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Quinta Turma

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AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 1.094.894-SP

(2008/0194369-0)

Relator: Ministro Moura Ribeiro

Agravante: W C de C

Advogado: Antonio Claudio Mariz de Oliveira e outro(s)

Agravado: Ministério Público Federal

EMENTA

Agravo regimental no recurso especial. Penal. Crime contra a

fé pública. Corrupção ativa. Interceptações telefônicas. Inicialmente

como prova emprestada. Competência dos juízos. Provas coletadas em

conformidade com os ditames legais. Incidência da Súmula n. 83-STJ.

Pena fi xada de forma desproporcional e através de fundamentação

inidônea. Reconhecimento. Alteração da pena em conformidade com

o precedentes desta Corte. De ofício, reconhecida a ocorrência da

prescrição da pretensão punitiva. Precedentes.

1. Induvidosa a necessidade e validade da interceptação telefônica.

A sua fundamentação foi satisfatória, como visto e o que pretendem

os recorrentes é a extirpação de prova consistente quanto à formação

do juízo motivador do magistrado. Em verdade, não há nulidade

nas citadas interceptações ou ausência de fundamentação quanto à

autorização judicial. Incidência da Súmula n. 83, do STJ.

2. O acórdão a origem guarda fundamentação inidônea,

merecendo ser corrigido na via especial, porque não buscou apoio

em elementos concretos que permitissem a elevação da pena-base

em percentual superior ao dobro do mínimo legal, além de omitir

quais os fatos mereciam maior reprovabilidade, já que só descreveu

circunstâncias inerentes ao próprio tipo penal.

3. O Tribunal a quo imputou a majorante prevista no art. 61,

II, b, do Código Penal, sem apresentar a motivação necessária para

identifi car a circunstância agravante, muito menos descreveu a conexão

consequencial que respaldasse a elevação da pena em 1/3 (um terço),

fato este totalmente refutado por este órgão fracionário.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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4. Por fi m, quando do aumento da reprimenda na última fase

da dosimetria penal, o Colegiado entendeu por aplicar a fração de

1/3 sob o argumento da incidência da previsão do parágrafo único,

do art. 333, do CP. Contundo, novamente, não revelou quais os

dados se faziam presentes para a elevação da pena, a contrário sensu,

a descrição dos fatos revelaram que o funcionário público apenado

por corrupção passiva não tinha como retardar ou omitir ato de

ofício, tornando impossível, portanto, reconhecer a causa de elevação

da pena, subsistindo a forma simples de crime descrita no caput do

mencionado dispositivo.

5. Na esteira dos precedentes dos Tribunais Superiores, a pena

em desfavor do agravante deve ser redefi nida para 2 (dois) anos de

reclusão no regime inicial aberto e ao pagamento de 15 (quinze)

dias-multa na proporção de 1/3 do salário mínimo, admitindo-se a

substituição por restritivas de direito e uma delas terá a benesse da

suspensão.

6. Considerando a pena cominada (art. 119, CP), decorrido o

transcurso do prazo de 4 anos estabelecido pelo art. 109, V, do Código

Penal, contados a partir da publicação do acórdão condenatório, e

verifi cado o trânsito em julgado para a acusação, é de ser reconhecida

a extinção da punibilidade em razão da prescrição intercorrente da

pretensão punitiva (art. 107, IV, do CP).

7. A prescrição do jus puniendi, por se tratar de matéria de ordem

pública, deve ser declarada no momento em que ocorrer, em qualquer

fase, ainda que em sede recursal nos Tribunais Superiores.

8. Agravo regimental, em parte, provido. De ofício, declara-

se extinta a punibilidade do agravante, em razão da ocorrência da

prescrição intercorrente da pretensão punitiva estatal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Senhores Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de

Justiça, por unanimidade, em dar parcial provimento ao agravo regimental e,

de ofício, declarou extinta a punibilidade em razão da ocorrência da prescrição

intercorrente da pretensão punitiva estatal, nos termos do voto do Sr. Ministro

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 523

Relator. Os Srs. Ministros Regina Helena Costa, Laurita Vaz, Jorge Mussi e

Marco Aurélio Bellizze votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 8 de outubro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Moura Ribeiro, Relator

DJe 14.10.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Moura Ribeiro: Trata-se de agravo regimental contra

decisão monocrática proferida pelo Exmo. Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu

(Desembargador convocado do TJ-RJ), que negou seguimento aos recursos

especiais interpostos, com a seguinte ementa:

Direito Penal e Processual Penal. Ausência de prequestionamento. Incidência

das Súmulas n. 282, 356-STF e 211-STJ. Dosimetria. Penas. Escuta telefônica.

Alegação de ilegalidades no procedimento. Não comprovação. Alegação de

atipicidade das condutas. Arguição de falta de provas robustas para ensejar a

condenação. Inocorrência. Violação do sigilo funcional. Necessidade de amplo

revolvimento do acervo fático-probatório. Incidência da Súmula n. 7-STJ.

1. Se o conteúdo normativo dos arts. 30, 59, 61, inciso II, alíena b, e 68, todos do

Código Penal e 381, inciso III, do Código de Processo Penal, ora tidos por violados,

não foram objeto de debate pelo Tribunal de origem, ressentem-se os recursos

especiais, neste particular, do indispensável prequestionamento, malgrado a

oposição de embargos declaratórios. Aplicação, à espécie, das Súmulas n. 282 e

356-STF e 211-STJ.

2. O acolhimento das alegações dos recorrentes quanto à ilicitude das escutas

telefônicas, à atipicidade das condutas imputadas, à inexistência de provas a

fundamentar o decreto condenatório e, especialmente, à pretendida ofensa

aos arts. 333, do Código Penal, 386, IV, do Código de Processo Penal e 7º da Lei

n. 8.906/1994, demandaria profundo reexame do contexto fático-probatório

carreado aos autos, o que é inviável em sede de recurso especial, a teor da Súmula

n. 7-STJ.

3. In casu, o Recurso Especial não se confunde com terceiro grau de jurisdição

e não pode servir como subterfúgio para postergar a efetiva e robusta

fundamentação tecida pelo Tribunal a quo.

4. Recursos especiais a que se negam seguimento.

Nas razões do regimental o agravante alega que a violação apontada

aos arts. 59, 61, 68 e 333, parágrafo único, todos do Código Penal, foram

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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devidamente debatidos na origem, tanto que em primeiro grau ele havia sido

absolvido, e o Tribunal a quo entendeu por reformar a sentença, lhe imputando a

conduta de corrupção ativa resultando em uma pena de 7 (sete) anos de reclusão

no regime inicial semiaberto e ao pagamento de 150 (cento e cinquenta) dias-

multa, além de ter interposto embargos de declaração na origem perfazendo a

hipótese prevista na Súmula n. 211, deste Sodalício.

Aduz também, que a análise por este Colegiado da violação dos arts. 1º

e 2º, ambos da Lei n. 9.296/1996, não redunda na incidência da Súmula n. 7,

desta Corte Superior, pois o pleito se refere à legalidade do atos praticados pelos

Juízos federais que autorizaram as interceptações telefônicas.

Requer a reconsideração da decisão atacada por esta Quinta Turma.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Moura Ribeiro (Relator): O pleito do agravante deve, em

parte, ser admitido.

Quanto a legalidade dos atos praticados pelos Juízos Federais que

determinaram as escutas telefônicas e suas renovações, que serviram como

suporte para o oferecimento da denúncia, tanto no que tange à materialidade do

delito como em relação aos indícios de autoria, a decisão atacada encontrou o

seguinte fundamento:

Sobre o tema em comento, induvidosa a necessidade e validade da interceptação

telefônica. A sua fundamentação foi satisfatória, como visto e o que pretendem os

recorrentes é a extirpação de prova consistente e induvidosa quanto à formação

do juízo motivador do magistrado. Em verdade, não há nulidade nas citadas

interceptações ou ausência de fundamentação quanto à autorização judicial. O

que há é o mero inconformismo que culminou na condenação dos ora recorrentes (fl .

4.286).

Verifico que o decisum está em conformidade com o entendimento

esposado em reiterados julgados desta Corte, como se vê:

Embargos de declaração. Omissão. Não configurada. Desnecessidade

de exame de todos os argumentos das partes. Fundamentação do acórdão

embargado sufi ciente. Questão apontada como omitida implicitamente afastada.

Interceptação telefônica produzida no processo-crime. Prova emprestada.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 525

Processo administrativo disciplinar. Cabimento. Utilização contra a mesma pessoa

para que foi colhida ou contra outros servidores, cujas condutas irregulares foram

noticiadas pela referida prova.

(...)

3. É de ser reconhecida a legalidade da utilização da interceptação telefônica

produzida na ação penal nos autos do processo administrativo disciplinar, ainda

que instaurado (a) para apuração de ilícitos administrativos diversos dos delitos

objeto do processo criminal; e (b) contra a mesma ou as mesmas pessoas em

relação às quais a prova foi colhida, ou contra outros servidores cujo suposto

ilícito tenha vindo à tona em face da interceptação telefônica.

4. Embargos de declaração rejeitados.

(EDcl no MS n. 13.099-DF, Relatora Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado

em 25.4.2012, DJe 9.5.2012)

Destaco outros precedentes: HC n. 171.453-SP, Rel. Ministro Jorge

Mussi, Quinta Turma, julgado em 7.2.2013, DJe 19.2.2013; e, AgRg no REsp

n. 1.198.468-SC, Rel. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura, Sexta Turma,

julgado em 6.8.2013, DJe 14.8.2013.

Tendo em vista os precedentes supramencionados, é forçosa a aplicação,

por analogia, da Súmula n. 83, deste Tribunal, que veda o conhecimento de

recurso especial quando a orientação a quo se fi rmou no mesmo sentido da

decisão recorrida.

Por outro giro, a dosimetria da pena do agravante foi devidamente debatida

na origem, estando patente inequívoca ofensa aos critérios legais que a regem

quanto aos aspectos das circunstâncias e da culpabilidade.

Com o devido acatamento, não se trata aqui de reavaliar a justiça da

decisão mas sim, de ilegalidade decorrente da ausência de fundamentação

idônea e fl agrante erro de técnica. Por isso, merece reapreciação na via especial,

principalmente quanto à uniformização da interpretação dos dispositivos

infraconstitucionais elencados.

Em relação à aplicação do art. 59, do CP, verifi co que o Tribunal a quo ao

fi xar a pena-base em desfavor do agravante admitiu que a única circunstância

negativa era a culpabilidade, considerando todas as outras favoráveis, como se

extrai:

Quanto ao acusado (...), sua culpabilidade é intensa, pois buscou corromper o

co-réu (...) (e o agente da Polícia Federal (...), que na época atuava como agente

de segurança do então Juiz Federal da 7ª Vara Criminal da Justiça Federal de São

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Paulo), sendo réu nas Ações Penais n. 2003.61.81.001098-9 e 2003.61.81.001439-9

e indiciado no Inquérito Policial n. 2002.61.81.003540-4.

Por outro lado, em relação a seus antecedentes (1.674/1.676 e 2.030), sua

conduta social, sua personalidade, aos motivos do crime, às circunstâncias e ao

comportamento da vítima, nada há que autorize a fi xação da pena-base acima do

mínimo legal.

Assim, considerando que a culpabilidade no crime lhe é desfavorável, fi xo a

pena-base em 4 anos e 6 meses de reclusão (fl . 3.504).

É certo que o acórdão objurgado não apresentou elementos concretos

que justifi cassem a elevação de mais que o dobro do mínimo legal, além de

não ter elencado quais os fatos inusitados da conduta do réu, o faziam merecer

especial reprovabilidade. Pelo contrário descreveu, tão somente, as circunstâncias

inerentes ao próprio tipo penal (fl . 3.504).

Desta forma o decisum da origem se posicionou em dissonância com

a compreensão já pacifi cada desta Corte, de que ao individualizar a pena o

julgador deve examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato,

obedecidos e sopesados todos os critérios estabelecidos no art. 59, do Código

Penal, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja,

necessária e sufi ciente para reprovação do crime.

A propósito:

Habeas corpus. Penal. Crime do art. 121, § 2º, incisos I, III e IV, do Código Penal.

Dosimetria da pena. Culpabilidade e conduta social.

Exasperação mediante fundamentação genérica. Constrangimento ilegal

evidenciado. Manutenção da pena-base acima do mínimo legal.

Aplicação do princípio da proporcionalidade. Habeas corpus concedido.

1. O julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade

os elementos que dizem respeito ao fato, para aplicar, de forma justa e

fundamentada, a reprimenda que seja necessária e sufi ciente para reprovação do

crime.

2. A pena-base deve pautar-se pelos critérios elencados no art. 59 do

Código Penal, de sorte que não se afi gura legítima sua majoração sem a devida

fundamentação, sob pena de violação ao preceito contido no art. 93, inciso IX, da

Constituição Federal.

3. A fundamentação genérica e dissociada do caso concreto (v.g., altíssimo grau de

reprovação por sua conduta criminosa) não autoriza a manutenção da culpabilidade

como desfavorável ao agente.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 527

(...)

5. Ordem de habeas corpus concedida a fi m de, mantida a condenação, reduzir

a pena privativa de liberdade do Paciente para 14 (quatorze) anos e 06 (seis)

meses de reclusão, em regime inicial fechado.

(HC n. 228.588-MS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em

15.8.2013, DJe 26.8.2013)

De igual modo, outros julgados da Quinta Turma: AgRg no HC n.

191.748-MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, julgado em 2.5.2013, DJe 16.5.2013;

e, HC n. 227.973-DF, Rel. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora

convocada do TJ-SE), julgado em 4.6.2013, DJe 7.6.2013.

Na segunda fase da fi xação da pena, a Corte Regional imputou a majorante

prevista no art. 61, II, b, do Código Penal, sem apresentar a motivação necessária

para identifi car a circunstância agravante (fl . 3.504), muito menos descreveu a

conexão consequencial que respaldasse a elevação da pena em 1/3 (um terço),

fato este totalmente refutado por este órgão fracionário, para ilustrar: REsp n.

1.134.242-DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 7.2.2013,

DJe 18.2.2013.

Por fi m, quando do aumento da pena na última fase da dosimetria penal,

o Colegiado Federal entendeu por aplicar a fração de 1/3 sob o argumento da

incidência da previsão legal do parágrafo único, do art. 333, do CP. Contundo,

novamente, não revelou quais os dados se faziam presentes para a elevação da

pena (fl . 3.504).

Ao contrário sensu, a descrição dos fatos revelaram que o funcionário

público apenado por corrupção passiva não tinha como retardar ou omitir ato

de ofício, tornando impossível, portanto, reconhecer a causa de elevação da

pena, subsistindo a forma simples de crime descrita no caput do mencionado

dispositivo. Este fundamento segue a esteira do julgado: AgRg no Ag n.

1.372.909-MG, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado

em 16.4.2013, DJe 24.4.2013.

Em face dos motivos articulados e na esteira dos recentes julgados

desta Egrégia Corte, fi xo a pena-base no mínimo legal, ante a ausência de

circunstâncias desfavoráveis que suplantem as demais reconhecidas como

favoráveis, conforme os elementos concretos coligidos aos autos. Por ter afastado

as causas que majoraram e aumentaram a pena, a torno defi nitiva em 2 (dois)

anos de reclusão no regime inicial aberto e ao pagamento de 15 (quinze) dias-

multa na proporção de 1/3 do salário mínimo.

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528

Diante da pena fi xada e em conformidade com o artigo 44, § 2º, do Código

Penal, substituo a pena privativa de liberdade em 02 (duas) penas restritivas

de direito que serão: 1) prestação de serviços à comunidade ou a entidades

públicas à razão de 01 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, tudo em

tarefa gratuita, com local, datas e horários a serem estipulados em execução de

sentença e; 2) Prestação pecuniária consistente no pagamento em dinheiro de

25 (vinte e cinco) salários mínimos à entidade privada com destinação social e

também designada na execução de sentença.

Considerando a primeira reprimenda restritiva de direito imposta com

base no art. 77, do CP, determino sua suspensão condicional por igual prazo,

devendo o Juízo da execução de sentença aferir os prazos estipulados.

Noticiam os autos que o acórdão condenatório transitou em julgado para

a acusação (fl . 4.111). Extrai-se, ainda, que a publicação do decisum ocorreu em

23.10.2007; portanto, há mais de quatro anos até a presente data, sem o trânsito

em julgado para a defesa.

Ante a pena cominada ao agravante, à luz dos arts. 109, V e 110, § 1º,

ambos do Código Penal, verifica-se, na presente hipótese, a incidência da

prescrição intercorrente, devendo, por essa razão, ser declarada extinta a ação

penal originária com relação a ele.

Diante do exposto, dou parcial provimento ao agravo regimental para

redimencionar a pena do agravante, e, de ofício, reconhecer a extinção da sua

punibilidade, em virtude do implemento da prescrição da pretensão punitiva.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL N. 42.537-RJ (2011/0176851-4)

Relator: Ministro Moura Ribeiro

Embargante: Césare Battisti

Advogado: Alberto Zacharias Toron e outro(s)

Embargado: Ministério Público Federal

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 529

EMENTA

Embargos de declaração no agravo regimental no agravo

em recurso especial. Omissão. Não ocorrência. Manifestação

fundamentada do acórdão recorrido sobre todos os pontos suscitados

no agravo regimental. Teoria da causa madura, art. 515, § 3º do CPC.

Análise do conjunto fático-probatório. Possibilidade. Condenação

baseada exclusivamente em prova colhida no inquérito. Não ocorrência.

Embargos declaratórios rejeitados.

1. O acórdão recorrido, proferido em agravo regimental, não foi

omisso e fundamentadamente a ele negou provimento.

2. A “interpretação do artigo 515, § 3º, do Código de Processo

Civil, deve ser feita de forma sistemática, tomando em consideração

o artigo 330, I, do mesmo Diploma. Com efeito, o Tribunal, caso

propiciado o contraditório e a ampla defesa com regular e completa

instrução do processo, deve julgar o mérito da causa mesmo que

para tanto seja necessária apreciação do acervo probatório” (REsp n.

1.018.635-ES, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe

1º.2.2012).

3. Inocorrência de condenação baseada exclusivamente na

prova colhida no inquérito. Argumentação da sentença condenatória

baseada em elementos probatórios obtidos tanto na fase policial como

em juízo.

4. Nos termos da jurisprudência desta Corte, o órgão julgador

não é obrigado a se manifestar sobre todos os pontos alegados pelas

partes, mas somente sobre aqueles que entender necessários para a sua

decisão, de acordo com seu livre e fundamentado convencimento, não

caracterizando omissão ou ofensa à legislação infraconstitucional o

resultado diferente do pretendido pela parte.

5. Não há, que se falar em omissão no julgado, quando ausentes

os requisitos previstos no art. 619, do Código de Processo Penal.

6. Embargos declaratórios rejeitados.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Senhores Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de

Justiça, por unanimidade, em rejeitar os embargos.

Os Srs. Ministros Regina Helena Costa, Laurita Vaz, Jorge Mussi e Marco

Aurélio Bellizze votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 17 de setembro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Moura Ribeiro, Relator

DJe 23.9.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Moura Ribeiro: Trata-se de embargos de declaração

opostos por Cesare Battisti contra acórdão de agravo regimental da Quinta

Turma do STJ, assim ementado:

Agravo regimental no agravo em recurso especial. Falsifi cação de selo ou sinal

público.

1. Inépcia da denúncia. Inocorrência. Peça acusatória que preenche os

requisitos necessários.

2. Audiência de inquirição de testemunhas via carta precatória. Requisição

do paciente, que se encontrava preso. Desnecessidade, uma vez que este não

manifestou, por meio de defensor, a vontade de estar presente. Ausência,

outrossim, da demonstração de prejuízo.

3. Falta de intimação dos defensores para as audiências redesignadas no juízo

deprecado. Inexistência de nulidade, posto que se verifi cou a intimação da defesa

da expedição da precatória. Inteligência da Súmula n. 273-STJ.

4. Inquirição de testemunha de acusação depois das de defesa. Possibilidade,

já que foram ouvidas por carta precatória. Disposição expressa no art. 400, caput,

do CPP.

5. Indeferimento de juntada de prova documental e desconsideração de tal

prova. Ausência de prequestionamento. Matéria não conhecida.

6. Condenação baseada exclusivamente na prova colhida no inquérito.

Argumentação da sentença condenatória, contudo, baseada em elementos

probatórios obtidos tanto na fase policial como em juízo.

7. Agravo regimental desprovido.

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RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 531

Busca o embargante, postulando a atribuição de efeitos infringentes, o

reconhecimento de contradição, pois ao entender que as matéria arguidas podem

merecer análise, ultrapassando o óbice sumular imposto pela r. decisão monocrática,

sem, contudo, reformá-la, o v. acórdão é contraditório, porque constam do julgado duas

proposições inconciliáveis entre si (fl . 1.294).

Sustenta contradição na decisão da colenda Quinta Turma, porque teria

apreciado o mérito do recurso especial sem reformar a r. decisão monocrática.

Entende que as conclusões dos jugados, monocrático e colegiado, seriam

incompatíveis em seu conteúdo.

Afi rma, ainda, obscuridade quanto à análise da alegada ofensa ao art.

155 do Código de Processo Penal pois a condenação estaria baseada apenas

em elementos colhidos no inquérito policial; portanto, não submetidos ao

contraditório.

É o sucinto relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Moura Ribeiro (Relator): Observo que o acórdão recorrido

não foi omisso e, fundamentadamente, negou provimento ao agravo regimental

mantendo a inadmissibilidade do recurso especial, ainda que por outro

fundamento.

Alega o embargante que a decisão da c. Quinta Turma, teria sido

contraditória na medida em que afastando o óbice inicial, teria apreciado o

mérito do recurso especial inadmitido, sem, contudo, reformar a r. decisão

monocrática.

Considera, segundo seu entendimento, que as conclusões dos julgados,

monocrático e colegiado, seriam incompatíveis em seu conteúdo, o que estaria a

ensejar o provimento do recurso integrativo.

Para melhor análise, deve-se cotejar a natureza e o conteúdo dos

provimentos jurisdicionais combatidos, na medida em que tratam da

admissibilidade do recurso especial interposto perante o e. Tribunal a quo, ao

qual se negou seguimento.

Com efeito, tanto o juízo de admissibilidade, quanto a decisão monocrática,

negaram seguimento ao apelo nobre, considerando que a matéria não poderia

ser objeto de debate na instância superior, pela incidência de óbice processual,

qual seja, a vedação ao reexame do conteúdo fático-probatório do processo.

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532

Por seu turno, a decisão colegiada, entendendo que seria possível superar

o impedimento sumular, apreciou as causas do pedido feito no recurso especial,

rechaçando-as, e, ainda que por outros fundamentos, mantendo a negativa de

seguimento do referido recurso.

Assim, não há que se falar em contradição entre os termos das decisões

recorridas, porque a despeito da ampliação do alcance de seu julgado, manteve-

se o óbice à admissibilidade do recurso especial. Em suma, nos termos da

decisão monocrática ou nos fundamentos da colegiada, manteve a correlação

entre seus conteúdos, apenas explicitando de maneira mais analítica as razões

pelas quais não se poderia admitir o processamento do pretendido recurso.

Nesse sentido, deve-se observar que é sedimentado, no âmbito deste

Superior Tribunal, não há contradição entre as decisões que mantém a negativa

de seguimento a recurso, ainda que por outros fundamentos. Nesse sentido

confi ra-se:

Processo Civil. Agravo em recurso especial. Ação de cobrança. Contrato de

locação por tempo determinado. Fiança. Responsabilidade dos fiadores até

a efetiva entrega das chaves do imóvel. Matéria pacifi cada. Decisão agravada

mantida, ainda que por outros fundamentos.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no AREsp n. 189.347-SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira

Turma, julgado em 14.8.2012, DJe 21.8.2012)

Administrativo. Agravo regimental. Responsabilidade civil do Estado. Pretensão

de reparação civil. Prazo prescricional. Irrelevância. Autor absolutamente incapaz.

Arts. 169, inc. I, do Código Civil de 1916 e 198, inc. I, do novo Código Civil.

Prescrição não consumada.

1. No regimental, sustenta a parte agravante que o prazo prescricional para

ação indenizatória com causa de pedir na responsabilidade civil do Estado é

trienal, caracterizando, na espécie, a prescrição.

2. É caso de manter a decisão agravada, ainda que por outros fundamentos.

(...)

6. Agravo regimental não provido.

(AgRg no Ag n. 1.196.900-RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda

Turma, julgado em 26.10.2010, DJe 10.11.2010)

Ademais, acerca da alegada contradição, não prospera a tese de que a

análise dos temas julgados na decisão colegiada só poderia ter sido apreciada

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 533

no âmbito do recurso especial, mediante sua admissão, pois é sabido que, na

esfera do meio processual em comento, qual seja, o agravo previsto no art. 544,

do Código de Processo Civil, aqui aplicado de forma analógica, é permitido

ao relator apreciar o mérito do próprio recurso especial, dando ou negando

provimento ao agravo. Sobre tema, colaciona-se os seguintes julgados:

Agravo regimental nos declaratórios no agravo em recurso especial. Processual

Civil. Julgamento do mérito do recurso especial por decisão monocrática. Cabimento.

Violação do art. 535 do Código de Processo Civil. Ocorrência.

1. Nos termos dos arts. 544, § 3º, e 557 do CPC; 34, VII e XVIII, e 254, I, do RISTJ, é

permitido ao ministro relator, nos autos de agravo interposto com fundamento no

art. 544 do Código de Processo Civil, apreciar monocraticamente o mérito do recurso

especial.

(...)

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg nos EDcl no AREsp n. 248.246-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva,

Terceira Turma, julgado em 16.4.2013, DJe 25.4.2013)

Penal. Agravo regimental. Agravo. Possibilidade de julgamento monocrático

do recurso. Ausência de impugnação específi ca. Súmula n. 182-STJ.

1. O art. 544, § 4º, do CPC determina que o agravo de instrumento deve ser julgado

monocraticamente pelo relator, sendo-lhe permitido adentrar no mérito do recurso

especial. Precedentes.

(...)

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no Ag n. 1.174.096-AC, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado

em 20.9.2012, DJe 1º.10.2012)

Por fi m, no que diz respeito à dita contradição, a jurisprudência desta Corte

preconiza que a interpretação do artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil deve

ser feita de forma sistemática, tomando em consideração o artigo 330, I, do mesmo

Diploma. Com efeito, o Tribunal, caso propiciado o contraditório e a ampla defesa,

com regular e completa instrução do processo, deve julgar o mérito da causa, mesmo que

para tanto seja necessária apreciação do acervo probatório (REsp n. 1.018.635-ES,

Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 1º.2.2012).

A propósito, os seguintes julgados:

Agravo regimental no recurso especial. Civil e Processual Civil. Indenização.

Danos materiais. Sentença de mérito decotada. Causa madura. Aplicação do art.

515, § 3º, do CPC. Possibilidade.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

534

Precedentes.

1. A despeito de ter havido decisão de mérito na sentença, sendo esta

decotada na parte extra petita, a interpretação extensiva do § 3º do art. 515 do

Código de Processo Civil autoriza o Tribunal local adentrar na análise do mérito

da apelação, mormente quando se tratar de matéria exclusivamente de direito,

ou seja, quando o quadro fático-probatório estiver devidamente delineando,

prescindindo de complementação, tal como ocorreu na espécie.

Precedentes.

2. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp n. 1.194.018-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira

Turma, julgado em 7.5.2013, DJe 14.5.2013)

Processual Civil. Recurso especial em ação rescisória. Ação anulatória de ato

administrativo. Desligamento. Fundamentos da aplicação em concreto da teoria

da causa madura. Súmula n. 7-STJ.

1. Trata-se, originariamente, de Ação Anulatória de ato administrativo que

desligou o autor de corporação, movida contra o Estado do Rio de Janeiro, extinta

por prescrição. O acórdão afastou o fundamento da sentença, mas, com amparo

no art. 515, § 3º, do CPC, julgou o feito improcedente por ausência de ilegalidade.

Inconformado, o agravante propôs Ação Rescisória com fulcro no art. 485, V, do

CPC.

2. O acórdão da ação originária afastou a prescrição e, prosseguindo no

julgamento, adotou a teoria da causa madura, prevista no art. 515, § 3º, do CPC,

passando ao julgamento da questão de fundo. Ao fazer dessa forma, analisou a

prova dos autos e afi rmou que “como se depreende dos documentos acostados

aos autos, ao autor foi dada oportunidade, em sede administrativa, de exercer seu

direito de defesa, permitindo-lhe a interposição de recursos, não se vislumbrando,

assim, qualquer ilegalidade no ato administrativo, não podendo, o Judiciário,

enfrentar o mérito da punição”.

3. Para verificar eventual quebra de contraditório por aplicação errônea

da teoria da causa madura, seria imprescindível examinar todo o conteúdo

da ação originária e a documentação ali acostada, com especial destaque às

provas produzidas em processo administrativo, no intuito de reavaliar se houve

precipitação no julgamento meritório. Incidência da Súmula n. 7-STJ. Precedentes

do STJ.

4. Agravo Regimental não provido.

(AgRg no AREsp n. 232.197-RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma,

julgado em 13.11.2012, DJe 19.12.2012)

No tocante à alegada obscuridade na análise da alegada ofensa ao art. 155,

do Código de Processo Penal, pois a condenação estaria baseada apenas em

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 535

elementos colhidos no inquérito policial, não submetidos ao contraditório, a

decisão agravada expressamente consignou (fl . 1.279):

“Da condenação baseada exclusivamente na prova indiciária”

O recorrente ao invocar o disposto no art. 155 da citada legislação processual,

ao invés de “prova indiciária”, quis referir-se seguramente, à prova colhida na

investigação policial.

A Corte Regional, no entanto, afastou esta sustentação, consignando os laudos

periciais que atestam a materialidade da infração e, no tocante a autoria, fez

referência a confi ssão do agravante, tanto na fase policial, como em juízo, e, em

relação a esta, fez constar que extraiu da prova que ele “tinha plena consciência

da falsidade dos carimbos por ele utilizados” (fl s. 876-STJ), com especial realce na

parte em que diz “que recebeu um carimbo para colocar visto no passaporte” e que o

dito “carimbo tinha algum problema com, salvo engano, inversão de dia e mês” (fl s.

877-STJ), o que, aliás, restou observado pelo laudo pericial, conforme se constata,

segundo o acórdão, a fl s. 73-81.

Não procede, nestas condições a alegação de que a decisão está baseada tão

somente em elementos contidos no inquérito policial, e, além disso, vale ressaltar

que a última instância no exame da prova concluiu que “ficou evidenciado

que o ora denunciado, de forma livre e consciente, fez uso de sinais públicos

falsifi cados em passaportes falsos e cartões de entrada-saída no intuito de entrar

e permanecer clandestinamente em território nacional” (fl s. 877-STJ).

A afastar qualquer dúvida acerca da matéria já fartamente apreciada,

transcreve-se, novamente, por oportuno, o seguinte trecho do v. acórdão do eg.

Tribunal Regional Federal da 2ª Região:

Demais disso, é possível extrair das declarações prestadas pelo acusado, em

Juízo, que tinha plena consciência da falsidade dos carimbos por ele utilizados,

conforme se observa do excerto transcrito a seguir:

(...) que ratifi ca em parte suas declarações prestadas em sede policial

de fl s. 132-133, bem como reconhece como sua a assinatura ali lançada;

que quer retificar o que se segue; que não chegou ao Brasil de barco;

que naquele momento tinha um certo temor de declarar algumas coisas;

que na realidade estava confuso e não sabia o que estava motivando a

prisão; que chegou de avião, passando pela Ilha da Madeira, Canárias,

Cabo Verde e Fortaleza; que a viagem durou três semanas; que acha

que chegou a Fortaleza na primeira semana de setembro de 2004; que

chegou com um passaporte italiano; que o passaporte é autêntico assim

como o nome da pessoa, embora com a foto do interrogando; que o

passaporte foi entregue por um agente do governo francês, no momento

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em que o interrogando estava na França; (...); que nunca usou o primeiro

passaporte; que não passou pelo controle policial em Fortaleza; que este

passaporte desapareceu e recebeu um outro falso através da comunidade

de refugiados da França; que recebeu um carimbo para colocar visto no

passaporte; que o passaporte já tinha alguns carimbos de entrada e

saída; que o carimbo tinha algum problema com, salvo engano, inversão

de dia e mês; que nunca precisou usar o segundo passaporte; (...) - fl s. 518-

520. Grifei.

Note-se que a inversão de datas mencionada pelo ora acusado, foi

constatada pelos peritos no laudo de fl s. 73-81, in verbis:

(...) como também foi observado que a data “072505”, constante do

carimbado aposto na página 06, encontra-se invertida, com relação ao dia

e mês da referida data, tendo em vista que no Brasil a posição correta seria:

“250705”, (...).

Outrossim, deve ser rechaçada a tese defensiva de que os passaportes falsos,

bem como os carimbos inidôneos, foram entregues ao apelante por um terceiro -

agente da polícia francesa -, que os teria confeccionado para o acusado, tendo em

vista que não há qualquer indício que aponte para essa situação, sendo certo que

o réu, em sua defesa, limitou-se a fazer alegações carentes de fundamento, nada

apresentando durante a instrução probatória que as comprovasse.

Dessa feita, ficou evidenciado que o ora denunciado, de forma livre

e consciente, fez uso de sinais públicos falsificados em passaportes falsos e

cartões de entrada-saída no intuito de entrar e permanecer clandestinamente em

território brasileiro, realizando, pois, a conduta descrita no artigo 296, § 1º, I, do

Código Penal. (fl s. 876-877)

De outra parte, nos termos da jurisprudência desta Corte, o órgão julgador

não é obrigado a se manifestar sobre todos os pontos alegados pelas partes, mas

somente sobre aqueles que entender necessários para a sua decisão, de acordo

com seu livre e fundamentado convencimento, não caracterizando omissão ou

ofensa à legislação infraconstitucional o resultado diferente do pretendido pela

parte.

Não há, portanto, que se falar em omissão no julgado porque ausentes os

requisitos autorizadores dos embargos declaratórios previstos no art. 619, do

Código de Processo Penal.

Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração.

Haja vista o que foi decidido e determinado no julgamento do agravo

regimental ora embargado, e o disposto no art. 65, parágrafo único, alínea a, da

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 537

Lei n. 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro), expeça-se novo ofício ao Exmo.

Sr. Ministro da Justiça, reiterando o encaminhamento de cópia da r. sentença

(fl s. 658-666), do v. acórdão (fl s. 868-886), bem como dos julgados proferidos

no âmbito desta c. Corte para as providências legais que entender cabíveis.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 175.816-RS (2010/0105875-8)

Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze

Impetrante: Katerine Olmedo Braun - Defensora Pública

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Paciente: Tatiane Chaves Soares

EMENTA

Habeas corpus impetrado em substituição ao recurso previsto

no ordenamento jurídico. 1. Não cabimento. Modificação de

entendimento jurisprudencial. Restrição do remédio constitucional.

Exame excepcional que visa privilegiar a ampla defesa e o devido

processo legal. 2. Ameaça. Sogra e nora. 3. Competência. Inaplicabilidade.

Lei Maria da Penha. Abrangência do conceito de violência doméstica e

familiar. Divergência doutrinária. Interpretação restritiva. Violência de

gênero. Relação de intimidade afetiva. 4. Competência do Juizado Especial

Criminal. 5. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido de ofício.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a

racionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema

recursal, vinha se fi rmando, mais recentemente, no sentido de ser

imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às

hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo

Penal. Nessa linha de evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal

Federal passou a não mais admitir habeas corpus que tenha por objetivo

substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie. Precedentes.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

538

Contudo, devem ser analisadas as questões suscitadas na inicial no

intuito de verifi car a existência de constrangimento ilegal evidente a

ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício, evitando-se

prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.

2. A incidência da Lei n. 11.340/2006 reclama situação de

violência praticada contra a mulher, em contexto caracterizado por

relação de poder e submissão, praticada por homem ou mulher sobre

mulher em situação de vulnerabilidade. Precedentes.

3. No caso não se revela a presença dos requisitos cumulativos

para a incidência da Lei n. 11.340/2006, a relação íntima de afeto, a

motivação de gênero e a situação de vulnerabilidade. Concessão da

ordem.

4. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido de ofi cio, para

declarar competente para processar e julgar o feito o Juizado Especial

Criminal da Comarca de Santa Maria-RS.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder

habeas corpus de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-

PR), Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE) e Jorge Mussi

votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, a Sra. Ministra Laurita Vaz.

Brasília (DF), 20 de junho de 2013 (data do julgamento).

Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator

DJe 28.6.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze: Trata-se de Habeas corpus

impetrado em favor de Tatiane Chaves Soares, apontando-se como autoridade

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 539

coatora o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que, nos autos do Confl ito

de Competência n. 70034043414, declarou a competência do Juízo da 4ª

Vara Criminal de Santa Maria-RS para processar e julgar a ação ajuizada pela

suposta prática do delito de ameaça – art. 147 do Código Penal –, praticado pela

nora contra a sogra, em acórdão assim ementado (fl . 90):

Confl ito de competência/jurisdição. Lei Maria da Penha.

Os confl itos entre sogra e nora estão ao abrigo da Lei Maria da Penha quando a

agressão tem motivação de ordem familiar.

Não é do Juizado Especial Criminal a competência para processar e julgar os

crimes de menor potencial ofensivo envolvendo violência doméstica e familiar

contra a mulher - Lei n. 11.340/2006.

Confl ito julgado procedente. Decisão unânime. (fl . 90).

No Superior Tribunal de Justiça alega a impetrante que “não deve prosperar

o entendimento da 1ª Câmara Criminal do TJRS, eis que o suposto fato narrado

na inicial teria se dado entre nora e sogra, que não residem na mesma casa, sendo

que a paciente não sustenta sua sogra, não se enquadrando na proteção da Lei

n. 11.304/2006 que trata da proteção da mulher em situação de vulnerabilidade

ou hipossufi ciência, e mais no caso concreto não há opressão de gênero, já que o

suposto confl ito teria ocorrido entre duas mulheres” (fl . 3).

Assevera, ainda, que “no caso concreto não há demonstração de

hipossuficiência ou de vulnerabilidade da suposta vítima, o que deve ser

demonstrado para o fi m de aplicação da Lei n. 11.3340/2006. Deixar a cargo

da parte acusada a sua prova é uma exigência que a lei não impõe. Caso não

demonstrado pelo acusador a vulnerabilidade da vítima, deve ser afastada a

incidência da Lei n. 11.340/2006, e com isso o art. 41, que impede a oferta de

vários benefícios a paciente, previstos na Lei n. 9.099/995” (fl . 6).

Diante disso, pleiteia, inclusive liminarmente, pelo trancamento da Ação

Penal n. 027/2.09.0001734-1, que tramita perante a 4ª Vara Criminal da

Comarca de Santa Maria.

A liminar foi indeferida pelo Ministro Hamilton Carvalhido, no exercício

da presidência deste Tribunal Superior (fl s.126127).

As informações foram prestadas às fl s. 133-152.

O Ministério Público Federal, ao se manifestar (fl s. 156-160), opinou pela

concessão da ordem.

É o relatório.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator): Consolidou-se, por meio

de reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal

Federal, a tendência de se atenuar as hipóteses de cabimento do mandamus,

destacando-se que o habeas corpus é remédio constitucional voltado ao combate

de constrangimento ilegal específi co de ato ou decisão que afete, potencial

ou efetivamente, direito líquido e certo do cidadão, com refl exo direto em sua

liberdade. Assim, não se presta à correção de decisão sujeita a recurso próprio,

previsto no sistema processual penal, não sendo, pois, substituto de recursos

ordinários, especial ou extraordinário. A mudança jurisprudencial consolidou-

se a partir dos seguintes julgamentos: Habeas Corpus n. 109.956-PR, Relator

o Ministro Marco Aurélio; Habeas Corpus n. 104.045-RJ, Relatora a Ministra

Rosa Weber; Habeas Corpus n. 114.550-AC, Relator o Ministro Luiz Fux e

Habeas Corpus n. 114.924-RJ, Relator o Ministro Dias Toff oli.

Entendo que boa razão têm os Ministros do Supremo Tribunal Federal

quando restringem o cabimento do remédio constitucional às hipóteses previstas

na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. É que as vias recursais

ordinárias passaram a ser atravessadas por incontáveis possibilidades de dedução

de insurgências pela impetração do writ, cujas origens me parece terem sido

esquecidas, sobrecarregando os tribunais, desvirtuando a racionalidade do

ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal. Calhou bem a

mudança da orientação jurisprudencial, tanto que eu, de igual modo, dela passo

a me valer com o objetivo de viabilizar o exercício pleno, pelo Superior Tribunal

de Justiça, da nobre função de uniformizar a interpretação da legislação federal

brasileira.

No entanto, apesar de não se ter utilizado, na espécie, do recurso previsto

na legislação ordinária para a impugnação da decisão, em homenagem à garantia

constitucional constante do art. 5º, inciso LXVIII, passo à análise das questões

suscitadas na inicial no intuito de verifi car a existência de constrangimento

ilegal evidente a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício,

evitando-se, desse modo, prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.

A presente impetração busca o trancamento da ação penal a que responde

a paciente, haja vista a incompetência da 4ª Vara Criminal da Comarca de Santa

Maria-RS para processar e julgar o feito, ao entendimento de que as agressões

narradas nos autos não caracterizam violência doméstica, pois foram praticadas

por nora contra sogra fora do ambiente doméstico, razão pela qual a competência

recai sobre o Juizado Especial de Pequenas Causas.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 541

A questão da inaplicabilidade da Lei Maria da Penha ao presente caso,

atraindo a competência do Juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de Santa

Maria-RS para julgar e processar o feito, foi decidida pelo Tribunal Estadual

nos seguintes termos (fl s. 92-96):

Pedido a mais respeitosa vênia às doutas e abalizadas opiniões em contrário,

trago para a colação o que foi decidido quando do julgamento do Confl ito de

Competência n. 70.022.033.989, julgado por esta Colenda Câmara, sessão de 6 de

dezembro de 2007, da nossa relatoria, in vebis:

lnicialmente, embora não desconheça o Ofício Circular n. 327/06 - CGJ,

tenho que o confl ito pode ser resolvido na esfera Judicial.

Depreende-se dos autos que foi lavrado termo circunstanciado de

contravenção penal de vias de fato, tendo em vista fato acorrido em

20.2.2007, por volta das 12 horas, na residência localizada na Rua Luiz Beck

da Silva, n. 74, Bairro Faxinal, na cidade de Santa Cruz do Sul, visando a

apurar a prática, em tese, desta contravenção perpetrada por V. L. da S. que

teria agredida sua fi lha M. da S., de 16 anos de idade (nascida em 9.12 1990).

O cerne da questão refere-se à defi nição se o delito ou contravenção

cometido enquadra-se na Lei Maria da Penha Baseando-se em estudos

sobre a matéria, concluo que sim.

Explico.

Verifi cando quem pode ser sujeito passivo e ativo desses delitos, há

posição no sentido de que os confl itos entre mães e fi lhas estão ao abrigo

da Lei Maria da Penha quando a agressão tem motivação de ordem familiar

(DIAS, MARIA BERENICE. A LEI MARIA DA PENHA NA JUSTIÇA: EFETIVIDADE

DA LEI 11.340/2006 DE COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

CONTRA A MULHER. SÃO PAULO: EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS, 2007,

P. 41). No ponto, tanto o homem quanto a mulher podem ser sujeito ativo,

e, no sujeito passivo, há exigência de uma qualidade especial: ser mulher.

Outrossim, desimporta a idade da mulher. Cuidando-se de mulher

“menor” como no caso em tela, poderá ser aplicada quando compatível e

não confl itante a legislação especifi ca relativa à criança e ao adolescente

(ECA) conforme o art. 13 da Lei Maria da Penha. O ilustre Promotor de

Justiça Marcelo Lessa Batos, em seu artigo violência Doméstica e Familiar

contra a Mulher (BASTOS, MARCELO LESSA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E

FAMILIAR CONTRA A MULHER.

Quando trata deste tema, aduz:

São os arts. 5º e 7º os responsáveis por determinar o âmbito de

incidência da Lei em comento, já que são eles que defi nem o que

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

542

confi gura e quais as formos de violência doméstica e familiar contra

a mulher. Seu exame conjunto, portento, mostra-se fundamental para

estabelecer quando se aplica a Lei Maria da Penha.

Uma primeira observação que se deve fazer diz respeito o

que mulher está sujeita à proteção legal. À míngua de qualquer

exclusão constante do texto da Lei, conclui-se que qualquer mulher

está por ela tutelada, independente da idade, seja adulta, idosa ou,

até mesmo, criança ou adolescente. Nestes últimos casos, haverá

superposição de normas protetivas, pela incldêncla simultânea dos

Estatutos do Idoso e da Crlança e Adolescente, que não parecem

excluir as normas de proteção da Lei Maria da Penha que, lnclusive,

complementam a abrangência de tutela. Bom que se lembre que a Lei

Maria da Penha não se restringe à violência doméstica, abrangendo,

igualmente, a violência familiar, do que não estão livres, infelizmente,

crianças, adolescentes e idosos.

[...]

Para ser sujeito passivo tutelado pela norma basta, portanto, que a

pessoa se enquadre no conceito biológico de “mulher”

[grifo nosso].

De outra banda, conforme o ensinamento da eminente Desa.

Maria Berenice Dias, ao enfrentar e competência do juízo, o legislador

deixou claro que a violência contra a mulher não é crime de pequeno

potencial ofensivo (art. 41) Nesse particular, esclarece que (idem,

pp.61 62) “9.3 Competência de Juízo. Quando entrou em vigor a Lei

Maria da Penha chamou atenção e suscitou questionamento o fato

de a vidência doméstica ter sido excluída do âmbito dos Juizados

Especiais Criminais - JECrIms (art. 41). Mas o legislador não quis

deixar dúvidas. Foi enfático e até repetitivo ao afastar os delitos que

ocorrem no âmbito da família do Juízo especial que aprecia infrações

de pequena lesividade. Nítida a intenção de deixar claro que a violência

contra a mulher não é crime de pequeno potencial ofensivo. A alteração

de competência Ievado a efeito justifi ca-se. A Constituição Federal

assegurou alguns privilégios a delitos de menor potencial ofensivo e

delegou à legislação infraconstitucional defi nir os crimes que assim

devem ser considerados (CF art. 98, I). Foi o que fez a Lei dos Juizados

Especiais. Sem dar nova redação nem à Lei das Contravenções Penais

e nem ao Código Penal, considerou de pequeno potencial ofensivo: a)

as contravenções penais; b) os crimes que a lei comina pena máxima

não superior a dois anos; e c) os delitos de lesões corporais leves

e culposas. A Lei Maria da Penha lei da mesma hierarquia afastou a

violência doméstica da égide da Lei n. 9.099/1995. Assim, se a vítima é

mulher e o crime aconteceu no ambiente doméstico, não pode ser

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 543

considerado de pouca lesividade e não mais será agraciado pelos

JECrim. Mesmo que tenha o legislador usado a expressão “crimes”

para repudiar os Juizados Especiais Criminais, as contravenções

penais não continuam nesses juizados. [...]. Para o processo, o

julgamento e o execução das causas cíveis e criminais decorrentes

da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher foram

criados os JVDFMS (art. 14). Mesmo que não tenha sido imposta a

criação dos Juizados especializados e nem definido o prazo para

seu funcionamento, enquanto não estruturado, foi deslocada a

competência dos Juízados Especiais Criminais para as Varas Criminais

(art. 33)

Com efeito, não é do Juizado Especial Criminal a competência

para processar e julgar as Contravenções Penais envolvendo violência

doméstica e familiar contra a mulher - Lel n. 11.340/06. Isso já foi

estabelecido na Resolução n. 562/06-COMAG, com as alterações

pertinentes, quais sejam, de n. 571/2006-COMAG e 574/2006-COMAG;

no Ofício Circular n. 327/06/CGJ, e em diversos julgados deste

Colenda Câmara.

Além disso, o art. 41 da Lei Maria da Penha é expresso ao

mencionar que, independentemente da pena prevista, está vedada a

aplicação da Lei n. 9.099/1995, verbis:

“Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar

contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica

a Lei n. 9.099, d 26 de setembro de 1995.”

Portanto, concluo que a lei dispõe que compete aos JVDFM o

julgamento das “causas cíveis e criminais” (art. 33), enquanto não

forem lmplementadas esses juizados a competência é da Vara

Criminal e não há dúvida que e expressão “causas” compreende

as contravenções penais (nesse sentido, Confl ito de Competência n.

70020004339, D.J. 19 de julho de 2007 de minha relatoria).

Assim, à vista do que foi exposto, julgo procedente o presente conflito de

competência/jurisdição para declarar competente o Juízo de Direito da 4ª vara

Criminal da comarca de Santa Maria.

É o voto.

Ressalte-se, desde logo, a turbulência dos entendimentos acerca do âmbito

de abrangência do conceito de violência doméstica e familiar.

O conceito legal tem sofrido severas críticas da doutrina, como ressalta

Guilherme Nucci por se tratar de uma norma extremamente aberta.

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544

Há os que afirmam, pela interpretação literal da lei, que a norma

compreende relações de casamento, união estável, família monoparental,

homoafetiva, adotiva, vínculos de parentesco em sentido amplo e, ainda, introduz

a idéia de família de fato (aquela que não tem vínculo jurídico familiar, mas que

se consideram aparentadas, como, por exemplo, amigos próximos e empregados

domésticos), como também as relações protegidas pelo biodireito.

No entanto, entendo que o conceito de violência doméstica e familiar

merece uma interpretação restritiva, sob pena de inviabilização da própria

aplicação da norma, eis que a agravante prevista no art. 61, inciso II, alínea f, do

Código Penal, seria aplicada a um número excessivo de infrações penais, o que,

de certo, não era a intenção do legislador.

Para se compreender melhor o tema, necessário se faz uma pequena

digressão histórica acerca dos motivos que levaram à edição da Lei n.

11.340/2006.

Ressalte-se que simples fotografi a da realidade social e cultural em que

vivemos permite constatar que não faltaram razões para a edição de uma lei

específi ca para prevenir e coibir a violência no país, com enfoque principal fosse

a proteção às mulheres, históricas vítimas, como preconiza o artigo 1º da Lei n.

11.340/2006, bem como o próprio preâmbulo da referida Lei.

Não podemos perder de vista os aspectos históricos e sociais que criaram

condições propícias para a discriminação de gênero hoje vigente e que necessitam

ser eliminados do contexto social.

Deve-se reconhecer que a violência de gênero é um evento sociológico

e epidemiológico, fruto da diferença de poder entre homens e mulheres, dos

distintos papéis sociais atribuídos a cada gênero e da subordinação histórica das

mulheres.

A violência de gênero é, pois, fruto da discriminação contra as mulheres,

ao passo que as relações hierarquizadas e o machismo são determinantes para a

aceitação social dessa violência.

Nesse sentido, já mencionava Sérgio Ricardo de Souza, ao tratar da relação

da violência doméstica e familiar com os direitos humanos:

(...) Mas há que se frisar que o legislador procurou, principalmente, fi rmar a

posição de que a violência de gênero não se confunde com as demais formas

de violência, porque ela caracteriza-se principalmente na cultura machista do

menosprezo pela mulher, bem como na idéia de perpetuação da submissão da

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RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 545

mulher ao mando do homem, autorizando a equivocada e nefasta disseminação

da inferioridade do gênero feminino em relação ao masculino, permitindo a

“coisifi cação” da mulher, numa afronta direta à doutrina da dignidade da pessoa

humana, consolidada já na fi losofi a kantiana e expressamente inserida no art. 1º,

inc. III, da CRFB.

Luiz Antônio de Souza, por sua vez, ao defender a constitucionalidade da

Lei n. 11.340/2006, ensina que a interpretação do referido Diploma Legal não

deve ser gramatical, mas sim sociológica, teleológica e axiológica.

Sob o prisma sociológico, a Exposição de Motivos da Lei n. 11.340/2006,

no item 11, aponta que as pesquisas realizadas revelam, confirmadas por

estatística, que a mulher é socialmente vulnerável no âmbito doméstico e

familiar, sendo objeto de constantes espancamentos, merecendo, pois, uma

proteção especial, já que as leis penais vigentes não foram sufi cientes para a

proteção de tão nobres bens jurídicos.

Sob o aspecto teleológico – fi nalidade da norma –, temos que a Lei n.

11.340/2006 veio como forma de conferir a efetivação da harmonia das relações

familiares.

Quanto ao aspecto axiológico – valor da norma –, temos que a proteção da

mulher, ao contrário de violá-lo, veio conferir maior efetividade ao princípio da

isonomia e, nesse sentido, da Exposição de Motivos, item 12, destaca-se:

É contra as relações desiguais que se impõem os direitos humanos das

mulheres. O respeito à igualdade está a exigir, portanto, uma lei específi ca que

dê proteção e dignidade às mulheres vítimas de violência doméstica. Não haverá

democracia efetiva e igualdade real enquanto o problema da violência doméstica

não for devidamente considerado. Os direitos à vida, à saúde e à integridade física

das mulheres são violados quando um membro da família tira vantagem de sua

força física ou posição de autoridade para infl igir maus-tratos físicos, sexuais,

morais e psicológicos.

Não é outro o sentido que se extrai da própria Lei n. 11.340/2006, que, em

seu artigo 4º, assevera: “Na interpretação desta Lei, serão considerados os fi ns

sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em

situação de violência doméstica e familiar” (sem grifo no original).

Note-se, pois, que a lei deverá ser interpretada com especial atenção aos

fi ns sociais a que se destina, demonstrando a preocupação do legislador com a

correta interpretação da lei.

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546

De outro giro, observa-se que a iniciativa legislativa de inserir no

quadro normativo nacional uma legislação específica para tratar do tema

da violência doméstica decorre do próprio texto constitucional - art. 226,

§ 8º, da Constituição Federal -, bem como das recomendações feitas por

diversos organismos internacionais no sentido do combate à violência de gênero,

considerada uma grave violação aos direitos humanos.

Nesse sentido, a Lei n. 11.340/2006 buscou inspiração e foi precedida pela

integração de dois importantes tratados ao ordenamento jurídico pátrio, já que

o Brasil assinou e ratifi cou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas

de Discriminação contra a Mulher (ONU), de 18.12.1979 e a Convenção

interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher

denominada de “Convenção de Belém do Pará” (OEA), de 1994, internalizadas

pelos Decretos n. 4.377/2002 e 1.973/1996, respectivamente.

Em seu art. 1º, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação contra a Mulher (ONU), de 18.12.1979, defi ne a discriminação

contra a mulher como:

(...) toda distinção baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado

prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo, exercício pela mulher, independente

de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos

humanos e das liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social,

cultural e civil.

Por seu turno, defi ne a “Convenção de Belém do Pará” (OEA), de 1994,

art. 1º: “Qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou

sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como

no privado”.

Saliente-se, por relevante, a condenação internacional do Brasil no caso

Maria da Penha Maia Fernandes, em 2001 – Relatório 54/01. Caso 12.051,

Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA) –, e a recomendação

daquela Corte Internacional para que fossem adotadas medidas legislativas

efi cazes de combate à violência doméstica contra a mulher, razão principal pela

qual a Lei n. 11.340/2006 passou a ser denominada como “Lei Maria da Penha”.

Tendo-se como norte as citadas Convenções Internacionais, que serviram

de parâmetro para a edição da Lei n. 11.340/2006, extrai-se que as defi nições ali

expressas apontam para a violência de gênero como “qualquer conduta baseada

no gênero que cause ou possa causar dano às mulheres”.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 547

Por fi m, destaca-se o artigo 5º da Lei n. 11.340/2006 que dispõe:

Para os efeitos desta Lei, confi gura violência doméstica e familiar contra a

mulher qualquer ação ou omissão, baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,

sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.

E sobre a violência baseada no gênero, ensina Flávia Piovesan (in Temas de

direitos humanos, 3ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2009, p. 229):

a violência contra a mulher constitui ofensa à dignidade humana, sendo

manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e

homens. (...) Vale dizer, a violência baseada no gênero ocorre quando um ato é

dirigido contra a mulher porque é mulher, ou quando atos afetam as mulheres de

forma desproporcional.

Dessa análise, extrai-se que a Convenção de Belém do Pará, em seus artigos

1º e 2º, a, diferencia a “família” e “outras relações interpessoais”, qualifi cando o

tipo de violência de gênero como violência doméstica não só como lugar de

convívio, mas também como um tipo específi co de relação, isto é, aquela que se

dá entre parceiros íntimos, sejam eles conviventes ou não.

E nesse sentido ressalta Jesualdo Almeida Júnior (in artigo científi co

violência doméstica e o direito. Revista Jurídica Consulex. Ano XI, n. 244,

publicado em 15 de março de 2007, p. 56-58):

Outrossim, caracteriza situação a ensejar a aplicação da lei em comento a

agressão desferida contra a mulher numa relação de afeto, não importando o fato

de o agressor e a ofendida coabitarem ou não a mesma casa.

Assim, interpretando os artigos em questão, tem-se a violência doméstica

como uma forma específi ca da violência de gênero – aquela que ocorre em

relações de intimidade – utilizando-se o termo “violência doméstica” para se

referir à violência conjugal, daí porque afi rmarmos que a terminologia “violência

doméstica” deve ser tida como sinônimo de violência contra a mulher praticada

por parceiros íntimos.

Como leciona Carmen Hein de Campos:

Essa também parece ter sido a opção do legislador ao defi nir, no art. 1º, da

Lei n. 11.340/2006 que esta “cria mecanismos para coibir e prevenir a violência

doméstica e familiar contra a mulher”. Embora haja uma aparente redundância

na expressão “doméstica e familiar”, pode-se argumentar que o legislador não

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548

escolheu essas duas expressões como o mero intuito de reforçar o substantivo

“doméstica”. Ao defi nir-se pela expressão violência doméstica, quis o legislador

referir-se ao tipo de relação, tal como consagrada academicamente em estudos

feministas, igualando-o à violência nas relações íntimas. Observa-se que o

legislador usa o conectivo “e” para introduzir o adjetivo “familiar”. Por conseguinte,

o “familiar” se refere ao lugar onde essa violência é praticada (na família). Desta

forma, a violência doméstica contra a mulher defi nida na Lei é uma violência

praticada em relações de conjugalidade (atuais ou não) e também no espaço

familiar (art. I, II e III) - p. 252.

No mesmo sentido, segue o entendimento firmado pelo E. Superior

Tribunal de Justiça, ao afi rmar que o legislador tem em conta a mulher, numa

perspectiva de gênero e em condições de hipossufi ciência ou inferioridade

física e econômica em relações patriarcais. Aduz, ainda, que o escopo da lei é a

proteção da mulher em situação de fragilidade diante do homem (ou mulher)

em decorrência de qualquer relação íntima, com ou sem coabitação, que possa

acarretar atos de violência contra esta mulher:

Confl ito de competência. Penal. Juizado Especial Criminal e Juiz de Direito. Crime

com violência doméstica e familiar contra mulher. Crime contra honra praticado

por irmã da vítima. Inaplicabilidade da Lei n. 11.340/2006. Competência do Juizado

Especial Criminal. 1. Delito contra honra, envolvendo irmãs, não confi gura hipótese

de incidência da Lei n. 11.340/2006, que tem como objeto a mulher numa

perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou inferioridade

física e econômica. 2. Sujeito passivo da violência doméstica, objeto da referida

lei, é a mulher. Sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que

fi que caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade. 2.

No caso, havendo apenas desavenças e ofensas entre irmãs, não há qualquer

motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize situação

de relação íntima que possa causar violência doméstica ou familiar contra a

mulher. Não se aplica a Lei n. 11.340/2006. 3. Confl ito conhecido para declarar

competente o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Governador

Valadares-MG, o suscitado. (CC n. 88.027-MG. Ministro Og Fernandes. S3 - 3ª

Seção, j. 5.12.2008, p. 18.12.2008) - grifos nosso.

Ficou assentado, ainda, no E. Superior Tribunal de Justiça, que a intenção

do legislador ao editar a Lei Maria da Penha foi de dar proteção à mulher

que tenha sofrido agressão decorrente de relacionamento amoroso, sendo

desnecessária à confi guração da relação íntima de afeto a coabitação entre o

agente e a vítima:

Confl ito negativo de competência. Violência doméstica. Ex-namorados. Não

aplicação da Lei n. 11.340/2006. Competência do Juizado Especial Criminal.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 549

1. Apesar de ser desnecessária à confi guração da relação íntima de afeto a

coabitação entre agente e vítima, verifi ca-se que a intenção do legislador, ao

editar a Lei Maria da Penha, foi de dar proteção à mulher que tenha sofrido

agressão decorrente de relacionamento amoroso, e não de ligações transitórias,

passageiras.

2. (...). (CC n. 95.057-MG. Ministro Jorge Mussi. S3 - 3ª Seção, j. em 29.10.2008,

p. 13.3.2009).

A limitação da incidência da Lei n. 11.340/2006, às relações íntimas de

afeto, na proteção do gênero feminino, fi cou claramente exposta no seguinte

aresto:

Confl ito negativo de competência. Lei Maria da Penha. Relação de namoro. Decisão

da 3ª Seção do STJ. Afeto e convivência independente de coabitação. Caracterização

de âmbito doméstico e familiar. Lei n. 11.340/2006. Aplicação. Competência do Juízo

de Direito da 1ª Vara Criminal. 1. Caracteriza violência doméstica, para os efeitos

da Lei n. 11.340/2006, quaisquer agressões físicas, sexuais ou psicológicas

causadas por homem em uma mulher com quem tenha convivido em qualquer

relação íntima de afeto, independente de coabitação. 2. O namoro é uma

relação íntima de afeto que independe de coabitação; portanto, a agressão do

namorado contra a namorada, ainda que tenha cessado o relacionamento, mas

que ocorra em decorrência dele, caracteriza violência doméstica. 3. A Terceira

Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao decidir os Confl itos n. 91.980 e 94.447,

não se posicionou no sentido de que o namoro não foi alcançado pela Lei Maria

da Penha, ela decidiu, por maioria, que naqueles casos concretos, a agressão não

decorria do namoro. 4. A Lei Maria da Penha é um exemplo de implementação

para a tutela do gênero feminino, devendo ser aplicada aos casos em que se

encontram as mulheres vítimas da violência doméstica e familiar. 5. Confl ito

conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal

de Conselheiro Lafaiete-MG. (CC n. 96.532-MG. Min. Jane Silva Desembargadora

convocada do TJ-MG. S3 - 3ª Seção, j. 5.12.2008. p. 19.12.2008) - grifos nosso.

Ademais, não se pode perder de vista que o legislador colocou nas mãos

do intérprete um elenco de medidas protetivas, notadamente de natureza

extrapenal, a serem aplicadas ao (à) agressor (a), em conjunto ou separadamente,

a saber: art. 8º, II – promoção de pesquisas e estatísticas para determinar as

causas da violência doméstica, art. 8º, III – controle da publicidade sexista, art.

8º, IV – promoção de campanhas educativas dirigidas às escolas e à sociedade,

art. 22, II – afastamento do lar, art. 22, V – fi xação de alimentos provisionais ou

provisórios, art. 23, I – colocação em programa de atendimento ou proteção,

art. 23, II – determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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respectivo domicílio, após afastamento do agressor e art. 23, IV – separação de

corpos, dentre outras.

E tal espectro de garantias não teria sentido se não fosse com o intuito

de proteger a mulher em situação de vulnerabilidade, subjugada pelo marido/

companheiro (a) do (a) qual, muitas vezes, depende economicamente.

Nesse sentido leciona Carmen Hein de Campos:

Portanto, a legislação, ao tratar do tema da violência doméstica, não pretendeu

diminuir a dimensão da violência de gênero, mas reduzir a abrangência legal,

circunscrever seu objeto, focalizando, nesse sentido, o fenômeno da violência

doméstica (ou da violência nas relações íntimas). Daí a série de medidas

integradas de prevenção (art. 8º) dirigidas a mudar o olhar da sociedade sobre

a questão. Essa perspectiva denota a intenção do legislador de retirar o “manto

sagrado” que envolve as relações íntimas e mostrar que a violência doméstica

é uma forma de discriminação contra as mulheres. A violência praticada na

intimidade não é um assunto privado, ao contrário, é de interesse público e diz

respeito à democracia e à cidadania’.

Assim, evidente que a mens legis foi a de reunir, num mesmo juízo, a

competência – administrativa, civil e criminal –, bem como todos os instrumentos

legais e sociais para facilitar a solução controvérsia e por fi m ao litígio de modo

mais célere e efi caz, conferindo ao Juízo da Violência Doméstica e Familiar

Contra a Mulher condições para conceder às vítimas, mulheres, a proteção

integral estabelecida na legislação especial.

Por fi m, a proteção especial conferidas às mulheres pela Lei n. 11.340/2006

é plenamente justifi cável, pois o Direito Penal é instrumento idôneo para

a proteção de grupos considerados vulneráveis, tratamento que emerge do

princípio constitucional da igualdade substancial.

Carmen Hein de Campos explica com precisão as razões da proteção

especial contemplada no sistema constituído pela Lei n. 11.340/2006:

Apesar do discutível recurso ao Direito Penal, reconhece-se a idoneidade de

uma política criminal de gênero quando ela estabelece uma mínima intervenção

punitiva e uma máxima intervenção social.

(...)

A proposta da Lei integral é de combinar a mínima intervenção punitiva, por

intermédio da mínima majoração da pena no crime de lesão corporal de natureza

leve, com a máxima intervenção social, através de amplas políticas públicas

destinadas a prevenir essa violência. As inúmeras medidas protetivas da Lei estão

destinadas a maior proteção da vítima, haja visto a possibilidade de incremento

da violência com a conseqüente ocorrência de crimes mais graves.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 551

Extrai-se do exame do caso concreto que o delito supostamente praticado

por irmão contra irmã não guarda qualquer motivação de gênero apta a atrair

a incidência da Lei n. 11.340/2006, merecendo a conduta exame e eventual

punição à luz do Código Penal.

Ausente, pois, o nexo de causalidade entre a conduta criminosa praticada

e a relação existente entre autor e vítima, que não se identifi ca com violência

de gênero, praticada em contexto de relação íntima de afeto, não deve incidir o

sistema de proteção especial criado pela Lei n. 11.340/2006.

Veja-se, a título de ilustração, que na hipotética situação de ameaça

praticada pelo irmão contra irmão e irmã, somente a última atrairia a incidência

da Lei n. 11.340/2006, em evidente tratamento desigual de pessoas que estavam

numa mesma situação, a evidenciar que a mencionada lei somente alcança

pessoas que estão numa mesma situação ou contexto – mulheres vulneráveis,

vítimas de violência de qualquer natureza, praticada por parceiro ou parceira em

relação íntima de afeto.

Conclui-se, pois, que no presente caso concreto, a relação entre sogra e nora não se

insere na hipótese de incidência da Lei n. 11.340/2006. Se assim fosse, qualquer delito

que envolvesse relação entre parentes poderia dar ensejo à aplicação da referida Lei,

inviabilizando-se, inclusive, o funcionamento do Juizado da Violência Doméstica e

Familiar contra a Mulher.

A Lei n. 11.340/2006 criou um microssistema que se identifi ca pelo gênero da

vítima, fi cando restrita às relações íntimas de afeto. Para os demais casos de violência

– envolvendo relação de parentesco entre irmãos, tios, sobrinha, avós, bem como aquela

envolvendo patrão e empregada – já existem regras, mormente no âmbito do Código

Penal, para penalizar os agressores, não se justifi cando, em relação a estes, a proteção

especial conferida pela Lei n. 11.340/2006.

Em síntese, a incidência da Lei n. 11.340/2006 reclama a constatação da

presença concomitante da violência de qualquer natureza praticada contra mulher

em situação de vulnerabilidade, por motivação de gênero e praticada por parceiro ou

parceira em relação íntima de afeto, fator que, por razões culturais, não eram objeto de

tutela penal sufi ciente, efetiva e adequada.

À conta de tais considerações, não conheço da impetração. Concedo,

habeas corpus de ofício para declarar competente para processar e julgar o feito o

Juizado Especial Criminal da Comarca de Santa Maria-RS.

É como voto.

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552

HABEAS CORPUS N. 218.961-SP (2011/0222773-6)

Relatora: Ministra Laurita Vaz

Impetrante: Cleide Camilo Teixeira e outros

Advogado: Cleide Camilo Teixeira e outro(s)

Impetrado: Tribunal Regional Federal da 3ª Região

Paciente: Claudio Antonio Pistelli

EMENTA

Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Writ não conhecido, por ser

errônea a impetração originária em substituição à via de impugnação cabível,

qual seja, o recurso ordinário constitucional. Descaminho. Crime formal.

Desnecessidade de constituição defi nitiva do crédito tributário. Ausência de

ilegalidade fl agrante que, eventualmente, ensejasse a concessão da ordem de

ofício. Habeas corpus não conhecido.

1. Na esteira dos precedentes atuais deste Superior Tribunal de Justiça, o

writ não pode ser conhecido, por se tratar de errônea impetração originária de

habeas corpus em substituição à via de impugnação cabível, qual seja, o recurso

ordinário constitucional. Contudo, em respeito ao fato de a impetração ter sido

anterior à mudança do referido entendimento, é feita a análise da insurgência, a

fi m de verifi car a eventual possibilidade de concessão da ordem de ofício.

2. O crime de descaminho se perfaz com o ato de iludir o pagamento de

imposto devido pela entrada de mercadoria no pais. Não é necessária, assim, a

apuração administrativo-fi scal do montante que deixou de ser recolhido para a

confi guração do delito. Trata-se, portanto, de crime formal, e não material, razão

pela qual o resultado da conduta delituosa relacionada ao quantum do imposto

devido não integra o tipo legal. Precedente da Quinta Turma do STJ e do STF.

3. A norma penal do art. 334 do Código Penal – elencada sob o Título XI:

“Dos Crimes Contra a Administração Pública” – visa proteger, em primeiro plano,

a integridade do sistema de controle de entrada e saída de mercadorias do país,

como importante instrumento de política econômica. O agente que ilude esse

controle aduaneiro para importar mercadorias, sem o pagamento dos impostos

devidos – estes fi xados, afi nal, para regular e equilibrar o sistema econômico-

fi nanceiro do país – comete o crime de descaminho, independentemente da

apuração administrativo-fi scal do valor do imposto sonegado.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 553

4. O bem jurídico protegido pela norma em tela é mais do que o mero

valor do imposto. Engloba a própria estabilidade das atividades comerciais

dentro do país, refl etindo na balança comercial entre o Brasil e outros países. O

produto inserido no mercado brasileiro, fruto de descaminho, além de lesar o

fi sco, enseja o comércio ilegal, concorrendo, de forma desleal, com os produzidos

no país, gerando uma série de prejuízos para a atividade empresarial brasileira.

5. Em suma: a confi guração do crime de descaminho, por ser formal,

independe da apuração administrativo-fiscal do valor do imposto iludido,

embora este possa orientar a aplicação do princípio da insignifi cância quando se

tratar de conduta isolada.

6. Habeas corpus não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das

notas taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido. Os

Srs. Ministros Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Regina

Helena Costa votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 15 de outubro de 2013 (data do julgamento).

Ministra Laurita Vaz, Relatora

DJe 25.10.2013

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Laurita Vaz: Trata-se de habeas corpus, substitutivo de

recurso ordinário, com pedido liminar, impetrado em favor de Cláudio Antonio

Pistelli, contra acórdão proferido pela Quinta Turma do Tribunal Regional da 3ª

Região que denegou a ordem originária.

Em 14.5.2009, o ora Paciente, foi preso em fl agrante, como incurso no art.

334, § 3º, do Código Penal, quando policiais apreenderam diversos produtos

eletrônicos, oriundos do exterior, sem documentação aduaneira, trazidos em um

avião, no aeroporto da cidade de Capão Bonito-SP.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

554

Consta que dois habeas corpus foram impetrados perante o Tribunal a quo,

buscando o relaxamento da prisão: o primeiro, foi denegado; o segundo, não foi

conhecido.

O Juízo processante, considerando o excesso de prazo da prisão, deferiu a

liberdade provisória ao Paciente.

Um terceiro habeas corpus foi impetrado (HC n. 2011.03.00.012201-0-SP)

perante o Tribunal Regional da 3ª Região, objetivando o trancamento da ação

penal em face da ausência de constituição defi nitiva do crédito tributário. A

ordem foi denegada, consoante a ementa que se segue (fl s. 214-215):

Penal e Processual Penal. Habeas corpus. Indícios de fato delituoso e

envolvimento do paciente. Necessidade de investigação. Ausência de justa

causa não verifi cada. Trancamento de inquérito policial. Medida excepcional.

Precedentes do STF e STJ. Ordem denegada.

1. A ação de habeas corpus tem pressuposto específi co de admissibilidade,

consistente na demonstração primo ictu oculi da violência atual ou iminente,

qualifi cada pela ilegalidade ou pelo abuso de poder, que repercuta, mediata ou

imediatamente, no direito à livre locomoção, conforme previsão do art. 5º, inc.

LXVIII, da CF e art. 647 do CPP.

2. Paciente preso em fl agrante e, posteriormente, posto em liberdade vez que

relaxado o fl agrante.

3. Alegada ausência de justa causa para a investigação e o indiciamento do

paciente, por não ter sido constituído em defi nitivo o crédito tributário. Descaminho

é crime formal. Desnecessidade da constituição do crédito tributário. Precedentes do

STF e dos Tribunais Regionais.

4. Informações da autoridade coatora dão conta de que o inquérito busca

apurar não só o delito em questão, mas também todos os envolvidos, já que este

crime representa apenas um dos diversos delitos cometidos por uma quadrilha

bem organizada.

5. A função da Polícia é investigar os fatos e nesse processo de investigação é

que obterá informações acerca da veracidade, ou não, do delito, as circunstâncias

dos fatos e a identifi cação dos responsáveis.

6. A análise perfunctória da prova não exclui, de plano, a existência do crime,

tampouco a não participação do paciente, de modo a justifi car o trancamento do

curso do inquérito policial instaurado.

7. Necessidade de investigação dos fatos e a identifi cação dos envolvidos.

Trancamento do inquérito é medida excepcional. Precedentes do STF e STJ.

Ausência de justa causa para a investigação não demonstrada.

8. Ordem denegada. (grifei.)

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 555

No presente writ, reiteram os Impetrantes os termos da exordial do

habeas corpus originário, insistindo no pedido de trancamento da ação penal em

decorrência da inexistência de crédito tributário defi nitivamente constituído,

razão pela qual não haveria a condição de procedibilidade para a persecução

criminal. Apontam a norma inserta no art. 83, da Lei n. 9.430/1996, que prevê

a representação fi scal para fi ns penais em relação aos crimes contra ordem

tributária, e o disposto no art. 5º da Portaria n. 665/2008, da Secretaria da

Receita Federal, que expressamente faz referência à necessidade de representação

para o crime de contrabando ou descaminho.

Indicam os Impetrantes, ainda, precedentes deste Superior Tribunal de

Justiça e julgado do Supremo Tribunal Federal, no HC n. 85.942-SP, Rel.

Ministro Luiz Fux, a corroborar a pretensão do mandamus.

Indeferi a liminar às fl s. 221-224, ocasião em que dispensei as informações.

O parecer do Ministério Público Federal às fl s. 231-233 foi pela denegação

da ordem.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora): Na esteira dos precedentes atuais

deste Superior Tribunal de Justiça, o writ não pode ser conhecido, por se tratar

de errônea impetração originária de habeas corpus em substituição à via de

impugnação cabível, qual seja, o recurso ordinário constitucional. Contudo,

em respeito ao fato de a impetração ter sido anterior à mudança do referido

entendimento, passo à análise da insurgência, a fi m de verifi car a eventual

possibilidade de concessão da ordem de ofício.

Almejam os Impetrantes o trancamento da ação penal instaurada contra o

Paciente, acusado do crime de descaminho, em face da ausência de constituição

defi nitiva do crédito tributário.

Malgrado a existência de precedentes das Quinta e Sexta Turmas deste

Superior Tribunal de Justiça corroborando a tese da impetração, melhor

refl etindo sobre a questão, creio que deva ser reformulado o entendimento.

Com efeito, é este o tipo legal insculpido no Código Penal:

Art. 334 Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em

parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo

consumo de mercadoria:

Pena - reclusão, de um a quatro anos. (grifei)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

556

Como se vê, o crime de descaminho se perfaz com o ato de iludir o pagamento

de imposto devido pela entrada de mercadoria no pais. Não é necessária, assim, a

apuração administrativo-fi scal do montante que deixou de ser recolhido para a

confi guração do delito. Trata-se, portanto, de crime formal, e não material, razão

pela qual o resultado da conduta delituosa relacionada ao quantum do imposto

devido não integra o tipo legal.

Nesse sentido, há precedente desta Quinta Turma consignando que “A

falta de indicação do valor de tributos devidos não macula a inicial acusatória,

eis que o descaminho é delito formal e se concretiza com a simples ilusão do

pagamento do tributo devido” (HC n. 171.490-MS, Rel. Ministro Gilson Dipp,

Quinta Turma, julgado em 17.4.2012, DJe 23.4.2012).

Colaciono ainda o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:

Habeas corpus. Descaminho. Importação de produtos de informática e de

telecomunicações. Simulação de operações comerciais. Mercadorias importadas

de forma irregular. Desnecessidade de constituição defi nitiva do débito tributário.

Ordem denegada.

1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme em considerar

excepcional o trancamento da ação penal pela via processualmente acanhada

do habeas corpus (HC n. 86.786, da minha relatoria; HC n. 84.841, da relatoria do

ministro Marco Aurélio). Habeas corpus que se revela como trilha de verdadeiro

atalho, somente admitida quando de logo avulta o desatendimento das

coordenadas objetivas dos arts. 41 e 395 do CPP.

2. Quanto aos delitos tributários materiais, esta nossa Corte dá pela necessidade

do lançamento defi nitivo do tributo devido, como condição de caracterização

do crime. Tal direção interpretativa está assentada na idéia-força de que, para a

consumação dos crimes tributários descritos nos cinco incisos do art. 1º da Lei n.

8.137/1990, é imprescindível a ocorrência do resultado supressão ou redução de

tributo. Resultado aferido, tão-somente, após a constituição defi nitiva do crédito

tributário. (Súmula Vinculante n. 24)

3. Por outra volta, a consumação do delito de descaminho e a posterior abertura

de processo-crime não estão a depender da constituição administrativa do débito

fi scal. Primeiro, porque o delito de descaminho é rigorosamente formal, de modo

a prescindir da ocorrência do resultado naturalístico. Segundo, porque a conduta

materializadora desse crime é “iludir” o Estado quanto ao pagamento do imposto

devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria. E iludir não signifi ca

outra coisa senão fraudar, burlar, escamotear. Condutas, essas, minuciosamente

narradas na inicial acusatória.

4. Acresce que, na concreta situação dos autos, o paciente se acha denunciado

pelo descaminho, na forma da alínea c do § 1º do art. 334 do Código Penal.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 557

Delito que tem como elementos nucleares as seguintes condutas: vender, expor

à venda, manter em depósito e utilizar mercadoria estrangeira introduzida

clandestinamente no País ou importada fraudulentamente. Pelo que não há

necessidade de uma defi nitiva constituição administrativa do imposto devido

para, e só então, ter-se por consumado o delito.

5. Ordem denegada. (HC n. 99.740, Rel. Ministro Ayres Britto, Segunda Turma,

julgado em 23.11.2010, DJe-020, divulg 31.1.2011, public 1º.2.2011, Ement vol-

02454-02, pp-00474, RDDT n. 187, 2011, p. 169-174.)

Cumpre anotar que a norma penal do art. 334 do Código Penal – elencada

sob o Título XI: “Dos Crimes Contra a Administração Pública” – visa proteger,

em primeiro plano, a integridade do sistema de controle de entrada e saída de

mercadorias do país, como importante instrumento de política econômica. O

agente que ilude esse controle aduaneiro para importar mercadorias, sem o

pagamento dos impostos devidos – estes fi xados, afi nal, para regular e equilibrar

o sistema econômico-fi nanceiro do país – comete o crime de descaminho,

independentemente da apuração administrativo-fi scal do valor do imposto

sonegado.

Com efeito, o bem jurídico protegido pela norma em tela é mais do que o

mero valor do imposto. Engloba a própria estabilidade das atividades comerciais

dentro do país, refl etindo na balança comercial entre o Brasil e outros países. O

produto inserido no mercado brasileiro, fruto de descaminho, além de lesar o

fi sco, enseja o comércio ilegal, concorrendo, de forma desleal, com os produzidos

no país, gerando uma série de prejuízos para a atividade empresarial brasileira.

Outrossim, o aludido art. 83, da Lei n. 9.430/1996, com redação dada pela

Lei n. 12.350/2010, que trata da representação fi scal para fi ns penais, não faz

referência ao crime de descaminho. Confi ra-se:

Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a

ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990,

e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 2.848, de 7 de

dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois

de proferida a decisão fi nal, na esfera administrativa, sobre a exigência fi scal do

crédito tributário correspondente. (grifei)

E, mesmo que fi zesse, por se tratar de crime formal, que independe da

constituição defi nitiva do crédito fi scal para sua confi guração, não condicionaria

a instauração de investigação ou de ajuizamento de ação penal para apurar o

crime de descaminho.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

558

Quanto à mencionada Portaria n. 665/2008, da Secretaria da Receita Federal

(que já foi revogada pela Portaria n. 2.439/2010), a norma executiva em nada

ajuda a tese dos Impetrantes, ao dispor que:

Art. 5º A representação fi scal para fi ns penais relativa aos crimes de contrabando

ou descaminho, defi nidos no art. 334 do Código Penal, será formalizada em autos

separados e protocolizada na mesma data da lavratura do auto de infração, devendo

permanecer na unidade da RFB de lavratura até o fi nal do prazo para impugnação.

§ 1º Se for aplicada a pena de perdimento de bens, inclusive na hipótese de

conversão em multa equivalente ao valor aduaneiro da mercadoria que não seja

localizada ou que tenha sido consumida, a representação de que trata o caput

deverá ser encaminhada pela autoridade julgadora de instância única ao órgão do

Ministério Público Federal que for competente para promover a ação penal, no prazo

máximo de 10 (dez) dias, anexando-se cópia da decisão.

§ 2º Não aplicada a pena de perdimento, a representação fi scal para fi ns penais

deverá ser arquivada, depois de incluir nos autos cópia da respectiva decisão

administrativa.

Eis a dicção da Portaria n. 2.439/2010, nesse particular:

Art. 6º A representação fi scal para fi ns penais relativa aos crimes de contrabando

ou descaminho, defi nidos no art. 334 do Código Penal, deverá:

I - conter os elementos referidos no art. 3º, no que couber;

II - ser formalizada em autos separados e protocolizada na mesma data

da lavratura do auto de infração, devendo permanecer na unidade da RFB de

lavratura até o fi nal do prazo para impugnação;

II - ser formalizada em autos separados e protocolizada na mesma data da

lavratura do auto de infração, observado o disposto nos §§ 1º a 3º do art. 4º;

(Redação dada pela Portaria RFB n. 3.182, de 29 de julho de 2011)

III - ser encaminhada pela autoridade julgadora de instância única ao órgão do

MPF que for competente para promover a ação penal, no prazo máximo de 30 (trinta)

dias, anexando-se cópia da decisão, no caso de aplicação da pena de perdimento dos

bens, inclusive na hipótese de conversão em multa equivalente ao valor aduaneiro da

mercadoria que não seja localizada ou que tenha sido consumida; ou

IV - ser arquivada, depois da inclusão nos autos de cópia da respectiva decisão

administrativa, no caso de não aplicação da pena de perdimento dos bens.

A Portaria referida, como se vê, orienta a fiscalização tributária no

sentido de encaminhar para o Ministério Público Federal informações aptas a

desencadear a persecução criminal pelo titular da ação penal, mas não condiciona

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 559

sua atuação. As esferas Administrativa e Penal são autônomas e independentes,

sendo desinfl uente, no crime de descaminho, a constituição defi nitiva do crédito

tributário pela primeira para a incidência da segunda.

Nesse contexto, a norma procedimental administrativa não tem o condão

de desfi gurar o tipo legal inserto no Código Penal, tampouco de condicionar a

persecução criminal.

A propósito do tema, embora não se tenha discutido no acórdão

impugnado e nem se tenha notícia nos autos do valor dos tributos devidos, vale

ressaltar que a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, em consonância

com a do Supremo Tribunal Federal, admite a incidência do princípio da

insignifi cância quando o montante do imposto iludido, em valores desde logo

estimados, não ultrapassar os R$ 10.000,00 (dez mil reais), limite fi xado no art.

20 da Lei n. 10.522/2002, que determina o arquivamento das execuções fi scais

cujo valor consolidado esteja abaixo desse patamar. O entendimento é que,

inexistindo interesse do Estado na cobrança das dívidas tributárias nesse valor, o

caráter fragmentário e subsidiário do direto penal afasta a incidência da norma

incriminadora, por considerar a conduta materialmente atípica. Nesse sentido:

Recurso especial repetitivo representativo da controvérsia. Art. 105, III, a e

c da CF/1988. Penal. Art. 334, § 1º, alíneas c e d, do Código Penal. Descaminho.

Tipicidade. Aplicação do princípio da insignifi cância.

I - Segundo jurisprudência fi rmada no âmbito do Pretório Excelso - 1ª e 2ª Turmas

- incide o princípio da insignifi cância aos débitos tributários que não ultrapassem

o limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n.

10.522/2002.

II - Muito embora esta não seja a orientação majoritária desta Corte (vide

EREsp n. 966.077-GO, 3ª Seção, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 20.8.2009), mas em

prol da otimização do sistema, e buscando evitar uma sucessiva interposição de

recursos ao c. Supremo Tribunal Federal, em sintonia com os objetivos da Lei n.

11.672/2008, é de ser seguido, na matéria, o escólio jurisprudencial da Suprema

Corte.

Recurso especial desprovido. (REsp n. 1.112.748-TO, Rel. Ministro Felix Fischer,

Terceira Seção, julgado em 9.9.2009, DJe 13.10.2009.)

Não obstante, os julgados desta Quinta Turma, alinhados com os da

Suprema Corte, não admitem a aplicação do princípio da insignifi cância em

casos tais em que há reiteração da conduta, na medida em que se evidencia o

alto grau de reprovabilidade do comportamento do agente, bem como a efetiva

ameaça aos bens jurídicos que se almeja proteger. Confi ra-se:

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560

Agravo regimental em recurso especial. Penal. Crime de descaminho. Débito

tributário inferior a R$ 10.000,00. Aplicação do princípio da insignificância.

Inviabilidade. Habitualidade na prática da conduta criminosa. Precedentes do

Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Agravo desprovido.

1. A despeito do débito tributário referente às mercadorias estrangeiras sem

documentação fi scal ser inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), subsiste o interesse

estatal à repressão do delito de descaminho praticado habitualmente pelo Acusado

2. A Suprema Corte firmou sua orientação no sentido de que “[o] princípio da

insignifi cância não foi estruturado para resguardar e legitimar constantes condutas

desvirtuadas, mas para impedir que desvios de condutas ínfi mas, isoladas, sejam

sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos

contrários à lei penal, mesmo que insignifi cantes, quando constantes, devido a sua

reprovabilidade, perdem a característica de bagatela e devem se submeter ao direito

penal” (STF, HC n. 102.088-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 21.5.2010).

3. De fato, constatada a conduta habitual do Agente, a lei seria inócua se

fosse tolerada a prática criminosa ou, até mesmo, o cometimento do mesmo

delito, seguidas vezes, em frações que, isoladamente, não superassem certo

valor tido por insignifi cante, mas o excedesse na soma. A desconsideração dessas

circunstâncias implicaria verdadeiro incentivo ao descumprimento da norma

legal, mormente para aqueles que fazem da criminalidade um meio de vida.

Precedentes da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal e desta Turma.

4. A despeito de não confi gurar reincidência, a existência de outras ações

penais em curso é suficiente para caracterizar a habitualidade delitiva e,

consequentemente, afastar a incidência do princípio da insignifi cância. No caso,

há comprovação da existência de outras ações penais em seu desfavor, inclusive

da mesma atividade criminosa.

5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.241.920-PR, Rel. Ministra

Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 18.6.2013, DJe 1º.7.2013.)

Agravo regimental no recurso especial. Descaminho. Tipicidade. Princípio da

insignifi cância. Reiteração delitiva. Inaplicabilidade. Decisão mantida por seus

próprios fundamentos. Agravo improvido.

1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp

n. 1.112.748-TO, fi rmou o entendimento no sentido de ser aplicável ao crime de

descaminho o princípio da insignifi cância quando o valor do tributo iludido for

inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

2. Quando a contumácia delitiva é patente, não há como deixar de reconhecer o

elevado grau de reprovabilidade do comportamento do acusado, bem como a efetiva

periculosidade ao bem jurídico que se almeja proteger, impedindo, assim, a aplicação

do princípio da insignificância, notadamente em razão da informação acerca da

existência de outros processos administrativos fi scais, instaurados contra o agravante,

também pelo delito de descaminho. Precedente do Supremo Tribunal Federal.

3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp n. 1.347.579-

PR, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, DJe de 16.5.2013.)

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RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 561

Habeas corpus. Processual Penal. Descaminho (CP, art. 334, § 1º, d). Trancamento

da ação penal. Pretensão à aplicação do princípio da insignifi cância. Contumácia na

conduta. Não cabimento. Ausência de constrangimento ilegal. Ordem denegada.

1. Embora seja reduzida a expressividade financeira do tributo omitido ou

sonegado pelo paciente, não é possível acatar a tese de irrelevância material da

conduta por ele praticada, tendo em vista ser ela uma prática habitual na sua vida

pregressa, o que demonstra ser ele um infrator contumaz e com personalidade

voltada à prática delitiva, ainda que, formalmente, não se possa reconhecer, na

espécie, a existência da reincidência.

2. Conforme a jurisprudência da Corte, “o reconhecimento da insignifi cância

material da conduta increpada ao paciente serviria muito mais como um

deletério incentivo ao cometimento de novos delitos do que propriamente uma

injustifi cada mobilização do Poder Judiciário” (HC n. 96.202-RS, Primeira Turma,

Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 28.5.2010).

3. Ordem denegada. (HC n. 115.869, Relator Min. Dias Toff oli, Primeira Turma,

DJe-084 de 7.5.2013; grifo no original.)

Habeas corpus. Penal. Constitucional. Infração do art. 344, § 1º, alínea d, do

Código Penal. Pretensão de aplicação do princípio da insignifi cância: inviabilidade.

Prática reiterada de descaminho. Precedentes.

1. A tipicidade penal não pode ser percebida como o exercício de mera

adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, a

confi guração da tipicidade demandaria uma análise materialmente valorativa das

circunstâncias do caso concreto, para se verifi car a ocorrência de alguma lesão

grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado.

2. O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da

tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato na seara penal, apesar de

haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal.

3. Existência de outros processos administrativos fiscais instaurados contra o

Paciente em razão de práticas de descaminho. Elevado grau de reprovabilidade da

conduta imputada evidenciado pela reiteração delitiva, o que afasta a aplicação do

princípio da insignifi cância no caso.

4. O criminoso contumaz, mesmo que pratique crimes de pequena monta, não

pode ser tratado pelo sistema penal como se tivesse praticado condutas irrelevantes,

pois crimes considerados ínfi mos, quando analisados isoladamente, mas relevantes

quando em conjunto, seriam transformados pelo infrator em verdadeiro meio de

vida.

5. O princípio da insignificância não pode ser acolhido para resguardar e

legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de

conduta ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se

justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

562

insignificantes, quando constantes, devido à sua reprovabilidade, perdem a

característica da bagatela e devem se submeter ao direito penal.

6. Ordem denegada. (HC n. 112.597, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Segunda

Turma, julgado em 18.9.2012, DJe-241, divulg 7.12.2012, public 10.12.2012.)

Esses julgados reforçam a ideia de que o objeto jurídico tutelado extrapola

o mero interesse fi scal sobre as mercadorias introduzidas clandestinamente no

país, porque consideram em desfavor do agente a contumácia na prática do crime

de descaminho, declarando o interesse estatal na persecução criminal, mesmo

quando o valor do tributo devido estiver dentro dos limites não executados pela

Administração.

Firme nessas razões, pedindo vênia aos entendimentos contrários, entendo

que a confi guração do crime de descaminho, por ser formal, independe da

apuração administrativo-fi scal do valor do imposto iludido, embora este possa

orientar a aplicação do princípio da insignifi cância quando se tratar de conduta

isolada.

Não é, portanto, o caso de concessão da ordem de ofício.

Ante o exposto, não conheço da ordem de habeas corpus.

É o voto.

HABEAS CORPUS N. 223.044-ES (2011/0257134-0)

Relator: Ministro Jorge Mussi

Impetrante: Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo

Advogado: Rodrigo de Paula Lima - Defensor Público

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo

Paciente: João Batista Rodrigues de Jesus (preso)

EMENTA

Habeas corpus. Impetração originária. Substituição ao recurso

especial cabível. Impossibilidade. Respeito ao sistema recursal previsto

na Carta Magna. Não conhecimento.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 563

1. Com o intuito de homenagear o sistema criado pelo Poder

Constituinte Originário para a impugnação das decisões judiciais,

necessária a racionalização da utilização do habeas corpus, o qual não

deve ser admitido para contestar decisão contra a qual exista previsão

de recurso específi co no ordenamento jurídico.

2. Tendo em vista que a impetração aponta como ato coator

acórdão proferido por ocasião do julgamento de apelação criminal,

contra a qual seria cabível a interposição do recurso especial, depara-

se com fl agrante utilização inadequada da via eleita, circunstância que

impede o seu conhecimento.

3. Tratando-se de writ impetrado antes da alteração do

entendimento jurisprudencial, o alegado constrangimento ilegal será

enfrentado para que se analise a possibilidade de eventual concessão

de habeas corpus de ofício.

Homicídio qualifi cado (artigo 121, § 2º, inciso II, do Código Penal).

Tribunal do Júri. Nulidade. Ausência de formulação de quesito referente

à absolvição do acusado. Obrigatoriedade. Inteligência do artigo 483 do

Código de Processo Penal. Constrangimento ilegal evidenciado. Concessão

da ordem de ofício.

1. Com o advento da Lei n. 11.689/2008, modifi cou-se a forma

de elaboração dos quesitos de defesa, concentrando-se em um único

questionamento - o que indaga se os jurados absolvem o réu - todas as

teses sustentadas pelo acusado e por seu patrono em Plenário.

2. Nos termos do § 2º do artigo 483 do Código de Processo

Penal, sendo respondidos afi rmativamente os quesitos referentes à

materialidade e à autoria ou participação, passa-se ao questionamento

relativo à absolvição do réu.

3. O quesito referente à absolvição é obrigatório, devendo ser

elaborado mesmo quando a defesa se limite a negar a autoria ou a

participação do acusado nos fatos narrados na denúncia. Doutrina.

Precedentes.

4. No caso dos autos, da leitura da ata da sessão de julgamento,

observa-se que a defesa pleiteou a absolvição do réu ou a exclusão das

qualifi cadoras do delito de homicídio, não tendo o Juiz Presidente

formulado quesito referente à absolvição, com o que não concordou

a Defensoria Pública, que requereu o registro do seu protesto em ata.

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5. Demonstrada a ausência de elaboração de quesito obrigatório,

imperioso o reconhecimento da nulidade do julgamento, consoante o

disposto na Súmula n. 156 do Supremo Tribunal Federal.

6. Inviável a determinação de expedição de alvará de soltura em

favor do paciente, pois permaneceu preso durante toda a instrução

criminal, havendo notícias de que seria indivíduo perigoso em seu

meio social, e de que estaria ameaçando testemunhas que depuseram

sem seu desfavor.

7. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício,

nos termos do artigo 654, § 2º, do Código de Processo Penal, apenas

para anular o julgamento do paciente realizado pelo Tribunal do Júri,

determinando-se que outro se realize com a formulação do quesito

obrigatório previsto no artigo 483, inciso III e § 2º, do Código de

Processo Penal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder

“Habeas Corpus” de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os

Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Campos Marques (Desembargador

convocado do TJ-PR), Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-

SE) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 27 de agosto de 2013 (data do julgamento).

Ministro Jorge Mussi, Relator

DJe 17.9.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Jorge Mussi: Trata-se de habeas corpus impetrado em

favor de João Batista Rodrigues de Jesus, apontando como autoridade coatora

o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, que negou provimento à

Apelação n. 047.099.159.908.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 565

Noticiam os autos que o paciente foi condenado à pena de 12 (doze) anos

e 3 (três) meses de reclusão, a ser cumprida no regime inicial fechado, como

incurso no artigo 121, § 2º, inciso II, do Código Penal.

Irresignada, a defesa apelou, tendo a Corte Estadual negado provimento ao

recurso.

Sustenta o impetrante que o paciente seria alvo de constrangimento ilegal,

sob o argumento de que no seu julgamento pelo Tribunal do Júri não teria

sido formulado quesito obrigatório referente à absolvição, em observância ao

disposto no artigo 483, inciso III, do Código de Processo Penal.

Afi rma que a defesa protestou oportunamente pela ausência do quesito

genérico relativo à absolvição do acusado, motivo pelo qual não se poderia falar

em preclusão.

Alega que a resposta afi rmativa aos quesitos que tratam da materialidade

e da autoria do delito, ensejaria obrigatoriamente o questionamento referente

à absolvição do réu, nos termos do § 2º do artigo 483 da Lei Processual Penal.

Defende que a falta total de quesito tido por obrigatório seria causa de

nulidade absoluta do processo, tal como previsto no artigo 564, parágrafo único,

da Lei Penal Adjetiva.

Assevera que ausência do quesito referente à absolvição violaria não apenas

o princípio da soberania dos veredictos, como também o da plenitude de defesa.

Aduz que nos sistema jurídico atual, seria possível a absolvição do acusado

mesmo quando a defesa, técnica ou pessoal, não tenha invocado teses que

conduzam a um veredicto absolutório.

Requer a concessão da ordem para que seja anulado o julgamento do

paciente pelo Tribunal do Júri, expedindo-se alvará de soltura para que o

paciente seja colocado em liberdade, salvo se por outro motivo não estiver preso.

Prestadas as informações (e-STJ fl s. 51-52), o Ministério Público Federal,

em parecer de fl s. 67-70, manifestou-se pela denegação da ordem.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Jorge Mussi (Relator): Conforme relatado, com este habeas

corpus pretende-se, em síntese, a anulação do julgamento do paciente pelo

Tribunal do Júri.

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O pleito deduzido na inicial não comporta conhecimento na via eleita, já

que formulado em fl agrante desrespeito ao sistema recursal vigente no âmbito

do Direito Processual Penal pátrio.

Nos termos do artigo 105, inciso I, alínea c, da Constituição Federal, este

Superior Tribunal de Justiça é competente para processar e julgar, de forma

originária, os habeas corpus impetrados contra ato de tribunal sujeito à sua

jurisdição e de Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou

da Aeronáutica; ou quando for coator ou paciente as autoridades elencadas na

alínea a do mesmo dispositivo constitucional, hipóteses não ocorrentes na espécie.

Por outro lado, prevê o inciso III do artigo 105 que o Superior Tribunal

de Justiça é competente para julgar, em recurso especial, as causas decididas, em

única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais

dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, nas hipóteses descritas de forma

taxativa nas suas alíneas a, b e c.

Esse Superior Tribunal de Justiça, com o intuito de homenagear o sistema

criado pelo Poder Constituinte Originário para a impugnação das decisões

judiciais, fi rmou entendimento no sentido de que o atual estágio em que se

encontra a sociedade brasileira clama pela racionalização da utilização dessa

ferramenta importantíssima para a garantia do direito de locomoção, que é o

habeas corpus, de forma a não mais admitir que seja empregada para contestar

decisão contra a qual exista previsão de recurso específi co no ordenamento

jurídico, exatamente como ocorre no caso em exame.

Cumpre observar que, em se tratando de direito penal, destinado a

recuperar as mazelas sociais e tendo como regra a imposição de sanção privativa

de liberdade, o direito de locomoção, sempre e sempre, estará em discussão,

ainda que de forma refl exa, mas tal argumento não pode mais ser utilizado

para que todas as matérias que envolvam a persecutio criminis in judictio até a

efetiva prestação jurisdicional sejam trazidas para dentro do habeas corpus, cujas

limitações cognitivas podem signifi car, até mesmo, o tratamento inadequado da

providência requerida.

Com estas considerações e tendo em vista que a impetração se destina

a atacar acórdão proferido em sede de apelação criminal, contra o qual seria

cabível a interposição do recurso especial, depara-se com fl agrante utilização

inadequada da via eleita, circunstância que impede o seu conhecimento.

Todavia, tratando-se de remédio constitucional impetrado antes da

alteração do entendimento jurisprudencial, o alegado constrangimento ilegal

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 567

será enfrentado para que se analise a possibilidade de eventual concessão de

habeas corpus de ofício.

Segundo consta dos autos, o paciente foi acusado de praticar o delito de

homicídio qualifi cado, extraindo-se da denúncia as seguintes passagens:

Noticiam os autos do procedimento policial, que serviu de base para a

presente, registrado sob n. 073/09, que no dia 25 de agosto de 2009, por volta das

19:20h, na Rua São Marcos, Morada do Lago, São Mateus-ES, a pessoa de Marco

Antônio Rapello foi alvejada fatalmente, por projétil de arma de fogo, quando

retomava do trabalho para sua residência, vindo a óbito, tendo sido acionada

a Polícia Militar através do número 190, encontrando os milicianos o corpo do

referido nacional caído na via pública, já sem vida.

Infere-se do inquérito, após investigações, que a pessoa de Marco Antônio

Rapello era usuário de entorpecentes e que estaria devendo dinheiro a trafi cante

de droga ilícita, sendo este a pessoa de João Batista de Jesus Rodrigues, vulgo

“Joãozinho” ou “Alemão”.

Segundo apurado, na data dos fatos, João Batista de Jesus Rodrigues, com

nítido propósito de ceifar a vida de Marco Antônio Rapello, por conta da dívida

existente, oriunda do fornecimento de entorpecentes, dirigiu-se a residência

deste, munido com um revólver calibre 38, municiado, acabando por encontrar a

vítima, chegando de seu serviço, empurando a bicicleta pela via pública.

Conforme revelam os elementos indiciários, ao avistar Marco Antônio Rapello,

João Batista de Jesus Rodrigues se aproximou rapidamente empunhando a arma

e sem vociferar qualquer palavra, proferiu disparos de arma de fogo em direção

à vítima, difi cultando qualquer defesa, atingindo-o mortalmente na região malar

esquerda, tendo o projétil adentrado o crânio, causando hemorragia cerebral

difusa e desorganização de massa encefálica, lesões por si só, causadoras do

óbito.

Ato contínuo, da mesma forma que se aproximou de inopino, João Batista de

Jesus Rodrigues se evadiu do local, vindo, contudo, a ser detido pela Polícia Militar

na data de 23.9.2009, ao tentar se escapar de uma guarnição policial, sendo

encontrado em seu poder um revólver calibre 38, municiado, possivelmente

utilizado no homicídio de Marco Antônio Rapello.

Autoria e materialidade, consubstanciada pelo Laudo de Cadavérico (fl . 25),

certidão de óbito (fl . 08), auto de apreensão (fl . 27) e depoimentos constantes dos

autos.

Procedendo desta forma João Batista de Jesus Rodrigues infringiu a norma

descrita no artigo 121, § 2º, inciso II e IV do Código Penal Brasileiro, razão pela

qual o denuncio. (e-STJ fl s. 10-11).

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Submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, o paciente restou condenado

à pena de 12 (doze) anos e 3 (três) meses de reclusão, a ser cumprida no regime

inicial fechado, como incurso no artigo 121, § 2º, inciso II, do Código Penal

(e-STJ fl s. 20-22).

Irresignada, a defesa apelou, tendo a Corte Estadual negado provimento ao

recurso, em aresto que restou assim ementado:

Apelação criminal. Tribunal do Júri. Sentença condenatória. Preliminar

DF. Nulidade do julgamento. Ausência de formulação do quesito absolutório

genérico (art. 483, III, CPP). Inexistência de tese correspondente. Rejeição. Mérito.

Manutenção da prisão cautelar. Réu que permaneceu preso durante toda a

instrução. Persistência dos fundamentos da custódia. Garantia da ordem pública.

Condenação ao pagamento das custas processuais. Isenção. Impossibilidade.

Recurso desprovido.

1) É desnecessária a formulação do quesito absolutório genérico (artigo 483,

inciso III, CPP) quando a defesa do réu ostenta apenas tese de negativa de autoria,

objeto de quesito antecedente, conforme a ordem do artigo 483 do CPP.

2) Preliminar rejeitada.

3) Não se afi gura plausível que o réu que permaneceu preso durante toda a

instrução, seja posto cm liberdade logo quando condenado por decisão calçada

em cognição exauriente, e que lhe impôs pena elevada.

4) Adequada a manutenção da prisão cautelar diante da periculosidade em

concreto do réu, demonstrada pelo modo de execução do delito, cm que a

vítima foi sumariamente executada a tiros enquanto retornava de seu trabalho,

por motivo fútil, qual seja, a pendência de uma divida de drogas. Além disso, há

notícias de que o réu seria tido em seu meio social como indivíduo perigoso, e

que teria ameaçado de morte duas testemunhas inquiridas em juízo, fatos que

autorizam a prisão preventiva para resguardo da ordem pública.

5) Mesmo que litigue sob o pálio da assistência judiciária gratuita, deve o réu

sucumbente ser condenado ao pagamento das custas processuais, fi cando a

exigibilidade da verba suspensa, nos termos do artigo 12 da Lei n. 1.060/1950.

(e-STJ fl . 30).

Pois bem. Com o advento da Lei n. 11.689/2008, modificou-se a

forma de elaboração dos quesitos de defesa, concentrando-se em um único

questionamento - o que indaga se os jurados absolvem o réu - todas as teses

sustentadas pelo acusado e por seu patrono em Plenário.

Confi ra-se, a propósito, a letra do artigo 483 do Código de Processo Penal,

após a mencionada reforma legislativa:

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RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 569

Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre:

I – a materialidade do fato;

II – a autoria ou participação;

III – se o acusado deve ser absolvido;

IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;

V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena

reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível

a acusação.

Dessa forma, sendo respondidos afi rmativamente os quesitos referentes à

materialidade e à autoria ou participação, passa-se ao questionamento relativo à

absolvição do réu, nos termos do § 2º do citado dispositivo legal, verbis:

§ 2º Respondidos afi rmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos

relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a

seguinte redação: (Incluído pela Lei n. 11.689, de 2008)

O jurado absolve o acusado?

Trata-se, portanto, de quesito obrigatório, que deve ser elaborado mesmo

quando a defesa se limita a negar a autoria ou a participação do acusado nos

fatos narrados na denúncia.

Sobre o tema, é essa a lição de Guilherme de Souza Nucci:

A Lei n. 11.689/2008 introduziu uma modifi cação considerável no contexto do

Tribunal do Júri, simplifi cando o questionário, ao menos no que tange às teses de

defesa.

Não é mais necessário que o defensor sustente, por exemplo, a legítima defesa

e o magistrado elabore vários quesitos a esse respeito. Basta um: “o jurado absolve

o acusado?”

Entretanto, continuam a valer as outras teses defensivas, em formato de

quesitos, quando disserem respeito às circunstâncias do crime, implicando na

quantifi cação da pena.

É lógico poder a defesa sustentar, como tese única, a negativa do fato principal,

ou seja, que o réu não agrediu, de qualquer forma, a vítima. Por isso, à pergunta

formulada pelo juiz, referente à autoria ou participação, pedirá a defesa a resposta

“não”. Nesse caso, tornar-se-ia desnecessária a elaboração de outro quesito

específi co, pois bastaria negar a pergunta já constante do questionário.

Porém, a lei exige seja incluído o quesito referente à possibilidade de

absolvição do réu em todos os questionários. E será ele submetido à votação

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sempre que forem respondidas afirmativamente as questões concernentes à

materialidade do fato e sua autoria. (Tribunal do Júri. 2ª ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011, p. 232).

No mesmo sentido orienta-se a jurisprudência desta Corte Superior de

Justiça:

Habeas corpus impetrado em substituição ao recurso previsto no ordenamento

jurídico. (...) 3. Tese única de negativa de autoria. Autoria e materialidade

reconhecidas durante a votação dos três primeiros quesitos. Votação do quesito

obrigatório relativo à absolvição do réu. Ausência de contradição entre os quesitos.

4. Prisão preventiva. Matéria não analisada pelo Tribunal a quo. Supressão de

instância. 5. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido de ofício.

(...)

2. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o quesito previsto

no art. 483, III, do Código de Processo Penal, é obrigatório e, dessa forma, não

pode ser atingido pela regra da prejudicialidade descrita no parágrafo único do

art. 490 do mesmo diploma legal. Precedentes. O fato de a decisão dos jurados

se distanciar das provas coletadas durante a instrução criminal não justifi ca a

renovação da votação ou caracteriza contrariedade entre as respostas. Eventual

discordância da acusação deve ser abordada por meio do recurso próprio, nos

termos do art. 593, III, alínea d, do Código de Processo Penal.

3. Os jurados são livres para absolver o acusado, ainda que reconhecida a

autoria e a materialidade do crime, e tenha o defensor sustentado tese única de

negativa de autoria.

4. Não havendo nos autos informação que a decisão superveniente decretando

a prisão preventiva dos réus tenha sido submetida à análise do Tribunal a quo, é

vedada apreciação diretamente pelo Superior Tribunal de Justiça, sob pena de

indevida supressão de instância.

5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para, afastando a

nulidade reconhecida, determinar que o Tribunal de Justiça de São Paulo analise o

mérito do recurso do Ministério Público, no tocante ao paciente Edson Vanderlei

de Oliveira Junior.

(HC n. 206.008-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado

em 18.4.2013, DJe 25.4.2013)

Habeas corpus. Homicídio qualifi cado e homicídio qualifi cado tentado. (...)

Ausência de formulação do quesito genérico de absolvição (art. 483, III e §

2º, do CPP). Questionamento obrigatório. Nulidade absoluta (Súmula n. 156-

STF). Arguição em momento oportuno. Irrelevância. Constrangimento ilegal

evidenciado.

(...)

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4. A quesitação relativa à absolvição do acusado decorre expressamente da

lei (art. 483, § 2º, do CPP), portanto sua formulação é obrigatória, em razão da

garantia constitucional da plenitude de defesa. Precedente.

5. Considerando-se que o quesito da absolvição é obrigatório, tem incidência a

Súmula n. 156-STF e, em se tratando de nulidade absoluta, mostra-se irrelevante o

fato de não ter sido suscitada em momento oportuno.

6. Habeas corpus não conhecido. Ordem de habeas corpus concedida

de ofício, para anular o julgamento dos pacientes, realizado pelo Tribunal do

Júri, determinando-se que outro se realize, devendo ser formulado o quesito

obrigatório previsto no art. 483, III e § 2º, do Código de Processo Penal, com

expedição, por consequência, de alvará de soltura.

(HC n. 254.568-PB, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em

12.3.2013, DJe 19.3.2013)

No caso dos autos, da leitura da ata da sessão de julgamento, observa-se que

a defesa pleiteou a absolvição do réu ou a exclusão das qualifi cadoras do delito

de homicídio (e-STJ fl . 24), não tendo o Juiz Presidente formulado quesito

referente à absolvição “haja vista que não há tese formulada para absolvição”,

com o que não concordou a Defensoria Pública, que requereu o registro do seu

protesto em ata (e-STJ fl . 25).

Assim, foi este o questionário submetido à apreciação do Conselho de

Sentença:

1º quesito: No dia 25 de agosto de 2009, por volta das 19:25h, na Rua São

Marcos, Morada do Lago, neste Municipio, Marco Antônio Rapelo foi atingido

por disparos de arma de fogo, que lhe causaram as lesões descritas no Laudo de

Exame Cadavérico de fl . 30 e 156? Sim

2º quesito: Essas lesões foram a causa efi ciente da morte da vítima Marco

Antônio Rapelo? Sim

3º quesito: O acusado João Batista Rodrigues de Jesus concorreu para o crime

ao desferir os disparos de arma de fogo na vítima? Sim

4º quesito: O acusado João Batista Rodrigues de Jesus praticou o crime por

motivo fútil? Sim

5º quesito: O acusado praticou o crime utilizando-se de recurso de difi cultou a

defesa da vitima? Não (e-STJ fl . 19).

Observa-se, então, que não foi elaborado quesito obrigatório, referente à

absolvição do réu, o que enseja a nulidade do julgamento, consoante o disposto

na Súmula n. 156 do Supremo Tribunal Federal:

É absoluta a nulidade do julgamento, pelo júri, por falta de quesito obrigatório.

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Finalmente, inviável a expedição de alvará de soltura em favor do paciente,

pois consoante consignado pela autoridade apontada como coatora, ele

permaneceu preso durante toda a instrução criminal, sendo certo que “estão sim

delineados os pressupostos da prisão cautelar, mormente pela periculosidade em

concreto do recorrente, demonstrado pelo modo de execução do delito, em que

a vítima foi sumariamente executada a tiros enquanto retornava de seu trabalho”

em razão da “pendência de uma dívida de drogas”, havendo, ainda, notícias

de que seria “tido como indivíduo perigoso em seu meio social, e que estaria

ameaçando de morte” testemunhas que depuseram em seu desfavor (e-STJ fl s.

37-38).

Ante o exposto, por se afi gurar manifestamente incabível, não se conhece do

writ, concedendo-se, contudo, habeas corpus de ofício, nos termos do artigo 654, §

2º, do Código de Processo Penal, apenas para anular o julgamento do paciente

realizado pelo Tribunal do Júri, determinando-se que outro se realize com a

formulação do quesito obrigatório previsto no artigo 483, inciso III e § 2º, do

Código de Processo Penal.

É o voto.

HABEAS CORPUS N. 232.309-MA (2012/0019908-2)

Relator: Ministro Jorge Mussi

Impetrante: Diomar Bezerra Lima

Advogado: Diomar Bezerra Lima

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão

Paciente: José de Ribamar Teixeira Vasconcelos

EMENTA

Habeas corpus. Impetração originária. Substituição ao recurso

ordinário. Impossibilidade. Respeito ao sistema recursal previsto na

Carta Magna. Não conhecimento.

1. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, buscando

dar efetividade às normas previstas na Constituição Federal e na Lei

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RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 573

n. 8.038/1990, passou a não mais admitir o manejo do habeas corpus

originário em substituição ao recurso ordinário cabível, entendimento

que deve ser adotado por este Superior Tribunal de Justiça, a fi m de

que seja restabelecida a organicidade da prestação jurisdicional que

envolve a tutela do direito de locomoção.

2. Tratando-se de writ impetrado antes da alteração do

entendimento jurisprudencial, o alegado constrangimento ilegal será

enfrentado para que se analise a possibilidade de eventual concessão

de habeas corpus de ofício.

Quadrilha, peculato-desvio e fraude à licitação (artigos 288 e 312

do Código Penal, e 90 da Lei n. 8.666/1993). Writ não conhecido na

origem. Aventada reiteração de pedido. Inocorrência. Decisão proferida

em mandamus referente a outra ação penal. Possibilidade de concessão da

ordem de ofício.

1. Ao contrário do que decidido pela autoridade apontada como

coatora, o habeas corpus impetrado na origem não caracteriza reiteração

de pedido, já que se refere à ação penal distinta da que foi objeto do

mandamus deliberado anteriormente.

2. Tratando-se de tese já julgada pelo Tribunal de origem e

também por esta Corte Superior de Justiça nos autos do HC n.

71.362-MA, não se constata qualquer óbice ao seu enfrentamento.

Corréu detentor de foro por prerrogativa de função. Continência.

Necessidade de julgamento de todos os acusados perante o mesmo juízo.

1. Tratando-se de processo criminal no qual se atribui a todos

os agentes os mesmos delitos, depara-se com nítida hipótese de

continência, nos termos do artigo 77, inciso I, do Código de Processo

Penal, circunstância que, por si só, impede o julgamento dos fatos por

juízos distintos com relação a determinados réus, já que não se verifi ca

nenhuma das exceções previstas no artigo 79 do citado Estatuto.

2. Constatando que um dos réus, à época do recebimento da

denúncia, ocupava cargo detentor de foro por prerrogativa, incidindo,

portanto, em um só caso, duas regras de fi xação de competência

distintas, deve prevalecer aquela estabelecida em norma de maior

hierarquia, nos termos do artigo 78, inciso III, do Código de Processo

Penal, razão pela qual, na hipótese, impõe-se que os corréus não

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detentores do foro por prerrogativa de função sejam processados

e julgados perante o Tribunal de Justiça do Estado, por força da

continência verifi cada.

3. A corroborar tal compreensão, é imperioso frisar que, ao

julgar questão de ordem no Inquérito n. 2.245-MG, o Supremo

Tribunal Federal entendeu, consoante o voto médio prolatado pelo

eminente Ministro Sepúlveda Pertence, que a simples pluralidade

de réus não enseja o desmembramento dos processos em que haja

autoridade detentora de foro por prerrogativa de função, impondo-

se o julgamento unitário dos acusados perante a jurisdição de maior

hierarquia.

4. Consequentemente, havendo na ação penal em exame corréu

com foro por prerrogativa, todos os demais acusados, inclusive o

paciente, devem ser processados perante o mesmo juízo, impondo-se,

por conseguinte, verifi car a quem compete o julgamento do feito.

Afastamento cautelar de corréu do cargo de Secretário de

Estado. Decisões proferidas em ações de improbidade administrativa.

Impossibilidade de se retirar do detentor da prerrogativa de foro o direito

que lhe foi conferido pela constituição sem que ocorra a perda defi nitiva

do cargo. Incompetência do juízo de primeiro grau para processar e julgar

os acusados enquanto o corréu sujeito a foro de hierarquia superior estava

simplesmente afastado de suas funções. Impossibilidade de aplicação do

entendimento fi rmado no julgamento da ADI n. 2.797-DF. Concessão da

ordem de ofício.

1. Embora o artigo 70 da Constituição do Estado do Maranhão

disponha que “os Secretários de Estado ou ocupantes de cargo

equivalente, nos crimes comuns e nos crimes de responsabilidade,

serão julgados pelo Tribunal de Justiça”, questiona-se se o mencionado

dispositivo constitucional se aplica às autoridades que estejam

afastadas de suas funções.

2. Após o julgamento da ADI n. 2.797-DF, não se admite

a manutenção da prerrogativa de foro pelos detentores de cargos

ou mandatos que deixarem de exercer a função, entendimento que

não pode ser aplicado àqueles que são simplesmente afastados

provisoriamente de suas funções por força de decisão judicial não

defi nitiva.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 575

3. Isso porque apenas a perda defi nitiva do cargo ou função tem

o condão de retirar da autoridade os direitos que lhe são conferidos

por força de norma constitucional, não se podendo admitir que uma

decisão de caráter liminar possa suprimir garantias que são inerentes

ao cargo por ele ocupado, notadamente porque ao ser afastado

permanece como seu titular, apenas não exercendo as respectivas

funções por determinado lapso temporal.

4. No caso em apreço, estando o paciente apenas afastado de suas

funções à época em que tramitava a ação penal, impossível aplicar-se

ao caso a orientação sufragada pela Suprema Corte no julgamento da

ADI n. 2.797-DF, pois para que a autoridade detentora do foro por

prerrogativa de função deixe de ostentá-lo, é preciso, como visto, que

haja a perda defi nitiva do cargo.

5. Assim, tem-se que a denúncia formulada contra o paciente e

demais corréus foi recebida por juízo absolutamente incompetente,

já que cabia ao Tribunal de Justiça, e não a um dos Juízes das Varas

Criminais da comarca, processar e julgar o feito, no qual fi gurava

autoridade com foro privilegiado previsto na Constituição do Estado.

6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para

reconhecer a incompetência do Juízo da 3ª Vara Criminal da comarca

de São Luís-MA, até o momento no qual o corréu deixou de ocupar

o cargo detentor de foro por prerrogativa de função, declarando-se

nulos os atos praticados pelo juízo incompetente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder

“Habeas Corpus” de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os

Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Regina Helena Costa e

Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 1º de outubro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Jorge Mussi, Relator

DJe 14.10.2013

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Jorge Mussi: Trata-se de habeas corpus com pedido liminar

impetrado em favor de José de Ribamar Teixeira Vasconcelos, apontando como

autoridade coatora a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do

Estado do Maranhão, que não conheceu do HC n. 019211/2006.

Noticiam os autos que o paciente foi denunciado, com outros corréus,

como incurso nas sanções dos artigos 288 e 312 do Código Penal, e do artigo 90

da Lei n. 8.666/1993.

Sustenta o impetrante a ocorrência de constrangimento ilegal sob o

argumento de que seria improcedente a fundamentação apresentada pelo

Tribunal de Justiça para não conhecer do habeas corpus na origem, tendo em

vista que não se trataria de reiteração de pedidos.

Esclarece que, apesar de a investigação para apurar eventuais irregularidades

na construção de estradas no Estado do Maranhão haver sido realizada num

único procedimento administrativo, o Ministério Público teria optado por

apresentar denúncia relativa a cada carta convite supostamente fraudada (n.

165/2003 e n. 142/2003).

Destaca, assim, que haveria duas ações penais defl agradas em desfavor do

paciente, n. 23.750/2005 e n. 23.887/2005, nas quais, em situação semelhante, a

exordial acusatória teria sido recebida por Juízo incompetente.

Ressalta que o caso em tela seria idêntico ao já analisado por esta Quinta

Turma no julgamento do HC n. 71.362-MA, em que foi concedida parcialmente

a ordem para reconhecer a incompetência do Juízo da 3ª Vara Criminal da

comarca de São Luís-MA.

Requer a concessão da ordem para que seja reconhecida a incompetência

do juízo de primeiro grau para processar e julgar o feito.

A liminar foi indeferida, nos termos da decisão de fl s. 200-201.

Prestadas as informações (e-STJ fls. 210-213), o Ministério Público

Federal, em parecer de fl s. 298-302, manifestou-se pela remessa dos autos à

Corte Estadual para que aprecie o mérito do writ lá impetrado, ou para que

sejam estendidos ao paciente os efeitos da decisão proferida no HC n. 71.362-

MA.

É o relatório.

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RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 577

VOTO

O Sr. Ministro Jorge Mussi (Relator): Conforme relatado, com este habeas

corpus pretende-se, em síntese, o reconhecimento da incompetência do juízo de

primeiro grau para processar e julgar o feito.

Cumpre analisar, preliminarmente, a adequação da via eleita para a

manifestação da irresignação contra o acórdão proferido pelo Tribunal a quo.

Nos termos do artigo 105, inciso I, alínea c, da Constituição Federal, este

Superior Tribunal de Justiça é competente para processar e julgar, de forma

originária, os habeas corpus impetrados contra ato de tribunal sujeito à sua

jurisdição e de Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou

da Aeronáutica; ou quando for coator ou paciente as autoridades elencadas na

alínea a do mesmo dispositivo constitucional, hipóteses não ocorrentes na espécie.

Por outro lado, prevê a alínea a do inciso II do artigo 105 que o Superior

Tribunal de Justiça é competente para julgar, mediante recurso ordinário, os

habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais

Federais o pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando

a decisão for denegatória.

De se destacar que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal,

no julgamento do HC n. 109.956-PR, buscando dar efetividade às normas

previstas no artigo 102, inciso II, alínea a, da Constituição Federal, e dos artigos

30 a 32 da Lei n. 8.038/1990, passou a não mais admitir o manejo do habeas

corpus originário perante aquela Corte em substituição ao recurso ordinário

cabível, entendimento que passou ser adotado por este Superior Tribunal de

Justiça, a fi m de que fosse restabelecida a organicidade da prestação jurisdicional

que envolve a tutela do direito de locomoção.

Assim, insurgindo-se a impetração contra acórdão do Tribunal de origem

que não conheceu o prévio writ, mostra-se incabível o manejo do habeas corpus

originário, já que não confi gurada nenhuma das hipóteses elencadas no artigo

105, inciso I, alínea c, da Constituição Federal, razão pela qual não merece

conhecimento.

Todavia, tratando-se de remédio constitucional impetrado antes da

alteração do entendimento jurisprudencial, o alegado constrangimento ilegal

será enfrentado para que se analise a possibilidade de eventual concessão de

habeas corpus de ofício.

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Segundo consta dos autos, o paciente, com outros corréus, foi acusado de

praticar os delitos previstos nos artigos 288 e 312 do Código Penal, e do artigo

90 da Lei n. 8.666/1993.

De acordo com a inicial, os acusados teriam simulado a promoção de

certame licitatório, na modalidade carta-convite, “forjando um procedimento

cuja análise pericial contábil identifi cou evidências de frustração da licitude eis

que a proximidade dos valores das propostas, a não comprovação de divulgação

do convite, o desatendimento ao prazo do art. 21, § 2º, IV, da Lei n. 8.666/1993

e a existência de idênticos erros ortográfi cos em todas as propostas, indicam se

tratar de licitação forjada” (e-STJ fl . 25).

A empresa Petra Construções sagrou-se vencedora da licitação, sendo que

as demais teriam atuado apenas como empresas de cobertura, emprestando sua

participação para dar aparência de licitude ao certame (e-STJ fl . 25).

De acordo com o Ministério Público, tal simulação teve por objetivo

desviar, em proveito da Petra Construções e de seus sócios, a quantia de R$

184.614,12 (cento e oitenta e quatro mil, seiscentos e quatorze reais e doze

centavos) do erário estadual (e-STJ fl . 25).

Sobre a forma como os ilícitos foram praticados, eis o que narrou o órgão

ministerial:

1. A estimativa de custo da obra era elaborada pelo réu José de Ribamar Teixeira

Santos, que inventava os trechos e locais, como confessou espontaneamente aos

Promotores que investigaram os fatos, em depoimento prestado, sob assistência

de advogado, em 13.1.2005 (fl . 3.722);

2. Elaborado o orçamento, este era enviado por Reinaldo Bandeira a João

Cândido Dominici solicitando o inicio do serviço;

3. Reinaldo Bandeira e João Dominici tinham ciência de que se tratava de

simulação pelas seguintes razões: a) essas obras não decorriam de planejamento

prévio, estabelecido à revelia de ambos; b) José Ribamar Teixeira não tinha

autonomia para escolher obras e trechos; c) a escolha das obras fi cava a cargo de

João Dominici conforme sua discricionariedade administrativa, que repassava a

Reinaldo Bandeira o encaminhamento das medidas administrativas tendentes à

elaboração dos orçamentos Portanto, não havia como ser autorizada a licitação

desses trechos sem que deles tivessem ciência e controle os réus Reinaldo

Bandeira e João Dominici;

4. Informada a existência de dotação orçamentária, entrava em ação o

advogado Luis Carlos Mesquita, o qual acumulava as funções de assessor jurídico

e membro da Comissão Setorial de Licitação e, de plano, opinava pela escolha

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 579

da modalidade carta-convite. Ocorre que a proximidade do valor estimado pelo

orçamento com o teto para carta-convite recomendava a opção pela Tomada de

Preços eis que, sabido que o custo de estradas é cálculo impreciso, sena previsível

a ocorrência de aditivo e. portanto, o valor pago seria superior ao teto de R$

150.000,00, o que efetivamente aconteceu em todos os outros casos.

5. As propostas que concorriam eram elaboradas com idênticos erros

ortográfi cos Todas contém na planilha orçamentária a expressão jazida grafada

com “s” (jasida); falta-lhes o acento agudo no item “b” de todas as cartas de

apresentação na expressão “a validade da proposta e de 20 (vinte) (...)”; e a palavra

transporte está sempre grafada ‘Tranporte”. Resta claro ai, portanto, que um

requisito essencial do processo licitatório - o sigilo das propostas - era sempre

violado. Eliminava-se, assim, a competitividade do certame.

Dolosamente, a comissão de licitação não examinava atentamente as

propostas, eis que seu objetivo era favorecer a empresa Petra Construções. Esse

favorecimento também era evidenciado peio descumprimento de outras regras

do procedimento licrtatório devidamente apontadas no parecer técnico-contábil

de fl s. 3.706 a 3.709 dos autos. Ressalte-se. por oportuno, que a referida comissão

licitante era composta pelos denunciados José Izidro Chagas da Silva (Presidente),

Márcio Ribeiro Machado e Luiz Carlos Mesquita (Portaria de designação da

Comissão à fl . 3.609).

Tão logo consumada a simulação de licitação, cuja legalidade fora

frustrada com o acerto das participantes, que forneciam seu papel timbrado

e assinaturas para essa fraude, e com a atuação da Comissão Setorial

de Licitação, o resultado do certame foi homologado em 4.8.2003 e emitida a

Ordem de Serviço n. 074/2003.

Isso só se tornara possível porque as empresas participantes, EIT - Empresas

Industrial Técnica, Diamantina Construções Ltda e DUCOL Engenharia Ltda,

contribuíam com o fornecimento de seu papel timbrado e suas assinaturas, e

porque, a CSL. orientada por Luís Carlos Mesquita, montava a licitação fraudulenta.

6. Adjudicada a obra, entrava novamente em ação o réu José Ribamar Teixeira

que, no Termo de Recebimento Provisório de fl . 3.519. atestou a realização da

obra em focai inexistente. Juntamente com Teixeira, Reinaldo Bandeira assinou o

Laudo de Medição de fl . 3.513 dos autos, de local inexistente e no qual confessa

que nunca esteve (fl . 3.726). Para a garantia do pagamento, entrava em ação

novamente Luis Carlos Mesquita que emitia parecer favorável.

7. A quantia paga era muito próxima do contratado e, assim, logo em

seguida reaparecia Teixeira, pedindo aditivo à obra inexistente, sob alegação da

necessidade de serviços não previstos no levantamento inicial (fl . 3.543). Após,

entrava em ação Luis Carlos Mesquita que emitia parecer favorável Seguindo a

mesma seqüência, exceto a participação da CSL, o aditivo era autorizado e pago,

tudo com a participação de João Cândido Dominici, ordenador de despesa e que

confi rmou ter controle das estradas vicinais que eram licitadas.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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8. Autorizado o pagamento, a quantia era empenhada fls. 3.698 e 3.552)

e logo depositada em conta da empresa Petra Construções Ltda, gerando o

enriquecimento ilícito de Lourival Sales Parente Filho.

Com esse iter bastante objetivo os recursos do erário oram desviados em

favor da empresa Petra Construções e, notadamente, de seu sócio Lourival Sales

Parente Filho, único atuante da empresa no Estado do Maranhão e que por ela

responde a todos os chamados. (e-STJ fl s. 26-28).

A denúncia foi recebida pela Juíza de Direito da 4ª Vara Criminal da

Capital (e-STJ fl . 33), ato que posteriormente foi tornado sem efeito, tendo ela

declinado da competência para o Juízo da 8ª Vara Criminal que, por sua vez,

também declinou da competência para o Juízo da 3ª Vara Criminal, que passou

a processar e julgar o feito (e-STJ fl s. 274-275).

Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus na origem, o qual não foi

conhecido em aresto que restou assim ementado:

Processual Penal. Habeas corpus. Peculato. Fraude a licitação. Formação de

quadrilha. Ação penal. Incompetência do juízo de 1ª instância. Falta de justa causa.

Inépcia da denúncia. Reiteração de pedido. Ordem não conhecida. Unanimidade.

I - Não se conhece de pedido formulado em sede de habeas corpus quando se

tratar de matéria já apreciada.

II - Ordem não conhecida. Unanimidade. (e-STJ fl . 85).

Inicialmente é imperioso destacar que, ao contrário do que decidido pela

autoridade apontada como coatora, o habeas corpus impetrado na origem não

caracteriza reiteração de pedido.

Com efeito, o primeiro writ impetrado no Tribunal Estadual, de n.

11.646/2006, refere-se à Ação Penal n. 23.750/2005, ao passo que o HC n.

19.211/2006, que não foi conhecido, diz com o Processo n. 23.887/2005.

Assim, está-se diante de feitos distintos, o que impede que se considere

que o segundo remédio constitucional seria repetição do primeiro.

Por outro lado, o fato de o mandamus originário não haver sido conhecido,

revelaria, num primeiro momento, a inviabilidade do exame da ilegalidade

suscitada perante esta Corte Superior de Justiça, sob pena de atuar em indevida

supressão de instância, a recomendar a remessa do feito à Corte a quo para que

aprecie o mérito da impetração ali aforada.

Ocorre que, no caso em apreço, tal providência se mostra contrária à

economia e celeridade processuais, bem como à segurança jurídica, já que

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RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 581

esta colenda Corte Superior de Justiça, ao apreciar o HC n. 71.362-MA,

impetrado em favor do paciente contra acórdão proferido nos autos do HC n.

11.646/2006, entendeu que o Juízo de primeiro grau seria incompetente para

processar e julgar os réus, concedendo a ordem que havia sido denegada pela

Primeira Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.

Dessa forma, impõe-se o enfrentamento do tema para que seja analisada

a possibilidade de concessão de ofício da ordem ora pleiteada, evitando-se a

prolação de decisões judiciais distintas, já que sobre o assunto o Tribunal de

origem já se manifestou nos autos do HC n. 11.646/2006.

Pois bem. Antes de mais nada, cumpre destacar que, no presente caso,

a autoridade detentora do foro privilegiado perante o Tribunal de Justiça do

Estado do Maranhão não era o paciente, mas o corréu João Cândido Dominici,

então Secretário de Estado de Infraestrutura.

Dessa forma, num primeiro momento se poderia argumentar que o ora

paciente não teria interesse no reconhecimento da incompetência arguida, já

que poderia ser processado e julgado perante o seu juiz natural, o magistrado

singular de primeira instância.

Contudo, tal raciocínio não prospera, uma vez que na hipótese em apreço

todos os corréus estão sendo acusados de praticar, em concurso de pessoas,

os crimes previstos nos artigos 288 e 312 do Código Penal, e 90 da Lei n.

8.666/1993.

Tratando-se de ação penal na qual se atribui a todos os agentes os mesmos

delitos, depara-se com nítida hipótese de continência, nos termos do artigo

77, inciso I, do Código de Processo Penal, circunstância que, por si só, impede

o julgamento dos fatos por juízos distintos com relação a determinados réus,

já que não se verifi ca nenhuma das exceções previstas no artigo 79 do citado

Estatuto.

A propósito, esta é a letra dos dispositivos legais mencionados:

Art. 77. A competência será determinada pela continência quando:

I - duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração;

Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e

julgamento, salvo:

I - no concurso entre a jurisdição comum e a militar;

II - no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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§ 1º Cessará, em qualquer caso, a unidade do processo, se, em relação a algum

co-réu, sobrevier o caso previsto no art. 152.

§ 2º A unidade do processo não importará a do julgamento, se houver co-réu

foragido que não possa ser julgado à revelia, ou ocorrer a hipótese do art. 461.

Assim, se um dos corréus no presente processo criminal possui foro por

prerrogativa de função, imperiosa a incidência da norma contida nos aludidos

dispositivos legais para manter a unidade do processo para todos perante um

único juízo, justamente para a preservação da finalidade do instituto que,

segundo Frederico Marques, “além de contribuir para a economia processual,

evita decisões divergentes ou contraditórias, e, por possibilitar uma visão mais

completa dos fatos e da causa, constitui fator de melhor aplicação jurisdicional

do direito” (Da competência em matéria penal. 1ª ed. Campinas: Millennium,

2000, p. 363).

Incidindo, portanto, em um só caso, duas regras de fi xação de competência

distintas, deve prevalecer aquela estabelecida em norma de maior hierarquia, nos

termos do artigo 78, inciso III, do Código de Processo Penal, razão pela qual,

na hipótese, impõe-se que os corréus não detentores do foro por prerrogativa de

função sejam processados e julgados perante o Tribunal de Justiça do Estado,

por força da continência verifi cada.

Para ilustrar o entendimento exposto, recorre-se, mais uma vez, às lições do

renomado doutrinador:

No concurso de jurisdições diversas categorias, prevalecerá a de maior

graduação, - reza o n. III do artigo 78 do Código de Processo Penal.

As jurisdições, quanto à categoria, se distinguem, como já foi exposto, em

jurisdição superior e jurisdição inferior. Havendo, pois, conexidade ou continência

de infrações respectivamente de atribuição de uma e outra, prevalecerá a

competência da primeira.

É a hipótese em que se apurasse a responsabilidade penal de um juiz de

direito, submetido a uma jurisdição superior, por força do artigo 96, inciso III, da

CF em co-autoria com um comerciante. Existindo continência pelo concurso de

pessoas, haveria um só processo e prevalecendo a competência do Tribunal de

Justiça. (Op. cit. p. 376.)

A lição retrata exatamente a hipótese verifi cada nos autos, sendo adotada

pela jurisprudência desta Corte, conforme se infere do seguinte precedente:

Pedido de extensão no habeas corpus. Processual Penal. Vereador. Prerrogativa

de função estabelecida pela Constituição Estadual. Reconhecimento por esta

Corte, nos autos do presente habeas corpus. Co-réus que não detém prerrogativa

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 583

de função. Vis attractiva. Extensão dos efeitos da ordem concedida. Aplicação do

art. 580 do Código de Processo Penal.

1. “A teor do disposto nos arts. 77, I, c.c. 78, III, ambos do Código de Processo

Penal, havendo conexão ou continência entre infrações envolvendo competência

de foro por prerrogativa de função, impõe-se o julgamento simultaneus processus,

prevalecendo, in casu, a vis attractiva para o julgamento dos fatos imputados ao

co-réu que não detém a prerrogativa de função.” (PExt no HC n. 57.341-RJ, Rel.

Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJ de 23.6.2008)

(...)

3. Pedido de extensão deferido para declarar declarar a nulidade da ação penal

movida contra os Codenunciados Rogério Alves de Souza Santos e Guilherme Alberto

Fraga e determinar a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de

Janeiro, órgão competente para processar e julgar o feito, a teor do disposto no art.

161, IV, d, da Constituição Estadual do Rio de Janeiro, garantindo-se o direito de

aguardarem em liberdade o julgamento da ação penal. (PExt no HC n. 57.340-RJ,

Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 17.11.2009, DJe 14.12.2009).

Aliás, a corroborar a compreensão acima desenvolvida, é imperioso

frisar que, ao julgar questão de ordem no Inquérito n. 2.245-MG, o Supremo

Tribunal Federal entendeu, consoante o voto médio prolatado pelo eminente

Ministro Sepúlveda Pertence, que a simples pluralidade de réus não enseja o

desmembramento dos processos em que haja autoridade detentora de foro por

prerrogativa de função, impondo-se o julgamento unitário dos acusados perante

a jurisdição de maior hierarquia.

Do acordo com o voto condutor, em casos tais se deve proceder à “partilha

objetiva, desmembrando-se o processo e remetendo-o a instância competente

quando não houver imputação, em co-autoria ou não, a dignatário titular do

foro por prerrogativa de função”.

O acórdão recebeu a seguinte ementa:

Ementa: Questão de ordem. Inquérito. Desmembramento. Artigo 80 do CPP.

Critério subjetivo afastado. Critério objetivo. Inadequação ao caso concreto.

Manutenção integral do inquérito sob julgamento da Corte. Rejeitada a proposta de

adoção do critério subjetivo para o desmembramento do inquérito, nos termos

do artigo 80 do CPP, resta o critério objetivo, que, por sua vez, é desprovido de

utilidade no caso concreto, em face da complexidade do feito. Inquérito não

desmembrado. Questão de ordem resolvida no sentido da permanência, sob a

jurisdição do Supremo Tribunal Federal, de todas as pessoas denunciadas.

(Inq n. 2.245 QO-QO, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado

em 6.12.2006, DJe-139 divulg 8.11.2007 public 9.11.2007 DJ 9.11.2007 pp-00043

Ement vol-02298-02 pp-01287 RTJ vol-00203-01 pp-00034)

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584

Consequentemente, havendo na ação penal em exame corréu com foro por

prerrogativa de função, todos os demais acusados, inclusive o paciente, devem

ser processados perante o mesmo juízo, impondo-se, por conseguinte, verifi car a

quem compete o julgamento do feito.

Como é cediço, a prerrogativa de foro foi criada para proteger determinados

cargos ou funções públicas, diante de sua relevância, já que as decisões referentes

aos delitos praticados por seus ocupantes poderiam ocasionar uma série de

implicações.

Nos dizeres de Eugênio Pacelli, optou-se “pela eleição de órgãos colegiados

do Poder Judiciário, mais afastados, em tese, do alcance das pressões externas que

frequentemente ocorrem em tais situações, e em atenção também à formação

profi ssional de seus integrantes, quase sempre portadores de mais alargada

experiência judicante, adquirida ao longo do tempo de exercício na carreira”

(Curso de Processo Penal, 10ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 182-

183).

Vê-se, assim, que a prerrogativa de foro é concedida a determinados

indivíduos não por critérios pessoais, mas única e simplesmente por estarem

ocupando, em determinado momento, certos cargos ou funções públicas que

merecem especial proteção.

Mais uma vez, merece menção a lição de Eugênio Pacelli, para quem “o

objeto de tutela das normas constitucionais instituidoras de foros privativos

é o controle da livre e regular atuação do poder jurisdicional, em atenção à

relevância das funções exercidas pelo acusado, por si só sufi ciente para colocar

em risco a qualidade da decisão judicial” (Op. cit., p. 200).

No que diz respeito especifi camente ao foro privativo dos Secretários de

Estado do Maranhão, eis o que consta do artigo 70 da Constituição Estadual:

Art. 70 - Os Secretários de Estado ou ocupantes de cargo equivalente, nos

crimes comuns e nos crimes de responsabilidade, serão julgados pelo Tribunal de

Justiça.

Questiona-se, então, se o mencionado dispositivo constitucional se aplica

às autoridades que estejam afastadas de suas funções.

Sobre o tema, havia a Súmula n. 394 do Supremo Tribunal Federal,

segundo a qual “cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a

competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a

ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 585

Percebe-se, por conseguinte, que o entendimento então sumulado da

Suprema Corte permitia que as autoridades com direito ao foro por prerrogativa

tivessem o direito a mantê-la, mesmo depois da cessação do exercício da função,

se o crime tivesse sido praticado durante o exercício funcional.

No entanto, ao julgar uma série de questões de ordem em inquéritos

e ações penais originárias, a Suprema Corte deliberou cancelar o referido

enunciado sumular, por entender que a prerrogativa de foro é inerente à função,

devendo cessar quando esta também deixa de ser exercida.

Confi ra-se, a propósito, a ementa de um dos julgados que resultou no

cancelamento do Verbete n. 394 da Súmula do Supremo Tribunal Federal:

Ementa: - Direito Constitucional e Processual Penal. Processo criminal contra

ex-Deputado Federal. Competência originária. Inexistência de foro privilegiado.

Competência de Juízo de 1º grau. Não mais do Supremo Tribunal Federal.

Cancelamento da Súmula n. 394. 1. Interpretando ampliativamente normas da

Constituição Federal de 1946 e das Leis n. 1.079/1950 e 3.528/1959, o Supremo

Tribunal Federal fi rmou jurisprudência, consolidada na Súmula n. 394, segunda

a qual, “cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência

especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam

iniciados após a cessação daquele exercício”. (...) Dir-se-á que a tese da Súmula

n. 394 permanece válida, pois, com ela, ao menos de forma indireta, também

se protege o exercício do cargo ou do mandato, se durante ele o delito foi

praticado e o acusado não mais o exerce. Não se pode negar a relevância dessa

argumentação, que, por tantos anos, foi aceita pelo Tribunal. Mas também não se

pode, por outro lado, deixar de admitir que a prerrogativa de foro visa a garantir o

exercício do cargo ou do mandato, e não a proteger quem o exerce. Menos ainda

quem deixa de exercê-lo. Aliás, a prerrogativa de foro perante a Corte Suprema,

como expressa na Constituição brasileira, mesmo para os que se encontram no

exercício do cargo ou mandato, não é encontradiça no Direito Constitucional

Comparado. Menos, ainda, para ex-exercentes de cargos ou mandatos. Ademais,

as prerrogativas de foro, pelo privilégio, que, de certa forma, conferem, não

devem ser interpretadas ampliativamente, numa Constituição que pretende

tratar igualmente os cidadãos comuns, como são, também, os ex-exercentes de

tais cargos ou mandatos. 3. Questão de Ordem suscitada pelo Relator, propondo

cancelamento da Súmula n. 394 e o reconhecimento, no caso, da competência do

Juízo de 1º grau para o processo e julgamento de ação penal contra ex-Deputado

Federal. Acolhimento de ambas as propostas, por decisão unânime do Plenário.

4. Ressalva, também unânime, de todos os atos praticados e decisões proferidas

pelo Supremo Tribunal Federal, com base na Súmula n. 394, enquanto vigorou.

(Inq n. 687 QO, Relator(a): Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em

25.8.1999, DJ 9.11.2001 pp-00044 Ement vol-02051-02 pp-00217 RTJ vol-00179-

03 pp-00912)

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586

Contudo, em 2002, adveio a Lei n. 10.628, que, modifi cando a redação do

artigo 84 do Código de Processo Penal, acabou por revigorar o entendimento

constante da Súmula n. 394 da Suprema Corte.

Isso porque o § 1º incluído no artigo 84 da Lei Processual Penal passou

a prever que “a competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos

administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial

sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública”.

Diante da sobredita alteração legislativa, que contrariou o entendimento

do Supremo Tribunal Federal quando do cancelamento da Súmula n. 394,

foi ajuizada a ADI n. 2.797-DF, a qual foi julgada procedente para declarar a

inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do artigo 84 do Código de Processo Penal,

acrescentados pela Lei n. 10.628/2002.

Veja-se, por oportuno, o seguinte trecho da ementa do acórdão:

Ementa: (...) III. Foro especial por prerrogativa de função: extensão, no tempo,

ao momento posterior à cessação da investidura na função dele determinante.

Súmula n. 394-STF (cancelamento pelo Supremo Tribunal Federal). Lei n.

10.628/2002, que acrescentou os §§ 1º e 2º ao artigo 84 do C. Processo Penal:

pretensão inadmissível de interpretação autêntica da Constituição por lei

ordinária e usurpação da competência do Supremo Tribunal para interpretar a

Constituição: inconstitucionalidade declarada. 1. O novo § 1º do art. 84 CPrPen

constitui evidente reação legislativa ao cancelamento da Súmula n. 394 por

decisão tomada pelo Supremo Tribunal no Inq n. 687-QO, 25.8.1997, rel. o em.

Ministro Sydney Sanches (RTJ 179/912), cujos fundamentos a lei nova contraria

inequivocamente. 2. Tanto a Súmula n. 394, como a decisão do Supremo Tribunal,

que a cancelou, derivaram de interpretação direta e exclusiva da Constituição

Federal. 3. Não pode a lei ordinária pretender impor, como seu objeto imediato,

uma interpretação da Constituição: a questão é de inconstitucionalidade formal,

ínsita a toda norma de gradação inferior que se proponha a ditar interpretação

da norma de hierarquia superior. 4. Quando, ao vício de inconstitucionalidade

formal, a lei interpretativa da Constituição acresça o de opor-se ao entendimento

da jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal - guarda da Constituição

-, às razões dogmáticas acentuadas se impõem ao Tribunal razões de alta

política institucional para repelir a usurpação pelo legislador de sua missão de

intérprete fi nal da Lei Fundamental: admitir pudesse a lei ordinária inverter a

leitura pelo Supremo Tribunal da Constituição seria dizer que a interpretação

constitucional da Corte estaria sujeita ao referendo do legislador, ou seja, que

a Constituição - como entendida pelo órgão que ela própria erigiu em guarda

da sua supremacia -, só constituiria o correto entendimento da Lei Suprema

na medida da inteligência que lhe desse outro órgão constituído, o legislador

ordinário, ao contrário, submetido aos seus ditames. 5. Inconstitucionalidade

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RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 587

do § 1º do art. 84 C.Pr.Penal, acrescido pela lei questionada e, por arrastamento,

da regra fi nal do § 2º do mesmo artigo, que manda estender a regra à ação de

improbidade administrativa. (...)

(ADI n. 2.797, Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em

15.9.2005, DJ 19.12.2006 pp-00037 Ement vol-02261-02 pp-00250)

Desse modo, após o citado julgamento, voltou-se a não se admitir a

manutenção da prerrogativa de foro pelos detentores de cargos ou mandatos que

deixarem de exercer a função.

Na hipótese dos autos, da documentação que instrui o mandamus, tem-se

que o corréu João Cândido Dominici não foi exonerado, nem perdeu o cargo

de Secretário de Estado, tendo apenas sido afastado temporariamente de suas

funções em razão de medidas cautelares deferidas em ações civis de improbidade

administrativa ajuizadas pelo Ministério Público (e-STJ fl . 32).

Com efeito, em consulta ao sítio da Corte de origem, constatou-se que em

diversas ações civis de improbidade administrativa (Processos n. 9.954/2006,

9.952/2006, 8.214/2006, 8.261/2006, 8.271/2006, 9.177/2006 e 9.168/2006),

foi determinado o afastamento do corréu João Cândido Dominici do cargo de

Secretário de Infraestrutura do Estado do Maranhão, valendo transcrever trecho

de um dos provimentos judiciais por meio dos quais a medida foi ordenada:

Do exposto e com base ainda em tudo mais que dos autos consta, determino:

a) o afastamento dos réus João Cândido Dominici, Reinaldo Carneiro Bandeira, Luís

Carlos Mesquita, José de Ribamar Teixeira Santos, Márcio Ribeiro Machado e José

Izidro Chagas da Silva de quaisquer funções e cargos que ocupem na Secretaria

de Infra-Estrutura do Estado do Maranhão, ressalvada a percepção de subsídios

apenas para os cargos efetivos que eventualmente possuam; b) proibição de

que os referidos servidores ocupem qualquer outra função, cargo comissionado

ou similar na estrutura administrativa da União, Estado do Maranhão ou seus

municípios, inabilitando-os para o exercício de qualquer função pública,

enquanto perdurar o processo; (...).

Ora, como visto, houve apenas o afastamento provisório, cautelar, do corréu

João Cândido Dominici de suas funções, situação que, à toda evidência, não

implica a perda do cargo por ele ocupado e, consequentemente, impede que lhe

sejam retiradas as respectivas prerrogativas, como a de ser processado e julgado

por crimes comuns perante o Tribunal de Justiça do Estado.

Isso porque apenas a perda defi nitiva do cargo ou função tem o condão

de retirar da autoridade os direitos que lhe são conferidos por força de norma

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constitucional, não se podendo admitir que uma decisão de caráter liminar possa

suprimir garantias que são inerentes ao cargo por ele ocupado, notadamente

porque ao ser dele afastado permanece como seu titular, apenas não exercendo

as respectivas funções por determinado lapso temporal.

Aliás, este foi o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, ao

julgar habeas corpus impetrado por Prefeito que pretendia invalidar condenação

proferida pelo Tribunal de Justiça local, ao argumento de que estaria afastado

provisoriamente de suas funções, o que imporia a remessa dos autos ao juízo de

primeiro grau.

Eis a ementa do julgado:

Ementa: Habeas corpus. - A condenação defi nitiva a que alude o § 2º do artigo

1º do Decreto-Lei n. 201/1967 é a condenação transitada em julgado. - No caso,

não se decretou a perda do cargo de imediato, mas sim o afastamento do exercício

dele. - Assim, e de qualquer sorte não tendo ainda o ora paciente perdido o

cargo de Prefeito, pois a perda deste só ocorrerá com o trânsito em julgado

de sua condenação, o Tribunal de Justiça local, ao prolatar originariamente a

condenação que agora se pretende invalidar, era competente para proferi-la com

base no artigo 29, X, da Constituição Federal, não interferindo nessa competência

o cancelamento da Súmula n. 394 desta Corte, o que só ocorreria se tivesse

havido essa perda. Habeas corpus indeferido.

(HC n. 80.026, Relator(a): Min. Moreira Alves, Primeira Turma, julgado em

25.4.2000, DJ 4.5.2001 pp-00004 Ement vol-02029-03 pp-00500)

Do corpo do voto condutor, da lavra do eminente Ministro Moreira Alves,

retiram-se as seguintes passagens:

Ademais, condenação defi nitiva é, sem dúvida, a condenação transitada em

julgado -, pois, ainda quando contra ela tenham sido interpostos recursos, como

o especial e o extraordinário, que, normalmente, não têm efeito suspensivo,

não é ela defi nitiva, uma vez que pode ser reformada. Não teria sentido que,

sem o trânsito em julgado da sentença condenatória, o Prefeito, por só haver

contra ela recurso sem efeito suspensivo, perdesse o cargo, e se a esse recurso

posteriormente fosse concedido efeito suspensivo ou, julgado, reformasse a

sentença condenatória, readquirisse ele, provisoriamente, no primeiro caso, e

defi nitivamente no segundo, o cargo que havia perdido. A perda do cargo por

condenação defi nitiva é a perda também defi nitiva, e não a que pode ter o caráter

de provisoriedade. Por isso mesmo, com maior precisão técnica, a Constituição,

no artigo 15, III, só admite a suspensão de direitos políticos por condenação

criminal transitada em julgado, e a Lei n. 8.429/1992, em seu artigo 20, estabelece

que a “a perda de função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam

com o trânsito em julgado da sentença condenatória”.

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RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 589

Aliás, acertadamente ou não - isso não está em causa neste ‘habeas corpus - o

acórdão cuja condenação defi nitiva decorrerá a perda do cargo, embora seu

relator, no voto, tenha dito que estava em decretar “a perda e seu afastamento

desde já, haja vista que se encontra afastado por força de uma ação civil pública, na

Comarca de Triunfo” e que o ora paciente “deve ser afastado, o que já deveria ter

ocorrido quando do recebimento da denúncia” (fl s. 27), na verdade não decretou

a perda do cargo de imediato, mas sim o seu afastamento, tanto que a mesma

Câmara julgadora, segundo as informações que se encontram a fl s. 74 destes

autos, poucos dias depois (em 16.9.1999), desse julgamento (que ocorreu em

9.9.1999) recebeu outra denúncia contra o ora paciente e determinou o seu

afastamento do exercício do cargo, o que não teria sentido se já houvesse,

no processo anterior, decretado a sua perda. E mais: segundo essas mesmas

informações (fl s. 75), “de acordo com comunicação inserta no Ofício n. 111/67, do

Juiz de Direito da comarca de Triunfo, somente a partir de 19.10.1999 o Prefeito Bento

Gonçalves dos Santos foi afastado do exercício do cargo”, e isso, também segundo

elas, “sem prejuízo ao direito de perceber seus subsídios, conforme disposto na Lei n.

8.429/1992 - art. 20, parágrafo único”. Note-se que esse ofício não consta destes

autos.

Assim, e de qualquer sorte não tendo ainda o ora paciente perdido o cargo

de Prefeito, pois a perda deste só ocorrerá com o trânsito em julgado de sua

condenação, o Tribunal de Justiça local, ao prolatar originariamente a condenação

que agora se pretende invalidar, era competente para proferi-la com base no

artigo 29, X, da Constituição Federal, não interferindo nessa competência o

cancelamento da Súmula n. 394 desta Corte, o que só ocorreria se tivesse havido

essa perda.

Portanto, estando o paciente apenas afastado de suas funções à época em

que tramitava a ação penal, impossível aplicar-se ao caso a orientação sufragada

pela Suprema Corte no julgamento da ADI n. 2.797-DF, pois para que a

autoridade detentora do foro por prerrogativa de função deixe de ostentá-lo, é

preciso, como visto, que haja a perda defi nitiva do cargo.

Assim, tem-se que a denúncia formulada contra o paciente e demais corréus

foi recebida aos 13.6.2006 (fl . 33) por magistrada absolutamente incompetente,

já que cabia ao Tribunal de Justiça, e não a um dos Juízes das Varas Criminais da

comarca, processar e julgar o feito, no qual fi gurava autoridade com foro previsto

na Constituição do Estado.

No ponto, é relevante assinalar que, com o fi m do mandato do então

Governador do Maranhão, José Reinaldo Tavares, no ano de 2006, o corréu João

Cândido Dominici perdeu, defi nitivamente, o cargo público de Secretário de

Infraestrutura do Estado, de modo que a competência para processá-lo e julgá-

lo deixou de ser do Tribunal de Justiça, passando a ser do juízo de primeiro grau,

que tem sido o responsável pela condução do feito até a presente data.

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590

Contudo, esta circunstância não impede o reconhecimento da mácula

aventada no presente mandamus, pois a incompetência da autoridade judiciária

responsável pelo acolhimento da inicial e pela condução do processo na origem

é de natureza absoluta, não admitindo prorrogação.

De fato, a competência fi xada em razão do foro por prerrogativa de função,

porque estabelecida ratione personae, tendo em vista a relevância de determinados

cargos ou funções públicas, é material e, como tal, é considerada absoluta,

tendo como características o fato de estar fi xada em norma constitucional,

apresentando como fundamento o interesse público, motivo pelo qual é

improrrogável, podendo ser conhecida a qualquer tempo, e até mesmo de ofício.

Acerca da competência absoluta, estes são os ensinamentos de Ada

Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance

Fernandes:

Nos casos de competência determinada segundo o interesse público, o

sistema jurídico-processual não tolera modifi cações nos critérios estabelecidos,

muito menos em virtude da vontade das partes. Trata-se aí de competência

absoluta, isto é, que não pode ser modifi cada. Iniciado o processo perante o

juiz incompetente, este pronunciará a incompetência, a qualquer tempo e

independentemente de alegação das partes (art. 109 do CPP), enviando os

autos ao juiz competente. E, segundo o Código, todos os atos decisórios serão

nulos pelo vício de incompetência, salvando-se os demais atos do processo,

aproveitados pelo juiz competente (art. 567 do CPP). (As nulidades no processo

penal. 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 38).

Ante o exposto, não se conhece do habeas corpus, mas concede-se a ordem

de ofício para reconhecer a incompetência do Juízo da 3ª Vara Criminal da

comarca de São Luís-MA, até o momento no qual o corréu deixou de ocupar o

cargo detentor de foro por prerrogativa de função, declarando-se nulos os atos

praticados pelo juízo incompetente.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.098.792-RS (2008/0237934-6)

Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze

Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul

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RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 591

Recorrido: Andréia Monteiro de Melo

Advogado: Cleomir de Oliveira Carrão - Defensor Público e outros

EMENTA

Recurso especial. Crime de estelionato. Contrato de compra

e venda. Pagamento por meio de cheque pós-datado e notas

promissórias. Ausência de ordem de pagamento à vista. Promessa de

futuro pagamento. Descaracterização do estelionato. Jurisprudência

do Superior Tribunal de Justiça. Entendimento que pode ser

afastado. Particularidades do caso concreto. Necessidade de análise

individualizada. Denúncia. Descrição dos elementos típicos. Ausência.

Rejeição. Possibilidade. Art. 395, I, do CPP.

1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no

sentido de que a frustração no pagamento de cheque pós-datado e de

nota promissória não caracteriza o crime de estelionato, em virtude

de não se tratar de ordem de pagamento à vista, mas apenas de

promessa de pagamento futuro. No entanto, o simples fato de ser ou

não cheque pós-datado/nota promissória não elide peremptoriamente

a tipicidade criminal, devendo cada caso ser analisado de acordo com

suas particularidades.

2. Nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, a

denúncia deverá conter a descrição do fato criminoso com todas as

suas circunstâncias, sob pena de rejeição, nos termos do art. 395 do

mesmo diploma normativo.

3. Em se tratando de imputação do crime de estelionato, é

necessário que a denúncia descreva: a) qual a fraude, ardil ou artifício

empregado pelo agente; b) a vantagem indevida obtida pelo autor; c)

a forma pela qual a vítima foi induzida ou mantida em erro; e d) qual

o erro a que foi induzido ou mantido o ofendido.

4. Não se verifi cando na denúncia a descrição fática do ardil

empregado pela recorrida, a forma pela qual a vítima foi induzida

a erro e qual seria esse erro, bem como a indicação de elementos

mínimos que possibilitem aferir a intenção da agente em fraudar o

pagamento dos títulos de crédito – quando da celebração do negócio

jurídico –, correta a decisão que rejeita a denúncia nos termos do art.

395, I, do CPP.

5. Recurso especial a que se nega provimento.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso, mas lhe negar

provimento.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Regina Helena Costa e Jorge Mussi

votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, a Sra. Ministra Laurita Vaz.

Brasília (DF), 3 de setembro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator

DJe 9.9.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze: Trata-se de recurso especial

interposto pelo Ministério Público, com fulcro no art. 105, III, a, da Constituição

da República, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,

proferido nos autos da Apelação Criminal n. 70020854204.

Depreende-se dos autos que a recorrida foi denunciada pela suposta

prática do crime previsto no art. 171, caput, do Código Penal, por 26 (vinte e

seis) vezes, porque, em comunhão de esforços com Kelymar Arylton Lorenski

e mediante a emissão de cheques sem provisão de fundos – emprego de fraude

–, obteve vantagem ilícita consistente em aquisição de diversas mercadorias

prejudicando diferentes vítimas (fl s. 3-27).

O Juiz de primeiro grau recebeu a denúncia em relação aos 2º, 5º, 14º, 17º,

19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º e 26º fatos no dia 1º.3.2007, rejeitando a exordial

quanto aos 1º, 3º, 4º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 15º, 16º e 18º fatos (fl s.

395-396).

O Ministério Público interpôs recurso de apelação objetivando o

recebimento da denúncia em relação a todos os fatos delitivos.

O Tribunal de origem, por unanimidade de votos, negou provimento ao

recurso e, de ofício, determinou o trancamento da ação em relação ao 17º fato

(fl s. 462-509).

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 593

Irresignado, o Ministério Público interpôs o presente recurso especial ao

fundamento de que o acórdão recorrido violou os arts. 171, caput, do Código

Penal e 43, I, do Código de Processo Penal.

Sustenta que a denúncia deve ser recebida em relação aos 6º e 13º fatos,

já que a exordial acusatória descreveu todos os elementos constitutivos do tipo

de estelionato consistente no emprego de meio ardil pelo uso de cheque sem

provisão de fundos com o intuito de ludibriar as vítimas.

Observa que a existência do ardil deve ser aferida pela prática da conduta

por 26 (vinte e seis) vezes durante 4 (quatro) meses, o que demonstrava que a

recorrida, ao emitir os cheques e notas promissórias, não tinha a intenção de

proceder ao respectivo pagamento.

Pleiteia o recebimento da denúncia em relação aos 6º e 13º fatos.

As contrarrazões foram apresentadas às fl s. 546-551.

A Corte local admitiu o recurso especial (fl s. 553-556).

Os autos foram remetidos a este Tribunal Superior com parecer da

Subprocuradoria Geral da República pelo provimento do especial (fl s. 563-567).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator): Inicialmente, ressalto

que o recurso especial será analisado de acordo com as disposições do art.

395 do Código de Processo Penal, que revogou o art. 43 do mesmo diploma

normativo após a edição da Lei n. 11.719/2008.

Objetiva o recorrente o recebimento da denúncia contra a recorrida, pela

prática da infração descrita no art. 171 do Código Penal, em relação aos 6º e 13º

fatos.

No caso, a denúncia foi rejeitada em relação aos 6º e 13º fatos diante da

atipicidade evidente da conduta, tendo o Juiz de primeiro grau fundamentado

sua decisão nos seguintes termos (fl s. 395-396):

Com relação ao 1º, 3º, 4º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 15º, 16º e 18º, fatos

descritos na denúncia.

Para que seja confi gurado o tipo penal do estelionato na modalidade fraude no

pagamento por meio de cheques (inc. VI do § 2º do art. 171 do CP), é necessário,

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segundo reiteradamente tem se manifestado a jurisprudência pátria que não seja

desvirtuada a natureza da cártula cambial (cheque), que consiste em ordem de

pagamento à vista.

[...]

Analisando as cártulas juntadas no inquérito policial, verifi ca-se o uso dos

cheques como promessa de pagamento futuro, e não como ordem de pagamento

à vista, o que torna a conduta atípica.

O mesmo raciocínio aplica-se ao caso das notas promissórias emitidas pelos

acusados. A questão deve ser solucionada apenas no Juízo Cível.

Assim, foi desvirtuada a natureza da ordem de pagamento à vista, o que

impossibilita a confi guração do tipo penal denunciado.

A Corte de origem, por sua vez, ao manter a decisão de rejeição da

denúncia em relação aos supracitados fatos, o fez pelos seguintes motivos (fl s.

500-508):

Com a vênia do apelante, não merece reparo a bem lançada decisão recorrida,

proferida pela digna Juíza de Direito, que analisou com precisão a prova dos autos

e reconheceu a atipicidade do 1º, 3º, 4º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 15º, 16º e

18º fatos, razão pela qual adoto os seus fundamentos de fato e de direito como

parte integrante das razões de decidir o presente recurso.

[...]

Em atenção aos termos recursais ressalto que, embora o agente ministerial

tenha capitulado os fatos denunciados na forma simples do crime de estelionato

(art. 171, caput, do CPB), os termos denunciais imputam a eles o agir com dolo

específi co de praticar fraude no pagamento por meio de cheque, previsto no inc.

VI do § 2º do art. 171 do CPB.

No mesmo sentido é o parecer do doutor procurador de justiça Glênio Amaro

Biff gnandi, cujos fundamentos agrego às razões de decidir o recurso, verbis:

(...)

Nas narrativas dos fatos objetos do juízo negativo de admissibilidade,

não é apenas a identidade no modus operandi que se verifi ca.

Sobre a fraude e a indução em erro, descreveu o órgão ministerial em

todos os fatos:

A fraude consistiu na utilização de ardil para que a vítima vendesse as

mercadorias, bem como recebesse os cheques. A indução em erro consistiu

em fazer a vítima acreditar que se tratava de uma negociação normal e que

os cheques teriam provisão de fundos.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 595

Apesar deste ponto da narrativa refl etir apenas a descrição da fraude e

do modo como as vítimas foram induzidas em erro, é justamente a partir

destas descrições que se extrai, num juízo limiar, os traços do dolo atribuído

aos denunciados.

Traços, estes, que não se amoldam ao elemento subjetivo da fi gura típica

capitulada na denúncia (art. 171, caput, do CP). Numa compreensão da

espécies de estelionatos previstas no CP, o fato de os acusados terem agido

com o propósito de fazer com que as vítimas acreditassem que os cheques

dados como pagamento “teriam provisão de fundos” revela, justamente, a

caracterização de um dolo que encontra assento no inciso VI do § 2º do art.

171 do CP.

Como bem destaca Álvaro Mayrink da Costa, o estelionato na

modalidade de fraude no pagamento por meio de cheque “requer o dolo

caracteriza por um querer determinado do autor, ciente de que atua de

forma contrária ao dever, por saber inexistirem fundos disponíveis em

poder do sacado. (...) Torna-se exigível que o sujeito ativo opere com a

consciência de estar enganando o tomador de cheque através da emissão

sem cobertura, pois sem fraude não há reprovabilidade penal.

Dito isso, partindo do pressuposto de que o dolo extraído da narrativa

da denúncia se encontra vinculado à fi gura típica específi ca e distinta da

capitulada, a primeira providência a ser feita que desponta como necessária

consiste na verifi cação dos instrumentos dos estelionatos que foram objeto

do juízo negativo de admissibilidade.

E num exame dos autos, bem se vê que a maioria dos instrumentos

relacionados aos fatos que foram objeto do juízo de rejeição, realmente,

foi pós-datado. Ou seja, nos 1º, 3º, 4º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 15º, 16º e

18º fatos, as cártulas utilizadas foram pós-datadas, o que se constitui em

óbice à tipifi cação das respectivas condutas à fi gura penal cujo dolo restou

delineado nas narrativas – o estelionato na modalidade de fraude no

pagamento por meio de cheque (art. 171, § 2º, VI, do CP).

Ora, como definição, o cheque é ordem de pagamento dirigida ao

sacado, emanado do emitente para que aquele lhe pague, à vista ou a

quem indicar, a importância determinada. Assim, para que o sacado cumpra

a ordem é imperativo que detenha, em seu poder, fundos disponíveis e

bastantes para a cobertura do cheque, que se denomina provisão.

No entanto, se o cheque é datado com data posterior ao negócio

mercantil e foi dado como garantia de dívida, que descaracteriza a fi gura

penal do estelionato na modalidade típica, deve a questão ser transferida

para o juízo cível através da ação de cobrança. O cheque dado como

garantia de dívida converte-se em nota promissória para tais efeitos, isto é,

para garantia não de pagamento à vista, mas ad futurum.

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Dessa forma, é possível concluir, de início, que parte da situação fática

retratada nos autos não apresenta compatibilidade como o dolo descrito

na denúncia e a correspondente fi gura típica imputada aos apelados.

Afi nal, embora sabido que o cheque pós-datado seja capaz de confi gurar

o estelionato não na forma do inciso VI do § 2º do art. 171 do CP, mas na

sua modalidade fundamental a vinculação do elemento volitivo à espécie

delituosa cujo instrumento para a execução restou descaracterizado (a

utilização do cheque como garantia de dívida na forma pré-datada), impede

a formação de um juízo de tipifi cação a quaisquer dos tipos passíveis de

enquadramento no gênero crimes contra o patrimônio.

[...]

Ainda registro, em atenção aos termos do parecer ministerial

supratranscrito, que no 13º fato foi utilizado um cheque pré-datado e uma

nota promissória, e no 6º fato foram utilizadas três notas promissórias. As

notas promissórias não foram pagas na data do vencimento. Aqui, anoto que

a denúncia não descreve o ardil empregado pelos denunciados para ludibriar a

vítima, pois a conduta descrita como ardil não materializa esta circunstância

elementar do delito denunciado. O que consta na narrativa dos fatos 6 e 13 é

tão-somente um inadimplemento comercial, onde foram feitas vendas a prazo,

com emissão de notas promissórias, mercadorias entregues e pagamentos

não efetuados. No ponto, ressalto que o inadimplemento é risco inerente às

transações comerciais. Portanto, andou bem a julgadora monocrática ao

rejeitar a denúncia também em relação ao 6º e 13º fatos, pois os elementos

coligidos aos autos evidenciam que as condutas dos réus, relativas a estes fatos

denunciados, consistiram em simples inadimplementos civis, não merecendo a

tutela do Direito Penal.

No presente caso, para melhor compreensão da controvérsia, vejamos o

que disse a denúncia ao descrever as condutas criminosas referentes aos 6º e 13º

fatos imputados à recorrida (fl s. 3-27):

6º fato.

No dia 5.10.2004, por volta das 9 horas, na avenida independência, n. 1225,

M. Fortes, Palmeira da Missões, a denunciada Andréia Monteiro de Mello, fazendo

uso de 3 (três) notas promissórias, no valor de R$ 100,00 (cem reais) e uma nota

promissória no valor de R$ 99,80 (noventa e nove reais e oitenta centavos),

conforme fl . 70, obteve, para si, vantagem ilícita, consistente na obtenção das

mercadorias constantes nas notas fi scais das fl s. 90-91, em prejuízo da vítima Luiz

Mário Vieira de Magalhães, induzindo-a em erro, mediante fraude.

Pra tanto, a denunciada foi até o estabelecimento comercial da vítima, L. M. V.

de M., e, após ter efetuado compras, emitiu as notas promissórias suprarreferidas,

que, nos respectivos vencimentos, não foram pagas. Ato contínuo, a denunciada

saiu da cidade e não deixou endereço conhecido.

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RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 597

A fraude consistiu na utilização de ardil para que a vítima vendesse as

mercadorias e aceitasse as notas promissórias como forma de pagamento. A

indução em erro consistiu em fazer a vítima acreditar que se tratava de uma

negociação normal, bem como que as notas promissórias seriam pagas nas datas

dos vencimentos.

A vantagem ilícita consistiu na obtenção das mercadorias.

À vítima restou um prejuízo de R$ 399,80 (trezentos e noventa e nove reais e

oitenta centavos).

[...]

13º fato.

No dia 10.12.2004, por volta das 15 horas, na rua 3, Mutirão, n. 24, Palmeira

das Missões, a denunciada Andréia Monteiro de Mello, fazendo uso de cheque n.

000028, no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), da Conta n. 012399, do Banco

Bradesco, Agência n. 1252 e de 1 (uma) nota promissória, no valor de 378,90,

conforme auto de apreensão das fls. 36-37, obteve, para si, vantagem ilícita,

consistente na obtenção das mercadorias constantes na nota fi scal da fl . 38, em

prejuízo da vítima S. de F. D. S., induzindo-a em erro, mediante fraude.

Para tanto, a denunciada foi até o estabelecimento comercial da vítima, S.

de F. D. S., e, após ter efetuado compras, emitiu o cheque suprarreferido, que,

ao ser posto em compensação foi devolvido por falta de fundos, bem como a

nota promissória, a qual no respectivo vencimento não foi paga. Ato contínuo, a

denunciada saiu da cidade e não deixou endereço conhecido.

A fraude consistiu na utilização de ardil para que a vítima vendesse as

mercadorias, bem como recebesse o cheque e a nota promissória como forma de

pagamento. A indução em erro consistiu em fazer a vítima acreditar que se tratava

de uma negociação normal e que o cheque teria provisão de fundos, assim como

a nota promissória seria paga na data do vencimento.

A vantagem ilícita consistiu na obtenção de mercadorias.

A vítima restou com um prejuízo de R$ 878,90 (oitocentos e setenta e oito reais

e noventa centavos). Além de outro cheque no valor de R$ 90,00 (noventa reais), o

qual alegou ter recebido por ocasião da mesma negociação. Todavia, esta cártula

não foi juntada aos autos.

No que tange à suposta inépcia da denúncia, necessário se faz observar

que o art. 41 do Código de Processo Penal descreve os requisitos que devem ser

atendidos na elaboração da peça vestibular, veja-se:

Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com

todas as suas circunstâncias, a qualifi cação do acusado ou esclarecimentos pelos

quais se possa identifi cá-lo, a classifi cação do crime e, quando necessário, o rol

das testemunhas.

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Portanto, para o recebimento da acusação formulada contra o denunciado

é necessário que a exordial acusatória contenha a exposição do fato delituoso

em sua essência e com todas as suas circunstâncias. Desse modo, a denúncia

deve conter a exposição quanto à pessoa que praticou o delito, os meios ou

instrumentos por ela empregados, qual o resultado produzido ou pretendido, os

motivos que a levaram à prática delitiva, a maneira pela qual praticou o fato e o

lugar e o tempo do ilícito, sob pena de rejeição da denúncia, nos termos do art.

395 do Código de Processo Penal que assim dispõe:

Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

I - for manifestamente inepta;

II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal;

III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.

De plano, registro não desconhecer o entendimento do Superior Tribunal

de Justiça no sentido de que a frustração no pagamento de cheque pós-datado

não caracteriza o crime de estelionato, em virtude de não se tratar de ordem de

pagamento à vista, mas tão somente de garantia de dívida.

Nesse sentido:

Habeas corpus. Estelionato. Art. 171, caput, do Código Penal. Frustração no

pagamento de cheque pré-datado. Pedido de trancamento. Atipicidade. Procedência.

1. Esta Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça tem proclamado que a

frustração no pagamento de cheque pré-datado não caracteriza o crime de

estelionato, seja na forma do caput do art. 171 do Código Penal, ou na do seu

§ 2º, inciso VI. 2. Isso porque o cheque pós-datado, popularmente conhecido

como pré-datado, não se cuida de ordem de pagamento à vista, mas, sim, de

garantia de dívida. 3. Ressalva do entendimento do Relator no sentido de que a

frustração no pagamento de cheque pós-datado, a depender do caso concreto,

pode consubstanciar infração ao preceito proibitivo do art. 171, caput, desde que

demonstrada na denúncia, e pelos elementos de cognição que a acompanham, a

intenção deliberada de obtenção de vantagem ilícita por meio ardil ou o artifício.

4. Ordem concedida. (HC n. 121.628-SC, Relator o Ministro Og Fernandes, DJe

29.3.2010).

O entendimento referente ao cheque pós-datado deve ser igualmente

adotado para o caso de frustração de pagamento da nota promissória, já que

esta constitui-se em promessa incondicional de pagamento, por meio do qual o

emitente compromete-se a pagar ao benefi ciário uma certa quantia de dinheiro

num determinado prazo.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 599

Logo, havendo julgados neste Tribunal Superior no sentido de que não

confi gura o crime de estelionato a frustração de pagamento de cheque pós-

datado, por não se tratar de ordem de pagamento à vista, igual raciocínio deve

ser utilizado no caso de não pagamento de nota promissória, pois, segundo

o princípio geral do direito “onde há a mesma razão deve haver a mesma

disposição de direito”.

Nesse sentido:

A analogia atende ao princípio de que o Direito é um sistema de fi ns. Pelo

processo analógico, estendemos a um caso não previsto aquilo que o legislador

previu para outro semelhante, em igualdade de razões. Se o sistema do Direito é

um todo que obedece a certas fi nalidades fundamentais, é de se pressupor que,

havendo identidade de razão jurídica, haja identidade de disposição nos casos

análogos, segundo um antigo e sempre novo ensinamento: ubi eadem ratio, ibi

eadem juris dispositio (onde há a mesma razão deve haver a mesma disposição

de direito). (REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo:

Saraiva, 2002, p. 296).

No entanto, nos termos da ressalva feita pelo Ministro Og Fernandes,

no precedente anteriormente transcrito, entendo que o simples fato de se

tratar ou não de cheque pós-datado, bem como de nota promissória, não elide

peremptoriamente a tipicidade criminal, devendo cada caso ser analisado de

acordo com suas particularidades, razão pela qual passo ao exame da regularidade

da peça acusatória.

No caso, a denúncia imputou à recorrida a prática do crime previsto no

art. 171, caput, do Código Penal, diante da aquisição de mercadorias mediante

a emissão de cheques sem provisão de fundos e de notas promissórias sem o

efetivo pagamento.

O preceito primário do art. 171, caput, do diploma penalista tipifi ca a

conduta de “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio,

induzindo ou mantendo alguém em erro mediante artifício, ardil ou qualquer

outro meio fraudulento.”

Logo, necessário que a denúncia descrevesse: a) qual a fraude ou ardil

empregados pela recorrida; b) qual a vantagem indevida obtida pela agente; c)

existência de elementos probatórios mínimos que demonstrassem que a vítima

foi induzida ou mantida em erro; e d) qual o erro a que foi induzida ou mantida

a ofendida.

A Corte local, mais especifi camente em relação aos 6º e 13º fatos – objetos

do presente recurso especial – manteve a decisão de rejeição da denúncia por

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não ter a exordial acusatória descrito qual o ardil empregado pela recorrida para

ludibriar a vítima, já que a frustração do pagamento de cheque pós-datado e de

nota promissória não materializaria essa elementar típica (fl . 507).

Da leitura da denúncia, verifi ca-se que o Ministério Público descreveu,

em relação ao 6º fato, que a fraude “consistiu na utilização de ardil para que a

vítima vendesse as mercadorias e aceitasse as notas promissórias como forma

de pagamento” e que a indução em erro “consistiu em fazer a vítima acreditar

que se tratava de uma negociação normal, bem como que as notas promissórias

seriam pagas nas datas do vencimento”.

Em relação ao 13º fato, descreveu que a fraude “consistiu na utilização de

ardil para que a vítima vendesse as mercadorias, bem como recebesse o cheque e

a nota promissória como forma de pagamento” e a indução em erro decorreu do

fato de “fazer a vítima acreditar que se tratava de uma negociação normal e que

o cheque teria provisão de fundos, assim como a nota promissória seria paga na

data do seu vencimento.”

Não constato, na denúncia, a descrição do ardil empregado pela recorrida,

haja vista que a venda das mercadorias e a aceitação das notas promissórias e dos

cheques pós-datados como promessa de pagamento, por si sós, não demonstram

o emprego de ardil, artifício ou outro meio fraudulento, principalmente se

considerarmos ser tal prática costumeira nas compras e vendas empresariais.

Igualmente, não se constata na denúncia a descrição de elementos mínimos

quanto à forma pela qual a vítima foi induzida a erro, limitando-se a exordial a

dizer que a indução em erro decorreu da crença, pela vítima, de que o cheque teria

provisão de fundos e a nota promissória seria paga na data do vencimento. Era

necessário que a denúncia descrevesse qual o comportamento empregado pela

agente que teria sido sufi ciente para enganar a vítima e induzi-la à celebração de

contrato de compra e venda, aceitando o cheque e as notas promissórias como

promessa de pagamento.

A simples emissão de cheques e notas promissórias para fi ns de futuro

pagamento, pelo recebimento de mercadorias, decorrente da celebração de um

contrato de compra e venda não é sufi ciente para caracterizar a fraude, visto que

era de conhecimento das partes envolvidas os atos que estavam sendo realizados

– venda de mercadorias e recebimento de títulos de crédito (cheque pós-datado

e nota promissória) – como promessa de pagamento.

O Ministério Público deveria ter descrito qual o comportamento da

recorrida no momento da celebração do negócio jurídico que ludibriou a vítima

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RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 601

fazendo com que aceitasse as cártulas como ordem de pagamento, o que não

ocorreu. Devo observar que a inexistência de provisão de fundos em relação

ao cheque, bem como o não pagamento das notas promissórias na data do

vencimento, não são sufi cientes para se verifi car que a vítima foi induzida a erro

quando da celebração da compra e venda.

Além disso, no caso dos autos, não se verifi ca na denúncia, em relação aos

6º e 13º fatos, sequer a descrição de elementos mínimos que demonstrem que a

recorrida, no momento da compra das mercadorias e da emissão de cheques e da

nota promissória, já tinha a intenção de frustrar o pagamento.

Note-se que a fraude e o erro são elementos imprescindíveis para a

confi guração do delito de estelionato e estão intimamente relacionados à criação

de uma falsa percepção da realidade, ou seja, a vítima deve ser enganada, iludida.

Diante da defi ciência da denúncia em relação aos 6º e 13º fatos, há difi culdade

em se visualizar em que erro incorreu a vítima e em que teria consistido a fraude

supostamente utilizada pela recorrida.

Logo, não tendo a denúncia descrito, ainda que de forma sucinta, qual o

ardil teria sido utilizado para induzir em erro a vítima, a forma pela qual esta foi

induzida, bem como a existência de elementos mínimos a demonstrarem que,

no momento da celebração do negócio jurídico, a recorrida já tinha a intenção

de frustrar o pagamento do cheque e da nota promissória (dolo), correta a

posição das instâncias ordinárias que rejeitaram a denúncia por ser inepta, haja

vista não descrever, faticamente, todas as elementares do fato típico.

Assim, verifi cando que a denúncia não se preocupou em descrever todas as

elementares do tipo previsto no art. 171 do Código Penal, inviável a reforma do

acórdão recorrido.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

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