria se verificar, aumentando a intensidade da coleta (Recurso Especial n.º 575.998/MG, Relator Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 07/10/2004, DJ 16/11/2004, p. 191)44 No campo da reformulação possível, pelo Judiciário, da escala de aplicação de recursos públicos, está pendente perante o STF um recurso extraordinário revestido de repercussão geral (e portanto apto a determinar decisão com efeitos vinculantes) onde se examina a possibilidade de esse mesmo poder judicante determinar, em nome da integridade física e moral dos presos, a realização de obras em presídios (Recurso Extraordinário n.º 592581 RG, Relator Min. Ricardo Lewandowski).45 Art. 198.º: “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;III - participação da comunidade.§ 1.º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195.º, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes”. (Parágrafo único renumerado como § 1.º pela Emenda Constitucional n.º 29, de 2000).

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seus destinatários – constitucionalizou um complexo modelo de vinculação de receitas públicas de

cada uma das entidades federadas àquela mesma função estatal46.

Desfuncionalidades na implementação inicial do SUS47 – com a consequente deficiência na

oferta de serviços públicos de saúde que se pretendia fossem prestados em regime de universalidade

– deflagraram um movimento de aforamento de demandas judiciais movidas por sujeitos

individuais, em busca de remédios, exames, internações, intervenções cirúrgicas e outras prestações

relacionadas à preservação da saúde.

A afirmação judicial de um direito subjetivo a esse tipo de outorga estatal, em nome da

preservação da dignidade da pessoa humana48, determinou uma onda de litigiosidade de tal ordem

que culminou com a realização, perante o próprio Supremo Tribunal Federal, de uma audiência

pública orientada especialmente ao esclarecimento de temas associados a esse contencioso49. Isso

porque, a par das questões atinentes a financiamento e repartição de competências entre os entes

federados, a judicialização da saúde tematizava questões como o uso de medicamentos ou

procedimentos experimentais; a vinculação, por decisão judicial, do órgão público à oferta do exato

medicamento pretendido, quando se poderia cogitar de outro substitutivo; o dever de fornecimento

de prestações que não se relacionavam diretamente à tutela à vida, mas sim ao bem-estar, etc..

Evidência ainda da importância, sob o prisma numérico, do contencioso em torno da saúde é

a criação pelo Conselho Nacional de Justiça, através da Resolução n.º 107, de 6 de abril de 2010, de

um Fórum Nacional do Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência

envolvendo aquele direito fundamental social50.

46 A opção da Emenda Constitucional n.º 29/2000 não é infensa a críticas, especialmente à conta de uma desproporção entre a participação da União – menor – e a dos Estados e Municípios, que se configuram como os principais executores das políticas de saúde e, portanto, como os que precisam de mais financiamento.47 A opção constitucional pela descentralização, embora justificável do ponto de vista técnico, encontrou na heterogeneidade dos Municípios de todo o país – mais de 5.000 – um grande obstáculo, porque a assunção da execução em si dos serviços de atendimento à saúde, ainda que básicos, exigia instalações, pessoal e financiamento que não se tinha, muitas vezes, disponível.48 Importante ter em conta que a consagração de um direito social à saúde, ou qualquer outro da chamada dimensão dos direitos sociais – opção que se identifica em outros modelos constitucionais no mundo – não determinou inexoravelmente a afirmação da existência de um direito subjetivo, diretamente sindicável em sede judicial (Eric C. Christiansen, “Using constitutional adjudication to remedy socio-economic injustice: comparative lessons from South Africa”, in 13 UCLA J. Int’L & For. Aff., 2008, pp. 369-405, examinando a experiência sul africana, elenca na nota de rodapé nº 6 um expressivo conjunto de manifestações ainda contrárias à tese da justiciabilidade dos direitos sócio-econômicos).49 A memória documental da referida audiência pública – atos convocatórios, intervenções dos especialistas presentes, memoriais, etc. – encontra-se disponível na íntegra no sítio do Supremo Tribunal Federal: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaSaude. Examinando o perfil da abertura dialógica que a referida audiência efetivamente teria proporcionado, consulte-se Igor Ajouz e Vanice Regina Lírio do Vale, “A concretização do direito fundamental à saúde: passos orientados pela audiência pública nº 4 no Supremo Tribunal Federal, in Felipe Dutra e Roseni Pinheiro (orgs.), Direito Sanitário, Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, pp. 597-614.50 Entre as competências desse Fórum está a proposição de medidas concretas e normativas voltadas à otimização de rotinas processuais, à organização e estruturação de unidades judiciárias especializadas, e ainda a proposição de medidas concretas e normativas voltadas à prevenção de conflitos judiciais e à definição de estratégias nas questões de direito sanitário (Resolução n.º 107 de 6 de abril de 2010, art. 2.º, III e IV).

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As evidências apontam que Ícaro – um Ícaro de muitos braços, que compreende a extensa

estrutura do Judiciário brasileiro –, imbuído da missão de alcançar a saída do labirinto da

inefetividade constitucional, construiu suas próprias asas, vastas, com a qual pretendeu alcançar voo

alto, afastando-se da prisão dos múltiplos desafios constitucionais que conduziam a becos sem

saída.

O fenômeno em si da exponenciação dos conflitos judicializados reclamando prestações de

toda ordem, relacionadas, ao menos sob o prisma da justificativa, com a tutela direta ou indireta a

direitos fundamentais, não pode considerar-se suficientemente examinado para permitir afirmar que

é consequência de uma reiterada omissão estatal, ou de uma desestima pelos compromissos

finalísticos que a Constituição traçou para o poder político organizado. Afinal, o reclamo judicial

por uma prestação permite tão-somente presumir que quem demanda não dispõe do que pede51. O

que importa é saber se esse não dispor decorre de omissão estatal, de ação existente mas defeituosa,

ou antes de uma escolha legítima que não priorize o atendimento daquele tipo específico de

necessidade em favor daquele segmento de pessoas – e que, portanto, não deva desafiar revisão

judicial. Essa reflexão, todavia, não detém o Judiciário-Ícaro, a essa altura encantado com o brilho

solar da centralidade da pessoa, potencializado pelo afastamento das primeiras “barreiras” do

labirinto constitucional, que entrecruza dimensão objetiva de direitos fundamentais com equilíbrio

entre poderes e outros vetores de limitação.

É verdade que o discurso de que o Estado-Leviatã (na alegoria aqui aplicada, o Minotauro) é

insensível para com seus deveres de proteção à dignidade da pessoa é sempre mais fácil – e evita o

enfrentamento de questões tormentosas sobre a formulação de escolhas trágicas por uma sociedade

que não dispõe de recursos (financeiros, humanos, naturais, de toda ordem) infinitos para atender à

pluralidade de necessidades decorrentes da condição humana52. Nesse sentido, ainda mais

justificada a pretensão do Judiciário-Ícaro de afastamento do monstro-Minotouro que se

conformava pacificamente com o labirinto.

4. OS EXCESSOS NA BUSCA DA MÁXIMA EFETIVIDADE: O DISCURSO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SE

VOLTANDO CONTRA OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

51 Diz-se aqui presumir, porque no campo da judicialização do direito à saúde, por exemplo, são conhecidas as ocorrências em que – dado o caráter único do sistema – uma mesma prestação ou medicamento são reclamados da União, do Estado e do Município e por vezes oferecidos igualmente pelos três, sem que se identifique a redundância de pedidos.52 Guido Calabresi e Philip Bobbitt, Tragic choices. The conflicts society confronts in the allocation of tragically scarce resources, New York-London: W. W. Norton & Company, 1978.

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O contexto histórico de enunciação da Carta de 1988 evidencia um encantamento com o

caráter transformador do compromisso com os direitos fundamentais e uma aposta na aptidão do

Poder Judiciário para figurar como garantidor desse projeto. Essa mesma crença se põe hoje à

prova, com uma crescente transferência ao Judiciário das expectativas de concretização do ideário

de transformação social que se continha e contém no elenco de direitos fundamentais (sempre

crescente) contemplados no Texto de Base. Esse é o ponto da trajetória de Ícaro em que o

paradigma solar da dignidade da pessoa humana expõe seus próprios desafios à integridade do voo.

Independentemente do debate em torno da legitimidade do judicial review e do seu

desprestígio para com a instância formal de deliberação coletiva, é preciso avaliar com olhar crítico

se é real a suposta aptidão transformadora da judicialização das políticas públicas.

Num primeiro momento, sempre pesará contra as asas de Ícaro a advertência de Goyard-

Fabre53 a respeito dos riscos de uma excessiva rede estatal de proteção vis-à-vis da autonomia da

vontade: “o fato de o ser humano declinar de sua responsabilidade pessoal em proveito de uma

responsabilidade dita coletiva gera a irresponsabilidade”. Significa dizer que o esforço de uma

liberdade emancipadora pode, ao revés, determinar uma demissão da capacidade individual de

intervir e aperfeiçoar o processo de conquista e preservação de sua própria liberdade.

Outra manifestação – nefasta – dessa mesma preocupação quanto à abdicação da

responsabilidade pessoal envolve o descolamento entre a situação de vulnerabilidade expressa pelo

litigante, que postula proteção a direito fundamental, e o seu próprio comportamento. Assim – ao

menos essa é a realidade que se vem revelando no contencioso brasileiro – a prática de ilícitos

(invasão de propriedade, violação às normas edilícias, etc.) não ilide a possibilidade da evocação,

por exemplo, de um direito fundamental à moradia, compreensão que retroalimenta o

comportamento anti-social.

Independentemente dessa questão prévia atinente à necessária harmonização entre

jusfundamentalidade de direitos e autonomia, a compreensão de que o elenco de direitos

fundamentais determina, em favor de cada cidadão brasileiro, direitos subjetivos suscetíveis de

efetivação judicial está na raiz da ampliação do papel do Judiciário na composição desses conflitos.

De outro lado, esse mesmo entendimento deslocou o debate para a esfera das reivindicações

individuais54. Assim, a esmagadora maioria das demandas envolve a solução de casos singulares –

53 Simone Goyard-Fabre, Os princípios filosóficos do direito político moderno, tradução de Irene A. Paternot, São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 337.54Não se pode desconsiderar uma inconfessada preferência da classe jurídica como um todo pela via do conflito individual para a reivindicação de direitos fundamentais – mesmo os de segunda dimensão. Isso porque, a par da solução se afigurar mais simples quando aquilo que se busca é uma prestação individual (não há considerações, por exemplo, quanto ao impacto financeiro e à viabilidade prática ou técnica do decidido), a própria formação dos profissionais do direito ainda se orienta principalmente ao enfrentamento dos conflitos individuais – apesar da presença de longa data no direito brasileiro de vias de ação específicas destinadas à tutela de interesse coletivos, como por exemplo, a ação civil pública (Lei n.º 7.347 de 24 de julho de 1985).

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que, por isso mesmo, tendem a não se revelar significativos no seu potencial de promover,

efetivamente, as desejadas transformações sociais.

Ainda assim, ao Judiciário em especial, a conduta soa sedutora, posto que lhe confere um

papel de último guardião das promessas constitucionais. O brilho do sol é irresistível para Ícaro que,

firme na presunção de segurança das suas asas recém experimentadas, segue voando em direção ao

astro-rei. Os riscos, todavia, dessa afirmação do caráter salvífico do Judiciário estão apontados por

Garapon55 – em especial, aquele atinente à tentação populista: “o activismo jurisdicional, nos

sistemas burocráticos, revelou um novo risco, o de uma desagregação da justiça. A magistratura

acaba por assemelhar-se não tanto a um poder instituído, mas antes a uma soma de

individualidades”.

Na experiência brasileira, a pulverização das demandas – e a superposição de competências

no exercício do controle de constitucionalidade difuso – culmina por oportunizar um espaço ao

voluntarismo no que toca ao real papel do Judiciário no controle de políticas públicas e à dosimetria

do conteúdo e da intensidade dos deveres estatais diretos em matéria de efetividade de direitos

fundamentais.

A conjugação de fatores – abertura interpretativa, judicialização das escolhas políticas e

afirmação de um amplo espectro de controle por parte do Judiciário – culmina por determinar uma

nova seletividade: aquela que depende não mais do critério legislativo formal insculpido no sistema

jurídico, mas sim de uma percepção individual de um julgador que não se sente mais preso aos

critérios afirmados restritivos de uma racionalidade formal, que “ignora a centralidade da pessoa”.

A evocação portanto é a uma “racionalidade material”, construída no processo interno de

compreensão de cada juiz, que permite superar quaisquer argumentos que se oponham àquilo que se

acredita seja a concretização de direitos fundamentais.

Duas são as objeções a fazer a essa verdadeira opção estratégica institucional de um

Judiciário que se viu convidado ao centro do debate em torno dos deveres estatais para com a

garantia da idéia-força de centralidade da pessoa.

Primeiro, a desagregação da justiça, denunciada por Garapon, determina – seduzida pela

tentação populista – o tratamento dos direitos fundamentais sociais a partir de uma perspectiva que

dá preferência ao conflito individual e com isso cria um critério de seletividade que a própria teoria

dos direitos fundamentais não contempla, especialmente quando se cuida daqueles de segunda

dimensão56. O exemplo mais veemente na realidade brasileira compreende o próprio direito à saúde

55 Antoine Garapon, O guardador de promessas. Justiça e democracia, com prefácio de Paul Ricoeur, trad. Francisco Aragão, Lisboa: Instituto Piaget, pp. 64-65.56 Vanice Regina Lírio do Vale, “Direitos sociais e jurisdição: riscos do viver jurisdicional de um modelo teórico inacabado”, in Renata Braga Klevenhusen (org.). Direito público & evolução social, 2ª série, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pp. 309-328.

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– que, assegurado no texto constitucional, como já se teve oportunidade de afirmar, sob o signo da

universalidade, culmina por ser tutelado tão-somente em favor daqueles que têm acesso ao

Judiciário, observada a boa sorte do jurisdicionado de direcionar sua demanda a um agente de

decisão que entenda compreenderem-se no conteúdo daquele direito, por exemplo, as medidas

relacionadas a fenômenos ordinários da vida que a tecnologia ou a pressão social tenham

medicalizado.

Outro risco desse padrão de comportamento – que defere ao judiciário a ampla liberdade de,

no contexto da judicialização da política, “corrigir” as escolhas administrativas que se apontem

como imperfeitas, é o da eclosão de uma prática de racionalidade jurídica conjuntural, que resulta

numa redistribuição de bens da vida – pela via da decisão judicial – desprovida de transparência e

imparcialidade57. Nesse sentido, aprofunda-se o risco democrático da excessiva judicialização da

política – não porque os formuladores das escolhas não sejam eleitos, como no argumento

corriqueiro de oposição à correção judicial do agir do poder, mas porque as opções feitas por esses

mesmos agentes controladores não se revestem da visibilidade que é própria de um entendimento de

democracia que a identifica com o poder em público58. Apesar do apelo do recurso argumentativo

da proteção à dignidade da pessoa, a evocação tão-somente desse mantra para fins de outorga de

prestações individuais não assegura um nível mínimo de uniformidade nas pautas hermenêuticas do

Judiciário, o que pode conduzir, na advertência de Faria59, a uma esquizofrenia jurídica travestida de

“direito livre”.

É aqui que se verifica a fragilidade das asas de Ícaro – que não resistem às provocações

determinadas pela real aproximação à idéia de centralidade da pessoa como vetor principal de

atuação também (e não tão-somente) do Estado. A cera de suporte da autonomia institucional do

Judiciário-Ícaro, base para sua atuação no campo da tutela dos direitos fundamentais, revela-se

insuficiente para sustentar um propósito de concretização de um projeto de Estado Social. As asas

se fragilizam, e o voo de Ícaro se vê comprometido.

Caminhando para a conclusão, cumpre retomar a afirmação feita no início destas

considerações, no sentido de que a Constituição de 1988 se apresentava – muito embora, à época,

disso não cogitasse a comunidade acadêmica – como verdadeira manifestação de

constitucionalismo de transição. A proposta, mais do que de viabilizar a transição política, era de

construir o caminho para a reversão de um quadro perverso em que, ainda que não se tivesse

experimentado a barbárie do apartheid ou do genocídio, tinha à sua frente a tarefa de resgate de um 57 Celso Fernandes Campilongo, “Os desafios do Judiciário: um enquadramento teórico”, in José Eduardo Faria (org.), Direitos humanos, direitos sociais e justiça, 1ª ed., 4ª tiragem, São Paulo: Malheiros Editores, 2003, pp. 47-48.58 Norberto Bobbio, Teoria geral da política. A filosofia política e as lições dos clássicos, org. por Michelangelo Bovero, trad. de Daniela Beccaccia Versiani. 9ª reimp., Rio de Janeiro: Elsevier, 2000, p. 386.59 José Eduardo Faria, “As transformações do judiciário em face de suas responsabilidades sociais”, in Direitos humanos, direitos sociais e justiça, 1.ª ed., 4.ª tiragem, São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 66.

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expressivo débito social para com os excluídos. Transição, todavia, é na sua essência processo,

realidade que se desenvolve por agregação de seus vários elementos até o alcance do resultado final.

À época da redação da Carta de 1988, a pauta de direitos fundamentais que ali se inscrevera,

destinava-se a ser desenvolvida no bojo do jogo político ordinário – e nesse sentido,

constitucionalização de policies e judicialização de políticas públicas apresentam-se como

patologias do processo. Assim, transformar aquilo que à época se afigurava como o recurso último

para o impasse de implementação da Constituição Cidadã no modo ordinário de sua aplicação é

também, em alguma medida, a subversão do projeto de redemocratização do país.

A busca pela liberdade materializada por Ícaro – persistindo na alegoria – não se afigura

portanto como a solução para o caráter intrincado do labirinto. Não bastará à libertação dos

encerrados nos corredores sombrios da exclusão o voo de Ícaro em direção ao sol – é preciso que

todos alcancem essa mesma liberdade.

Conhecer o contexto sob a perspectiva histórica e também a dinâmica do jogo político ainda

hoje praticado no cenário brasileiro reforça o compromisso para com esse projeto de transformação

social. Mas não pode lançar as instituições de controle numa estratégia, quando menos naive, de

promover a transformação por intermédio de decisões pontuais, prestigiando o voluntarismo em

detrimento da ação consistente e planejada que favoreça a implementação gradual de um daqueles

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a saber, a construção de uma sociedade

livre, justa e solidária (art. 3.º, I, CRFB).

A sinalização constitucional em favor dos direitos fundamentais – especialmente dos sociais

– não pode ver esvaziada a sua importância enquanto conquista coletiva, apesar das grandes

dificuldades na sua efetivação nessa mesma perspectiva grupal. A solução, todavia, não estará numa

seletividade opaca, que privilegia, no suposto da estar buscando assegurar a igualdade material.

Assim, para a resposta à pergunta sobre até onde nos podem levar as asas de Ícaro, é de ter em conta

que seu voo revelar-se-á tanto mais útil quanto mais ele contribua para a revelação dos caminhos

possíveis de saída do labirinto – e não para um percurso solitário em direção a riscos que até mesmo

o nobre destino da centralidade da pessoa revela.

A efetiva concretização dos direitos fundamentais – entendidos nas suas múltiplas

dimensões e enquanto projeto coletivo – exige a busca de critérios conhecidos e democraticamente

construídos de superação de um quadro de desigualdade social que não é desejado pela

Constituição. Não seja o Texto Fundamental, principal pilar da isonomia, o pretexto para a

consagração – em seu nome – da prática judicial da desigualdade.

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