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1 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE E A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO SISTEMA DE FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO: ESTUDO SOBRE A POSSIBILIDADE DE RACIONALIZAÇÃO DE RECURSOS MATERIAIS E INSTITUCIONAIS NO PLANEJAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS BARBOSA, Agnaldo de Sousa 1 NAKAMURA, Fernanda de Castro 2 Eixo Temático: Desenvolvimento e Políticas Públicas. RESUMO Este trabalho apresenta os resultados parciais obtidos com a pesquisa de mestrado, que tem como objetivo primordial analisar a dinâmica da judicialização da saúde através da atuação do Ministério Público do Estado de São Paulo na esfera da política pública de fornecimento gratuito de medicamentos. Para tanto, realizou-se um levantamento bibliográfico que buscou construir a argumentação teórica fundamental acerca da expansão dessa instituição na judicialização da saúde, assim como levou-se a cabo a investigação dos pedidos realizados nas ações civis públicas visando o fornecimento de medicamentos nos anos de 2010 e 2011 na região de Ribeirão Preto. Como resultado, infere-se que a atuação do Ministério Público em benefício de um grupo de pessoas pode representar uma solução à judicialização excessiva do direito à saúde, da mesma forma em que deixa à mostra as peculiaridades da região, com relação ao perfil epidemiológico e medicamentos mais solicitados. Palavras-Chave: saúde, medicamentos, judicialização, Ministério Público, mudança social. ABSTRACT This work presents the partial results obtained from the master´s research Project, which has as main objective the analysis of the judicialisation of health dynamic through the performance of the São Paulo State Prosecutor´s Office in the sphere of public policy of free 1 Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - UNESP, Campus de Franca. Professor Doutor, Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas. e-mail: [email protected]. 2 Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - UNESP, Campus de Franca. Mestranda no Programa de Pós- Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas. e-mail: [email protected].

A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE E A ATUAÇÃO DO … · Além da atuação do Poder Judiciário na seara das políticas públicas, ... BRASILEIRO Sobretudo a partir ... impacto observado

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A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE E A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO

SISTEMA DE FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS NA REGIÃO

DE RIBEIRÃO PRETO: ESTUDO SOBRE A POSSIBILIDADE DE

RACIONALIZAÇÃO DE RECURSOS MATERIAIS E INSTITUCIONAIS NO

PLANEJAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

BARBOSA, Agnaldo de Sousa1

NAKAMURA, Fernanda de Castro2

Eixo Temático: Desenvolvimento e Políticas Públicas.

RESUMO

Este trabalho apresenta os resultados parciais obtidos com a pesquisa de mestrado, que tem

como objetivo primordial analisar a dinâmica da judicialização da saúde através da atuação do

Ministério Público do Estado de São Paulo na esfera da política pública de fornecimento

gratuito de medicamentos. Para tanto, realizou-se um levantamento bibliográfico que buscou

construir a argumentação teórica fundamental acerca da expansão dessa instituição na

judicialização da saúde, assim como levou-se a cabo a investigação dos pedidos realizados

nas ações civis públicas visando o fornecimento de medicamentos nos anos de 2010 e 2011 na

região de Ribeirão Preto. Como resultado, infere-se que a atuação do Ministério Público em

benefício de um grupo de pessoas pode representar uma solução à judicialização excessiva do

direito à saúde, da mesma forma em que deixa à mostra as peculiaridades da região, com

relação ao perfil epidemiológico e medicamentos mais solicitados.

Palavras-Chave: saúde, medicamentos, judicialização, Ministério Público, mudança social.

ABSTRACT

This work presents the partial results obtained from the master´s research Project, which has

as main objective the analysis of the judicialisation of health dynamic through the

performance of the São Paulo State Prosecutor´s Office in the sphere of public policy of free 1 Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - UNESP, Campus de Franca. Professor Doutor, Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas. e-mail: [email protected]. 2 Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - UNESP, Campus de Franca. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas. e-mail: [email protected].

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supply medicines. Therefore, it was performed a bibliographic search that sought to build the

the fundamental theoretical argument about the expansion of the Institution in the

judicialisation of health, as well as, it was provided the investigation of the civil public

actions´ claims aiming the medicines´ supply in 2010 and 2011 in the region of Ribeirão

Preto. As a result, it was found that the perfomance of the Prosecutor´s Office for the benefit

of a group of people can represent a solution for the excessive judicialisation of health, in the

same way that shows peculiarities of this region, with regard to the epidemiological profile

and most requested drugs.

Key-words: health, medicines, judicialisation, Public Prosecution, social change.

1. INTRODUÇÃO

A assistência farmacêutica é uma das vertentes essenciais do Sistema Único de Saúde

(SUS), correlata do direito à saúde, necessária para a manutenção da vida digna do ser

humano conforme estabelecido pelo texto constitucional. Nesse âmbito, em 1998 foi

instituída a Política Nacional de Medicamentos, que tem como finalidade precípua a melhoria

das condições de assistência à saúde da população, com a garantia da segurança, eficácia e

qualidade dos medicamentos, bem como, a promoção do seu uso racional e acesso da

população àqueles considerados essenciais (BRASIL, 2001, p.9).

Entretanto, a dificuldade de implementação dessa política – dado o caráter universal

do direito à saúde e a necessidade de reorientação e organização constante do SUS – suscitou,

com o passar dos anos, a proliferação de ações judiciais visando compelir os entes federativos

a entregarem medicamentos e a fornecerem insumos, em face da promessa constitucional de

que a saúde é direito de todos e dever do Estado.

Além da atuação do Poder Judiciário na seara das políticas públicas, verificou-se a

inserção de instituições como o Ministério Público (MP), que ingressou nesse âmbito com a

propositura de ações civis públicas visando o fornecimento de medicamentos – seja para um

único indivíduo ou para uma coletividade de pessoas. Em face de sua relevância social e

econômica, a propositura de ações coletivas pelo MP se tornou tema de Repercussão Geral no

Supremo Tribunal Federal (STF) nº262, encontrando-se, atualmente, pendente de julgamento.

Com base nessas considerações, o presente artigo tem como objetivo analisar a

dinâmica da judicialização da saúde por meio da atuação do MP do Estado de São Paulo na

região de Ribeirão Preto. A escolha da região deveu-se ao fato de deter uma promotoria ativa

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nos serviços de saúde pública e hospitais de excelência que atendem pessoas de várias

divisões administrativas.

Como recorte temporal, o estudo ateve-se à análise dos pedidos das ações civis

públicas propostas pelo MP nos anos de 2010 e 2011. Essa periodização leva em consideração

o tema nº 262 da Repercussão Geral que teve seu reconhecimento no dia 02 de abril de 2010.

A delimitação temporal permite uma análise mais acurada da atuação do MP tanto no ano da

Repercussão Geral como no seguinte, a fim de se aferir se o processo de judicialização

interfere na elaboração das listas de medicamentos pelo Governo Estadual e Federal.

Dessa forma, a vertente fundamental do presente estudo vincula-se à perspectiva de

apreensão dos efeitos da atuação do MP no sistema de fornecimento gratuito de

medicamentos, buscando estabelecer parâmetros que permitam vislumbrar a racionalização de

recursos materiais e institucionais em face da efetivação da política em âmbito estadual.

2. A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO CONTEXTO DEMOCRÁTICO

BRASILEIRO

Sobretudo a partir de 1988, o redimensionamento dos direitos sociais, dentre eles a

saúde, fez com que estes assumissem um caráter universal, devendo ser estendidos de forma

indiscriminada a todos os cidadãos brasileiros, passando a depender de programas instituídos

pelos entes federativos e de mecanismos de proteção à garantia e exercício desses direitos.

Nesta conjuntura, o Poder Judiciário é visto como um garantidor de direitos

fundamentais, ante a omissão ou ineficiência do Poder Público na implementação de políticas

públicas, sobretudo no caso da saúde. A essa inserção no campo político deu-se o nome de

judicialização, que, segundo Barroso (2012, p. 24), “significa que algumas questões de larga

repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não

pelas instâncias políticas tradicionais” – o Congresso Nacional e o Poder Executivo. A

ampliação e o surgimento dos direitos fundamentais na Constituição de 1988, em conjunto

com os mecanismos de proteção colocados à disposição do cidadão e instituições essenciais

ao funcionamento da Justiça, deram ensejo à intensificação do fenômeno em face do declínio

da capacidade do Poder Público em garantir efetivamente a implementação destes direitos.

Nesse cenário, uma das dimensões da judicialização que ganhou maior projeção no

contexto democrático refere-se ao fornecimento de medicamentos e tratamentos terapêuticos

pelo Poder Público, com fundamento no direito à saúde inscrito na Constituição Federal. O

fenômeno, sob esse prisma, é visto como um mecanismo de garantia de direitos, de se poder

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“cobrar” do Estado uma prestação que seja positiva no sentido de se promover e favorecer o

acesso a direitos de cunho universal.

Com efeito, de acordo com algumas interpretações, a inserção do Poder Judiciário na

esfera das políticas da saúde é vista como uma ingerência no âmbito de atuação do Legislativo

e Executivo, e não como um meio de se garantir um direito constitucionalmente previsto. A

esse respeito, tem-se o posicionamento de que a judicialização seria negativa por conta do

impacto observado na gestão e políticas de saúde (VENTURA et. al., 2010, p. 79), o que

aprofundaria as “iniquidades no acesso à saúde, privilegiando determinado segmento e

indivíduos, com maior poder de reivindicação” (RIBEIRO, 2014, p.79).

Sobre esse aspecto, o STF se posicionou no sentido de que a intervenção do Judiciário

só ocorre quando há uma omissão do Poder Público em cumprir as promessas constitucionais

– prover políticas públicas – ou, ainda, quando o faz de forma ineficiente, maculando o

sistema de saúde pública com serviços ineficazes e de baixa qualidade (BRASIL, 2011, pp.

44-45). Isso porque, o Judiciário é um poder inerte, ou seja, somente age quando é chamado a

verificar uma questão dentro dos padrões da legalidade, não podendo agir, portanto, de ofício.

A propositura de ações judiciais visando o fornecimento de medicamentos e

tratamentos terapêuticos pelo Poder Público deixa à mostra a ineficiência dos entes

federativos em implementar essa política, sendo muitas vezes o único meio que os cidadãos

detêm para a efetivação de seus direitos constitucionalmente garantidos – tornando-se

indispensável, por ser na maioria das vezes “a única solução contra a falta de formulação de

políticas efetivas com a insuficiência de recursos financeiros” (RIBEIRO, 2014, p. 18).

A judicialização ainda é um fenômeno que está longe de ser solucionado ou

contornado. O setor da assistência farmacêutica do SUS ainda padece de profundas falhas de

gestão e disponibilização de recursos orçamentários, dificultando a implementação da política

de forma que atenda pelo menos a maioria dos cidadãos, aliados à ausência de um estudo

epidemiológico em cada esfera federativa que demonstre quais são os medicamentos e

insumos que realmente atenderão uma determinada região. Esses fatores demandam a

intensificação da máquina judiciária em apreciar as questões afetas ao sistema de

fornecimento gratuito de medicamentos pelo Estado. Diante disso, surgem novos atores

investidos da incumbência de atender as demandas sociais por acesso à saúde e proteger o

sistema democrático por meio de ações coletivas mediante atuação proativa, como é o caso do

MP.

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3. A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE

No texto da Constituição Federal (art. 127) o MP foi denominado como função

essencial à justiça, tendo como incumbência a defesa da ordem jurídica, do regime

democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, devendo zelar pelos serviços

de relevância pública, promovendo os meios necessários à sua garantia, como é o caso das

ações e serviços de saúde, objeto do presente estudo.

O direito à saúde, enquanto direito da coletividade, pertence à categoria dos direitos

difusos ou coletivos, que são aqueles atingem um grupo de pessoas que detêm as mesmas

características e que consequentemente se utilizam do mesmo tipo de aparato de proteção

social. Nesse sentido, Asensi (2010, p. 63) explica que "para além dos direitos individuais,

existem direitos que dizem respeito à humanidade, ao grupo como um todo, a uma

coletividade".

Assim, para a proteção dos direitos sociais, dentre eles a saúde, a Constituição instituiu

diversos mecanismos e atores legitimados a agir em nome do cidadão, em caso de

inadimplência ou omissão do Poder Público na efetivação de programas da agenda política

que visem a concretização de promessas constitucionais. No âmbito da judicialização da

saúde, o MP surgiu como instituição defensora dos direitos sociais em benefício de um grupo

de pessoas, ganhando notoriedade com a Repercussão Geral nº262 do STF3.

Diferentemente do Poder Judiciário, que é inerte, o MP detém uma atuação proativa,

sendo dinâmico na garantia e efetivação de direitos, "haja vista não precisar ser provocado

para atuar em prol de sua concretização" (ASENSI, 2010, p. 64). Sobre a estrutura do MP e

de sua atuação como agente de transformação social, Ritt (2013, pp. 54-55) esclarece que:

O Ministério Público, portanto, recebe do Estado, através da Carta Magna de 1988, e por que não dizer, pela credibilidade social que conquistou, o reconhecimento como verdadeira instituição de controle do próprio Estado e verdadeiro promotor da transformação social. [...] Os membros do Ministério Público devem abandonar a praxe de sustentação do direito tradicional e sair de seus gabinetes com o fim de, em contato direto com a sociedade, conhecer suas carências e procurar efetivar seus direitos. [...].

Em complemento, Asensi (2010, p. 70) observa que a legitimidade formal –

decorrente do ordenamento jurídico – dos membros do MP advém da Constituição, por meio

de um critério de seleção e recrutamento meritocrático dos concursados, sendo esta apenas

3 Repercussão Geral nº262, STF: "Legitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública que tem por objetivo compelir entes federados a entregar medicamentos a portadores de certas doenças".

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uma abertura para uma legitimidade material, que se ampara justamente no fato do MP ser

dinâmico e autônomo na proteção dos direitos sociais.

É fato, portanto, que a atuação do MP na judicialização da saúde em benefício de um

grupo de pessoas, afigura-se como algo necessário e fundamental na fiscalização das políticas

de saúde, em especial a do sistema de fornecimento gratuito de medicamentos pelos entes

federativos. Além de levar ao conhecimento do Judiciário o descumprimento de promessas

constitucionais pelo Poder Público, garante e facilita o acesso à justiça dos cidadãos que não

detém uma vocalização digna no meio social, podendo levar à diminuição de ações

individuais, bem como servir de substrato para o aprimoramento da política pública em face

das demandas sociais.

4. A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO –

ANÁLISE DAS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS DOS ANOS DE 2010 E 2011

A região de Ribeirão Preto integra a divisão administrativa do Departamento Regional

de Saúde (DRS) XIII, responsável pela coordenação e ações de serviços de saúde em âmbito

regional. O município de Ribeirão Preto é o de maior expressão na região, pois possui

hospitais de excelência que atendem diversas cidades – mesmo de outros departamentos – e

tem como característica principal a ampliação da rede social protetora, elemento fundamental

para o desenvolvimento e estabelecimento de políticas públicas, sobretudo no que se refere ao

acesso integral e melhoria da qualidade das ações e serviços de saúde (DEDECCA; et. al.,

2009, pp. 81 e 177).

No que diz respeito à assistência farmacêutica, considerando os anos entre 2003 a

2010, o Relatório de Gestão do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HCRP) informa que

chegou a atender 58.631.430 solicitações por mês – referentes a prescrições e reposição de

estoques das enfermarias e ambulatórios da unidade –, contabilizando produção mensal de

71.146 itens de medicamentos no ano de 2010. Nesse período, o Governo do Estado de São

Paulo apurou a incidência de diversas ações judiciais na região pleiteando medicamentos não

oferecidos pela rede pública de saúde, o que totalizou na época um montante de

R$10.960.000,00 em condenações (SÃO PAULO, 2003 a 2010, pp. 78-81).

Em razão da intensificação da judicialização da saúde na região nessa primeira década

do século XXI, o sistema de levantamento de ações judiciais do S-CODES4 apurou que no ano

4 O S-CODES é um sistema informatizado utilizado pela Secretaria da Saúde de São Paulo para o gerenciamento de demandas judiciais em saúde contra o gestor estadual do SUS.

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de 2010 o DRS XIII ajuizou 1.785 ações, sendo que, dessas, 1.040 ações civis públicas

individuais foram propostas por um único promotor de justiça (CHIEFFI et. al., 2010, pp. 22 e

24).

Em face de tais informações, foi realizada pesquisa no site do Tribunal de Justiça de

São Paulo a fim de se verificar a dinâmica da judicialização na saúde na região de Ribeirão

Preto nos anos de 2010 e 2011 – data do Repercussão Geral nº262 e de período posterior a

ela. Os parâmetros de investigação no site do Tribunal seguiram o recorte temporal da

pesquisa e o fato de ser ações civis públicas propostas pelo MP de São Paulo –Promotoria de

Ribeirão Preto – para compelir o ente estadual a fornecer medicamentos e insumos a um único

indivíduo ou grupo de pessoas. Dentre 1704 registros – que englobavam ações civis públicas

propostas por outros legitimados que não o MP, além de matérias estranhas à pesquisa - foi

possível filtrar 102 ações no ano de 2010 e 94 no ano de 2011, considerando todos os critérios

pertinentes ao presente estudo.

Em um primeiro momento, observou-se que as ações civis públicas do ano de 2010

foram todas propostas de forma individual, ou seja, foram 102 com 102 beneficiários,

enquanto no ano de 2011, teve uma maior incidência de ações em benefício de um grupo de

pessoas, sendo 94 ações com 141 beneficiários.

Com relação às patologias e medicamentos/ insumos mais pleiteados no ano de 2010,

verificou-se que o maior número de ações referiu-se ao pleito de Fraldas Descartáveis – sendo

44 ações para 44 beneficiários – para fins de manutenção do tratamento de diversas doenças

como Esclerose Lateral Amiotrófica (G12), Doença de Alzheimer (G30), Incontinência

Urinária (R32), dentre outras. No que se refere ao pleito de medicamentos, verificou-se que a

incidência de ações recaíam sobre o não fornecimento de fármacos pelo SUS, estando entre

estes a Insulina Glargina (Diabetes Mellitus E10), a Temozolamida (Neoplasia Maligna do

Encéfalo C71), a Rivastigmina (Doença de Parkinson G20), dentre outros não presentes na

Relação Nacional de Medicamentos (RENAME) – e, por conseguinte, ausentes na lista

estadual.

Quanto às patologias e medicamentos/insumos mais pleiteados no ano de 2011,

verificou-se uma maior ocorrência de pedidos de Aparelho CPAP (continuous positive airway

pressure) e complementos – sendo 28 ações com 66 beneficiários – para o tratamento da

Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono (G47-3), que se não tratada acarreta o aparecimento

de outras doenças de natureza pulmonar, cerebral e cardíaca. No campo dos medicamentos,

verificou-se o pleito de diversos tipos de insulina para tratamento de diabetes mellitus (E10),

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cinacalcete para hiperparatireoidismo (E21) e venfalaxina para transtorno depressivo

recorrente (F33.2), dentre outros.

O levantamento e análise das ações coletivas propostas pelo MP revela que o maior

número de pedidos realizados judicialmente referem-se ao fornecimento de insumos

necessários para a manutenção do tratamento de diversas doenças. Esses pleitos inserem-se na

Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (RENASES - BRASIL, 2012), não fazendo

parte de uma política específica, demandando, portanto, recursos do sistema de fornecimento

gratuito de medicamentos, por inserirem-se, analogamente, nesse contexto.

Além disso, a atuação do MP deixou à mostra as peculiaridades da região com relação

ao perfil epidemiológico e medicamentos ou insumos mais solicitados pela via judicial, o que

pode servir de contributo para o estabelecimento de parâmetros que visem diminuir o número

de ações judiciais ante a necessidade regional da população no atendimento em saúde.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com os dados levantados até o presente momento, pode-se inferir pela presente

pesquisa que a atuação do MP é essencial na garantia e efetivação do direito à saúde;

principalmente no que diz respeito a sua legitimidade formal e material para atuar em nome

do cidadão, quando este se vir lesado pela omissão ou ineficiência do Poder Público na

implementação de programas da agenda política destinados à efetivação desse direito. Como

uma instituição proativa e dinâmica, o MP, por meio da propositura de ações coletivas, pode

cumprir um importante papel rumo à judicialização excessiva da saúde, desempenhando papel

efetivo à concretização eficiente da política pública de medicamentos.

Do mesmo modo, pode-se inferir, com base nos dados levantados, que a judicialização

pode virtualmente exercer uma influência crucial à reorganização anual das listas de

medicamentos tanto federal como estadual, bem como servir de substrato para a elaboração de

uma política pública específica referente a insumos e equipamentos necessários para o

tratamento de diversas doenças, com o fim de se ter uma organização e uma orientação de

recursos públicos criteriosa neste setor, já que existem diversas condenações do Poder Público

para o fornecimento de insumos e equipamentos de saúde.

Ademais, os dados judiciais permitem aferir quais são as doenças, medicamentos e

insumos que mais demandam recursos do Poder Público, uma vez que evidenciam as

peculiaridades de uma determinada região com relação ao perfil epidemiológico,

possibilitando a alocação de recursos orçamentários para a saúde de maneira mais eficiente.

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Neste aspecto, o estudo buscou ainda apreender, por meio dos dados levantados, parâmetros

que sirvam para a promoção de práticas de racionalização de recursos materiais –

especialmente, no que diz respeito ao fornecimento e dispensação de medicamentos e insumos

de acordo com a demanda por parte do ente estadual do Estado de São Paulo; de igual modo,

tem-se a expectativa de contribuir para a racionalização de recursos institucionais do

Ministério Público, sobretudo no que se refere à diminuição de demandas judiciais que

poderiam advir da readequação do sistema de fornecimento gratuito de medicamentos, assim

como da eventual elaboração de uma política pública específica para insumos.

Por fim, ressalta-se que o aprimoramento dos acessos e serviços de saúde, além de

dependerem de uma constante reorganização e reorientação do Poder Público, necessitam de

uma articulação entre os Poderes e entes federativos, no sentido de se vislumbrar uma

cooperação mútua que vise a plena satisfação do usuário da rede pública de saúde.

6. REFERÊNCIAS

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