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1 JUVENTUDE E EDUCAÇÃO DO CAMPO NO MUNICÍPIO DE ALFENAS/MG Alex Cristiano de Souza Graduando em geografia pela Universidade Federal de Alfenas [email protected] Resumo Alfenas é um município localizado na região sul/sudoeste do estado de Minas Gerais que tem como principal atividade econômica a agropecuária. Assim, o campo alfenense tem a configuração semelhante ao campo brasileiro em que poucos possuem muita terra e muitos possuem pouca terra ou quase nada. A juventude, responsável por dar prosseguimento nas propriedades através do processo hereditário, é colocada de lado em detrimento aos interesses do grande capital. A educação posta ao campo atende a esta demanda, e a educação do campo aparece como estratégia de reversão dessa dualidade: entre ficar e sair do campo. Palavras-chave: juventude rural; educação do campo; escolas rurais; estrutura fundiária. Introdução O processo de modernização agrícola inclui concentração de terras, de riquezas e de capital. O esmagador percentual da população urbana no país, em comparação a população rural nos faz pensar, a princípio, em duas situações: no fim do mundo rural e em um processo que leve em conta a necessidade do rural brasileiro, não apenas nos aspectos econômicos, mas também em suas particularidades culturais. Neste trabalho debruçaremos sobre o segundo caso, discutindo a relação entre educação no/do campo e juventude rural no município de Alfenas, localizado na região sul/sudoeste do estado de Minas Gerais. Como metodologia para a realização deste tem como base pesquisas de iniciação científica i e trabalho de conclusão de curso ii , bem como outros referenciais teóricos voltados a temática proposta. Para tanto, trataremos a juventude rural alfenense com base no bairro rural Barbaras, que está entre os maiores e mais tradicionais bairros rurais do município e a educação desenvolvida nas escolas rurais do município. Desta forma, propomos uma discussão em torno do rural no município de Alfenas que leve em consideração a comunidade jovem que habita este espaço, bem como o

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JUVENTUDE E EDUCAÇÃO DO CAMPO NO MUNICÍPIO DE ALFENAS/MG

Alex Cristiano de Souza Graduando em geografia pela Universidade Federal de Alfenas

[email protected]

Resumo Alfenas é um município localizado na região sul/sudoeste do estado de Minas Gerais que tem como principal atividade econômica a agropecuária. Assim, o campo alfenense tem a configuração semelhante ao campo brasileiro em que poucos possuem muita terra e muitos possuem pouca terra ou quase nada. A juventude, responsável por dar prosseguimento nas propriedades através do processo hereditário, é colocada de lado em detrimento aos interesses do grande capital. A educação posta ao campo atende a esta demanda, e a educação do campo aparece como estratégia de reversão dessa dualidade: entre ficar e sair do campo. Palavras-chave: juventude rural; educação do campo; escolas rurais; estrutura fundiária.

Introdução

O processo de modernização agrícola inclui concentração de terras, de riquezas e de

capital. O esmagador percentual da população urbana no país, em comparação a

população rural nos faz pensar, a princípio, em duas situações: no fim do mundo rural e

em um processo que leve em conta a necessidade do rural brasileiro, não apenas nos

aspectos econômicos, mas também em suas particularidades culturais.

Neste trabalho debruçaremos sobre o segundo caso, discutindo a relação entre educação

no/do campo e juventude rural no município de Alfenas, localizado na região

sul/sudoeste do estado de Minas Gerais. Como metodologia para a realização deste tem

como base pesquisas de iniciação científicai e trabalho de conclusão de cursoii, bem

como outros referenciais teóricos voltados a temática proposta. Para tanto, trataremos a

juventude rural alfenense com base no bairro rural Barbaras, que está entre os maiores e

mais tradicionais bairros rurais do município e a educação desenvolvida nas escolas

rurais do município.

Desta forma, propomos uma discussão em torno do rural no município de Alfenas que

leve em consideração a comunidade jovem que habita este espaço, bem como o

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levantamento da pauta da educação do campo como importante subsídio para se pensar

o desenvolvimento rural.

Como objetivos deste trabalho têm-se: a caracterização do bairro rural Barbaras de

Alfenas, bem como da juventude que ali habita; as perspectivas desta juventude entre o

sair ou permanecer no campo; analisar a educação posta ao campo alfenense: educação

rural versus educação no campo; a formação dos professores; e o porque ainda

persistem abertas.

Uma nota introdutória sobre o campo no Brasil e em Alfenas

Compreender a sociedade em que vivemos é importante para melhor compreensão este

trabalho. O campo brasileiro tem sua historia desvelada a partir da brutal invasão

europeia cinco séculos atrás. O território que antes era palco de uma infinidade de

nações indígenas se metamorfoseia após a apropriação de terras, alterando assim, a

organização territorial. O modo de vida do índio foi suprimido em detrimento do

europeu, e com ele chegaram também a prática do monocultivo e do trabalho escravo.

Foi desta forma que o Capital debutou no território que temos hoje como Brasil

(OLIVEIRA, 1994).

A abolição da escravatura, juntamente com a lei de terras (1850), sacramenta o mercado

de terras no Brasil, em um projeto ambicioso, criando novos paradigmas para o campo,

de modo em que há a necessidade de se reorganizar, tanto na questão do trabalho quanto

nas formas de acesso a terra, onde para Moreira “a um só tempo, a Lei de Terras

preserva o latifúndio e organiza a nova relação de trabalho” (MOREIRA, 1990, p. 36).

No plano de desenvolvimento nacional do início do século XX tinha como premissa a

industrialização das regiões urbanas centrais, baseados, sobretudo, na concentração da

população nas cidades. Neste momento tem início a “transformação” do país de

estrutura agrário/rural para um país urbanizado, onde o êxodo rural e a industrialização

são as principais características deste momento. O governo militar que assumiu em

1964 tinha como metas dar cabo as ideias do movimento das Ligas Camponesas e barrar

de todas as formas as possibilidades da implementação de um reforma agrária no país,

como encabeçada pelo governo do presidente João Goulart (OLIVEIRA, 1990).

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Este governo autoritário disseminou o medo por todo campo brasileiro, empunhando a

bandeira nacional desenvolvimentista, baseada num capitalismo dependente dos países

capitalistas desenvolvidos. É neste contexto que a revolução verde galopa em nosso

território, a partir do avanço da fronteira agrícola, que gera como contradição a

dependência econômica e a concentração de terras, que permanecem até os dias atuais.

A democratização do acesso a terra não veio junto com a democratização política do

país, dado no final da década de 1980. Desta feita, o Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra (MST) iniciaram no ano de 1984 a luta organizada pela reforma

agrária no país, que até o momento nenhum presidente cumpriu com a Constituição

brasileira, muito pelo contrário suas atuações no campo sempre foram pautadas pelo

entrelaçamento do estado com o capital privado, reforçando sempre que possível a

repressão aos movimentos sociais, oferecendo aparato policial e até mesmo judicial em

prol de manter o poder inabalado (SAUER; SOUZA, 2008).

Da exploração do latifúndio colonial à exploração das monoculturas de grãos, cana-de-

açúcar e de eucalipto. Dos massacres dos indígenas, quilombolas e povos originários

aos massacres de sem-terra no campo e dos sem-tetos nas cidades. A concentração de

terras e de renda não apenas permanece num país dito moderno, como tem suas relações

agudizadas e, no município de Alfenas essas relações não são distintas, já que a

concentração fundiária (Tabela 1) é alta: 90% das propriedades possuem área de até 100

hectares, ocupando 38% do território agrícola do município, enquanto os proprietários

com mais de 100 hectares de terra representam 10% do total, ocupando 62% do

território agrícola alfenense (IBGE, 2006). Assim como em escala nacional, já

mencionado por Oliveira (2003), muitos têm pouca terra e poucos tem muita terra, no

município de Alfenas a história se mantém.

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Tabela 1: Estrutura fundiária de Alfenas-MG

Tamanho da propriedade Número de estabelecimentos

agropecuários (Unidades)

Área dos estabelecimentos

agropecuários (Hectares)

Até 10 Hectares 455 – 46,% 1.749 – 4% Entre 10 e 100 Hectares 425 – 44% 15.410 – 34%

Superior a 100 Hectares 107 – 10% 27.890 – 62%

Fonte: Censo Agropecuário (IBGE, 2006)

Alfenas é banhado, juntamente com mais 35 municípios pelo lago de Furnas (Figura 1),

e tem uma população de 73.774 habitantes, segundo o Censo (2010). A população se

concentra no perímetro urbano, representando 93,8% com um total de 69.176

habitantes, enquanto no meio rural vivem apenas 6,2% da população, ou seja, 4.598

pessoas (Figura 2).

Figura 1: localização do município de Alfenas

Fonte: Plano Diretor de Alfenas

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Figura 2: População de Alfenas

Fonte: IBGE 2010

Embora a população esteja voltada à cidade, o principal setor econômico é o

agropecuário com a prevalência de culturas como o café e a cana-de-açúcar, culturas

que demandam vastas áreas para o cultivo, o que explica em parte a concentração

fundiária deste município. Outras importantes atividades, segundo a Leitura técnica do

Plano Diretor (2006) são: a batata, o milho, o feijão e o alho.

A região sul/sudoeste mineira é reconhecida pela produção cafeeira, sendo destaque

mundial no cultivo desta planta. Diferentemente das regiões onde a monocultura tem

maior representatividade, como no caso da expansão do front agrícola do cerrado, o café

do sul/sudoeste mineiro não tem seu cultivo baseado na grande propriedade, neste caso

em especifico é o inverso, pequenos e médios proprietários trabalham a serviço de

cooperativasiii .

Esse processo de apropriação do trabalho dos agricultores familiares (camponeses) para

a produção de commodities é ressaltado por Ariovaldo Umbelino de Oliveira como a

monopolização do território pelo capital, diferente do processo de territorialização do

capital em outras regiões do Brasil, como a soja no Centro-Oeste e Rio Grande do Sul, o

café no cerrado mineiro e a cana-de-açúcar em São Paulo.

As médias propriedades empregam mão-de-obra migrante, geralmente da região norte

de minas e do nordeste brasileiro, mas também das cidades do entorno de Alfenas,

como Varginha, Paraguaçu, Campos Gerais e Carmo do Rio Claro. Parte destes

trabalhadores acabam se estabelecendo na cidade nos períodos de pós-colheita, e

quando não habitam a região periférica urbana, se instalam nos bairros rurais, na

qualidade de funcionários das fazendas. Os filhos destes migrantesiv, juntamente com os

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filhos dos moradores tradicionais dos bairros rurais é que são os personagens deste

trabalho, representando a juventude do campo.

Sobre juventude e educação no/do campo

Estudos sobre o campo/rural são recorrentes dentre diversas áreas do conhecimento,

sendo a geografia uma ciência responsável por grandes contribuições a cerca deste

debate como os trabalhos de Pierre Monbeig, Manuel Correia de Andrade, Ariovaldo

Umbelino de Oliveira, Bernardo Mançano Fernandes, dentre tantos outros. Contudo,

estudos sobre juventude rural se apresenta como um campo carente de pesquisas

(WEISHEIMER, 2005).

Por juventude compreendemos a abordagem adotada pelo IBGE, onde se considera a

faixa etária que se estende desde os 15 até aos 24 anos de idade. Para Carneiro (1998

apud WEISHEIMER, 2005), o jovem é aquele que se encontra em uma fase

caracterizada pela discrepância entre o projeto de vida vislumbrado e as atividades em

realização, independente se ele vive no campo ou na cidade. A intensificação da

comunicação entre universos culturais distintos e as fronteiras que distinguem rural e

urbano, interferem nos projetos dos jovens. A despeito disso, as identidades locais ainda

se apóiam na diversidade, mesclando e combinando práticas e valores originários de

universos culturais distintos, identificando um processo de rurbanização.

Discutir a temática da juventude no campo implica em proposições de cunho prático

que visem alternativas para o desenvolvimento rural, onde o jovem possa permanecer

no campo. Desta maneira, a educação no/do campo é uma ferramenta de extrema

importância, não apenas na formação dos indivíduos, mas na formação da sociedade que

queremos.

Neste cenário é importante, não apenas ter escolas no espaço rural, mas que estas

pertençam ao rural, ou seja, que considerem as especificidades do campo e do jovem

camponês. Marinho se refere a educação rural como uma instituição que é

[...] movida por uma lógica economicista, pautadas pelos interesses dos grandes latifundiários, e veio contribuindo ao longo da história para o fechamento das escolas publicas no rural e a territorialização de uma enorme rede de transporte escolar, fortalecendo uma pedagogia urbanocentrica ,

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potencializando relações de preconceito territorial e geracional entre os estudantes e profissionais da educação, fortalecendo um projeto de organização da sociedade a partir de uma lógica urbano-industrial (MARINHO, 2008, p.32)

A I Conferência Nacional Por uma Educação Básica, “responsável por pensar” o

Movimento Por uma Educação do Campo, teve como objetivo

[...] ajudar a recolocar o rural, e a educação que a ele se vincula, na agenda política do país. Todos que participamos da promoção deste evento partilhamos da convicção de que é possível e necessário pensar/implementar um projeto de desenvolvimento para o Brasil, que inclua as milhões de pessoas que atualmente vivem no campo, e de que a educação, além de um direito, faz parte desta estratégia de inclusão (FERNANDES; CERIOLI; CALDART, 2008, p.22)

Assim, Fernandes faz uma discussão sobre a educação do campo como uma política

social fundamental ao desenvolvimento do território camponês, onde

A educação é uma política social que tem importante caráter econômico porque promove as condições políticas essenciais para o desenvolvimento. Desse modo, para o desenvolvimento do território camponês é necessária uma política educacional que atenda a sua diversidade e amplitude e entenda a população camponesa como protagonista propositiva de políticas e não como beneficiários e ou usuários. [...] Portanto, atribuímos à Educação do Campo, a política educacional voltada para o desenvolvimento do território camponês como parte do campo brasileiro. Este território é um campo específico e disperso que possui singularidade na sua organização por meio do trabalho familiar. Portanto, não estamos falando de um campo genérico, mas sim de um Campo como território camponês (FERNANDES, 2006, p.30).

Neste sentido, pensando a educação do campo sob o prisma da geografia agrária,

devemos voltar a escola ao cotidiano das comunidades e direcioná-la a seu

desenvolvimento. Assim, o campo não deve ser compreendido como mero setor

produtivo ou econômico, pelo contrário, o campo deve ser pensado a partir da

perspectiva do território, onde há intensas relações sociais, culturais e de identidade,

valorizada pelo local (FERNANDES, 2006).

A escola do campo não deve ser exclusividade dos movimentos envolvidos na luta pela

terra e pela reforma agrária, mas deve compreender também as particularidades das

comunidades que constroem o território camponês, ribeirinho, quilombola, incluindo as

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áreas rurais dos municípios, expressadas pelos bairros rurais (FREITAS, 2011;

SIMÕES, 2011).

A luta pela estrutura da escola do campo passa também pela formação dos educadores

do campo, e é neste sentido que Arroyo (2006) discute a importância deste tipo

formação específica. Wizniewsky (2011) aponta os caminhos já percorridos, como

parcerias entre o Estado e universidades – depois de muitas lutas – na formação dos

agentes que tem como intencionalidade aproximar a cultura camponesa com a escola.

De toda forma, ainda é necessário salientar que não é a educação do campo a “entidade”

que levará ao desenvolvimento pleno o campo brasileiro, tampouco irá transformar a

realidade da educação a nível nacional. A educação tem um papel importante nas

transformações sociais, mas para que isso possa acontecer é necessário um movimento

amplo de mudanças, que deve passar pela educação, que tem como finalidade a

formação humana com base no trabalho, que intervenha na sociedade como um agente

político e, criticamente, trabalhe na construção de um mundo novo (MÉSZAROS,

2008).

A juventude do bairro rural barbaras e a educação do campo em Alfenas

O bairro rural Barbaras é um dos mais tradicionais bairros rurais do município de

Alfenas. O espaço de início, ocupado por uma única família, ainda no século XIX se

transformou, e através dos processos hereditários, hoje o bairro conta com 87

propriedades, em que a maior parte das propriedades tem até 4 hectares (Figura 3). O

bairro teve sua principal área produtiva alagada pela represa de Furnas afetando,

transformando o local de grande produtor em dependente do mercado (SOUZA, VALE,

2010).

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Figura 3: Tamanho das propriedades em hectares.

Fonte: Pesquisa de Campo (janeiro de 2011)

O diminuto tamanho das propriedades dificulta as atividades exclusivamente agrícolas,

forçando as famílias a buscarem novas formas de se manterem no campo. Grande parte

das unidades produtivas (66%) se mantém no bairro através de atividades não agrícolas

(Figura 4) expressadas em maior parte pelas seguintes atividades: transferências sociais

(aposentadorias, pensões, bolsa família) e alugueis de casas situadas na área urbana.

Figura 4: Relação de trabalho agrícola.

Fonte: Pesquisa de Campo (janeiro de 2011)

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Das 166 pessoas que moram no bairro, apenas 24 delas são jovens, ou seja, 14,5%,

quantidade muito pequena, sobretudo quando não há perspectiva e nem planejamento

para que esta juventude permaneça no campo. As atividades agrícolas são escassas e

mal dá para manter a propriedade (sob as atuais condições); as atividades que envolvem

o lazer não existe para os jovens; e na escola localizada no bairrov não há uma

pedagogia específica para o aluno do campo, inclusive nenhum dos professores que

atuam na escola passaram por cursos de formação ou aperfeiçoamento para lecionarem

no campo, apresentando a ideia de que o ensino é o mesmo a ser trabalhado na cidade.

Além da escola localizada no bairro rural Barbaras (simbolizado na imagem pelo

algarismo 02), ainda existem mais 4 escolas localizados no espaço rural de Alfenas,

sendo elas: Escola Municipal Orlando Paulino da Costa (01); Escola Municipal Dr.

Fausto Monteiro (03); Escola Municipal Abrão Adolpho Angel (04); e Escola

Municipal Arlindo da Silveira (05) (Figura 5).

Figura 5: Escolas Rurais de Alfenas

Fonte: Análise técnica do Plano Diretor de Alfenas (2006)

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Estas escolas contam com 61 professores envolvidos com o ensino fundamental I e II e

766 alunos, dos quais 22 não moram em áreas ruraisvi. Bem como acontece no caso da

escola municipal Nicolau Coutinho situada no bairro rural Barbaras, nenhum dos

professores que atuam no campo tiveram formação para atuar com a educação no

campo. Ao mesmo que estes professores não veem necessidade para trabalharem no

campo, julgando não haver necessidade de material didático focando a realidade do

aluno, tampouco conteúdos distintos das escolas urbanas, mas apresentam uma

contradição, onde 60% dos professores pensam ser importante discutir questões

pertinentes a cultura local (Figura 6).

Figura 6: Temáticas pertinentes para as escolas rurais

Fonte: Trabalho de campo: novembro 2011

O professorado do campo tem formação acadêmica heterogênea, sendo que 25%

cursaram o magistério, 55% universidade e 20% tiveram o magistério como primeira

formação, fazendo posteriormente um curso superior em universidade (Figura 7). Entre

os docentes, 10% não se sentem totalmente preparados para a docência no campo,

professores estes que tem prática de aula com menos de 3 anos.

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Figura 7: Formação dos professores da rede municipal de Alfenas que trabalham em escolas rurais.

Fonte: Pesquisa de campo (novembro 2011)

A prática docente é formatada pelo material didático (elaborado para escolas urbanas),

havendo espaços de re-criações, como são os casos das escolas que trabalham com

reciclagem, esta é geralmente pautada na seleção de garrafas pet que são vendidas e o

dinheiro é revertido de alguma forma para os alunos. Todas as escolas trabalham com a

temática da reciclagem.

Através de relatos dos gestores das escolas, dois projetos de educação para o campo

foram praticados nas escolas sendo estes: Sanitaristas Mirins e Semeando. Tais projetos

são exaltados pelos professores como uma ótima iniciativa, a qual busca instruir

estudantes residentes no campo a práticas agropecuárias: como é o caso da necessidade

de manter os animais com as vacinas em dia e o zelo pelo meio ambiente.

Embora os programas carregam consigo um bom discurso de educação para os alunos

das escolas rurais, estes são carregados de ideologias, como é possível observar através

da análise do projeto Semeando, que tem entre seus financiadores: a Companhia

Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), Sicoob Sistema Crediminas, Sebrae

Minas, Dow AgroSciences e Bunge, caracterizando uma situação definida por

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Fernandes (2009) como poder ideológico do agronegócio, na medida em que as

empresas Dow AgroSciences e Bunge são grandes acionistas no agronegócio.

Em se considerando que apenas 6,2% da população alfenense habita o campo, as 5

escolas existentes no espaço rural permanecem abertas pois há uma demanda real por

parte da população camponesa em manter as crianças e os jovens o maior tempo

possível no campo, mesmo a escola rural não preparando a juventude para novos

tempos. Bezerra Neto (2010) mesmo considerando a educação do campo uma proposta

pós-moderna, dada as atuais concisões fenomênico-existencialista, considera valido e

importante a prática do movimento, salientando a necessidade um projeto de educação

não apenas para o campo, mas para o país.

Conclusão

A juventude que habita o campo alfenense, com base no estudo sobre o bairro rural

Barbaras, enfrenta diversas adversidades em sua permanência no campo. O ideário

urbano, colocado como padrão em nossa sociedade, alicia a juventude rural para suas

áreas, oferecendo uma gama de possibilidades de vida urbana, que poucos “urbanos”

conseguem atingir, mas não garante nem as condições de vida que se tem/tinha no

campo.

A estrutura agrária brasileira, patrocinada pelos incentivos do estado visando o lucro

para as multinacionais do agronegócio mutilam o pequeno produtor, que preso em suas

minúsculas propriedades, mal conseguem re-produzir para sua subsistência. Uma das

respostas a esta política agrícola é o agricultor abandonar as atividades agropecuárias,

influenciando seus filhos a partirem para as cidades.

A educação ofertada para as comunidades rurais é uma outra face da política agrícola,

que mantem o foco no urbano, em contraposição ao rural. Professores sem capacitação

para o ensino no campo atuam livremente, gozando dos 30% de bonificação salarial aos

professores das áreas rurais, comprometendo a permanência do jovem no campo.

O cenário do campo em Alfenas não é diferente das demais regiões brasileiras, onde o

incentivo das políticas públicas é para a produção de gêneros de exportação,

monoculturas e práticas “modernas” com pouco uso de mão-de-obra, ou seja, incentivos

ao esvaziamento do espaço rural. Nessa trama, a educação aos camponeses vai se

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diluindo, num processo de urbanização das relações sociais e culturais, perdendo as

características do lugar.

A educação do campo, pelo contrário, visa re-estabelecer o vínculo entre escola e o

território camponês, possibilitando maiores oportunidades de permanência do jovem,

utilizando de uma práxis pedagógica, que proporciona ao estudante apropriar dos

conhecimentos técnicos e científicos em prol de sua realidade.

Notas

___________________

1 Iniciação científica PROBIC-Unifal-MG intitulado: Entre o abandono e a

permanência no campo: um estudo sobre a juventude no contexto da agricultura familiar no bairro rural Bárbaras - Alfenas (MG)

II Trabalho de conclusão de curso de geografia licenciatura apresentado na Universidade Federal de Alfenas com o título: A educação do campo: um estudo de caso sobre as escolas rurais do município de Alfenas (MG)

III Cooperativa neste caso não se designa a cooperação entre os cooperados, mas em uma empresa, como é o caso da COOXUPÉ que serve como uma facilitadora para que pequenos e médios agricultores adquiram créditos a menos juros – nem sempre – e insumos e implementos agrícolas.

IV Os migrantes que permanecem se ocupando como trabalhadores do campo – onde se tende a reprodução familiar – são os que moram em cidades localizadas no entorno de Alfenas, e seus filhos compõem a juventude rural e estudam nas escolas rurais.

V Escola Municipal Nicolau Coutinho atende crianças do 1º ao 4º ano do primeiro ciclo do ensino fundamental.

VI Os alunos que moram no espaço urbano moravam no campo. São filhos de trabalhadores rurais, que ao perder o emprego tiveram que migrar para o centro urbano, mas, por considerar a escola rural melhor do que a escola urbana, tanto em termos de violência (drogas), quanto de ensino, os pais solicitaram que os filhos permanecessem nas devidas escolas.

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