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Jurisprudência da Quinta Turma

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AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS N. 40.950-SP (2005/0003481-4)

Relator: Ministro Arnaldo Esteves LimaAgravante: José Gabriel MoysésAgravado: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São PauloPaciente: Helmir Francis

EMENTA

Penal. Agravo regimental em habeas corpus. Interposição contra decisão colegiada. Impossibilidade. Agravo não conhecido.

1. Conforme prevê o art. 258 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, a interposição de agravo regimental somente é cabível de decisões monocráticas proferidas pelo Presidente da Corte Especial, de Seção, de Turma ou de relator.

2. Tratando-se de decisão colegiada, proferida por esta Quinta Turma no julgamento de habeas corpus, no qual foi denegada a ordem, incabível é a interposição do presente agravo regimental.

3. Agravo regimental não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do agravo regimental. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 13 de fevereiro de 2007 (data do julgamento).

Ministro Arnaldo Esteves Lima, Relator

DJ 12.03.2007

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Trata-se de agravo regimental interposto por José Gabriel Moysés contra acórdão desta Quinta Turma, que, à unanimidade, denegou a ordem em habeas corpus impetrado em favor de Helmir Francis nos termos da seguinte ementa (fl. 261):

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Processual Penal. Habeas corpus. Penal. Crime contra a ordem tributária.

Parcelamento do débito anteriormente ao recebimento da denúncia. Extinção da

punibilidade. Não-ocorrência. Causa de suspensão da pretensão punitiva. Ordem

denegada.

1. O trancamento da ação penal justifica-se somente quando verificadas,

de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a ausência de

indícios de autoria e prova da materialidade, o que não ocorre na hipótese dos

autos. Precedentes.

2. O parcelamento de débito tributário é causa de suspensão da pretensão

punitiva estatal durante o período em que o devedor estiver incluído no programa

de parcelamento, à luz do art. 9º, caput, da Lei n. 10.684/2003 (Precedente do

STF), que não se confunde com causa de extinção da punibilidade.

3. Comprovado o inadimplemento do acordo firmado – que apenas suspendeu

a pretensão punitiva estatal enquanto o contribuinte estivesse honrando o

compromisso assumido –, não se pode impedir o recebimento da denúncia ou obstar

o andamento de ação penal instaurada em decorrência da prática de crime contra

a ordem tributária.

4. Ordem denegada.

Sustenta o agravante que o entendimento firmado no acórdão diverge da orientação pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema, motivo pelo qual requer a concessão da ordem para que seja trancada a ação penal e reconhecida a extinção da punibilidade.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima (Relator): O acórdão agravado deve ser mantido por seus próprios fundamentos, tendo em vista que, conforme prevê o art. 258 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, a interposição de agravo regimental somente é cabível de decisões monocráticas proferidas pelo Presidente da Corte Especial, de Seção, de Turma ou de relator.

No caso, portanto, tratando-se de decisão colegiada, proferida por esta Quinta Turma no julgamento de habeas corpus, no qual foi denegada a ordem, incabível é a interposição do presente agravo regimental

Confiram-se, a propósito, os seguintes precedentes desta Corte:

Agravo regimental em recurso ordinário. Decisão colegiada. Incabimento.

1. Incabe agravo regimental contra decisão colegiada (RISTJ, artigo 258).

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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008

2. Agravo regimental não conhecido. (AgRg no RHC n. 15.531-PR, Rel. Min.

Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJ 09.10.2006)

Criminal. Agravo regimental no agravo regimental no RHC. Interposição

contra decisão colegiada. Impossibilidade. Precedentes. Agravo não-conhecido.

I. A interposição do recurso de agravo regimental, a teor do que dispõe o art.

258 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, somente é cabível das

decisões monocráticas, proferidas pelo Presidente da Corte Especial, da Seção, de

Turma ou de relator, e, não, contra decisão colegiada, proferida pela 5ª Turma desta

Corte.

II. Agravo regimental não-conhecido. (AgRg no AgRg no RHC n. 17.125-RJ,

Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 06.03.2006)

Ante o exposto, não conheço do agravo regimental.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 49.194-SP (2005/0177525-3)

Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia FilhoImpetrante: José Carlos Dias e outroAdvogado: Aldo de Campos CostaImpetrado: Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoPaciente: Maria Luiza Scarano Arantes Rocco Paciente: Maria Helena Junqueira da Veiga Serra Paciente: Paulo Francisco Vilela de AndradePaciente: Luís Carlos Gomes de SoutelloImpetrante: José Luiz de Oliveira Lima e outroPaciente: João Paulo Musa Pessoa Paciente: Francisco Roberto de Rezende Junqueira Paciente: Paulo Sebastião Gomes CardosoPaciente: Bernardo Luís Rodrigues de Andrade

EMENTA

Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Crime de sonegação fiscal e formação de quadrilha. Trancamento da ação penal.

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Delito de quadrilha ou bando. Autonomia delitiva. Alegação de falta de justa causa. Inexistência. Ordem denegada.

1. O trancamento da ação penal é medida de todo excepcional, não se admitindo que substitua a ação de rito ordinário, consentânea com todos os meios de prova admitidos; na via estreita do Habeas Corpus, em regra, não comporta dilação probatória.

2. Não obstante a anulação do lançamento tributário, em razão da adesão da fundação ao simples, acarretar a suspensão da pretensão punitiva estatal no que tange aos delitos tributários, tal providência não implica a ausência de justa causa para o processo por crime formação de quadrilha.

3. O crime de quadrilha ou bando é autônomo ou formal, ou seja, sua consumação se dá com a convergência de vontades e independe da punibilidade ulterior dos delitos visados.

4. As informações trazidas na denúncia e consignadas no acórdão recorrido são suficientes, no caso em tela, para autorizar um juízo positivo de admissibilidade, propiciador da persecução penal pelos crimes imputados aos pacientes.

5. A peça acusatória trouxe a descrição clara dos fatos com todas suas circunstâncias e elementos, de forma a viabilizar, de maneira real e efetiva, a ampla defesa ao acusado, não havendo o que se falar em inépcia da denúncia.

6. Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.

Sustentaram oralmente: Dr. José Luis de Oliveira Lima e Dr. Francisco Pereira de Queiroz (p/ pactes).

Brasília (DF), 26 de junho de 2007 (data do julgamento).

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator

DJ 06.08.2007

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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Trata-se de Habeas Corpus, substitutivo de Recurso Ordinário, contra acórdão do egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região que, por unanimidade, trancou a ação penal quanto à imputação referida no item III da denúncia (atinente à NFLD n. 35.136.036-0) e, no mais, por maioria, denegou a ordem, determinando o prosseguimento do processo no tocante à imputação de formação de quadrilha, feita aos pacientes supra nominados.

2. Depreende-se dos autos que os ora pacientes foram denunciados como incursos nos delitos tipificados nos arts. 1º, II da Lei n. 8.137/1990 (crime contra a ordem tributária), por 110 vezes, em continuidade delitiva (art. 69 do CP) e art. 288 do CP (formação de quadrilha), por terem supostamente se associado em quadrilha estável e organizada, a fim de fraudar a fiscalização tributária previdenciária, no período compreendido entre os anos de 1997 e 1998, quando da administração da Fundação de Assistência Social Sinhá Junqueira. Segundo descreve a denúncia, os acusados teriam inserido elementos inexatos e omitido operações em documentos e livros exigidos pela legislação fiscal, com o intuito de fraudar o Fisco Previndenciário.

3. Em face do recebimento da denúncia, foi impetrado Habeas Corpus perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que, em relação ao crime tributário, concedeu a ordem para trancar a ação penal quanto à imputação constante no item III da denúncia, porquanto referente à autuação que havia sido anulada pelo próprio INSS. Por outro lado, quanto ao crime de formação de quadrilha, a ordem foi denegada, cassando-se a liminar anteriormente deferida e determinando, consequentemente, o imediato prosseguimento do processo para apuração do referido delito.

4. Impetra-se o presente Habeas Corpus sustentando a ausência de justa causa para a ação penal, uma vez que não há qualquer elemento de prova a demonstrar a materialidade do delito, bem como as autuações efetuadas pelo INSS, de cobrança retroativa de contribuições no período em que vigeu a imunidade tributária da entidade, são objeto de processo administrativo-fiscal ainda não encerrado. Sustentam, ainda, ser inepta a denúncia, porquanto não descreve os fatos de sorte a inviabilizar o exercício da ampla defesa.

5. A medida liminar foi deferida pelo anterior Relator do feito às fls. 667/669.

6. Notificada, a autoridade apontada como coatora prestou as informações de estilo às fls. 675, oportunidade na qual juntou cópia do v. acórdão recorrido.

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7. Em parecer, a douta Subprocuradora-Geral da República, Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, às fls. 719/722, opina pela denegação da ordem.

8. É o que havia de relevante para relatar.

VOTO

O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Relator): 1. A finalidade precípua do Habeas Corpus, constitucionalmente prevista, consiste em fazer cessar violência ou coação na liberdade de locomoção em virtude de ilegalidade ou abuso de poder. Diz-se que a coação é ilegal quando (A) não houver justa causa para tanto; (B) perdurar por mais tempo do que o permitido em lei; (C) for ordenado por agente incompetente; tiver cessado o motivo que autorizou a coação; (D) não for admitida a prestação de fiança, a despeito da autorização legal; (E) caso o processo seja manifestamente nulo ou, ainda, (F) quando extinta a punibilidade (art. 648 do CPB).

2. Com efeito, a ausência de justa causa desdobra-se em dois aspectos: justa causa para a ordem proferida, que resultou em coação contra o paciente, ou justa causa para a persecução criminal (investigatória ou processual), sem que haja lastro indiciário ou probatório suficiente para tanto.

3. Na hipótese vertente, os impetrantes sustentam a ocorrência de constrangimento ilegal em razão da ausência de justa causa para persecução penal, tendo em vista que o que há é um conjunto de acusações criminais extemporâneas e arbitrárias, apresentadas sem a instauração de inquérito policial para a efetiva apuração dos fatos e das responsabilidades subjetivas (fls. 15).

4. Tem-se, pois, que a alegação de falta de justa causa ora suscitada baseia-se na carência de provas a sustentar a existência e manutenção do processo criminal. Além disso, sustentam que os impetrantes respondem no momento por 3 ações penais pelo mesmo crime de formação de quadrilha, o que torna mais evidente a ilegalidade perpetrada.

5. Ora, consoante depreende-se da denúncia, às fls. 37/38,

... os denunciados na administração da Fundação Sinhá Junqueira, em tese,

instituição civil de fins caritativos e sociais, criada em 1950, reconhecida como

de utilidade pública federal pelo Decreto n. 63.242, de 12 de setembro de 1968,

utilizavam-se de tal natureza jurídica com a finalidade exclusiva de fraudar a

fiscalização tributária, não recolhendo tributos e desrespeitando as normas que

regem as entidades fundacionais.

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(...).

Ocorre que, sem a necessária permissão estatutária, ou seja, além de seus objetivos institucionais, a Fundação participa do capital social de várias outras empresas de fins lucrativos, chamadas de coligadas ou controladas, transferindo, inclusive, a tais pessoas jurídicas recursos financeiros a título de adiantamentos.

Ademais, as chamadas empresas coligadas foram instituídas pelos representantes legais da Fundação, ora denunciados, as quais também possuem como dirigentes os ora denunciados.

(...).

Assim, os denunciados transformaram a Fundação Sinhá Junqueira, ao arrepio dos mandamentos legais que regem as entidades sem fins lucrativos, em uma empresa controladora e administradora de outras pessoas jurídicas de cunhos econômicos, pois, além de possuir a maioria do controle acionário destas, quando não a exclusividade, os escritórios coincidiam no mesmo endereço, consoante fls. 12, do anexo 01, volume 01.

6. O Tribunal a quo, no julgamento do Habeas Corpus originário, concedeu parcialmente a ordem mas apenas para trancar a ação penal e suspender a prescrição da pretensão punitiva estatal em relação à suposta prática de supressão de contribuição tributária, em razão do cancelamento do lançamento que serviu de suporte para a denúncia por se tratar de empresa optante pelo sistema do Simples, mantendo, por outro lado, o prosseguimento da ação no tocante à imputação do delito de formação de quadrilha, sob o seguinte fundamento:

Dizer que incorre crime de concurso necessário, envolvendo pessoas que segundo a denúncia se envolveram para perpetrar crimes, assim afastando desde logo o reconhecimento do dolo específico referido no artigo 288, para reconhecer apenas liame psicológico que caracteriza o concurso de agentes do artigo 29, é postura não vocacionada para a estreita via do conhecimento do habeas corpus porque, para realizar aquele reconhecimento haveriam os julgadores de adentrar no exame do elemento anímico, subjetivo, dos pacientes; pior ainda é fazê-lo quando a instrução criminal, no Juízo de origem, apenas está para se iniciar, vale dizer, o Tribunal estaria sendo açodado em afastar imputação de crime grave apenas com base na argumentação tecida na impetração, sem qualquer lastro.

Ora, havendo indícios seguros - descritos na denúncia - de que os pacientes compunham o rol de diretores e conselheiros remunerados de uma entidade que se diz filantrópica, a qual em tese teria sonegado contribuições sociais no montante aproximado de R$ 12.120.635,21, na pior das hipóteses desde o ano de 1997, é açodado afastar a acusação de que teriam se conluiado voluntariamente para a prática de tais infrações (fls. 655).

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7. Consoante referido acima, a acusação é suficiente para autorizar um juízo positivo de admissibilidade, propiciador da persecução penal pelo mencionado crime. Verifica-se das informações trazidas pela denúncia, bem como consignadas no acórdão recorrido, que a conduta perpetrada pelos pacientes subsume-se, em tese, ao delito sancionado pelo art. 288 do CP, tudo a depender do que vier a ser apurado no curso do processo criminal, com base nos elementos fáticos-probatórios a serem devidamente analisados.

8. Nesse contexto, é de se ter bem claro que o trancamento da ação penal é medida de todo excepcional, não se admitindo que substitua o procedimento de rito ordinário, consentânea com todos os meios de prova admitidos, na qual os elementos de convicção serão apresentados e submetidos ao crivo do contraditório; a via estreita do Habeas Corpus, em regra, não se admite dilação probatória. Assim, a medida somente pode ser admitida quando evidente a ausência de justa causa, o que não ocorre nas hipóteses em que a denúncia descreve conduta que configura crime em tese.

9. Frise-se, por oportuno, que, não obstante a ausência de constituição definitiva do crédito tributário, em razão da existência de procedimento administrativo ainda em curso ou, ainda, em virtude da imunidade tributária da Fundação estar sub judice, acarretar, sem dúvida, a suspensão da pretensão punitiva estatal no que tange aos delitos tributários, tal providência não implica a ausência de justa causa para o crime de quadrilha.

10. Ademais, é pacífico o entendimento de que, sendo a quadrilha ou bando crime autônomo ou formal, sua consumação se dá com a convergência de vontades e independe da realização ulterior do fim visado; conforme lição assentada pelo eminente Ministro Felix Fischer, no julgamento do HC n. 49.470-PB, em 11.09.2006, o aperfeiçoamento do delito de quadrilha ou bando não depende da prática ou da punibilidade dos crimes a cuja comissão se destinava a associação criminosa.

11. Confiram-se, ainda, os seguintes precedentes do colendo Pretório Excelso:

Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Crime de sonegação fiscal. Adesão ao Refis. Parcelamento do débito. Suspensão do processo. Delito de quadrilha ou bando. Falta de justa causa. Ausência. Crime formal.

1. A suspensão do processo relativo ao crime de sonegação fiscal, em conseqüência da adesão ao Refis e do parcelamento do débito, não implica ausência de justa causa para a persecução penal quanto ao delito de formação de quadrilha ou bando, que não está compreendido no rol taxativo do artigo 9º da Lei n. 10.684/2003.

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2. O delito de formação de quadrilha ou bando é formal e se consuma no momento em que se concretiza a convergência de vontades, independentemente da realização ulterior do fim visado.

Ordem denegada. (HC n. 84.223-2-RS, Rel. Min. Eros Grau, DJU 27.08.2004).

Habeas corpus. Falsidade ideológica (art. 299 do CP). Fraude em licitação.

Preenchimento fictício de propostas, com a utilização de máquina de datilografia do setor de licitações da Prefeitura de Bebedouro-SP, mediante a inserção, nas respectivas cartas-convites, de dados relativos às empresas participantes, com exceção da empresa do paciente, vencedora do certame.

Ausência, na denúncia, de descrição de qualquer conduta do paciente destinada à prática do crime de falsidade ideológica, inviabilizando o exercício da defesa. Denúncia inepta quanto a esse crime. Crime de responsabilidade (art. 1º, § 1º do Decreto-Lei n. 201/1967).

(...).

Denúncia que se reputa inepta no tocante a tal delito. Crime de bando ou quadrilha (art. 288 do CP). Infração permanente, que se consuma com a efetiva associação das pessoas visando ao cometimento de crimes, independentemente da prática de algum delito pelo grupo.

Denúncia que se volta contra 18 pessoas, incluindo o paciente, apontando indícios suficientes de que houve, de fato, associação entre elas com o objetivo de cometer crimes contra a Administração Pública municipal. Denúncia que descreve com clareza os fatos contra os quais deve se voltar a defesa.

Ausência de constrangimento ilegal a ser sanado. Habeas corpus deferido parcialmente (HC n. 81.295-SP, Rel. Min. Ellen Gracie, DJU 14.12.2001).

12. Tal orientação é igualmente perfilhada pelo magistério do Professor Guilherme de Souza Nucci, para quem “o delito do art. 288 tem prova autônoma dos diversos crimes que o bando puder praticar. Assim, nada impede que o sujeito seja condenado pela prática de quadrilha ou bando, porque as provas estavam fortes e seguras, sendo absolvido pelos crimes cometidos pelo grupo, tendo em vista provas fracas e deficitárias” (Código Penal Comentado, São Paulo, RT, 2006, p. 949).

13. Esse mesmo entendimento é registrado pelo ilustre Jurista Cezar Roberto Bitencourt, cuja doutrina também reconhece que “consuma-se o crime com a simples associação de mais de três pessoas para a prática de crimes, colocando em risco a paz pública, sendo desnecessária, pois, a prática de qualquer crime” (Código Penal Comentado, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 1.021)

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14. Vê-se, pois, que o delito tipificado no art. 288 do CPB “não está diretamente vinculado ao resultado material visado pela organização criminosa”, já que seu aperfeiçoamento se dá no momento associativo, cujo perigo é causa suficiente para reclamar a tutela penal por parte do Estado. Caso assim não fosse, a associação para a prática de ilícitos penais não passaria de mero ato preparatório, tornando-se penalmente irrelevante.

15. Dest'arte, resta patente a impropriedade da via estreita do Habeas Corpus para a análise do constrangimento ilegal invocado, uma vez que, conforme delineado, somente o revolver dos elementos factuais conduzirá à formação de um juízo acerca da existência, ou não, de justa causa para o prosseguimento da Ação Penal quanto ao crime de quadrilha ou bando.

16. A propósito, este entendimento encontra respaldo na doutrina especializada dos festejados Juristas Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes, para quem o Habeas Corpus “constitui remédio mais ágil para a tutela do indivíduo e, assim, sobrepõe-se a qualquer outra medida, desde que a ilegalidade possa ser evidenciada de plano, sem necessidade de um reexame mais aprofundado da justiça ou injustiça da decisão impugnada” (Recursos no Processo Penal, São Paulo, RT, 2001, p. 353), o que não se dá na hipótese vertente.

17. Aliás, outra não é a orientação pacificada nesta Corte acerca da excepcionalidade do uso da garantia constitucional do Habeas Corpus a fim de obter o trancamento da Ação Penal, como se vê nestas paradigmáticas decisões:

Habeas corpus. Artigos 213 e 214, c.c. 224 e 226, inciso I, todos do Código Penal. Inépcia da denúncia. Crime de autoria coletiva. Inocorrência de constrangimento ilegal. Ordem denegada.

1. O trancamento da ação penal é medida excepcional, somente admitida quando constatada, prima facie, a atipicidade da conduta ou a negativa de autoria.

2. Narrando a denúncia fatos configuradores de crime em tese, de modo a possibilitar a defesa dos acusados, não é possível o trancamento da ação penal, na via do habeas corpus.

3. A doutrina e jurisprudência são acordes ao lecionarem que nos crimes de autoria coletiva não há a necessidade da denúncia ser detalhada, haja vista a natureza do crime. Assim, não há como se definir, prima facie o modus operandi de cada um dos participantes do delito.

4. Ordem prejudicada, com relação ao paciente José Félix de Souza, e denegada quanto aos demais pacientes. (HC n. 47.697-PI, 6T, Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJU de 26.02.2007).

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Recurso ordinário em habeas corpus. Processo Penal. Falsidade ideológica. Crime de sonegação fiscal. Extinção de punibilidade. Absorção. Análise fática incabível na via eleita. Inquérito policial. Trancamento. Impossibilidade. Justa causa evidenciada.

1. A teor do entendimento pacífico desta Corte, o trancamento de inquérito policial pela via estreita do habeas corpus é medida de exceção, só admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca e sem a necessidade de valoração probatória, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade.

2. O tipo do art. 1º, inc. I, da Lei n. 8.137/1990 é crime especial, que engloba a falsidade cometida unicamente com a intenção de suprimir ou reduzir tributo. A falsidade ideológica tem, em princípio, existência própria e volta-se contra a fé pública, fazendo-se necessária incursão na seara probatória, impossível na via estreita do habeas corpus, para reconhecê-la como crime-meio do delito de sonegação fiscal.

3. In casu, extinta a punibilidade do crime de sonegação fiscal, e havendo indícios de que persiste a materialidade lesiva da falsidade ideológica, torna-se possível o indiciamento do Paciente, já que as excepcionais circunstâncias que o impedem não se evidenciam de plano.

4. Recurso desprovido. (RHC n. 14.635-PR, 5ª T, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 02.05.2005).

18. Outrossim, em relação à alegação de inépcia da peça acusatória, cumpre esclarecer que o art. 41 do CPP prevê quais são os elementos da denúncia ou queixa: (I) exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias; (II) qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo; (III) classificação do crime e (IV) rol de testemunhas. Nesse ponto, é de se ter claro que o principal dever do órgão acusatório é trazer na denúncia a descrição clara dos fatos com todas suas circunstâncias e elementos, para que seja viabilizada, de forma real e efetiva, a ampla defesa ao acusado.

19. Conclui-se, portanto, que eventual inépcia da peça acusatória somente pode ser declarada, pela via excepcional do presente writ, quando demonstrada, de plano, manifesta deficiência de seu conteúdo a ponto de impedir o exercício da defesa real pelo acusado.

20. In casu, a denúncia preenche os requisitos elencados no ordenamento jurídico, uma vez que descreve, em tese, fato típico, com suas respectivas circunstâncias, qualificação dos acusados, tipificação do ilícito penal, descrição das provas carreadas, além do rol de testemunhas, ao ponto de viabilizar a defesa de fato dos ora pacientes.

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21. Nesse sentido, cabe trazer à baila alguns julgados desta Corte sobre a matéria:

Recurso em habeas corpus. Penal. Sonegação fiscal. Inépcia da denúncia. Narrativa genérica: não caracterizada. Não necessidade da pormenorização das condutas. Precedentes deste STJ. Inteligência do art. 569 do Código de Processo Penal. Recurso não provido.

1. Não há falar em inépcia formal da acusatória, quando presentes os pressupostos do artigo 41 do CPP, propiciando ao denunciado o exercício da ampla defesa, quanto mais em se tratando, como na espécie, de crime coletivo e societário. Precedentes deste STJ.

2. A denúncia que atende, suficientemente, às exigências legais, permitindo uma adequação típica, o reconhecimento do nexo causal e a delimitação e a especificação de condutas, basta ao desencadeamento da persecutio criminis.

3. Eventual omissão pode ser suprida a qualquer tempo, antes da sentença final, nos termos do art. 569 do Código de Processo Penal .

4. Recurso não provido. (RHC n. 16.331-MG, 6ª T, Rel. Min. Helio Quaglia Barbosa, DJU 18.06.2007).

Processual Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Crimes contra o sistema financeiro nacional e art. 288 do Código Penal. Ausência de dolo. Atipicidade da conduta. Supressão de instância. Inépcia da denúncia. Inocorrência

I - Tópicos que não foram apreciados pelo e. Tribunal a quo, não podem ser apreciados por esta Corte sob pena de supressão de instância.

II - A denúncia, a princípio, não se afigura inepta quando, atendendo ao disposto no art. 41 do CPP, descreve, em tese, fato típico, com as suas respectivas circunstâncias, a qualificação do acusado, a classificação do ilícito penal e o rol das testemunhas, possibilitando, assim, o exercício da defesa (Precedentes).

Recurso parcialmente conhecido e, neste ponto, desprovido. (RHC n. 19.490-MA, 5ª T, Rel. Min. Felix Fischer, DJU 18.06.2007).

22. Forte nesses fundamentos, impõe-se a denegação da ordem, cassando-se a liminar anteriormente deferida.

HABEAS CORPUS N. 49.512-RS (2005/0183825-5)

Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia FilhoImpetrante: Ivo dos Santos Rocha

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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA

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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do SulPaciente: Arlindo Antonio Peres (Preso)

EMENTA

Habeas corpus. Processual Penal. Atentado violento ao pudor. Vítima menor de 14 anos. Interrogatório judicial. Ausência de defensor. Nulidade absoluta. Inexistência. Art. 187 do CPP, alterado pela Lei n. 10.792/2003. Denegação da ordem.

1. Somente após a entrada em vigor da Lei n. 10.792/2003, que modificou o art. 187 do CPP, é que passou a ser exigida a presença do Advogado quando do interrogatório judicial.

2. Precedentes desta Corte.

3. Tendo sido o interrogatório realizado em 24 de setembro de 1999, não há que se falar em qualquer nulidade a ser sanada.

4. Ordem denegada, conforme parecer do MPF.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.

Brasília (DF), 14 de junho de 2007 (data do julgamento).

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator

DJ 06.08.2007

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Cuida-se de Habeas Corpus impetrado por Ivo dos Santos Rocha, em favor de Arlindo Antonio Peres, contra o acórdão proferido pela Oitava Câmara Criminal do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, objetivando a decretação da nulidade do Processo n. 072/2.03.0001817-2, desde a fase de interrogatório, renovando-se todos os atos subseqüentes.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2. Sustenta, para tanto, a ocorrência de nulidade absoluta, face à ausência de defensor na referida fase, contrariando o disposto no art. 564, do Código Penal.

3. Depreende-se dos autos que o paciente foi condenado a 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, pela infração aos artigos 214, c.c. 224, a, do Código Penal e artigo 9º, caput, da Lei n. 8.072/1990 (tendo repetido a prática por três vezes, com a mesma vítima - atentado violento ao pudor); e incurso nas sanções previstas no artigo 214, c.c. artigo 224, a e art. 14, II, na forma do artigo 71, caput, todos do CP. Ademais, compulsando os autos, verifica-se que, recebida a denúncia em 30 de julho de 1999, o interrogatório foi designado para o dia 24 de setembro seguinte (fls. 06) e, conforme consta do Termo de Interrogatório às fls. 13/14, o réu prestou seus esclarecimentos sem a presença de seu defensor.

4. Em face dessa decisão, foram interpostos apelos defensivo e ministerial perante o Tribunal a quo, que rejeitou a preliminar de nulidade e redimensionou a pena para 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão, a ser cumprida em regime integralmente fechado.

5. Daí o presente Habeas Corpus, em que requer o impetrante a anulação do Processo n. 072/2.03.0001817-2, da Primeira Vara Criminal da Comarca de Torres-RS, determinando-se, ainda, a soltura imediata do ora paciente e a renovação de todos os atos a partir do interrogatório, inclusive.

6. Não houve pedido liminar.

7. Foram dispensadas as informações por decisão do anterior relator do feito (fls. 80).

8. Em parecer da lavra da ilustre Subprocuradora-Geral da República Delza Curvello Rocha, o MPF opina pelo indeferimento da ordem, porquanto, anteriormente à entrada em vigor da Lei n. 10.792/2003, que modificou o art. 187, do Código de Processo Penal, não era exigível a presença do advogado no interrogatório do acusado. Sendo assim, a anulação do processo só seria possível face à comprovação de prejuízo causado ao interrogado, o que não restou demonstrado no presente caso. Desta forma, assevera inexistir qualquer constrangimento ilegal a ser sanado.

9. É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Relator): 1. A questão cinge-se à nulidade do interrogatório realizado sem a presença do defensor do ora paciente.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA

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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008

2. Em que pese a irresignação do impetrante, esta matéria encontra-se pacificada no âmbito desta Corte, no sentido de que, somente após a entrada em vigor da Lei n. 10.792/2003, que modificou o art. 187 do CPP, é que passou a ser exigida a presença do advogado quando do interrogatório judicial.

3. Confiram-se, por oportuno, os seguintes precedentes deste Superior Tribunal:

Recurso especial. Penal e Processual Penal. Porte ilegal de arma. Art. 10 da Lei

n. 9.437/1997. Ausência de defensor no interrogatório. Inexistência de nulidade.

Ato personalíssimo do magistrado. Nulidade do laudo pericial. Irrelevância para a

caracterização do delito. Recurso conhecido e provido.

1. Anteriormente à entrada em vigor da Lei n. 10.792/2003, o interrogatório

– art. 187 do CPP – prescindia da presença do defensor, uma vez que, sendo ato

personalíssimo do magistrado, com as características da judicialidade e da não-

intervenção da acusação e da defesa, não estava sujeito ao contraditório. Destarte,

não há nenhuma nulidade a ser sanada. Precedentes.

(...). (REsp n. 845.914-RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU 19.03.2007,

p. 390)

Processual Penal. Habeas corpus. Art. 213 do Código Penal. Interrogatório

judicial. Ausência do defensor constituído. Audiência de inquirição das testemunhas

de defesa. Nomeação de defensor ad hoc.

I - A realização do interrogatório do réu, antes da entrada em vigor da Lei

n. 10.792/2003, sem a presença do defensor, como tal, não constituía nulidade,

porquanto, a teor do art. 187 do CPP, tratava-se de ato personalíssimo, com as

características da judicialidade e da não-intervenção da acusação e da defesa

(Precedentes).

(...)

Habeas corpus denegado. (HC n. 62.817-RN, Rel. Min. Felix Fischer, DJU

26.02.2007, p. 623)

Interrogatório. Lei n. 10.792/2003 (aplicação). Defensor (ausência). Nulidade

(caso).

1. Com a alteração do Cód. de Pr. Penal pela Lei n. 10.792/2003, assegurou-

se, de um lado, a presença do defensor durante a qualificação e interrogatório do

réu; de outro, o direito do acusado de entrevista reservada com seu defensor antes

daquele ato processual.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2. Por consistirem tais direitos em direitos sensíveis – direitos decorrentes de

norma sensível –, a inobservância pelo juiz dessas novas regras implica a nulidade

do ato praticado.

3. Caso em que o réu foi interrogado sem a assistência de advogado, tendo

dispensado a entrevista prévia com o defensor nomeado pelo juiz.

4. Recurso provido a fim de se anular o processo penal desde o interrogatório

do acusado. (RHC n. 17.679-DF, Rel. Min. Nilson Naves, DJU 14.03.2006, p. 362)

4. No caso em tela, verifica-se que a denúncia foi recebida em 30 de julho de 1999 e o interrogatório foi realizado no dia 24 de setembro do mesmo ano (fls. 06), portanto, muito antes da entrada em vigor da Lei n. 10.792/2003.

5. Sendo assim, inexiste qualquer constrangimento ilegal a ser sanado.

6. Diante do exposto, denego a ordem impetrada.

7. É como voto.

HABEAS CORPUS N. 53.505-SP (2006/0020228-0)

Relatora: Ministra Laurita VazImpetrante: João Manoel Armôa JuniorImpetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Paciente: Jéferson Candido Rosa

EMENTA

Habeas corpus. Suspensão condicional do processo. Beneficiário processado por outro crime no período de prova. Absolvição. Irrelevância. Revogação após o término do período de prova. Possibilidade.

1. Constatado que o beneficiário da suspensão condicional do processo respondeu a outra ação penal durante o período de prova, a revogação do benefício é automática, sendo irrelevante sua posterior absolvição, ou o fato da decisão ser proferida após o término do período de prova.

2. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

3. Ordem denegada.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA

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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Felix Fischer e Gilson Dipp votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 12 de dezembro de 2006 (data do julgamento).

Ministra Laurita Vaz, Relatora

DJ 12.02.2007

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Laurita Vaz: Trata-se de habeas corpus, substitutivo de recurso ordinário, com pedido liminar, impetrado por João Manoel Armôa Júnior, em favor de Jéferson Candido Rosa, denunciado pela prática, em tese, do crime de receptação, contra o acórdão denegatório proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Infere-se dos autos que, após o oferecimento da denúncia, o Paciente foi agraciado com o benefício da suspensão condicional do processo.

Após o decurso do prazo de suspensão, o Ministério Público requereu a folha de antecedentes do Paciente e, em razão da superveniente notícia de que o denunciado havia praticado nova infração penal, no período de prova, requereu ao juízo processante a revogação do sursis processual, o que foi deferido pelo Juízo processante.

O Impetrante alega, em suma, que após o cumprimento das condições impostas na suspensão do processo, esta não mais poderia ser revogada, mormente porque o Paciente foi absolvido na ação penal que respondeu durante o período de prova.

Requer, assim, liminarmente, o reconhecimento da extinção da punibilidade e, no mérito, a concessão em definitivo da ordem ora postulada.

O pedido de liminar foi indeferido nos termos da decisão de fl. 18.

As judiciosas informações foram prestadas às fls. 23/57, com a juntada de peças processuais pertinentes à instrução do feito.

O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 59/63, opinando pela denegação da ordem.

É o relatório.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

VOTO

A Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora): A ordem não comporta concessão.

De início, a jurisprudência desta egrégia Corte e do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, constatado o descumprimento de condição imposta durante o período de prova do sursis processual, pode haver a revogação do benefício, ainda que a decisão venha a ser proferida após o término do período de prova.

A propósito:

Processual Penal. Recurso especial. Sursis processual (art. 89 da Lei n.

9.099/1995). Revogação após transcurso do período de prova.

A suspensão condicional do processo pode ser revogada, mesmo após o termo

final do seu prazo, se constatado o não cumprimento de condição imposta durante

o curso do benefício, desde que não tenha sido proferida a sentença extintiva da

punibilidade (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ).

Recurso Especial provido. (REsp n. 770.646-RS, 5ª Turma, Rel. Min. Felix

Fischer, DJ de 02.10.2006.)

Recurso especial. Processual Penal. Lei n. 9.099/1995. Suspensão condicional

do processo. Revogação durante o período de prova. Recurso provido.

1. O descumprimento de qualquer das condições legais implica a imediata

revogação da benesse processual da Lei n. 9.099/1995, ainda que a autoridade

judicial somente venha a obter tal ciência após o término do período de prova.

2. Recurso provido para cassando o acórdão objurgado, determinar o

prosseguimento do processo crime. (REsp n. 759.032-SP, 6ª Turma, Rel. Min. Hélio

Quaglia Barbosa, DJ de 28.08.2006.)

Penal. HC. Suspensão condicional do processo. Descumprimento das condições.

Réu processado por novo crime no curso do período de prova. Revogação automática

do sursis. Decisão proferida depois de expirado o prazo. Admissibilidade. Ordem

denegada.

I - A suspensão condicional do processo é automaticamente revogada, se, no

período probatório, o réu vem a ser processado pela prática de novo crime.

II - Sendo a decisão revogatória do sursis meramente declaratória, não importa

que a mesma venha a ser proferida somente depois de expirado o prazo de prova.

III - Ordem denegada. (HC n. 27.227-SP, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ

de 02.08.2004.)

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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA

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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008

Outrossim, ressalte-se que o fato da suspensão condicional do processo ter sido revogada porque o Paciente foi processado por outro crime no período de prova e, "cerca de noventa dias após, o paciente foi absolvido da imputação criminal desta novo processo" (fl. 04), não tem o condão de afastar a revogação do benefício.

Com efeito, nos termos do § 3º, do art. 89 da Lei n. 9.099/1990, "a suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime", sendo irrelevante a sua posterior absolvição.

Confira-se:

Recurso especial. Processual Penal. Suspensão condicional do processo (art.

89 da Lei n. 9.099/1995). Proposta. Iniciativa do Ministério Público. Acusado que

responde a outro processo criminal no momento da denúncia. Impossibilidade de

concessão do benefício.

1. É prerrogativa exclusiva do Ministério Público a iniciativa da proposta de

suspensão condicional do processo.

2. "Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do

processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo,

remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do

Código de Processo Penal" (Súmula n. 696-STF).

3. A teor do disposto no art. 89 da Lei n. 9.099/1995, a suspensão condicional

do processo é incabível quando o acusado responde a outro processo criminal no

momento do oferecimento da denúncia, sendo, portanto, irrelevante a sua posterior

absolvição.

4. Recurso especial provido para afastar a parte do acórdão que determinou

a conversão do julgamento em diligência a fim de que se procedesse, de ofício,

à suspensão condicional do processo. (REsp n. 704.254-SP, 5ª Turma, Rel. Min.

Arnaldo Esteves Lima, DJ de 09.05.2005.)

Penal. Recurso especial. Suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n.

9.099/1995). Processo criminal em curso.

O benefício do sursis processual, nos termos do art. 89, caput, da Lei n.

9.099/1995, não alcança o acusado que está sendo processado criminalmente (fato

que por si só já inviabilizaria a formulação da proposta de suspensão condicional

do processo), pouco importando que posteriormente venha a ser absolvido desta

imputação (Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso).

Recurso desprovido. (REsp n. 615.589-SP, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer,

DJ de 16.08.2004.)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ante o exposto, denego a ordem.

É o voto.

HABEAS CORPUS N. 56.972-SP (2006/0069556-4)

Relator: Ministro Felix FischerImpetrante: Eugênio Carlo Balliano Malavasi e outroImpetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São PauloPaciente: Clíssia da Costa Lima

EMENTA

Processual Penal. Habeas corpus. Demora no julgamento da apelação criminal. Constrangimento ilegal. EC n. 45/2004. Razoável duração do processo.

I - O excesso de prazo no julgamento de apelação criminal, quando injustificado, consubstancia-se em constrangimento ilegal sanável via habeas corpus (Precedentes).

II - Na espécie, o impetrante interpôs apelação criminal em 19.03.2004, aguardando, até a presente data, julgamento. Flagrante, portanto, o constrangimento ilegal.

Ordem concedida, para que o e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgue a Apelação Criminal n. 965.598.3/6.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 24 de outubro de 2006 (data do julgamento).

Ministro Felix Fischer, Relator

DJ 26.02.2007

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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA

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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Felix Fischer: Cuida-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário impetrado em favor de Clíssia da Costa Lima, contra alegada omissão do e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no writ n. 874.630.3/5.

Depreende-se dos autos que a paciente foi condenada como incursa nas sanções do art. 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal, à pena de 13 (treze) anos de reclusão, a serem cumpridos em regime integralmente fechado.

Irresignada, apelou a defesa, estando o recurso pendente de julgamento.

Alega o impetrante, em síntese, que a paciente está sofrendo constrangimento ilegal em razão da demora no julgamento do recurso de apelação criminal interposta em 19.03.2004. Requer, assim, o relaxamento da prisão cautelar.

Informações às fls. 52/53, acompanhadas dos documentos de fls. 54/397.

A douta Subprocuradoria-Geral da República se manifestou pela denegação da ordem. (fls. 399/402)

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): O excesso de prazo no julgamento de apelação criminal, quando injustificado, consubstancia-se em constrangimento ilegal sanável via habeas corpus.

Nesse sentido, os seguintes precedentes:

Processual Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Julgamento da apelação criminal. Demora injustificada de mais de dois anos. Constrangimento ilegal. Direito de apelar em liberdade. Supressão de instância.

I - O excesso de prazo no julgamento de apelação criminal, quando injustificado, consubstancia-se em constrangimento ilegal sanável via habeas corpus (Precedentes).

II - Na espécie, a apelação criminal foi distribuída no e. Tribunal a quo em 19.01.2004 e, até a presente data, aguarda a manifestação do Parquet. Flagrante, portanto, o constrangimento ilegal.

III - Tendo em vista que a tese referente ao direito do paciente de apelar em liberdade não foi submetida à apreciação do e. Tribunal a quo, fica esta Corte impedida de examinar tal alegação, sob pena de supressão de instância (Precedentes).

Writ parcialmente conhecido e, nessa parte, concedido, para que o e. Tribunal de Justiça do Estado do Pará julgue a Apelação Criminal n. 200430001881.

(HC n. 48.624-PA, 5ª Turma, de minha relatoria, DJU de 05.06.2006).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Processual Penal. Habeas corpus. Demora no julgamento da revisão criminal

que sequer foi distribuída. Demora injustificada de quase dois anos. Constrangimento

ilegal.

I - O excesso de prazo no julgamento de revisão criminal, quando

injustificado, consubstancia-se em constrangimento ilegal sanável via habeas corpus

(Precedentes).

II - Na espécie, o ora impetrante interpôs revisão criminal em 19.02.2002 e,

desde 25.06.2002, aguarda distribuição. Flagrante, portanto, o constrangimento

ilegal.

Ordem concedida para que o e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

julgue a Revisão Criminal n. 379.725.3.0-00.

(HC n. 33.884-SP, 5ª Turma, de minha relatoria, DJU de 07.06.2004).

Habeas Corpus. Revisão criminal. Demora na distribuição. Constrangimento

indemonstrado. Falta de elementos. Ordem não conhecida com recomendações.

A demora no julgamento da revisão criminal causa, se injustificável,

constrangimento ilegal à pessoa do condenado.

Contudo, para que a matéria possa ser bem sugerida no âmbito do remédio

heróico exige-se dos autos um mínimo de dados, comprovador do reclamado

excesso, porquanto meras presunções desautorizam a concessão da ordem em favor

do Paciente.

Ordem não conhecida, com recomendação de celeridade no julgamento da

revisão pelo Tribunal de Justiça.

(HC n. 27.604-SP, 5ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de

29.09.2003).

In casu, o impetrante interpôs apelação criminal em 19.03.2004. Conforme informações prestadas pelo e. Tribunal a quo (fls. 52/53), o recurso, presentemente, se encontra aguardando a apresentação de suas razões pela defesa, consoante o art. 600, § 4º, do Código de Processo Penal.

Patente o constrangimento ilegal, afinal, há mais de dois anos que a apelação criminal interposta aguarda para ser julgada.

Diante dessas ponderações, concedo a ordem, tão-somente, para que o e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgue a Apelação Criminal n. 965.598.3/6 .

É o voto.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA

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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008

HABEAS CORPUS N. 57.872-SP (2006/0084860-5)

Relatora: Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG)Impetrante: Eduardo Nunes de AraújoImpetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São PauloPaciente: Eduardo Nunes de Araújo (Preso)

EMENTA

Habeas corpus. Exame aprofundado do mérito e da prova no writ. Continuidade delitiva entre estupro e atentado violento ao pudor. Regime integralmente fechado. Ordem parcialmente concedida para admitir a continuação delitiva entre estupro e atentado violento ao pudor e retirar óbice à eventual progressão de regime de cumprimento de pena.

1 - O habeas corpus não comporta exame aprofundado da prova e do mérito da imputação.

2 - É possível a continuação delitiva entre estupro e atentado violento ao pudor, pois os crimes em questão ofendem o mesmo bem juridicamente tutelado pelo atual ordenamento jurídico, ou seja, os costumes.

3 - O regime inicial fechado que possibilita eventual progressão, deve ser estabelecido como medida individualizadora da pena, na fase de execução, mostrando-se não só favorável ao réu, como também para garantir a sociedade, a ela restituindo-se pessoa que contribuiu com seu comportamento para a sua liberdade e foi rigorosamente observado durante o cumprimento da pena, através dos estágios de progressão por ela conquistados, mostrando-se capaz de viver na sociedade da qual se alijou e foi alijado.

4 - Restituir à sociedade o apenado, tão só pelo cumprimento de dois terços da pena, sem qualquer progressão anterior que possa ensejar uma melhor observação de sua conduta, é contribuir para o aumento da violência social.

5 - Inadmissível a imposição de regime integralmente fechado quando o Supremo Tribunal Federal declarou a sua inconstitucionalidade, estendendo os seus efeitos a todas as penas em execução.

6 - A aplicação da Lei n. 11.464/2007, que modificou o parágrafo 1º do artigo 2º da Lei n. 8.072/1990, substituindo a expressão

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

“integralmente” por “inicialmente”, deve retroagir para alcançar os fatos criminosos ocorridos antes de sua vigência, por se tratar de lex mitior, segundo comando constitucional (Artigo 5º, XL da Constituição da República).

Ordem parcialmente concedida para admitir a continuidade delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor e substituir o regime integralmente fechado pelo inicialmente fechado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatos e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder parcialmente a ordem e, por maioria, denegar o habeas corpus com relação à continuidade delitiva, nos termos do voto da Srª Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 07 de agosto de 2007 (data do julgamento).

Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), Relatora

DJ 08.10.2007

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG): Trata-se de habeas corpus impetrado por Eduardo Nunes de Araújo, em seu próprio benefício, dizendo estar sofrendo coação ilegal por parte do Tribunal de Justiça de São Paulo que, por maioria de votos, deu parcial provimento ao seu recurso, reduzindo a sua pena pelo crime de roubo, mas recusando a tese da continuação delitiva entre o crime de estupro e atentado violento ao pudor, passando-lhe a pena para os referidos crimes para 12 anos de reclusão, no regime integralmente fechado, diminuindo a pena para o crime de roubo para quatro anos de reclusão e dez dias-multa em regime inicialmente fechado.

Nega o impetrante à autoria dos crimes pelos quais foi condenado, dizendo não haver provas suficientes para a sua condenação. Diz que ela foi feita apenas com base no reconhecimento feito pela vítima, mas tal prova não pode prevalecer, porquanto não está amparada na prova pericial.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA

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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008

Pretende que lhe seja concedida ordem para absolvê-lo e, alternativamente, o reconhecimento da continuidade delitiva, citando farta jurisprudência sobre a matéria, bem como sobre a insegurança probatória.

Foram requisitadas e prestadas informações pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

O Ministério Público Federal, por meio do Subprocurador Eugênio Guilherme de Aragão, opina pela denegação da ordem.

Vistos e exposto, coloco o feito em mesa para julgamento.

VOTO

A Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG) (Relatora): Examinei com o devido cuidado as razões da impetração e vejo que, em parte, assiste razão ao impetrante.

No que se refere à negativa de autoria e insuficiência de provas para a condenação, entendo que os autos não trazem elementos suficientes para que a primeira seja reconhecida, nem possibilita o exame das provas que conduziram à condenação do paciente, além de não ser o presente remédio legal o indicado para o exame do mérito, que demanda aprofundado exame da prova, o que não é permitido fazer em sede de habeas corpus e, ao que parece já foi ajuizada Revisão Criminal, que é a via adequada para o exame de decisões condenatórias transitadas em julgado, sendo abundante a jurisprudência deste Tribunal sobre a matéria, razão pela qual abstenho-me de transcrevê-la.

Por outro lado, a palavra da vítima é coesa e aliada aos demais elementos probatórios trazidos Aos autos, não há dúvida de que realmente foi o réu o autor dos crimes pelos quais foi condenado.

Todavia, entendo que lhe assiste razão no que se refere à possibilidade da continuação delitiva entre o crime de estupro e atentado violento ao pudor, sendo que em outro pedido do mesmo réu, já por nós colocado em mesa para julgamento, o de n. 58.150-SP, o Tribunal de Justiça de São Paulo substituiu-lhe o concurso material entre os referidos delitos pela continuação delitiva, reduzindo-lhe a pena imposta.

Não desconheço a orientação contrária, porém tenho adotado o entendimento dos que acham que tais crimes são da mesma espécie, porquanto praticados contra a liberdade sexual, ofendendo, de forma ampla, a inviolabilidade carnal, que é o objeto da tutela jurídica e, assim, podem ser cometidos em continuidade delitiva.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

A posição que adota o concurso material entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor não se ajusta à ordem estabelecida pelo Código Penal, que colocou seus artigos 213 e 214 no mesmo capítulo (“Dos Crimes Contra a Liberdade Sexual”), com isto querendo dizer que são da mesma espécie, em um sentido absoluto, e ofendem o mesmo bem juridicamente tutelado pelo atual ordenamento jurídico, vigente desde 1940, ou seja, os costumes. A propósito, nos ensina Heleno Cláudio Fragoso:

Crimes da mesma espécie não são aqueles previstos no mesmo artigo de lei,

mas também aqueles que ofendem o mesmo bem jurídico e que apresentam, pelos

fatos que os constituem ou pelos motivos determinantes, caracteres fundamentais

comuns. (Lições de Direito Penal – A Nova Parte Geral – Editora Forense).

Não se pode deixar de lembrar que o crime continuado é modalidade do concurso material e que foi criado, historicamente, com o objetivo de evitar as injustiças decorrentes de aplicação das penas.

Hoje, mais do que nunca, as elevadíssimas reprimendas estabelecidas para alguns crimes, dentre os quais o atentado violento ao pudor e o estupro devem ser levadas em consideração para os efeitos de se dar ao crime continuado o conceito indicado pela Política Criminal que o instituiu, evitando-se as grandes distorções e injustiças que estão ocorrendo em relação a dosimetria da pena.

Aliás, o atual regime adotado em relação à continuação delitiva pelo nosso Estatuto Penal eliminou séria divergência doutrinária e jurisprudencial para autorizar o seu reconhecimento, mesmo em se tratando de crimes que atingem bens personalíssimos e vítimas diversas, bastando que estejam presentes os requisitos objetivos previstos no seu artigo 71. Vejamos a jurisprudência:

A teor do art. 71, parágrafo único, do Código Penal, é possível a continuidade

delitiva em crimes que lesam interesses jurídicos pessoais, ainda que cometidos

contra vítimas diferentes, pois em face da Lei n. 7.209/1984, a pluralidade de

vítimas não é mais óbice ao reconhecimento da continuidade, que pode ser admitida

até em homicídios. (TJSP RT 766/588).

Assim, entendo que a ordem deve ser concedida para admissão da continuidade delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor praticados pelo réu contra a vítima, notadamente por estarem presentes os demais requisitos para o seu reconhecimento.

Verifico também que está o réu a sofrer coação ilegal por outro motivo, ainda que não argüido, ou seja, está sendo submetido ao regime integralmente fechado, ainda que dois dos delitos praticados sejam hediondos.

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O sistema brasileiro no que tange ao regime de cumprimento das penas privativas de liberdade é o progressivo, grande arma para o executor das reprimendas, pois a gradual liberdade passa a ser uma conquista do condenado que, por ela estimulado, desenvolve esforço pessoal para ter bom comportamento carcerário e adquirir novos princípios de vida com reflexos sociais em sua conduta posterior à prisão. Se não o faz, jamais obterá a almejada progressão, e nem mesmo o livramento condicional, pois tais requisitos subjetivos são exigidos para a concessão dos aludidos benefícios.

Tal sistema foi inteiramente recepcionado pela Constituição da República de 1988, pois esta consagrou o princípio da individualização das penas, da qual faz parte à dos regimes de seu cumprimento, consoante o disposto no artigo 59, III do Código Penal e repetido na Lei de Execução Penal, não podendo ser menosprezado.

A imposição de regime integralmente fechado implica em determinação de pena cruel, pois retira do condenado o estímulo e a esperança necessária para o cumprimento das reprimendas impostas, o que igualmente o legislador constituinte reprimiu ao estabelecer o princípio da humanidade das penas.

Assim, a questão há de ser interpretada conforme o princípio de individualização da pena estabelecido na Constituição da República, da qual faz parte à dos regimes de seu cumprimento, que, por sua vez, se faz de modo progressivo, conforme estabelecido no Código Penal e na Lei de Execução Penal, repita-se, inteiramente recepcionados pela Carta Magna.

Não se está agindo em desfavor da sociedade, mas sim para sua própria proteção, visto que o regime progressivo de cumprimento da pena permite uma melhor observação da pessoa do condenado, que, repita-se uma vez mais, só obterá a almejada progressão se a conquistar, enquanto que colocá-lo em liberdade depois do cumprimento de dois terços da pena, através do livramento condicional é levar para o seio social uma pessoa que não foi testada para ser ali inserida ou reinserida, voltando rapidamente à marginalidade e colocando em risco toda a população já tão atemorizada.

Entendo que, antes do livramento condicional, que não é fase de progressão do cumprimento da pena, mas liberdade antecipada, a individualização da reprimenda e do seu regime, que também é feita na fase de execução, deve ser cuidadosamente examinada, com passagem para regimes diversos, até que, ao final dos dois terços de pena, se verifique se o apenado realmente contribuiu para o alcance de sua própria liberdade e se têm condições de obtê-la sem colocar em risco a segurança social.

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A progressão não é um presente, mas uma conquista feita diuturnamente durante o cumprimento da pena.

Impõe-se, portanto, a modificação do regime integralmente fechado para o inicialmente fechado, compatível com as normas recepcionadas pela Constituição da República, ainda que não se possa afastar a hediondez do crime praticado, principalmente agora, quando o Tribunal Maior concluiu que a impossibilidade da potencial progressão fere a Carta Magna e, não obstante ter sido feito através do controle difuso deu-se, ao que se sabe, pela primeira vez, uma amplitude maior a tal decisão, alcançando os mesmos efeitos da decisão feita através do controle concentrado, pois por unanimidade se entendeu que ela se estende ex nunc, alcançando todas as penas ainda em execução.

Ressalte-se que os efeitos de tal decisão devem ser interpretados como erga omnes, pois o Supremo Tribunal Federal, após decidir pela referida inconstitucionalidade, concedeu, por unanimidade, tal efeito à decisão, tendo posteriormente o mesmo Tribunal entendido que a questão nem mesmo precisava mais ser levada ao plenário, podendo os Ministros afastar o óbice por simples despacho.

Finalmente, no dia 28 de março do corrente ano, 2007, a Lei n. 11.464 suprimiu do artigo 2º, § 1º da Lei n. 8.072/1990, que de modo infeliz, ao arrepio da Constituição da República, havia criado o malsinado regime integralmente fechado, a expressão “integralmente”, substituindo-a por “inicialmente”.

Como a aplicação retroativa da lex mitior é imperativo constitucional (artigo 5º, XL da Constituição da República), a discussão sobre a matéria em questão é inócua, nada mais tendo feito o legislador que adaptar a legislação ao reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal da inconstitucionalidade do referido dispositivo, impondo-se, portanto, a concessão parcial da ordem para alteração do regime de cumprimento da pena imposta para os crimes de estupro e atentado violento ao pudor em continuação delitiva, de ofício, posto que o constrangimento ilegal pode ser conhecido em qualquer fase do processo.

Posto isto, concedo parcialmente a ordem para considerar que os crimes de estupro e atentado violento ao pudor foram praticados em continuação delitiva, nos termos do disposto no artigo 71, do Código Penal e para substituir o regime integralmente fechado, determinado para os referidos crimes para o inicialmente fechado, cabendo ao Juiz de primeiro grau verificar se o paciente já reúne os requisitos objetivos e subjetivos para a devida progressão.

Como a pena isolada para cada um dos crimes em concurso material foi fixada no mínimo legal, assim a mantenho na continuação delitiva e, como são iguais, tomo uma delas e desprezo à outra, fazendo incidir o aumento de um

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sexto, pois só dois crimes a integram, fixando-a finalmente em sete anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, mantendo a multa, ainda que fixada equivocadamente, por não se admitir reformatio in pejus.

Façam-se as devidas comunicações.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 60.589-RN (2006/0122942-8)

Relator: Ministro Felix FischerImpetrante: João Cabral da SilvaImpetrado: Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do NortePaciente: Roberto Moura do Nascimento (Preso)

EMENTA

Processual Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Art. 121, § 2º, I, III e IV, do CP. Prisão preventiva. Excesso de prazo na formação da culpa. Demora na realização do exame de insanidade mental. Constrangimento ilegal configurado.

Restando caracterizado o evidente excesso de prazo, desprovido de justificativa razoável, encontrando-se o feito no aguardo da realização do exame de insanidade mental há mais de 01 (um) ano e 5 (cinco) meses, deve o réu ser posto em liberdade (Precedentes).

Ordem concedida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 17 de outubro de 2006 (data do julgamento).

Ministro Felix Fischer, Relator

DJ 26.02.2007

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, com pedido de liminar, impetrado em benefício de Roberto Moura do Nascimento, contra v. acórdão prolatado pelo e. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, assim ementado:

Ementa: Processo Penal. Habeas corpus liberatório. Decretação de prisão temporária convertida em preventiva. Alegação de excesso de prazo para a formação da culpa. Complexidade do processo. Extenso rol de acusados. Existência de incidentes processuais. Princípio da razoabilidade. Inexistência de constrangimento ilegal. Ausência dos requisitos da preventiva. Não configuração. Testemunhas ameaçadas pelos acusados. Custódia cautelar para garantia da ordem pública. Decisão devidamente motivada. Condições pessoais favoráveis. Irrelevância.

1. Diante do princípio da razoabilidade, tem-se como justificado o excesso de prazo quando a demora para a conclusão da instrução criminal não se deve a atos do magistrado ou da máquina judiciária, mas em razão da complexidade da causa, como, por exemplo, a existência de vários réus e de incidentes processuais.

2. Justifica-se a prisão preventiva para garantia da ordem pública, em razão da periculosidade do agente, a fim de prevenir a reprodução de fatos criminosos, bem como acautelar o meio social e a credibilidade da justiça.

3. As condições pessoais favoráveis, desde que presentes os pressupostos e requisitos da prisão preventiva, não são garantidoras de eventual direito à liberdade provisória.

4. Habeas Corpus denegado (fls. 89/90).

Retratam os autos que o paciente, juntamente com outros co-réus, teve a prisão preventiva decretada e foi denunciado pela suposta prática do delito previsto no art. 121, § 2º, I, III e IV do CP.

Nas razões do presente writ, sustenta o impetrante constrangimento ilegal em razão do excesso de prazo para o fim da instrução criminal uma vez que o paciente, preso preventivamente desde 29.03.2005, aguarda a realização do exame de insanidade mental requerido por ocasião do interrogatório judicial.

Liminar indeferida à fl. 78.

Informações prestadas às fls. 128/129.

A douta Subprocuradoria-Geral da República, às fls. 117/121, se manifestou pela denegação da ordem em parecer assim ementado:

HC. Excesso de prazo. Princípio da razoabilidade. Demora justificada.

Complexidade do feito. Súmula n. 64 do STJ.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA

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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008

- O constrangimento ilegal por excesso de prazo só pode ser reconhecido

quando a demora for injustificada. Precedentes.

- Justifica-se eventual dilação do prazo para conclusão da instrução criminal

na hipótese de feito complexo, com vários réus e vários incidentes processuais, por

aplicação do princípio da razoabilidade.

- Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução

provocado pela defesa. Súmula n. 64 do STJ.

- Pela denegação da ordem (fl. 117).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): Nas razões do presente writ, sustenta o impetrante constrangimento ilegal em razão do excesso de prazo para o fim da instrução criminal uma vez que o paciente, preso preventivamente desde 29.03.2005, aguarda a realização do exame de insanidade mental requerido por ocasião do interrogatório judicial.

A irresignação merece ser acolhida.

Compulsando os autos verifica-se que o paciente, preso preventivamente desde 29.03.2005, foi denunciado, juntamente com outros co-réus, pela suposta prática do delito previsto no art. 121, § 2º, incisos I, III e IV, do CP.

Em 04.05.2005, por ocasião do seu interrogatório judicial, foi deferido a instauração do incidente de insanidade mental requerido pela defesa, determinando-se o desmembramento do feito em relação ao paciente.

Conforme informações prestadas pela autoridade apontada como coatora, nos autos principais, a instrução criminal está encerrada, aguardando-se diligência requerida pelo Ministério Público. Em relação ao processo desmembrado, onde o paciente figura como réu, o feito aguarda, ainda, a realização do exame de insanidade mental (fls. 128/129).

Observa-se que decorridos mais de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses o exame de insanidade mental ainda não foi realizado. Evidencia-se, portanto, no presente caso, injustificável excesso de prazo na instrução criminal em razão da inércia do Estado-Administração na realização do exame de insanidade mental no paciente.

Trago à colação o seguinte precedente:

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Criminal. HC. Homicídio qualificado. Excesso de prazo. Exame de insanidade

mental. Diligência requerida pela defesa e deferida pelo juiz ainda na fase

instrutória. Necessidade de designação de perito habilitado. Inércia do Tribunal

a quo. Demora não atribuível ao réu. Inaplicabilidade da Súmula n. 52 deste STJ.

Ordem concedida.

I. Hipótese na qual o paciente foi preso em flagrante e denunciado pela suposta prática do delito de homicídio qualificado, tendo sido deferido o pleito defensivo de exame de insanidade mental no réu, o qual ainda não foi realizado.

II. A demora na realização da diligência é atribuível exclusivamente ao Estado-Juiz, não podendo o paciente suportar, preso, a inércia do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, que, até a presente data, não atendeu o pleito de envio de profissional habilitado à comarca.

III. O Supremo Tribunal Federal já decidiu não ser determinante o fato de o

processo estar na fase do art. 499 do CPP, pois, se o excesso de prazo estiver configurado

de maneira concreta, pode, mesmo assim, ser reconhecido. Precedentes.

IV. O constrangimento ilegal por excesso de prazo deve ser reconhecido

quando a demora é injustificada, hipótese verificada no caso.

V. Inaplicabilidade da Súmula n. 52-STJ.

VI. Deve ser determinada a soltura do paciente, se por outro motivo não

estiver preso, permanecendo em liberdade provisória, mediante condições a serem

estabelecidas pelo Juízo de primeiro grau.

VII. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.

(HC n. 60.563-MS, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJU de 11.09.2006).

Ante o exposto, concedo o writ para relaxar a prisão preventiva do paciente, em razão do injustificável excesso de prazo na formação da culpa, caracterizado pela demora na realização do exame de insanidade mental, e determino, por conseguinte, a expedição de alvará de soltura, salvo se por outro motivo estiver preso.

É o voto.

HABEAS CORPUS N. 75.025-SP (2007/0011533-0)

Relatora: Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG)Impetrante: Luís César Rossi Francisco - Defensor Público

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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São PauloPaciente: Rogério Santana da Costa (Preso)

EMENTA

Latrocínio tentado. Réu primário. Pena-base fixada no mínimo legal. Regime fechado. Impossibilidade. Ordem concedida.

- O regime inicial de cumprimento da pena deve considerar a quantidade de pena imposta e a análise das circunstâncias judiciais.

- A escolha do regime fechado, mesmo no caso de latrocínio tentado deve ser concretamente fundamentada, principalmente se a dosagem final da pena permitir , em tese, regime menos grave.

- A gravidade abstrata do crime, por si só, não pode levar à determinação do regime fechado inicialmente, pois esta já foi considerada na escala penal a ele cominada.

Ordem concedida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatos e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 07 de agosto de 2007 (data do julgamento).

Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), Relatora

DJ 08.10.2007

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG): Luís César Rossi Francisco, Defensor Público, impetrou o presente habeas corpus em benefício de Rogério Santana da Costa, devidamente qualificado nestes autos, processado e condenado a seis anos e oito meses de reclusão, pelo delito de latrocínio tentado, artigo 157, § 3º, c.c. o artigo 14, II, todos do Código Penal, tendo o Juiz de primeiro grau fixado o seu regime de cumprimento de pena como integralmente fechado.

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Interposto o competente apelo este foi provido pelo Tribunal de Justiça do Paraná modificando-se o regime integralmente fechado para o inicialmente fechado.

Inconformado, o Defensor Público aviou o presente pedido nele pretendendo a modificação do regime de cumprimento de pena para o semi-aberto.

Não foi concedida a liminar pleiteada, ao entendimento de que o pleito se confundia com o próprio mérito da impetração, cuja análise caberá, oportunamente, ao Órgão Colegiado, determinando-se pedido de informação à autoridade apontada como coatora.

O Subprocurador-Geral de Justiça, Doutor Antônio Carlos Pessoa Lins, em seu lúcido parecer, opina pela concessão da ordem, fazendo referência a precedentes deste Tribunal.

Relatados, em mesa para julgamento.

VOTO

A Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), (Relatora): Verifiquei com cuidado as razões da impetração, assim como a documentação juntada, comparando-as com a sentença e o acórdão atacados e vejo assistir razão ao impetrante, posto que estava o paciente cumprindo pena no regime fechado, enquanto deveria fazê-lo no pleiteado regime aberto.

Os precedentes desta Turma reiteradamente condenam a imposição do regime fechado ante a gravidade abstrata do crime, por si só, porquanto ao fazer a cominação para o delito o legislador já a considerou, por isso é inadmissível, em princípio, a determinação de regime mais severo que o correspondente, em princípio à pena aplicada, critério adotado pelo Magistrado que fixou a pena, confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, não obstante a análise de todas as circunstâncias judiciais tenha sido considerada em favor do paciente, tanto que a sua pena-base ficou no mínimo legal.

Acrescente-se que a matéria já se encontra sumulada pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal (Súmula n. 718).

A análise das circunstâncias judiciais serve não só para a fixação da pena-base, mas também para determinação do regime de cumprimento da reprimenda privativa de liberdade imposta, sendo que, reiteradamente, este Tribunal tem considerado que sendo o réu primário e a pena fixada em seu mínimo legal, não se pode fixar regime mais rigoroso que o previsto para a sua quantidade.

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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008

Não resta dúvida que a atual disposição sobre os crimes hediondos determina o cumprimento da pena no regime inicialmente fechado, mas não se permite a retroatividade da norma penal para prejudicar o réu.

Deixo de transcrever os precedentes por já tê-lo feito o culto Subprocurador-Geral de Justiça.

Ante tais fundamentos, concedo a ordem impetrada para que o paciente cumpra a sua pena, desde o início, no regime semi-aberto, devendo o Juiz de primeiro grau fixar-lhe as condições, consoante as normas legais atinentes à espécie.

Oficie-se na forma da lei.

Sem custas.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 84.146-SP (2007/0126954-5)

Relatora: Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG)Impetrante: Letícia de Carli Oliveira Faria Lopes (Assistência Judiciária)Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São PauloPaciente: Edson Firmino dos Reis (Preso)

EMENTA

Criminal. HC. Crime hediondo. Regime integralmente fechado. Concedida a ordem para retirar o óbice a eventual progressão de regime.

1. - O regime inicial fechado que possibilita eventual progressão, deve ser estabelecido como medida individualizadora da pena, na fase de execução, mostrando-se não só favorável ao réu, como também para garantir a sociedade, a ela restituindo-se pessoa que contribuiu com seu comportamento para a sua liberdade e foi rigorosamente observada durante o cumprimento da pena, através dos estágios de progressão por ela conquistados, mostrando-se capaz de viver na sociedade da qual se alijou e foi alijado.

2. - Restituir à sociedade o apenado, tão só pelo cumprimento de dois terços da pena, sem qualquer progressão anterior que possa

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ensejar uma melhor observação de sua conduta, é contribuir para o aumento da violência social.

3. - Inadmissível a imposição de regime integralmente fechado quando o Supremo Tribunal Federal declarou a sua inconstitucionalidade, estendendo os seus efeitos a todas as penas em execução.

4. - A aplicação da Lei n. 11.464/2007, com a modificação de seu artigo 2º, parágrafo 1º, que substituiu a expressão “integralmente” por “inicialmente”, deve retroagir para alcançar os fatos criminosos ocorridos antes de sua vigência, por se tratar de lex mitior, segundo comando constitucional (Artigo 5º, XL da Constituição da República).

Ordem concedida para substituir o regime integralmente fechado pelo inicialmente fechado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatos e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto da Srª Ministra Relatora.Os Srs. Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 07 de agosto de 2007 (data do julgamento).

Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), Relatora

DJ 03.09.2007

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG): Trata-se de habeas corpus contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que denegou o writ ali impetrado em favor de Edson Firmino dos Reis, visando à concessão do benefício da progressão de regime.

O paciente foi condenado à pena de 03 anos de reclusão, em regime integralmente fechado, como incurso nas sanções do art. 12, caput, da Lei n. 6.368/1976.

Após o desconto de 1/6 da pena, a defesa ajuizou pleito de progressão de regime, que restou indeferido pelo Juízo da Vara das Execuções Criminais.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA

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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008

Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus perante a Corte de origem, cuja ordem foi denegada, mantido o regime integralmente fechado para o desconto da reprimenda.

Daí o presente writ, no qual se busca, em síntese, a concessão do benefício da progressão de regime prisional, afastando-se o óbice do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/1990.

Liminar inferida à fl. 19.

Informações prestadas às fls. 26/27.

A Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pela concessão da ordem (fls. 63/64).

É o relatório.

Em mesa para julgamento.

VOTO

A Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), (Relatora): Examinei com cuidado as razões do impetrante, comparando-as com a documentação juntada nos autos e com a sentença e o acórdão que teriam causado constrangimento ilegal ao ora paciente e vejo que lhe assiste razão.

O sistema brasileiro no que tange ao regime de cumprimento das penas privativas de liberdade é o progressivo, grande arma para o executor das reprimendas, pois a gradual liberdade passa a ser uma conquista do condenado que, por ela estimulado, desenvolve esforço pessoal para ter bom comportamento carcerário e adquirir novos princípios de vida com reflexos sociais em sua conduta posterior à prisão. Se não o faz, jamais obterá a almejada progressão, e nem mesmo o livramento condicional, pois tais requisitos subjetivos são exigidos para a concessão dos aludidos benefícios.

Tal sistema foi inteiramente recepcionado pela Constituição da República de 1988, pois esta consagrou o princípio da individualização das penas, da qual faz parte à dos regimes de seu cumprimento, consoante o disposto no artigo 59, III do Código Penal e repetido na Lei de Execução Penal, não podendo ser menosprezado.

A imposição de regime integralmente fechado implica em determinação de pena cruel, pois retira do condenado o estímulo e a esperança necessária para o cumprimento das reprimendas impostas, o que igualmente o legislador constituinte reprimiu ao estabelecer o princípio da humanidade das penas.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Assim, a questão há de ser interpretada conforme o princípio de individualização da pena estabelecido na Constituição da República, da qual faz parte à dos regimes de seu cumprimento, que, por sua vez, se faz de modo progressivo, conforme estabelecido no Código Penal e na Lei de Execução Penal, repita-se, inteiramente recepcionados pela Carta Magna.

Não se está agindo em desfavor da sociedade, mas sim para sua própria proteção, visto que o regime progressivo de cumprimento da pena permite uma melhor observação da pessoa do condenado, que, repita-se uma vez mais, só obterá a almejada progressão se a conquistar, enquanto que colocá-lo em liberdade depois do cumprimento de dois terços da pena, através do livramento condicional é levar para o seio social uma pessoa que não foi testada para ser ali inserida ou reinserida, voltando rapidamente à marginalidade e colocando em risco toda a população já tão atemorizada.

Entendo que, antes do livramento condicional, que não é fase de progressão do cumprimento da pena, mas liberdade antecipada, a individualização da reprimenda e do seu regime, que também é feita na fase de execução, deve ser cuidadosamente examinada, com passagem para regimes diversos, até que, ao final dos dois terços de pena, se verifique se o apenado realmente contribuiu para o alcance de sua própria liberdade e se têm condições de obtê-la sem colocar em risco a segurança social.

A progressão não é um presente, mas uma conquista feita diuturnamente durante o cumprimento da pena.

Impõe-se, portanto, a modificação do regime integralmente fechado para o inicialmente fechado, compatível com as normas recepcionadas pela Constituição da República, ainda que não se possa afastar a hediondez do crime praticado, principalmente agora, quando o Tribunal Maior entendeu que a impossibilidade da potencial progressão fere a Carta Magna e, não obstante ter sido feito através do controle difuso deu-se, ao que se sabe, pela primeira vez, uma amplitude maior a tal decisão, alcançando os mesmos efeitos da decisão feita através do controle concentrado, pois por unanimidade se entendeu que ela se estende ex nunc, alcançando todas as penas ainda em execução.

Ressalte-se que os efeitos de tal decisão devem ser interpretados como erga omnes, pois o Supremo Tribunal Federal, após decidir pela referida inconstitucionalidade, concedeu, por unanimidade, tal efeito à decisão, tendo posteriormente o mesmo Tribunal entendido que a questão nem mesmo precisava mais ser levada ao plenário, podendo os Ministros afastar o óbice por simples despacho.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA

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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008

Finalmente, no dia 28 de março do corrente ano, 2007, a Lei n. 11.464 suprimiu da Lei n. 8.072/1990, do seu artigo 2º, parágrafo 1º, que de modo infeliz, ao arrepio da Constituição da República, havia criado o malsinado regime integralmente fechado, a expressão “integralmente”, substituindo-a por “inicialmente”.

Como a aplicação retroativa da lex mitior é imperativo constitucional (artigo 5º, XL da Constituição da República), a discussão sobre a matéria em questão é inócua, nada mais tendo feito o legislador que adaptar a legislação ao reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal da inconstitucionalidade do referido dispositivo, impondo-se, portanto, a concessão parcial da ordem para alteração do regime de cumprimento da pena imposta para os crimes de estupro e atentado violento ao pudor em continuação delitiva.

Ante tais fundamentos, concedo a ordem para substituir o regime integralmente fechado para o pelo inicialmente fechado, recomendando ao Juiz que verifique se o réu já reúne os requisitos objetivos e subjetivos para obtenção de progressão de regime.

É como voto.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 20.432-PE (2005/0125862-0)

Relator: Ministro Arnaldo Esteves LimaRecorrente: José Francisco Cavalcante - InterditoRepr. por: Maria Elza Cavalcante da Silva - Curadora Advogado: Rodolfo Domingos de Souza e outroT. Origem: Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco Impetrado: Secretário de Administração e Reforma do Estado de Pernambuco e outroRecorrido: Estado de PernambucoProcurador: Renata dos Santos Diniz e outros

EMENTA

Administrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança. Militar inativo do Estado de Pernambuco. Auxílio-invalidez.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Manutenção da forma de cálculo conforme a lei anterior. Precedente. Recurso provido.

1. A Lei Complementar Estadual n. 32/2001, embora tenha majorado o soldo dos militares do Estado de Pernambuco, nada dispôs quanto ao auxílio-invalidez, que, por conseguinte, deve continuar a ser devido conforme o disposto na Lei Estadual n. 10.426/1990.

2. Hipótese em que não se aplica a orientação do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual servidor público não tem direito adquirido a determinado regime remuneratório, desde que observado o princípio da irredutibilidade salarial. Precedente.

3. Recurso ordinário provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 15 de fevereiro de 2007 (data do julgamento).

Ministro Arnaldo Esteves Lima, Relator

DJ 12.03.2007

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto por José Francisco Cavalcanti, representado por sua curadora Maria Elza Cavalcante da Silva, em desfavor do Estado de Pernambuco, com fundamento no art. 105, inc. II, letra b, da Constituição Federal, em que se insurge contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, segundo o qual servidor público não tem direito adquirido à imutabilidade do regime remuneratório, razão por que seria válido o valor do auxílio-invalidez pago, tendo em vista que o impetrante, ora recorrente, tivera aumento na totalidade de seus proventos, conforme a Lei Complementar Estadual n. 32/2001.

O recorrente, militar inativo da Polícia Militar do Estado de Pernambuco, que aufere o auxílio-invalidez em razão de doença mental, sustenta que o valor correspondente à referida parcela não pode ser reduzido, congelado ou subtraído,

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havendo o acórdão recorrido subestimado o direito adquirido e os princípios da legalidade e da irredutibilidade de vencimentos. Requer seja julgada válida a lei que determinou o recebimento do auxílio-invalidez no valor nunca inferior ao soldo de Cabo PM (fls. 125/127).

O Estado de Pernambuco apresentou contra-razões (fls. 134/146).

O Ministério Público Federal, pelo Subprocurador-Geral da República José Flaubert Machado Araújo, opina pelo provimento do recurso (fls. 156/166).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima (Relator): Narram os autos que o ora recorrente, José Francisco Cavalcanti, integrante da Polícia Militar do Estado de Pernambuco, passou para a inatividade no posto de Soldado de 1ª Classe. Em razão de doença mental, aufere auxílio-invalidez, que correspondia ao percentual de 35% (trinta e cinco por cento) incidente sobre o soldo, mas nunca em valor inferior ao soldo de Cabo PM, nos termos da Lei Estadual n. 10.426, de 27.04.1990, que dispõe:

Art. 92. O Servidor Militar considerado inválido, impossibilitado total e

permanentemente para qualquer trabalho, não podendo prover os meios de sua

subsistência, fará jus a um auxílio-invalidez, no valor de 35% (trinta e cinco

por cento) do respectivo soldo, desde que satisfaça a uma das condições abaixo

especificadas, devidamente declaradas por Junta Militar de Saúde:

(...)

§ 5º O Auxílio-Invalidez não poderá ser inferior ao valor do soldo de Cabo.

Diante da superveniência da Lei Complementar Estadual n. 32, de 27.04.2001, o soldo de Cabo PM passou, a partir de abril de 2001, para R$ 231,82 (duzentos e trinta e um reais e oitenta e dois centavos), e, partir de julho de 2001, para R$ 253,62 (duzentos e cinqüenta e três reais e sessenta e dois centavos).

No entanto, a autoridade impetrada, desde maio de 2001, vem pagando o auxílio-invalidez em valores menores, ao argumento de que a referida Lei Complementar preservou os valores nominais do mês de março, ao assim dispor:

Art. 1º Todas as parcelas remuneratórias, compreendidas como tais

as gratificações, os adicionais, as indenizações, e quaisquer outros acréscimos

pecuniários, a qualquer título, percebidos pelo membro da Polícia Militar do Estado,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Casa Militar e Corpo de Bombeiros Militar do Estado, sejam ativos, reformados, da

reserva remunerada ou ainda as parcelas ou acréscimos que compõem as pensões

dos pensionistas, passam a corresponder aos valores nominais referentes ao mês de

março de 2001, sendo reajustáveis por lei específica ou por lei que disponha sobre

revisão geral de remuneração dos agentes públicos estaduais, ficando expressamente

vedada a vinculação de quaisquer vantagens remuneratórias, parcelas ou acréscimos

pecuniários ao soldo.

O acórdão recorrido consignou que há direito líquido e certo a ser tutelado, ao fundamento de que servidor público não tem direito adquirido a determinado regime jurídico, desde que observado o princípio da irredutibilidade de vencimentos, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (RE n. 346.655-PR, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma, DJ de 08.11.2002, p. 42).

Ocorre que essa orientação jurisprudencial não se aplica ao caso. Não se trata de discussão a respeito da manutenção de determinado regime de remuneração, porquanto a Lei Complementar Estadual n. 32/2001, embora tenha majorado o soldo dos militares estaduais, nada dispôs quanto ao auxílio-invalidez, que, por conseguinte, deve continuar a ser pago conforme o disposto na Lei Estadual n. 10.426/1990, não revogada quanto a esse aspecto.

Nesse sentido, transcrevo a seguinte ementa:

Administrativo. Agravo regimental. Decisão agravada mantida por seus

próprios fundamentos. Servidor público militar. Novo regime remuneratório. Auxílio-

invalidez não disciplinado pela nova lei. Diploma legal anterior não revogado.

Manutenção do critério remuneratório.

1. O Agravante não trouxe argumento capaz de infirmar as razões

consideradas no julgado agravado, razão pela qual deve ser mantido por seus

próprios fundamentos.

2. Conquanto firme o entendimento no sentido da inexistência de direito

adquirido a regime remuneratório, resguardada a irredutibilidade de vencimentos,

tal concepção não se aplica ao caso sub examine, tendo em vista que, ao contrário do

salientado, a nova Lei (LC n. 32/2001) não procedeu à pretendida desvinculação,

nada dispondo acerca dos valores remuneratórios relativos ao auxílio-invalidez.

3. A instituição, tão-só, de novo sistema remuneratório – com a implementação

de valores nominais de parcelas remuneratórias – não tem o condão de revogar a

previsão legal anterior (Lei n. 10.426/1990), que vinculou o auxílio-invalidez aos

vencimentos de cabo.

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4. Agravo regimental desprovido. (RMS n. 20.164-PE, Rel. Min. Laurita Vaz,

Quinta Turma, DJ de 02.05.2006, p. 342)

Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário. Concedo a segurança para determinar que a autoridade impetrada proceda ao pagamento mensal da parcela relativa ao auxílio-invalidez, devida ao ora recorrente, no valor correspondente ao do soldo de Cabo PM, segundo as majorações introduzidas pela Lei Complementar Estadual n. 32/2001, desde a impetração do mandamus, conforme requerido. Custas ex lege. Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos da Súmula n. 105-STJ.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 819.738-SC (2006/0008584-8)

Relatora: Ministra Laurita VazRecorrente: Ministério Público do Estado de Santa CatarinaRecorrido: Marcos Leal NunesAdvogado: Olavo Rigon Filho

EMENTA

Recurso especial. Penal. Prefeito Municipal. Crime de responsabilidade. Perda do cargo e inabilitação para exercício de cargo ou função pública. Penas autônomas em relação à pena privativa de liberdade. Prazos prescricionais distintos.

1. As penas previstas no § 2º, do art. 1º, do Decreto-Lei n. 201/1967 são autônomas em relação à pena privativa de liberdade, sendo distintos os prazos prescricionais. Precedentes do Pretório Excelso e desta Corte Superior.

2. Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

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Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Felix Fischer e Gilson Dipp votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 12 de dezembro de 2006 (data do julgamento).

Ministra Laurita Vaz, Relatora

DJ 12.02.2007

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Laurita Vaz: Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, com fundamento na alínea c do permissivo constitucional, em face de acórdão do Tribunal de Justiça local, proferido nos autos de processo crime de competência originária.

Informam os autos que o ora Recorrido Marcos Leal Nunes, Prefeito Municipal de Monte Carlo-SC, foi condenado pela Corte a quo às penas de 03 anos de detenção, como incurso no art. 89 da Lei n. 8.666/1993, e de 02 anos de reclusão, como incurso no art. 1º, inciso II, do Decreto-Lei n. 201/1967, tendo sido reconhecida a prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal em relação ao crime de responsabilidade.

Os embargos de declaração opostos, aduzindo omissão sobre as penas acessórias de perda de cargo e inabilitação para o exercício de função pública, pelo prazo de cinco anos, foram providos, nos seguintes termos, litteris:

O art. 1º, § 2º, do Decreto-Lei n. 201/1967 prevê, como efeitos da condenação,

"a perda de cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de

cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil

do dano causado ao patrimônio público ou particular", que prescrevem no mesmo

lapso estabelecido para a pena privativa de liberdade.

Se a pretensão punitiva concernente à reprimenda principal - privativa de

liberdade - prescreveu em decorrência do transcurso do prazo estabelecido em lei,

aquilo que se constitui em seu consectário não pode continuar sem ela existir. (fl.

344)

Sustenta o Recorrente, nas razões do especial, dissídio jurisprudencial com julgados dos Tribunais Superiores acerca da natureza acessória das sanções de perda de cargo e inabilitação para o exercício de cargo ou função pública. Aduz que essas penas possuem natureza independente e autônoma, prescrevendo à seu tempo.

Contra-razões às fls. 401/406.

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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008

Admitido o recurso na origem, ascenderam os autos à apreciação desta Corte.

O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 415/420, opinando pelo desprovimento do recurso, ao argumento que, a despeito da posição deste Superior Tribunal de Justiça, a autonomia das penas "somente poderá ser exercida após o trânsito em julgado da sentença condenatória, hipótese em que o cálculo da prescrição é diferenciado para as penas prevista nos §§ 1º e 2º, do art. 1º, do Decreto-Lei n. 201/1967".

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora): Como referido no relatório, o acórdão recorrido para acolher os embargos declaratórios, consignou a seguinte motivação, in verbis:

Procede a insurreição, pois o acórdão efetivamente silenciou a respeito da

incidência ou não dos efeitos secundários da condenação imposta ao acusado,

tornando-se imperativo o suprimento da omissão.

O efeito da condenação previsto no § 2º do art. 1º do Decreto-Lei n. 201/1967

"não é automático, nem depende tão-só desses elementos objetivos, ao motivar a

imposição da perda de cargo, função ou mandato, o juiz deve levar em consideração

o alcance do dano causado, a natureza do fato, as condições pessoais do agente,

o grau de sua culpa, etc., para concluir sobre a necessidade da medida no caso

concreto" (Franco, Alberto Silva; Ninno, Jefferson; Silva Júnior, José; Betanho, Luiz

Carlos; Moraes, Maurício Zanoide de; Podval, Roberto; Stoco, Rui; Feltrin, Sebastião

Oscar; e Ninno, Wilson, Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial,

volume 2, 7ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2001, p.

2.768).

Diante disso, faz-se mister que sobre eles este órgão emita pronunciamento,

por se constituírem em sanções.

(...)

Nesse rumo, torna-se imperativa a imposição de reprimenda mais severa,

consistente na perda do cargo e na inabilitação, pelo prazo de 5 (cinco) anos, para

o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da

reparação civil do dano inflingido, ao patrimônio público ou particular.

Entretanto, constata-se que se operou a prescrição também quanto aos efeitos

da condenação agora imposta ao acusado.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O art. 1º, § 2º, do Decreto-Lei n. 201/1967 prevê, como efeitos da condenação,

"a perda de cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de

cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil

do dano causado ao patrimônio público ou particular", que prescrevem no mesmo

lapso estabelecido para a pena privativa de liberdade.

Se a pretensão punitiva no concernente à reprimenda principal - privativa de

liberdade - prescreveu em decorrência do transcurso do prazo estabelecido em lei,

aquilo que se constitui em seu consectário não pode continuar sem ela existir.

(...)

Portanto, evidenciando-se a apontada omissão, promove-se à respectiva

supressão, declarando-se que a prescrição atingiu também os efeitos extrapenais

específicos da condenação, quais sejam, a perda do cargo e a inabilitação, pelo

prazo de 5 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de

nomeação. (fls. 343/345)

Apesar da razoabilidade da motivação apresentada pelo acórdão recorrido - "aquilo que se constitui em seu consectário não pode continuar sem ela existir" - a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, embasada em um precedente do Supremo Tribunal Federal - AI n. 379.392 QO-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão -, posicionou-se no sentido de que as penas previstas no § 2º, do art. 1º, do Decreto-Lei n. 201/1967 são autônomas em relação à pena privativa de liberdade, sendo distintos os prazos prescricionais.

Confira-se o citado precedente do Pretório Excelso:

Processual Penal. Questão de ordem. Pedido de reconhecimento de ofício da

prescrição da pretensão punitiva da pena in concreto. Crime de responsabilidade de

prefeito municipal ao qual foram cominadas as penas de multa e de inabilitação para

exercício de cargo ou função pública. Reconhecimento da prescrição da pretensão

punitiva do réu em relação à pena de multa aplicada, que se tornou definitiva ante

a inexistência de recurso da acusação. Hipótese, entretanto, em que o processo deve

prosseguir em face da pena restritiva de direito cominada que, por possuir natureza

independente e autônoma em relação à pena de multa, prescreve a seu tempo, não

sendo alcançada pela prescrição desta. Questão de ordem que se resolve na forma

acima explicitada (DJ de 16.08.2002.)

No mesmo sentido, passou a decidir o Supremo Tribunal de Justiça, como esclarecem os seguintes precedentes:

Criminal. REsp. Crime de responsabilidade de Prefeito. Prescrição retroativa

da inabilitação para o exercício de cargo ou função pública. Natureza jurídica

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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008

diversa da pena privativa de liberdade. Extinção da punibilidade não caracterizada.

Recurso provido.

Hipótese em que o recorrido restou condenado, por crime de responsabilidade,

à pena privativa de liberdade e à inabilitação para o exercício de cargo ou função

pública, tendo sido decretada a extinção da punibilidade de ambas as punições.

A inabilitação para o exercício de função pública foi elevada ao status de pena

restritiva de direitos, sendo autônoma em relação à privativa de liberdade.

Tratando-se de penas de naturezas jurídicas diversas, distintos serão os prazos

prescricionais. Precedente do STF e do STJ.

Recurso que merece ser provido para cassar o acórdão recorrido na parte

em que reconheceu a prescrição da pena de inabilitação para o exercício de cargo

público.

Recurso conhecido e provido, nos termos do voto do relator. (REsp n. 784.680-

SC, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 02.05.2006.)

Penal. Recurso especial. Crime de responsabilidade de Prefeito. Inabilitação

para o exercício de cargo ou função pública. Pena autônoma em relação à pena

privativa de liberdade. Prescrição. Prazos distintos.

A pena de inabilitação para o exercício de função pública é autônoma em

relação à pena privativa de liberdade. Logo, tratando-se de penas de naturezas

jurídicas diversas, distintos, também, serão os prazos prescricionais, i.e., não sendo

a pena de inabilitação acessória da pena privativa de liberdade, cada uma prescreve

a seu tempo (Precedentes do STF e do STJ).

Recurso provido. (REsp n. 738.891-PR, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJ

de 19.02.2005.)

Criminal. HC. Crime de responsabilidade de Prefeito. Pena privativa de

liberdade. Prescrição retroativa. Ocorrência. Inabilitação para o exercício de cargo

ou função pública. Naturezas jurídicas diversas.

Suspensão do acórdão condenatório. Inexistência de interposição de recurso

de índole especial. Ordem parcialmente concedida.

Hipótese em que o paciente restou condenado, por crime de responsabilidade,

à pena privativa de liberdade e à inabilitação para o exercício de cargo ou função

pública.

Ultrapassado o lapso prescricional previsto no art. 109, inc. V do Código

Penal, entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia, levando-se em conta a

pena concretamente estabelecida e mantida em 2º grau de jurisdição, assim como

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

a redução do prazo prescricional em função da menoridade do paciente à época do

crime, declara-se a sua extinção da punibilidade.

A inabilitação para o exercício de função pública foi elevada ao status de pena

restritiva de direitos, sendo autônoma em relação à privativa de liberdade.

Tratando-se de penas de naturezas jurídicas diversas, distintos serão os prazos

prescricionais. Precedente do STF.

O habeas corpus não é a via adequada para se atribuir efeito suspensivo a

recurso especial, pedido normalmente veiculado por medida cautelar inominada

e somente acolhido em casos excepcionalíssimos, condicionando-se, ainda, ao

recebimento do recurso na origem.

Hipótese na qual não há, sequer notícia da interposição de recurso de índole

especial.

Ordem parcialmente concedida, para declarar a extinção da punibilidade do

paciente, somente quanto à pena privativa de liberdade imposta pelo Tribunal a quo, pela ocorrência da prescrição retroativa. (HC n. 28.740-CE, 5ª Turma, Rel. Min.

Gilson Dipp, DJ de 28.06.2004.)

Recurso especial. Penal e Processo Penal. Dissídio jurisprudencial alínea c do

permissivo constitucional. Art. 1º, inciso II do Decreto-Lei n. 201/1967. Inabilitação

para o exercício de cargo público.

Prescrição da pretensão punitiva. Extinção da punibilidade.

“O Pretório Excelso, em situação semelhante, concluiu não ser a pena

de inabilitação acessória da pena privativa de liberdade, por possuir natureza

independente, prescrevendo, assim, cada qual a seu tempo.”

Recurso conhecido e provido (REsp n. 620.958-SC, 5ª Turma, Rel. Min. José

Arnaldo da Fonseca, DJ de 06.09.2004.)

No caso, o Tribunal catarinense, julgando os declaratórios, impôs ao Recorrido as reprimendas de "perda do cargo e inabilitação, pelo prazo de 5 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano infligido ao patrimônio público ou particular" (fl. 344).

Em sendo assim, considerando-se a pena de inabilitação para a função pública aplicada ao recorrido, superior a 4 anos e não excedente a 8 anos, nos termos do precedente do Pretório Excelso, não se encontra extinta a punibilidade pela incidência da prescrição, porquanto transcorridos menos de doze anos entre a data da infração (29 de dezembro de 1994) e a data do recebimento da denúncia (20 de agosto de 2002), ou entre esta e a sentença condenatória.

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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008

Ante o exposto, dou provimento ao recurso para, reconhecendo a autonomia das previstas no § 2º, do art. 1º, do Decreto-Lei n. 201/1967 em relação à pena privativa de liberdade, afastar a extinção da punibilidade em virtude da prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, quanto às penas de perda do cargo e inabilitação para o exercício de função pública.

É o voto.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Consoante se verifica do voto proferido pela relatora, Ministra Laurita Vaz, trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, com fundamento no art. 105, inciso III, alínea c, da Constituição Federal, contra acórdão proferido, nos autos de ação penal originária, pela Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça local (PCR n. 2002.020362-4).

Consta dos autos que o recorrido, Marcos Leal Nunes, prefeito municipal de Monte Carlo-SC, foi inicialmente condenado às penas de 3 (três) anos de detenção e 10 (dez) dias-multa, sendo substituída a pena corporal por duas restritivas de direitos, pela prática do delito previsto no art. 89, caput, da Lei n. 8.666/1993, e de 2 (dois) anos de reclusão, por infração ao art. 1º, II, do Decreto-Lei n. 201/1967. Em relação ao crime de responsabilidade, reconheceu a Corte a quo a prescrição retroativa da pretensão punitiva.

Alegando omissão quanto às penas acessórias de perda de cargo e inabilitação para o exercício de função pública, o Ministério Público opôs embargos de declaração, os quais restaram acolhidos nos seguintes termos (fl. 344):

Nesse rumo, torna-se imperativa a imposição de reprimenda mais severa,

consistente na perda do cargo e inabilitação, pelo prazo de 5 (cinco) anos, para

o exercício do cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da

reparação civil do dano infligido ao patrimônio público ou particular.

Entretanto, constata-se que se operou a prescrição também quanto aos efeitos

da condenação agora imposta ao acusado.

O art. 1º, § 2º, do Decreto-Lei n. 201/1967 prevê, como efeitos da condenação,

“a perda do cargo e a inabilitação, pelo prazo de 5 (cinco) anos, para o exercício de

cargo ou função pública, efetivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil

do dano causado ao patrimônio público ou particular”, que prescrevem no mesmo

lapso estabelecido para a pena privativa de liberdade.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Se a pretensão punitiva no concernente à reprimenda principal - pena privativa

de liberdade - prescreveu em decorrência do transcurso do prazo estabelecido em

lei, aquilo que se constitui em seu consectário não pode continuar sem ela a existir.

Sobreveio, então, o presente recurso especial, em que alega o recorrente dissídio jurisprudencial com julgados desta Corte e do Supremo Tribunal Federal acerca da interpretação dos arts. 109 e 110 do Código Penal e 1º, § 2º, do Decreto-Lei n. 201/1967. Sustenta que as penas de perda do cargo e de inabilitação previstas no referido dispositivo legal são autônomas em relação à pena privativa de liberdade, motivo por que são distintos os prazos prescricionais.

Requer, desse modo, o provimento do recurso para que seja afastada a prescrição da pretensão punitiva estatal quanto à pena de perda do cargo e inabilitação para o exercício de cargo ou função pública.

Em voto proferido pela Ministra Laurita Vaz, foi dado provimento ao recurso, sob o fundamento de que “As penas previstas no § 2º do art. 1º do Decreto-Lei n. 201/1967 são autônomas em relação à pena privativa de liberdade, sendo distintos os prazos prescricionais”.

Após o voto proferido pela relatora, pedi vista dos autos.

Acolho, integralmente, como razões de decidir, os substanciosos fundamentos constantes no voto da lavra da ilustre relatora.

Com efeito, a jurisprudência deste Superior Tribunal e do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que "a pena de inabilitação para o exercício de função pública é autônoma em relação à pena privativa de liberdade. Logo, tratando-se de penas de natureza jurídica diversas, distintos, também serão os prazos prescricionais, i.e., não sendo a pena de inabilitação acessória à pena privativa de liberdade, cada uma prescreva a seu tempo" (REsp n. 738.891-PR, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, DJ de 19.12.2005).

Assim sendo, considerando que a pena de inabilitação para o exercício do cargo ou função pública foi de 5 (cinco) anos, não se verifica a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, visto que, da data dos fatos (29.12.1994) à do recebimento da denúncia (20.08.2002) ou entre a última e à do acórdão condenatório (15.02.2005), transcorreu período inferior a doze anos (art. 109, inciso III, do CP).

Ante o exposto, acompanhando a eminente relatora, dou provimento ao recurso especial.

É como voto.

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RECURSO ESPECIAL N. 824.617-RN (2006/0048703-0)

Relator: Ministro Felix FischerRecorrente: Fundação Nacional de Saúde - FNSProcurador: Ricardo Santos e outrosRecorrido: José Carlos Soares Matos e outros Advogado: Osvaldo Reis Arouca Neto e outros

EMENTA

Recurso especial. Administrativo. Servidor público. Omissão. Inexistência. Valores recebidos. Sentença transitada em julgado. Ação rescisória julgada procedente. Devolução. Descabimento. Definitividade. Coisa julgada material. Boa-fé. Caráter alimentar.

I- O e. Tribunal a quo não se furtou de examinar a questão que lhe foi submetida, qual seja, sobre a possibilidade de restituição de valores recebidos em razão de sentença judicial posteriormente rescindida.

II- A omissão no julgado que desafia os declaratórios é aquela referente às questões, de fato ou de direito, trazidas à apreciação do magistrado e não a referente às teses defendidas pelas partes a propósito daquelas questões. Mesmo porque, as teses jurídicas podem ser rechaçadas implicitamente pelo julgador.

III- É incabível a devolução de valores recebidos por força de decisão judicial transitada em julgado, tendo em vista que o servidor teve reconhecido o seu direito de modo definitivo (coisa julgada material), sendo, portanto, inequívoca a sua boa-fé.

IV- Somado à existência da boa fé, há o fato de que as vantagens pecuniárias reconhecidas judicialmente e recebidas pelos recorridos possuem natureza alimentar, nos termos do art. 100, § 1º-A da Constituição da República. Estão presentes, portanto, os dois elementos indispensáveis para o não cabimento da devolução das vantagens pecuniárias recebidas anteriormente ao julgamento da ação rescisória: boa-fé e natureza alimentar.

Recurso especial desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

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unanimidade, conhecer do recurso, mas negar-lhe provimento. Os Srs. Ministros Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.

Brasília (DF), 20 de março de 2007 (data do julgamento).

Ministro Felix Fischer, Relator

DJ 16.04.2007

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de recurso especial interposto pela Fundação Nacional de Saúde - FNS , com fulcro no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, contra v. acórdão do e. Tribunal Regional Federal da 5ª Região, assim ementado:

Processual Civil. Diferenças de vencimentos percebidas por efeito de sentença. Superveniência de acórdão em ação rescisória cassando o título judicial e julgando improcedente a demanda originária. Natureza alimentar que implica em vedar-se a retroação dos efeitos da rescisão para alcançar valores percebidos em execução de obrigação de fazer. Improvimento da apelação e da remessa oficial (fl. 264).

Opostos embargos declaratórios, foram eles rejeitados (fl. 288).

Sustenta a recorrente que ao rejeitar os embargos declaratórios o e. Tribunal a quo ofendeu o disposto nos arts. 165, 458 e 535, II, do Código de Processo Civil, vez que deixou de se manifestar expressamente acerca de dispositivos tidos por violados.

Alega, no mérito, violação ao art. 46, § 3º, da Lei n. 8.112/1990, aduzindo que tal norma permite a restituição ao erário de valores recebidos em decorrência de decisão judicial posteriormente atacada por ação rescisória julgada procedente.

Não foram apresentadas contra-razões (certidão de fl. 310).

A douta Subprocuradoria-Geral da República opinou pelo não conhecimento do recurso, vez que não teria sido interposto agravo de instrumento da decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário (fls. 322/331).

Admitido o recurso na origem, os autos foram remetidos a este c. Tribunal.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): Inicialmente, verifico que a preliminar suscitada pelo d. Ministério Público Federal acerca da ausência de agravo

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de instrumento contra decisão que inadmitiu o processamento do recurso extraordinário não procede, vez que, de fato, foi interposto agravo de instrumento da decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário, conforme certidão de fl. 316.

Rejeito a alegação de violação aos arts. 165, 458 e 535 do Código de Processo Civil, vez que o e. Tribunal a quo não se furtou de examinar a questão que lhe foi submetida, qual seja, sobre a possibilidade de restituição de valores recebidos em razão de sentença judicial posteriormente rescindida.

Ressalto que a omissão no julgado que desafia os declaratórios é aquela referente às questões, de fato ou de direito, trazidas à apreciação do magistrado e não a referente às teses defendidas pelas partes a propósito daquelas questões. Mesmo porque, as teses jurídicas podem ser rechaçadas implicitamente pelo julgador.

Dessa forma, não padece o julgado recorrido de qualquer omissão ou nulidade na sua fundamentação. É cediço que não pode a parte pechar o julgamento de nulo tão-somente porque contrário a seus interesses. A propósito:

Agravo regimental. Administrativo. Servidor público. Salário mínimo.

Abono complementar. Artigo 535 do CPC. Omissão. Contradição. Não ocorrência.

Prescrição. Trato sucessivo. Enunciado n. 85-STJ.

1. Não ocorre omissão quando o Tribunal de origem decide fundamentadamente

todas as questões postas ao seu crivo, assim como não há confundir entre decisão

contrária ao interesse da parte e ausência de prestação jurisdicional.

2. Nas demandas envolvendo prestações de natureza sucessiva, que se renovam

mês a mês, não ocorre a prescrição de fundo de direito.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp n. 832.680-RN, 6ª Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ de

18.12.2006).

Quanto ao mérito, melhor sorte não assiste à recorrente.

Discute-se, na espécie, a possibilidade de restituição ao erário de quantias recebidas pelo servidor em razão de sentença judicial posteriormente cassada por ação rescisória.

Esta c. Corte já decidiu que nas hipóteses em que o pagamento ao servidor é feito por força de decisão liminar e essa não é confirmada, deve haver restituição ao erário. Confirmo:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Administrativo. Servidor público estadual. Valores percebidos por força de

liminar. Restituição. Desconto em folha. Possibilidade. Necessidade de obediência

aos princípios da ampla defesa e do contraditório. Prescrição contra a Administração

Pública. Não-ocorrência. Recurso ordinário conhecido e parcialmente provido.

1. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão

segundo a qual os atos administrativos praticados anteriormente ao advento da Lei

n. 9.784/1999 também estão sujeitos ao prazo decadencial qüinqüenal de que trata

seu art. 54. Todavia, nesses casos, tem-se como termo a quo a entrada em vigor de

referido diploma legal, ou seja 1º.02.1999.

2. No caso em exame, a Administração pretende reaver valores que haviam

sido indevidamente pagos aos recorrentes por força de liminar, concedida em

30.07.1992, no MS n. 592059141, cuja segurança foi denegada em 14.05.1993.

Por conseguinte, não há falar em decadência na espécie, já que o recorrido passou a

efetuar os descontos nos proventos dos recorrentes em novembro de 2002.

3. Assiste à Administração Pública o direito de efetuar o desconto no contracheque dos servidores de valores indevidamente pagos por força de liminar proferida em mandado de segurança em que a ordem foi posteriormente denegada, desde que observados os princípios da ampla defesa e do contraditório, assim como respeitado o limite máximo de desconto previsto em lei, no caso a quinta parte da remuneração ou provento dos recorrentes (art. 82 da Lei Complementar Estadual n. 10.098/1994). Precedentes.

4. Recurso ordinário conhecido e parcialmente provido. Segurança

parcialmente concedida para anular os descontos feitos nos contracheques dos

recorridos, ressalvado o direito de a Administração, após regular procedimento

administrativo, efetivar a restituição dos valores indevidamente pagos por força da

liminar proferida no MS n. 592059141.

(RMS n. 18.057-RS, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de

02.05.2006).

Administrativo. Servidor público. Valores recebidos em virtude de liminar

posteriormente cassada. Restituição. Possibilidade.

1. Valores pagos pela Administração Pública em virtude de decisão judicial provisória, posteriormente cassada, devem ser restituídos, sob pena de enriquecimento ilícito por parte dos servidores beneficiados.

2. A reposição de valores percebidos indevidamente possui expressa previsão

legal, artigo 46 da Lei n. 8.112/1990, não havendo falar em direito líquido e certo

a ser amparado pela via mandamental.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA

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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008

3. Precedente.

4. Recurso provido.

(REsp n. 725.118-RJ, 6ª Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ de 24.04.2006 p.

477)

Recurso especial. Administrativo. Servidor público. Valores indevidamente

recebidos por força de liminar. Desconto em folha. Possibilidade. Ausência de

errônea interpretação ou má aplicação da lei pela Administração Pública. Recurso

especial provido.

1. Prevalecia neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que os valores

indevidamente recebidos, ainda que de boa-fé, por servidores públicos sujeitam-se à

repetição, observado o limite máximo de dez por cento da remuneração.

2. Recentemente, entretanto, no julgamento do REsp n. 488.905, de relatoria

do ilustre Ministro José Arnaldo da Fonseca, a Egrégia Quinta Turma firmou

entendimento no sentido de que não será cabível a restituição de valores se estes

foram recebidos de boa-fé e se houve errônea interpretação ou má aplicação da lei

pela Administração Pública.

3. Não obstante, impende ter sob mira que, na hipótese dos autos, "o pagamento

indevido não foi resultado da interpretação equivocada da Lei pela Administração,

mas sim de decisão judicial de caráter liminar que compeliu a União a efetuar o

pagamento, sob pena de desobediência" (fl. 599). Dessa forma, verifica-se a ausência do

requisito da errônea interpretação ou má aplicação da lei pela Administração Pública,

não podendo esta ser onerada por ato do próprio servidor.

4. O desconto em folha dos valores indevidamente recebidos por força de decisão

liminar é cabível, desde que observado o princípio do contraditório e respeitado o

limite máximo de um décimo sobre a remuneração, nos termos do artigo 46 da Lei

n. 8.112/1990.

5. Recurso especial provido.

(REsp n. 651.081-RJ, 6ª Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ de

06.06.2005).

A restituição ao erário de valores recebidos nesses casos justificou-se em razão da natureza precária do provimento liminar, conforme verifica-se do voto condutor proferido pelo e. Ministro Paulo Gallotti no Recurso Especial n. 725.118:

(...)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

In casu, não se discute o recebimento indevido de verbas remuneratórias

decorrentes de interpretação equivocada de dispositivo legal, tampouco se cogita de

erro da Administração ou boa-fé do impetrante.

A Administração nada mais fez do que dar cumprimento a uma determinação judicial, cujo caráter provisório era conhecido pelos autores da primitiva ação ordinária.

Em razão dessa precariedade, como afirmado pelo representante do Parquet Federal junto ao Tribunal de origem, 'injusto seria que os impetrantes não restituíssem

o erário, uma vez que este procedimento caracterizaria enriquecimento sem causa

dos servidores beneficiários' (fl. 220) (REsp n. 725.118-RJ, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 09.12.2005, DJ 24.04.2006).

No entanto, as hipóteses acima não coincidem com o caso ora em apreço.

Na espécie, as quantias recebidas pelos recorridos decorreram de sentença judicial transitada em julgado, que veio a ser cassada por ação rescisória. Não se tratam, portanto, de efeitos decorrentes de decisão precária, mas sim definitiva.

Sendo assim, é incabível a devolução de valores recebidos por força de decisão transitada em julgado, tendo em vista que o servidor teve reconhecido o seu direito de modo definitivo (coisa julgada material), sendo, portanto, inequívoca a sua boa-fé.

Consideram-se, aqui, os comandos dos arts. 467 e 468 do Código de Processo Civil:

Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia que torna imutável e

indiscutível a sentença, não mais sujeito a recurso ordinário ou extraordinário.

Art. 468. A sentença que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas

A doutrina assim conceitua coisa julgada material:

Coisa julgada material (autorictas rei iudicatae) é a qualidade que torna

imutável e indiscutível o comando que emerge da parte dispositiva da sentença de

mérito não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário (CPC 467; LICC 6º,

§ 3º), nem à remessa necessária do CPC 475 (STF 423; Barbosa Moreira, Temas,

107).

(...) A coisa julgada material é um efeito especial da sentença transitada

formalmente em julgado (Nikisch, ZPR, § 104, I, p. 401). A característica essencial

da coisa julgada material se encontra na imutabilidade da sentença, que não se

confunde com sua eficácia.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA

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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008

(...) Somente a lide (pretensão, pedido, mérito) é acobertada pela coisa

julgada material, que a torna imutável e indiscutível, tanto no processo em que foi

proferida a sentença, quanto em processo futuro. Somente as sentenças de mérito,

proferidas com fundamento no CPC 269, são acobertadas pela autoridade da coisa

julgada; as de extinção do processo sem julgamento do mérito (CPC 267) são

atingidas apenas pela preclusão (coisa julgada formal) ("Código de Processo Civil

Comentado", Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, 9ª ed., 2006, p.

593/594).

Nesse contexto, a boa-fé merece total proteção. Lembro que esta c. Corte tem reconhecido a boa-fé até mesmo quando analisa o não cabimento da devolução de valores recebidos por erro da Administração. Confirmo:

Administrativo. Agravo regimental. Pagamento indevido efetuado pela

Administração e recebido de boa-fé pelo servidor. Restituição dos valores.

Inviabilidade. Nova orientação desta Corte.

Firmou-se o entendimento, a partir do julgamento do REsp n. 488.905-RS,

por esta Quinta Turma, no sentido da inviabilidade de restituição dos valores

erroneamente pagos pela Administração - em virtude de desacerto na interpretação

ou má aplicação da lei - quando verificada a boa-fé dos servidores beneficiados.

Precedentes.

Agravo regimental desprovido.

(AgRg nos EDcl no Ag n. 785.552-RS, 5ª Turma, de minha relatoria, DJ de

05.02.2007).

Administrativo. Servidor público. Pensão. Valores recebidos indevidamente.

Boa-fé. Restituição. Impossibilidade. Matéria pacífica.

1. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento de ser incabível a

restituição de valores recebidos indevidamente em razão de interpretação equivocada

ou má aplicação da lei, quando verificada a boa-fé dos servidores beneficiados.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp n. 597.827-PR, 6ª Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ de

25.09.2006).

Processual Civil e Administrativo. Servidor público. Valores indevidos pagos

pela Administração. Restituição dos valores recebidos de boa-fé. Inviabilidade.

Reexame de matéria fático-probatória. Inviabilidade. Súmula n. 7-STJ. Agravo

interno desprovido.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I - O Superior Tribunal de Justiça vinha se manifestando no sentido de que

a Administração Pública, após constatar que estava procedendo erroneamente o

pagamento de valores, podia efetuar a correção do ato administrativo, de forma a

suspender tal pagamento, bem como proceder ao desconto das diferenças recebidas

indevidamente pelo servidor.

II - Em recentes julgados a Eg. Quinta Turma, revendo o posicionamento

anterior, entendeu que diante da presunção de boa-fé no recebimento de valores

pelo servidor, incabível é a restituição do pagamento efetuado erroneamente pela

Administração. Precedentes.

III - É inviável, em sede de recurso especial o reexame de matéria fático-

probatória, tendo em vista o óbice contido no verbete Sumular n. 7-STJ: "A

pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial."

IV - Agravo interno desprovido.

(AgRg no Ag n. 722.105-RJ, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de

06.03.2006).

De fato, o reconhecimento do direito por meio de sentença transitada em julgado deve repercutir na esfera jurídica dos recorridos, no que diz respeito à não devolução dos valores recebidos sob o pálio da decisão rescindida, do mesmo modo que ocorre no entendimento afirmado nos precedentes acima.

Ademais, somado à existência da boa fé, há o fato de que as vantagens pecuniárias reconhecidas judicialmente e recebidas pelos recorridos possuem natureza alimentar, nos termos do art. 100, § 1º-A da Constituição da República. Entendo, portanto, que estão presentes os dois elementos indispensáveis para o não cabimento da devolução das vantagens pecuniárias recebidas anteriormente ao julgamento da ação rescisória: boa-fé e natureza alimentar das vantagens.

Destaco, finalmente, que há duas decisões desta c. Corte em casos semelhantes: Recurso Especial n. 828.073, de relatoria do e. Ministro Paulo Medina, publicado no DJU de 30.06.2006 e Recurso Especial n. 679.479, de relatoria do e. Ministro Arnaldo Esteves Lima, publicado no DJU de 03.11.2005.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É o voto.