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Sul do Brasil, madrugada de 14 de maio, 3 horas da manhã. Eliseu do Nascimento passa a guarita de segu- rança em direção à hidrelétrica. Segue com seu fusca pelo asfalto. Depois de uma curva, entra num atalho de estrada de chão. Poucos metros adiante, avista qua- tro casas de prostituição e pára ao lado de uma. Na “boate”, algumas pessoas bebem em volta da mesa de sinuca e outras estão junto ao balcão. Eliseu, 28 anos, procura pela amante e a vê com outro cliente. Pede uma cerveja, cheira cocaína e, minutos depois, em fúria, saca uma pistola 7.65 mm, atirando para todos os lados. O assassino sai correndo, deixando para trás quatro mortos e três feridos. O barulho dos tiros chama a atenção dos que estão nas “casas” ao lado. Eles impedem que Eliseu, já com a arma descarregada, entre no carro. Um deles, com uma foice, o acerta de raspão na cabeça. Horas depois, na delegacia, Eliseu alega ter feito tudo por ciúme. No dia seguinte muda de opinião, fala que é casado, nunca traiu a esposa e que foi ao local só para tomar uma bebida. Diz que fez tudo isso porque foi agredido e atirou apenas para se defender. A notícia sai no Jornal Nacional e nos jornais locais. As versões são várias e contraditórias. Mas ninguém fala o que levou aquelas pessoas, quase todas de fora, todas pobres, à pequena cidade catarinense de Campos Novos, a 370 quilômetros de Florianópolis. O que atraiu a suposta amante de Eliseu e outras mulheres à região para trabalhar como prostitutas foi a construção da usina hidrelétrica Campos Novos. É a segunda barragem mais alta do mundo, com 201,4 metros de altura, e será capaz de produzir 25 por cento da energia consumida no Estado. A obra emprega 2.700 trabalhadores. Desses, oitocentos moram na própria obra. “Para que o pessoal não fique indo e voltando da cidade, distante 25 quilômetros, a empresa induz que essas 'casas' se instalem no local”, admite Ramon Ruediger, diretor-adjunto de meio ambiente da Campos Novos Energia S.A., a Enercan. A obra da hidrelétrica, no entanto, não é apenas enredo e cenário de brigas passionais. É também palco de uma batalha maior que envolve centenas de cam- poneses, poderes públicos e grupos privados como Votorantim, Bradesco e Camargo Corrêa, acionistas da Enercan. A barragem, no rio Canoas, formará um lago que vai encobrir terras em quatro municípios catarinenses: Celso Ramos, Anita Garibaldi, Abdon Batista e Campos Novos. A empresa afirma que já indenizou 95 por cento dos agricultores atingidos pela usina, totalizando 683 famílias. Mas outras 187 ale- gam não terem recebido nada. Diante disso, essas famílias se integraram ao Movimento dos Atingidos por Barragens, o MAB, e começaram a fazer protestos. Organizaram acampamentos, fecharam a BR-470, fize- ram barulho. O resultado? Alguns agricultores foram presos. Sobre isso, a grande mídia não fala. A USINA E AS INDENIZAÇÕES Em janeiro deste ano, a Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (Fatma), com representantes do MAB e da Enercan, começou a investigar as reivindicações das 187 famílias. A idéia inicial era analisar todos os casos. Só no primeiro município, dos quatro que serão atingidos pela barra- gem, ficou comprovado que, das 72 famílias analisa- das, 63 teriam direito a indenização. Outras sete ainda dependiam de coleta de dados. Depois desses resulta- dos, incômodos para a empresa, as investigações foram suspensas. A Enercan pretende iniciar o enchimento do lago em outubro. Os agricultores sabem que, se isso acon- tecer antes de todos os casos serem analisados, a luta pela indenização fica ainda mais difícil. O procurador da República Nazareno Jorgealém Wolff expediu reco- mendação à Fatma para que só dê a licença ambiental de operação à usina quando a investigação, caso a caso, for concluída. É uma guerra contra o tempo. Gilberto Cervinski, um dos coordenadores nacio- nais do MAB, comenta que a raiz do problema está no fato de a empresa ter um conceito sobre quem é atin- gido; o Movimento tem outro conceito e o governo não tem nenhum. Então, hoje, quem acaba definindo quem é atingido pela barragem é a própria empresa. “A população à beira do lago não é considerada atingida. Mas é a que mais sofre, porque perde escolas, postos de saúde e todo um convívio comunitário. Enfim, essas pessoas ficam isoladas.” Em 2001, a Enercan começou o processo de nego- ciação com os atingidos através de “comissões”, for- madas por moradores dos municípios afetados. Cideney de Oliveira, de Campos Novos, recebeu sua indenização. Mas denuncia: “Muita gente ficou sem nada. Sem contar que no cadastro dos atingidos, feito em 1998, só foram colocados os proprietários e arren- datários. Disseram que não iriam cadastrar os filhos, que ficariam para o segundo cadastro. Mas eles nunca mais apareceram. Quem se deu bem mesmo foi o pes- soal da comissão, que foi beneficiado”. Ramon Ruediger, da Enercan, nega as acusações contra a empresa e desafia que “alguém prove” que membros da comissão tenham sido cooptados duran- te o processo de análise das populações atingidas. Além disso, argumenta que a obra traz “inúmeros benefícios” para a região e que 42 milhões de reais por água abaixo justiça Juliana Kroeger ILUSTRAÇÕES: NELSON PROVAZI

Justiça por agua abaixo

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Juliana Kroeger • Revista Caros Amigos, edição nº 101 * Campos Novos, Santa Catarina • Reportagem sobre os atingidos pela barragem da usina hidrelétrica Campos Novos

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Sul do Brasil, madrugada de 14 de maio, 3 horas damanhã. Eliseu do Nascimento passa a guarita de segu-rança em direção à hidrelétrica. Segue com seu fuscapelo asfalto. Depois de uma curva, entra num atalhode estrada de chão. Poucos metros adiante, avista qua-tro casas de prostituição e pára ao lado de uma.

Na “boate”, algumas pessoas bebem em volta damesa de sinuca e outras estão junto ao balcão. Eliseu,28 anos, procura pela amante e a vê com outro cliente.Pede uma cerveja, cheira cocaína e, minutos depois,em fúria, saca uma pistola 7.65 mm, atirando paratodos os lados. O assassino sai correndo, deixandopara trás quatro mortos e três feridos.

O barulho dos tiros chama a atenção dos que estãonas “casas” ao lado. Eles impedem que Eliseu, já com aarma descarregada, entre no carro. Um deles, comuma foice, o acerta de raspão na cabeça. Horas depois,na delegacia, Eliseu alega ter feito tudo por ciúme. Nodia seguinte muda de opinião, fala que é casado,nunca traiu a esposa e que foi ao local só para tomaruma bebida. Diz que fez tudo isso porque foi agredidoe atirou apenas para se defender.

A notícia sai no Jornal Nacional e nos jornais locais.As versões são várias e contraditórias. Mas ninguémfala o que levou aquelas pessoas, quase todas de fora,todas pobres, à pequena cidade catarinense deCampos Novos, a 370 quilômetros de Florianópolis.

O que atraiu a suposta amante de Eliseu e outrasmulheres à região para trabalhar como prostitutas foia construção da usina hidrelétrica Campos Novos. Éa segunda barragem mais alta do mundo, com 201,4metros de altura, e será capaz de produzir 25 porcento da energia consumida no Estado. A obraemprega 2.700 trabalhadores. Desses, oitocentosmoram na própria obra.

“Para que o pessoal não fique indo e voltando dacidade, distante 25 quilômetros, a empresa induz queessas 'casas' se instalem no local”, admite RamonRuediger, diretor-adjunto de meio ambiente daCampos Novos Energia S.A., a Enercan.

A obra da hidrelétrica, no entanto, não é apenasenredo e cenário de brigas passionais. É também palcode uma batalha maior que envolve centenas de cam-poneses, poderes públicos e grupos privados comoVotorantim, Bradesco e Camargo Corrêa, acionistasda Enercan. A barragem, no rio Canoas, formará umlago que vai encobrir terras em quatro municípioscatarinenses: Celso Ramos, Anita Garibaldi, AbdonBatista e Campos Novos. A empresa afirma que jáindenizou 95 por cento dos agricultores atingidos pelausina, totalizando 683 famílias. Mas outras 187 ale-gam não terem recebido nada. Diante disso, essasfamílias se integraram ao Movimento dos Atingidospor Barragens, o MAB, e começaram a fazer protestos.Organizaram acampamentos, fecharam a BR-470, fize-ram barulho. O resultado? Alguns agricultores forampresos. Sobre isso, a grande mídia não fala.

A USINA E AS INDENIZAÇÕESEm janeiro deste ano, a Fundação do Meio

Ambiente do Estado de Santa Catarina (Fatma), comrepresentantes do MAB e da Enercan, começou ainvestigar as reivindicações das 187 famílias. A idéiainicial era analisar todos os casos. Só no primeiromunicípio, dos quatro que serão atingidos pela barra-gem, ficou comprovado que, das 72 famílias analisa-das, 63 teriam direito a indenização. Outras sete aindadependiam de coleta de dados. Depois desses resulta-dos, incômodos para a empresa, as investigaçõesforam suspensas.

A Enercan pretende iniciar o enchimento do lagoem outubro. Os agricultores sabem que, se isso acon-tecer antes de todos os casos serem analisados, a lutapela indenização fica ainda mais difícil. O procuradorda República Nazareno Jorgealém Wolff expediu reco-mendação à Fatma para que só dê a licença ambientalde operação à usina quando a investigação, caso acaso, for concluída. É uma guerra contra o tempo.

Gilberto Cervinski, um dos coordenadores nacio-nais do MAB, comenta que a raiz do problema está nofato de a empresa ter um conceito sobre quem é atin-gido; o Movimento tem outro conceito e o governonão tem nenhum. Então, hoje, quem acaba definindoquem é atingido pela barragem é a própria empresa. “Apopulação à beira do lago não é considerada atingida.Mas é a que mais sofre, porque perde escolas, postosde saúde e todo um convívio comunitário. Enfim,essas pessoas ficam isoladas.”

Em 2001, a Enercan começou o processo de nego-ciação com os atingidos através de “comissões”, for-madas por moradores dos municípios afetados.Cideney de Oliveira, de Campos Novos, recebeu suaindenização. Mas denuncia: “Muita gente ficou semnada. Sem contar que no cadastro dos atingidos, feitoem 1998, só foram colocados os proprietários e arren-datários. Disseram que não iriam cadastrar os filhos,que ficariam para o segundo cadastro. Mas eles nuncamais apareceram. Quem se deu bem mesmo foi o pes-soal da comissão, que foi beneficiado”.

Ramon Ruediger, da Enercan, nega as acusaçõescontra a empresa e desafia que “alguém prove” quemembros da comissão tenham sido cooptados duran-te o processo de análise das populações atingidas.Além disso, argumenta que a obra traz “inúmerosbenefícios” para a região e que 42 milhões de reais

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foram gastos no remanejamento da população rural. Ummilhão de reais também foi investido no desenvolvimen-to das comunidades locais. Ele explica que “atingido éuma coisa, com direito é outra”. Quem chegou dez mesesdepois do primeiro cadastro, em dezembro de 1998, nãoleva a indenização

DIREITOS HUMANOSFui ao escritório da Enercan em Campos Novos e con-

versei com Egídio Antônio Wulfing, responsável pelasindenizações. Homem alto, beirando 1,90 metro, forte,com aparência germânica. Depois das devidas apresen-tações, perguntei sobre o que a empresa faria com osagricultores que vão perder suas terras, mas não recebe-ram um centavo.

– Não tenho nada a dizer a esse respeito - disse EgídioAntônio, cortando a conversa já no início.

– Mas há 187 famílias que alegam não ter recebidoindenização.

– Indenização é para quem é proprietário e todos osproprietários foram indenizados. Problema social sem-pre vai existir, mas isso é um problema do Estado.

– E o Movimento dos Atingidos por Barragens? – Quer saber o que eu acho do MAB? O MAB é como

o bando do Lampião! Não tenho mais nada a dizer. Tentei fazer outra pergunta, mas ele se adiantou:– De que revista você é?– Da Caros Amigos, revista que, dentre outras coisas,

trata de direitos humanos...Com voz alterada, Egídio Antônio detonou:– Direitos humanos só funcionam para terceiro-

mundistas!

AS PRISÕESIlizete varria a sala. Seu filho mais novo, de 3 anos,

ainda com sono, brincava no sofá. Era uma manhã enso-larada, quente e seca. O marido e o outro filho, de 7 anos,já estavam na roça de milho. Um sábado comum na vidados Grassi, que vivem em Celso Ramos, município vizi-nho de Campos Novos. Às 8 horas daquela manhã,Ilizete viu policiais militares pulando o muro de sua casa.Assustada, “como se tivesse levado um choque”, soltou avassoura. Enquanto isso, nove homens empurraram aporta e entraram.

- Cadê o teu marido? Temos uma intimação para ele!- gritou um dos policiais.

A mulher, sem saber o que fazer ou falar, deu oparadeiro:

– Tá trabalhando na plantação aqui perto e o nossofilho está com ele. Eles estão com um Chevette vermelho.

Os policiais, todos fortemente armados, partirampara o local indicado. Minutos depois, sem resistência,Édio Grassi foi algemado e preso. Seu filho, um meninode 7 anos, também foi colocado na viatura. Mesmosabendo onde a família morava, os policiais conduzirama criança à delegacia. Só depois de uma hora o garoto foilevado para casa.

A família de Édio e Ilizete é somente uma entre asatingidas pela barragem da usina hidrelétrica CamposNovos. Édio, 32 anos, participou dos protestos para quea empresa responsável pela obra lhe pagasse uma indeni-zação decente. Ele também se manifestava para que ogoverno liberasse o crédito agrícola, já que perdeu cercade 80 por cento da safra de feijão devido à seca. Por terparticipado do Movimento, foi preso.

Em Joaçaba, Édio divide uma cela de 2,5 por 3 metroscom outros quatro agricultores no Presídio Regional:João Vilmar de Oliveira, Aurélio Dutra, Carlos Silva e

Dorneles Quinatto. Todos têm trabalho, residência fixa eestão lutando pelos seus direitos. Para os promotores deCampos Novos, eles não passam de integrantes de “umaquadrilha voltada à prática de delitos de toda ordem, taiscomo extorsão, ameaça, lesão corporal, dano, apologia eincitação ao crime, dentre outros”. E, por isso, foramobrigados a viver entre um chão de cimento sujo, pare-des escuras, janela coberta por uma grade, dois “trili-ches” e um pequeno banheiro sem vaso sanitário.

As prisões dos camponeses ocorreram na semanaanterior ao Dia Internacional de Luta Contra asBarragens, comemorado em 14 de março. Não foi poracaso. O MAB estava planejando uma série de mobili-zações na região. Para garantir a “ordem pública”, osagricultores foram presos. Para isso, o MinistérioPúblico e o Poder Judiciário trabalharam com agilidadee eficiência exemplar.

No dia 10 de março, o Ministério Público de CamposNovos, através dos promotores Ricardo Paladino e DeiseOechsler, enviou um pedido de prisão preventiva desupostos líderes do MAB à juíza da Comarca. No docu-mento, os promotores listam nomes de dez pessoas quefariam parte da “quadrilha”, com base em uma investiga-ção feita pelas polícias civil e militar. No dia 11, umasexta-feira, a juíza Adriana Lisbôa decretou a prisão do“bando”, que estaria “ameaçando a ordem social”. Aindadeterminou a apreensão dos veículos utilizados para as“práticas criminosas” e busca e apreensão de armas nacasa de um dos indiciados. Dia 12, sábado, cinco agricul-tores foram presos. Todos foram levados para o presídioregional de Joaçaba, cidade próxima a Campos Novos.Na segunda-feira, outro integrante do MAB foi detido.

Um dos presos, Leodato Vicente, 70 anos, devido àsua idade e estado de saúde comprometido, conseguiulogo a liberdade. Os outros não tiveram a mesma sortee permaneceram na prisão por 24 dias. Em uma dasparedes, Aurélio Dutra escreveu: “Águas para a vida,não para a morte”. E desabafou: “Nós temos que protes-tar porque o nosso direito está indo para debaixo daágua. Eu quero terra porque eu só sei trabalhar na terra.Hoje eu estou aqui porque alguém virou um carrodurante uma das nossas manifestações. Onde está aprova de que eu fiz isso?”

Não há provas. O que há são fotos mostrando que aBR-470 foi fechada e que alguns carros foram danifica-dos. Mas, segundo o delegado da Polícia Civil de CamposNovos, Mauro Rodrigues, não existe comprovação deque os acusados cometeram os crimes. Segundo ele,existe a prova de que eles estavam lá e são os líderes dasmanifestações.

Enquanto estavam presos, os agricultores receberama visita da deputada federal Luci Choinacki (PT-SC),membro da Comissão de Direitos Humanos da Câmara,que prestou solidariedade aos acusados. Luci tambémesteve no Ministério Público em Campos Novos. Nesseencontro, documentado em vídeo, a promotora DeiseOechsler afirmou: “A questão é a seguinte: se todos oscidadãos que se achassem que tivessem (sic) direito rei-vindicassem dessa forma que o Movimento dosAtingidos da Barragem (sic) estão fazendo, nós teríamosanarquia implantada no país. Esse tipo de movimentonão pode ser feito dessa forma”.

A deputada questionou os abusos da polícia nomomento das prisões, fazendo comparações aos temposda ditadura militar. Deise Oechsler, a promotora, respon-deu: “Senhora deputada, se me permite, esses cumpri-mentos de mandado de prisão aqui é o que chegaram aoconhecimento de vocês (sic). Agora, na verdade, isso é

meio que regular. É praxe, muitas vezes, ocorrer tipo (sic)de abuso de autoridade no cumprimento de mandado deprisão. Não é um caso isolado em Campos Novos, não.Isso aí é em todo o Brasil. Em todo o país há um cumpri-mento um pouco mais forçado de mandado de prisão, agente sabe disso”.

O sargento Roseli Sutil de Oliveira, 43 anos, afirmaque a PM cumpriu os mandados de prisão sem agres-sões. Usando espingardas calibre 12, revólver 38 e pisto-la 40, mais de 25 homens participaram da operação, umadas maiores já feitas na região.

No final de março, quinze bispos, liderados por domTomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral daTerra (CPT), divulgaram uma carta em defesa dos atin-gidos por barragens: “Quando os atingidos pelas barra-gens se manifestam, eles estão gritando por vida, porrespeito aos direitos não só de cada pessoa, de cadafamília, mas pelos direitos de toda uma comunidade. Esuas manifestações são tratadas como caso de polícia”.Dom Orlando Dotti, bispo emérito de Vacaria, RS, afir-mou em entrevista publicada no jornal Brasil de Fatoque a opressão aos atingidos acontece porque existeuma promiscuidade entre as empresas, o MinistérioPúblico e o Judiciário.

A BATALHA HOJENo dia 4 de abril, os agricultores presos em Joaçaba

foram soltos. Outros três acusados foram presos emmaio e libertados uma semana depois. Todos eles res-pondem a processo criminal, movido pelo MinistérioPúblico. Segundo Leandro Scalabrim, advogado do MAB,os agricultores, se condenados, podem pegar até trintaanos de cadeia. Ou seja, além de perderem as terras, nãoserem indenizados, ainda correm o risco de ficar presoso resto da vida.

Os deputados Geraldo Tadeu (PPS-MG) e LuciChoinacki, membros da Comissão de Direitos Humanosda Câmara dos Deputados, estiveram em junho emFlorianópolis. Depois de ouvir os depoimentos de repre-sentantes da Polícia Militar, do governo estadual e doMAB, Luci afirmou: “Não há dúvida de que há uma cam-panha sistemática de criminalização dos movimentossociais em Santa Catarina. Isso é muito grave e seráinvestigado”. Geraldo Tadeu, referindo-se à prisão dosagricultores, completou: “Essa decisão judicial é uma dascoisas mais absurdas que já vi na vida”. A comissão vaiencaminhar um relatório à Secretaria Especial deDireitos Humanos da Presidência da República, aoMinistério da Justiça e ao Ministério Público propondo aanistia aos agricultores que respondem a processos cri-minais.

Gilberto Cervinski afirma: “Não vamos dar nem umpasso atrás, porque as barragens são verdadeiras fábricasde sem-terra. Um milhão de pessoas foi expulsa de suasterras nos últimos quarenta anos com a construção debarragens. E, de cada cem famílias, setenta não recebe-ram nenhum tipo de indenização.

Santo Grassi, 59 anos, agricultor aposentado e pai deÉdio Grassi, preso em março, apóia a luta do MAB: “Agente tem que pressionar, sem luta não se conseguenada”.

Depois de uma pausa, desafia: “Onde está a justiçabrasileira? Onde está?”

Boa pergunta.

Juliana Kroeger é [email protected] Fernando Evangelista.

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