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Gerotivismo Eduardo Kenedy Neste Capitulo, apresentam-se em linhas gerais os principais aspectos que Caracterizam a Corrente de estudos linguistieos Conhecida Como gemtivismo. Analisaremos a Concepeao de linguagem humana que norteia as pesquisas dessa Corrente, hem Como faremos uma exposigao da maneira gerativista de observar, descrever e exphcar os fatos das linguas naturais. Trata-se de uma Visio geral, introdutoria e simplificada, destinada ao estudante que Conhece pouco ou nada sobre o gerativismo. Nas indicagoes bibliograficas, apresentadas no hm do livro, o leitor encontrara sugestoes de leituras em portugués para prosseguir nos estudos sobre 0 assunto. A foculdoole do Iinguogem A lingukticagerativa- ougemtivismo, ou, ainda, gmmétiazgemtiwz- é uma Corrente de estudos da ciencia da linguagem que teve infcio nos Estados Unidos, no final da década de 1950, a partir dos trabalhos do Iinguista Noam Chomsky professor do Instituto de Tecnologia de Massachussets, o MIT. Considera-se o ano de 1957 a data do nascimento da linguistiea gerativa, ano em que Chomsky publicou seu primeiro livro, Estmtunzs sintdtiazs. Trat-se, portanto, de uma linha de pesquisa linguistica que ja possui cinquenta anos de plena atividade e produtividade. Ao longo desse meio século, o gerativismo passou por diversas modifrcagoes e reformulagoes, que refletem a preocupagio dos pesquisadores dessa Corrente em elaborar um modelo teorico formal, inspirado na matematica, Capaz de descrever e explicar abstratamente o que é e Como funciona a linguagem humana. A hnguistica gerativa foi inicialmente formulada Como uma espécie de resposta e rejeigio ao modelo behaviorista de descrigao dos fatos da linguagem, modelo esse que foi dominante na linguistica e nas ciéneias de uma maneira geral durante toda

Kenedy - Gerativismo

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gerativismo

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  • GerotivismoEduardo Kenedy

    Neste Capitulo, apresentam-se em linhas gerais os principais aspectos queCaracterizam a Corrente de estudos linguistieos Conhecida Como gemtivismo. Analisaremosa Concepeao de linguagem humana que norteia as pesquisas dessa Corrente, hem Comofaremos uma exposigao da maneira gerativista de observar, descrever e exphcar os fatosdas linguas naturais. Trata-se de uma Visio geral, introdutoria e simplificada, destinada aoestudante que Conhece pouco ou nada sobre o gerativismo. Nas indicagoes bibliograficas,apresentadas no hm do livro, o leitor encontrara sugestoes de leituras em portugus paraprosseguir nos estudos sobre 0 assunto.

    A foculdoole do IinguogemAlingukticagerativa- ougemtivismo, ou, ainda,gmmtiazgemtiwz- uma Corrente

    de estudos da cienciada linguagem que teve infcio nos Estados Unidos, no final da dcadade 1950, a partir dos trabalhos do Iinguista Noam Chomsky professor do Instituto deTecnologia de Massachussets, o MIT. Considera-se o ano de 1957 a data do nascimento dalinguistiea gerativa, ano em que Chomsky publicou seu primeiro livro, Estmtunzssintdtiazs.Trat-se, portanto, de uma linha de pesquisa linguistica que ja possui cinquenta anos deplena atividade e produtividade. Ao longo desse meio sculo, o gerativismo passou pordiversas modifrcagoes e reformulagoes, que refletem a preocupagio dos pesquisadoresdessa Corrente em elaborar um modelo teorico formal, inspirado na matematica, Capaz dedescrever e explicar abstratamente o que e Como funciona a linguagem humana.

    A hnguistica gerativa foi inicialmente formulada Como uma espcie de respostae rejeigio ao modelo behaviorista de descrigao dos fatos da linguagem, modelo esseque foi dominante na linguistica e nas cineias de uma maneira geral durante toda

  • l28 Monuol ole Iinguisfico

    a primeira metade do sculo XX. Para os hehavioristas, dentre os quais se destacava olinguista norte-americano Leonard Bloomfield, a linguagem humana era interpretadacomo um condicionamento social, uma resposta que o organismo humano produziamediante os estimulos que recebia da interacao social. Essa resposta, a partir darepeticao constante e mecanica, seria convertida em habitos, que caracterizariam ocomportamento linguistico de um falante. Vejamos, por exemplo, como Bloomheld(l933: 29-30) descrevia a maneira pela qual uma crianca aprendia a falar uma lingua:

    Cada crianca que nasce num grupo social adquire habitos de fala e de resposta nosprimeiros anos de sua Vida. Sob estimulacao variada, a crianca repete sons vocais. Algum, por exemplo, a mae, produz, na presenga da crianca, um som que se assemelhaa uma das silabas de seu balbucio. Por exemplo, ela diz doll [boneca]. Quando essessons chegam aos ouvidos da crianca, seu habito entra em jogo e ela produz a silaba debalhucio mais proxima, da. Dizemos que nesse momento a crianca comeca a imitar. A Visio e o manuseio da honeca e a audicio e a producao da palavra doll (isto ,da) ocorrem repetidas vezes em conjunto, ate que a crianca forma um habiro. [...] Elatem agora o uso de uma palavra.

    Para um hehaviorista, a linguagem hurnana exatamente o que descreveuBloomfield: um fenomeno externo ao individuo, um sistema de hahitos gerado comoresposta a estimulos e fixado pela repeticao. Numa resenha feita em 1959 sobre o livroCompornzmenro verhpzl, escrito por B. F. Skinner, professor da famosa universidadede Harvard e principal teorico do behaviorismo, Chomsky apresentou uma radicale impiedosa critica a Visio comportamentalista da linguagem sustentada peloshehavioristas. Na resenha, Chomsky chamou a atencao para o fato de um individuohumano sempre agir criativamente no uso da linguagem, isto , a todo momento, osseres humanos estao construindo frases novas e inditas, ou seja, jamais ditas antespelo prprio falante que as produziu ou por qualquer outro individuo.

    Por isso, todos os falantes sao criativos, desde os analfahetos at os autores dosclassicos da literatura, ja que todos criam infinitamente frases novas, das mais simplese despretensiosas as mais elaboradas e eruditas. Pensemos, por exemplo, na frase queacabamos de produzir aqui mesmo neste texto. E muito provavel que ela nunca tenhasido proferida exatamente da maneira como o fizemos, hem como jamais sera ditanovamente da mesma forma. Chomsky chegou a afirmar, inclusive, que a criatividade oprincipal aspecto caracterizador do comportamento linguistico humano, aquilo que maisfundamentalmente distingue a linguagem humana dos sistemas de comunicacao animal.

    De acordo com esse pensamento de Chomsky se considerarmos a criatividadea principal caracteristica da linguagem humana, entio devemos ahandonar o modeloteorico e metodologico do behaviorismo, ja que nele nao ha espaco para eventos criativos,pois, para linguistas como Bloomheld, o comportamento linguistico de um individuodeve ser interpretado como uma resposta compleramente previsivel a partir de um dadoestimulo, tal como possivel prever que urn cao comecara a latir ao ouvir, por exemplo,o som de uma campainha caso tenha sido treinado para isso.1 Se o behaviorismo deve ser

  • Gerotivismo 1 29

    abandonado, como de fato foi apos a publicagao da resenha de Chomsky o gerativismose apresenta como um modelo capaz de supera-lo e substitui-lo.

    Com as suas icleias, Chomsky revitalizou a concepgao mcionalism dos estudos dalinguagem, em oposieio franca e direta at concepgio empiricism cle Skinner, Bloomfielde clemais estruturalistas norte-amerieanos e europeus. Para Chomsky, a capacidaclehumana de falar e entender uma lingua (pelo menos), isto , o eomportamentolinguistico dos indivicluos, Cleve ser compreenclicla como o resultaclo cle um clispositivoinato, uma capacidacle gentica e, portanto, interna ao organismo humano (e niocompletamente determinada pelo mundo exterior, como cliziam os hehavioristas),a qual deve estar radicada na biologia do erebro/mente da espcie e destinada aconstituir a competencia linguistica cle um falante. Essa clisposigao inata paraa eompetneia lingufstica o que Hcou conheciclo comofzcu/dede da linguagem.

    Ha, de fato, muitas evidncias de que a linguagem seja uma faculclacle naturala espcie humana. Pensemos, por exemplo, que, exeluindo-se os casos patolgicosgraves, todos os indivicluos humanos, cle todas as ragas, em qualquer eondigio social,em todas as regies do planeta e em todos os tempos da historia foram e sao capazesde manifestar, ao cabo de alguns anos cle vicla e sem receher instrugao explicita paratanto, uma competencia linguistica- a capacidade natural e inconsciente de produzir eentender frases. E notavel que nenhum Outro ser do planeta, anao ser0 proprio homem,seja capaz de clominar naturalmente um sistema cle linguagem tio complexo como umalingua natural mesmo aps muitos anos cle treinamento. E nem mesmo 0 mais potente earrojaclo dos computadores moclernos capaz cle reprocluzir artihcialmente os aspectosmais elementares do comportamento linguistico cle uma crianga cle menos de 3 anos cleidacle, como criar ou compreencler uma frase completamente nova.

    Nao por outra razao que a faeuldade da linguagem a caraeteristica mentalmais marcante que separa os humanos dos demais primatas superiores e do resto domunclo natural. O papal do gerativismo no seio da linguistica constituir um modeloterico capaz de cleserever e explicar a natureza e o funcionamento clessa faculdade,o que signifiea procurar eompreender um dos aspeetos mais importantes da mentehumana, como afirmou o proprio Chomsky (19801 9);

    Uma clas raz6es para estudar a linguagem (exfzmmente LZ nzzdo gemtiz/isnz)- e para mim,

    pessoalmente, a mais premente delas - a possihilidacle instigante de ver a linguagem comoum espelho do espirito, como cliz a expressao tradicional. Com isto nao queroapenas dizerque os conceitos expressados e as distingoes desenvolviclas no uso normal da linguagem nosrevelam os modelos do pensamento e o universo do senso comum construidos pela mentehumana. Mais instigante ainda, pelo menos para mim, a possibiliclade de descohrir, atravsdo estudo cla linguagem, prineipios abstratos que gover-nam sua estrutura e uso, prineipiosque sao universais por necessidade hiologiea e nao por simples aciclente historico, e quedecorrem de caracteristicas mentais da espeie humana.Com o gerativismo, as linguas cleixam de ser interpretaclas como um

    comportamento socialmente conclicionado e passam a ser analisadas como umafaeuldade mental natural. A morada Cla linguagem passa a ser a mente humana.

  • l3O Mcmuol de linguistico

    O modelo TeoricoNaturalmente, a enas ostular a existncia da faeuldade da lin ua em como3 3

    um dis ositivo inato ue ermite aos humanos desenvolver uma com eteneia

  • Gerofivismo l3l

    A gromofico como sisfemo de regrosA primeira elaboragao do modelo gerativista Hcou conhecida como gmmdtica

    tmmwrmrzciomzl e foi desenvolvicla e reformulada cliversas Vezes durante as dcadas de1960 e 1970. Os objetivos dessa fase clo gerativismo consistiam em descrever como oseonsrituinres clas senrengas eram formados e como tais constiruintes transformavam-seem outros por meio da aplicagao cle regras. Por exemplo, a sentenga o estudante leuo livro possui cinco itens lexieais, que estfio organizados entre si atravs de relagoesestruturais que chamamos de mamzdores sinmgvmiticos, e tais marcadores pocleriamsofrer regras de transformagao de modo a formar outras sentengas, como o livro foilido pelo estudante, o que o estuclante leu?, quem leu o livro?, etc. Ou seja, osgerativistas perceberam que as inflnitas sentengas de uma lingua eram formadas apartir da aplicagao cle um Hnito sistema cle regras (a gramatica) que transformava umaestrutura em outra (sentenga ativa em sentenga passiva, declarativa em interrogativa,airmariva em negariva, etc.) - e precisamente esse sistema cle regras que, entio,se assumia como o conhecimento linguistico existente na mente do falante cle umalingua, o qual deveria ser clescrito e explicaclo pelo linguista gerativista.

    Vejamos um exemplo. A sentenga (S) o aluno leu o livro formacla pela relagaoestrutural entre o sintagma nominal (SN) o aluno e o sintagma verbal (SV) leu olivro. O SN formado pelo cleterminante (DET) o e pelo nome (N) aluno; e o SV,por sua vez, formado pelo verbo (V) leu e pelo outro SN o livro, o qual se formatambm por uma relaeio entre DET e N, no caso O e livro respectivamente. Todaessa estrutura sintagmatica pocle ser mais claramente visualizada no esquema abaixo,denominaclo diagmma arbdreo (ou, simplesmente, rz/ore), que a farnosa maneirapela qual os gerativistas representam estruturas sintaties.

    S

    SN SV

    DET N V SN

    o estudante ieu

    DET N

    o livroFigura 1: representago arbrea.

  • 132 Momuol ole linguistico

    Essas regras de composigao sintagmzitica explicana como uma estrutura simplescomo esta gerada, mas nao sao sufrcientes para explicar como uma outta estruturarelacionada, como a Voz passiva, seria formada a partir da estrutura de base, no caso, a Vozativa. Para dar conta da relagio entre estruturas diferentes, mae relacionadas, os gerativistasformularam as regras transformacionais. Essencialmente, uma transformaeao forma umaestrutura apartir de uma outra previamente existente. A estrutura primeiramente formada chamada de e5mrunzpwUina'z, e a estrutura dela derivada chama-se esrrutum supeffcizzl.Nesse sentido, a Voz ativa interpretada como a estrutura profunda sobre a qual Saoaplicadas as regras transformacionais que geram a Voz passiva, a estrutura superHcia1.

    uaw,

    ,wa

    ww

    um

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    ~

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    & SN SV

    DET N V SN we

    Var,

    o estudante Ieu

    252% $21Eli

    22?-fl DET N

    - i$&?i~

    ~

    o llvro

    ESTRUTURA PROFUNDA

    REGRAS DE TRANSFORMAQAO T ;;.:i 1. selegao do verbo ser + part|c\p|o"; 2. movlmento do objeto para a posngao de sujezto;

    3. manifesta o do a ente como Sinta ma Pre osicionado SP

    3

    gi?

    SN sv

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    o llvro $5

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    (pelo)

    "7

    DET N

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  • Gerotivismo l 33

    Na deacla de 1990, a icleia cla transformaeao cle uma estrutura profunclanuma estrutura superHcial seria abanclonada em favor de uma Visio que nao maisrepresentava estruturas, e sim as derivava - mostrando os passos pelos quais umaestrutura formacla (derivacla) sem que ela tenha de ser eomparacla com uma outraestrutura indepenclente. Nao obstante, a icleia clas transformagoes como operaeoescomputacionais (fenomenos sintaticos) que derivam sentengas o tpieo central dapesquisa gerativista at o presente momento.

    Outro Centro cle atengao dos gerativistas sempre foi compreender como possivel que os falantes cle uma lingua tenham intui5es sobre as estruturas sintaticasque produzem e ouvem. Por exemplo, toclo falante nativo do portugus sabe que umafrase como quantos livros Voc ja esereVeu? perfeitamente normal e pode ser faladapor qualquer um de nos sem eausar estranhamento. Trata-se, portanto, de uma frasegmmzztica/, normal na lingua. Esse mesmo falante do portugus tambm sabe, pela suaintuigao, que uma frase como *que livro Voce eonheee uma pessoa que esereVeu? nao normal, estranha, uma frase Lzgmmrzticalcla lingua (e, por isso, apareee antecediclado asteriseo, que indiea a agramaticalidade).

    Ora, como que o falante sabe disso? Como ele eonsegue clistinguir uma frasegramatieal de uma frase agramatieal em sua lingua? Note bem: estamos falando de umeonheeimento implicito, inconseiente e natural aeerea da lingua que todos os falantesnativos possuem, e nao das regras da gramatica normativa que aprenclemos na escola.Na escola nunca sao analisaclas construeoes como a frase agramatieal eitada.

    a) quantos livros Voce ja escreveu? 9 gramaticalb) * que livro Voce conheee uma pessoa que escreveu 9 agramatieal

    Figura 3: gramaticalidade vs. agramaticalidade.

    Um outro exemploz na sentenga Joao disse que ele Vai se casar, todo falantenativo de portugus sabe que o pronome ele pocle referir-se tanto a joao quanto aoutra pessoa qualquer (do sexo masculino), Cliferente de ]oao e citada anteriormente nodiscurso - isto , a frase pode clizer que o proprio ]oao Vai se Casar ou que um outrohomem Vai se casar. Mas na frase Ele clisse que ]oao Vai se casar o falante sabe queele nao pode ser a mesma pessoa que joao - e, nesse easo, a frase cliz somenre que_loio Vai se casar. Todos os falantes de portugus conhecem ineonscientemente essaspequenas regras que acabamos cle descrever e por isso que entenclem e produzem asfrases de sua lingua. Mas como isso possivel? Como podemos saber essas eoisas seningum nos ensina explicitamente como a lingua funciona?

    Esse conhecimento linguistico inconsciente que o falante possui sobre a sualingua e que lhe permite essas intuieoes o que denominamos competncia /inguisticaz - oconheeimento intemo e tacito das regras que governam a formagao das frases da lingua.A competneia linguistiea nao a mesma coisa que o comportamento linguistico do

  • T34 Mcmuul de Hnguislieo

    individuo, aquelas frases que de fato uma pessoa pronuncia quanclo usa a lingua. Esseuso concreto da lingua denomina-se desempen/ao linguzfvtico (tambm conhecido porpe1#r1'/uznce ou, aincla, zztmzgiio) e envolve cliversos tipos cle habiliclacle que nao Saolinguisticas, como atengao, memria, emogao, nivel cle estresse, conhecimento de mundo,etc. Imagine que voc clesej ava pronunciar a frase Vou tentar asorte, mas enrolou alinguaeacabou dizenclo vou tentar a torte". Ura, o que aconteceu foi apenas um erro cle execugao,com a preservagao do segmento /t/ no inicio da palavra sorte, 0 que nio signiflca que seuconhecimento sobre o portugus tenha sido abalado. 0 que ocorreu nio foi um problemade con/Jecimenta, mas de uso, cle desempenho, clepe{]%rmznce cla lingua.

    Classicamente 0 interesse central das pesquisas gerativistas recai na competncialinguisticados falantes - muito embora s6 sepossa ter acesso aela atravs do desempenho -,pois essa competncia que torna o inclividuo capaz cle falar e compreender umalingua. De acorclo com essa aborclagem, somente atravs clo estudo da competnciaque sera possivel elaborar uma teoria formal que explique o funcionamento abstratocla linguagem na mente dos indivicluos.

    Em razao clesse interesse central na competncia linguistica, os estudos classicosdo gerativismo nao costumam usar dados linguisticos reais (pezywmance) retirados do usoconcreto da lingua navida coticliana. C) que interessa fundamentalmente ao gerativista o funcionamento da mente que permite a geragao das estruturas linguisticas obsewadasnos dados de qualquer cofjous de fala, mas nao lhe interessam esses dados em si mesmos ouem funeio de qualquer fator extralinguistico, como o contexto comunicativo ou asVariaveis sociais que inlluenciam o uso da linguagem. Os gerativistas usam como cladospara as suas analises principalmente (1) testes de gramaticalidacle, nos quais frases sioexpostas a falantes nativos de uma lingua, que devem utilizar sua intuigio e distinguiras frases gramaticais das agramaticais, e (2) a intuigao do prprio linguista, que, afinal,tambm um falante nativo de sua prpria lingua.

    Nao obstante, os gerativlstas que fazem pesquisas aplicadas (psicolinguistas,neurolinguistas, etc.)2 tambm observam os daclos do uso da lingua, em situagionatural ou em situagao experimental, procurando extrair deles informages para omoclelo de explicaefio da competncia linguistica. Por exemplo, esses gerativistas seinteressam por (1) testes e experimentos psicolinguisticos, com pessoas de todas asiclades, nos quais os informantes sio levaclos a produzir ou interpretar determinadostipos de estruturas linguisticas; (2) testes e experimentos de aquisigao da linguagemcom criangas, alm cle gravages da fala natural clestas; (3) testes e experimentosneurolinguisticos atravs dos quais se observa 0 funcionamento do crebro quandoem atividacle linguistica e tambm 0 desempenho linguistico de pacientes afasicos(pessoas que possuem diHculclades no desempenho linguistico em clecorrncia deuma lesao cerebral, na maior parte das vezes); (4) eviclncias das mudangas linguisticaspor que passam as linguas, como uma maneira de compreender o que ocorre com

  • Gerotivismo l 35

    a gramatica quando algum de seus eomponentes se transforma ao longo do tempo,perdendo ou ganhando formas. Esse ultimo tipo de anlise gerativista o que maisse aproxima da linguistica baseada em dados Concretos do uso da lingua (coqvw). N0Brasil, trabalharam e trabalham nessa linha, que Heou conhecida como sociolinguisticaparametrica, linguistas de importancia e reconhecimento internacional como FernandoTarallo, Mary Kato, Maria Eugenia Duarte, entre outros.

    A Qromtico Universal: principios e porimetrosCom a evolueio da linguistica gerativa no inicio dos anos 1980, a ideia da

    competencia linguistica como um sistema de regras especificas cedeu lugar at hipteseda gramatica universal (GU). Deve-se entender por GU o conjunto das propriedadesgramaticais comuns eompartilhadas por todas as linguas naturais, bem como asdiferengas entre elas que sao previsiveis Segundo o leque de opees disponiveis na prpriaGU. A hiptese da GU representa um refmamento da nogao de faculdade da linguagemsustentada pelo gerativismo desde o seu inicio: a faculdade da linguagem 0 dispositivoinato, presente em todos os seres humanos como heranga biolgica, que nos fornece umalgoritmo, isto , um sistema gerativo, um conjunto de instruges passo a passo - comoas inseritas num programa de computador - o qual nos torna aptos para desenvolver(ou adquirir) a gramatica de uma lingua. Esse algoritmo a GU.

    Para procurar descrever a natureza e o funcionamento da GU, os gerativistasformularam uma teoria chamada de princzpios e prmimetros. Essa teoria possui pelomenos duas fases: a fase da teoria da regncia e da ligagao (TRL), que perdurou portoda a dcada de 1980, e 0 programa minimalista (PM), em desenvolvimento desde 0inicio da decada de 1990 ate 0 presente.

    As pesquisas da teoria de principios e parametros foram e sao desenvolvidassobretudo na area da sintaxe, pois exatamente nas estruturas sintatieas que maisevidentemente se percebem as grandes semelhangas entre todas as linguas do mundo,mesmo entre aquelas que nio possuem nenhum parentesco, 0 que facilita o estudo daGU. Por exemplo, todas as linguas do mundo possuem estruturas como orag6es adjetivas,oraees inrerrogativas e funees sintaticas como sujeito, predicado, complementos.

    A possibilidade de estudar asintaxe isolada dos demais componentes da gramatica(lxico, fonologia, morfologia, semantica) consequncia de um conceito fundamental dogerativismo, o de gmmzitim modular. Segundo ele, os componentes da gramatica devemser analisados como mdulos autnomos, independentes entre si, no sentido de que saogovernados por suas prprias regras e 11510 sofrem influncia direta dos outros mdulos.lsto , o funcionamento de um mdulo como, digamos, a sintaxe, cego em relagao asoperages da fonologia, por exemplo. Naturalmente exlstern pontos de intersegao entreos mdulos da grarnatica, afrnal a sintaxe cria sintagmas e sentengas a partir das palavras

  • 136 Mcmuol de Iinguisfico

    do ixico, e o produto Enal da sintaxe (a sentenea) deve receber uma leitura fonolgica etambm uma interpretagao semantica basica, que no gerativismo se chama forma igica.Podemos visualizar essa interaqao entre os modulos da gramatica no esquema a seguir.

    FONOLOGIA SEMANTICA

    Figura 4: o modelo de gramtica.

    Nessa ilustragao, vemos que 0 elemento central da gramatica a sintaxe. Elaretira do lxico as palavras com as quais construira, Segundo suas proprias regras,estruturas como sintagmas e sentengas, que da sintaxe Sao encaminhadas at preparagaopara a pronuncia, no modulo fonoigico, e para a interpretagao formal, no modulosemantico. Nessa maneira de compreencler 0 funeionamento da gramatiea, a morfoiogia interpretada como parte do ixico, ja que da conta da estrutura interna da palavra, etambm como parte da fonologia, uma vez que deve dar conta das alteragoes morficasfonologieamente condicionadas.

    No programa minimalista atual, entendemos por principio as propriedadesgramaticais que sao vaiidas para todas as linguas naturais, ao passo que parametrodeve ser compreendido como as possibilidades (limitadas sempre de maneira binaria)de Variagao entre as linguas. Por exemplo, quando anaiisamos as sentengas (a) ]oaodisse que ele Vai se casar e (b) Ele disse que ]oao Vai se casar, vimos que em (a)o pronome ele pode referir-se tanto a joao quanto a quaiquer outro homemanteriormente citacio no discurso, mas na frase (b) eie nio pode se referir a Joaoe necessariamente faz referencia a um outro homem.

    Essa diferenciagao entre a referencialidade do pronome eie nas duas frasespode ser explicada da seguinte maneira: nesse contexto, o pronome faz referncia aaigum elemento que precisa ter sido citado anteriormente no texto - trata-se de umpronome anafrico. E um principio da GU que uma anafora necessariamente devesuceder o seu referente, e nunca 0 contrario. E por isso que na frase (a) ele pode sertanto Joao quanto outro homem citado numa frase anterior, ja que ambos os termosantecedem 0 pronome. ]a no caso de (b) joao niio pode ser o referente de e1e,pois o pronome antecede o nome. Se traduzissemos (a) e (b) para qualquer lingua domundo, 0 resuitado seria sempre o mesmo: em (b) seria impossivel ligar o pronomeao nome Citado, mas em (a) isso pode ocorrer. Trata-se, portanto, de um princfpio daGU, exatamente igual em todas as iinguas naturais.

  • Geroiivismo l 37

    Vejamos agora um exemplo de parametro. Se considerarmos que o Valorsemantico basico da frase (a) seja, digamos, algo como ]oao disse que ele mesmo, o

    I ' 1 ' 77 (C 7) Cl fd 57 (5 -f 37 l 'proprio ]oao, Vai se casar , saberemos que ele se refere a ]oao . ]oao e o suieitoda oraeio principal, e ele o sujeito da oragao subordinada. Dizemos, entao, que ossujeitos das duas oragoes sio correferenciais_ O que interessante nesse exemplo queo sujeito da Segunda oragao poderia nao ser preenchido por um pronome anaforico,isto , o sujeito da oragao subordinada poderia ser oculto - que na linguistica gerativachamamos tecnicamente de sujeito nulo (representado aqui informalmente por Q) -,como ocorre na sentenga (C) ]oao disse que Q Vai se

  • 138 Monuol de Iinguistico

    nio um fator de diferenciaeao entre as linguas que possa ser interpretado como opcaoparamtrica, ja que o lxico sempre arbitrario e, por isso mesmo, imprevisivel.

    S S S

    SN SV SN SV SN SV

    He ls going I went out It rainedto get yesterday today

    marriedFigura 6: parmetro do sujeito nulo (-).

    Ao compararmos as Hguras 5 e 6, percebemos que somente linguas como oportugus (e tambm 0 espanhol, o italiano, etc.) permitem o sujeito nulo casos queconhecemos pela gramatica traclicional como sujfito oculto, indetermimzdo e inexistente.Como indica a Hgura 6, linguas como 0 ingles (bem como 0 frances, o alemio, etc.) naopermitem o sujeito nulo e exigem o preenchimento do SN sujeito da frase nem que sejacom um pronome expletivo (sem conteuclo semantico), como 0 it do ingls.

    0 projeto da linguistica gerativa observar comparativamente as linguas humanas -com os seus milhares de fenomenos morfofonologicos, sintaticos, semantieos e suasuntuosa complexiclacle - com o objetivo cle clescrever os principios e os parametrosda GU que subjazem at competncia linguistica dos falantes, para, assim, poder explicarcomo a faculdade da linguagem, essa parte notavel da capacidade mental human.

    0 Fo>

  • Gerotivismo 139

    clisso uando deseobriu o `ovem in ls C. S., ue nio ossuia arenteseo com os K. E., masSapresentava os mesmos d1sturb1os linguisticos que os membros dessa familia. Monacoanalisou o FOXPZ de C. S. e eonstatou o que presumia: C. S. apresentava um defeito namesma unidadede DNA do FOXP2 deficiente da familia K. E. Daio geneticista proelamou 0que pocle ser adeseoberta clo primeirogene responsavel pelagentiea clalinguagem humana.

    lndepenclentemente cle as pesquisas cle Anthony Monaco serem conlirmaclasou nao - e ha muitos genetieistas que as refutam -, o importante que elas abriramou aprofunclaram a cliseussio, fora do mbito Cla linguistiea gerativa, sobre as basesgenticas da linguagem laumana. O FOXP2 um gene existente tambm em outrosprimatas, como chimpanz e gorilas, mas em quanticlacle muito reduzida - e isso pocleexpliear a limitada capaeiclacle de eomunieagio linguistiea clesses animais.

    De fato, se o ma eamento clos enes humanos a ontar, como a hi 6tese FOXPQ.P g Pesboga, a existncia cle genes euja funeao na gentiea cle nossa espcie eontrolar o usode ronomes, a constru io cle ora 6es suborclinadas, a Hexao cle verbos, etc., entioP Q Qa faeuldacle da lin ua em e sua dis osi ao na GU atravs de rinci ios e arametrosSpodem passar a ser consiclerados nao mais hipoteses abstratas mas sim fatos domundo natural. Consequentemente, a linguistica gerativa sera a Corrente da cienciada linguagem que travara forte dialogo com as cineias naturais.

    Exerefcios1) Em seu livro O instinto da linguagem, o linguista e psicologo norte-amerieano Steven Pinker afirmou

    que a linguagem natural um instinto da espeie humana, uma capacidade que herclamos da natureza.Para Pinker, assim como as aranhas sio naturalmente programadas para teeer teias, os humanos sitoprogramados para falar (pelo rnenos) uma lingua. Explique por que essa afirmaeao de Pinker deveser eonsiderada eoerente com os fundarnentos cla linguistiea gerativa. Voce coneorcla, em parte oueompletamente, com a afirrnaeao do psiclogo-linguista? Ve nela algum exagero? Comente.

    2) Leia as senteneas abaixo. Ponha um asteriseo antes claquelas que eonsiderar, seguntlo a sua intuigio,agrzunatieais e esereva OK olepois claquelas que eonsiderar gramaticais. Logo aps explique: de ondevem essa intuieao sobre as frases da lingua?

    a) Parece que os alunos estio eansaclos.ls) Os alunos, parece que estio eansaclos.e) Os alunos parecem estar cansaclos.cl) Os alunos parecem estarem eansados.e) Parece os alunos estarem eansados.f) Parece os alunos estar eansados.g) Os alunos, parece que eles estio eansaclos.

    3) No final da festa do aniversrio clo seu Hlho, clona Maria ia anuneiar que estava na hora de cortar obolo e disse a seguinte frase: Vamos, gente, esta na hora cle bortar o coloI. A prpria falante riu doque disse e corrigiu a frase logo depois. O erro linguistico que clona Maria eorneteu Cleve ser explicadocomo um problema na competnciu ou no desempen/ao linguistieo? Explique.

  • I40 Mcmuol ole Iinguistico

    4) Observe 0 que diz ]ohr1 Lyons a respeito da propriedade iinguistica da produtividade:O que e impressionante na produtividade das iinguas naturais, na medida em que manifestona estrutura gramaticai, a extrema compiexidade e heterogeneiciade dos principios que amantm e constituem. Mas, como insistiu Chomsky, esta compiexiciacie e heterogeneidade nio irrestrita: regiafnzpor regms. Dentro dos limites estabelecidos peias regras da gramatiea, quesio em parte universais e em parte especihcos de determinadas linguas, os faiantes nativos de umalingua tem a Iiberciade de agir criativamente - de uma maneira que Chomsky ciassificatia dedistintivamentehumana - construincio umnumero indefinido de enunciados. (Lyons, 1987: 34)

    Expiique o que : a) criatividade como quaiidade distintivamente humana e IJ) criativiciade regidapor regras.

    5) O estruturalismo linguistico eoncebia a linguagem humana como uma forma de comportamento, eeste era interpretacio como uma resposta Hsioiogica a estimulos externos, pociendo ser conclicionadoe programatio - da mesma forma que ratos cle iahoratrio Pociem ser treinados a Puxar uma alavancapara obter comicia (O Globo, 2000: 414). Explique por que o gerativismo pode ser interpreradocomo um modelo de analise linguistica radicaimente oposto ao modeio estruturalista/behaviorista.

    6) Qbserve os dados do ingis e do espanhol abaixo. Leve em consideragio tambm a traduglo dessasfrases para o portugues. Explique o comportamento dos sujeitos e dos objetos (nulos ou preenchidos)nessas tres iinguas Cie acorcio com as noges de principios e parametros.

    A

    anIngles Esp holDid you see Iohn? Tu viste a Juan?Int. voee viu joao? Voce viu ]oao?Yes, I saw him. Si, yo io viSim, eu vi-o Sim, eu o vi

    * Yes, I saw. Si, Io viSim, eu vi Q Sim, (Z) 0 vi* Yes, saw him. * Si, yo viSim, Q vio Sim, eu vi 0* Yes, saw. * Si, viSim, Q vi (5 Sim, Q vi (3

    7) Explique por que descobertas genticas como a do gene FOXP1 e pesquisas em neuroiinguistiea e empsicoiinguistica em gerai sao uma forma de por a prova, para refutar ou confirmar, a vaiidadeepistemolgica das hipoteses da iinguistica gerativa.

    Notos1 Para uma meihor caracterizagio da epistemoiogia behaviorista e sua superagao peia psicologia recente, ver Mehier

    e Dupoux (1990).Z Cabe ressaitar que os estudos de psicoiingufstica, de neurolinguistica e de iinguistica historica nao Sao conduzidos

    exciusivamente sob um vis gerativista. Existem imimeros pesquisadores cie orientagao nio formaiista nessas areas.3 A familia e os inciiviciuos que participam cle experincias cientihcas sio sempre referidos por suas iniciais, Como

    o caso aqui, ou por nomes Hcticios, para preservar sua privacidade.