Labhab Usp Impactos Oeste Rodoanel 2005

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Estudo preliminar de impactos urbanísticos do Rodoanel Trecho Oeste, publicado em 2005 pelo Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo.

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  • impactos urbansticos do Trecho Oeste do Rodoanel Mario Covas

    estudo preliminar

    Laboratrio de Habitao eAssentamentos HumanosFAUUSP

    julho de 2005

  • impactos urbansticos do Trecho Oeste do Rodoanel Mario Covas

    estudo preliminar

    Laboratrio de Habitao eAssentamentos HumanosFAUUSP

    julho de 2005

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    executorLaboratrio de Habitao e Assentamentos Humanos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo

    apoioInstituto Socioambiental

    equipe tcnica

    coordenadora do LabHab Profa. Dra. Maria Lcia Refinetti Rodrigues Martins coordenao geral da pesquisa Prof. Dr. Joo Sette Whitaker Ferreira

    coordenao executiva Tatiana Morita Nobre

    equipe de pesquisadores Andrea Quintanilha de Castro Helena Galro Rios Isabel Falleiros Nunes

    colaboradores Lilia Toledo Diniz Pedro Smith

    consultoresNelson BaltrussisProfa. Dra. Laura Bueno

    elaborao dos textosAndrea Quintanilha de CastroHelena Galro RiosIsabel Falleiros NunesJoo Sette Whitaker FerreiraTatiana Morita Nobre

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    s Prefeituras de So Paulo, Osasco, Cotia, Taboo da Serra, Embu, Barueri e Mau;

    a Flavio Simes e Luis Fernando da DERSA;

    a Luis Clio Bottura, consultor em transporte e ex-presidente da DERSA;

    a Roberto Pereira de Arajo e Paulo Adelson Ramacciotti Lopes de Oliveira da empresa VETEC Engenharia;

    s imobilirias Coelho Neto Imobiliria, Opo Granja Imveis, Camargo Dias Imveis, Lopes Imobiliria e Jones Lang La Salle;

    a Abelardo Marcos Jnior da Secretaria de Estado do Meio Ambiente - So Paulo;

    a Joo Jaime de Carvalho Almeida Filho da empresa Diagonal Urbana Ltda;

    a Meire Garcia Pizelli e Rosa Maria Eleutrio do Subcomit da Bacia Hidrogrfica Pinheiros-Pirapora;

    a Csar Pegoraro do SOS Mata Atlntica - Ncleo Unio Pr Tiet;

    a Juliana Borges Pontes;

    aos consultores Laura Bueno e Nelson Baltrussis;

    colaborao da Profa. Dra. Klara Kaiser Mori;

    ajuda de Andr Lopes Prado e Francie Vital do LabHab;

    aos moradores dos reassentamentos e assentamentos precrios visitados.

    Agradecimentos

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    Apresentao

    A. Introduo: Questes conceituais acerca do Rodoanel e suas justificativas

    A.1. A questo logstica

    A.2. A questo dos fluxos virios

    A.3. A respeito da simulao apresentada no documento Impactos econmicos e so-ciais da implantao do Rodoanel

    A.3.1. Insignificncia previsvel dos impactos agregados na anlise intra-urbana da RMSP e significncia dos resultados da simulao instvel.

    A.3.2. A contradio entre acessibilidade geral na RMSP e restrio de acessos ao Rodoanel, na simulao matemtica.

    A.3.3. O pressuposto de que acessibilidade gera adensamento de empresas e de domiclios.

    A.3.4. A dificuldade de se analisar impactos urbansticos em toda a RMSP a partir de uma matriz limitada varivel da acessibilidade.

    A.4. Os Estudos de Impactos Ambientais EIA e seu papel no licenciamento de obras de impacto ambiental significativo

    A.5. Concluses preliminares: A necessidade de um planejamento sistmico e integra-do

    B. Metodologia

    C. Expanso da ocupao urbana formal e informal

    C.1. Contexto da Zona Oeste da Regio Metropolitana de So Paulo

    C.2. Rodoanel, rodovia Classe Zero

    C.2.1. Rodovia Classe Zero e o efeito barreira.

    C.2.2. Garantia sobre a proibio de criao de acessos futuros.

    C.3. Adensamento e expanso dos assentamentos precrios e irregulares pr-existen-tes

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    68 C.3.1. Potencial de atrao e incremento de ncleos informais em funo da indenizao.

    C.3.2. Surgimento de ncleos habitacionais informais novos

    C.4. Expanso dos assentamentos habitacionais formais

    C.5. Construo e expanso de centros empresariais, industriais e de logstica

    D. Dinmicas selecionadas que afetam os processos de expanso urbana

    D.1. Dinmica de valorizao imobiliria e a ocupao do solo urbano

    D.1.1. O Rodoanel e a produo imobiliria: valorizao real e aparente.

    D.1.2. Setor industrial, empresarial e de logstica.

    D.1.3. Setor residencial.

    D.2. Controle de uso e ocupao do solo

    D.2.1. Relao entre os municpios em virtude da construo do Rodoanel.

    D.2.2. Responsabilidades da DERSA.

    D.2.3. Anlise das diretrizes dos Planos Diretores das cidades atravessadas pelo Rodoanel.

    I. Barueri

    II. Osasco

    III. So Paulo

    IV. Embu

    D.2.4. Elementos de reflexo a considerar.

    D.3. Mitigaes dos impactos negativos e a expanso da mancha urbana

    D.3.1. Implicaes do cumprimento das medidas mitigadoras e compensa-trias na continuidade de operao do Rodoanel.

    D.3.2. Situao geral do cumprimento das exigncias do processo de licen-ciamento.

    D.3.3. Passivo ambiental: situao das reas de Apoio e emprstimo aps dois anos e meio de trmino da obra (Recuperao das reas de Apoio utilizadas).

    D.3.4. Recomposio Florestal: Faixa de Domnio e Unidades de Conserva-o, com enfoque no ganho efetivo de vegetao.

    D.3.5. Integrao do empreendimento com as polticas urbanas: efeito bar-reira.

    D.3.6. Minimizao de interferncia com a malha urbana local.

    D.3.7. Reassentamento habitacional.

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    E. Consideraes finais

    E.1. Transposio para o Trecho Sul

    E.2. Recomendaes

    F. Bibliografia

    Anexos

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    Apresentao

    A presente pesquisa se origina em uma demanda feita em 2004 pelo Ministrio P-blico Estadual, pela Promotoria de Justia do Meio Ambiente, na pessoa da promotora Dra. Cludia Fedeli, para que o Laboratrio de Habitao e Assentamentos Humanos da FAUUSP (LabHab) se pronunciasse sobre o Rodoanel, dado seu reconhecimento no es-tudo dos fenmenos urbanos, em especial quanto s dinmicas de produo do am-biente construdo informal. Em resposta, o LabHab organizou uma reunio tcnica, da qual participaram os Promotores de Justia do Meio Ambiente do Ministrio Pblico Es-tadual e Federal e seus assessores tcnicos, especialistas do Instituto Socioambiental, o Diretor da FAUUSP Prof. Dr. Ricardo Toledo e Silva, a Coordenadora do LabHab Profa. Dra. Maria Lcia Refinetti Martins, o pesqui-sador do LabHab e coordenador desta pes-quisa Prof. Dr. Joo Sette Whitaker Ferreira, alm de alguns convidados.

    Na seqncia, e em decorrncia da partici-pao do Prof. Joo Sette Whitaker Ferreira, do LabHab (representando a FAUUSP e em companhia do Diretor desta Faculdade), na reunio tcnica convocada pelo CONSEMA sobre o Rodoanel no primeiro semestre de 2005, o professor recebeu nova solicitao, mais objetiva, do Minsterio Pblico Esta-dual, na pessoa do Promotor de Justia do Meio Ambiente Dr. Marcos Destefenni (of-cio n1695/05-1E-PJMAC-IC n 295/02). Tal pedido solicitava especificamente ao professor um parecer acerca da frmula utilizada pelo Professor Ciro Bidermann, no

    tocante aos impactos do Rodoanel na ex-panso urbana desordenada.

    O parecer foi inicialmente realizado, e re-sultou na parte (A3) do presente relatrio. Entretanto, o parecer formulado questionou fortemente o referido estudo matemtico, o que poderia parecer uma tomada de posio enftica do LabHab contra a obra do Rodoa-nel, o que no era obrigatoriamente o caso. Como laboratrio de pesquisa, o LabHab formula opinies tcnicas que procuram le-vantar os aspectos positivo e os negativos de obras urbanas do tipo, sem pender a priori para alguma poiso mais concreta.

    O que de imediato transpareceu foi o fato de que o descrdito simulao matem-tica como um instrumento de anlise urba-nstica, como apontava o parecer realizado para o Ministrio Pblico, no significava obrigatoriamente um descrdito ao Rodoa-nel como poltica pblica mais ampla. Para dirimir essa impresso, o LabHab achou por bem ampliar sua pesquisa para alm do pa-recer tcnico sobre a frmula matemtica, propondo uma anlise dos possveis impac-tos urbanos j ocorridos no Trecho Oeste do Rodoanel.

    No intuito de qualificar ainda mais tal estu-do, acertou uma parceria de pesquisa com o Instituto Socioambiental, que tambm ti-nha interesse no assunto.

    A pesquisa apresentada neste relatrio resultado desse processo, e teve por obje-tivo analisar os eventuais impactos urbanos e ambientais gerados pelo Trecho Oeste do

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    Rodoanel Mario Covas (Rodovia Estadual SP-21), com foco em uma possvel contri-buio para a induo da expanso urbana perifrica. A motivao para tal pesquisa se deu portanto no bojo das discusses acerca do projeto de implantao do Trecho Sul da mesma via, atualmente em curso.

    Como se sabe, o principal instrumento de anlise dos eventuais impactos do Trecho Sul especialmente preocupantes por tra-tar-se de rea de proteo aos mananciais, com mnima capacidade de suporte ex-panso urbana vem sendo uma simulao matemtica, apresentada como anexo do documento Avaliao Ambiental Estrat-gica, denominado Impactos econmicos e sociais da implantao do Rodoanel (FESPSP-FGV/LUME-FAUUSP/DERSA, 2004). Embora simulaes matemticas se-jam freqentemente utilizadas para interpre-taes urbansticas, mostram-se limitadas face s inmeras e imponderveis variveis que afetam os processos de produo do espao urbano, elas podem ser aceitveis em situaes em que no haja nenhuma re-ferncia real possvel, em que se trabalhe, portanto, no campo da pura especulao. Nesses casos, bastante especficos, simu-laes matemticas permitem que se rea-lizem anlises prospectivas baseadas em alguma referncia cientfica.

    Este no , entretanto, o caso da construo do Trecho Sul do Rodoanel. Aqui, tem-se a possibilidade de analisar, para calcular even-tuais impactos futuros do novo trecho, a ex-perincia passada e real da implantao do Trecho Oeste. Embora se trate de uma reali-dade evidentemente diferente, nas suas ca-ractersticas urbanas, daquela da regio Sul da cidade, certamente muito mais preciso verificar os impactos ocorridos no Trecho Oeste j construdo, transpondo em seguida tais anlises para algumas reas da regio Sul que apresentem semelhanas em suas caractersticas urbanas, do que trabalhar apenas com conjecturas oriundas de uma matriz matemtica de simulao. Embora

    no se pretenda aqui desqualificar o referido estudo e sua importncia, acredita-se que uma poltica urbana da magnitude do Rodo-anel, com o significativo impacto que pode representar para a Regio Metropolitana de So Paulo, no pode basear-se apenas em uma simulao matemtica, ignorando a possibilidade de anlise comparativa com a situao real j provocada por obra seme-lhante, de forma a garantir que os impac-tos, bem como as medidas mitigadoras e compensatrias decorrentes destes, sejam devidamente dimensionados.

    No sentido de contribuir para o processo de tomada de deciso sobre o referido empre-endimento, o presente estudo procura ento verificar aspectos como o grau de ocupao urbana formal e informal nas reas lindeiras ao Rodoanel e a eventual influncia deste nessas dinmicas de urbanizao; as din-micas de valorizao fundiria e imobiliria eventualmente provocadas pelo Rodoanel, desde seu anncio at hoje; a efetivao e a qualidade das medidas mitigadoras e com-pensatrias propostas no projeto que tm interferncia direta na dinmica e na ges-to urbana, e assim por diante. Seu objetivo principal apresentar uma reflexo acerca dos fenmenos acima elencados, observa-dos no Trecho Oeste, relacionando-os com as reas a serem afetadas pelo Trecho Sul. A idia que, face magnitude do projeto do Rodoanel, possa-se oferecer com este relatrio elementos que subsidiem, por um lado, uma maior preciso e amplitude nos programas de compensao e reparao de danos para o Trecho Oeste, e sobretu-do, por outro lado, um aperfeioamento do projeto do Trecho Sul, com vistas a diminuir os impactos previstos nos demais, ainda em discusso, sugerindo diretrizes de pla-nejamento territorial muito mais profundas, integradas e sistmicas do que o que vem sendo feito at agora.

    Desta forma, pretende-se demonstrar a ne-cessidade de consolidao de uma poltica pblica estruturada e que contemple aspec-

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    tos da micro-escala local at macro-escala metropolitana, integrando esferas de poder, em especial DERSA-municpios e entre as diversas Secretarias envolvidas, chegando-se possibilidade de se elaborar um plano de gesto e controle de uso e ocupao do solo especfico para o Rodoanel.

    fundamental observar que esta pesquisa no uma pesquisa numrica, matem-tica ou estatstica. No se sustenta, por-tanto, na apresentao de dados quanti-tativos, embora tambm trabalhe com eles. Por sua experincia no trato das dinmicas urbanas e dos assentamentos humanos informais, o LabHab-FAUUSP acredita que dados aparentemente mais subjetivos, como por exemplo o contato com a realidade, a visualizao das situ-aes urbanas, as entrevistas com mora-dores e outros atores envolvidos muitas vezes feitas informalmente a busca de informaes s vezes confidenciais, so ingredientes primordiais para uma inter-pretao correta das dinmicas urbanas, para alm da explicao quantitativa, que necessitaria de um tempo de pesquisa significativamente maior para ser real-mente exaustiva.

    O relatrio est dividido em uma introdu-o geral (item A) que discute alguns as-pectos conceituais sobre a construo do Trecho Oeste do Rodoanel, as argumenta-es apresentadas para justificar a obra e a simulao proposta para o Trecho Sul. A segunda parte (B) explicita os proce-dimentos metodolgicos adotados nesta pesquisa, e a terceira (C) faz uma ampla discusso sobre os impactos urbanos do Trecho Oeste, do ponto de vista da anli-se urbanstica. Dada a escassez de tempo para a realizao deste estudo, tal anlise, de carter essencialmente interpretativo das dinmicas urbanas verificadas, foi re-alizada a partir de uma pesquisa emprica preliminar, em trechos crticos escolhidos do Trecho Oeste, embora as anlises ur-banas e os mapas sempre mostrem toda

    a sua extenso. A quarta parte (D) faz um detalhamento de algumas dinmicas que afetam diretamente a anlise dos impac-tos urbanos, tentando qualificar as obser-vaes realizadas. Trata-se da valorizao fundiria e imobiliria gerada pela obra, dos processos de uso do solo na regio, incluindo as polticas municipais a respei-to, e as mitigaes propostas para a obra, em especial aquelas que dizem respeito s questes urbanas e habitacionais. Por fim, a ltima parte (E) busca apresentar algumas correlaes entre os fenmenos observados no Trecho Oeste e sua poss-vel replicao no Trecho Sul.

    Das trs dinmicas apresentadas na parte D, a anlise das mudanas que ocorreram no entorno do Trecho Oeste do Rodoanel, no que diz respeito valorizao e desvalori-zao imobiliria, procura observar a eventu-al interferncia da construo do mesmo na expanso urbana, sob esta tica especfica, j que sabido que processos tanto de forte valorizao quanto de desvalorizao so capazes de induzir decises de localizao de empresas e assentamentos formais, seja pelo marketing que reas valorizadas ofere-cem, seja pela oportunidade de investimen-to das mais desvalorizadas. As variaes das polticas de uso e ocupao do solo na regio esto fortemente sujeitas aos efeitos nocivos da ausncia de uma poltica integra-da de gesto urbana que envolva o conjunto dos municpios afetados pela obra. Por isso, busca-se verificar a influncia exercida pela presena do Rodoanel na formulao de Planos Diretores e Leis de Uso e Ocupao do Solo dos municpios da regio que, por sua vez, exercem importante papel na din-mica de expanso urbana. Por fim, busca-se verificar, ainda na parte D, se as medidas de mitigao e compensao propostas no projeto do Trecho Oeste do Rodoanel, que tm ligao direta com a gesto urbana e com a reintegrao do tecido cortado pelo anel virio, foram ou no efetuadas, e em que medida geraram resultados qualitativa-mente satisfatrios, de forma a identificar

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    possveis implicaes urbansticas de even-tuais descompassos. Evidentemente, quan-to a este ltimo aspecto, a brevidade desta pesquisa faz com que as observaes feitas sejam preliminares, indicando processos existentes, mais do que quantificando-os exaustivamente para todo o trecho constru-do. Isso s refora a idia, aqui defendida, de que uma anlise completa dos impactos urbanos do Trecho Oeste do Rodoanel e dos resultados das mitigaes demandaria uma pesquisa de prazo bem mais extenso do que a apresentada neste relatrio.

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    O Rodoanel tem sido objeto de intensas po-lmicas, que envolvem as discusses sobre a necessidade da obra, sobre a prioridade que lhe dada dentre as polticas pblicas promovidas pelo Governo do Estado de So Paulo, ou ainda sobre os impactos que in-tervenes desse tipo podem causar nas dinmicas de ocupao do territrio e de produo do espao urbano. A implantao do Trecho Oeste deu-se com menor grau de polmica pelas caractersticas prprias da regio, que j um eixo de expanso urbana significativo da Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP), em direo a cidades impor-tantes da chamada macro-metrpole paulis-ta, como Campinas e Sorocaba, e que no conta com reas to frgeis ambientalmente quanto aquelas a serem atingidas pela obra nos Trechos Sul e Norte. Por isso mesmo, a polmica tornou-se agora mais intensa em funo do anncio da construo do Trecho Sul, que cortar a j extremamente afetada rea de proteo aos mananciais.

    Como as discusses acerca do anel virio suscitam debates acalorados e defesas en-fticas dos diferentes pontos de vista sobre a questo, observa-se que uma srie de argumentaes freqenta regularmente as reunies tcnicas, as audincias pblicas e o noticirio, difundindo informaes s ve-zes at antagnicas em funo de quem as escreve e dos interesses que tem no Rodoa-nel. De alguma forma, todas as argumenta-es so corretas e justificveis em alguns pontos, e frgeis em outros. Isso uma ca-racterstica prpria s dinmicas urbanas e

    A. Introduo:Questes conceituais acerca do Rodoanel e suas justificativas

    territoriais: as variveis so to extraordina-riamente diversas e complexas que sempre haver aspectos positivos e negativos, ain-da mais em um pas com as caractersticas de uma urbanizao terrivelmente desigual e fragmentada como o nosso.

    Um dos principais desafios das polticas p-blicas urbanas sempre ser, portanto, de ten-tar equacionar, dentro de intenes estrat-gicas previamente discutidas e concertadas socialmente, aspectos positivos e impactos negativos, tendo em vista as prioridades pblicas definidas preferencialmente por meio de uma ampla negociao social em nome do bem comum. Isso envolve um forte componente poltico, j que a definio do que se deseja para a sociedade , es-sencialmente, uma definio poltica, o que evidentemente torna ainda mais difceis as reflexes isentas sobre o tema. Alm disso, sabe-se que no Brasil, assim como em tan-tas outras partes do mundo, grandes obras de infra-estrutura tm um enorme potencial poltico-eleitoral, o que faz com que muitas vezes suas definies e decises estratgi-cas se guiem mais pelos interesses polticos imediatos do que por alguma estratgia de longo prazo de poltica pblica.

    Sobre este ponto, importante enfatizar que polticas estratgicas que afetem to signi-ficativamente as dinmicas de ocupao e organizao do territrio deveriam estar sob a responsabilidade de um rgo de gesto de mbito metropolitano, e no poderiam ter como protagonista principal uma secretaria de carter setorial. Vale lembrar que o Esta-

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    tuto da Cidade (Lei Federal no 10.257/2001) estabelece a necessidade do planejamento das regies metropolitanas, aglomeraes urbanas e microrregies, o que pressupe a existncia de rgo pblico competente para esta tarefa, na escala metropolitana. Entende-se que uma vez o planejamento re-alizado e definidas as diretrizes estratgicas globais, cada secretaria setorial e mais especialmente aquelas cujas aes afetam diretamente a organizao geogrfica do territrio poder desenvolver seus proje-tos, dentro dessas diretrizes. A poltica de transportes protagonizada pela Secretaria de Transportes, por exemplo, deve ser parte de um plano estratgico maior de organizao do territrio. Quando uma secretaria como esta torna-se a nica protagonista da pol-tica pblica mais ampla, certo que have-r certa limitao discusso de questes mais abrangentes e inter-disciplinares que, por natureza, no so parte do escopo de reflexo e atuao tcnica de uma secretaria de carter operativo. Tal fato gera conflitos compreensveis na gesto das tenses ge-radas pela obra do Rodoanel: uma ampla gama de questionamentos e contraposies obra feita pela sociedade civil organizada diz respeito questes de organizao terri-torial, que no competem e nem deveriam competir Secretaria de Transportes, que no tem portanto como responder.

    normal e correto, por exemplo, que os municpios da Grande So Paulo que se beneficiaro com a obra elaborem defesas enfticas sobre sua utilidade, j que de fato, em um pas em que, historicamente, as po-lticas de infra-estrutura so fragmentadas, um equipamento de integrao viria como o Rodoanel trar sem dvida uma enorme perspectiva de re-dinamizao para essas cidades. Mas tambm normal e correto que os movimentos de defesa do meio-am-biente critiquem severamente os impactos que uma obra do porte do Rodoanel pode causar em estruturas ambientais j extre-mamente fragilizadas pelas dinmicas de crescimento da RMSP. Em que medida tais

    impactos so aceitveis e em nome de que benefcios? Em que medida esses benef-cios dizem respeito a todas as dinmicas de ocupao do territrio, e no apenas s questes especficas de transportes? Esta , sem dvida, a questo central a ser co-locada nas discusses acerca do Rodoanel Mario Covas. Esta a questo que norteia o presente estudo.

    Do ponto de vista da metodologia da poltica pblica de planejamento territorial e urbano, uma obra da magnitude do anel virio deve ser tratada a partir de trs questes funda-mentais: a primeira, mais evidente, um conjunto de perguntas que dizem respeito necessidade do anel virio. O Rodoanel necessrio? Quais as demandas que justificam sua construo? Ele a melhor alternativa para responder a tais deman-das?

    A justificativa dada pelo Governo do Estado de So Paulo e pela DERSA a de que o Rodoanel necessrio para a ordenao do trfego de passagem da RMSP, tanto de car-ga quanto de veculos, gerando aliviamento do sistema virio metropolitano, e para a re-estruturao da logstica de abastecimento para o municpio de So Paulo. Neste pri-meiro captulo introdutrio trataremos por-tanto dessas questes de fundo que eventu-almente justificam a obra do anel virio.

    A segunda pergunta depende diretamente da resposta primeira. Se for provada, pelos formuladores da poltica pblica, a necessi-dade do Rodoanel como a melhor alternati-va para resolver as questes da logstica e do trnsito, a questo que se coloca ento se ele possvel, se seus impactos se-riam aceitveis frente aos benefcios que ele supostamente traria. Em outras palavras, a construo do Rodoanel vivel? A res-posta a tal pergunta se baseia, evidentemen-te, na anlise dos impactos que o Rodoanel pode causar. Quais so eles? So de ordem ambiental, ou tambm envolvem impactos urbansticos, como a induo ocupao? Em que medida esses impactos so aceit-

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    veis e podem ser tratados por medidas mi-tigadoras e compensatrias? Uma questo pertinente esta discusso, por exemplo, a da efetividade do sistema de rodovia Clas-se Zero, sem conexes significativas com a malha viria local, como instrumento para impedir a induo ocupao urbana. Isso realmente funciona? Essa pergunta torna-se ainda mais importante quando se v que esse o principal argumento para justificar a ausncia de impactos urbanos no Trecho Sul a ser construdo. Ento, como ocorreu essa dinmica de restrio de acesso no Trecho Oeste?

    Como j foi dito, no h muito sentido em apoiar o argumento apenas em simulaes matemticas, se h o exemplo concreto do Trecho Oeste a observar, embora devam ressaltar-se as diferenas j propostas no projeto do Trecho Sul em relao ao Oeste. Desta forma, fundamental que se conhea a situao atual da poltica de restrio aos acessos no Trecho Oeste.

    Em linhas gerais, as respostas a esta se-gunda pergunta constituem-se no corpo deste trabalho, nos captulos subseqen-tes, que, ao analisar empiricamente alguns dos efeitos da obra no trecho j construdo, pressupe metodologicamente que ele j foi considerado necessrio (j que foi constru-do), como resposta primeira questo, e que portanto caberia agora verificar, a par-tir de exemplos reais, se ele factvel. Vale observar que parte-se, nesta segunda etapa da reflexo, de uma postura pos facto, o que uma temeridade, do ponto de vista da po-ltica pblica. A anlise que segue mostrar que a primeira questo aqui colocada, na verdade, nunca foi efetivamente respondida. Os argumentos at hoje apresentados no deixam claro se o Rodoanel mesmo uma obra realmente necessria, se realmente a melhor alternativa para responder aos pro-blemas de logstica e de trnsito da cidade. Entretanto, o Trecho Oeste j foi feito. Isso ressalta o risco de que, caso as evidncias se mostrem negativas quanto aos impactos

    avaliados no trecho j construdo, chegue-se concluso de que o Trecho Oeste no era possvel, mesmo sendo eventualmente necessrio.

    Respondida a segunda pergunta positiva-mente, ou seja, chegando-se eventualmente concluso de que o Rodoanel possvel, alm de necessrio (resposta positiva pri-meira pergunta), a terceira pergunta diz respeito s solues tcnicas locais a serem adotadas para garantir que a obra gere os menores impactos negativos possveis: quer dizer, as solues tcnicas construtivas e as propostas de mitigao efetivamente funcionam? Isso quer dizer que devem ser cuidadosamente avaliadas as polticas miti-gadoras e compensatrias propostas. So elas suficientes? Fazem elas parte de uma poltica integrada e sistmica de ocupao territorial? Tambm podem ser verificadas as solues adotadas em questes especfi-cas como o controle dos locais em que exis-tem alas de acesso, o tratamento e destino dado s reas de Apoio obra, a efetividade da restrio de acesso, a funcionalidade de solues tcnicas de construo das vias, entre outros.

    Antes de iniciar, nos prximos captulos, o estudo emprico sobre os impactos do tre-cho j construdo, este captulo pretende abordar as grandes questes conceituais acerca do Rodoanel listadas acima, es-pecialmente aquelas que procuram res-ponder primeira e segunda perguntas formuladas. Sero tratadas as questes da logstica e do trnsito como justificativa para a obra, de forma a ponderar os argumentos que tentam responder primeira pergun-ta sobre a real necessidade de construo do anel virio, e ser feita uma anlise cr-tica da resposta que vem sendo dada pela DERSA segunda pergunta formulada, so-bre os impactos que o Rodoanel gera. Para responder a essa questo, a DERSA vem se apoiando no documento Impactos econ-micos e sociais da implantao do Rodo-anel (FESPSP-FGV/LUME-FAUUSP/DERSA,

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    2004), como o principal instrumento de ar-gumentao usado na defesa do Trecho Sul do Rodoanel.

    Em funo disso, este captulo traz tambm uma anlise sobre a pertinncia de adoo desse documento, que se fundamenta em uma simulao matemtica, como a nica base para a simulao dos efeitos urbanos do Trecho Sul, o que parece bastante teme-rrio do ponto de vista urbanstico.

    Vale notar que a discusso das grandes questes que justificam a obra bastante difcil: pelos aspectos polticos que a obra representa, pela dificuldade de obteno de dados que subsidiem uma anlise tcnica sobre os fluxos virios e as questes logs-ticas que justificam a obra. Cabe ressaltar que o acesso s fontes originais, s tabe-las primrias usadas como base de clculo, e a outras informaes do tipo, bastante restrito, restando para as anlises, essen-cialmente, os resultados publicados nos documentos oficiais, em especial o Estudo de Impacto Ambiental EIA e a Avaliao Ambiental Estratgica AAE. Alm disso, discutiremos neste captulo justamente a efetividade desses estudos como instru-mentos que se pressupem apenas tcni-cos de anlise de impactos.

    A.1. A Questo logstica

    A proposta de construo de um anel virio na Regio Metropolitana de So Paulo no nova, e vem sendo defendida h dcadas como um instrumento supostamente capaz de aliviar a saturao da infra-estrutura vi-ria e a decorrente diminuio da mobilidade urbana na cidade.

    Portanto, primeira pergunta, sobre se o Rodoanel necessrio e se ele a melhor alternativa para essa necessidade, a res-posta dada pelos empreendedores da obra a de que a gesto logstica da RMSP o justifica e que ele a melhor soluo para aprimor-la.

    Desde j deve-se observar que, como j foi dito, essa uma justificativa que se restringe uma questo setorial, sob responsabilida-de da pasta dos transportes. Tal justificativa deveria portanto ser parte de uma poltica estratgica mais ampla, que considerasse a questo da logstica dentro das diretrizes gerais de ordenao do territrio da RMSP, que, no entanto, no existe. Ainda, assim, vejamos se a questo da gesto logstica, apesar dessa limitao, goza hoje de uma viso consensual sobre sua necessidade e sobre a eficcia do Rodoanel como alterna-tiva para sua soluo.

    Essa questo surge nesta discusso pelo fato do Rodoanel ser apresentado, em todas as justificativas publicadas, como uma so-luo para o aprimoramento da logstica do transporte de cargas na Regio Metropolita-na de So Paulo. Segundo a prpria DERSA, as rodovias interligadas pelo Trecho Oeste do Rodoanel so responsveis por cerca de 50% da carga total que entra na RMSP (DERSA, 1997).

    Ainda assim, todos os especialistas consul-tados sobre o assunto, assim como as en-trevistas dadas pelos mesmos imprensa, ressaltaram o fato de que a gesto logstica carece de um planejamento de longo prazo, que trate de forma concomitante e integrada as diferentes modalidades de transporte de cargas, e em especial o transporte ferrovi-rio. A discusso recai portanto, essencial-mente, na necessidade ou no de constru-o de um Ferroanel em torno da RMSP como medida complementar ao Rodoanel, sem o qual a gesto logstica sempre estar incompleta. O PITU no toca com nfase na questo de um Ferroanel logstico, enquanto que o Plano Diretor de Desenvolvimento dos Transportes PDDT Vivo, por sua vez, cita o projeto do Ferroanel, mas tambm nes-te caso no apresenta, como se ver logo adiante, um detalhamento de algum plano integrado e de longo prazo sobre trilhos, in-cluindo o Rodoanel.

    Segundo dados obtidos na imprensa, a

  • estudo preliminar Rodoanel Mario Covas - Trecho Oeste 17

    construo do Ferroanel Sul, combinada a outras alteraes logsticas na malha de transportes do Estado, poderia ampliar em at 1.300% a capacidade de circulao de cargas nas linhas frreas da Grande So Paulo (Dirio do Grande ABC, 17/03/2004)1. Para a Agncia Nacional de Transportes Ter-restres ANTT,

    o modal ferrovirio caracteriza-se, especialmente, por sua capacidade de transportar grandes volumes, com elevada eficincia energtica, princi-palmente em casos de deslocamen-tos a mdias e grandes distncias. Apresenta, ainda, maior segurana, em relao ao modal rodovirio, com menor ndice de acidentes e menor in-cidncia de furtos e roubos. (ANTT)2

    A enorme capacidade e as vantagens ofe-recidas pelo transporte ferrovirio por um lado fragilizam a defesa da importncia do Rodoanel como base nica ao menos en-quanto no se implante o sistema ferrovirio de um sistema de transporte de cargas, face a magnitude da intensificao dos transportes ferrovirios (mais de 1.000%) que o Ferroanel poderia gerar. Por outro lado, destacam a importncia da integrao do Ferroanel com o Rodoanel, indicando at que ponto seria essencial que os projetos de ambos fossem integrados e estivessem em um mesmo nvel de desenvolvimento. Para Washington Soares, diretor tcnico da Cmara Brasileira de Transporte Ferrovirio - CBTF, a intermodalidade deve crescer no pas corroborando a importncia de sua in-tegrao com o Rodoanel, j nesta fase de planejamento:

    sabemos que para o desenvolvimen-to da ferrovia de forma competitiva e participativa na carga geral funda-mental a parceria com terminais com caractersticas operacionais que favo-ream a prtica da intermodalidade. Na estratgia de transporte intermo-dal, eles sero os principais parceiros da ferrovia em funo da integrao

    de forma participativa nos processos logsticos desta natureza, o que ser percebido com mais incidncia aps a construo de projetos para revi-talizao do modal ferrovirio, como o Ferroanel. (Cmara Brasileira de Transporte Ferrovirio - CBTF)3

    Entretanto, o PDDT Vivo, um dos poucos documentos de planejamento que trata mais especificamente da questo, embora indi-que que o Ferroanel foi pensado para que os trens expressos possam passar pela RMSP sem entrar na regio, atravs da comple-mentao de trechos de ferrovias j exis-tentes, no explicita quando e como se dar a implementao das diferentes polticas que sugere, nem trata das especificidades tcnicas que seriam necessrias para um planejamento efetivamente integrado dos transportes na Regio Metropolitana de So Paulo. No h respostas, em nenhum pla-no de gesto de transportes disponibilizado pelo poder pblico, sobre quais so o proje-to tcnico e a estratgia de implantao exa-tos do Ferroanel, sobre como se dar exa-tamente a sua integrao com o Rodoanel, ou como seriam realizadas exatamente, por exemplo, solues tcnicas citadas sem de-talhamento, como a interligao de todas as ferrovias que chegam RMSP (PDDT Vivo), que pressupe inclusive uma soluo para a questo da unificao das bitolas. Surpreendentemente, a sua implantao parece ser, segundo atestou o prprio ex-Secretrio Estadual de Transportes, Micha-el Zeitlin, mais simples e mais barata que a do Rodoanel e como vimos, aparentemente eficiente do ponto de vista logstico, ainda mais se interligado efetivamente ao Rodo-anel, pela soluo que tal integrao traria na equao do transporte de mercadorias de baixo (ferrovia) e alto (rodovia) valores agregados (embora haja especialistas que questionem essa eficincia, como se ver adiante). Segundo o ex-Secretrio, o Fer-roanel teria cerca de 280 km de trilhos no total, circundando o Rodoanel. O corredor a ser construdo, de cerca de 125 km, corres-

    1 Estimativa apresentada durante encontro realizado pelo Consrcio Intermu-nicipal do ABC, em Santo Andr.

    2 ANTT - http://www.antt.gov.br/carga/ferroviario/apresentacao.asp (aces-sado entre os meses abril e junho de 2005)

    3 CBTF- http://www.cbtf.o rg .b r / en t r ev i s t a .h tm - Falta de planejamento faz das ferrovias um mo-dal ainda pouco compe-titivo por rica Amores, abril/2005.

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    ponde metade da sua estrutura, j que a outra metade j est pronta, precisando ser apenas interligada. Segundo ele, o custo da obra, de cerca de R$ 750 mi, mais ou menos 1/4 do valor do Rodoanel, pois no h desapropriaes a fazer. (NTCNet - No-tcias do Transporte)4

    Por outro lado, a falta de um projeto mais consistente para o transporte de cargas faz com que algumas questes, tambm apon-tadas por especialistas, ainda no tenham repostas, embora possam s vezes colocar em xeque a prpria lgica do sistema inter-modal. Segundo Ayrton Santiago5, da RFF-SA, o eixo ferrovirio do Pari, intra-urbano, essencial para a cidade de So Paulo. No seu entender, o anel ferrovirio, da forma que est sendo imaginado, aumentaria o tempo de chegada de cargas vindas do Por-to de Santos para a cidade de So Paulo de duas horas e meia a trs para nada menos do que oito ou dez horas, j que a retirada do trem do espao intra-metropolitano obri-garia a construo de ptios de transbordo das cargas para caminhes, provavelmente em cidades como So Jos dos Campos ou Itapevi. Ainda segundo o especialista, tal processo iria aumentar consideravelmente o trfego de caminhes com destino intra-ur-bano, portanto no usurios do Rodoanel, gerando impactos no trnsito da cidade. Neste caso, os efeitos esperados do Rodoa-nel, de melhoria do trfego intra-urbano, no podem ser anulados por essa intensifica-o? Estas so evidentemente questes em aberto, mas que devem ser cuidadosamente ponderadas e calculadas. Mas isso s pode ocorrer se o projeto do Ferroanel estiver in-tegrado ao do Rodoanel.

    Ou seja, a variedade das respostas s ques-tes de logstica acima colocadas, s vezes antagnicas, s reforam a visvel impor-tncia de que o projeto de gesto logstica para a RMSP estivesse em um nvel muito mais aprofundado de elaborao, e que o projeto do Ferroanel estivesse no mesmo plano de desenvolvimento integrado que o

    do Rodoanel.

    Se a questo logstica uma justificativa importante para a construo do Rodoa-nel, h de se convir que as propostas feitas at agora esto longe de assemelhar-se a uma poltica de planejamento realmente efetiva sobre o assunto. Sobre a ausn-cia de tal planejamento integrado, deve-se ressaltar a falta de considerao, nessa dis-cusso, do histrico processo de desmonte de todo o sistema ferrovirio nacional, pri-meiramente privatizado e posteriormente sucateado, frente ao qual as possibilidades de re-estruturao de um sistema metropo-litano parece bastante antagnico. Segundo a ANTT,

    a distncia mdia de transporte de carga por ferrovia de 1200 quilme-tros de extenso nos Estados Unidos, variando de 600 a 800 quilmetros na Europa. No Brasil, essa distncia m-dia, na rede Ferroviria Federal antes da privatizao era de 430 quilme-tros. E a distncia da Fepasa, antes da venda das concesses, era de 340 quilmetros. Ento o problema tecno-lgico que a distncia mdia muito pequena na regio. (ANTT)6

    A questo da obsolescncia tecnolgica parece ser mais um problema significativo para a estruturao do transporte logstico intermodal, alm do mais porque o desen-volvimento constante das polticas volta-das isoladamente ao transporte rodovirio dentre as quais a do prprio Rodoanel parece fragilizar, antes mesmo de seu nascimento, um sistema integrado que real-mente aproveite as potencialidades de cada modal. Um bom exemplo disso mostrado pela Cmara Brasileira de Transporte Ferro-virio CBTF.

    O projeto das Avenidas Perimetrais do Porto de Santos, que ligaro a re-gio da Alemoa Ponta da Praia, em uma extenso aproximada de 12 km, preparada para receber o trfego pe-

    4 NTCNet - http://www.ntcelogistica.org.br/noti-cias - Governo paulista se prepara para viabilizar Ferroanel.

    5 Depoimento em debate promovido pela Associa-o Viva o Centro, in Re-vista Urbs, no15, dezembro de 1999/janeiro de 2000.

    6 ANTT - http://www.antt.gov.br

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    sado dos aproximadamente 5,5 mil caminhes diariamente, est preocu-pando os usurios de ferrovias. Obra com foco no modal rodovirio, o alar-gamento de avenidas porturias para construo das Perimetrais pode cau-sar a erradicao de linhas frreas, o que inviabilizaria toda logstica do cais santista. (Cmara Brasileira de Trans-porte Ferrovirio CBTF)7

    A conseqncia disso, segundo a CBTF, que algumas empresas j esto pensando em fazer uma logstica via porto do Rio de Janeiro, j que, alm do mais, e ao contr-rio de So Paulo, a estrutura ferroviria do Rio no tem o problema da bitola, nem das concesses.

    Somam-se a isso algumas incongruncias observadas entre os diferentes nveis de go-verno nas prprias decises atuais, mesmo que incipientes, quanto construo do Fer-roanel, reforando ainda mais a impresso da ausncia absoluta de um planejamento integrado sobre o tema. O PPA (Plano Plu-rianual) do Governo Federal prev que as obras do Ferroanel comecem pelo Trecho Norte, e isso contraria interesses das Pre-feituras do Grande ABC e do Governo do Es-tado de So Paulo, que priorizam o Trecho Sul. Vale observar que o Consrcio Inter-municipal do ABC foi um dos financiadores dos estudos para a construo do Ferroanel Trecho Sul, o que se explica pelo fato de que seus 38 km cruzando a regio, ligando as estaes Evangelista de Souza a Rio Grande da Serra, permitiriam uma reduo de at 40% em termos de distncia ferroviria em direo ao Porto de Santos. Por outro lado, em entrevista para esta pesquisa, o enge-nheiro Roberto Pereira de Arajo, da VETEC Engenharia8, julga que o Trecho Norte do Ferroanel que tem maior necessidade de construo porque o sistema na regio o mais carregado e j est saturado.

    A falta de informaes seguras quanto a um planejamento consistente da logstica inter-modal de transportes, que integre os siste-

    mas rodovirio e ferrovirio, levanta insegu-rana quanto real efetividade do Ferroanel como um projeto que seja de fato mais do que uma estratgia de marketing que se some s justificativas levantadas para a construo do Rodoanel. Como coloca o Sr. Renato Maus, coordenador do Grupo de Trabalho de Trfego e Logstica do Con-srcio Intermunicipal do Grande ABC, se o Rodoanel for licenciado agora sem meno ao Ferroanel, ser muito difcil voltar depois a esse assunto. (Dirio do Grande ABC, 30/01/2003)

    Alm do mais, importante ressaltar que a justificativa logstica para o Rodoanel no pode se resumir, do ponto de vista urbans-tico, nica questo da reduo do trfego urbano e facilitao dos fluxos de transporte de cargas que antes cruzavam a capital. A logstica implica tambm na necessidade de uma gesto territorial de apoio, j que decises sobre logstica implicam em fen-menos oficialmente incentivados ou no de re-localizao de empresas, fato to previsvel que serve alis, como j visto, de ponto de partida para a simulao matem-tica acima comentada. Assim, o projeto do Rodoanel, se to vinculado que questo da logstica, no poderia ser desvinculado de um plano de gesto da ocupao do ter-ritrio por parte das empresas de logstica, que previsse as diretrizes estratgicas para um amplo leque de questes.

    Quais as reas estratgicas para tal ocupa-o e que poderiam receber incentivos para isso? Quais as formas de incentivo pensa-das? Quais as reas em que a ocupao de empresas no deva ocorrer? Por que razes? A DERSA prev o uso futuro de algumas reas de Apoio, as maiores, para os chama-dos Terminais de Transferncia de Cargas9. Quais sero as reas utilizadas? Por qu? Dentro de que plano estratgico da logstica na RMSP tais reas esto sendo previstas? Como os Planos Diretores dos municpios envolvidos tratam da poltica estratgica de gesto logstica e do uso e ocupao do

    7 CBTF - http://cbtf.org.br/_info/info_02.htm - CBTF teme Erradicao de Linhas Frreas do Porto de Santos, na integra ma-tria publicada na Revista Santos Modal de fevereiro de 2005.

    8 Empresa de engenharia contratada pela DERSA para a realizao de estu-dos preliminares, projeto executivo e a execuo de um dos lotes, no Trecho Oeste do Rodoanel.

    9 Ver reas remanescen-tes e meio ambiente, Re-vista Engenharia (DERSA), n 543, 2001.

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    solo quanto a essa questo? Em que estgio est o projeto de transferncia do CEAGESP para as cercanias do Rodoanel? Para onde exatamente ele ir, e porque sua localizao foi escolhida? Como ela se relaciona com o Rodoanel e com o projeto do Ferroanel? Como est sendo tratado o provvel impac-to de induo urbana que a implantao do novo CEAGESP ir gerar? Como ser tratada a questo da valorizao fundiria, apontada por especialistas10, decorrente da vinda de empresas de logstica?

    So perguntas deste tipo, entre muitas ou-tras, que deveriam constar de um planeja-mento integrado e estratgico da questo logstica, que de fato no existe. Essa tem-tica aparece como justificativa central para a obra do Rodoanel, porm restringe-se a uma proposio de melhoria de fluxos vi-rios, sem entrar na anlise de fundo sobre as transformaes territoriais geradas e seus benefcios ou impactos para a cidade. Em suma, nota-se que a falta de respos-tas a tais questes torna bastante frgil a argumentao em defesa da primeira das grandes questes acima colocadas: o Ro-doanel efetivamente necessrio? Talvez sim, talvez no. Tudo depende da correta anlise dos impactos de todas as questes levantadas, e da verificao dos benefcios que elas traro. Mas, pelo menos quanto questo logstica, h muitas perguntas em aberto para que se possa ter uma resposta segura.

    A.2. A Questo dos fluxos virios

    A melhoria nos fluxos de trnsito na RMSP outra justificativa importante nas argumen-taes que visam responder primeira per-gunta sobre o Rodoanel. Em outras palavras, questo de se o Rodoanel necessrio, dada a resposta de que ele se justifica como uma soluo para descongestionar o trfego da cidade, em especial das marginais. Que o problema do trfego um dos maiores en-traves urbanos na RMSP, isso sem dvida

    10 Conforme, entre outros, depoimento do Sr. Osval-do Gaia, diretor imobilirio da empresa Opo Granja Imveis, revela que h ter-renos vazios, ao longo do Trecho Oeste, espera de valorizao pelo Rodoanel.

    11 Ver a respeito: LAGO-NEGRO, Marco Aurlio. Metrpole sem metr: transporte pblico, rodo-viarismo e populismo em So Paulo (1955-1965). Tese de Doutorado. So Paulo: Faculdade de Arqui-tetura e Urbanismo da USP, 2004.

    absolutamente consensual. Mais uma vez, a pergunta que se coloca : o Rodoanel efetivamente a alternativa mais eficaz para a soluo deste problema? Mesmo que ele o melhore, seu custo e seus impactos so menores do que a eficcia dessa melhora?

    Assim como para a questo da logstica, as informaes apresentadas so contradit-rias e no permitem um julgamento preciso dos efeitos do Rodoanel sobre o trfego ur-bano. Se depender desta varivel, mais uma vez a primeira pergunta-chave sobre o Ro-doanel, se ele realmente necessrio e se a melhor soluo, ainda fica sem resposta objetiva. Ainda assim, importante ressaltar que no objetivo desde documento argu-mentar a favor ou contra o Rodoanel, mas sim evidenciar se existe ou no o planeja-mento integrado que uma obra de tal porte demanda, at mesmo para justific-la.

    A primeira discusso a ser feita sobre os fluxos virios da RMSP sobre a pertinn-cia das opes virias como soluo para o congestionamento de automveis que a metrpole sofre. A infra-estrutura urbana implementada ao longo do processo hist-rico de expanso da cidade de So Paulo, processo este que refletiu e reflete espacial-mente a fragmentao social estrutural da sociedade brasileira, sempre caracterizou-se pela priorizao de um sistema virio de carter desagregador da malha urbana e fa-vorecedor de solues de transporte sobre pneus, em detrimento de modalidades de transporte de massa mais homogeneizado-ras da estrutura urbana e significativamente mais democrticas e potencializadoras de mobilidade, como por exemplo o metr.

    A lgica dos anis de transporte virio a mesma desde o Plano de Avenidas11 e a construo das Marginais do Rio Pinhei-ros e do Rio Tiet foi, em seu tempo, uma soluo muito parecida com a que hoje se prope com o Rodoanel. Em suma, vale observar que, nesse sentido, a proposta do Rodoanel, desvinculada que de um proje-to sistmico e integrado de transporte para

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    a regio metropolitana tanto de massa como de cargas , acaba representando a continuidade de uma lgica que coloca a poltica pblica a reboque das problemti-cas urbanas, sem oferecer entretanto uma soluo estruturalmente transformadora. A longo prazo, no seria exagero afirmar que, aps o Rodoanel, permanecero os mes-mos princpios que norteiam o crescimen-to da cidade, e enfrentaremos em algumas dcadas a necessidade de construo de mais e mais anis virios, medida em que a expanso espraiada e fragmentada da ci-dade no seja estruturalmente solucionada.

    No se trata aqui, evidentemente, de negar a eventual necessidade e utilidade do anel virio, mas de observar o quanto seria im-portante que uma obra de tal magnitude fosse proposta no bojo de uma poltica de transporte muito mais ampla e complexa, envolvendo a intermodalidade e a integrao da gesto logstica. Se a segunda questo bastante tratada, como veremos adiante, a primeira delas no aprofundada quanto deveria.

    verdade que o Plano Diretor de Desen-volvimento dos Transportes PDDT Vivo apresenta diretrizes e estratgias gerais para uma poltica de transporte no Estado de So Paulo, listando diferentes propostas nas vrias modalidades. Tambm o PITU 2020, principal plano de transporte de mas-sa para a RMSP cita o Rodoanel. Ambos os planos entretanto se restringem a citaes quase somente descritivas do Rodoanel como obra a ser realizada, sem oferecer um estudo verdadeiramente detalhado e apro-fundado de como ocorreria sua integrao sistmica com as diferentes polticas de transportes. Dada a permanncia da viso histrica de constante prioridade s solu-es rodovirias voltadas ao transporte in-dividual sobre pneus, no h no Estado um estudo de longo prazo que apresente de for-ma aprofundada uma nova poltica de lgica oposta, ou seja, completamente voltada estruturao macro-metropolitana de um

    sistema de transporte de massa eficiente e capilarizado. Basta lembrar, como exemplo da falta de interesse poltico por solues de transporte de massa e a prioridade dada ao transporte individual de veculos, que o me-tr da Cidade do Mxico, cuja obra iniciou-se na passagem da dcada de 60 para a de 70, ao mesmo tempo que o de So Paulo, conta hoje com 13 linhas e cerca de 300 km construdos, contra apenas 5 linhas e 57,6 km na capital paulista. Em compensao, so incontveis as grandes obras virias como avenidas, tneis e viadutos de gran-de porte realizadas na cidade desde ento, evidenciando a prioridade dada pelas polti-cas pblicas de transporte s modalidades rodovirias e, em especial, ao transporte de carros12.

    Para o empreendedor da obra, segundo o EIA do Trecho Oeste, o Rodoanel servi-r como alternativa estratgica de trfego, aumentando a confiabilidade do sistema vi-rio e reduzindo a vulnerabilidade que hoje resulta da quase absoluta dependncia nas marginais dos rios Tiet e Pinheiros. Segun-do o estudo, as marginais Tiet e Pinheiros trabalham 60% das horas teis perto do li-mite de saturao, ou mesmo acima deste limite, causando um problema geral no sis-tema virio e na malha urbana. O EIA estima que num cenrio sem o empreendimento, a velocidade mdia projetada cair 30% em 10 anos (Invamoto, 2001).

    Embora sem informao precisa da fonte e dos mtodos de medio utilizados, os estu-dos apresentados pela DERSA apontam que o Rodoanel Mario Covas permitiu, aps a implantao do Trecho Oeste, uma diminui-o de 31% do trfego dirio de caminhes na Avenida Raimundo Pereira de Magalhes, 48% nas ruas Alvarenga e Camargo, 42% na Avenida Eliseu de Almeida e 40% na Ro-dovia Rgis Bittencourt13, nmeros bastante significativos.

    Entretanto, informaes de outros especia-listas, tambm do poder pblico, no apon-tam para efeitos to significativos, gerando

    12 Basta notar que, tanto no Elevado Costa e Silva, da dcada de 70, quanto nos tneis construdos na cida-de j neste sculo, como naqueles sob o Parque do Ibirapuera ou o Rio Pinhei-ros, a passagem de nibus coletivos no permitida.

    13 Uma viso no futuro: Guia Informativo Programa Rodoanel Mario Covas Folheto DERSA, 2003.

  • estudo preliminar Rodoanel Mario Covas - Trecho Oeste22

    grande contradio e indefinio quanto aos impactos concretos da obra sobre os fluxos virios.

    Segundo Snia Baptista e Ronaldo Tono-bohn, respectivamente Superintendente de Planejamento e Gerente da Companhia de Engenharia de Trfego - CET, 200 mil cami-nhes circulam diariamente em So Paulo, sendo que apenas 15 mil so de passagem, podendo ser absorvidos pelo Rodoanel14. Embora no seja proporcionalmente uma grandeza significativa, uma reduo que pode ajudar, paliativamente, a aliviar o trfe-go congestionado das marginais.

    Alguns especialistas questionam com mais veemncia tal alvio. Segundo Luis Clio Bottura, do Instituto de Engenharia, ex-pre-sidente da DERSA, 60% das viagens nas marginais so menores de 6 km, portanto de mbito intra-urbano, sem relao direta com o Rodoanel. Tal argumentao, apesar de polmica, parece ser corroborada pelo Prof. Dr. Nicolau D. F. Gualda, chefe do De-partamento de Engenharia de Transportes da Escola Politcnica da USP, para quem tambm se sobrepe questo do trfego, mais uma vez, a falta de um planejamento integrado: uma falcia dizer que o Ro-doanel ir retirar congestionamentos das marginais porque o trfego existe em trs nveis: intrazona, trfego de passagem e interzona. O complexo virio poder trazer muito mais problemas que benefcios caso no se considerem as comunidades aos ar-redores do Rodoanel. absurdo haver plano de transportes sem Plano Diretor. (Revista do Instituto de Engenharia, outubro/98)

    Mas o mais intrigante que a prpria AAE, ao estabelecer previses sobre os tipos de fluxo na RMSP em 2005, conclui que 95,9% das viagens, ou 7,97 milhes de viagens/dia, seriam de circulao interna RMSP (viagens com origem e destino na RMSP), enquanto que 3,9% seriam fluxos de gera-o/atrao de viagens na RMSP (viagens com origem no interior da RMSP e destino em zonas fora da RMSP e vice-versa), e

    apenas 0,2% so fluxos de passagem pela RMSP (viagens com origem e destino fora da RMSP, ou seja, zonas externas RMSP) e portanto as realmente beneficiadas pela alternativa do Rodoanel. (FESPSP-FGV, 2004, pg. A1.4)

    Embora a DERSA tenha medido uma dimi-nuio marcante no fluxo de caminhes em algumas vias importantes da cidade, para o Gerente de Planejamento da CET, Ronaldo Tonobohn, o Trecho Oeste do Rodoanel teve uma influncia direta no trnsito sobrecar-regado na chegada da Rodovia dos Bandei-rantes cidade e no congestionamento no acesso Marginal do Tiet. Segundo ele, a lentido na Marginal entre a Bandeiran-tes e a Ponte da Casa Verde aumentou 15% aps a abertura do anel. (O Estado de S. Paulo, 22/10/2004)

    Isso porque h um aumento constante do nmero total de caminhes na cidade de So Paulo, tendo a frota aumentado em 18% de 1999 a 2000 (Folha de S. Paulo, 22/10/2000), anulando eventualmente os efeitos da diminuio percentual de cami-nhes em algumas avenidas. Alm disso, para o engenheiro, muitos dos moradores dos condomnios das Rodovias Castello Branco e Raposo Tavares que trabalham em So Paulo entram na cidade pela Marginal do Tiet, pois utilizaram o Rodoanel para escapar do trnsito. Talvez por causa disso a imprensa local chegou a afirmar, sendo contestada pela DERSA, que o anel virio, construdo para absorver principalmente caminhes, enfrenta congestionamentos... de carros. Isso ocorre de manh, em al-guns pontos, entre a Raposo e a Castello, sentido sul-oeste, e prximo do acesso Rgis Bitencourt. (Dirio do Grande ABC, 20/10/2004)

    Para o Sr. Tonobohn, a maioria dos 157 mil veculos que usam diariamente o trecho tem origem e destino dentro da RMSP, utilizan-do-se do Rodoanel para escapar do pedgio da Castello Branco, j que por deciso do governador, no haver, ao menos por hora,

    14 SRIE DOCUMENTA 7: Seminrio Rodoanel e Ma-nanciais, Comit de Bacia Hidrogrfica do Alto Tiet. 2002.

  • estudo preliminar Rodoanel Mario Covas - Trecho Oeste 23

    pedgio no Rodoanel.

    O que se destaca aqui que, mais uma vez, a impreciso e as discrepncias dos nme-ros apresentados refletem sempre um mes-mo problema: a falta de um plano integrado e estratgico que trate do Rodoanel por uma abordagem sistmica, que envolva todas as condicionantes possveis, dentre as quais, evidentemente, a dos fluxos virios, que no pode ficar na dependncia de anlises conflitantes entre as diferentes esferas de governo.

    A.3. A respeito da simulao apresentada no documento Impactos econmicos e sociais da implantao do Rodoanel

    Comentou-se at aqui que o projeto do Rodoanel repousa no em um conjunto de justificativas explicativas de uma poltica de organizao e gesto do territrio, mas apenas em um pressuposto: o de que a obra ir melhorar a gesto logstica da RMSP, e assim aliviar os fluxos de trnsito intra-urbanos. Essa a resposta dada primeira grande questo aqui colocada, sobre se o Rodoanel ou no necessrio e se ele a melhor soluo.

    Desta forma, mesmo que a resposta no seja suficiente face a amplitude das questes que a obra envolve, parece que se considera respondida a primeira pergunta. Pela lgica da discusso pos facto das polticas pblicas implementadas mesmo sem a devida discusso, o debate que se trava atualmente na sociedade gira em torno da segunda questo: uma vez supostamente aceito que a obra necessria, cabe verificar se ela aceitvel, ou seja, se seus (supostos) benefcios para a logstica e o trnsito na RMSP so suficientemente importantes para se sobrepor aos impactos negativos. Como o prximo trecho especialmente afetado pela ocupao humana em reas de proteo ambiental, a discusso sobre os impactos da obra ganha uma nova dimenso, que no havia surgido com tanta

    nfase quando da construo do Trecho Oeste.

    Para responder questo sobre se o anel virio ir provocar impactos urbanos e ambientais por demais significativos, os proponentes do Rodoanel vm utilizando como um dos mais importantes elementos um nico estudo, denominado Impactos econmicos e sociais da implantao do Rodoanel (Anexo da AAE - FESPSP-FGV/LUME-FAUUSP/DERSA, 2004), reiteradamente apresentado populao e aos atores envolvidos no processo. E, desde j, vale destacar a sua concluso. Face segunda questo sobre se o Rodoanel vivel ou se ele teria impactos demais, o estudo categrico: o anel virio no ter nenhum impacto urbano significativo, alm do crescimento que a cidade j ostenta sem ele.

    A importncia dada a essa concluso, que do ponto de vista urbanstico parece uma aberrao, faz com que esta pesquisa tenha a obrigao de analisar o referido estudo mais a fundo. Quais foram os argumentos, a metodologia, os parmetros utilizados para responder que o Rodoanel no gera impactos urbanos? o que se tentar discutir neste tpico.

    O documento apresenta uma simulao para estimar o impacto do Trecho Sul do Rodoanel sobre a deciso de localizao das empresas e sobre o nmero de domiclios por classe de renda por Zona de trafego da RMSP. Trata-se de uma anlise prospectiva, uma simulao matemtica destinada a, como j foi dito, avaliar os impactos econmicos e sociais da implantao do Rodoanel no seu Trecho Sul. J foi comentado anteriormente que simulaes matemticas para anlises de tendncias urbansticas, muito em voga h algumas dcadas no meio acadmico do urbanismo, perderam um pouco de sua credibilidade, pelo fato de que modelos matemticos dificilmente conseguem trabalhar com a multiplicidade e imponderabilidade das

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    variveis que influenciam as dinmicas de produo e apropriao do espao urbano e regional. Mesmo assim, uma metodologia ainda recorrente nos meios acadmicos.

    O estudo, em que pese a seriedade de sua elaborao, limita-se a analisar uma nica varivel para simular os impactos econmicos e sociais do Rodoanel: a da influncia da melhoria de acessibilidade gerada pelo Rodoanel sobre a deciso de localizao de empresas e a atrao de domiclios residenciais. A simulao parte de uma hiptese bsica, de que uma melhor acessibilidade (no caso, gerada pelo Rodoanel) iria provocar um maior adensamento urbano, em funo da atrao de novas empresas que, por sua vez, aumentariam a oferta de emprego na regio, intensificando a ocupao. Esse o pressuposto que a simulao matemtica ir tentar desmentir. Assim explicada a hiptese em questo:

    Este parecer tcnico procurou estimar o impacto do Trecho Sul do Rodoanel sobre a atrao de empresas e famlias para a regio sul da RMSP. O modelo incorporou a influncia do sistema virio na deciso locacional a partir da matriz de tempos para a RMSP. (pg.40)15

    A princpio, parece uma premissa aceitvel, e at honesta, se partirmos do princpio que o estudo, encomendado pelo empreendedor, poderia comprovar uma hiptese a do aumento de empresas e do adensamento populacional que vai de encontro com os interesses de implantao da via, e portanto do prprio empreendedor. primeira vista, trata-se de uma atitude arriscada para o empreendedor, porm vlida como postura pblica, j que pode eventualmente colocar em xeque seus prprios objetivos. Como a matriz matemtica de simulao parece comprovar que, malgrado o pressuposto inicial, o Rodoanel no ir provocar, por si s, uma induo ocupao mais intensa do que a que a prpria dinmica

    de expanso da cidade j gera, o resultado foi comemorado pelo empreendedor, que compreensivelmente transformou o estudo, amplamente noticiado16, em uma das principais peas de justificao da obra.

    Tal concluso, entretanto, parece precipitada. No porque a simulao matemtica no esteja correta. Mas porque, em primeiro lugar, parte de premissas que no tm o alcance analtico urbanstico que se lhes quer dar, e em segundo lugar porque dada simulao uma capacidade de responder a questes urbanas que vo muito alm das possibilidades explicativas da questo urbana que a matriz matemtica oferece.

    No se pode, como vem sendo feito exaustivamente, dar a tal estudo matemtico a responsabilidade de explicar questes que a matriz no tem como responder. Como veremos a seguir, do ponto de vista urbanstico, reduzir uma anlise de impactos to variveis e complexos, como os econmicos e sociais sobre as dinmicas urbanas, nica questo da localizao de empresas e gerao de empregos certamente insuficiente para analisar as alteraes das dinmicas intra-urbanas na RMSP.

    A.3.1. Insignificncia previsvel dos impactos agregados na anlise intra-urbana da RMSP e significncia dos resultados da simulao instvel.

    Um primeiro aspecto a ser discutido sobre o estudo que ele parte de uma fundamentao conceitual tomada a priori como irrefutvel, uma aceitao aparentemente inquestionvel da teoria econmica a partir da qual toda a matriz matemtica ir se desenvolver:

    A teoria econmica prev que as empresas devem se localizar num local em que os custos de transporte vis a vis os custos da terra minimizem o seu custo total. Exatamente a

    15 Para aes do estudo, ver Impactos econmicos e sociais da implantao do Rodoanel (Anexo da AAE - FESPSP-FGV/LUME-FAUUSP/DERSA, 2004), na referida pgina.

    16 Ver, por exemplo, Rodoanel-Sul ter impacto Zero sobre economia local, diz estudo. Roney Domingos, Dirio do Grande ABC, 15/05/2005.

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    mesma lgica vale para os domiclios: custo da terra e dos transportes deve ser compensados de tal forma que o local seja atrativo para as famlias. A proposta deste estudo explorar este resultado bastante intuitivo para estimar como mudanas no sistema de transporte podem alterar a deciso locacional das empresas e das famlias. (pg. 03)

    A meno a uma teoria econmica nica j por si s incomum em uma abordagem acadmica, j que difcil, em um ambiente voltado justamente para a reflexo crtica e diversa, a possibilidade de um pensamento nico que possa abarcar, sob uma mesma denominao, todas as abordagens que existem sobre economia urbana.

    No caso, pretender que as decises de localizao de empresas s ocorram em funo da relao entre custos de transporte e preo fundirio, a tal ponto que tal princpio seja generalizado para constituir a matriz de anlise, ignorar uma enorme gama de outras condicionantes que tambm influenciam na deciso. Se a teoria proposta fosse verdadeira, poderia-se dizer ento que um terreno distante, em uma rea pouco valorizada, iria obrigatoriamente atrair um nmero significativo de empresas at, pressupe-se pela lgica econmica, que tal movimento acabasse por alterar para cima o valor da terra em questo.

    Isso entretanto no ocorre, e no so poucos os exemplos nesse sentido. H certamente razes para isso que so explicveis no campo da prpria matriz matemtica17: Se a relao entre preo da terra e custo do transporte uma constante na lgica da teoria econmica proposta, a matriz matemtica no tem entretanto como incorporar outras variveis bem complexas que desestabilizam essa relao, geralmente em torno da difcil definio dos conceitos de preo da terra e custos de transporte. Por exemplo, a relao entre custo da terra e de transporte tratada, na

    teoria econmica acima exposta, pelo vis da nica regulao pelas dinmicas do mercado. Ocorre que na organizao do espao urbano, o Estado entra como um agente fundamental nessa regulao, o que altera completamente a dinmica de mercado. Em outras palavras, quem determina no s onde se d e como se d o transporte o Estado, como ele tambm que estabelece todas as leis de regulao urbanstica que influem diretamente no preo da terra e nos custos dos transportes: o zoneamento mais ou menos permissivo a um ou outro uso, as taxas de ocupao dos lotes, etc., so elementos que iro certamente influenciar nas decises de localizao, e que no so definidos pela simples relao constante entre custos da terra e custos dos transportes. Ou seja, furam a lgica do mercado, e portanto da prpria matriz. Assim ocorre tambm quanto ao que se entende por custo dos transportes: tal varivel no pode ser tomada como uma constante para sua relao com o preo da terra, para o conjunto de todas as empresas da cidade, j que o custo para uma sempre ser diferente do de outra. Indstrias tero diferente aproveitamento de determinada infra-estrutura de transporte que empresas de servios, por exemplo. Empresas com uma frota de caminhes assimilaro melhor o custo do transporte do que outra que no possua veculos, e assim por diante. Ou seja, no h como uma matriz matemtica responder s variveis estabelecidas pelo Estado nos processos urbanos, ou ainda s complexas variaes das condicionantes do preo, entre outras questes. nesse sentido que j foi dito aqui que seu uso vem perdendo fora como instrumento capaz de analisar, de forma supostamente homognea e generalizvel para toda a cidade, as dinmicas de produo do espao urbano.

    Mas alm da questo puramente matemtica, os exemplos trazidos pela observao emprica da realidade tambm contradizem a teoria econmica acima proposta. Os

    17 H elaboraes bastante sofisticadas de especialistas sobre a aplicabilidade dos modelos matemticos para a anlise urbana. Na FAUUSP, destaca-se, entre outras, a reflexo terica do Prof. Dr. Csaba Dek a esse respeito.

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    condomnios industriais recentemente inaugurados nas cercanias da RMSP, por exemplo, localizados nos grandes eixos rodovirios do Estado, a algumas dezenas de quilmetros da capital, em terrenos de valor comparativamente muito mais baixo, no geraram o sucesso comercial esperado. Simplesmente, as empresas no se interessaram pela oportunidade com a intensidade esperada, o que contradiz a teoria econmica aqui exposta.

    Durante a dcada de 70, alis, houve uma proliferao de distritos industriais criados nos municpios do interior do Estado de So Paulo, com terras de valor baixssimo, quando no ofertado gratuitamente, e geralmente conectados a grandes eixos rodovirios, como por exemplo a Via Dutra, e nem por isso deram certo, sendo comum alis tais reas ficarem abandonadas, sendo hoje objeto de novas polticas de induo ocupao.

    A prpria lgica da guerra fiscal, alis, contradiz a teoria econmica, ao propor incentivos e isenes que vo muito alm da simples questo do preo fundirio e sua relao com os transportes, embora tambm a englobe.

    Tais dinmicas ocorrem porque justamente as decises de localizao ocorrem em funo de fatores muito mais diversos e complexos do que o sugerido pela citada teoria econmica. Os problemas da chamada deseconomia urbana, por exemplo, gerados por questes como a violncia urbana ou simplesmente a falta de novas reas para expanso dada a densidade da ocupao urbana - independentemente do seu preo - tm sido fatores determinantes para a chamada desconcentrao industrial paulistana, e a ida de muitas industrias para as cidades da macro-metrpole paulista.

    H teorias econmicas alis, que no se alinham teoria econmica que sustenta a matriz aqui comentada. A Teoria das Firmas, do economista neoclssico britnico Robert

    Coase, por exemplo, defende que a deciso de localizao das firmas se d por uma equao entre o preo fundirio, sim, mas com a estrutura de oportunidades existente, que muito mais abrangente do que apenas a facilidade de transporte. Em linhas gerais, h uma infinidade de fatores a influenciar tal tipo de deciso: empresas multinacionais dependem de decises estratgicas de suas matrizes, de carter muitas vezes continental, enquanto que empresas familiares, to comuns no Brasil, s vezes tomam decises definidas por interesses locais muito subjetivos.

    Assim, deve ser ressaltado que a simulao proposta parte de um pressuposto frgil, baseado em uma nica interpretao do que seja a teoria econmica para explicar as dinmicas de localizao de empresas. S por isso j justificaria a necessidade de adoo de outros estudos que complementassem a anlise dos provveis impactos do Trecho Sul.

    Alm do questionamento sobre o embasamento conceitual que motiva a simulao, importante analisar tambm a consistncia de suas concluses, do ponto de vista da anlise urbanstica. A simulao conclui que os efeitos do Rodoanel sobre a localizao de empregos e de domiclios so desprezveis. Isso vale para um cenrio com apenas o Trecho Oeste, para outro com o Oeste e o Sul, e para um terceiro com todo o Rodoanel construdo. Conforme as tabelas conclusivas da simulao, em todas essas situaes, o fato mais relevante... que o efeito do Rodoanel sobre a deciso de localizao das famlias e empresas desprezvel para qualquer nvel de significncia (pg.20). Esse , vale notar, um pressuposto perigoso para uma obra de tamanho impacto ambiental, j que, na lgica de avaliao de impactos ambientais, se os impactos do Rodoanel so desprezveis na dinmica de expanso da mancha urbana, isso eliminaria de imediato a necessidade de medidas compensatrias e mitigatrias que

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    amenizassem tal prejuzo. Por isso, torna-se importante avaliar com mais cuidado at que ponto os impactos scio-econmicos e urbanos so desprezveis.

    Em primeiro lugar, importante observar que a simulao no analisa as variaes agregadas para toda a RMSP, pois isso foge a seu escopo de anlise, e tal valor de qualquer forma constante e dado pelo crescimento projetado total segundo os dados da SEADE. Assim, a matriz subdivide a RMSP em seis regies geogrficas, e o que ela analisa so as variaes que ocorrem na distribuio das empresas e domiclios dentro de cada uma das seis regies adotadas.

    A simulao conclui, portanto, que no h alteraes significativas resultantes do Rodoanel, segundo o modelo matemtico proposto, na distribuio das empresas e domiclios de cada uma das seis regies.

    Entretanto, para chegar a tal concluso, a simulao faz uma agregao dos dados em cada regio, o que significa dizer que ela trata dos resultados de cada uma das seis regies como um todo, sem deter-se nas eventuais variaes que possam ocorrer em escala menor, dentro de cada regio, analisada de forma desagregada.

    Dai resulta uma nova fragilidade, j que se as tabelas com os resultados agregados para cada regio no mostram alteraes, os mapas apresentados, muito bem elaborados, que diferenciam cada uma das Zonas OD dentro das regies, mostram variaes mais significativas dentro de cada rea agregada, o que o texto do documento trata com menor ateno.

    Se tomarmos um universo total de X pessoas para uma determinada regio, qualquer que sejam as alteraes, os deslocamentos, as transferncias de pessoas dentro dessa grande rea, a populao total no ir variar - ou muito pouco - alm do crescimento projetado, j que, dentro da regio, as variaes em cada Zona OD acabam

    compensando as variaes em outras. Por isso, a agregao dos valores tender sempre a mostrar impactos menores, como ocorre na anlise agregada por regio. Entretanto, essas alteraes, deslocamentos ou transferncias certamente geram fluxos mais significativos em reas desagregadas dentro dessas regies, e o que parece ocorrer segundo a observao dos mapas, nas Zonas OD internas cada regio.

    A prpria matriz aqui comentada aponta, alis, para essas alteraes nada insignificantes, apresentadas no estudo, em especial nos chamados cenrios instveis. A simulao procura de fato impor instabilidades ao modelo, o que significa test-lo caso as condies iniciais usadas para a matriz sofram alteraes, retirando-se as ponderaes feitas (pg.31), ou ainda caso pequenos coeficientes insignificantes individualmente tornem-se mais importantes quando somados, retirando-se neste caso tais coeficientes do clculo. Trata-se, como o prprio estudo indica, de uma metodologia de anlise honesta, pois tenta de alguma maneira quebrar a rigidez da frmula matemtica quanto s dinmicas urbanas, considerando o peso que podem ter elementos de instabilidade no tratados pela frmula inicial.

    O que se nota que quanto mais se retiram variveis, mais surgem instabilidades nessa escala intra-zonas OD. Ou seja, depreende-se que matrizes com uma nica varivel bsica tendem a ser mais instveis, o que pressupe que as agregaes devam ser feitas com muito mais cuidado, dando maior considerao aos clculos de situaes com menos variveis.

    Entretanto, a simulao, pelo contrrio, minimiza as simulaes com poucas variveis, no acreditando que desconsiderar as condies iniciais seja uma hiptese razovel (pg.31). Ao diminuir o nmero de variveis, o estudo busca apenas encontrar um teto para o impacto do Rodoanel. Embora acreditemos que os

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    impactos a influenciar a matriz so muito mais complexos e variados do que as simulaes de instabilidade propostas no estudo, como veremos adiante, ainda assim acreditamos que testar o teto do impacto, mesmo dentro dos limites dos parmetros da matriz, de absoluta relevncia, seno o dado mais importante do estudo matemtico, j que se trata justamente de um estudo de impactos. Ou seja, se o que se quer analisar um impacto negativo a partir de um estudo de simulao, parte-se do princpio que tal estudo deva considerar como referncia o pior impacto possvel, e no o menor. Nesse caso, a metodologia mais adequada para a anlise dos impactos seria exatamente a inversa, ou seja, partir da anlise das situaes instveis, e no dos dados agregados. E ao analisar os modelos instveis apresentados, percebe-se que os impactos do Rodoanel j no so mais to insignificantes como mostram as tabelas com agregao e sem instabilidade.

    Se nos mapas agregados as variaes de domiclios e de empresas invariavelmente beiram o Zero, j nos mapas das simulaes instveis algumas variaes so de 2,3 e at 5,9% (ver mapas s pgs. 36 e 39), o que no nada insignificante considerando-se as densidades populacionais da RMSP. importante observar que as reas mais atingidas nesses cenrios para pior so a Zona Leste e algumas reas especficas no entrono das represas, na Zona Sul. Em ambos os casos, uma situao preocupante, por tratar-se de regies com limitadssima capacidade de suporte a novas variaes populacionais.

    Note-se que, embora seja dada nfase, na imprensa, aos resultados insignificantes mostrados pela matriz matemtica sem instabilidade, o prprio estudo aponta para as alteraes que ocorrem nas simulaes instveis, em especial no que tange localizao de empresas e aumento de emprego (o estudo separa as duas variveis, de empregos e de domiclios o que, do

    ponto de vista urbanstico frgil, j que razovel supor que um aumento da oferta de empregos possa eventualmente gerar atrao de novos moradores, aumentando os domiclios):

    Quando observamos os resultados desagregados por zona OD nos mapas abaixo o primeiro aspecto que chama a ateno que as zonas potencialmente problemticas permanecem. Quer dizer, o entorno do cruzamento do Rodoanel com a Anchieta e Imigrantes certamente um ponto problemtico para o qual deve-se tomar bastante cuidado (pg.34).

    Segue o texto:

    A grande novidade que surge na simulao instvel (sem ponderao das variveis distributivas) Cocaia e sua vizinha Graja (em menor escala) ambas do lado interno do Rodoanel bem prximas a um brao da represa. Para interpretar este resultado devemos pensar sobre o que significa o possvel efeito bolha. O que pode ocorrer no equilbrio urbano que uma empresa se desloque para uma determinada regio...Isto significa que, se um processo deste tipo tomar corpo, h efetivamente um risco de um aumento significativo do emprego. Neste caso o movimento mais preocupante pois so zonas com um nmero considervel de empregos. Estamos falando de cerca de quatro mil empregos o que no desprezvel (pg.34).

    Temos ento que o prprio modelo de simulao matemtica aponta, em determinadas situaes, para impactos que vm sendo subestimados, mesmo dentro dos parmetros da matriz matemtica. Ou seja, mesmo dentro dos limites da matriz, problemas existem quanto aos impactos na dinmica de expanso da mancha urbana.

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    Eles foram chamados, como se v na citao acima, de bolhas. Bolhas do tipo no so nada desprezveis, ainda mais porque so criadas, segundo o modelo, pela mais banal das situaes, que o deslocamento de empresas. Mas comentaremos no final desta seo a seu respeito.

    interessante notar que alguns pesquisadores j apontaram para os possveis reflexos intra-urbanos gerados pelo Rodoanel, sem apoiar-se em anlises matemticas, mas no bom-senso das observaes urbansticas, como o caso de Barroso (2004), que realizou um levantamento da situao atual do entorno do Trecho Oeste do Rodoanel:

    A nova rodovia, ao satisfazer uma demanda crescente por novas acessibilidades e localizaes de diversos empreendimentos, afeta o arranjo intra-urbano, estimulando um uso e ocupao do solo no planejados em reas com um histrico problemtico do ponto de vista scio-ambiental. Assim, ao contrrio do senso comum fortemente influenciado pela propaganda oficial, o Trecho Oeste do Rodoanel projeta concretamente um cenrio intra-urbano preocupante pois no planejado para reas metropolitanas perifricas em conurbao. (Barroso, 2004: p. 6)

    A.3.2. A contradio entre acessibilidade geral na RMSP e restrio de acessos ao Rodoanel, na simulao matemtica.

    Alm dos aspectos acima comentados, tambm parece estranho o estudo matemtico partir de uma hiptese que parece contrapor-se principal argumentao a apoiar a construo do Trecho Sul: a de que esta ser uma via de Classe Zero, ou seja, com grandes restries de acessos alm dos entroncamentos com as grandes rodovias. Ora, se no h acessos, como possvel pressupor que o anel virio ir

    gerar a atrao de empresas e famlias para a regio Sul? Isto no significa aceitar implicitamente que o Rodoanel, mesmo com acessos restritos, capaz de provocar alteraes na acessibilidade que influenciam na localizao de empresas? Evidentemente, pode-se argumentar que a simulao trabalha com alteraes da acessibilidade em toda a RMSP, e no somente na rea de influncia imediata do Rodoanel, j que a obra ir, pelas previses da DERSA, alterar as condies de trfego de toda a regio metropolitana. Nesse sentido, o prprio texto da simulao confuso, pois a citao acima deixa bem claro: o parecer tcnico apresentado na simulao estima o impacto do Trecho Sul do Rodoanel sobre a atrao de empresas e famlias para a regio Sul da RMSP. Pelo menos nesta afirmao, no se trata de toda a RMSP, mas sim da regio Sul, sob influncia local do Rodoanel, corroborando o antagonismo aqui apontado, mesmo que se argumente que o estudo considera os deslocamentos gerais entre reas de toda a RMSP.

    razovel supor, do ponto de vista urbanstico, que se ocorrer um aumento da acessibilidade na rea prxima ao Rodoanel, ser por causa direta dele (com ou sem acessos), independentemente do fato dos deslocamentos de empresas serem interpretados, no estudo, no mbito de toda a RMSP. Se, na simulao, a empresa foi instalar-se em uma rea prxima ao Rodoanel, absolutamente aceitvel supor que ela tivesse tomado tal deciso porque a acessibilidade foi alterada em funo da nova via (com ou sem acessos restritos), o que consolida a contradio acima apontada. Essa impreciso sobre o limite geogrfico de analise das decises de localizao, se tomadas para toda a RMSP, ou somente no mbito local de influncia da via, torna-se evidente quando observada a forma de desagregao geogrfica do estudo ao definir quatro zonas Leste, Oeste, Norte e Sul que englobam a via com uma faixa de 5 a 10 km para cada lado. Estamos falando

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    de uma anlise espacial de mbito localizado ao entorno especfico do Rodoanel para cada um dos quatro setores selecionados, alm daquela, evidente, feita para toda a RMSP. E, nessa escala, tratar especificamente das alteraes de localizao em uma rea que engloba, por exemplo, na regio Sul, faixas para cada um dos lados do Trecho Sul do anel virio, aceitar o contrrio seria urbanisticamente incoerente que este tem influncia nas decises de localizao. Em outras palavras, fortalece-se a contradio de que a simulao parte de um pressuposto de aumento da acessibilidade tratando-o como um processo agregado a toda a RMSP, mas ao estudar reas desagregadas no entorno direto ao Rodoanel, aceita-se que podem existir dinmicas de re-localizao nessas reas de influncia direta, o que evidentemente ocorre por causa da nova acessibilidade do Rodoanel, contradizendo o pressuposto de que esta ser uma via de acesso restrito. Assim, o que se depreende que, mesmo restritos, os entroncamentos de acesso do Rodoanel tero uma influncia significativa nas quatro regies estudadas, o que alis reiteradamente aceito pela prpria DERSA.

    De fato, as prprias argumentaes do empreendedor da obra mostram que h mais confuso do que harmonia nas suas opinies sobre o fato do anel virio gerar ou no um aumento de acessibilidade, no obstante sua condio de restrio do acesso apenas aos grandes entroncamentos virios. O Secretrio-Adjunto dos Transportes do Estado de So Paulo, Paulo Tromboni, por exemplo, em debate no IAB18, afirmou que:

    O principal efeito do Rodoanel, se for bem-sucedida a sua implantao, valorizar a terra ao longo de seu traado, evidentemente com maior nfase aonde o acesso for possvel. Essa valorizao da terra tende a proteger o espao e reserv-lo para aplicaes mais nobres, com maior uso de capital.

    Est claro o fato de que o acesso o responsvel pela atrao de empreendimentos mais nobres em razo da valorizao fundiria decorrente da obra. Porm, o argumento de que tal valorizao se dar tambm ao longo de seu traado por sua vez conflitante com a afirmao da simulao de que a obra do Rodoanel, por si s, no ser capaz de alterar em nada (menos de 0,2%) a oferta de emprego (portanto, a atrao de empresas) para a sua regio de influncia (por exemplo, a regio Sul).

    Pode-se argumentar que a contradio aqui apontada no problema, pois trata-se apenas de uma matriz de simulao, cujo raciocnio metodolgico parte da pior das hipteses, a do acesso rodovia, mesmo que ele na realidade seja restrito. Ainda assim, h de se convir que tal metodologia cria certa confuso sobre o modelo: se para fazer uma simulao, porque no partir exatamente da realidade que se quer avaliar? Tal realidade seria a da restrio extremamente rgida de acesso. Porque fazer uma simulao que se baseia unicamente no pressuposto do aumento de acessibilidade regio?

    A.3.3. O pressuposto de que acessibilidade gera adensamento de empresas e de domiclios.

    Em segundo lugar, o pressuposto inicial de que maior acessibilidade gera atrao de empresas e aumento populacional no , do ponto de vista urbanstico, nem imutvel nem generalizvel. Portanto, no pode ser tomado como uma varivel generalizada para a simulao: se verdade que uma maior acessibilidade pode aumentar os processos de induo ocupao urbana, por atrair empresas e conseqentemente aumentar a oferta de emprego, no uma regra que isso ocorra sempre nas mesmas condies para o conjunto de uma rea to vasta e diversificada como 18 Realizado no dia 19 de

    outubro de 2004.

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    a RMSP. A associao acessibilidade x oferta de emprego nem sempre resulta em intensificao da ocupao, embora autores como Villaa, como ser comentado adiante, destaque que o fator de acessibilidade de fato um importante elemento de induo da atividade urbana. Tomemos, por exemplo, o caso do Centro de So Paulo: certamente a rea de maior acessibilidade da cidade, servida pelo metr e pelas principais vias concntricas avenidas 9 de julho, 23 de maio, Consolao, Tiradentes -, e tambm a regio com maior oferta de emprego. Entretanto, no s no apresenta um aumento populacional como, pelo contrrio, observa um decrscimo demogrfico nas ltimas dcadas.

    Outro exemplo se pode depreender do mapa de densidades urbanas apresentado na prpria Avaliao Ambiental Estratgica. Nele pode-se observar com clareza que as principais vias de fundo de vale da cidade, a comear pelas marginais, ou ainda rodovias importantes como a Dutra, apresentam justamente as menores taxas de densidade populacional, exatamente o contrrio do pressuposto do qual parte a simulao.

    O ponto de vista aqui defendido o de

    que o anel virio certamente gerar uma intensificao das dinmicas de ocupao urbana, embora a simulao matemtica proponha o contrrio, e isso ocorrer no em razo de algum pressuposto que vise generalizar os efeitos da acessibilidade sobre a ocupao urbana, mas porque as caractersticas prprias da regio por onde passa o Rodoanel levam a crer, do ponto de vista menos matemtico e mais sensitivo do urbanismo, que isso v ocorrer.

    O que se quer dizer que no possvel estabelecer uma matriz matemtica que parta da generalizao de um processo o de que maior acessibilidade gera maior ocupao tomado como nico e invarivel, para toda a cidade. A relao entre acessibilidade e ocupao urbana de fato existe, mas seus resultados so to variveis quanto existem situaes urbanas diferenciadas onde ela ocorre, e por isso ela no pode ser tomada como uma matriz de anlise imutvel. Os exemplos citados, de vias de fundo de vale intra-urbanas ou do Centro da cidade so completamente diferentes da problemtica observada na rea de implantao do Rodoanel. Neste caso, possvel sim prever que o Rodoanel favorea a induo

    Variao da densidade demogrfica 1991 - 2000Fonte: Avaliao Ambiental Estratgica. FESPSP/DERSA, 2004.

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    urbana, pela simples razo de que se trata de implantar uma importante infra-estrutura viria em reas absolutamente carentes desse tipo de equipamentos.

    As periferias de So Paulo sofrem pela histrica ausncia, descontinuidade e fragmentao das polticas de proviso de infra-estrutura urbana o que prprio da formao estrutural do nosso Estado de elite de tal forma que tais regies tm difcil acesso e so absolutamente desintegradas das reas mais centrais da cidade. Alm disso, concentram a populao mais pobre. Por isso, fica absolutamente evidente, do ponto de vista urbanstico, que a implantao de um equipamento do porte do Rodoanel s poder gerar uma saudvel reintegrao das reas perifricas beneficiadas pela obra estrutura urbana metropolitana, e por isso, alis, que os municpios afetados vm se mostrando to entusiastas em relao ao anel virio.

    Portanto, embora no Centro da cidade a grande acessibilidade e oferta de empregos no gerem atualmente adensamento urbano e que as vias de fundo de vale no tenham provocado, como mostra o mapa, maiores densidades populacionais, no caso do Rodoanel, servindo periferias pobres desprovidas de infra-estrutura, quase evidente, em um olhar menos matemtico e mais urbanstico, que isso ir ocorrer. Em outras palavras, se para adotar um pressuposto bsico para a simulao, que seja o de que obras de infra-estrutura viria em regies perifricas segregadas so, por natureza, intensificadoras da ocupao urbana. Ainda assim, como j dito inicialmente, como o estudo trata sempre dos mesmos totais populacionais e de empresas para uma projeo para 2010, possvel que mesmo com esse novo pressuposto mais real, as variaes agregadas analisadas para toda a RMSP ainda aparecessem como pouco significantes