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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA: MOVIMENTOS SOCIAIS, POLITICA E EDUCAÇÃO POPULAR GRUPO PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL, COMUNICAÇÃO E ARTE Labirinto de Gênero e Ambiente: diálogos com alguns jovens quilombolas da comunidade de Mata Cavalo ELIZETE GONÇALVES DOS SANTOS CUIABÁ-MT JUNHO, 2015 Mulheres quilombolas. Desenho: Elizete Santos, 2013.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LINHA DE PESQUISA: MOVIMENTOS SOCIAIS, POLITICA E EDUCAÇÃO POPULAR

GRUPO PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL, COMUNICAÇÃO E ARTE

Labirinto de Gênero e Ambiente: diálogos com alguns

jovens quilombolas da comunidade de Mata Cavalo

ELIZETE GONÇALVES DOS SANTOS

CUIABÁ-MT

JUNHO, 2015

Mulheres quilombolas.

Desenho: Elizete Santos, 2013.

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ELIZETE GONÇALVES DOS SANTOS

Labirinto de Gênero e Ambiente: diálogos com alguns

jovens quilombolas da comunidade de Mata Cavalo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso. Linha de Pesquisa: Movimentos Sociais, Política e Educação Popular. Como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Educação.

ORIENTADORA: Prof.ª Dr.ª REGINA APARECIDA DA SILVA COORIENTADORA: Prof.ª Dr.ª MICHÈLE SATO

CUIABÁ-MT JUNHO, 2015

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FICHA CATALOGRÁFICA Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.

G635l Gonçalves dos Santos, Elizete.

Labirinto de Gênero e Ambiente: diálogos com alguns jovens quilombolas da

comunidade de Mata Cavalo / Elizete Gonçalves dos Santos. -- 2015

120 f.: il.; 30 cm.

Orientadora: Regina Aparecida da Silva.

Co-orientadora: Michèle Tomoko Sato.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de

Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Cuiabá, 2015.

Inclui bibliografia.

1. Educação Ambiental. 2. Jovens Quilombolas. 3. Gênero. I. Título.

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a)

autor(a).

Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.

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DEDICATÓRIA

Aos jovens do Quilombo de Mata Cavalo pela oportunidade de conhecê-las/os, aprender e ensinar juntas/os. Pela alegria e coragem de contar suas histórias, sonhos e dificuldades e compartilhá-las comigo. A comunidade escolar da Escola Estadual Prof.ª Tereza Conceição Arruda.

Bonecas quilombolas Foto: Regina Silva, 2015.

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AGRADECIMENTOS

Começo por agradecer aos meus pais amados Terezinha e Gonçalo por ter

me auxiliado e apoiado em todo o meu processo de estudos e na vida. Pela

companhia, paciência e pelo apoio nas caminhadas que se fizeram na minha vida

até chegar aqui, sem o apoio, compreensão e auxilio dos meus pais, dificilmente

teria seguido e abraçado as oportunidades. A energia cósmica presente neste

“multiverso”, que eu acredito ser Deus, que nas horas mais incertas da vida, e

dolorosas senti uma força que não saberia dizer de onde veio.

As minhas queridas orientadoras Regina Silva e Michèle Sato pela grande

generosidade, paciência, ternura e partilha de aprendizagens que me

proporcionaram ensinamentos, crescimento, sou grata eternamente.

Agradeço aos professores Prof.ª Dr.ª Cândida Soares e Prof.º Dr.º Ronaldo

Senra, banca examinadora que com paciência e sensatez fizeram as correções e

intervenções que tornaram possível melhorar meu trabalho.

Aos professores do mestrado que nos instigaram a continuar, a rever nossos

projetos de pesquisas nos indicaram leituras, agradeço a partilha e o ensino.

Aos meus amigos que mesmo distantes nessa minha caminhada solitária e

labiríntica do mestrado, sempre estiveram por perto, cito estes por estarem mais

presentes na memória e na vida: Andreza, Geizibel, Inês, Amerino, Karine,

Rozangela, Fernanda, Romário, Ismael, Miriam. Aos meus colegas de mestrado que

me trouxeram inúmeras alegrias e momentos de reflexões e discussões nas aulas,

dentre os quais cito: Luzia, Flávia, Adriane, Rita, Marli, Jamil, Francisca, Anésio. E a

todos (as) aqueles (as) que de forma direta e indireta ao saberem que estava no

mestrado me desejaram boa caminhada.

Ao GPEA, agradeço pelas aprendizagens nas conversas, nos colóquios, nas

reflexões, nas indicações de leituras, fazer parte de um grupo de pesquisa tão

acolhedor, instigante foi uma honra. Assim agradeço os integrantes do GPEA, nos

nomes da Rosana, Gisely Gomes, Giseli Nora, Herman, Samuel, Ronaldo, Michele

Jaber, Edilaine, Rita, Ivan, Lushi, Lika, Imara, Júlio.

Ao meu irmão Cézar pela paciência em me ouvir falar da pesquisa e pelas

caronas. A minha querida Tia Ana Martinha, sempre com um sorriso nos lábios e

uma boa palavra para nos dar e a minha prima Evanilza pelos momentos de

descontração e conversas amigas.

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E não poderia deixar de agradecer imensamente a Luiza, a Marisa e a

professora Drª Márcia dos Santos do Programa de Pós-graduação em Educação,

pela acolhida, informações, atenção. Obrigada por tudo!

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq)

pela bolsa concedida para a pesquisa.

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RESUMO

As comunidades quilombolas no Brasil lutam até hoje pelo reconhecimento de

suas terras, culturas e pelo acesso a direitos básicos para a permanência de seus

povos e saberes. Com o aparato de políticas públicas – leis, programas e decretos –

a situação dessas comunidades tem melhorado, mas a luta persiste. Nossa

pesquisa buscou compreender a percepção de gênero e ambiente de sujeitos jovens

estudantes do ensino médio da Escola Estadual Professora Tereza Conceição de

Arruda, localizada na Comunidade Negra Rural do Quilombo de Mata Cavalo, no

município de Nossa Senhora do Livramento, Mato Grosso. No percurso, utilizamos

como método a abordagem qualitativa, tendo como metodologia o Estudo de Caso,

devido ao interesse no aprofundamento das especificidades das compreensões de

gênero e ambiente do grupo escolhido. Foram realizadas onze entrevistas com os

estudantes tanto do sexo feminino como do masculino. Além das entrevistas,

realizou-se uma oficina temática com bonecas de algumas etnias (Branca, Preta,

Amarela), com o objetivo de colher histórias, interpretações dos jovens a respeito

das relações pesquisadas. As mulheres da comunidade apresentam uma longa

trajetória de lutas pela posse definitiva da terra, pelo direito de viver sua cultura, por

construírem sua identidade. No entanto, os jovens participantes da pesquisa

demonstraram pouco envolvimento com a luta histórica da comunidade. Eles e elas

expressam conhecer o histórico dos embates, por meio de histórias contadas pelos

mais antigos da comunidade. O ambiente quilombola foi descrito pelas/os jovens

como o lugar da origem de suas famílias, espaço em que podem construir suas

identidades ligadas à matriz africana. Já acerca das relações de gênero na

comunidade, os jovens relatam papéis diferenciados e fixos para homens e

mulheres. Permanecem muitos estereótipos em relação às mulheres, como o seu

pertencimento ao espaço doméstico. Ao masculino, caberia, o espaço público. Tal

divisão provoca situações paradoxais dentro da comunidade, visto que, como já

mencionado em outras pesquisas, as mulheres tomaram a frente das lutas públicas

contra a expropriação de suas terras. Esperamos que essa pesquisa possa

colaborar para ampliar a visibilidade de tal grupo e traga reflexões que despertem o

compromisso à luta das/os jovens quilombolas de Mata Cavalo.

Palavras-chave: Educação Ambiental. Jovens Quilombolas. Gênero.

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ABSTRACT

Quilombo communities in Brazil are struggling today for the recognition of their

lands, cultures and access to basic rights for the permanence of their people and

knowledge. With the apparatus of public policy - laws, programs and decrees - the

situation of these communities has improved, but the struggle continues. Our

research aims to understand the perception of gender and young subjects

environment high school students of the State School Professor Teresa Conceição

de Arruda, located in Rural Black Community Forest of Mata Cavalo, in the

municipality of Nossa Senhora do Livramento, Mato Grosso. Along the way, we used

as a method the qualitative approach of the case study, due to the interest in

deepening the specifics of gender and environmental perceptions by the group

chosen. Eleven interviews with students both female and male were conducted.

Besides the interviews, there was a thematic workshop with dolls of some ethnic

groups (White, Black, Yellow), with the objective of collecting stories, interpretations

of the surveyed young people about socio-environmental relationships. Community

women have a long history of struggles for the final possession of the land, the right

to live their culture, and for building their identity. However, the young participants of

the survey have shown little involvement with the historical struggle of the

community. They know they express and the history of conflicts, through stories told

by older community. The environment of locality was described by the young people

as the place of origin of their families, space in which they can build their identities

linked to African origin. In relation to gender relations in the community, young people

report differentiated and fixed roles for men and women. Remain many stereotypes

about women, as they belong to the household. To the male, there is an entirely

public space. Such division causes paradoxical situations within the community,

since, as already mentioned in other studies, women took the lead of public struggles

against the expropriation of their lands. We hope this research can contribute to

increase the visibility of such a group and bring reflections that arouse the

commitment to the struggle of the Mata Cavalo youth.

Key words: Environmental Education. Quilombolas Young. Gender.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Área total da Comunidade Quilombola Mata Cavalo. ................................ 25

Figura 2: Placa de entrada do quilombo, indicando a sede da associação e a antiga

escola municipal São Benedito. ................................................................................ 31

Figura 3: Placa de inauguração da Escola de Mata Cavalo. .................................... 43

Figura 4: Máscara artesanal feita pelos estudantes da escola. ................................ 49

Figura 5: Retrato de Zumbi dos Palmares na Escola. .............................................. 49

Figura 6: Antiga Escola Municipal São Benedito. ..................................................... 51

Figura 7: A nova escola da Comunidade situada na região de Mata Cavalo de baixo.

.................................................................................................................................. 51

Figura 8: Convite para a 2ª Feira de Artes da Escola. ............................................. 52

Figura 9: Apresentação do grupo de dança afro da Escola na terceira Feira de

Artes, 2014. ............................................................................................................... 53

Figura 10: Vênus de Willendorf- boneca em pedra. ................................................. 92

Figura 11: Bonecas utilizadas na oficina na Escola E. Tereza Conceição Arruda. .. 93

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADCT Ato das disposições Constitucionais Transitórias

CF Constituição Federal

CJ Coletivo Jovem de Meio Ambiente

CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CNE Conferência Nacional de Educação

EA Educação Ambiental

FCP Fundação Cultural Palmares

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

GPEA Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte

MC Comunidade Quilombola de Mata Cavalo

REJUMA Rede de Juventude pelo Meio Ambiente e Sustentabilidade

UFMT Universidade Federal de Mato Grosso

RBJA Rede Brasileira de Justiça Ambiental

IE Instituto de Educação

SEDUC Secretaria de Estado de Educação

MT Mato Grosso

MEC Ministério da Educação

SEPPIR Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

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SUMÁRIO

Capítulo I a entrada no labirinto

1.1 BIOGRAFIA ECOLÓGICA: O FIO CONDUTOR DE UM MULTIVERSO .................................... 13

Capitulo II as paisagens do labirinto

2.1 HORIZONTES DO QUILOMBO ..................................................................................... 21

2.2 TERRAS DE GÊNERO ............................................................................................... 35

2.3 O RACISMO AMBIENTAL NO BOJO DE UMA EDUCAÇÃO AMBIENTAL HOLÍSTICA ................. 38

2.4 SEMENTES ALADAS DE APRENDIZAGENS: A EDUCAÇÃO QUILOMBOLA ........................... 42

Capitulo III a travessia pelo labirinto: percursos metodológicos

3.1 TRAVESSIAS DA PESQUISA: O NOVELO DE ARIADNE .................................................... 54

3.2 O CAMINHAR DA PESQUISA: PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................. 60

3.3 ENTREVISTAS COM OS JOVENS QUILOMBOLAS ........................................................... 62

3.4 RODAS DE CONVERSA SOBRE GÊNERO E AMBIENTE ................................................... 65

Capitulo IV a saída do labirinto

4.1 RESULTADOS E DISCUSSÕES ................................................................................... 69

4.2 GÊNERO E AMBIENTE NA PERCEPÇÃO DE ALGUNS JOVENS QUILOMBOLAS .................... 72

4.3 PERCEPÇÃO DO AMBIENTE: O QUILOMBO PELA PERCEPÇÃO JUVENIL ........................... 80

4.5 NARRATIVAS DOS JOVENS QUILOMBOLAS ATRAVÉS DAS BONECAS ............................... 85

4.6 CHUVA DE IDEIAS: O COMEÇO DAS HISTÓRIAS! ........................................................... 86

4.7 DIÁLOGOS DE GÊNERO E AMBIENTE: HISTÓRIAS REPRESENTADAS POR BONECAS .......... 91

Capitulo V nas metáforas do labirinto

5.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAMINHO LABIRÍNTICO ..................................................... 98

Referências ............................................................................................................ 102

Apêndice ................................................................................................................ 108

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CAPÍTULO I

A ENTRADA NO LABIRINTO

Artesanato quilombola-bonecas

Foto: Elizete Santos, 2014.

“Um texto é, assim, um ato corajoso de

quem se arrisca, e se arriscando, consegue recriar novos significados”.

Michèle Sato

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1.1 Biografia ecológica: o fio condutor de um multiverso

Quantas vezes na vida nos deparamos com labirintos? Momentos em que nos

encontramos em becos sem saídas, quando precisamos voltar a caminhos/lugares

até encontrar passagens. Escrevi esse primeiro capítulo na primeira pessoa do

singular1 na busca de relatar/registrar a minha travessia pela pesquisa no mestrado,

que se configurou em um labirinto de aprendizagens e de novas percepções. Muitas

vezes me perdi e pensando não haver saída, lembrava-me do fio de Ariadne (que

nessa travessia foi lançado pelas minhas orientadoras), buscava encontrá-lo e me

agarrava a ele, buscando voltar, escolher um novo caminho, para sair dos becos

sem saída.

O fio condutor da minha pesquisa se estabeleceu a partir do momento que

compreendi que a pesquisa não oferecia apenas um caminho, mas sim vários

rumos, aportes teóricos, metodologias, e era preciso afunilar, focalizar em uma

temática. E no fazer recortes, a Cartografia do Imaginário surge como o fio que

conduziu a pesquisa. Fui buscar inspiração no mito do Minotauro e o Labirinto, em

especial pela leitura do relatório “Cartografia do Imaginário” escrito por Sato (2011).

A cartografia do imaginário aborda os labirintos como possibilidades de reinvenções,

de enigmas a serem pensados, estudados.

Segundo uma das versões da mitologia grega, o labirinto do Minotauro foi

construído pelo arquiteto Dédalo, para o rei Minos da Ilha de Creta, o objetivo foi

aprisionar uma fera metade homem, metade touro. Mulheres e homens jovens eram

deixados no labirinto para servirem de comida ao Minotauro. Até que em umas das

guerras entre Atenas e Creta, Teseu filho do rei Egeu de Atenas, se ofereceu para ir

a Creta matar a fera, quando conhece Ariadne filha do rei Minos, e se apaixonam.

Ariadne constrói um novelo para Teseu pode entrar e sair do labirinto. Teseu usa o

novelo de Ariadne, salva os jovens e mata o Minotauro e sai vitorioso do labirinto

(SCHWAB, 1994).

O que me impressionou no mito do labirinto de Creta não foi o herói Teseu

que matou a fera, pois não pretendo ver, nesta pesquisa, heroísmos. A minha

identificação foi com os jovens que percorriam o labirinto e seu encontro com o

1Optou-se nesta dissertação por manter as duas formas linguísticas: 1ª pessoa do singular (eu) e 1ª

pessoa do plural (nós), justamente pela construção epistemológica da própria pesquisa, não tendo como desvincular a relação, do eu enquanto pesquisador e, do nós enquanto grupo pesquisador.

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Minotauro, que para mim representava os obstáculos que o labirinto da pesquisa me

apresentava. Os meus limites enquanto pesquisadora e os meus problemas

pessoais foram obstáculos que tornou a saída do labirinto (a finalização da pesquisa

do mestrado) ainda mais laborioso. Mas, para além da morte do Minotauro

(superação dos obstáculos), quero dar ênfase a minha aprendizagem ao percorrer o

labirinto e seus corredores (processos). O processo de ser/tornar-se pesquisadora

me ensinou muito e me transformou, essencialmente, enquanto pessoa.

Como ponto de partida, neste capítulo, busquei apresentar a minha biografia

ecológica (SATO, 2004). A autora nos provoca a refletir sobre nós mesmos,

apontando que a pesquisa “deve iniciar nesta reflexão pessoal, com a pergunta

quem sou eu?” (SATO, 2004a, p. 54).

O meu despertar pelas questões ambientais aconteceu quando tinha doze

anos de idade. Eu cursava a antiga sétima série do Ensino Fundamental, quando

participei de um projeto da Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e

Extensão Rural (EMPAER-MT) com as escolas públicas da cidade de Várzea

Grande em Mato Grosso, para tratar da Educação Ambiental na escola. Participei da

oficina sobre cidadania e meio ambiente, abordando as degradações ambientais na

cidade, a contaminação do rio, o lixo etc. O projeto tinha um concurso de redação e

os aprovados iriam realizar um passeio pelas margens do rio Cuiabá. Consegui ter a

redação aprovada e pude realizar o passeio pela beira do rio, me fascinou ver os

animais, as árvores e o rio Cuiabá com suas fortes correntezas.

Desde então, comecei a me interessar pela “natureza” e meu quintal de casa

foi meu laboratório, observava as borboletas, os pássaros e as plantas. Tinha a ideia

da natureza que deveria ser preservada como um “recurso natural”. Ao final do

terceiro ano do Ensino Médio, me decidi por fazer a faculdade de Ciências

Biológicas na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Muito mais por querer

conhecer e saber sobre o “mundo” natural, biológico, o corpo humano, os animais e

plantas e menos por ser professora de Biologia, no final do Ensino Médio não estava

mais encantada com a profissão de ser professora. Imaginava que a UFMT, por ser

uma universidade pública, me daria novos voos e eu poderia começar a

compreender o mundo para além do meu senso comum. De certa forma, a

universidade me proporcionou realmente novos voos, saberes, mas também

decepções e frustrações. Descobri os paradoxos da educação superior.

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Já no primeiro semestre da faculdade, tive uma roda de conversa com dois

pesquisadores do Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte

(GPEA) pude conhecer mais sobre a Educação Ambiental (EA), suas vertentes,

pesquisas e intervenções realizadas pelo GPEA. Neste mesmo ano, entrei no grupo

Coletivo Jovem de Meio Ambiente (CJ) da cidade de Cuiabá. O CJ de Cuiabá estava

ligado a vários outros CJ em outros estados brasileiros compondo a Rede de

Juventude pelo Meio Ambiente e Sustentabilidade (REJUMA). Na formação do

grupo, dúvidas nos rondavam sobre como trabalhar com a temática Juventude e

Meio Ambiente? O que faríamos? A partir das leituras de textos, artigos que eram

discutidos e estudados no grupo (tínhamos nossos colóquios de estudos) e,

principalmente, pela vivência dos trabalhos que o grupo realizava e o intercâmbio

que tínhamos com o GPEA, movimentos sociais e outros grupos de juventude fomos

constituindo o CJ em Cuiabá e colaborando com a construção de outros CJs pelo

estado de Mato Grosso.

Conjuntamente, essas vivências foram me propiciando a constituição de uma

Educadora ambiental, fui construindo (e reconstruindo) o meu olhar sobre o mundo,

a natureza, as pessoas e sobre mim, esse seria o início das minhas transformações

internas, que continuam até o último suspiro de vida.

Antes percebia a natureza como algo distanciado e como recurso, viver na

cidade nos oculta perceber que fazemos parte da natureza. A dicotomia que se cria

entre humanos e natureza advém das instâncias que o sistema econômico

capitalista – através de uma extrema racionalidade instrumental e predadora- nos

encarcera em um mundo cinza, consumista e racional.

Hoje consigo ter uma percepção diria holística da natureza, isto é, de que

todos nós humanos fazemos parte da natureza e a natureza faz parte de nós. Que

nem todos os humanos são responsáveis pela degradação que temos presenciado

da natureza e da própria cidade, como ambiente que está cravado na natureza. Que

dentre nós, humanos, as desigualdades não são apenas sociais e, também,

ambientais, pois vários grupos humanos marginalizados e invisíveis sofrem com a

degradação da natureza e são expostos a vulnerabilidades.

Grupos sociais estigmatizados perecem com problemas que afetam seu

ambiente, suas vidas, pois os problemas não se encontram paralisados e divididos,

mas sim conectados. Essas percepções e reflexões floresceram a partir da minha

entrada na faculdade de Biologia e em meu contato com o GPEA, o CJ e dentre

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outras vivências que proporcionaram tais reflexões e mudanças de atitudes e

pensamentos.

Ao começar a participar de alguns colóquios do GPEA, quando ainda estava

na graduação em Ciências Biológicas, pude entrar em contato com os projetos

realizados na Comunidade Quilombola de Mata Cavalo (MC). Encantou-me

conhecer um grupo de pesquisa que para além da pesquisa acadêmica (ou melhor,

junto com ela), traz a militância no bojo das suas atividades, reflexões que são

também uma forma de retorno social, em especial, aos grupos sociais

marginalizados, estigmatizados e invisíveis. A forma que o GPEA pesquisava,

produzia e militava me aproximou ao grupo, pois tinham ecos em minha concepção

de mundo e descobertas do mundo.

Entrei em contato com os materiais publicados pelo GPEA, como os

fascículos de EA, o Caderno Pedagógico “Comunidade Quilombola de Mata Cavalo”

e as dissertações de mestrado já produzidas pelo grupo pesquisador. As leituras

desses materiais me trouxeram encantos pelo Quilombo, pelas pessoas e pela

paisagem descrita. Só pude conhecer geofisicamente o quilombo agora na pesquisa

do mestrado (diria que, infelizmente). Mas, por conhecer a produção do GPEA,

quando fui à campo, já compreendia o quilombo como um lugar importante para a

construção de uma identidade afro-brasileira, o quilombo permite que tradições,

crenças, saberes de origem africana sejam transmitidos de geração a geração, com

orgulho e com respeito.

Em Mata Cavalo, mesmo com o passar do tempo, com as opressões que

sofreram e sofrem, com a negação dos direitos sociais, a comunidade se

reestabelece em táticas de luta e de resistência. Nos confrontos com os invasores

latifundiários, houve perdas em que foi necessária uma nova construção de pensar e

ser quilombola, mas preservaram muitas singularidades, especialmente, sua

identificação com a terra e com o território.

Conhecer Mata Cavalo me reconduziu a mim mesma. Nesse reencontro,

reconstruí minha identidade como mulher negra, afrodescendente, e me senti mais

estimulada a realizar a pesquisa na Comunidade Negra Rural de Mata Cavalo. Me

sentia estimulada a somar com as pesquisas já realizadas pelo GPEA e trazer

contribuições com o estudo das/os jovens quilombolas, na nova escola da

comunidade que tem o nome de uma grande líder, a Professora Tereza Conceição

de Arruda, que foi presidente da associação e a primeira professora da comunidade.

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Ao participar do Coletivo Jovem de Meio Ambiente (CJ), descobri que podia

aliar militância com estudo, que a causa ambiental não estava separada da social. E

que ser jovem mesmo com pouca experiência e saberes, não me impedia de lutar

por um planeta sustentável, como apresenta Sato (2008). No CJ, pude realizar uma

militância e uma formação política que me possibilitou engajamento e alguns

importantes saberes. Tinha a ideia que a Educação Ambiental trabalhava apenas ou

se limitava a abordar as questões da reciclagem, lixo e proteger os animais e a

natureza. Os colóquios que começamos a realizar no CJ por inspiração dos

colóquios do GPEA, tinham por objetivo dialogar sobre nossas certezas e incertezas

e agregar novos saberes e desconstruir pré-conceitos.

Pela minha militância no Movimento de Juventude e Meio Ambiente, já há

algum tempo, convivo e trabalho com a formação política de jovens pela educação

ambiental comprometida crítica e política. O CJ-Cuiabá, ao qual fiz parte por seis

anos, teve sua atuação ligada às questões socioambientais, presentes nas nossas

lutas, debates e estudos. Proporcionou-me o contato com outros grupos de

juventudes que não abordavam as questões ambientais, mas que tinham lutas e

organizações que geravam diálogos importantes ao nosso modo de atuação e

ampliação do grupo.

Silva (2013) em sua pesquisa de mestrado em Educação pesquisou sete

grupos juvenis de Mato Grosso e sua relação com a Educação Ambiental e o Meio

Ambiente. Foi uma das integrantes do CJ, e traz reflexões sobre como a EA ainda

não é compreendida e presente nos grupos juvenis estudados de Mato Grosso,

como parte das discussões sobre as questões ambientais.

Como já mencionei acima minhas experiências, militância nos movimentos

juvenis e o contato com o GPEA pelos projetos e colóquios em que abordaram o

quilombo de Mata Cavalo, juntamente com minha primeira ida à nova escola do

quilombo. Instigaram-me a pensar, escrever um projeto de pesquisa que abordasse

a questão ambiental e de gênero com os jovens quilombolas. Como as jovens

mulheres tomam parte nas questões socioambientais, assim me fez necessário

compreender as relações de gênero também na comunidade. Portanto, a pesquisa

teve por objetivo a compreensão da interface gênero e ambiente através da

percepção das jovens e dos jovens quilombolas educandos.

Os capítulos da dissertação são construídos pela metáfora do labirinto, a

introdução como a nossa entrada no labirinto, o início da caminhada pelos caminhos

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tortuosos e pelas aprendizagens e pela apresentação dos percursos a pesquisadora

tem realizado e a pesquisa.

As paisagens que vislumbramos no labirinto da pesquisa, que constitui as

contextualizações do quilombo de forma macro os quilombos reconhecidos pelo

país, as comunidades quilombolas no Estado de Mato Grosso até o micro a

comunidade quilombola de Mata Cavalo e suas especificidades.

Ao atravessar o labirinto e realizar as travessias, precisaríamos de algo que

nos orientasse como uma bússola que orienta um navegante pelos caminhos, o

novelo que orientou o percurso de Teseu dentro do labirinto. A nossa bússola e

novelo, a metodologia e os procedimentos metodológicos, possibilitou a construção

da pesquisa.

Na saída do labirinto, tendo feito os caminhos e o novelo nos levado a saída,

chegou-se o momento de compreender o fenômeno pesquisado com o auxílio das

teorias, das pesquisas anteriores. Exprimir as interpretações e dessas construir

diálogos com os saberes já existentes para a construção de novos saberes ou,

mesmo até, a visibilidade de saberes inferiorizados e oprimidos.

Na continuidade temos as considerações que fazemos dessa metáfora do

labirinto que foi a pesquisa no mestrado. As dificuldades enfrentadas, as

aprendizagens, as considerações de todo o processo.

No capítulo 1 - A entrada no labirinto: apresento a minha biografia

ecológica: o meu fio condutor dos multiversos do horizonte da pesquisa, do meu

processo de me compreender como pesquisadora, educadora ambiental e militante.

Nele, também é introduzido o objetivo da pesquisa e o meu interesse em estudar a

juventude de uma comunidade negra rural quilombola pela interface da Educação

ambiental com o Gênero através da percepção dos jovens quilombolas.

No capítulo 2 - As paisagens do labirinto: apresento as contextualizações

histórico-social da comunidade quilombola de Mata Cavalo, a entrelaçando com

contextos mais gerais de quilombos do Brasil e de Mato Grosso. Como as

comunidades quilombolas, apesar de suas diferenças, comungam de historicidades,

direitos e conflitos socioambientais. A compreensão de uma comunidade quilombola

advém de contextos diferenciados, que se unem a um contexto histórico-social

brasileiro entrelaçado com o período de escravidão e da diáspora dos africanos.

Portanto, compreender a contemporaneidade de uma comunidade quilombola nos

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coloca o desafio de buscar na historicidade os caminhos que possibilitaram a

construção de uma identidade quilombola em que o território é base fundamental.

No capítulo 3 - A travessia pelo labirinto: retrata as travessias e escolhas

metodológicas, o local da pesquisa, os sujeitos da pesquisa, os procedimentos

metodológicos, dentre eles, a realização de uma oficina temática com bonecas. Esse

capítulo revela como se deu a pesquisa (e suas surpresas) e como foi feita a coleta

dos “dados”.

No capítulo 4 - A saída do labirinto: apresenta a complexidade das

compreensões sobre as percepções de Gênero e Ambiente dos jovens quilombolas.

Os resultados apresentados partem da ideia de não temos por intenção solucionar

problemas, quantificar percepções, ideias. Mas sim a compreensão do fenômeno,

baseado nas interpretações da pesquisadora a base da luz de uma Educação

ambiental que se faz sensível, política e promotora de reflexões que nos auxiliem na

relação homem-mulher-natureza. Os jovens quilombolas de Mata Cavalo

demonstram pela pesquisa realizada que podem trazer contribuições tanto para as

reflexões como para as práticas socioambientais.

E no último, capítulo 5 - Na metáfora do labirinto, registro as reflexões que

o estudo suscitou na pesquisadora. A esperança da contribuição mesmo que

pequena a ciência, mas, em especial, nosso desejo que a pesquisa possa dar mais

visibilidade as questões quilombolas e aos jovens pelo viés do gênero e do

ambiente.

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CAPITULO II

AS PAISAGENS DO LABIRINTO

Escola Estadual Prof.ª Tereza Conceição Arruda

Foto: Elizete Santos, 2013.

“A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte

corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso:

para que eu não deixe de caminhar”. Eduardo Galeano

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2.1 Horizontes do quilombo

O conceito de quilombo no Brasil perpassa historicidades, lutas,

reconhecimentos, invisibilidades, discriminações e ambiguidades. Há comunidades

quilombolas tanto no campo como na cidade. Uma comunidade negra rural pode

não se atribuir uma identidade como quilombola. As ressemantizações que envolve

o conceito de quilombo vão desde o conceito colonial formulado pela coroa

portuguesa muito criticado atualmente pela superficialidade e pela forma simplista de

tratar as comunidades quilombolas, até o conceito histórico-político, sócio-

antropológico e das lutas que os quilombolas têm protagonizado.

Leite (2008) traz uma possível etimologia para a palavra quilombo, pois, não

há consenso entre alguns estudiosos em uma definição fechada para a palavra

quilombo. Leite (2008, p. 965) apresenta esta definição:

A palavra “quilombo”, que em sua etimologia bantu quer dizer acampamento guerreiro na floresta foi popularizada no Brasil pela administração colonial, em suas leis, relatórios, atos e decretos, para se referir às unidades de apoio mútuo criadas pelos rebeldes ao sistema escravista e às suas reações, organizações e lutas pelo fim da escravidão no País.

Assumimos neste trabalho pela particularidade da comunidade quilombola de

Mata Cavalo que tem uma formação de um grupo de pessoas afrodescendentes,

calcada no parentesco e na ancestralidade africana. O conceito de quilombo visto

pela ótica da construção de uma identidade associada a terra, o que constitui a

territorialidade. Gomes (2013) ao apresentar o direito dos quilombolas a terra, no

relatório sobre a Educação Escolar Quilombola nas diretrizes curriculares nacionais

da educação básica, nos interpela sobre a distinção entre terra e território, e

argumenta que tal distinção é essencial quando pensamos na questão quilombola.

Assim, nos traz Gomes (2013, p. 439) que:

O território diz respeito a um espaço vivido e de profundas significações para a existência e a sustentabilidade do grupo de parentes próximos e distantes que se reconhecem como um coletivo por terem vivido ali por gerações e gerações e por terem transformado o espaço em um lugar. Um lugar com um nome, uma referência forte no imaginário do grupo, construindo noções de pertencimento.

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As comunidades quilombolas ganham visibilidade com a Constituição Federal

(CF) de 1988 e o processo de redemocratização do Brasil. O movimento negro entra

em cena apoiando as comunidades rurais negras para o Estado Brasileiro

reconheça as Comunidades Quilombolas. No artigo 216 da CF, Inciso V. § 5º -

Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências

históricas dos antigos quilombos.

O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) – Art. 68 declara

que: aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando

suas terras é reconhecido a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhe os

títulos definitivos (BRASIL, 1988).

O ADCT 68 e a CF de 1988 vem reconhecer o direito das comunidades

negras rurais que se auto reconhecem como quilombolas a sua terra e ao seu

território. Sejam os remanescentes dos quilombos enquanto espaços de fuga sejam

os que receberam a terra por doações e/ou compra pelos próprios negros.

Atualmente já há leis, decretos, convenções que versam da garantia à posse

legal da terra aos quilombolas a começar como já descrito acima pelo art. 68 do Ato

das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988; a

convenção 169 da Organização Internacional do trabalho (1989), ratificada no Brasil

pelo decreto legislativo nº 143/2003 que reconhece o direito a terra as comunidades

tradicionais pela autodefinição e enfatiza a luta dos movimentos sociais de cunho

étnico; direito também evidenciado pelo decreto nº 6.040/2007 que institui a Política

nacional de desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais.

Desde 2004 com a criação do Programa Brasil Quilombola, as comunidades tiveram

políticas públicas especificas, com ações voltadas para a Educação, Saúde,

Saneamento Básico, Regularização Fundiária, geração de renda, etc.

O decreto federal 4.887/2003 traz uma importante contribuição para a

regularização das terras quilombolas. Pois, regulamenta os procedimentos como

identificação, reconhecimento, delimitação, certificação e titulação das terras

ocupadas por comunidades quilombolas, tais procedimentos são atribuições da

Fundação Cultural Palmares (FCP) e do Instituto Nacional de Colonização e

Reforma Agrária (INCRA). Há outras instituições governamentais envolvidas e

responsáveis pelo processo de reconhecimento e regularização fundiária das terras

quilombolas, tais como o Ministério Público, o Ministério da Justiça, o Ministério da

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Cultura e outros. Como discutido por Leite (2000, p.18), esses órgãos muitas das

vezes provocam conflitos e disputas por atribuição de competências na condução do

processo, o que traz mais morosidade. Fora o despreparo e falta de sensibilização

de muitos funcionários destes órgãos governamentais envolvidos, para a questão

quilombola.

Ao se tornarem sujeitos de direitos perante o Estado, através de lutas e

resistências por mais de cem anos, desde o fim da escravidão. As comunidades

quilombolas dispõem atualmente de um aparato de leis, decretos e políticas públicas

que os coloca em visibilidade e reconhecimento de seus direitos.

Como já anunciado a FCP tem por função segundo o próprio portal da

fundação: “formalizar a existência das comunidades quilombolas, assessorá-las

juridicamente e desenvolver projetos, programas e políticas públicas de acesso à

cidadania” (Adaptado de FCP, 2015).

A certificação de registro dos territórios quilombolas cabe a FCP, que

reconhece o território através de laudos antropológico-históricos que venham atestar

a herança africana da comunidade. Desde o decreto 4.887/2003 a FCP deixou de

realizar a titulação e regularização fundiária das terras quilombolas. Esta função

passa a ser exercida pelo INCRA desde então. No inciso 1 do artigo 3º do decreto,

declara-se que: “O INCRA deverá regulamentar os procedimentos administrativos

para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras

ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos” (BRASIL, 2003).

O INCRA “é o órgão responsável, na esfera federal, pela titulação dos

territórios quilombolas”. As etapas para a titulação de um território quilombola

passam pela demarcação da área que envolve a elaboração de um Relatório

Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), de uma portaria de reconhecimento

do território publicada pelo INCRA, que declara os limites do território quilombola.

Logo após um decreto de desapropriação por interesse social e ao final o título de

propriedade coletiva a comunidade.

O decreto 4.887/2003 definiu as comunidades remanescentes de quilombo

como “grupos étnico-raciais, segundo critérios de autodefinição, com trajetória

histórica própria, dotados de relações territoriais específicos, com presunção de

ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”

(BRASIL, 2003). Desta definição partiu outras definições como a da FCP (2015):

“Quilombolas são descendentes de africanos escravizados que mantêm tradições

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culturais, de subsistência e religiosas ao longo dos séculos”. Também o INCRA traz

uma definição para quilombolas:

As comunidades quilombolas são grupos étnicos – predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana –, que se autodefinem a partir das relações com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias.

As definições sobre o que é uma comunidade quilombola para o Estado,

representado por estes órgãos, tem aproximações, convergências, reconhecem a

ancestralidade africana, a autodefinição dos grupos, a tradição e práticas culturais

das comunidades, que servem de baliza para uma denominação quilombola. Ao

menos em tese, o Estado diz reconhecer tais elementos das comunidades

quilombolas. No entanto muitas denúncias de comunidades quilombolas,

pesquisadores de Universidades que pesquisam os quilombolas demonstram que a

morosidade dos processos advém também, de conflitos gerados pelo Estado ao não

reconhecer a autodenominação da comunidade como legitima por motivo de origens

diferentes da concepção cristalizada de quilombo (LEITE, 2000).

Mesmo depois de um aparato jurídico a “contemplar” a questão quilombola, a

garantia do direito a terra passa por variados processos demasiados extensos, tais

como: levantamento Histórico-antropológico, identificação, demarcação, certificação

e titulação da posse definitiva da terra. Um processo moroso que pode demorar

décadas, como pode verificar ao entrar no site do INCRA e comprovar o baixo

número de titulações já entregues.

Enquanto não há a “vontade política” para garantia dos direitos dos

quilombolas, os mesmos vêm enfrentando muitos conflitos com grupos de

latifundiários que lutam para expropriar suas terras, além de grileiros. A ausência e

negligência do Estado em relação aos direitos das comunidades negras vêm de uma

ótica colonial (pós-colonizadora) que leva setores da sociedade -a elite econômica- e

também setores do governo a negar os reais e legítimos direitos das comunidades

remanescentes. As comunidades negras desde a escravidão colonial enfrentam

muitos questionamentos sobre a legitimidade de conquistarem um lugar, um espaço

em que possam se organizar a partir de suas práticas culturais, valores, condições

(LEITE, 2000 ).

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A comunidade Negra Rural quilombola de Mata Cavalo, ainda vive tais

questionamentos de sua legitimidade perante os 11.722 hectares de área. Relatam

que a elite fundiária usou como argumento para a retirada dos quilombolas, injúrias

racistas e discriminatórias, na tentativa de comprovar a não utilização das terras,

que os quilombolas não tinham condições de desenvolver a agricultura, para além

de forjarem falsos documentos de posse das terras. Na década de 90 e início do

século XXI, os despejos violentos, as invasões de latifundiários expulsa muitas

famílias de Mata Cavalo, que vão parar nas periferias das cidades de Cuiabá e

Várzea Grande. Algumas famílias permaneceram a resistir as expulsões violentas, e

se uniram na luta por permanecer e trazer os parentes novamente as terras.

Formam a Associação Negra Rural Quilombo de Mata Cavalo, formada por seis

comunidades (Mata Cavalo de Cima, Mata Cavalo de Baixo, Ribeirão da Mutuca,

Ventura Capim Verde, Agassú e Fazenda Ourinhos).

Figura 1 Área total da Comunidade Quilombola Mata Cavalo.

Fonte: CENEC/SEPLAN-MT/Imagem GEOCOVER, 2000.

Até o período desta pesquisa, a comunidade de Mata Cavalo está na fase de

conseguir o título de posse coletiva expedida pelo INCRA. Ao analisar a lista das

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comunidades quilombolas reconhecidas e certificadas pela FCP, e com processo

aberto no INCRA pela titulação. A comunidade de Mata Cavalo é a que possui

processo mais avançado, esta titulada e certificada pela FCP (esta titulação da FCP,

não deu o título definitivo da posse da terra à comunidade, pois no ano de 2003, por

decreto, o INCRA passa a ser o órgão na esfera governamental a emitir título

definitivo).

A primeira definição de quilombos veio justamente do processo de

colonização e do processo do tráfico negreiro no Brasil. O rei de Portugal em

resposta ao conselho ultramarino (1740) declara: “Toda habitação de negros fugidos

que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos

levantados nem se achem pilões neles” (REIS, 1996). Em outros documentos

coloniais também podemos encontrar tal definição de quilombo.2

De acordo com Leite (2000), uma das autoras que debate a questão política e

a atualização dos quilombos, estes são dinâmicos, não estão cristalizados no tempo

e nem todos apresentam origem como lugar de fuga e resistência.

Os quilombolas continuam na luta pela permanência e direito a terra, por

direitos sociais que lhe garantam cidadania, respeito e dignidade. Na tentativa de

preservar sua cultura e identidade nas terras de seus antepassados.

Uma discussão contemporânea para os quilombos brasileiros se faz

necessária e autoras como Schmitt, Turatti e Carvalho (2002), Leite (2000), Castilho

(2011) e Gomes (2013) entre outros, trazem a necessidade e a importância da

atualização do conceito de quilombo. Para que possamos perceber o cotidiano das

comunidades quilombolas pelas suas especificidades culturais, sociais, dinâmicas e

sua contemporaneidade. Ultrapassando o conceito colonial (Quilombos como lugar

de fuga e resistência de escravos), ainda em voga.

Assim, como diz Gomes (2013, p. 432) como relatora das diretrizes

curriculares nacionais para a Educação Escolar Quilombola, a respeito da

contemporaneidade das comunidades quilombolas:

[...] localizando-as como celeiros de uma tradição cultural de valorização dos antepassados calcada numa história identitária comum, com normas de pertencimento e consciência de luta pelos

2 Leite (2000, p.4) traz em nota de rodapé algumas leis provinciais que mencionam o conceito

colonial, como a Lei Provincial nº 157 de 9 de agosto de 1848, do Estado do Rio Grande do Sul.

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territórios que habitam e usufruem; daí a referência a “quilombos contemporâneos”.

Para Leite (2000), o conceito de quilombo no Brasil é uma construção sócio

antropológico que teoriza e formula políticas na defesa desse grupo social, que se

reconhece como tal por meio de autoatribuição. Que se baseiam em uma cultura

afro-referenciada e lutam por agregar no território uma identidade negra que faça a

ligação com a África ancestral.

O quilombo é um dos lugares reveladores de práticas e reconstruções de uma

ancestralidade africana, de festas, de religião, de cultura, de educação, etc. Para

além de espaços de fuga e resistência ao sistema escravista que também se

configuraram em algumas comunidades negras, são territórios de práticas,

reconstruções e resiliências da cultura afro-brasileira, que agregaram elementos

culturais ao Brasil.

De certa forma, o quilombo ainda continua a ser espaço de resistências e

lutas, já que muitos quilombos no Brasil (a maioria), ainda não conseguiram a

titulação para a posse efetiva da terra.

Muitas comunidades quilombolas sofreram e sofrem com violências e

agressões como: despejos, mortes, negligência do Estado em relação a direitos

básicos, relatados pelas próprias comunidades a pesquisadores, e ao Estado.

Segundo Simione (2008) e Manfrinate (2011) nas suas idas a campo para

Mata Cavalo em suas pesquisas, relatam os despejos, a violência física e

psicológica procedente dos funcionários dos latifundiários, em especial a localidade

de Mata Cavalo de Baixo e de Cima. Há uma desconfiança de muitos setores da

sociedade se são realmente merecedores do título de suas terras, visão está

embasada em um racismo estrutural e institucional.

As marcas da violência, do racismo ocasionaram injustiças socioambientais

que colocaram as comunidades quilombolas em situações de vulnerabilidade e,

negação de direitos. Com o artigo 68 da CF/88, ao mesmo tempo em que trouxe

visibilidade a luta quilombola, trouxe também novos problemas as comunidades. As

comunidades negras, sejam rurais ou urbanas que não tiveram origem como

quilombo de fuga e resistência, enfrentam dificuldades para o reconhecimento como

quilombolas e pela posse coletiva e definitiva da Terra perante aos órgãos

governamentais.

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Essa visão ainda recorrente sobre as comunidades quilombolas de cunho

colonial que as paralisam no tempo e no espaço, reforçam os obstáculos que

impedem a titulação da terra e acesso aos direitos.

Atualmente, estima-se que existam mais de 3.000 comunidades quilombolas

no Brasil, a maior parte rural com algumas comunidades urbanas, segundo dados do

INCRA e da FCP. Segundo dados da FCP (2015), o estado de Mato Grosso possui

68 comunidades quilombolas já certificadas e 70 reconhecidas até o momento.

Dentre estas comunidades do estado, de acordo com a lista de 2003 da FCP (até

agora não lançaram outra lista oficial no site da FCP), Mata Cavalo é a única

comunidade quilombola do estado certificada e titulada desde o ano 2000 até o

momento.

Mato Grosso não foi diferente de outros estados brasileiros, também utilizou

mão de obra escrava negra, tanto para a agricultura como para a mineração entre

outros trabalhos. Pelo mapeamento dos grupos sociais realizado por Silva (2011), no

estado de Mato Grosso, como pesquisa do seu doutorado, há 69 comunidades

quilombolas no Estado, distribuídas em dez municípios mato-grossenses. A

pesquisa ocorreu através de seminários com a presença dos grupos sociais

diversos, o que demonstra que antes mesmo da FCP reconhecer que Mato Grosso

tem setenta comunidades quilombolas no ano de 2015, estas já se autodeclaram

desde 2011.

A autora ressalta que a atual situação das comunidades quilombolas em

Mato Grosso continua secularmente marginalizada, quando se observa e comprova

a falta de titulação efetiva das terras quilombolas no Estado, e a inexistência e

precariedade do acesso à educação, saúde e direitos básicos. Ademais, há muitos

conflitos socioambientais acarretados por essa negligência do Estado, que acirra as

disputas pelo território e a negação de direitos dos quilombolas. Dentre os conflitos

socioambientais está a escassez de água, a maior parte da comunidade sobrevive

de um poço artesiano situado na associação de Mata Cavalo de Baixo.

A comunidade negra rural quilombola de Mata Cavalo está localizada no

municipio de Nossa Senhora do Livramento, em Mato Grosso, às margens da

rodovia MT060, distante a 60 km da capital Cuiabá. Essas terras foram adquiridas

pelos quilombolas por meio da doação da senhora Ana Silva Tavares, que deixa em

1883 em testamento lavrado em cartório na cidade de Nossa Senhora do

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Livramento, partes das terras da sesmaria Boa Vida aos seus escravos e ex-

escravos.

Para além da doação, parte da ampliação da Sesmaria Boa Vida Mata

Cavalo, se deu por compra de terras pelos ex-cativos e seus descendentes no

século XIX e XX. Com o fim da escravidão em 1888, negros (as) livres também

chegaram a Mata Cavalo com o intuito de moradia e vida nova (BARROS, 2007).

Assim, há uma complexidade dentro do complexo quilombola de Mata Cavalo em

relação à posse da terra, como exemplo as terras do Ribeirão do Mutuca que foram

compradas por um ex-escravizado e passada a seus descendentes (BARCELOS,

2010).

Essas informações foram relatadas também pela Sra. Gonçalina Almeida,

professora, diretora da Escola atualmente, neta de Dona Tereza e uma das

principais lideranças da comunidade. Conforme depoimentos, a expulsão dos negros

(as) de Mata Cavalo, ocorreram entre 1943 e 1944, anos do Estado Novo (1937-

1945) do governo de Getúlio Vargas. Neste periodo estava em implementação o

projeto Marcha para o oeste do governo Vargas, que teve como objetivo a

implementação de politicas destinadas a vencer o dito “vazio territorial” do país e a

pouca interação urbana, incentivando a ocupação do centro oeste brasileiro

(OLIVEIRA, 2012).

Nessa época, as terras dos quilombolas de Mata Cavalo são invadidas por

grileiros, grandes fazendeiros da redondeza, que agem com violência, autoritarismo,

contratam capatazes armados para aterrorizar os moradores. Muitas das familias

quilombolas acabam mudando-se para bairros perifericos das cidades de Cuiabá e

Várzea Grande; como também para Poconé e Nossa Senhora do Livramento

(CASTILHO, 2011).

O retorno se dá aos poucos a partir da redemocratização do país a partir de

1986 e com a promulgação da Constituição Federal em 1988. Quando o ADCT da

CF com o artigo 68 traz a tona os direitos a terra pelas comunidades remanescentes

de quilombo. Nesse momento, os enfrentamentos com os fazendeiros que

ocupavam as terras do quilombo se acirram.

Na memória coletiva dos quilombolas de Mata Cavalo estão presentes os

despejos, as mortes, a contaminação dos poços de água, a derrubada das casas, a

violência que os capatazes infligiam aos homens. Assim, sugerm as táticas das

mulheres quilombolas de se colocarem a frente das brigas para protegerem seus

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maridos e filhos. Desde os mais velhos até os mais novos na comunidade, trazem

na memória essas narrativas dos tempos sombrios de despejos e violências por

parte dos fazendeiros (CASTILHO, 2011).

O quilombo de Mata Cavalo é dividido em seis associações rurais distintas

matriculadas em cartório: Mata Cavalo de Cima; Ponte da Estiva; Ventura Capim

Verde; Ribeirão do Mutuca; Aguassú e Mata Cavalo de Baixo. As seis associações

formam o complexo Sesmaria Boa Vida Quilombo de Mata Cavalo. Segundo

Castilho (2011) a formação das associações se deu pela necessidade advinda pela

reivindicação pelo direito a terra, para receberem a posse coletiva das terras era

necessária uma instituição com caráter jurídico dentro da comunidade.

Grande parte dos danos ecológicos existente na área da antiga terra de

sesmaria foi causada pelos fazendeiros da localidade (SATO, 2008). A região está

localizada no Cerrado e sofre com as queimadas, a escassez de água, a pecuária e

o garimpo. O quilombo encontra-se rodeado por fazendas de agropecuária e pela

extração de minérios (Garimpos). Os quilombolas de Mata Cavalo vivem da

agricultura de subsistência, como plantio de mandioca, banana, arroz e criação de

porcos, galinhas, etc.

Bandeira (2005) supõe que depois da libertação dos escravos, Mata Cavalo

torna-se um lugar atrativo para os recém-libertos, o que aumenta o contingente de

pessoas negras na região. Desde o início do entrave com os “ditos” herdeiros da

terra, familiares da senhora Ana Silva Tavares, a luta pela posse e o reconhecimento

das terras aos negros e negras de Mata Cavalo se inicia e intensifica com períodos

de violências, agressões e despejos.

A comunidade quilombola de Mata Cavalo apresenta conflitos

socioambientais que envolvem a disputa pela terra com grandes fazendeiros

(invasores), em que muitas vezes estes provocaram despejos de famílias

quilombolas que foram coagidas a deixarem suas casas e terras. Manfrinate (2011)

relata que a comunidade sofreu a coação dos fazendeiros desde que os quilombolas

de Mata Cavalo reivindicaram suas terras. Segundo Manfrinate (2011, p.33):

[...] sempre existiu forte contestação por parte dos fazendeiros da região em aceitar os descendentes quilombolas como os verdadeiros donos da terra e que, para espoliá-los, utilizaram-se de vários métodos como a violência e a intimidação usando até aparato policial para isso.

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Simione (2008), em sua dissertação desenvolvida no GPEA, relata que por

anos os quilombolas foram perseguidos, ameaçados, humilhados, presos e expulsos

de suas casas e sítios por fazendeiros que chegavam na região, e tinham o

interesse de expandir suas terras para agropecuária. A luta pela terra perpassa as

vidas de homens e mulheres que desejam ter acesso a direitos básicos sociais como

Educação, Saúde, Emprego, Lazer e um território onde possam construir suas

identidades e vivências.

A terra não é vista pelo valor de mercado, e sim como espaço de crescimento

humano, onde os valores culturais, simbólicos e a historicidade estão presentes na

terra, suas identidades têm raízes, em especial para os mais antigos que transmitem

as novas gerações o valor de pertencimento a terra quilombola.

Ao chegar próximo da comunidade quilombola na rodovia MT 060, se avistam

uma placa indicando o início da comunidade, que indica a sede da associação e a

antiga escola municipal São Benedito (já extinta). A ilustração com uma mão negra

aberta a dizer “Quilombo Mata Cavalo – força da terra” (Figura 01). Pode nos

demonstra a luta e resistência da comunidade quilombola, pelo seu território que os

dá a força para continuar resistindo.

Figura 2: Placa de entrada do quilombo, indicando a sede da associação e a antiga escola municipal São Benedito.

Foto: Elizete Santos. 2013.

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A comunidade rural negra que vive no Complexo Boa Vida Quilombo de Mata

Cavalo ao assumir-se como Quilombolas baseados nos conceitos de uma identidade

afro-referenciada ancestral, compreendem que tal ação os possibilita a ganhar

forças, a terem direitos reconhecidos, como a posse da terra. Essa identidade

construída na luta e na invisibilidade tem seus caminhos como ressalta Gomes

(2013, p. 437): “Podemos dizer que o lugar da luta por espaço, vida, ancestralidade,

memória, conhecimentos tradicionais, formas de cura e de cuidado faz parte do

processo de construção da identidade dos quilombolas”.

O GPEA-UFMT vem pesquisando a Comunidade Quilombola de Mata Cavalo

desde o ano de 2006, alguns pesquisadores do GPEA realizaram suas pesquisas de

mestrado na comunidade, como Simione (2008), Senra (2009), Machado (2010),

Manfrinate (2011), Oliveira (2011), Santana (2011) como também teses de

doutorado que expressaram a situação de Mata Cavalo como de Silva, R. (2011) e

Silva, M. (2012). Os pesquisadores Barcelos (2011) e Castilho (2011) também

ofereceram informações importantes sobre a comunidade, mas estes pertencem a

outros grupos de pesquisas.

Simione (2008) pesquisou a identidade territorial dos quilombolas de Mata

Cavalo, como o lugar de pertença, historicidade e lutas constituintes da identidade

da comunidade. Sua metodologia foi à etnografia no viés biorregionalista. Simione

(2008), ressalta que o modo de viver a vida tendo a terra como base, o linguajar, o

plantar, a colheita, as lutas que se configuram por obter o direito à terra, e a luta

pelos direitos sociais configuram uma identidade quilombola comunitária.

Senra (2009, p. 4) retratou em sua pesquisa a proposta da contrapedagogia

ambiental na comunidade quilombola:

[...] a pesquisa sustenta que as aprendizagens coletivas podem se tornar uma Contrapedagogia Ambiental, pois desmascara a hegemonia da proposta fixa, transmudando-se o direito de sonhar para que a Terra seja de todos, com inclusão social, diferenças culturais e proteção ambiental.

Sua metodologia foi fenomenologia e sociopoética, abordando na pesquisa o

viés do eu, outro e o mundo. O eu como sua identidade de pedagogo e educador

ambiental. O outro como a aprendizagem coletiva com a comunidade. E o mundo

como as educações em Mata Cavalo pelo contexto da justiça ambiental.

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Machado (2010) abordou em sua pesquisa os direitos humanos e o racismo

ambiental pelos matizes da EA na comunidade de Mata Cavalo. A comunidade

quilombola sofre com o racismo ambiental, que os acarreta discriminações de cunho

étnico-raciais que trazem implicações ao ambiente e a comunidade. Ao unir os

princípios de uma Educação Ambiental holística que trata das relações complexas

entre ser humano e ambiente com os direitos humanos, “tendo como subsidio as leis

que regem os direitos humanos na luta por justiça ambiental” (MACHADO, 2010, p.

8). Sua pesquisa teve como alicerce o estudo de caso, “o qual contextualiza a vida

real dentro dos fenômenos contemporâneos” (MACHADO, 2010, p. 8).

Manfrinate (2011) em sua pesquisa refletiu sobre as relações de gênero no

quilombo e suas relações com a EA. Por meio da metodologia da história oral ela

registrou a trajetória de vida e as histórias das mulheres quilombolas, em especial,

pela história de vida da presidente do quilombo a professora Tereza Conceição

Arruda. Demonstrou que na comunidade de Mata Cavalo as mulheres se colocam

na luta, tanto quanto os homens ou até mais empenhadas que eles. Pois no

quilombo há uma forte liderança feminina.

Oliveira (2011) estudou as manifestações musico-culturais como a dança do

congo na região do Mutuca, na comunidade de Mata Cavalo, na intenção de buscar

compreender a musicalidade da dança do congo, como também as expressões de

identidade, as relações socioambientais e educativas que se constroem pela

musicalidade. Segundo o autor, São Benedito é o elemento religioso na dança

tornando-se o fio condutor dos elementos identitários. Para compreender a relação

ambiental como elemento que perpassa as relações sociais que se encontram na

dança do congo, Oliveira (2011) argumentou que sua metodologia esteve calcada na

historiografia e etnografia, pois a dança do congo não se encontra fixa em um lugar

mais sim dispersa por todo o vale do rio Cuiabá.

Santana (2011) buscou compreender e identificar em sua pesquisa os mitos

sobre as serpentes na comunidade de Mata Cavalo fez o entrelaçar entre a EA e os

saberes locais e culturais. A EA segundo o autor faz a ponte dialógica do saber

popular com o saber cientifico, são os mitos trazendo os multiversos da comunidade

quilombola. Para tal objetivo utilizou do estudo caso pela abordagem qualitativa para

aprofundar a compreensão sobre as crenças da comunidade em relação ao

ambiente e as serpentes.

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Já Silva, R. (2011) na sua tese de doutorado ao pesquisar e realizar o

mapeamento dos grupos sociais do estado de Mato Grosso pela metodologia

inovadora do mapa social que abrangeu as autonarrativas dos grupos sociais.

Revela-nos as comunidades quilombolas existentes em Mato Grosso, suas

dificuldades advindas da invisibilidade perante o Estado e a sociedade, e as lutas

que o povo quilombola do estado tem travado pela posse definitiva da terra e pelo

reconhecimento, respeito ao modo de viver quilombola.

Jaber-Silva, M. (2012), no seu doutorado realizou o mapeamento dos conflitos

socioambientais dos grupos sociais do estado de Mato Grosso. Dentre as injustiças

ambientais que muitos grupos sociais mato-grossenses vivem, ela destacou os mais

apontados nos dois seminários realizados com grupos sociais do estado, em que

tais grupos através de autonarrativas apontaram os conflitos socioambientais que

enfrentam em suas respectivas regiões.

Outra pesquisa que nos trouxe informações importantes foi realizada por

Barcelos (2011), sua pesquisa realizada na comunidade de Mata Cavalo pelo

Mestrado em História da UFMT, faz um registro da historicidade da comunidade,

suas lutas, identidades. A partir da diáspora imposta pela escravidão aos africanos,

e o próprio processo de escravidão aos negros no Brasil, é discutido a construção

identitária ligada a terra e a memória que vem dos tempos da escravidão para poder

não apenas demonstrar os laços com a ancestral África, como também para a

garantia do direito à terra.

Em suas publicações, Castilho (2011) discutiu a questão do quilombo

contemporâneo pelo estudo das relações das famílias negras de Mata Cavalo com a

escola. Aborda os contextos sociais, culturais, históricos e educacionais para

entendermos a complexidade da comunidade quilombola, que se mostra dinâmica e

em movimento.

As pesquisas citadas acima referenciam a comunidade quilombola de Mata

Cavalo por diferentes prismas, ângulos e multirreferências3 o que nos possibilitou

percebemos a comunidade de forma complexa e dinâmica em suas diferentes

temporalidades e realidades. As teorias, as compreensões e resultados apresentado

por cada pesquisa tanto dos pesquisadores do GPEA e de outros grupos foram

3 São pesquisadores de várias áreas dos campos das ciências e da sociedade, interessados tanto no

social, econômico, sociológico, biológico, pedagógico, histórico, etc.

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muito importantes para nos auxiliar na compreensão da comunidade pela

historicidade, cultura, lutas, conflitos e sua gente.

2.2 Terras de Gênero

O campo de estudo Gênero, nasce com as lutas das mulheres por igualdade,

liberdade perante a opressão masculina do patriarcado. Para Louro (2013) que

assume o conceito de gênero ligado estritamente ao movimento feminista

contemporâneo, em que a palavra gênero assume sentido linguístico, político e

teórico. Para além da ligação estreita com o movimento feminista atual, Louro (2013)

nos indaga sobre a historicidade do conceito de gênero, que começa a ser utilizado

pelas feministas anglo-saxãs como oposição a diferença sexual do determinismo

biológico. No Brasil o termo “gênero” passará a ser utilizado e pensado no final dos

anos 80, quando se começa com mais contundência o processo de democratização

política do país (Louro, 2013).

As discussões no campo de estudos sobre gênero repercutem as

desigualdades sociais que são deliberadamente uma construção social e histórica

produzidas sobre as características biológicas. Assim, gênero pode ser

compreendido como o campo social e histórico de construções dos corpos

sexuados, não é uma questão negar a biologia, mas sim compreender as

representações sociais produzidas para as características biológicas.

Cada grupo social constrói e representa as características biológicas e lhe

atribui papéis sociais. Na comunidade quilombola de Mata Cavalo homens e

mulheres “adquirem” seus papéis sociais aos quais são reproduzidos e socializados

com as gerações mais novas.

As mulheres de Mata Cavalo têm papel considerável na luta pela terra, “[...]

elas formam a maioria das lideranças da comunidade” (CASTILHO, 2011, p.130).

Em certas fases da luta contra os fazendeiros nos despejos, as mulheres tomaram a

frente e também a liderança da comunidade. Esses registros são evidenciados na

história de vida da professora Tereza Conceição Arruda (MANFRINATE, 2011).

Segundo nos relata Castilho (2011, p. 130), a mulher no quilombo de Mata

Cavalo tem papel destacável, assume lideranças dos setores do Quilombo, vai para

a roça e ainda conduz a família. As mulheres quilombolas de Mata Cavalo, como

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mulheres negras se apoiam na terra e na memória ancestral para a construção de

suas identidades.

Manfrinate (2011, p.22) em sua dissertação de mestrado, nos relata que ao

entrevistar algumas mulheres de Mata Cavalo e questioná-las a respeito do poder

feminino na comunidade, elas respondem: “[...] o poder feminino no quilombo é o

que chamam de herança das antigas guerreiras africanas, que implica numa grande

força às suas descendentes, e a qual elas sabem fazer bom uso”.

Há poucos registros históricos sobre a participação das mulheres nos

quilombos. Segundo Schumaher e Brazil (2013), as mulheres quilombolas exerciam

diversas atividades. Desde a ligação da comunidade com as divindades espirituais

que fortaleciam a comunidade. Como também, assumiam a responsabilidade pelo

trabalho agrícola e pela preparação dos alimentos. Frequentemente exerciam as

funções de logísticas significativas no transporte de alimentos, pólvora e

armamentos.

Este trabalho de transporte de alimentos e também venda, deixou marcado

na história brasileira a figura da mulher negra quitandeira, que vendia frutas, flores,

entre outros produtos nas ruas das cidades. Em vários momentos estavam lado a

lado com os homens como guerreiras nos combates, nas lutas e nas resistências.

Uma grande personalidade feminina quilombola que se destaca na história de

Mato Grosso e do Brasil, é a rainha Teresa de Benguela, líder do quilombo Quariterê

localizado nas margens do rio Guaporé, ela contava com parlamento, conselheiros e

um sistema de defesa bem equipado. O quilombo do Quariterê durante duas

décadas existiu sob o seu comando, reunia negros e índios, e mantinha um sistema

bem elaborado de comércio com cidades e povoados próximos. Porém, não resistiu

as tropas de captura, sendo totalmente aniquilado em1770. Tereza ao perceber que

iria ser capturada comete suicídio, negros e índios que habitavam o quilombo são

presos (SCHUMAHER; BRAZIL, 2013).

A luta das mulheres negras quilombolas pós-escravidão continua, pelo direito

a terra, a cidadania, aos direitos básicos, ao reconhecimento de sua historicidade e

a construção de uma identidade de mulher negra quilombola. Lutas que trazem

dolorosas marcas do preconceito e discriminação racial no bojo. De acordo com

Carneiro (2003) as mulheres negras estão à margem dos direitos e da cidadania

reconhecida. Sofrem com discriminações sexistas e racistas que se complementam

e provocam isolamentos, submissões e também reações de resistência.

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O que precisamos tomar cuidado em relações as opressões que um grupo

social sofre é não os somar, pois se trata de relações de opressão que agem

simultaneamente (LOURO, 2013). As mulheres quilombolas além dessas ideologias

que as estigmatizam, sofrem também pela desapropriação de sua terra, seu território

que lhes é ainda negado.

Ser mulher jovem e quilombola traz uma especificidade, ainda não bem

reconhecida pelo Estado e pela sociedade ocidental. O que acarreta invisibilidade,

negligências em relação a direitos, necessidades, complexidades e realidades deste

grupo. As violências sofridas, muitas vezes, provocam sofrimentos e perdas que

podem chegar ao comprometimento da autoestima, crescimento pessoal e social. As

esferas de submissão e opressão se expressam em relações de poder e

desigualdades, como expressa Castro:

O racismo, o sexismo, o adultismo que temos em nós se manifesta de forma sutil, não é necessariamente intencional e percebido, mas dói, é sofrido por quem os recebe, então são violências. E marca de forma indelével as vítimas, que de alguma forma somos todos nós, mas sempre alguns, mais que os outros, como as mulheres os negros, os mais jovens e os mais pobres. (CASTRO, 2005, p.11).

As questões de gênero perpassam a feminilidade, as mulheres estão envoltas

em contradições e especificidades que muitas vezes não são discutidas e

apresentadas, a tratar das mulheres negras, mulheres indígenas, jovens mulheres e

as mulheres com relação homoafetiva. Carneiro (2003, p.3) destaca que:

Grupos de mulheres indígenas e grupos de mulheres negras, por exemplo, possuem demandas específicas que, essencialmente, não podem ser tratadas, exclusivamente, sob a rubrica da questão de gênero se esta não levar em conta as especificidades que definem o ser mulher neste e naquele caso.

Para Louro (2003), a situação das mulheres na sociedade ocidental começa a

mudar e a ser repensada pelas próprias mulheres (não todas) com a primeira onda

do feminismo no século XIX e início do século XX, denominado movimento

sufragista feminino, isto é, a luta pelo direito ao voto para as mulheres. No entanto, o

movimento sufragista feminino não abarcava a todas as mulheres, era composto por

mulheres brancas da classe média alta e elite, e os resultados não foram iguais para

todas as mulheres no mundo ocidental.

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Dentro do movimento feminista há já a segunda e terceira onda, alguns

autores defendem que esses processos estão estritamente ligados no mundo

ocidental com as mudanças advindas da modernidade, como a revolução industrial,

a luta pela libertação da mulher perante a dominação masculina, ao patriarcado, e

pela liberdade sexual. Dentro do movimento feminista e do movimento negro

também, surge novos movimentos e lutas como o Movimento Feminista Negro, que

traz as demandas, lutas e histórias das mulheres negras que se diferenciam das

mulheres brancas.

O movimento feminista negro traz dentro da proposta do feminismo outra

maneira de compreendermos as relações de poder, que se manifesta também entre

o grupo “mulheres”, de discutir uma universalidade não existente e nem uma

identidade una. Ao trazer a complexidade para dentro do feminismo, surge nos

estudos feministas o entrelaçamento entre raça e gênero. As mulheres negras se

apresentam como sujeito, e trazem lutas especificas ao feminismo.

Para Carneiro (2011, p. 7), ao trazer a necessidade de se enegrecer o

movimento feminista como tática de inserção nas discussões do movimento

feminista, aponta que:

[...] a luta das mulheres negras contra a opressão de gênero e de raça vem desenhando novos contornos para a ação política feminista e antirracista, enriquecendo tanto a discussão da questão racial, como a questão de gênero na sociedade brasileira.

As relações de gênero trazem no seu bojo inúmeras interfaces e inter-

relações com etnia/raça, sexualidade, faixa etária, classe o que nos coloca que

gênero abrange diversidades, que vão além do já conhecido dicotômico Mulher

versus Homem. Muitas das discussões de gênero partiram de necessidades e

olhares de mulheres brancas de classe média e heterossexuais, que assumiram um

cunho generalista no início do movimento feminista e até dias atuais ainda se faz

presente.

As mulheres negras, mulheres com relação homoafetiva ingressam nas

discussões de gênero a trazerem questões diversas que demonstram a diversidade

dentro do grupo social mulheres. Quando vamos pensar nas jovens mulheres negras

quilombolas elas também trazem suas especificidades, lutas e realidades.

2.3 O racismo ambiental no bojo de uma Educação ambiental holística

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A Educação Ambiental, para além de uma Educação para o Ambiente,

concebida muitas vezes como instrumento pedagógico ou instrumento para

implantação de políticas dos resíduos sólidos, na contemporaneidade configura-se

como um importante campo de estudos e pesquisas. Segundo Sauvé (2003) há

várias correntes da EA, “os diferentes autores adotam diferentes discursos sobre a

EA” (SAUVÉ, 2003, p. 19).

A EA traz no seu arcabouço conceitos e saberes como o de justiça ambiental,

racismo ambiental, conflitos socioambientais, que pode nos dar diretivas de como a

compreendemos, e nos posicionamos em uma EA política, critica e emancipatória. O

que podemos compreender é o vasto campo de saberes e fazeres que a EA

congrega, na formação de um campo epistemológico.

Para começarmos a dialogar sobre o racismo ambiental, tratar da justiça

ambiental e conflitos socioambientais tornam-se temas correlatos. Visto que, os

fatos e práticas que envolvem o Racismo Ambiental se desdobram nos conflitos

socioambientais e o apelo dos grupos marginalizados ecoa na busca por Justiça

Socioambiental, já que o social e ambiental não estão separados como acredita a

ciência positivista.

O termo Racismo Ambiental traz histórias de lutas, exclusão e degradação

socioambiental. Um caso já divulgado de racismo ambiental citado como exemplo se

dá por volta da década de 60 nos Estados Unidos. A população de um bairro do

estado da Carolina do Norte, a maioria dos habitantes negros e negras iniciou uma

manifestação contra a instalação de aterros de resíduos tóxicos na vizinhança. A

denúncia foi ampliada e descobriu-se que no sudeste do Estados Unidos haviam

mais aterros com resíduos tóxicos localizados em bairros habitados por negros, o

que denotou que os bairros com maioria étnica negra, eram alvos de degradação

ambiental por parte de empresas com consentimento do Estado (HERCULANO,

2006).

Então se pode definir racismo ambiental de acordo com Pacheco (2007, p.1)

como:

Chamamos de Racismo Ambiental às injustiças sociais e ambientais que recaem de forma implacável sobre etnias e populações mais vulneráveis. O Racismo Ambiental não se configura apenas através de ações que tenham uma intenção racista, mas, igualmente, através de ações que tenham impactos “raciais”, não obstante a intenção que lhes tenha dado origem.

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No Brasil a discussão sobre Racismo Ambiental tem gerado certos incômodos

e discussões em alguns grupos como no Movimento Negro, na esquerda Brasileira

de cunho marxista mais arraigado, que insiste na discussão de classes e opressões

baseadas no sistema capitalista global e ocidental, considerando o termo supérfluo.

No movimento negro, trazer a tônica do racismo ambiental, ainda parece uma forma

amenizadora das disputas raciais, da discriminação, tem causado estranhamentos

(PACHECO, 2008).

Contudo, temos tantas violências de cunho racial e ambiental juntos, a citar os

casos da expropriação de terras indígenas e quilombolas. Fica muito difícil se

esvaírem do termo e de não compreender a importância desse novo campo do

saber, porém, as agressões socioambientais no Brasil, começam com a chegada

dos portugueses e o extermínio de povos indígenas.

Jaber-Silva, M. (2012) ao mapear os conflitos socioambientais de Mato

Grosso, ressalta que os conflitos socioambientais surgem quando há disputa pelos

territórios. Apropriados por grupos que apresentam modos diferenciados de viver e

de se relacionar com o ambiente, em contraponto a grupos que são impulsionados a

ocupar/dominar o território visando apenas os benefícios econômicos.

Destes conflitos socioambientais entre grupos dominantes, com poder

econômico e, grupos expostos à vulnerabilidade, depreende o racismo ambiental. As

injustiças socioambientais, provenientes de embates entre esses grupos, geralmente

estão associados a grupos étnicos, que para além do quesito econômico, ainda tem

o racismo como marca de violência.

No estado de Mato Grosso Jaber-Silva, M. (2012) através de narrativas dos

sujeitos de pesquisa pertencentes a grupos sociais como indígenas, quilombolas,

ribeirinhos, pescadores entre outros, mapeia os principais conflitos socioambientais

do Estado. Através dessas narrativas foi possível conhecer as principais causas

propulsoras e consequências dos conflitos narrados pelos grupos sociais, muitos

deles a enfrentar conflitos expostos às agressões socioambientais. São citadas as

principais causas como: disputas por terra, disputas por água, desmatamento,

queimadas e usos abusivos de agrotóxicos.

A Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) congrega diversos

movimentos sociais e instituições como organizações não governamentais (ONGs),

grupos de pesquisas etc. O grupo de trabalho (GT) de combate ao Racismo

Ambiental surge dentro da rede no ano de 2005, tem por envolvimentos campanhas,

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denúncias e apoio a grupos atingidos. Ao redor da temática da justiça ambiental, se

possibilita manifestações conjuntas e práticas que venham de encontro as

denúncias das desigualdades socioambientais e da resistência, empreendidas tanto

por grupos privados como pelo Estado a populações indígenas, quilombolas, etc.

denominados de comunidades tradicionais expostas as vulnerabilidades.

A RBJA (2001) apresentou uma definição para Justiça Ambiental a partir de

encontros da rede, e discussões tanto presenciais como virtuais ao que chegou-se a

conceitos como desigualdade ambiental e racismo ambiental como interseccionados

com o conceito de justiça ambiental, visto que esta vem a denunciar os mecanismos

pelo qual sociedades com desigualdades sociais, econômicas, endereçam os danos

e degradação ambiental a grupos marginalizados como populações de baixa renda,

grupos étnicos-raciais, comunidades tradicionais que encontram-se em estado de

vulnerabilidade.

Acselrad (2005) 4 discute a justiça ambiental como propulsora de mudanças

sociais, em que grupos sociais marginalizados e vulneráveis perante os danos

ambientais, possam tomar ciência de tais danos, se organizarem para a luta,

resistência e a denúncia. Assim, nos alerta Acselrad (2005, p.43) “a desigualdade

ambiental é uma das expressões da desigualdade social que marca a história do

nosso país”.

A comunidade quilombola de Mata Cavalo relata danos ambientais em seu

território provocado pelo garimpo que existiu próximo a comunidade e que

contaminou córregos, rios. A invasão de plantas exóticas, como o capim plantado

pelos fazendeiros como pasto para o gado, que invade as terras quilombolas que

fica improdutiva para a agricultura de hortaliças, verduras e legumes, segundo

relatos da comunidade.

A escassez de água um problema que se torna mais intenso na comunidade

um problema que provoca disputas pela pouca água existente. Ainda mais a

omissão do Estado para com a comunidade em relação a direitos básicos como

saúde, educação, habitação etc.. A disputa pelo território com os latifundiários da

região, além das tensões e violências, provocou também impactos ambientais como

4 Novas articulações da Justiça Ambiental em artigo da revista Democracia Viva nº 27, 2005, do

Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE).

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o desmatamento das áreas para pasto dentro da comunidade pelos fazendeiros que

invadiam as terras quilombolas, assim como queimadas do pasto e do lixo.

Há um relato bem interessante de um quilombola de Mata Cavalo, no caderno

pedagógico “Mapeamento dos conflitos socioambientais de Mato Grosso: escala de

resistência e ritmos de esperança” do projeto de pesquisa “Mapeamento social das

identidades e territórios de Mato Grosso” desenvolvido pelo GPEA, escrito por Silva,

M.; Sato (2012, p.38) em que ele diz “todo ano é a mesma coisa, tem época do ano

que não durmo fazendo aceiro para que o fogo que vem da fazenda não entre

dentro da minha casa [...]”. A comunidade convive com os danos ambientais

provocados muitas vezes pelos fazendeiros, o que envolve o conflito pela posse da

terra.

A educação ambiental pode promover espaços e momentos para reflexões e

diálogos acerca dos danos ambientais que uma comunidade sofre. Assim a

importância da EA como promotora de reflexões, ações que venham provocar

mudanças tanto de concepções e atitudes, e o empoderamento político de uma

comunidade perante seus “detratores” assume um advento de possibilidades de

uma cidadania concreta.

2.4 Sementes aladas de aprendizagens: a educação quilombola

A educação escolar, pelas narrativas dos quilombolas, sempre foi algo

almejado pelos mesmos. Sonharam e lutaram por uma escola no próprio território do

quilombo. Que para além dos conteúdos curriculares tradicionais possa trazer as

especificidades da educação quilombola, da cultura e dos costumes da comunidade.

A nova escola da comunidade de Mata Cavalo foi inaugurada em junho de

2012 (Fig.2), recebeu o nome da primeira professora da comunidade Tereza

Conceição Arruda, que foi uma das lideranças femininas fortes na luta pela

regularização das terras da comunidade (CASTILHO, 2011; MANFRINATE, 2011).

A Escola Estadual Tereza Conceição Arruda abrange o ensino desde a

educação infantil, ensino fundamental até o ensino médio. Tem o currículo baseado

nas orientações curriculares para a Educação Escolar Quilombola, tanto a estadual

e a nacional, segundo nos relatou a diretora da escola, a professora Gonçalina Eva

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de Almeida em entrevista realizada em junho de 20135. A escola nova era muito

desejada pela comunidade em especial pela associação de Mata Cavalo de Baixo,

em que a antiga escola São Benedito (Municipal) se situava, era uma estrutura

improvisada, em que não oferecia aos alunos e professores condições de exercerem

suas atividades.

A escola é o espaço de construção de sociabilidades, saberes que muitas

vezes se prestam a dominação cultural, exclusão social, visto que a escola não é

algo a parte da sociedade. A escola quilombola de Mata Cavalo de acordo com

Castilho (2011) diferente das escolas urbanas demonstra-se ser um espaço da

extensão familiar dos estudantes, visto que, há parentesco entre estudantes,

professores e funcionários da escola. A própria comunidade, se faz presente na

escola, nas reuniões, em uma passada rápida pela escola para ver filhos, netos e

conhecidos.

Figura 3: Placa de inauguração da Escola de Mata Cavalo.

Foto: Elizete Santos, 2013.

Nas diretrizes curriculares nacionais da educação básica (2013), se define a

Educação Escolar Quilombola como aquela que:

5 Atualmente a Profa. Gonçalina Eva de Almeida assumiu a Superintendência de diversidades da

Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (SEDUC). A Profa. Eliane Arruda assumiu a direção da escola no ano de 2015.

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[...] desenvolvida em unidades educacionais inscritas em suas terras e cultura, requerendo pedagogia própria em respeito à especificidade étnico-cultural de cada comunidade e formação específica de seu quadro docente, observados os princípios constitucionais, a base nacional comum e os princípios que orientam a Educação Básica brasileira. Na estruturação e no funcionamento das escolas quilombolas, deve ser reconhecida e valorizada sua diversidade cultural. (BRASIL, 2013, p. 42).

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola,

começaram a ser pensada, discutida e construída a partir da Conferencia Nacional

de Educação (CNE) realizada em 2010 em Brasília pela demanda de movimentos

sociais e quilombolas. Movimentos sociais, como o Movimento Negro e o Movimento

quilombola, trouxeram à discussão da situação educacional nas comunidades

quilombolas, as precárias estruturas das escolas, a formação de professores que

respeitem e compreendam a especificidade cultural e educacional quilombola.

Assim, a necessidade de diretrizes curriculares que abordassem uma educação para

os quilombolas, a educação escolar quilombola passa a ser uma modalidade da

educação básica.

Em 2013, as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica foram

lançadas, com várias diretrizes especificas, como por exemplo, para a Educação de

Jovens e Adultos (EJA), Educação Técnica e Profissional, Educação do Campo, e

dentre estas e outras as diretrizes para a Educação Escolar Quilombola.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola,

tem por objetivo a garantia de uma educação que mantenha um dialogo com a

realidade sociocultural e politica das comunidades quilombolas, no respeito à

diversidade dos grupos. As diretrizes estabelecem à garantia da educação as

comunidades quilombolas a serem garantidas pelo Estado, reconhecendo os

quilombolas como sujeitos sociais, com especificidades educacionais.

Em Mato Grosso, a Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) no ano de

2012 pela Superintendência de Diversidades Educacionais, apresentou as

Orientações Curriculares para a Educação Escolar Quilombola. Ressaltando que “o

papel da Educação Escolar Quilombola é mediar o saber escolar com os saberes

locais, advindos da ancestralidade que formou a cultura do segmento negro na

África e no Brasil” (MATO GROSSO, 2012, p. 144).

A Orientação Curricular Estadual vem de encontro com as Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, ao reconhecer a

especificidade educacional das comunidades quilombolas. O estado de Mato Grosso

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possui seis Escolas Estaduais quilombolas (SEDUC, 2013). Contudo há uma

divergência com o Ministério da Educação que no site apresenta Mato Grosso com

apenas duas escolas quilombolas, por fonte do INEP no ano de 2007. As escolas

quilombolas mato-grossenses tem para além das Diretrizes Nacionais, as

Orientações Curriculares Estadual, ambas tentam dar suporte a pratica escolar de

uma Educação Quilombola.

A Educação Escolar Quilombola encontrada na Escola de Mata Cavalo

apresenta uma parte diversificada, que segundo as orientações curriculares é uma

“[...] parte diversificada no currículo das escolas quilombolas que se delineia a partir

das discussões em torno da realidade social e cultural das comunidades” (MATO

GROSSO, 2012, p.159).

Assim três disciplinas estão inseridas na área de Ciências e saberes

quilombolas tais são: Práticas em Cultura e Artesanato Quilombola; Prática em

Técnica Agrícola Quilombola e Prática em Tecnologia Social. Os estudantes não

deixam de aprender a áreas de conhecimento comuns (História, Matemática,

Português, Biologia, Física, Química, Geografia, Artes etc.), só tentam interligar

estes conhecimentos as práticas culturais de sua comunidade através das

disciplinas especificas. O que pode vim a significar um complemento ao currículo

quilombola a um currículo já estabelecido.

Na escola de Mata Cavalo estas disciplinas estão presentes e

correlacionadas com as disciplinas das áreas curriculares como Linguagens,

Ciências Humanas, Ciências da Natureza e Matemática. Pretende-se, como afirma

as orientações curriculares, “contribuir com ações significativas que contribuam em

práticas de cidadania na inferência da realidade local” (MATO GROSSO, 2012, p.

159).

As orientações curriculares para a educação escolar quilombola da SEDUC

(2012), traz diretrizes de como está organizada a educação quilombola no estado,

visto que, a especificidade também faz parte da Educação do campo. Segundo o

documento muitas comunidades quilombolas do estado, reivindicam o direito a

educação, o documento traz como exemplo a Comunidade de Mata Cavalo com

relatos de moradores:

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“Nós queremos que as crianças fiquem aqui na comunidade, que aprendam

nossa cultura”. (Dona Justina – Comunidade Ribeirão do Mutuca em Mata Cavalo) 6.

A educação se constitui como direito, e uma educação regional que abarque

a cultura local, as tradições da comunidade, seu ambiente e traga também a

possibilidade novos saberes é uma reivindicação da comunidade quilombola de

Mata Cavalo. Que aos poucos se consolida no sonho realizado na implantação da

Escola Estadual Tereza Conceição Arruda.

A escola também está nas disputas de poder internas da comunidade,

estudantes e alguns professores relataram que desde a construção da escola

Tereza Conceição Arruda, na região da associação de Mata Cavalo de baixo, os

alunos de uma outra associação do quilombo não se matricularam na escola. O que

tem gerado um número baixo de estudantes, ao se comparar com a capacidade total

da escola.

Na comunidade há outra escola a Rosa Domingas (o nome da escola é em

homenagem a umas das mulheres que também lutaram pelas terras, foi liderança da

comunidade Ribeirão do Mutuca), localizada na Comunidade Ribeirão do Mutuca.

Uma das associações de Mata Cavalo, que com a construção da nova escola em

Mata Cavalo de baixo, tornou-se sala anexa da Educação de Jovens e Adultos

(EJA).

O que gerou a insatisfação de moradores do Mutuca, que pretendiam ter a

escola Rosa Domingas ampliada e não apenas como sala anexa do EJA. Tal

situação provocou conflitos e divisões nas associações, segundo relatos de algumas

professoras da escola Tereza Conceição Arruda, a maior parte dos estudantes do

Ribeirão Mutuca não estuda na nova escola em Mata Cavalo de baixo por motivo

dos conflitos internos. Castilho (2011) ao pesquisar a situação escolar da

comunidade de Mata Cavalo, relata as divergências entre as associações do Mutuca

com a associação de Mata Cavalo de baixo em relação às escolas.

As divergências referentes às escolas começaram segundo relatos das

professoras de Mata Cavalo de baixo. Quando esta associação escreveu um projeto

a uma organização não governamental (ONG), para a construção de uma escola

com estrutura em Mata Cavalo de baixo, porém a escola foi construída na Mutuca,

ao qual acusam o presidente da associação de ter roubado os materiais e ter

6 Relato retirado das “Orientações Curriculares para a Educação Escolar Quilombola”. In: Orientações

Curriculares das diversidades educacionais da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso.

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construído a escola por lá. Assim, os alunos de Mata Cavalo de baixo não

estudavam na Mutuca por motivo de evitar atritos, e atualmente é o contrário os

alunos do Mutuca não estudam na escola de Mata Cavalo de baixo.

A escola é um espaço social de disputas de poder dentro da comunidade,

visto que há uma valorização positiva da escola como espaço de educação, de

formação e busca de saberes. O processo educativo escolarizado para os

quilombolas de Mata Cavalo constitui a possibilidade de ascensão social, de

poderem ser ouvidos e saírem da invisibilidade, intenção que pais, avós almejam

para seus filhos e netos, para que possam ter melhores condições de vida.

A escola estadual Tereza Conceição Arruda é uma grande vitória de toda a

comunidade quilombola de Mata Cavalo, que lutou e luta por uma educação que

respeite sua cultura, história e lutas. Uma escola que se “veste” de traços afro

referenciados, que não nega sua origem ancestral africana, e demonstra que ser

negra, negro quilombola é uma construção identitária que tem suas bases em uma

historicidade que remete lutas, exclusão, resistência, poderes, dores e alegrias.

A decoração da escola pelos professores e alunos tem como tema a cultura

quilombola, negra com máscaras artesanais (Fig. 3) a esboçar acredito máscaras

africanas confeccionadas por professores e estudantes. O quadro de Zumbi dos

Palmares no refeitório (Fig. 4), e ainda havia um altar todo decorado com rosas de

papel coloridas com o santo cultuado São Benedito. Esses traços remetem a

importância que a escola dá aos elementos culturais de uma cultura afro-

referenciada na ancestralidade africana. Constituindo e entrelaçando a cultura

quilombola, e vem a reforçar e valorar uma identidade quilombola, uma forma de

compartilhá-la com os jovens, aos quais são os responsáveis por manter viva, acesa

a cultura e identidade quilombola.

Zumbi do Palmares até hoje representa o herói negro que liderou os ex-

escravizados no quilombo do Palmares contra o sistema e a administração colonial.

Palmares resistiu à opressão colonial por quase um século. Zumbi tornou-se o

símbolo da liberdade, da luta guerreira e da resistência da população africana

escravizada no Brasil. Zumbi torna-se símbolo de resistência, herói negro que lutou

contra as injustiças do processo de escravidão. Pode se inferir que o retrato na

escola vem lembrar a todos e todas, que jamais podemos deixar de lutar contra a

injustiça que assola o povo negro quilombola.

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Figura 4: Máscara artesanal feita pelos estudantes da escola.

Foto: Elizete Santos, 2013.

Figura 5: Retrato de Zumbi dos Palmares na Escola.

Foto: Elizete Santos, 2013.

Manfrinate (2011) estudou as questões de gênero na comunidade, e realizou

sua pesquisa com a história de vida de Tereza Conceição Arruda que foi a

presidente da Associação Quilombola de Mata Cavalo e também a primeira

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professora da comunidade. Já falecida, nascida e criada em Mata Cavalo, esteve à

frente das lutas pelo reconhecimento da terra perante o governo, conduzia,

administrava a comunidade. Sua trajetória de vida pôde influenciar muitas das

mulheres quilombolas de Mata Cavalo na luta pelo direito territorial.

A professora Tereza se constitui como forte liderança feminina dentro da

comunidade. Ao qual teve apoio da maioria das mulheres que se uniram a

professora Tereza na luta, demonstrando toda a força feminina quilombola nas

agruras que passaram em especial com os momentos dos despejos e

enfrentamento com os funcionários mandados pelos fazendeiros tanto para intimidar

a comunidade como para agredir física e psicologicamente os quilombolas. Nesses

momentos Tereza como presidente da Associação tinha o legitimo poder de falar,

intervir, lutar por toda a comunidade, e muitas das mulheres a acompanhava e

apoiava (Manfrinate, 2011).

Manfrinate (2011), ao entrevistar a professora Tereza para a sua pesquisa de

mestrado em Educação, nos relata que a professora ao falar de si mesma, traz na

experiência da luta pelo território a constituição de sua identidade. Pelo relato dos

conflitos fundiário, e toda a sua luta, reafirma sua identidade como quilombola de

Mata Cavalo. Ao narrar sua vivencia desde que nasceu no quilombo e sua

permanência. A professora Tereza Conceição Arruda deixa um legado de lutas pela

posse das terras do quilombo, pelo direito a educação da comunidade. O que acaba

por influenciar muitas mulheres do quilombo, como sua neta Gonçalina Almeida, que

já foi presidente da associação, diretora da escola e atualmente superintendente da

diversidade na Secretaria de Estado de Educação.

O interessante foi observar que com o tempo de minhas idas e vindas da

Escola de Mata Cavalo, ao conversar com os estudantes, diretora, coordenadora

pedagógica, descobri o quanto elas/eles lutaram pela escola com tal estrutura, era

um sonho já antigo que foi concretizado. Em todas as conversas sobre a escola,

sempre vinha à história da antiga Escola São Benedito, estrutura precária, que não

cabia todos os alunos, eles ficavam misturados sem a distinção da série escolar,

quando chovia, a sala era alagada e as aulas adiadas. A Escola São Benedito não

apresentava infraestrutura, que possibilitasse a tranquilidade e um mínimo de

conforto para as aulas. Abaixo fotografia da antiga escola em Mata Cavalo de baixo

(Fig. 6):

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Figura 6: Antiga Escola Municipal São Benedito.

Foto: Regina Silva, 2008.

Figura 7: A nova escola da Comunidade situada na região de Mata Cavalo de baixo.

Foto: Elizete Santos. 2013

As estudantes evidenciam a infraestrutura da nova escola, com salas

confortáveis, com a divisão das séries, laboratório de informática, laboratório de

artesanato e quadra poliesportiva. A escola já promoveu três Feiras de Arte e

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Cultura (Figura 7), ao qual pude estar e participar em duas. Na feira há

apresentações de danças culturais, o grupo de dança da escola chama-se “hop

quilombola” é formada pelos alunos do Ensino Médio, que apresentam danças

ligadas a cultura afro-brasileira (Figura 8). Nas feiras há comidas típicas da região,

doces, artesanatos. A escola se prepara tanto para receber a comunidade local,

como outras escolas das cidades de Várzea Grande e Cuiabá, que vem em

caravanas para conhecer tanto a Escola quilombola, como os próprios quilombolas

de Mata Cavalo.

Figura 8: Convite para a 2ª Feira de Artes da Escola.

Foto: Elizete Santos, 2013.

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Figura 9: Apresentação do grupo de dança afro da Escola na terceira Feira de Artes, 2014.

Foto: Elizete Santos, 2014.

A escola de Mata Cavalo busca seguir as diretrizes curriculares nacionais e

as orientações curriculares estaduais para uma Educação Escolar Quilombola,

buscam um processo educativo multirreferenciado que realmente venha dialogar

com os saberes locais. As feiras demonstram de certa forma que, a articulação dos

saberes da comunidade quilombola presentes na escola, mesmo que se perceba

uma tentativa de sistematiza-los para poderem ser expressos com mais

credibilidade, dir-se-ia reformulados, recriados com mais leveza. Os espaços de

criação da cultura e arte quilombola promove intensa participação dos jovens, em

especial das jovens mulheres.

Os horizontes se apresentam diversos no quilombo de Mata Cavalo, a terra

de gênero, em que mulheres negras quilombolas se colocaram em uma luta por seu

território, pela justiça e direitos a educação, saúde, etc. O reconhecimento social

tanto por parte da sociedade como do Estado em garantir direitos que possibilitem a

re-existência e a permanência da comunidade no seu território. As sementes aladas

de aprendizagens que voam pelo território quilombola, unindo e dialogando com os

saberes tradicionais da comunidade com novos saberes, o fio tênue entre o saber

popular e o saber cientifico. A educação ambiental que possibilita compreendermos

como se dá a relação ambiente e gênero, pela percepção de jovens quilombolas.

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CAPITULO III

A TRAVESSIA PELO LABIRINTO: PERCURSOS METODOLÓGICOS

Símbolo da comunidade de Mata Cavalo.

Foto: Regina Silva. 2008

"Lutar pela igualdade sempre que as diferenças

nos discriminem; lutar pelas diferenças sempre que a igualdade nos descaracterize".

Boaventura de Souza Santos

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3.1 Travessias da pesquisa: o novelo de Ariadne

A metodologia é uma importante parte da pesquisa e precisamos traçar rumos

para que tenhamos condições de realizá-la. A pesquisa qualitativa se faz muito

presente na Educação e traz instrumentos metodológicos pertinentes que muitos

pesquisadores da área e de outras utilizam já há algum tempo. Optamos pela

abordagem qualitativa na pesquisa pois o interesse é compreender os fenômenos e

como se configuram nas práticas sociais, nas relações dos sujeitos sociais e as

percepções o mundo a sua volta (BOGDAN, BIKLEN, 1994). Alguns instrumentos

desta abordagem nos possibilitaram realizar a pesquisa como a observação

participante, as notas de campo, as fotografias, as entrevistas e a realização de uma

oficina.

A observação participante diferentemente da pesquisa participante é um

procedimento metodológico que viabiliza uma convivência parcial com o grupo e o

local a ser estudado, o pesquisador como observador está no campo, para observar

os fenômenos sociais. Enquanto que a pesquisa participante advém da convivência

cotidiana com o grupo, e em muitos casos trata-se de pessoa do grupo, integrante

ou que passa a conviver com o grupo de forma intensa e integral.

Não foi a intenção desta pesquisa, o convívio integral com a comunidade, e

sim a observação dos fenômenos sociais na escola quilombola. Todavia é preciso

explicitar que as observações feitas e anotadas como notas de campo da

pesquisadora, não podem ser consideradas neutras e imparciais. Por mais que

muitas vezes foi importante haver uma distância dos fatos que foram presenciados,

até nas entrevistas, em alguns momentos a expressão corporal e facial que fazemos

frente a uma narração, ideia, opinião expressada pelos entrevistados (as) que nos

causa surpresa e estranhamento é notada pelos entrevistados (as).

Como Tozoni-Reis (2009) ao discorrer sobre a observação de campo, discute

a impossibilidade de o pesquisador ser neutro e imparcial, pois ao fazer suas leituras

de uma realidade elas são influenciadas por suas referências históricas, sociais,

políticas e culturais.

Utilizei das notas de campo como um tipo de diário em que colocava as idas,

as observações, as impressões que tive da escola, dos professores, da relação

professor-estudante. Pois em alguns momentos acompanhei uma aula e outra, os

intervalos da aula, até uma conversa dos professores no intervalo na sala dos

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professores. Aproveitei para conversar com alguns professores e com a diretora

sobre a situação da posse legal da terra, da construção da escola e do ensino-

aprendizagem na escola. Todas as conversas, observações fui anotando, e já

pensando nas entrevistas para realizar com os estudantes, qual turma escolher, que

professor poderia colaborar como pessoa chave, para ceder espaço para eu

conversar com as e os estudantes. As notas de campo colaboram para posterior

consulta do pesquisador e torna-se algo de valor intimo pelas exposições de

opiniões, divergências que o pesquisador encontra no caminho da pesquisa de

campo.

As fotografias a maior parte delas na pesquisa foram feitas pela

pesquisadora, que utilizou a câmera digital de 12.1 megapixels modelo Exilim,

Casio. As fotografias são importantes registros, elas ajudam a compor os cenários

em que descrevemos a pesquisa, os sujeitos, para além dos detalhes que

conseguimos vislumbrar em campo, que apenas na memória não é suficiente.

As entrevistas parcialmente estruturadas foram gravadas com gravador

digital, que permitiu passa-las para o computador e transcrevê-las com o auxílio do

programa Scribe Description/ NCH, software que ajuda a reduzir os ruídos do

ambiente, a velocidade das vozes. As entrevistas parcialmente estruturadas

possibilitam abordar temas particularizados e o preparo de perguntas abertas

antecipadamente. Todavia, a liberdade de se retirar perguntas, de trocar a ordem e

até o acréscimo de perguntas improvisadas é possível de realizar (LAVILLE;

DIONNE, 1999).

Mas do que ouvir as entrevistas, algo importante foi descrever nas notas de

campos as expressões, silêncios e paradas das entrevistas e entrevistados. Cada

entrevistado recebeu um número, para ajudar na identificação na transcrição. Pois,

admito que pela minha falta de experiência com entrevistas, houve entrevistados

que não sabiam responder, ficaram muito tempo a pensar na pergunta e eu como

pesquisadora ficava sem saber o que fazer. Não queria interferir, pois tinha receio de

ser tendenciosa, pois há autores que apontam que nas entrevistas nossos

entrevistados muitas vezes tentam responder de maneira que nos agrade

(BOGDAN; BIKLEN, 1994).

Dentre as metodologias das pesquisas qualitativas o estudo de caso nos

ofereceu o aporte pela possibilidade de pesquisar o singular, locais, grupos

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pequenos sem a necessidade da generalização, da extrapolação do caso e sim a

preocupação com a compreensão da realidade social e cultural do grupo.

Autores como Bogdan e Biklen (1994) argumentam que o estudo de caso é o

método de muitos pesquisadores iniciantes, pois, é mais fácil de realizar. Em

contraponto a tal afirmação Yin (2010), em seu livro “Estudo de Caso: planejamento

e métodos” considera-o um dos métodos mais desafiadores das ciências sociais e

humanas. Ele argumenta que “o método também é relevante quando suas questões

exigirem uma descrição ampla e “profunda” (p.35)”. O que pode trazer a discussão

de que o Estudo de Caso é um método complexo e importante para as pesquisas

qualitativas. E pode estar combinado e a dialogar com outros métodos de pesquisa.

O Estudo de Caso é utilizado nas pesquisas qualitativas, quantitativas, nas

áreas educacionais, médicas entre outras. Como apontam alguns autores (BOGDAN

& BIKLEN, 1994; CHIZZOTTI, 2006; YIN, 2010; VENTURA, 2007), o estudo de caso

pode permite compreender em profundidade um fenômeno estudado, que se possa

trabalhar com o particular, seja ela uma instituição, grupo, indivíduo, por exemplo,

uma escola, uma comunidade, uma pessoa.

A compreensão e busca das percepções sobre ambiente e gênero no campo

de pesquisa da Educação Ambiental, possibilita métodos como o estudo de caso.

Pela peculiaridade do grupo estudado, e do espaço de audiência que os jovens

estudantes quilombolas podem conseguir para suas vozes inaudíveis e invisíveis, e

a pesquisa pode trazer tal contribuição.

Várias pesquisas em EA utilizam o estudo de caso como método, como a

dissertação de mestrado de Santos (2002) orientada por Sorrentino. Em que ela, a

partir do estudo de caso, estuda e descreve a formação de educadores ambientais

no curso de especialização em Educação para sociedades sustentáveis na

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. A pesquisa de dissertação de Silva, F.

(2013), a respeito dos movimentos juvenis de Mato Grosso em diálogo com a EA foi

realizada através do método do estudo de caso coletivo que proporcionou a

pesquisa segundo a autora a compreensão de vários fenômenos.

Outra metodologia que nos deu aporte e inspiração foi a Cartografia do

Imaginário. Sato (2011) na criação dessa metodologia pondera sobre a pesquisa

pelo viés poético e político, pois “a pesquisa ajuda a cuidar do mundo” ou ao menos

deveria tentar, o pesquisador traz seus sonhos, inquietudes e esperanças para a

pesquisa. E como identifico esta minha travessia com o labirinto, não poderia deixar

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de citar a Cartografia do Imaginário aplicada ao mapeamento de mitologias

indígenas, onde a autora faz uma analogia do labirinto a realização da pesquisa, no

qual nos inspirou na organização da nossa pesquisa, segundo a autora “uma

pesquisa é um labirinto, que ao buscar conhecimentos, reconstrói a condição

humana em querer mudar a vida, reinventando a paixão! ” (SATO, 2011, p. 2).

Sato (2011) aborda a questão do labirinto na pesquisa como a

travessia/processo pela qual o pesquisador constrói o conhecimento não para matar

o Minotauro no labirinto e entregar sua cabeça ao rei. Como fez Teseu na mitologia

grega, mas sim procurar a saída, “A saída do labirinto é o grande desafio porque

nele se abrem inúmeros caminhos e apenas um conduz à saída.” (SATO, 2014, p.

4).

O nosso lócus de pesquisa foi a Escola E. Tereza Conceição Arruda

localizada na Comunidade Quilombola de Mata Cavalo. Um lugar de lutas e

resiliências, pois suas lutas são relatadas pelas pesquisas do GPEA, pelo laudo

antropológico realizado pela antropóloga Edir Pina7 (2011). Por publicações de

outros grupos de pesquisas e instituições e pelas narrativas dos próprios

quilombolas, demonstrando também a capacidade de resistência e articulação das

lutas da comunidade frente às adversidades. Focalizamos como sujeitos da

pesquisa as\os jovens estudantes do Ensino Médio da Escola Tereza Conceição

Arruda. Na ousadia de fazer ressoar suas vozes, aumentar ou instalar audiência

deste grupo em especifico a respeito de suas percepções sobre o ambiente e as

relações de gênero que se engendram na comunidade e suas possíveis

contribuições.

Assim, nossos sujeitos fazem parte do grupo denominado juventude, que

muitos pesquisadores discutem serem “juventudes”, pois, há uma grande

diversidade dentro da categoria juventude, não apenas etária, como também

cultural, social e até política. O objetivo também da pesquisa é observar o papel

social da juventude quilombola, e como lidam com as questões da comunidade e

das lutas que são requeridos a participarem, como também, suas percepções de

ambiente e as relações de gênero na comunidade.

7 Laudo Pericial Histórico-Antropológico: Comunidade Negra de Mata Cavalos. Dr.ª Edir Pina de

Barros (Antropóloga/Perita). Processo nº 2002.36.00.00.6620-8/ 2ª Vara JFMT.

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O projeto de pesquisa “Territórios e Temporalidades da Comunidade

Quilombola de Mata Cavalo” coordenado pela Prof.ª Dr.ª Michèle Sato e realizado

pelo GPEA no ano de 2009, gerou os Fascículos de Educação Ambiental e o

Caderno Pedagógico sobre a Comunidade Quilombola. Tanto o fascículo como o

caderno pedagógico8 trouxeram aspectos socioambientais importantes da

comunidade. Estes trabalhos contribuem para se dialogar com saberes que foram

construídos com a comunidade na diversidade dos campos de estudos, e destaco a

importância desses diálogos com a minha pesquisa. Dá riqueza de poder expressar

e interpretar a Comunidade Quilombola de Mata Cavalo com mais sensibilidade e

respeito.

Em junho de 2013 fizemos o primeiro contato com a comunidade ao

acompanhar outras pesquisadoras do GPEA no âmbito do Projeto de Pesquisa

“Identidades e emancipação das Mulheres do Campo: políticas, saberes e

educação”, do qual também faço parte. O projeto recebeu financiamento do

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência do

Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

As mulheres de Mata Cavalo por terem um protagonismo na luta pelo território

e desenvolverem trabalhos com artesanato, doces, farinha, etc. essas atividades foi

um lócus interessante para estudo deste projeto. Na oportunidade, dialoguei com a

diretora da Escola a Prof.ª Gonçalina Eva Almeida sobre nossa proposta do projeto

de pesquisa do mestrado. A mesma deu total abertura para a realização da pesquisa

na comunidade, em especial, pela inserção que o GPEA tem na comunidade há

tantos anos.

Em uma primeira visita a nova escola da comunidade, surgiu o interesse em

desenvolver a pesquisa na escola. Desde então, as pesquisas de campo para

construção dessa dissertação tiveram como foco a Escola Estadual Prof.ª Tereza

Conceição Arruda na Comunidade Quilombola de Mata Cavalo.

Ao total foram 15 idas a campo entre junho de 2013 a abril de 2014, houve

dias que passava o dia todo e almoçava na escola. A tirar o período de greve dos

professores que aconteceu de agosto a outubro de 2013 (foram quase 70 dias).

Pela proximidade do Quilombo com Cuiabá houve a tranquilidade de poder ir e voltar

8 SATO, Michèle; QUADROS, Imara; ALVES, Maria Liete; JABER-SILVA, Michelle; SILVA,

Regina. Comunidade Quilombola de Mata Cavalo. Cuiabá: GPEA-UFMT, série Cadernos Pedagógicos, 2010. Disponível para acesso em: http://gpeaufmt.blogspot.com.br/p/materiais-e-apoio-pedagogico.html.

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no mesmo dia, mesmo que o transporte público seja precário para atender a região,

passa apenas a linha que faz Cuiabá-Poconé da única empresa de transportes

(TUT) e em horários agendados, mas mesmo assim havia atrasos.

A Escola Estadual Prof.ª Tereza Conceição Arruda está localizada às

margens da rodovia MT 060 que corta a Comunidade Quilombola de Mata Cavalo, a

rodovia liga o município de Nossa Senhora de Livramento ao município de Poconé.

Está distante a cerca de 60 km de Cuiabá. A Escola é nova tem apenas um ano de

atividade, inaugurada pelo governo do Estado em junho de 2012.

A Escola foi uma conquista das lutas da comunidade quilombola pelo direito

e acesso à educação. A antiga Escola chamada São Benedito tinha precárias

instalações, a nova Escola construída com recurso Federal e Estadual apresenta

infraestrutura e equipamentos para as aulas e atividades. Como sala de informática,

laboratório de artesanato, salas de aulas climatizadas e refeitório. E ainda uma vasta

área, que segundo a diretora a comunidade escolar, escolheu por realizar uma horta

escolar, que possa contribuir com a merenda escolar.

A coordenadora pedagógica da escola me apresentou as educandas (os) de

sala em sala, tanto do Ensino Médio como no Ensino Fundamental para me

apresentar aos estudantes e a comunidade escolar. Os sujeitos escolhidos para a

pesquisa foram nove jovens mulheres e dois jovens homens, estudantes da

modalidade do Ensino Médio na escola Prof.ª Tereza Conceição Arruda. Por ocasião

deste estudo esses jovens encontravam-se na faixa etária de quatorze a dezoito

anos de idade.

A escolha dos sujeitos da pesquisa se deu de forma espontânea e em diálogo

com a direção e coordenação pedagógica da Escola. Inicialmente, havíamos

programado entrevistas apenas as jovens, mas os dois jovens foram incluídos pois

se apresentarem interessados no tema da pesquisa. E ao transcrever as entrevistas

dos jovens homens, percebemos que elas poderiam promover discussões tão

pertinentes sobre ambiente e gênero quanto das jovens mulheres. E então o foco

sobre o gênero considerou não apenas a percepção feminina, como também se

buscou interpretar a percepção masculina acerca do ambiente e das relações de

gênero. Assim, para além da percepção feminina, a masculina também está

presente na pesquisa.

A afinidade com a pesquisa e os seus sujeitos, pode trazer entrelaçamentos,

olhares, percepções ao pesquisador que pode ajuda-lo a desconstruir pré-conceitos

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em relação aos sujeitos da sua pesquisa. No entanto, pode trazer um estreitamento

de relações que podem vir a prejudicar a pesquisa por motivo de nos deixarmos

levar pelos laços afetivos que se formam. Assim, pode ser fazer necessário o

distanciamento, o olhar de fora para nossas pesquisas e sujeitos.

Tive uma grande afinidade com a pesquisa, por ainda ser uma jovem

pesquisadora, ser militante do Movimento Juventude e Meio Ambiente, e ter

participado da Rede de Juventude pelo Meio Ambiente e Sustentabilidade

(REJUMA), do grupo Coletivo Jovem de Meio Ambiente de Mato Grosso (CJ-MT).

Ao qual participei por sete anos e trabalhamos a maior parte do tempo com

formação de jovens na temática Juventude e Ambiente, Formação Política e acesso

a políticas públicas com a juventude urbana. Essa formação diria juvenil

ambientalista, me possibilitou perceber e olhar o processo da juventude como seus

ritos e passagens de uma forma mais complexa, compreensiva da importância de tal

grupo nos arranjos sociais.

Nas minhas experiências posteriores, pude observar que há poucas iniciativas

e espaços em que os jovens podem se manifestar e tornarem-se protagonistas e

terem “audiência” e serem ouvidos atentamente, a pensar nos jovens negros

quilombolas o espaço fica mais reduzido de serem ouvidos e serem protagonistas,

pelas discriminações e exclusões que sofrem.

A partir dessa observação veio à proposta de buscar compreender como os

jovens quilombolas em processo de escolarização, se organizam, sonham e vivem

no território que lhes é de direito herdado de seus antepassados, a ponte entre o

cotidiano e o passado africano.

3.2 O CAMINHAR DA PESQUISA: PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa foi desenvolvida em três etapas principais: 1) Pesquisa

bibliográfica e levantamento de informações secundárias; 2) idas a campo,

observação participante e realização das entrevistas parcialmente estruturadas; 3)

oficina temática com as bonecas (que foi uma atividade pontual) no formato mais

lúdico.

A entrevista parcialmente estruturada, de acordo com Laville, Dionne (1999),

podem ser utilizadas nas pesquisas das ciências humanas e sociais, pois

contribuem para que se possa ter liberdade de reestruturar as perguntas, as

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temáticas de acordo com o ritmo da entrevista a campo, ou por telefone. Assim,

explicitam a entrevista parcialmente estruturada:

Entrevistas cujos temas são particularizados e as questões (abertas) preparadas antecipadamente. Mas com plena liberdade quanto à retirada eventual de algumas perguntas, à ordem em que essas perguntas estão colocadas e ao acréscimo de perguntas improvisadas. (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 188)

Para começar a traçar os passos da pesquisa, os procedimentos que

asseguraram a realização desta, foram as notas de campo, as idas ao local de

pesquisa, acompanhadas de fotografias, observação participante. Visto que, me

aproximei da comunidade escolar e dialoguei com alunos/as, diretora, coordenadora

pedagógica, e outros membros da comunidade escolar, buscando compreender o

cotidiano da escola e da comunidade.

De início houve dificuldades de interação e aproximação, por mais que eu

entendesse que ser mulher e negra fosse me ajudar na aproximação tanto com as

professoras, diretora e as/os estudantes, ainda assim, era observada de longe e

olhada com desconfiança como uma estranha a aquele ambiente. Castilho (2011)

também relata que no início da sua pesquisa de doutorado na comunidade de Mata

Cavalo ao estudar a relação da escola com as famílias negras quilombolas, teve

dificuldades de interação com os mesmos, e argumenta que tal estranhamento e

desconfianças por parte dos quilombolas de Mata Cavalo se deve pelo litigio que

enfrentam pela posse legal da terra. A presença de estranhos é examinada com

cautela pelos quilombolas.

Para situações de estranhamentos de ambas as partes (tanto das/dos

estudantes e professores comigo e vice-versa). A convivência e o diálogo

possibilitam compreender e conhecer a “realidade” do outro/outra ajuda na

aproximação respeitosa e na interação dialógica o que vem a diminuir desconfianças

e medos, pois não conhecia a comunidade quilombola de Mata de Cavalo, tanto

suas histórias e lutas como o lugar geofísico. No início isso me provocou sensações

de estranhamento e solidão, depois com o contato assíduo com a escola quilombola,

fui me sentindo integrada. Para além do convívio com a escola e a comunidade, no

primeiro contato pude ser apresentada a comunidade escolar por

integrantes/pesquisadores do GPEA, que já haviam pesquisado e convivido com a

comunidade de Mata Cavalo, o que ajudou na aceitação de se pesquisar na escola.

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Com a realização da oficina temática acredito que para além de procedimento

metodológico à minha pesquisa, pude de forma pequena trazer para a escola a

discussão sobre gênero e educação ambiental. Visto que em conversa com

professores e diretora da escola ao indagar sobre projetos, temáticas que a escola

tem abordado, perguntei se trabalhavam com as questões de gênero e educação

ambiental, sendo que a resposta foi não. Porém, demonstraram interesse nas

temáticas.

3.3 Entrevistas com os jovens quilombolas

Os primeiros contatos com as estudantes se deu pela minha apresentação de

sala em sala, junto com a coordenadora pedagógica da escola, sobre quem eu era e

o motivo de estar ali, a pesquisa do Mestrado em Educação. A partir de roteiros

semiestruturados com perguntas que abordaram as questões de Gênero, Ambiente

e Educação, realizamos onze entrevistas entre as quais nove foram com jovens

mulheres na faixa etária de 14 a 18 anos. Ainda com dois jovens rapazes (15 e 18

anos) estudantes do Ensino Médio. A participação na entrevista foi apresentada de

forma voluntária.

As entrevistas foram realizadas em dezembro de 2013. Ocorreram no

refeitório da escola. Algumas estudantes foram entrevistadas duas vezes, pois, tive

dificuldades de compreender algumas falas e pedi novamente para entrevistá-las

também para poder verificar as transcrições que havia realizado das entrevistas, se

elas concordavam com o que eu havia transcrito.

Nosso roteiro abordou três temáticas bem marcadas nas entrevistas: as

relações de gênero, as relações comunitárias (étnico-raciais e ambientais) e as

relações educativas.

Nas relações de gênero tivemos a intenção de buscar nas respostas as

percepções e construções sociais das/dos jovens quilombolas de Mata Cavalo. As

discussões e projetos que envolvam as relações de gênero na escola ainda tem

pouquíssima audiência, gênero como campo de pesquisa ganha força e visibilidade

com os estudos feministas e as reivindicações das mulheres pelo direito ao voto e a

trabalharem fora. Diga-se as mulheres brancas da classe média e suas

reivindicações por direitos iguais aos homens (LOURO, 2013).

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Nas relações comunitárias as perguntas foram conduzidas para suscitar as

percepções sobre questões étnico-raciais e de ambiente, não podendo estas

estarem desvinculadas, pela especificada dos sujeitos da pesquisa terem uma

identidade quilombola, rural e negra, apresentando-se em um contexto

marcadamente histórico e ligadas ao território ancestral.

Nas relações educativas ressaltamos as relações que a comunidade de Mata

Cavalo estabelece com a escola no seu território, em especial como extensão e

manutenção da cultura e memória a ser transmitida aos das gerações mais jovens e

futura. O que leva esses estudantes a escola? A educação se configura como

“instrumento” de esperança para dias melhores e a continuidade da cultura

quilombola?

Segue abaixo o roteiro semiestruturado de nossas entrevistas.

RELAÇÕES DE GÊNERO: abaixo as perguntas feitas aos jovens estudantes para compreendermos as relações de gênero que constroem e carregam consigo.

Para você o que é ser Mulher? E o que é ser Homem? Quais são as atividades das mulheres e dos homens na Comunidade de Mata

Cavalo? Concorda que a mulher deve trabalhar fora, como os homens? Justifique. Como pensa a si própria como Mulher Quilombola? (Ou como Homem

Quilombola) Algumas pessoas afirmam que as mulheres cuidam melhor da natureza, você

concorda? Por quê?

RELAÇÕES COMUNITÁRIAS: as relações de ambiente, as questões que abordaram foram:

Conte-me como foi sua infância no quilombo? Como você define sua cor de pele? [Branca? Negra? Parda? Amarela?

Indígena? Outra? ]. Você cuida da sua casa? Como cuida? O que é o Ambiente para você? Como é a relação das pessoas com o Ambiente do Quilombo, Escola, Casas?

Como você percebe essas relações? Gosta de morar aqui na comunidade quilombola de Mata Cavalo? Por quê? O que é o Quilombo de Mata Cavalo para você? Do que gosta mais na

comunidade? E do que gosta menos? Você participa da luta pela terra no Quilombo? Tem noticiais atuais da luta? Se o mundo tiver problemas e a gente quiser mudá-lo, qual seria o melhor

caminho: trabalhar duro sozinho ou trabalhar em grupo? Quais os problemas que você vê na comunidade?

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RELAÇÕES EDUCATIVAS:

Conte-me como foram suas primeiras “aventuras” na escola. Você vem a Escola por qual motivo? E o que fará com o final dos estudos? O que a Escola é para você? Do que gosta mais na Escola? E do que gosta

menos?

Estas relações citadas e estruturadas nas entrevistas partiram do diálogo que

fomos construindo entre pesquisadora, sujeitos e orientadoras. Ao analisarmos as

possiblidades de estudar as percepções de gênero e ambiente, e o aporte que a

Educação Ambiental nos possibilita, nos traz a dimensão e complexidade da EA,

pois esta se relaciona com diversas áreas e conhecimentos, que implica ideologias e

políticas que pode gerar divergências e solidariedades.

O campo de estudo de Gêneros se entrelaça ao da Educação Ambiental,

como no caso das mulheres quilombolas que constroem sua identidade a partir da

terra, que possibilita a socialização da cultura ancestral africana. O ambiente

quilombola é a mesmo tempo sobrevivência, vivência e permite a construção social

de mulheres e homens.

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3.4 Rodas de conversa sobre Gênero e Ambiente

A proposta de realizar uma oficina com estas temáticas, Gênero e Ambiente,

surgiu de uma demanda da própria Escola. Na primeira visita, a diretora apresenta a

necessidade e interesse da escola em trabalhar com a Educação Ambiental9.

Em outro momento, ao apresentar a proposta de Projeto de Pesquisa na

disciplina Seminário Avançado em EA, no debate com os colegas do grupo e a

minha Coorientadora. Surgiu à ideia de uma oficina com bonecas de várias etnias

(branca, negra, amarela, indígena, etc.) para compreendermos como as jovens

estudantes percebem o ambiente e as relações de gênero através de histórias

contadas por elas através das bonecas.

A proposta da oficina foi inspirada em um vídeo que circulou na lista da Rede

Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA, 2013). O vídeo demonstrava que nos

Estados Unidos, as próprias crianças negras escolhiam bonecas brancas, como

mais belas, inteligentes, bondosas. O vídeo baseou-se no famoso teste dos

psicólogos Mamie Clark e Kenneth Clark que no ano de 1940 nos Estados Unidos,

investigaram o auto-ódio em crianças negras, que escolhiam as bonecas brancas a

dar lhes atributos positivos e as bonecas pretas atributos negativos.

Esse era um indício do forte racismo internalizado e praticado na sociedade

Estadunidense. O que despertou a atenção em relação ao vídeo foi o fato de que as

bonecas símbolo associado ao feminino e suas variações de formas e cores podiam

colaborar para entendermos percepções, interpretações dos jovens, através de

histórias contadas a partir das bonecas relacionadas a identidade de gênero e ao

seu ambiente. A memória pode conservar fatos, sentimentos, momentos, mesmo

que um pouco distorcidos e falhos, da infância do ontem e da semana passada dos

acontecimentos, dos sentimentos. De forma lúdica, quando inventamos histórias

para nossas bonecas buscamos nossas experiências, vivências nossas e de outros

para compor as histórias, e elas se se tornavam nosso alter ego.

A presente metodologia buscou através das bonecas (pretas, amarelas e

brancas) possibilitar a compreensão das percepções através de histórias que as

estudantes contaram com o auxílio das bonecas sobre o cotidiano das relações com

9 Ao conversar com a coordenadora pedagógica, sobre os trabalhos e projetos de Educação

Ambiental na escola, tem-se por ideias o lixo (reciclagem e separação do lixo) e a horta escolar como práticas, de EA.

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o ambiente e gênero. De forma secundária a identidade racial esta entrelaçada,

mesmo que não seja nosso objetivo tratar desta temática nesta pesquisa.

A realização da Oficina com bonecas com as estudantes do Ensino Médio,

ampliou nosso aporte metodológico, mesmo que entendemos que com a variedade

de bonecas e nem todas as estudantes da oficina participaram das entrevistas,

possa trazer instabilidades a pesquisa. Pois com muita tranquilidade os presentes na

oficina iam narrando suas percepções sobre gênero e ambiente, possibilitando

também, compreender as percepções apresentadas das relações étnico-raciais.

Mesmo que este trabalho não tenha como foco principal tal temática, ele está

marcadamente presente. A oficina permitiu que os/as jovens narrassem suas

próprias histórias por meio das bonecas.

A oficina ocorreu no período matutino na escola, com estudantes do Ensino

Médio, que de forma espontânea se apresentaram, nem todas as entrevistadas

estiverem presentes na oficina. Usou-se um roteiro semiestruturado, para orientar os

percursos da oficina pelas questões de gênero, ambiente. As dimensões gênero e

ambiente estão intrinsecamente ligadas ao arcabouço pedagógico da construção

identitária, pela reconstrução da EA.

Usamos bonecas de três etnias, pretas, amarelas (japonesas) e brancas.

Para inicio de dinâmica: pediu-se que se apresentem com o nome e apelido, caso

tenha. E falar duas qualidades de si com a primeira letra do nome, ou falar apenas

duas qualidades suas. As etapas da oficina foram:

1. Iniciamos com chuva de ideias (Brainstorming) tendo como base as palavras

MULHER, AMBIENTE, EDUCAÇÃO, QUILOMBO.

2. Bonecas na conversa: começou com esta história: "um dia a boneca se casa e tem

2 filhos". Você acha que ela deve trabalhar fora ou ficar em casa cuidando dos filhos,

casa e marido? Na educação aos filhos, você acha importante que esteja presente o

ensino do cuidado ambiental? Por quê?

3. Bonecas na interação: momento conduzido pelo roteiro abaixo:

Qual boneca você gostou?

Por que gostou?

Qual a cor da pele da boneca?

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Qual a que menos gostou?

Conte uma história sobre cada boneca

Onde acha que as bonecas deveriam morar e trabalhar?

O que você acha que faria feliz a boneca que você gostou?

Quando a boneca começar a “envelhecer” onde acha que ela deveria ficar?

4. Contação de histórias. No reino do faz de conta, a boneca é uma jovem de 16

anos, ela nasceu em um quilombo. Conte nos como foi à vida dela. Como foi e é ser

jovem em um quilombo?

5. Avaliação: E ai o que achou da Oficina?

Que bom!!!!

Que tal?!!

Que pena!!!!

Os resultados e discussões das entrevistas e da oficina serão discutidos no

próximo capitulo deste trabalho.

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CAPITULO IV

A SAÍDA DO LABIRINTO

Foto e montagem: Elizete Santos, 2013.

“Seria uma atitude muito ingênua esperar que as

classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que permitissem às classes dominadas

perceberem as injustiças sociais de forma crítica.” Paulo Freire

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4.1 RESULTADOS E DISCUSSÕES

A saída do labirinto é o grande desafio porque nele se abrem inúmeros caminhos e apenas um conduz à saída (SATO, 2014, p.4).

A saída do labirinto muitas vezes se torna difícil e complicada pelos “inúmeros

caminhos” que se vislumbram, assim é a pesquisa, que nos abre várias portas,

rumos e para chegarmos à saída, temos que fazer escolhas e renúncias labutando

por encontrar o nosso caminho. Porém, a saída do labirinto pode nos possibilitar um

lindo jardim ao final, com flores, perfumes e também espinhos, tudo está ali. O

capítulo destina-se a trazer os resultados da pesquisa, apresentá-los e discuti-los.

As interpretações e percepções, as entrevistas, as observações na escola, as notas

de campo e a oficina temática nos propiciou uma riqueza de compreensões da

pesquisa a partir dos objetivos estabelecidos.

Ter como método o Estudo de Caso remete ao adensamento dos “dados” a

serem interpretados e colhidos. Os procedimentos metodológicos utilizados nesta

pesquisa como entrevistas semiestruturadas que garantiram uma coparticipação

das/dos sujeitas com a pesquisa. As notas de campo, as observações participantes

e as interações com a comunidade escolar. A atividade pontual como a Oficina com

as bonecas, habilitam a trazer o “multiverso” (SATO, 2011) das percepções dos

jovens quilombolas das relações de gênero e do ambiente, pelos seus relatos,

histórias e algumas vivências.

Para dar início a discussão é interessante que se tragam alguns conceitos

pertinentes à pesquisa, como o que é a Percepção ambiental? Conforme nos indaga

Hoeffel e Fadini (2007) que caracterizam a Percepção ambiental como uma

atividade e um processo que:

Envolve organismos e ambiente, e que é influenciada pelos órgãos dos sentidos – “percepção como sensação”, e por concepções mentais – “percepções como cognição”. Desta forma, ideias sobre o ambiente envolvem tanto resposta e reações a impressões, estímulos e sentimentos mediados pelos sentidos, quando processos mentais relacionados com experiências individuais, associações conceituais e condicionamentos culturais. Deste modo, as diferentes maneiras como os seres humanos compreendem e valorizam a natureza estão profundamente influenciadas por seus contextos culturais e as formas de compreender a natureza e as relações estabelecidas com o mundo não humano diferem amplamente entre culturas e momentos históricos e conceitos de natureza de forma radicalmente divergente (HOEFFEL & FADINI, 2007.p.255).

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Saes (2010), ao traçar uma linha cronológica através de teóricos

reconhecidos no ocidente e que trataram de estudar, conceituar o que vem a ser

Percepção, faz uma busca do que pensamos e realizamos como percepção. Ora de

cunho abstrato, ora de concreto. A percepção como atributo dos sentidos humanos

(Olfato, Paladar, Visão, Audição, Tato), que proporciona o contato com o mundo

biológico, social, cultural e com os outros humanos. Ligada muito mais a uma

percepção física, química desenvolvida pelo corpo humano e limitada a um recorte e

instante da realidade.

Para os pensadores modernos Saes (2010) destaca o exemplo de René

Descartes, para qual o ato de “perceber” é preferencialmente um ato puramente

mental e intelectual e que a percepção não é um ato exclusivo a processos e

atividades dos sentidos. Através dos tempos, pensadores tentaram buscar uma

definição e compreensão do ato de perceber o mundo, o outro e a nós mesmos.

Tarefa nada simples, já que a percepção envolve a diversidade, a subjetividade.

Para Ferraz (2008), que em sua tese de doutorado, estudou a fenomenologia

e ontologia em Merleau-Ponty aponta que as concepções clássicas de atrelar a

percepção exclusivamente aos órgãos do sentido é rebatida por Ponty no seu livro

“Fenomenologia da percepção” de 1945. Ponty nos traz uma concepção

contemporânea para a percepção, em que o importa é captar a percepção em via de

realização, viva e dinâmica.

Inspirada pela fenomenologia de Merleau-Ponty busca a compreensão das

percepções ambientais e de gênero das/dos jovens estudantes quilombolas de Mata

Cavalo. Na tentativa de compreender os depoimentos para além das falas, como

também os olhares, os silêncios, as paradas para pensar sobre o assunto, ou

quando respondiam não saber, ou não ter uma opinião formada. A própria

convivência entre sujeitos e pesquisador, pode trazer observações importantes para

a compreensão da percepção. Cabe salientar que entendemos os sujeitos da

pesquisa como construtores de conhecimento e não meros reprodutores e objetos a

serem pesquisados. Assim, assumimos que sujeitos referem-se a agentes que

através do seu cotidiano elabora saberes, que podem ser compartilhados,

confrontados e reelaborados. Os sujeitos juntamente com o pesquisador elaboram o

dialogo sobre o cerne da pesquisa, é através dos diálogos dentro da metodologia

que conseguimos construir a pesquisa.

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De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a

juventude compreende um período que vai dos quinze anos aos vinte e nove anos.

Autores como Dayrell (2003), analisam que o que chamamos de juventude, vai muito

além de uma faixa etária e envolve uma diversidade calcada no histórico e no

cultural de cada sociedade, assim, o que temos são juventudes (no plural). Ele

destaca o jovem como sujeito social que constrói um modo de ser jovem calcada no

cotidiano e no contexto social. E discute a ideia bem presente de vermos a fase da

juventude como de preparação para a fase adulta, do vir a ser. Para Dayrell (2003,

p.42) a juventude “constitui um momento determinado, mas não se reduz a uma

passagem; ela assume uma importância em si mesma”.

Os jovens quilombolas constitui um grupo de juventude que possuem pautas

próprias, em especial, a luta pelo território se faz já com a afirmação de sua

identidade enquanto quilombola. O quilombo é “palco” de referências para a

identidade, contudo os jovens anseiam também passar as barreiras do território e

adentrar outros territórios.

Gomes (2013), no relatório para as diretrizes nacionais curriculares da

educação escolar quilombola, afirma que os jovens quilombolas começaram a ter

expectativas diferentes em relação a terra e ao território. Hall (1992), ao discutir a

questão da identidade cultural na pós-modernidade (ao qual é o nome do seu livro),

destaca o impacto da mudança contemporânea conhecida como globalização. Ele

aponta que “as transformações associadas à modernidade libertaram o indivíduo de

seus apoios estáveis nas tradições e nas estruturas” (HALL, 1992, p. 25).

Os jovens quilombolas de Mata Cavalo vivem estas transformações, todas e

todos os jovens ao serem perguntados em relação aos estudos, relataram que

estudar os oportunizaria um bom emprego, poderem comprar casa, carro, roupas. E

uma possibilidade de ascensão social e de poderem ir morar na cidade.

O discurso da urbanidade, em que a cidade se tornou o palco das

transformações sociais e tecnológicas da sociedade ocidental burguesa, juntamente

com os conflitos de terra no campo, tem provocado já um bom tempo a saída em

massa da população do campo para a cidade. A cidade não oportuniza o acesso a

bens materiais e direitos básicos a essa população emigrante. Que acabam indo

parar nas periferias da cidade, lugares que geralmente são bolsões de pobreza,

negligenciados pelo Estado.

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Ao mesmo tempo em que aponta que morar no quilombo é bom pelo motivo

da família estar por perto, ter amigos, parentes, ter tranquilidade, mais segurança se

comparado a cidade, apontam que a situação no quilombo em relação a emprego e

renda é difícil, além da dificuldade de acesso a saúde, ao ensino superior, e ainda, a

insegurança causada pelo litigio da posse legal da terra.

4.2 Gênero e Ambiente na percepção de alguns jovens quilombolas

Entendemos que a questão de gênero não está baseada em somente

pesquisar e estudar as mulheres, e muito menos discutir gênero pela bipolaridade

excludente entre o feminino e o masculino. Assim cabe assinalar que entendemos

gênero como um campo de pesquisa de construção social e histórica que não está

atrelada a anatomia e fisiologia dos corpos humanos, mas sim a uma realidade

social em que os corpos sexuados ganham papéis inflexíveis, fixos.

As discussões e projetos que envolvam as relações de gênero na escola de

Mata Cavalo de baixo ainda tem pouquíssima audiência e diria também cruzamento

de saberes (popular e cientifico em dialogo). O gênero como campo de pesquisa

ganha força e visibilidade com os estudos feministas e as reivindicações das

mulheres pelo direito ao voto e a trabalharem fora. Digam-se as mulheres brancas

da classe média, elite e suas reivindicações por direitos de igualdade perante aos

homens (LOURO, 2013), pois a mulher negra como a história relata não a oficial, (as

mulheres negras dificilmente têm sua história reconhecida e contada oficialmente)

saiam às ruas, trabalhavam, vendiam seus produtos eram mulheres públicas

(CARNEIRO, 2010).

Como ressaltei anteriormente, as entrevistas não foram realizadas apenas

com as jovens estudantes (mulheres), pois, de forma espontânea dois jovens

estudantes (homens) se apresentaram para serem entrevistados.

A começar pelas percepções sobre gênero e as percepções das (os) jovens

quilombolas, identifico que o imaginário coletivo, se desdobra nas concepções de

Homem e Mulher de traços do determinismo biológico. Além disso, os relatos

reforçam ainda os papéis sociais sexistas, em que as mulheres quilombolas

desempenham o velho papel de ficar em casa, cuidar dos filhos e do marido,

funções definidas como sendo, exclusivamente, das mulheres. Assim, os relatos das

(os) jovens choca-se em contradições e paradoxos, pois como destacamos, as

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pesquisas realizadas no quilombo de Mata Cavalo destacam a presença feminina

nos espaços de luta e poder. Porém, quando falamos nas lutas das mulheres do

quilombo de Mata Cavalo, faz se necessário compreendermos a faixa etária dessas

mulheres, pois Manfrinate (2011), na sua pesquisa de mestrado com as mulheres

quilombolas de Mata Cavalo, expressa que pesquisou as mulheres acima dos

quarenta anos de idade, e Dona Tereza também se encontrava acima desta faixa

etária. As jovens mulheres que no momento da pesquisa estavam na faixa etária de

quatorze a dezoito anos, vivem outros tempos na comunidade, e criam expectativas

em relação à comunidade e ao futuro que não se restringem apenas ao quilombo.

As mulheres quilombolas de Mata Cavalo enfrentavam os fazendeiros no

despejo e uma das presidentes de forte expressão foi a Prof.ª Tereza Conceição

Arruda (SIMIONE, 2008; MANFRINATE, 2011; CASTILHO, 2011). O que podemos

inferir é que mesmo que as mulheres no quilombo de Mata Cavalo estejam à frente

das lutas pela posse da terra e território; sendo lideranças dos movimentos sociais; e

presentes na escola tanto como professoras e estudantes, ainda se encontram

ligadas ao papel tradicional da mulher como a cuidadora da casa e dos filhos. O que

vem a gerar uma jornada tripla de trabalho.

Ainda assim, dentro da comunidade é cobrado delas o cuidado com a casa e

a família. Notamos pelos relatos que no espaço privado há uma divisão sexual do

trabalho. Aos homens cabe propiciar a subsistência familiar, a lida com a roça, os

espaços abertos, o ser público. As mulheres quilombolas acumulam várias funções,

tanto no espaço privado como nas lutas em espaço público, sendo que a entrada

das mulheres na luta tornou-se uma tática necessária, visto que apenas os homens

mostravam-se insuficientes.

Conforme Simione (2008) e Manfrinate (2011) a presença das mulheres nos

enfrentamentos aos fazendeiros é marcante. De acordo com relatos da professora

Gonçalina10, no momento dos conflitos e despejos os fazendeiros se sentiam

constrangidos em agredir fisicamente as mulheres, diferente se fosse um homem do

quilombo. Em junho de 2008, a professora Gonçalina foi presa pela polícia federal

ao tentar impedir o despejo de oitos famílias do quilombo.

Segundo Manfrinate (2011), os homens da comunidade em embate com os

capatazes dos fazendeiros nas expulsões e despejos, muitas vezes foram agredidos

10

Relato disponível em Fascículos de Educação Ambiental do projeto “Territórios e temporalidades em Mata Cavalo” realizado pelo GPEA/UFMT, sem número, ano de 2008.

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e alguns foram assassinados. As violências não foram apenas físicas, como também

psicológicas, como relata em pesquisa Castilho (2011). Os fazendeiros e seus

funcionários na tentativa de intimidar os moradores, utilizavam-se de ofensas

individuais em especial com as mulheres, ofensas racistas, no entanto as mulheres

passaram a não apenas ouvir, e respondiam as ofensas com altivez.

Nas entrevistas com os jovens quilombolas, a maioria deles não tem

acompanhado como se dá o prosseguimento da luta pelo território em Mata Cavalo.

Apenas relatam que há tempos atrás, havia despejos e confrontos com os

fazendeiros, mas atualmente não há mais, seus pais e avós que participaram ou

participam das manifestações e reuniões referentes às lutas.

As narrativas caminham pela demonstração que a vontade de participar

existe, porém mantém certa distância, ou sabem algumas notícias e informações

através dos pais, avós, os mais velhos da comunidade. Como relata M.M.P♀ “Já

ouvi falar da luta pela terra no quilombo. Não participo da luta, ainda não tive a

oportunidade de participar. De longe consigo perceber alguma coisa [...]”. Tal inercia,

ou diria certa acomodação dos jovens perante o processo de lutas atuais da

comunidade, podemos inferir que como a comunidade já está certificada e titulada

pela Fundação Cultural Palmares e, os fazendeiros deram uma pausa nas invasões

e agressões, por motivo da intervenção do estado no conflito. Trouxe um pouco de

calmaria a comunidade, e os jovens estão a viver este período.

O engajamento político das jovens e dos jovens quilombolas de Mata Cavalo

entrevistados na luta pela posse legal da terra demonstra fragilidades, instabilidades.

Os mesmos apontaram notícias escassas, fragmentadas ou disseram desconhecer

totalmente o processo de titulação da terra. Este comportamento se assim

poderíamos analisar, vem de encontro com uma análise de Gomes (2013, p. 439) a

respeito dos jovens nas comunidades quilombolas, expressas nas diretrizes

curriculares da Educação Escolar Quilombola em que:

[...] é possível encontrar, principalmente entre os jovens que vivem nesses espaços, expectativas diferentes no que diz respeito ao próprio quilombo, a relação com a terra e sua permanência nela. As mudanças decorrentes da história, dos valores, da busca pelo trabalho, das possibilidades de outras inserções no mundo interferem nesse processo.

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Entre as jovens mulheres entrevistadas, o desejo, o sonho é de que a

educação formal as possa levar para outros lugares, para além do quilombo e das

atividades domésticas, recorrente na divisão do trabalho na comunidade. Sonham

que ao terminar o ensino médio possam buscar trabalho e a continuidade da

educação (cursar o Ensino Superior) na cidade, fora da comunidade. O sonho de

poder trabalhar e continuar os estudos para estas jovens as possibilita “escapar” de

tornarem-se apenas donas de casas, dependentes da assistência financeira do

marido.

Um discurso que se apresentou com muita intensidade nas entrevistas com

os jovens quilombolas, foi a de que as mulheres são fisicamente menos capazes de

realizar trabalhos que exijam força física do que os homens. As diferenças entre

homens e mulheres se constituem nas características biológicas. Um dos discursos

do determinismo biológico. As formas de discriminação sexista em relação ao

trabalho são reproduzidas por alguns dos jovens em relação aos papeis e práticas

sociais que homens e mulheres devem assumir na comunidade.

Os jovens colocam o papel feminino atrelado a boa esposa, a cuidar da casa

e da família mesmo que possa trabalhar fora de casa. Como neste depoimento:

“Mulher cuida de casa e filhos, e faz bastante coisa, e homem cuida de roça, de

pasto. No quilombo as mulheres ficam mais em casa e os homens na roça”. M.M.P

♀11

Os jovens homens também corroboraram com o discurso das jovens

mulheres em relação aos papéis e práticas sociais de mulheres e homens no

quilombo, assim disseram: “Aqui no quilombo de Mata Cavalo, os homens saem

para ganhar o sustento e as mulheres ficam em casa. Divide papel, ela faz mais

serviço de casa, e ele sai para buscar o sustento”. J.L.A. ♂

Apenas uma das falas apresentou uma percepção diferente em relação ao

trabalho feminino e masculino na comunidade. Como a entrevista da estudante

E.A.D. ♀: “Aqui na comunidade, existe várias funções de mulher e de homem. No

campo: carpir e roçar tem muitas mulheres aqui na comunidade que fazem plantar,

muitas fazem. Aqui na comunidade é igual”.

11

Os nomes das entrevistadas (os) está abreviado, por motivo de preservar sua identidade e por se tratar de

algumas menores de idade, mesmo com o consentimento dos pais e da escola. Resolvi manter de certa forma o palavreado bem próprio da comunidade. As frases em itálico são as narrativas diretas das jovens quilombolas. Os relatos estão identificados enquanto ao sexo feminino (♀) e masculino (♂).

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Louro (2013) argumenta que o processo de “fabricação” dos sujeitos é

realizado de forma sutil, imperceptível e continuado, está imbricado desde as

menores atividades do cotidiano a maiores, o que vem a ganhar um status

naturalizado de tão presente nas práticas cotidianas. Louro (2013, p.67)

complementa que:

São, pois, as práticas rotineiras e comuns, os gestos e as palavras banalizados que precisam se tornar alvos de atenção renovada, de questionamento e, em especial, de desconfiança. A tarefa mais ente talvez seja exatamente essa: desconfiar do que é tomado como "natural".

Abaixo falas de algumas jovens estudantes sobre o que é ser mulher e

homem para elas:

Atividade de mulher acho que é limpar casa, lavar vasilha, fazer comida. E de

Homem, aqui no quilombo, mesmo é ir trabalhar na roça, fazer força. Pois, mulher

não pode fazer força. O homem aqui no quilombo vai para roça e a mulher fica em

casa para fazer a comida para ele. N.B.R. ♀

Aqui na comunidade, ir para roça é mais para os homens. E cozinhar e ficar em casa

mesmo é mais para mulher. A.A.A.N. ♀

Quando foram perguntadas (os) sobre o que é ser Mulher e ser Homem, a

maioria deles fez um momento de silêncio, e uma delas chegou a falar que até

aquele momento não tinha parado para pensar nessas questões. As relações de

gênero no quilombo perpassam a “naturalização” biológica, ser mulher por que se

tem corpo de mulher, fica grávida, menstrua, tem órgãos sexuais femininos.

O tornar-se mulher ou homem para as (os) jovens, para além da questão

biológica, está atrelada aos papéis sociais que adquirem na comunidade, e estas

construções sociais do que é ser mulher e homem no quilombo ainda está baseada

nas condições culturais e históricas. Os jovens acabam não apenas reproduzindo de

forma mecânica esse discurso, como internalizam seus papéis e suas práticas de

acordo com este discurso.

De acordo com Beauvoir (1987), em sua famosa máxima “ninguém nasce

mulher, torna-se mulher”, para esta autora a cultura, a sociedade nos transforma em

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homens e mulheres. Desde o nascimento, a sociedade nos impõe padrões,

caminhos, atitudes. Beauvoir (1987, p. 19) em seu livro “O segundo sexo” discute

justamente como as mulheres são vistas como “segundo sexo” e construídas

socialmente, assim nos diz “a passividade que caracterizará essencialmente a

mulher "feminina" é um traço que se desenvolve nela desde os primeiros anos. Mas

é um erro pretender que se trate de um dado biológico: na verdade, é um destino

que lhe é imposto por seus educadores e pela sociedade”.

Ser mulher para mim, primeiramente eu gosto bastante. Eu gosto de ser

mulher. Eu vejo pelo cabelo, pelo formato do rosto. Acho que são mais as

características físicas, a voz também. A.A.A.N. ♀

Pergunta difícil. Tipo assim, mulher cuida dos filhos, cuida da sua beleza. E

homem é trabalhar e cuidar da sua comida também. M.M.P. ♀

Ser mulher é ser mãe, dona de casa, cuidar de sua função. Ser homem é ser

pai, pois a mulher cuida mais da casa e o homem da roça, geralmente. E.A.D. ♀

A emancipação feminina tão divulgada nos nossos tempos, pela burguesia,

pela classe dominante, ainda não chegou a muitos grupos sociais, pelas denúncias

do movimento feminista, em especial o Movimento Feminista Negro que traz as

violências, dificuldades das mulheres negras, quilombolas, pobres de acesso a

direitos básicos (GONZALEZ, 1982).

As mulheres negras no processo histórico brasileiro estão na instância

subordinada das relações de poder, sofrem com o racismo, que as inferiorizam pela

cor da pele e pelos traços morfológicos, que servem de “sinais de reforço”, para a

estigmatização social e com o machismo, que as inferioriza como mulheres. Não se

trata de uma somatória de opressões, mas sim, como argumenta Carneiro (2011),

de interdependências de opressões que se operam simultaneamente quando

estamos a nos referir as mulheres negras, quilombolas.

Elias (2000, p. 27) ao abordar as relações de poder entre grupos

estabelecidos e grupos marginalizados (não estabelecidos) nos aponta “a

estigmatização, portanto pode surtir um efeito paralisante nos grupos de menor

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poder.” Esse efeito paralisante apontado está em uma das causas da “aceitação” e

naturalização da invisibilidade das mulheres negras e quilombolas.

Sueli Carneiro (2002) ao discutir a situação da mulher negra brasileira, na

ótica de gênero, destaca que as mulheres negras tiveram e têm uma opressão

histórica diferenciada das mulheres brancas. E que o discurso clássico do

movimento feminista de mulheres brancas, burguesas, ocidentais não reconhece ou

não consegue fazer reconhecimento da diferença qualitativa que as mulheres negras

sofreram e sofrem. Na opressão sofrida pelas mulheres negras, o racismo é um fator

estruturante das desigualdades sociais e raciais juntamente com o sexismo

(BAIRROS, 1995).

As (os) jovens quilombolas nas entrevistas, de uma pergunta a outra,

apontaram que por serem de uma comunidade rural de negras e negros

quilombolas, algumas pessoas da cidade de Nossa Senhora do Livramento e os

fazendeiros, quando tratava de ofender a comunidade, se referiam a eles e elas

como “preto/preta feia”, “preta/preto sujos”, “preguiçosos” entre outros insultos.

Percebíamos que o olhar delas, ao relatarem tal situação, transbordava de tristeza.

Diria de olhares doloridos. Tais práticas discriminatórias de cunho étnico/racial se

estão presentes na apropriação e expropriação das terras quilombolas.

[...] e a minha cor é isso, o obstáculo da minha vida, porque se eu estiver em

um ambiente com mais gente branca, sei que serei rejeitado. J.G.M.C. ♂

A tratar-se da identidade quilombola e da cor da pele, trabalhamos com a

autodenominação. Quando a (o) entrevistada (o) demonstrou dificuldades de falar da

sua cor, apresentamos opções de matizes de cores de acordo com a classificação

do IBGE, que trabalha com as categorias de cor ou raça: branca, preta, parda,

amarela e indígena,

Vale ressaltar que o termo raça no âmbito das ciências biológicas está

superado, não há bases científicas para dizer que há raças entre a espécie Homo

sapiens, pelo contrário as pesquisas na área da genética comprovam que os

humanos são uma espécie única. No entanto, na área das ciências humanas e

sociais, o termo é utilizado, pois na organização social da sociedade ocidental, as

relações são estabelecidas de acordo com o fenotípico dos indivíduos e grupos

(COSTA, 2011).

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Algumas jovens demonstraram nas falas, orgulho de pertencer à comunidade,

de ter nascido e/ou vindo morar no quilombo, e não tiveram hesitação em dizer a cor

da pele como negra e sua identidade como quilombola. Estes apontavam sua

identidade sempre calcada no exemplo da família e a descendência que vem dos

negros, como o trecho abaixo da estudante E.A.D. ♀ Eu me vejo como negra, a

maior parte da minha família é negra. Eu sou descendente de negros.

Podemos tentar compreender tal demonstração de identidade étnica/racial e

quilombola, ser de uma família da comunidade quilombola, que pela narrativa

histórica dos mais velhos, constroem uma memória coletiva, na tentativa de compor

uma identidade quilombola buscando aproximar a ancestralidade africana. Assim,

fica muito difícil na comunidade se diferenciar de uma identidade não negra, isso se

observa pela luta que a muito tempo a comunidade trava com os latifundiários, a luta

pela conquista da terra, a luta pela melhoria de vida. Ser quilombola, no contexto

atual, o configura como sujeito de direitos, pois há documentos jurídicos que

asseguram os seus direitos, como o direito a terra, ao menos em tese. Negar tal

identidade étnica/racial pode acarretar a perda dos direitos.

Na entrevista com o estudante J.L. A ♂, ele exemplifica bem a questão do ser

negro e do pertencimento a terra “Eu sou negro. Pelos meus familiares, minha avó e

avô. A cor mesmo é parda, mas eu me considero negro. Na minha mentalidade eu

sou negro”. Atualmente há casamentos entre quilombolas e pessoas brancas outros

grupos étnico-raciais, assim, a comunidade possui uma diversidade de fenótipos que

não apenas o preto. Mas a sua identidade é negra, é quilombola, pela sua história e

pela sua ancestralidade.

Uma mulher quilombola é muito diferente das mulheres da cidade, por que ela tem a

maneira de falar dela, de vestir, de arrumar o seu cabelo, ela é muito diferente das

outras pessoas. As mulheres quilombolas usam muito no falar o “chá”. Então, as

outras pessoas da cidade quando a gente fala, eles já ficam olhando e admirando,

são pessoas diferentes. L. N. F. ♀

Eu me vejo como negra, a maior parte da minha família é negra. Eu sou

descendente de negros. E.A.D.♀

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A descrição de uma mulher quilombola pela estudante L.N.F. ♀, traz

interessantes observações, as mulheres urbanas servem como parâmetro para citar

as diferenças com as mulheres quilombolas. Estas apresentam características

próprias que se revelam na forma de falar, vestir, arrumar o cabelo e podemos inferir

pela fala que as mulheres quilombolas de Mata Cavalo, se consideram do campo.

Tais diferenças segundo a estudante são notadas pelas pessoas da cidade, que

demonstram curiosidade e admiração. Os detalhes expressados pela estudante com

bastante simpatia e orgulho (ao começar a caracterizar as mulheres, muitos sorrisos

foram esboçados) para caracterizar uma mulher quilombola, compõem elementos da

identidade e cultura quilombola.

4.3 Percepções do ambiente: o quilombo pela percepção juvenil

A educação ambiental ampara a pesquisa, visto que para além do campo de

pesquisa com metodologias e teorias, que vem sendo construídas por

pesquisadores da Educação Ambiental, que se firmou como campo epistemológico.

Uma práxis educativa com dimensão política que promove espaços de cidadania.

Quando trazemos que as condições dos conflitos socioambientais, o racismo

ambiental como elementos presente na comunidade, que se encontra enraizada no

território e é permeada por conflitos, que vem abalar, destruir a ligação com a terra

(ambiente, natureza) pela intenção ainda atual de latifundiários de expulsarem os

quilombolas. A justiça ambiental torna-se a base pela busca de equidade, e combate

as injustiças sofridas.

Quando perguntadas sobre o ambiente, algumas respostas vieram ligadas a

percepção de ambiente. Como sendo o lugar que se vive, estuda, incluíram a

Escola, e em suas falas apresentaram o quilombo como espaço de convivência

privilegiado para se ter paz, tranquilidade, de contato com a natureza, sem os riscos

da violência urbana ou amenizada, principalmente, por todos se conhecerem dentro

da comunidade, e os laços de parentesco.

O ambiente apresenta-se como espaço territorial de construção de uma

identidade, que agora podem nomeá-la de quilombola, que está marcadamente

ligada a ancestralidade africana, ligação de parentesco com os escravizados

africanos, a luta pela terra (herança negra) e por direitos sociais, negados

historicamente pelo Estado Brasileiro. E por último, e não menos importante, as

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relações educativas que a Escola realiza na intenção de manter o legado histórico

da Comunidade Quilombola. Os novos conhecimentos que permitam a

sobrevivência material e cultural que tragam melhorias para a comunidade e sua

permanência.

Eu gosto de morar aqui, é calmo é gostoso, conheço todo mundo, quase todo

mundo que mora na comunidade. A gente veio morar para cá, na cidade está muito

fora do normal, nós estamos acostumados com mais calmo. A.P.B. S. ♀

Eu gosto de morar aqui pela tranquilidade que tem, pretendo continuar a morar aqui,

gosto bastante. M.M. P. ♀

Ambiente para mim é o lugar onde a gente vive, onde eu vivo é o ambiente, tudo

para mim é ambiente. Você está aqui tá respirando o ar, onde o ambiente está

presente, para mim tudo é ambiente, o ambiente escolar. Então é uma das coisas

mais essenciais da vida. M.C.S ♀

Um desafio para educadores e outros, é compreender a EA para além dos

limites da instrumentalização e sensibilização ecológica. A EA pode estar aliada as

questões ecológicas e oferecer alguns instrumentos didáticos. Contudo, ela vai

além, busca a ligação dos seres humanos com a natureza, que separados na

modernidade, pelas teorias positivistas e cartesianas que elegeram a racionalidade

técnica como forma de controle e dominação da natureza, colocaram os humanos

como superiores e separados do mundo “natural” no mundo ocidental capitalista.

A religação se faz urgente em meios a crises ambientais que nos assolam

cada vez mais. Bauman (1999) em seu livro “Globalização: consequências

humanas” destaca o processo atual que vivenciamos da volatilidade da informação e

comunicação pelas novas tecnologias, e o fosso entre ricos e pobres que aumenta

cada vez mais. A globalização nos atinge desde o campo, as mega cidades.

A globalização destacada por Bauman (1999), e o mal-estar da civilização

moderna e pós-moderna, tem gerado a uniformização do mundo. Contudo, o

processo de homogeneização, não se dá de forma igual, e sim com muitas

contradições e imposições. Há a criação e anulação dos estranhos segundo

Bauman (1998), estes são criados pelo discurso do direito de diferenciação

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propalado pela globalização, contudo há momentos e interesses que os “estranhos”

que não se encaixam na sociedade globalizada do consumo devem ser anulados, e

até exterminados. O processo é progressivo e gera a segregação espacial,

separação e exclusão. As comunidades tradicionais encontram-se no movimento da

globalização, que gera exclusão social, expropriação de seu legado cultural e

ambiental.

A interligação do cultural com o natural, pois a cultura é construída e

reproduzida no ambiente, no caso de Mata Cavalo. Retrata o Ambiente não apenas

na dualidade natural e social (Ser humano versus Natureza), mas sim uma

abordagem socioambiental. Como na fala da jovem M.C.S. que diz que “o ambiente

é o lugar onde se vive, é tudo, é essencial à vida’”. Demonstra que as comunidades

ditas tradicionais, locais e comunidades biorregionais, o contato com a terra, com os

elementos biológicos (rios, árvores, animais) os possibilitam ter uma relação de

pertencimento e cuidado muito intenso com o ambiente, e com a terra que se torna

território com amplo sentido simbólico.

Sato (2002, p. 12) ao tratar da educação ambiental como uma recriação

continua das relações dos seres humanos com a natureza e entre si, aponta que, “a

educação ambiental, deve buscar sua eterna recriação, avaliando seu próprio

caminhar na direção da convivência coletiva e da relação da sociedade diante do

mundo”. A comunidade quilombola de Mata Cavalo, e os jovens da comunidade

encontram-se nessa busca de recompor seu ambiente, suas vidas e identidades. A

educação ambiental pode permitir que se criem e recriem espaços na escola, nas

associações nos espaços em que a comunidade atribui significados políticos para

que possam pensar e repensar as interligações com o ambiente e com sua

identidade quilombola.

4.4 Juventude e Quilombo

A juventude em muitos estudos é esta mais relacionada à categoria de

geração, do que tratada quantitativamente por números, faixas etárias, idades.

Alguns pesquisadores, em especial os da sociologia da juventude, abordam a

juventude, como grupo social e cultural, tendo sua prevalência e existência

reconhecida nos tempos da modernidade.

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A escola oportuniza o estudo até o ensino médio. Logo depois, os jovens

argumentam que não tem trabalho remunerado e não há como continuar os estudos.

Eles sonham em cursar o Ensino Superior, sendo que este sonho foi explicitado

pelas jovens mulheres com ênfase, pretendem trabalhar na cidade para conseguir

cursar uma faculdade e não depender de marido segundo elas. A entrevistada E.A.

D ♀, diz “O que pretendo para o futuro? Só coisa boa, eu penso em morar na

cidade, mudar daqui, [...]”. E continua “O que eu quero fazer na cidade é trabalhar,

fazer uma boa faculdade. Eu quero fazer psicologia”.

Observamos que em Mata Cavalo, as jovens mulheres entrevistadas

mencionam o desejo de continuarem os estudos, de irem para a Universidade, e

isso acarretará a saída da comunidade para a cidade. Dentre os dois entrevistados

do sexo masculino, o entrevistado J.G.M. C♂ relata seu desejo de “O que eu penso

em ser depois que terminar meus estudos? Eu tenho um sonho de ser jogador de

futebol, quem sabe no futuro? É isso que penso a respeito”. Já J.L.A.♂ menciona a

importância de se ter estudo e diz “quem não tem estudo é o mesmo que não ser

ninguém, é a mesma coisa que ser nada. Arrumar um serviço e cursar a Faculdade

de Direito”. Os jovens mencionam a importância do estudo como forma de ascensão

social, e de acesso a bens materiais como casa, carro poder sustentar a si mesmo e

a uma família, ter reconhecimento social e estabilidade financeira. A alusão do

estudante J.L.A.♂ a respeito de que não ter estudo é o mesmo que “não ser

ninguém”, pode estar de forma inconsciente ou consciente, a fazer referência a

relação social estabelecidas na sociedade burguesa ocidental, dita também como a

sociedade da informação, em que o saber cientifico é bastante valorado em

detrimento dos saberes locais, orais. A escrita e a leitura se apresentam como uma

necessidade extrema na era da informação e da comunicação, para a interpretação

dos códigos sociais, econômicos, culturais e científicos (GIDDENS, 1991).

A comunidade quilombola de Mata Cavalo tem seus saberes aprendidos e

compartilhados pela oralidade. Muito dos fatos históricos da comunidade é

transmitida de geração a geração pelas histórias contadas pelos mais velhos.

Castilho (2011) ao aplicar um questionário socioeconômico em186 unidades

residenciais no quilombo de Mata Cavalo no ano de 2005, nos traz alguns dados

sobre a escolaridade, em que o índice de analfabetismo e a baixa escolarização são

bastante elevados em Mata Cavalo. Castilho (2011) conclui que a população é

formada por uma maioria de analfabetos e semialfabetizados. Então a escola torna-

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se a esperança de pais e avós de que seus filhos e netos se desvencilhem da

pobreza, da falta de emprego e da desqualificação social com os estudos.

Pela ótica da sociedade ocidental capitalista, não ter a habilidade da leitura e

da escrita da norma culta da língua, impede o acesso a empregos de maior

rentabilidade e até mesmo aos direitos básicos, o analfabetismo também é uma

forma de exclusão social em nossa sociedade.

A pesquisa do IPEA sobre a situação social da população negra por estado

(2014), ao analisar a situação da população negra no mercado de trabalho,

demonstra uma diferença de acesso a bons empregos e permanência com os

brancos. Estes continuam a ocupar os empregos com menor salário e menor

prestigio social segundo a pesquisa do IPEA. Além das taxas de desemprego serem

maiores entre os negros. O que podemos reafirmar o que muitos pesquisadores que

estudam a população negra já constataram, que o racismo e a discriminação racial

no Brasil continuam a ser estruturante das desigualdades sociais, acumulando

desvantagens para a população negra. (MUNANGA, 2006; GOMES, 2003;

CASTRO, ABRAMOVAY, 2006).

Autores como Castilho (2011), Barcelos (2010) entre outros, apontam a

pobreza vivenciada pelas comunidades quilombolas brasileira. Mata Cavalo é uma

delas. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) no ano de 2014 lançou

uma pesquisa, sobre a situação social da população negra por estado com foco nas

condições de vida e trabalho. O estudo apresenta os indicadores sociais construídos

a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) nos anos de 2001

e 2012, tendo como eixo: características das famílias; escolaridade; trabalho e

renda; e seguridade social.

Ao trazer os dados da situação social da escolaridade da população negra em

Mato Grosso, de acordo com os dados do IPEA. Verifica-se que a população negra

com 15 ou mais anos de idade em comparação com a mesma faixa etária de

brancos, em relação ao estudo de doze anos ou mais, ao qual pode corresponder ao

ingresso na faculdade, teve um aumento. Contudo, os negros continuam com menos

estudo do que os brancos. Em 2001 negros com doze anos ou mais de estudo eram

4,7%, já em 2012 passam a ser 10%. Os brancos para os mesmos anos de estudo

em 2001 de 12,7% passam para 21,5% em 2012.

O processo de escolarização de negros se comparados aos brancos no

Brasil, é ainda menor, o que vem intervir no acesso aos melhores trabalhos, que

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exigem qualificação e formação escolar em especial a universitária. Que tem outras

ramificações como a população negra ser a maioria de pobres no Brasil.

4.5 Narrativas dos jovens quilombolas através das bonecas

Realizamos a oficina “As bonecas contam histórias” com as estudantes do

ensino médio que participavam do Programa Mais Educação no período matutino na

escola. O objetivo da oficina foi promover um diálogo, ou melhor, uma roda de

conversas com as jovens sobre suas percepções sobre o ambiente que vivem

(quilombo, escola, casa) e as relações de gênero na escola, na família, na

comunidade, através das bonecas. Estas serviram como instrumento para que elas

contassem as histórias da comunidade e suas próprias histórias na comunidade e na

escola, assim como dados para a pesquisa para além das entrevistas, como

também de subsidio. Aqui cabe uma ponderação sobre o material utilizado na

oficina, as bonecas utilizadas na oficina foram emprestadas a pesquisadora por

colegas do GPEA e pela minha coorientadora, e a ideia inicial foi de levar bonecas

diversas, tanto de etnias, formas, materiais e cores. Como forma de apresentar a

diversidade étnica humana.

A oficina foi realizada no dia 07 de abril de 2014 no período matutino na

quadra poliesportiva da escola. Foram seis estudantes que participaram dessa

oficina, todas jovens mulheres. Destas seis, apenas duas foram entrevistadas

anteriormente.

As bonecas utilizadas na oficina foram de vários materiais como, plástico,

tecido e porcelana. Assim, essa diversidade de materiais e fabrico nos trouxeram

limitações à oficina e podem ter influenciado a escolha das bonecas pelas

participantes. O ideal seria que as bonecas tivessem mais semelhanças em sua

composição visual. Apesar disso, os resultados apontados pela oficina foram

importantes para a nossa compreensão na pesquisa.

A oficina seguiu um roteiro semiestruturado (anexo C), onde as relações de

gênero e ambiente foram abordadas. Cada estudante escolhia uma das bonecas

étnicas e passavam a criar histórias para as bonecas. Elaboravam uma história

sobre a vida de uma boneca que é casada, tem filhos, mora no quilombo, etc. E de

como essa boneca vê o quilombo e seu ambiente.

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4.6 Chuvas de ideias: o começo das histórias!

Como forma de articular conhecimentos prévios das jovens quilombolas.

Iniciamos a oficina com o método Chuvas de ideias. Consiste em dizer o que

pensamos quando mencionamos algumas palavras-chave. São palavras que nos

acompanham no dia-a-dia e nem prestamos atenção a elas e as suas significações.

E pedi que, para além de exporem o que pensaram/pensam, escrevessem para

depois começarmos uma conversa coletiva. O interessante de tal método é poder

trabalhar com palavras-chave de uma temática, e interpelar os participantes sobre o

que vem à cabeça quando se pronuncia as palavras. Trabalha com os

conhecimentos prévios dos participantes, e a partir deles começamos o diálogo, as

discussões. Para o início da oficina optei por trazer a palavra Ambiente, Educação,

Mulher e Quilombo, em que as estudantes escreveram e falaram dos pensamentos

que vieram para cada palavra. Abaixo se encontra os relatos.

Para AMBIENTE, surgiram estas percepções:

Nós devemos cuidar do nosso ambiente, por que é dele que nós vivemos, sem ele

não teremos como viver.

O ambiente é o tipo do lar que a gente vive.

Ambiente é a natureza e para termos uma natureza bonita, precisamos preservar e

não destruir.

O ambiente é um lugar onde é tranquilo, que possamos respirar para pensar o lugar

bonito.

Ambiente é um lugar.

Ambiente é o lugar onde você mora, estuda e também a natureza onde temos que

preservar.

A educação ambiental pode nos ajudar a compreender a articulação do

ambiente natureza com o ambiente cultural. Os relatos das jovens quilombolas de

Mata Cavalo demonstram o quanto a comunidade constitui a natureza, o lugar de

onde a vivencia e convivência com as família e amigos são elementos importantes

do ambiente.

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Observamos que o ambiente para os quilombolas está atrelado a sua casa,

ao espaço territorial do quilombo, a escola, e a subsistência que a terra lhes atribui

como as plantações de banana, mandioca, arroz etc. O pertencimento ao local onde

se vive, gera o cuidado, elas expressam a ação da preservação do lugar, da

natureza para que se possa viver bem. Sato (2002) nos indaga sobre a busca

eterna de recriação da EA, no caminho de uma convivência coletiva e o conjunto das

relações sociais, que estão a determinar a dinâmica mundial.

A territorialidade é destacável na questão dos quilombolas, a terra dá o

sustento, dá o abrigo, a comunhão com os parente e amigos, e a identidade é

construída nela a partir de sua historias no tempo e lugar. De acordo com Silva e

Sato (2010, p. 12) “O território é, assim um elemento preponderante na construção

da identidade quilombola, sendo a base das práticas sociais, das representações e

das significações”.

Para EDUCAÇÃO, surgiram estas percepções:

É o que aprendemos em casa e na escola.

Educação é respeitar os pais e professores.

A educação é um exercício de dois métodos na escola e nas pessoas. Uma frase,

quem tem educação chega aonde quiser. A educação vem de casa e a escola

colabora.

A educação nós aprendemos na Escola, mas também em casa. Saber lidar com as

pessoas, saber falar, por que hoje no mundo muitas pessoas não sabem falar com

educação.

É o tipo de comportamento de cada um de nós.

A educação faz parte de nossa vida, porque sem o estudo não conseguimos nada.

A educação é o processo ao quais os humanos, aprendem a viver em

sociedade, adquirem os códigos culturais que ditam os comportamentos, crenças,

valores. Estes estão localizados no tempo, no espaço, por isso não são fixos. Muitos

teóricos há um bom tempo discutem, estudam a Educação, ou melhor, as

Educações. Dentre eles destaco Brandão (1995), que no seu livro “o que é

educação?”, aborda as várias educações que cada cultura apresenta. Como o

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próprio autor diz a Educação nos envolve no nosso dia a dia, na rua, na escola, em

casa, na convivência com familiares, amigos, estranhos.

A educação é um dos componentes do processo de socialização, assim

corroboro com Elias (1994), com a teoria do desenvolvimento dos modos de

conduta, que o comportamento humano em sociedade a dizer a ocidental capitalista,

foi um processo construído. Que tem na prática educativa o adestramento dos

modos de ser e conviver humanos. Aprendemos como nos “comportar” em

sociedade e em relação aos “outros” pelo processo educativo, e cada sociedade

pelos componentes culturais, econômicos, políticos criam normas, regras, leis. A

comunidade de Mata Cavalo também criou e cria espaços educacionais, e normas

para o bem viver que perpassam a escola, as famílias, as associações.

A educação escolarizada dos negros só se dará com o fim da escravidão em

1888 e com a implantação da Republica no Brasil (1889). Mesmo assim, a escola

será também um espaço onde a discriminação racial opera, visto que negros

ocuparam as escolas profissionais como constituição de mão de obra barata,

continuaram com condições precárias de trabalho. Ao ingressarem nas escolas

primárias posteriormente, serão tratados como menos capazes, indisciplinados, e

com pouca perspectiva de continuarem os estudos, muitos dos alunos negros têm

os progenitores analfabetos. A permanência da população negra na escola foi

constituída de muitos obstáculos, e de um racismo dissimulado, silencioso (CUNHA,

1999).

Em Mata Cavalo há momentos de socialização dos saberes, de forma

intergeracional, em que os “mais velhos” contam aos mais novos, a história da

comunidade, as histórias pessoais interligadas as histórias gerais da comunidade.

Na escola Prof.ª Tereza Conceição Arruda, nas duas feiras de artes (2013 e 2014)

ao qual participei o senhor “Mulato” (pai da professora Tereza e o quilombola mais

velho, estava com 109 anos segundo ele), foi homenageado pelos estudantes do

Ensino Médio como grande personalidade quilombola matacavalense, além de

outras e outros. Ele agradeceu a homenagem e com sua voz já fraca e rouca,

contou sua história, as lutas que travaram para poder continuar na terra, e o orgulho

de poder ser de Mata Cavalo. Ao final da explanação do senhor Mulato sua bisneta

a professora Gonçalina declarou sua importante atuação na comunidade como

referência na história da comunidade.

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A partir dessas considerações podemos tentar compreender os relatos das

jovens quilombolas a respeito do que pensam sobre a Educação. É interessante

observar que atribuem a prática educativa não apenas a escola, como também a

família, advém daí o respeito que se deve tanto aos pais e professores. A educação

como a maioria relatou está nas pessoas, no comportamento, e como se deve agir

perante as pessoas e situações, quando apontam que ter educação pode nos levar

a diversos lugares. E ainda pode proporcionar mobilidade social, status e a

possibilidade de se adquirir bens materiais, culturais da sociedade de massa. A

educação formal e a não formal constituem uma linha tênue de separação, visto que

utilizam muito do cotidiano da comunidade, do legado cultural nas aprendizagens na

escola.

Nas minhas observações participantes na escola, pude observar que muito

dos estudantes e professores tem laços de parentesco, pois quando surgia alguma

rebeldia do estudante, a professora logo dizia vou contar para sua avó ou sua mãe

em uma atitude repressora. Castilho (2011) ao acompanhar as aulas na antiga e

desativada escola São Benedito, também relata os laços de parentesco entre

professores e estudantes.

Para a palavra MULHER, surgiram estas percepções:

A mulher tem que ser respeitada por sua família, no seu trabalho e por toda a

sociedade.

Uma pessoa muito importante na nossa vida, e que devemos respeitar muito.

A mulher é muito importante no mundo de hoje. O mundo não seria completo se não

existisse a mulher.

Mulher é guerreira, batalhadora, forte, corre atrás. Mulher é algo precioso, é

simplesmente tudo. O mundo sem as mulheres não seriamos nada, ela é mãe,

cozinheira, cuida da casa, mulher significa família.

Mulher foi feita por Deus.

Mãe, guerreira, batalhadora que cada dia mais vem conquistando seu espaço na

sociedade.

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Ao se fazer um comparativo das narrativas da oficina com as das entrevistas,

das jovens e dos jovens ♂, temos afirmações recorrentes sobre o papel feminino e

masculino na comunidade. A associação do papel feminino com a família, a casa, o

cuidado com os filhos legitima um dos lugares cotidiano das mulheres quilombolas

em Mata Cavalo. As jovens citam que na comunidade as mulheres estão geralmente

ligadas as funções domésticas, e os homens ligados ao cultivo da terra, da

construção e manutenção da roça da família.

Nenhuma das jovens e os dois jovens citaram ou informaram conhecer a luta

pela posse legal da terra, em que as mulheres de Mata Cavalo participaram e

participam ativamente. Nas entrevistas e na oficina ao contar suas histórias e do

ambiente quilombola, não surgiram narrativas sobre os enfrentamentos das

mulheres com os fazendeiros, a liderança feminina que o quilombo teve. De certa

forma me causou um estranhamento ao perguntar as jovens, sobre a atualidade da

luta. Dentre elas duas apenas mencionaram ouvir de seus pais acontecimentos

sobre a regularização das terras do quilombo, e não estão inseridas no movimento

de luta da comunidade. As outras entrevistas e participantes da oficina referiram-se

apenas saber da historicidade da luta e não da atualidade.

O engajamento político da juventude de Mata Cavalo, a referirem-se as

jovens em processo escolarizado, nas lutas da comunidade devido a vários fatores

que uma pesquisa com mais profundidade, pode verificar, pode estar comprometido.

Os conflitos intergeracionais, as perspectivas de futuro dos jovens, a relação que

constroem com a terra e com a comunidade, trazem concepções, desejos que se

chocam com a tradição comunitária.

Muitas das jovens mencionam nas entrevistas e na oficina (chuva de ideias),

a importância do espaço que a mulher pode conquistar ao estudar e trabalhar fora

de casa. Não apenas uma forma de ajudar com as despesas em casa, como

também uma certa independência dos maridos em relação as finanças. Todas

ressaltam a necessidade de respeito e reconhecimento social das mulheres, que

desempenham tantas funções, em casa e na sociedade.

E quando mencionamos a palavra QUILOMBO:

Era o lugar para onde os negros iam quando fugia dos seus senhores.

Onde vivo.

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É uma comunidade onde todos são unidos, parceiros e onde viviam muitos negros

antigamente. (Quilombo de Mata Cavalo é um pedacinho de Livramento, venham ver

nossa cultura e os nossos monumentos).

O quilombo é interessante para as pessoas, que vive em uma comunidade, aqui

aprendi coisas que não sabia e hoje sei.

Um modo de respeito e cultivo do ambiente.

Quilombo, raça que é de origem dos escravos negros.

Ao descreverem e definirem o quilombo acabam por reproduzirem a definição

colonial sobre o que é um quilombo. Lugar de negros escravos de antigamente, de

negros que escapavam dos senhores, contudo alguns estudantes expressam o

quilombo como o local onde vivem seu ambiente. Tal definição colonial ainda é

expressa nos livros didáticos, nas falas de autoridades políticas, e ainda presente na

sociedade brasileira.

Para alguns jovens perceber o quilombo como seu ambiente, dinâmico e

contemporâneo pode estar atrelado a percepção dos de fora da comunidade, que

lançam olhares de discriminação racial, o que estigmatiza a comunidade e provoca

nos jovens a dificuldade de pertencimento, e reconhecimento. Para, além disso, a

ideologia do racismo tão arraigada a nossa sociedade, gera nos negros e negras

(em boa parte) a negação de si mesmo, a dificuldade em construir uma identidade

étnica/racial positiva. Os efeitos do racismo são nefastos para os jovens que estão a

construírem sua identidade.

As definições apresentadas pelos estudantes quilombolas, citados acima

como Ambiente, Educação, Mulher e Quilombo, tiveram o propósito de buscar o

conhecimento prévio destas estudantes, para a partir deste ponto começarmos a

oficina com a bonecas. A técnica da chuva de ideias possibilita a flexibilidade e

abertura para os participantes expressaram o que vem à cabeça, a partir de

palavras-chave escolhidas pelo facilitador/mediador da oficina, para dar-se início as

discussões, reflexões e práticas.

4.7 Diálogos de Gênero e Ambiente: histórias representadas por bonecas

As bonecas estão presentes nas sociedades humanas desde as cavernas,

em civilizações como a Egípcia, Grega e Romana eram utilizadas em ritos religiosos,

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associadas com a fertilidade feminina, e feitas de variados materiais e tamanhos

(COSTA, 2013). Não ainda como brinquedos para as crianças, e, diga-se para as

meninas. Tanto como diversão, brincadeira como preparo para a maternidade, as

bonecas são também artefatos culturais como argumentam estudiosas (CORREA,

2000; CRUZ, 2011; LOURO, 2003; etc.).

Uma das bonecas mais antigas do mundo chamada de “Vênus de Willendorf”

(Fig. 9) foi encontrada em uma caverna na Áustria, com aproximadamente trinta mil

anos, feita em pedra. Era utilizada em rituais de fertilidade que preparava as

mulheres para a gravidez. Apresentava formas bem destoantes das bonecas atuais

mais comercializáveis. As bonecas têm sua origem como artefatos culturais

utilizados em ritos religiosos, ligado ao feminino e a fertilidade (COSTA, 2013).

Figura 10: Vênus de Willendorf- boneca em pedra.

Fonte: Revista Ciência Hoje das crianças número 100.

As bonecas ganham expressão industrial de venda e compra para as crianças

(meninas), na Europa do século XVIII. Tem aparência humana feminina, com roupas

da época e local, e tem por foco o público feminino, pois como comenta Cruz (2011),

as bonecas passam a serem brinquedos das meninas com a intenção social de

prepara-las para a maternidade, o casamento e o cuidado com a família.

As bonecas (fig. 10) utilizadas na oficina tiveram a intencionalidade de trazer

algumas diversidades em relação à etnia (pretas, amarelas e brancas). Bonecas

industrializadas e artesanais, de diferentes materiais e tamanhos diferentes, com a

intenção de compreender a percepção que as jovens estudantes quilombolas,

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trazem no seu imaginário, vivências do seu dia a dia e do mundo, nas relações de

gênero e ambiente no quilombo.

Figura 11: Bonecas utilizadas na oficina na Escola E. Tereza Conceição Arruda.

Fotos e montagem: Elizete Santos, 2014.

A escolha das bonecas pelas jovens foi direcionada pelas perguntas: Qual

boneca você mais gostou? E a que menos gostou? Observei que as escolhas

vieram de encontro a identidade negra bem acentuada na escola, pois, as bonecas

pretas (D, E e F) foram logo escolhidas como a que gostaram mais, e justificavam

que por serem parecidas com elas, com a cor da pele, que são trabalhadeiras,

guerreiras e cuidam da família e da casa igual às mulheres quilombolas e que

estavam vestidas como mulheres decentes.

As que menos gostaram foram às bonecas brancas (G, H e I), pois

argumentavam que elas representavam a opressão que os brancos fazem com os

negros. Assim, disseram que as bonecas brancas podiam não gostar de pessoas

negras, não se importavam com a família e a casa, pois a boneca (G) estava vestida

com um vestido de festa o que representava que ela não era dona de casa segundo

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as jovens. Em especial a boneca (I) foi a que causou mais polêmicas entre elas. A

começar pela vestimenta da boneca que aparentava ser uma “piriguete” segundo as

jovens. Essa palavra designa uma gíria para falar de mulheres que usam roupas que

mostram o corpo excessivamente e que trocam de homens rapidamente. E que

segundo elas não se preocupa com a família e a casa. Houve um consenso entre as

jovens que está boneca seria a mais desprestigiada.

As bonecas amarelas de origem japonesas (A, B e C), ganharam a atenção

das meninas como belezas exóticas, sabedoria que transmitiram segundo elas

serenidade. Quando apontaram as bonecas amarelas, elas falavam dos traços da

fisionomia do olho apertado, do cabelo liso, que eram bonitas.

Essas percepções que relacionam o gênero com a identidade e ao ambiente

ao qual estamos ligadas demonstram a realidade do grupo social. A comunidade

quilombola como já citada no capitulo 2, tem um histórico de lutas e conflitos e vive o

litigio pela posse legal da terra. Para além do litigio com a terra, há a discriminação

racial sofrida geralmente por brancos da cidade e das fazendas segundo os próprios

jovens contam, que tentam desqualifica-los como verdadeiros donos da terra. No

entanto, a comunidade se fortaleceu, adquiriu informações sobre seus direitos como

quilombolas, uniu-se forças, conseguiram construir a Associação para poderem lutar

e conseguir direitos perante o Estado, ONGs, como a construção das escolas no

quilombo.

Construir uma identidade negra quilombola pelos jovens traz como agentes a

família, a escola e o Estado. A família quando os jovens contam suas histórias, e

relatam como se veem é bastante citada, como sendo de origem negra e

quilombola. A matriz familiar seria o primeiro espaço de construção de uma

identidade negra quilombola, mesmo que não se possa afirmar que tal construção é

feita de forma consciente e racional com os jovens. A escola quilombola Prof.ª

Tereza Conceição Arruda já demonstra um propósito de não apenas construir uma

identidade negra quilombola, como também de valorar positivamente o legado

africano para os quilombolas. Tal ação é enfatizada com os estudantes, tanto na

decoração da escola, nas festas escolares, nos trabalhos escolares. Há atividades

voltadas para a celebração de líderes negros e negras, documentários sobre a

cultura negra brasileira, disciplinas da educação escolar quilombola, como

preconizam as orientações curriculares nacionais para a Educação Escolar

Quilombola.

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O Estado brasileiro ao assumir o direito à terra aos remanescentes de

comunidades quilombolas, com o artigo 68 da CF de 1988, atribui à legitimidade de

um grupo social há muitos anos e décadas na invisibilidade e negligenciado pelo

próprio Estado. Assim, algumas comunidades negras rurais se assumem

quilombolas, e passam a ter direitos não apenas a regularização de suas terras,

como também outros direitos.

Os jovens de Mata Cavalo ao se assumirem como negros e quilombolas, tem

sua construção baseada na família, na escola, na comunidade e “assegurada” pelo

Estado. Portanto, na escolha das bonecas pretas como parecidas com elas, as

bonecas brancas a representar a opressão, o racismo sofrido e as bonecas

amarelas como um possível ideal de beleza.

Começaram a contar histórias de vida pelas bonecas pretas as histórias se

passam no quilombo, elas são guerreiras mesmo na dor e nas dificuldades estão a

trabalhar, não se deixam esmorecer. Cuidam de toda a família, da casa, plantam e

colhem e lutam para que os filhos e filhas estudem, façam faculdade. As esperanças

de mães e avós quilombolas se entrelaçam com os sonhos das jovens, em que o

estudo representa a oportunidade de reconhecimento social, acesso a bens

materiais e culturais do “mundo” urbano. Ser mulher no quilombo de Mata Cavalo é

uma construção de acordo com as narrativas das jovens, ainda presa a divisão do

trabalho pelo viés biológico, ao serviço doméstico. Mesmo que as mulheres na

história da comunidade se mostraram nada passivas e muito menos frágeis, quando

serviram de barreira contra as invasões dos fazendeiros e uma delas tornou-se

presidente da Associação de Mata Cavalo. Mata Cavalo tem elementos que podem

contribuir para que as jovens quilombolas alicercem sua identidade feminina negra

de forma positiva, mesmo, a saber, que temos várias identidades, e que elas não

são fixas, mas sim dinâmicas e se intercalam com outras (HALL, 2005).

Com as bonecas brancas a história começou pelo conflito entre brancos e

negros, provavelmente a envolver os conflitos fundiários entre os fazendeiros com

os quilombolas de Mata Cavalo. Contam que as bonecas brancas não gostam de

negros/negras, que são opressoras, não cuidam da família, da casa, gostam de sair

para festas, tais relatos podem estar identificados em situações de discriminação

racial que vivenciaram. A boneca (G.) classificada como branca vestida

pomposamente segundo elas demonstra ser esnobe e não gosta de se aproximar de

pessoas pobres e negras.

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Ao traçar as histórias para as bonecas entrelaçam-se a gênero e ambiente as

questões étnico-raciais. Ao apresentar as histórias para as bonecas pretas

vinculadas as mulheres quilombolas de Mata Cavalo, e descreverem os papeis que

as mulheres desempenham na maioria das vezes na comunidade, que

simultaneamente é um papel tradicional alçado em uma visão sexista, de que as

mulheres devem ficar em casa, cuidar dos filhos e do marido, enquanto os homens

são os provedores, que vão para o trabalho fora de casa. Reforçam alguns pré-

conceitos vinculados ao determinismo biológico, de que as mulheres são mais

fracas, passivas e inferiores aos homens, são posturas que se naturalizam. Como já

argumentado por Louro (2013), é necessário que estejamos atentos a tais

naturalizações, o questionamento sobre o que nos parece “natural” dentro de uma

realidade social deve estar acompanhado de desconfiança e criticidade.

Corroboro com Scott (1995), quando argumenta que as relações de gênero

são construídas a partir de um lugar social, histórico não desconectado das relações

de poderes que se engendram nos espaços de luta. As jovens quilombolas de Mata

Cavalo estão a construir suas identidades de gênero, de raça a partir de um grupo

social que tem na territorialidade suas bases culturais, de lutas que ainda se fazem

necessária, pois há relações de poderes desiguais. O ambiente perpassa a vida da

comunidade, das jovens tanto pela construção de suas identidades, saberes, cultural

e a construção social dos gêneros.

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CAPITULO V

NAS METÁFORAS DO LABIRINTO

Bonecas artesanais quilombola

Foto: Elizete Santos, 2014.

Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.

Cecilia Meireles

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5.1 Considerações sobre o Caminho Labiríntico

A experiência de realizar um mestrado em educação nos traz desafios, crises

ansiedades e crescimento. Porém, é também uma deliciosa experiência ao qual

você percebe o quanto pôde crescer perante as aprendizagens, saberes,

desconstruções perante pré-conceitos do mundo. A famosa máxima de Sócrates “Só

sei que nada sei” poderia ser complementada por “tenho muito a aprender, meu

conhecimento é pequeno”. Nessa pequenez de reconhecer que o que sabemos

sobre o mundo, o outro, e a nós mesmos é aprendido e desaprendido, não é algo

fixo, inflexível e rigoroso, acontece no devir e na mutabilidade. Está na beleza da

incompletude humana, na roda da vida que se faz e desfaz nos preparando

experiências, vivências, que muitas das vezes só paramos para pensar e valorizar

depois que passam.

A vivência de um mestrado nos coloca em situações de instabilidades,

perante conceitos que antecipamos sobre nossas pesquisas, que nos coloca em

uma situação tensa e conflituosa várias vezes e conosco. Os questionamentos e

desafios podem tanto nos fazer caminhar como paralisar. Há também, as situações

de sentimento de perda, confusão, que nos fazem voltar ao caminho, e revê-lo.

Assim, o processo de pesquisar é tão mais importante do que simplesmente

chegar aos resultados finais. O processo nos revela nossas potencialidades e

fraquezas, dentro da pesquisa, nos fazendo escolher e tomar posições, e questionar

os nossos conceitos tendenciosos e preconceituosos.

As leituras inspiradoras da Cartografia do imaginário de Sato (2011) me

oportunizaram compreender o que é pesquisar, a relação da pesquisa com o mundo,

os sujeitos e com o próprio pesquisador e suas responsabilidades. A compreensão

do processo da pesquisa foi como um labirinto com caminhos tortuosos, fechados e

abertos, a ajuda veio do fio de Ariadne (as minhas orientadoras, professores,

colegas, família).

O contato que tive com a Comunidade Quilombola de Mata Cavalo através da

Escola (professores, estudantes e moradores), me oportunizou compreender as

relações ainda presentes, e em constante renovação e mudança, de uma

comunidade negra rural. A conclamar para si uma ancestralidade africana, que traz

na memória, narrativas de seus antepassados africanos escravizados, os coloca

como sujeitos de direitos, com autodenominação de quilombolas. A terra herdada

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por ex-cativos que deixam a seus descendentes o território, que abriga elementos de

uma construção identitária calcada na negritude, na luta e na sobrevivência.

A oportunidade de entrevistar, conviver e realizar a oficina, com os jovens

quilombolas, foram momentos importantes da pesquisa de campo, e da participação

dos sujeitos na pesquisa. Momentos de escuta, de discussões que proporcionaram a

construção da pesquisa. De uma construção em parte coletiva, de trazer audiência a

vozes inaudível. De compreender de forma complexa a realidade, as percepções

que os jovens de Mata Cavalo constroem sobre seu ambiente (o quilombo, a

escola). As percepções de gênero que estão inseridas na vida cotidiana, comunitária

e escolar dos jovens muitas vezes camufladas e sutis.

A juventude como ator social passa a ser reconhecido e estudado na recente

década de 90, com a crise do risco que certos grupos juvenis ocasionavam

problemas, uma estigmatização de certos grupos de juventude. As transformações

sociais, biológicas e econômicas que tal fase passa. Atualmente, os estudos sobre

a juventude ou as juventudes, envolvem aspectos educacionais, culturais, sociais,

econômicos que discutem para além de uma fase etária, mas sim atores sociais,

políticos e formulação de politicas públicas para as juventudes.

Para os jovens de Mata Cavalo viver na comunidade, ainda traz alguns

embates, tantos internos como externos. Que refletem atritos entre gerações,

mudanças sociais e culturais que os jovens já conseguem ter acesso e se sentem

muito mais envolvidos, que os adultos. A vivência da discriminação racial, da classe

social perpassa a vida dos jovens de Mata Cavalo, até mesmo na comunidade, na

escola, relataram os casos de racismo mais frequente quando vão a cidade.

A juventude quilombola da Comunidade Rural Negra de Mata Cavalo tem

suas especificidades, dentro de um conjunto maior, ao qual pertence à Juventude

Camponesa. Os jovens atuais de Mata Cavalo tem uma história identitária a

herdada, de uma ancestralidade africana, de pessoas escravizadas, que ainda lutam

pela terra até os tempos atuais. A possibilidade de poderem se afirmar como negros

quilombolas pode lhes garantir identidade e direitos.

O dilema do êxodo rural, também esta presente na comunidade, os jovens

expressam a vontade de sair do quilombo, por motivos estruturais, como falta de

transporte, emprego, saúde e a continuação dos estudos. Os jovens migram para

as cidades em busca de emprego e escolarização.

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Como marca do racismo ambiental, as lutas que ainda se travam em Mata

Cavalo pelo reconhecimento da terra, o legado que os “mais velhos” pretendem

deixar aos jovens a territorialidade, a identidade forjada na terra. A discriminação

racial que sofrem por estar em uma comunidade negra rural quilombola, quando se

apresentam como quilombolas na cidade, recai sobre os jovens de forma implacável,

aos quais os adultos pouco tem dado a importância devida, em especial na escola.

A escola é o espaço social oportuno para se trabalhar as questões étnico-

racial, mais sobressalente em uma escola quilombola. A escola da comunidade de

Mata Cavalo apresenta alguns elementos na qual se tenta fortalecer as questões

étnico raciais com os estudantes, porém estes demonstram a fragilidade das ações,

em suas falas e relatos.

Através da Educação escolarizada colocam suas esperanças de poderem sair

de uma invisibilidade que as comunidades quilombolas ainda se encontram, quando

olhamos para o acesso aos direitos básicos, que muitas vezes o Estado tem

negligenciado as comunidades. A possibilidade de ser “alguém”, de ter

reconhecimento social, que afaste a discriminação racial e social.

A Educação Ambiental pode colaborar de forma conjunta, transversal com a

Educação Quilombola, para a promoção de cidadania, criticidade dos jovens

quilombolas, e de reflexões sobre as construções sociais estabelecidas de gênero

na comunidade, que impactam perceber as relações de poderes entre homens e

mulheres. Havendo a necessidade de posturas críticas perante o sexismo que

intercalado com o racismo, causa danos e vulnerabilidade as jovens negras, em

aspectos psicossociais.

Há poucas pesquisas sobre as juventudes quilombolas e sua diversidade,

histórias e singularidade. Assim temos juventudes dentro do grupo quilombola ao

qual podemos trazer histórias, origens, constituição familiar. Pesquisar as questões

culturais, sociológicas, econômicas com os jovens quilombolas é considera-los como

sujeito social, é oportunizar que possam trazer suas percepções, construções

culturais ao mundo adulto, urbano e ir além de apenas focalizar os problemas, sem a

participação da "resolução" sem os jovens. É dar não apenas visibilidade, como

também deixar audível as vozes dos jovens quilombolas, conferir-lhes protagonismo

pela sua história a ser construída e ancestral.

Os jovens quilombolas que dialogaram conosco nesta pesquisa, em sua

maioria mulheres, com faixa etária do quatorze aos dezoito anos, estudantes do

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Ensino Médio da Escola quilombola de Mata Cavalo. Possibilitaram-nos

compreender que as percepções do ambiente, vão além de um espaço concreto, de

subsistência. O ambiente para estes jovens quilombolas, adquire a pertença de

origem histórica, que a partir das narrações coletivas dos mais velhos da

comunidade, ligam a terra/ambiente a uma ancestralidade. Que vem a compor a

identidade, a territorialidade. Contada aos mais jovens para que estes saibam dos

feitos dos antigos, das suas lutas, vitórias e sofrimentos.

Ser homem e mulher no "mundo" quilombola de Mata Cavalo é pela

percepção dos jovens, adquirir funções sociais ligadas ao sexo biológico. Para

referenciar tais atributos aos sexos, advém das experiências familiares, da

comunidade, da divisão do trabalho. A relação com o ambiente relacionada a gênero

demonstra que os jovens atribuem lugares específicos a homens e mulheres, como

exemplo citarem a casa, como espaço feminino e a roça como espaço masculino,

baseados na divisão social do trabalho na comunidade. O trabalho no ambiente

domestico condicionado as mulheres, e o trabalho fora do ambiente domestico aos

homens.

O caminho labiríntico do mestrado me fez compreender o que é pesquisa,

desde as relações éticas, racionais e subjetivas. Pesquisar é rever o mundo com

olhos mais treinados, críticos das relações sociais estabelecidas que vemos como

“naturais”, é também o olhar a si mesmo como pesquisadora. Descobrir que o saber

cientifico não é apenas racional, e muito menos neutro e imparcial. Como

pesquisadores trazemos nosso legado histórico, social e ambiental, conosco na

pesquisa.

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APÊNDICE

APÊNDICE A- AUTORIZAÇÕES DAS ENTREVISTAS, FOTOS E IMAGENS.

APÊNDICE B- TERMO DE LIVRE CONSETIMENTO ESCLARECIDO- MODELO.

APÊNDICE C- ROTEIRO DA OFICINA COM BONECAS.

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APÊNDICE A- AUTORIZAÇÕES DAS ENTREVISTAS, FOTOS E IMAGENS.

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APÊNDICE B- TERMO DE CONSETIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO- Modelo

Eu, _________________________________________________, (Pai, Mãe,

responsável) autorizo que minha filha (o)

_________________________________________________ seja entrevistada (O)

para a pesquisa. A entrevista realizada em ___/___/___, concedida à pesquisadora

Elizete G. dos Santos, seja utilizada na sua pesquisa de Mestrado em

Educação/PPGE/UFMT, com o tema Labirinto de lutas: percepção de gênero e

ambiente das (os) jovens quilombolas de mata cavalo. Autorizo, ainda, o uso

de minha imagem e de meu nome , na sua dissertação de conclusão de curso

do Mestrado, declarando que ficou esclarecido o meu direito, se assim pretender e

solicitar, a ter a identidade preservada e a garantia do sigilo das informações, bem

como que será permitido desistir de participar desse estudo a qualquer momento,

sem qualquer prejuízo físico, psicológico, biológico e/ou material.

Por ser verdade, firmo o presente termo de consentimento e

esclarecimento.

Nossa Senhora do Livramento-MT ___ de ____________ de 2014.

_______________________________________

Assinatura do responsável

Contato do Pesquisador:

E-mail: [email protected] Tel.: 65 9634-6662 (vivo)

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APÊNDICE C- ROTEIRO DA OFICINA

Oficina Gênero e Ambiente – Bonecas na conversa

Sujeitos da Oficina: estudantes do Ensino Médio

Local: Escola Estadual Prof.ª Tereza Conceição Arruda no Quilombo de Mata

Cavalo (sala de aula ou laboratório para a oficina)

Classificação da Escola: Escola do Campo/ Escola Quilombola

Duração: sem tempo fixo, deixar a oficina ocorrer.

Objetivos: compreender as percepções, investigar como as jovens mulheres da

escola quilombola percebem, definem as relações entre gênero e com o

ambiente; há conflitos nessas relações? Como se estabelecem as relações?

Como veem a Escola?

JUSTIFICATIVA

Ancorado num vídeo que circulou largamente na lista da Rede Brasileira

de Justiça Ambiental, que mostrava que nos Estados Unidos, as próprias

crianças negras escolhiam bonecas brancas, a presente metodologia vem

experimentar se tal situação ocorre no quilombo Mata Cavalo. Contudo, para

além da mera testagem, o método visa ampliar os cenários, permitindo que os

adolescentes narrem histórias por meio das bonecas. Esperamos que tais

histórias revelem o imaginário destes adolescentes em relação a 2 pontos

primordiais da pesquisa: (a) Gênero e (b) ambiente. Estas duas dimensões

estão intrinsecamente ligadas ao arcabouço pedagógico da construção

identitária, pela reconstrução da educação ambiental.

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Materiais: bonecas negras, brancas e de outras etnias, industrializadas e

artesanais; filmadora, papel, lápis coloridos e canetas e pequenos filmes

relacionados com a grande temática da Oficina;

Métodos: começa-se a oficina com uma roda de apresentação em que cada

participante, diz seu nome, idade, se nasceu e mora no quilombo, e qual sua

identidade étnica; inclusive a pesquisadora como participante dessa roda de

conversa. Com o método inicial da Chuva de ideias, lançamos palavras-chave

como às abaixo:

a) Ambiente

b) Educação

c) Mulher

d) Quilombo

Passos seguinte:

Possibilidade 1: levar fotos/gravuras de mulheres negras, brancas e homens

negros, brancos e outras etnias para cada foto indicar aos estudantes que

indiquem palavras correspondentes, tais palavras pensadas por mim como:

Racismo, Beleza, Preconceito, tristeza, alegria, feio; ou pedir que eles

elenquem palavras para as fotos como uma "Chuva de ideias". Após elencarem

as palavras as fotos/gravuras abrir para uma roda de conversa, para que digam

o porquê das associações (lembrete: caso não falem nada, o que faço para

estimular e deixar à vontade para que digam sobre as associações?);

Você pode levar várias fotos e pedir para eles escolherem:

- As três fotos que mais gostaram – será preciso justificativas

- As três fotos que menos gostaram – idem

Possibilidade 2 - levar as bonecas de várias cores, industrializadas e artesanais

e indagar um roteiro aos estudantes para que expressem algumas opiniões

sobre as bonecas como: qual a que mais gostou? Por que gostou? Qual a que

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menos gostou? Conte uma história sobre cada boneca? Onde acha que as

bonecas deveriam morar e trabalhar? O que faria a boneca escolhida como

mais interessante feliz? Quanto custa cada boneca? As bonecas devem ir à

Escola? Por quê?

“Um dia a boneca se casa e tem dois filhos”. Você acha que ela deve

trabalhar fora, ou ficar em casa cuidando das crianças? Na educação dos filhos,

você acha importante que o cuidado ambiental esteja presente? Por quê?

Finalizar a oficina com uma roda de conversa novamente para que se deixe

espaço para que eles/elas comentem a oficina/vivência.