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 JOSÉ RIBEIRO FERREIRA Labirinto e Minotauro  Mito de Ontem e de Hoje    L    A    B    I    R    I    N    T    O    E    M    I    N    O    T    A    U    R    O    J    O    S     É    R    I    B    E    I    R    O    F    E    R    R    E    I    R    A Perdido que foi tudo o que podia servir de referência, somos levados a reconhecer que o labirinto não está, afnal situado num espaço que, como já dissemos, se vai tornando ausente. E, ao desaparecer esta referência última, somos levados a concluir que ele é em nós próprios que existe acabando, assim, por se confundir cada vez mais com a nossa presença. Compreendemos, então, que todos os lugares são um labirinto, não para encontrarmos uma saída, mas para nele nos encontrarmos. Fernando Guimarães, Tratado de harmonia. Poemas, p. 44 Colaboração: Associação Portuguesa de Estudos Clássicos (APEC)

Labirinto e Minotauro

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  • Jos RibeiRo FeRReiRa

    Labirinto e MinotauroMito de Ontem e de Hoje

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    Perdido que foi tudo o que podia servir de referncia, somos levados a reconhecer que o labirinto no est, afinal

    situado num espao que, como j dissemos, se vai tornando ausente. E, ao desaparecer esta referncia ltima, somos levados a concluir que ele em ns prprios que existe acabando, assim, por se confundir cada vez mais com a nossa presena. Compreendemos, ento, que todos os lugares so um labirinto, no para encontrarmos uma sada, mas para nele nos encontrarmos.

    Fernando Guimares, Tratado de harmonia. Poemas, p. 44

    Colaborao: Associao Portuguesa de Estudos Clssicos (APEC)

  • LABIRINTO E MINOTAURO

    Mito de ontem e de hoje

  • Jos Ribeiro Ferreira

    LABIRINTO E MINOTAURO

    Mito de ontem e de hoje

    Coimbra 2008

  • AUTOR: Jos Ribeiro Ferreira

    TTULO: Labirinto e Minotauro Mito de Ontem e de Hoje

    CAPA: Taa tica de figuras vermelhas, de Ayson (sc. V a.C.). Teseu e o Minotauro.

    ROSTO: Pelike de figuras vermelhas, que representa Teseu a matar o Minotauro (470-460 a. C.). Museu

    regional Arqueolgico de Gela.

    EDITOR: Jos Ribeiro Ferreira

    CONCEPO GRFICA: Fluir Perene

    Obra produzida no mbito das actividades da UI&D Centro de Estudos Clssicos e Humansticos da

    Universidade de Coimbra

    IMPRESSO: Simes & Linhares, Lda. Av. Fernando Namora, n. 83 - Loja 4

    3030-185 Coimbra

    PEDIDOS: Associao Portuguesa de Estudos Clssicos (APEC).

    Faculdade de Letras Universidade de Coimbra Tel.: 239 859 981 / Fax: 239 836 733

    3000-447 COIMBRA

    ISBN: 978-989-95751-6-5 DEPSITO LEGAL: 279322/08

  • NDICE

    Prefcio 7 O Labirinto e o Minotauro na tradio clssica 9 O Labirinto e o Minotauro na poesia portuguesa contempornea 45 Bibliografia essencial . 85 Antologia de poemas . 87

    Miguel Torga .. 89 Natlia Correia 95 David Mouro Ferreira .. 97 Fernando Guimares .. 103 Jos Augusto Seabra 105 Sophia de Mello Breuner Andresen 111 Eugnio de Andrade 121 Fiama Hasse Pais Brando .. 123 Jos Ribeiro Ferreira 127

  • Prefcio

    Inicialmente o Palcio de Cnossos talvez, o Labirinto passou a simbolizar a complexidade e insolubilidade da vida actual; e Minotauro a designar algo de monstruoso que nasce do homem e que cada um arrasta consigo ou enfrenta tempo que tudo devora, paixes e desejos, um simples homem, poder econmico. Ou seja, algo que Sophia chega a identificar com um homem que traz em si mesmo a violncia do toiro (Geografia, p. 69).

    S a solidariedade e a colaborao sem reservas nos consegue libertar de um e de outro: Teseu quis participar nas desventuras do seu povo e tentar libert-lo, mas s o conseguiu com a colaborao interessada de Ariadne.

    este mito que Labirinto e Minotauro Mito de Ontem e de Hoje procura abordar, embora de forma sucinta, em dois captulos: o primeiro faz um breve percurso pelos dados da tradio clssica relativos ao mito; o segundo analisa a presena do mito em seis poetas portugueses contemporneos, a que se seguir uma antologia dos principais poemas tratados.

    Que vos seja til e vos agrade.

    Coimbra, julho de 2008 Jos Ribeiro Ferreira

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    Planta do Palcio de Cnossos

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    O LABIRINTO E O MINOTAURO

    NA TRADIO CLSSICA

    Sozinha camimhei no labirinto

    Apoximei meu rosto do silncio e da treva

    Para buscar a luz de um dia limpo.

    Sophia de Mello Breyner Andresen

    O mito Conta a lenda bem conhecida que Minos, rei de

    Cnossos, se recusou a sacrificar a Posidon um touro branco de bela estampa e que o deus, como castigo1, fez suscitar na esposa, Pasfae, um amor monstruoso por esse touro. Para satisfazer o desejo incontrolvel, a rainha pede a Ddalo, o engenhoso arquitecto e artista, que lhe modelasse uma forma taurina, onde ela se introduziu. Da unio contra-natura, nasce uma criatura hbrida, com cabea de touro e corpo de homem, cujo nome pessoal seria Astrio, mas aparece geralmente designado como Minotauro e por esse nome

    1- Segundo algumas verses o desagrado seria de Afrodite.

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    conhecido2. Ento Minos encarrega Ddalo de construir um edifcio especial, onde esse ser fosse encerrado o Labirinto, uma construo de plano to complicado que dele ningum conseguia sair, uma vez l entrado.

    Em consequncia da morte do filho Androgeu, o rei Minos empreende uma expedio punitiva contra a Grcia continental e, vitorioso, obriga os Atenienses ao envio regular de sete rapazes e sete donzelas para servirem de alimento ao Minotauro3. Durou o doloroso tributo, at que Teseu, filho de Egeu, rei de Atenas, na terceira vez do envio dos jovens, se oferece para integrar o grupo e, com a ajuda de Ariadne, filha de Minos, consegue matar o Minotauro e depois sair do Labirinto, seguindo o fio que a jovem apaixonada lhe aconselhara a estender, por indicao de Ddalo.

    Eliminado o monstro, Teseu parte de Creta com Ariadne que depois abandona na ilha de Naxos que primitivamente tinha o nome de Dia , onde Dioniso a encontra, a desposa e a leva para o Olimpo.

    Entretanto, cansado da sua longa permanncia forada no palcio de Minos, Ddalo planeia fugir com o

    2- Embora seja essa a sua representao mais usual, outras surgem na

    arte figurativa: corpo de quadrpede e cabea de homem, corpo de homem e cabea de leo, cavalo, carneiro e mesmo de homem. Vide S. Woodford, in LIMCA VI, s. v. Minotauros n 6, 6a, 7, 12, 13, 15, 25 e 33 e com. p. 579.

    3 - Esse envio; segundo uma verso do mito, seria anual; segundo

    outra veso, teria uma periodicidade de nove anos.

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    filho caro. Constri para os dois asas de penas de diferentes tamanhos, ligadas com linho e cera. Ao abandonarem o palcio, o filho, entusiasmado com a sua capacidade de voar, no teve em conta os conselhos do pai e aproximou-se do sol. A eterna nsia de o homem se superar e de transpor os limites que o confinam. A cera das asas derrete-se e precipita-o no mar que desde ento toma o seu nome. Assim castigado pelo seu pecado de desmedida e insolncia (hybris) e, por outro lado, se explica etiologicamente um nome geogrfico.

    Testemunhos dos Poemas Homricos

    possvel que esta tradio encubra, alterados, factos histricos e reais. Muitos destes nomes j se encontram nos Poemas Homricos, os primeiros documentos literrios da literatura grega que, embora compostos no sculo VIII a. C., se baseiam na tcnica de improvisao oral e transmitem elementos de vrios sculos antes, provindos em grande parte desde os tempos micnicos4. Na Ilada, Minos e Radamento so filhos de Zeus e de Europa (14. 321.

    4- Sobre a composio dos Poemas Homricos e sua historicidade

    vide Jos Ribeiro Ferreira, Hlade e Helenos. 1 Gnese e evoluo de um conceito (Coimbra, 21992), pp. 39-66.

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    -322) e em Tria, entre os chefes aqueus que combatem sob o comando de Agammnon (13. 402 sqq.), encontra-se Idomeneu, rei de Creta, que se vangloria de ser neto de Minos, e portanto descendente de Zeus (vv. 449-453). Ariadne e Ddalo surgem no mesmo poema, na descrio do Escudo de Aquiles, associados a Cnossos, quando se compara a dana cinzelada por Hefestos (18. 591-592)

    ................. que outrora, na imensa Cnossos,

    Ddalo organizou para Ariadne de belas tranas.

    Curiosamente Plutarco, Teseu 21. 1 fala de uma dana, executada por Teseu, em movimentos alternados e circulares que procuravam imitar as diversas voltas do labirinto.

    Na Odisseia, Ulisses encontra Minos no Hades com o encargo de aplicar a justia entre os mortos (11. 568-571) e mais tarde em passo alis discutvel, por nomear os Drios , ao ser interrogado por Penlope sobre a sua identidade, inventa uma histria fictcia, dizendo-se natural da formosa e feraz Creta, situada no meio do mar cor de vinho, irmo de Idomeneu e descendente de Minos que governara aquela ilha (19. 172-190).

    Deixei para o fim um passo da Odisseia que tem significativa importncia para o tema em anlise, mas infelizmente j tem sido considerado uma interpolao

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    tica posterior5. Ulisses na sua ida ao Hades encontra, entre as mulheres condenadas, Fedra e Ariadne que tinham sido esposas de Teseu (11. 321-325). Conta ele:

    Vi Fedra, Prcris e a formosa Ariadne,

    filha de Minos de pensamentos funestos, que Teseu um dia

    trouxe de Creta para a cidadela da sagrada Atenas.

    No chegou porm a desfrutar dela. Antes, causou-lhe a morte

    [rtemis em Dia, rodeada pelo mar, por denncia de Dioniso.

    Embora aqui se no diga expressamente, estamos com certeza na presena de uma referncia ao regresso do heri da luta vitoriosa com o Minotauro, na companhia de Ariadne. Disso um indicativo o epteto olophronos de pensamentos funestos aplicado a Minos e o facto de ser dada apenas a histria de Ariadne naturalmente como uma consequncia da ajuda dada a Teseu em Creta. O passo explicita ainda que a separao de Teseu e da filha de Minos em Naxos se deveu morte causada por rtemis: seria a primeira das vrias verses antigas relativas ao tema. A mais conhecida, que suplantou a referida no passo, a do seu abandono pelo heri durante o sono, quer pelo facto de ele gostar de

    5- Vide Wilamowitz, Homerische Untersuchungen (Berlin, 1884), p.

    149; A. Heubeck e A. Hoekstra, A commentary on Homer's Odyssey (Oxford, 1989), ad 11. 321-325.

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    outra mulher, quer por ter sido incitado a tal por Atena para permitir a entrada em cena de Dioniso (Plutarco, Teseu 20)6.

    Se o referido passo da Odisseia autntico, estaramos perante a primeira aluso, na literatura grega, ao confronto de Teseu com o Minotauro e ajuda que, na empresa, recebeu de Ariadne. E ela tanto mais significativa e importante, quanto os Poemas Homricos, compostos de acordo com a tcnica da improvisao oral, como vimos, podem reportar-se a acontecimentos dos tempos micnicos. Um dado a ter em conta e que merece ser confrontado com as informaes das tabuinhas do Linear B nome por que, como sabido, designado o silabrio micnico. Ora, significativamente, essas tabuinhas parecem confirmar os nomes de Cnossos (Konoso), Amnisos (Aminiso, povoao prxima e a norte de Cnossos), Phaistos (Paito), Labyrinthos (dapuritojo), Teseu, Daidaleion. O nome Teseu das tabuinhas do Linear B (de Pilos e datveis de cerca de 1200 a. C.), dado a um indivduo que era proprietrio

    6- Outra verso justifica que Teseu, atirado por uma tempestade para

    Chipre, a a tenha deixado pelo facto de ela se encontrar grvida e no aguentar a viagem. Quando mais tarde ilha regressa para a levar, Ariadne tinha morrido de parto (Plutarco, Teseu 20. 3-6). Vide The Oxforf Classical Dictionary, s. v. "Theseus" e "Ariadne".

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    de terras. Quem sabe se j em consequncia da repercusso da lenda de Teseu?

    Embora, segundo Walter Burkert, no haja nas tabuinhas indcios do significado exacto de Daidaleion talvez lugar de culto , no deixam de ser elucidativos os nomes dos palcios e sobretudo a especificao do Labirinto, tanto mais que o termo vai desaparecer e, at ao sc. V a. C., no volta a surgir na literatura grega.

    Relao possvel com o palcio de Cnossos

    Em incios do sc. XX, Evans faz escavaes em Cnossos e descobre complexo edifcio que, contra sua expectativa, apresentava estrutura arquitectnica diferente dos que Schliemann e outros haviam revelado em Micenas e Tirinto: um emaranhado de compartimentos dispostos, irregularmente, em volta de um ptio central (vide p. 8).

    Essa descoberta comeou a desvendar ao mundo de ento uma nova cultura que atinge o seu perodo ureo do Minico Mdio I ao Minico Recente I (entre c. 2000 e 1500 a. C.). Era uma cultura requintada e evoluda, que j conhecia a escrita Linear A, ainda no decifrada , que construiu grandes palcios, de estrutura complexa e com caractersticas colunas de menor espessura na base, ornados com belos frescos nas paredes e providos de sistemas de iluminao e de esgotos.

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    Cnossos. Poos de luz Pingente das abelhas

    Era a manifestao de um povo que se distinguiu na escultura em relevo e no tratamento dos animais, na finura e mincia do trabalho do ouro e das gemas; que fabricou uma rica cermica, toda ela preenchida por motivos martimos e vegetais.

    Segundo Evans, as runas do complexo edifcio de Cnossos que acabara de descobrir pertenciam a um palcio real, que era ao mesmo tempo um centro administrativo. Essa interpretao tem sido defendida e apoiada pelos

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    melhores especialistas: caso de S. Hood e N. Platon que dirigiu as escavaes no palcio de Zakros.

    Que se tratava de um palcio, no porm uma identificao unanimemente aceite: por exemplo, Wunderlich considera-o um edifcio funerrio, um palcio dos mortos7, como a complexa construo egpcia de Hawara que os autores antigos apelidavam Labirinto do Egipto (Herdoto 2. 148; Diodoro Sculo 1. 66. 1-6; Estrabo 17. 1-37; Plnio 36. 13; Pompnio Mela 1. 9).

    Recentemente Castleden tentou demonstrar que, em vez de um palcio, estaramos na presena de um grandioso templo, onde se prestava culto a numerosos deuses da religio minica. Assim a autoridade suprema no seria um rei, mas as sacerdotisas. certo que tal interpretao se adaptaria designao Potinija dapuritojo A Senhora do Labirinto , que surge nas tabuinhas do Linear B, e encontraria, de certo modo, paralelo em um templo da capital do Imprio Hitita, Hattusa, que apresenta uma planta complexa e assimtrica, a que tambm costume dar o nome de Labirinto. E essa aproximao impor-se-ia tanto mais, quanto a bipene e os chifres de consagrao, frequentes em Cnossos, parecem ligar-se a uma tradio anatlica.

    7- The Secret of Crete (1975).

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    Mas na conferncia O Palcio, do Mundo Minico ao Helnico: Mito e realidade, proferida no IV Curso de Vero de Histria da Arte O Palcio: histria, smbolo, forma, vivncia (1992)8, a Professora Doutora Maria Helena da Rocha Pereira mostrou que, alm de existir uma independncia da arquitectura de Creta em relao a modelos orientais, a interpretao de Castleden que alis no inteiramente nova apoia-se quase s em conjecturas, possveis pela ausncia de dados concretos, e contraria a tese tradicional de que os Minicos no possuam templos. Faziam as suas vezes os palcios e as grutas9.

    Em qualquer dos casos, quer se trate de templo, quer de palcio, estaramos perante um edifcio de planta complexa que passou posteridade com o nome de labirinto, onde vivia o Minotauro. E labirinto, como vimos, precisamente um termo que ocorre nas tabunhas do Linear B. A identificao da complexa estrutura descoberta por Evans com o lendrio palcio de Minos tendncia que alis no faz mais do que seguir a tradio que a o colocava desde os primrdios da cultura grega.

    8 - A conferncia foi depois publicada na revista Conimbriga 32-33

    (1993-1994)57-74. 9- Vide S. Hood, A ptria dos heris (trad. port., Lisboa, 1969), pp.

    97-101.

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    Convm ter em conta que os palcios posteriormente escavados em Creta, na sua disposio geral, apresentam semelhanas com o de Cnossos: caso de Malia, de Festos, Zacros, Grnia10. O de Cnossos era, no entanto, o mais extenso e magnificente.

    Plantas dos Palcios de Malia e de Zacros

    As runas que hoje se encontram visveis em Cnossos so as do edifcio destrudo no sculo XIV a. C., portanto j da fase final, mas a sua estrutura no deve ser muito diferente do que o antecedeu, construdo depois das destruies ocorridas em cerca de 1700 a. C.11

    10- S. Hood, A ptria dos heris (trad. port., Lisboa, 1969), p. 90.

    11- Embora haja quem admita que a causa desses destruies ter

    sido a invaso de Lvios provenientes da Anatlia, mais provvel que tenham sido destrudos por abalos ssmicos ou por

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    Palcio de Cnossos. Reconstituio

    Era um edifcio quase quadrado, de cerca de cento e cinquenta metros de lado, com um amplo espao aberto ao centro, de forma rectangular, a caracterstica mais saliente dos palcios de Creta. Tinha quatro entradas, uma em cada lado: a do norte levava directamente ao ptio central que chegou at ns muito destrudo. Como porm no devia ser muito diferente do dos outros palcios, e o de Malia permite identificar um altar central, o mesmo aconteceria em Cnossos. Um indcio de que era um lugar que servia para cerimnias rituais.

    guerras internas. Vide S. Hood, A ptria dos heris (trad. port., Lisboa, 1969), p. 89.

  • Palcio de Cnossos. Sala do trono

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    O rs do cho da fachada oeste desse ptio central era ocupado por compartimentos com finalidades religiosas, dos quais se destaca a chamada sala do trono.

    Palcio de Cnossos. Sala do trono

    A se sentavam os reis que eram ao mesmo tempo sacerdotes, ou mesmo divindades. Assim o palcio era

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    O rs do cho da fachada oeste desse ptio central era ocupado por compartimentos com finalidades religiosas, dos quais se destaca a chamada sala do trono.

    Palcio de Cnossos. Sala do trono

    A se sentavam os reis que eram ao mesmo tempo sacerdotes, ou mesmo divindades. Assim o palcio era

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    O rs do cho da fachada oeste desse ptio central era ocupado por compartimentos com finalidades religiosas, dos quais se destaca a chamada sala do trono.

    Palcio de Cnossos. Sala do trono

    A se sentavam os reis que eram ao mesmo tempo sacerdotes, ou mesmo divindades. Assim o palcio era

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    santurio, casa dos governantes, local onde ficavam as reparties da administrao possivelmente no andar superior , e onde se situavam os armazns para recolher os impostos, todos em espcie12. Ricos frescos decoravam as paredes interiores. Monumentais lanos de escadas (diapositivo 12), quer a partir do ptio central, quer do exterior, davam acessos aos andares superiores.

    Palcio de Cnossos. Grande escadaria interior

    A encimar partes das fachadas e os prticos das entradas, destacavam-se os chamados "chifres da consagrao". um aspecto curioso e um dado tanto mais significativo quanto parecem faltar nos outros palcios.

    12- Vide S. Hood, A ptria dos heris (trad. port., Lisboa, 1969), p.

    89-92.

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    Palcio de Cnossos. Entrada exterior sul

    No pode deixar de se relacionar com a importncia que a representao do touro adquire na cultura minica, em especial em Cnossos.

    A aparecem em figuraes vrias: em taas de ouro, em esculturas de cermica, em ritones em forma de cabea de touro13, vasos que possivelmente serviam para libaes;

    13 - Vide infra imagens, pp. 27 e 44.

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    sobretudo em representaes do salto do touro, a mais conhecida das quais o famoso fresco do Palcio de Cnossos Jogo do Touro, de que a histria de Teseu e do Minotauro pode bem ser um reflexo.

    Palcio de Cnossos. Salto do touro

    E tambm no deixou de ser surpresa a descoberta no Egipto, na antiga Avaris (hoje traz o nome de Tell el Daba), feita por uma equipa arqueolgica austraca na ltima dcada do sc. XX: pinturas com o Salto do Touro e o Labirinto, cujas caractersticas nos encaminham sem dvidas para obra de artistas minicos14.

    14 - Vide W. V. Davies and L. Schofield (edd.), Egypt, the Aegean

    and the Levant. Interconnections in the Second Millennium BC (London, British Museum Press, 1995).

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    Salto do Touro e Labirinto na antiga Avaris (Egipto)

    S. Hood admite que Creta, durante o grande perodo da civilizao minica (de c. 2000 e 1500 a. C.) tenha sido uma espcie de federao de cidades, sem fronteiras, segundo um modelo da Mesopotmia e da Sria. Cnossos gozaria, nessa federao, de qualquer espcie de hegemonia sobre as outras cidades, ou partilh-la-ia com outros grandes centros15. Ora o touro smbolo da fora e poder da divindade, que entre os Minicos estava estreitamente ligada ao rei. Sem esquecer a possibilidade

    15- S. Hood, A ptria dos heris (trad. port., Lisboa, 1969), p. 59-60.

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    de Minos no representar o nome de um rei, mas ser ttulo de realeza, como o de fara no Egipto16. Sendo assim justificar-se-ia que s em Cnossos apaream os chifres da consagrao.

    bem provvel, por outro lado, que os Minicos tivessem exercido domnio sobre o continente grego. difcil acreditar, como nota S. Hood, que na poca imperialista os reis de Creta que nessa altura era uma ilha muito povoada no tivessem tentado expandir os seus domnios. Tudo indica que os governantes do continente foram tributrios dos reis de Creta. Se no h dados seguros, a lenda de Teseu e dos jovens dos dois sexos destinados ao Minotauro indcio, ou at a afirmao de sujeio de Atenas17. Se o touro simboliza a fora da divindade e vasos com forma de cabea de touro so usados em libaes , se, na religio minica, no fcil distinguir o rei da divindade, o salto do touro no constituiria uma cerimnia de carcter religioso que se realizava em Cnossos, no palcio de Minos, o rei-sacerdote-divindade? Estamos no campo das hipteses e nele continuaremos. No estar o envio dos jovens atenienses relacionado com esse salto do touro, que no era propriamente um desporto e sem perigo? A libertao

    16- S. Hood, Os Minicos (trad. port., Lisboa, 1973), p. 17.

    17- Vide S. Hood, A ptria dos heris (trad. port., Lisboa, 1969), p.

    82-83.

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    do tributo por Teseu, matando o Minotauro, no ter relao com a superao dos Minicos pelos Micnios, verificada a partir do sculo XV a. C.? Tudo hipteses para que no encontro respostas. Talvez a decifrao da escrita minica, o Linear A, possa um dia trazer alguma luz.

    Outros dados e mais dvidas. As escavaes tm descoberto muitos machados de dois gumes ou bipenes cujo nome antigo cretense teria sido, segundo Plutarco, labrys, uma palavra de origem ldia , muitas delas no palcio de Cnossos, em ouro ou gravados nas paredes, pelo que este bem poderia ser conhecido tambm como a Casa dos Machados de dois Gumes, ou Labirinto18.

    Cnossos. Cabea de touro e bipenes

    18- Vide S. Hood, A ptria dos heris trad. port., Lisboa, 1969), p.

    94, texto a figs. 70-73.

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    Labirinto um termo pr-grego que apresenta o sufixo nth, que encontramos em nomes pr-helnicos, como Corinto, Radamanto; Kretschmer deriva-o de labrys, a bipene que um dos smbolos profusamente representados no edifcio de Cnossos. Infelizmente a etimologia no segura nem unanimemente aceite19.

    Tradio lendria relativa ao Minotauro

    De qualquer modo, com centro em Cnossos, e tendo por figuras centrais Teseu, Ariadne e o Minotauro vai originar-se uma tradio lendria que no encontra grande aceitao na literatura, mas ganha considervel popularidade na arte figurativa, em especial na cermica.

    a) Na literatura

    Alm dos Poemas Homricos, a que j me referi, outras obras se referem empresa de Teseu. Hesodo, poeta que floresce por volta de 700 a. C., embora no fale no heri, nomeia Ariadne na Teogonia, se bem que em passo quase no final do poema que nem todos consideram autntico: numa enumerao de unies de deuses com

    19- Chantraine, autor do mais recente dicionrio etimolgico do

    grego (1980), d as diversas hipteses e no toma posio.

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    mortais, l se encontra tambm a da princesa com Dinisos, que na lenda se d na sequncia da sua separao de Teseu em Naxos (vv. 947-948:

    E Dioniso, de dourados cabelos, a loura Ariadne,

    filha de Minos, tornou sua florescente esposa.

    Em outro poema do Corpus que anda atribudo a Hesodo, o Catlogo das mulheres, de que s nos restam fragmentos, encontramos aluso ao nascimento do Minotauro (fr. 145 Merkelbach-West), mas d-o como filho de Minos, no do touro20:

    Ela, grvida de Minos, deu luz um filho robusto,

    maravilha de se ver: igual ao do homem se estendia o corpo

    at aos ps, mas para cima erguia-se uma cabea de touro.

    Parece que, em um poema do Ciclo pico, da primeira metade do sculo VII a. C., da autoria de Estasino de Chipre, nos Cantos Cprios, o tema de Teseu e Ariadne era narrado como uma espcie de paradigma de histria de amor sem final feliz21.

    20- Sobre o tema de Teseu no referido Catlogo vide M. L. West, The

    Hesiodic catalogue of women. Its nature, structure and origines (Oxford, 1985), pp. 107-108.

    21- Vide A. Lesky, Historia de la literatura griega (trad. esp. Madrid,

    1968), pp. 105-106; A. Barnab, La pica posterior, in J. A. Lpez Frez (ed.), Histria de la literatura griega (Madrid, 1988), p. 90.

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    Safo, cujo florescimento se situa nos incios do sculo VI a. C., parece conhecer a histria do Minotauro, das vtimas enviadas, de tempos a tempos, e da libertao por Teseu (fr. 206 Lobel-Page = 206 Campbell), embora do poema no subsista qualquer fragmento.

    Simnides, nascido em meados do mesmo sculo, referia-se ao episdio da morte de Egeu, por causa do esquecimento da troca de vela no regresso de Teseu de Creta, como ficara combinado, para anunciar ao pai se a empresa tivera xito ou no:

    Uma vela purprea, tingida

    na hmida flor de uma azinheira,

    frondosa.

    Fr. 550 Campbell

    Embora o fragmento (fr. 550 Campbell = Plutarco, Teseu 17. 4) no refira a luta de Teseu com o Minotauro, ela est implcita. A tradio no entanto fala de vela branca, Simnides inova, dando-lhe uma outra cor.

    Baqulides, no ditirambo 17, de trs trades, composto entre 477 e 470 a. C.22, refere o episdio

    22- Dado tratar-se de uma exaltao da Simaquia de Delos, fundada

    em 477 a. C., a maioria dos estudiosos datam-no dos primeiros anos da existncia dessa aliana. Vide Bacchylide. Dithyrambes pinices Fragments. Texte tabli par J. Irigoin et traduit par J. Duchemin et L. Bardollet (Paris, 1993), p. 21-22. A data de 470 a. C. precisamente a proposta por R. Jebb, Bacchylides, The poems and fragments (Cambridge, 1905), p. 229. Mas j D.

  • 31

    lendrio em que Teseu censura Minos e este o desafia a provar que filho de Posidon, como afirma. Teseu e os outros jovens atenienses, tributo ao Minotauro, caminham para Creta, no barco de Minos que se encontra inflamado de desejo por Eribeia. Perante a censura do heri de se no saber dominar e a sua disposio em lutar para proteger a donzela, o rei de Cnossos, encolerizado, pede a Zeus um sinal que comprove a sua filiao divina e, atirando um anel ao mar, convida Teseu a mergulhar para comprovar que descende de Posidon. Enquanto um relmpago corta o cu, o heri lana-se ao mar, recebido no palcio de Posidon e de Anfitrite e depois reaparece junto do navio, revestido de vestes reais, perante a estupefaco de Minos23.

    Eurpides e com este tragedigrafo estamos na segunda metade do sculo V a. C. trata o tema algumas vezes e a ele alude outras. No Hracles 1326-1328, Teseu dirige-se a Hracles, concede-lhe hospitalidade e promete-lhe os presentes que os cidados lhe ofereceram por ter salvado os sete rapazes e sete raparigas, ao matar o touro de Cnossos. Das peas perdidas, Cretenses talvez se

    A. Schmidt, Bacchylides 17 Paean or dithyramb?, Hermes 118 (1990) 18-31 o considera posterior a 469 a. C.

    23- Um tratamento mais desenvolvido do mito de Teseu na poesia da

    poca arcaica e clssica pode ser consultado em A. Barnab, El mito de Teseo en la poesa arcaica e clsica, in R. Olmos (ed.), Coloquio sobre Teseo y la copa de Aison (Madrid, 1992), pp. 97-118.

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    relacionasse com o nascimento do Minotauro (frs. 471-472 N2) e Teseu parece ter dramatizado a morte do monstro e a fuga subsequente do heri (frs. 381-390 N2; POxy 27, 2461)24.

    Em Plato, no Fdon 58a-b, h uma referncia ao navio ateniense que anualmente vai a Delos em cumprimento da promessa feita no momento em que Teseu embarcou para Creta com os sete pares de rapazes e raparigas repare-se na frmula religiosa sete pares. Este dilogo de Plato foi interpretado por Burger como um labirinto em que o Minotauro simbolizaria o receio da morte. Penso que sem razo e sem grande fundamento, como o mostrou Maria Teresa Schiappa de Azevedo em recenso na Humanitas25.

    Podemos concluir que, at ao sculo V a. C., a morte do Minotauro por Teseu no o centro nem adquire relevo em nenhuma obra literria. Apenas aluses, referncias breves, fugidias. A lenda de Teseu est mesmo ausente de muitos autores gregos. Estranhamente esse heri o grande ausente da literatura grega at essa data. No o menciona Alceu; no h aluses a tal figura em Pndaro. E no que respeita ida do heri ateniense a Creta, essa

    24- Vide, para os Cretenses, Cantarela 13-16; C. Austin, Nova

    Fragmnenta Euripidea (1968) 49-58; para o Teseu, Webster, The Tragedies of Euripides (London, 1967), pp. 87-92.

    25- R. Burger, The Phaedo A Platonic Labyrinth (New Haven, 1984).

    Recenso na Humanitas 37-38 (1986) 332-336.

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    faanha s aparece sistematizada e ganha relevo em autores tardios (Plutarco, Diodoro Sculo, Estrabo) e em escritores romanos (Catulo, Ovdio).

    Apesar disso, as referncias e aluses apontadas mostram que, na poca arcaica e clssica, as lendas relativas ao Minotauro e ao feito de Teseu estavam divulgadas. E de tal um elucidativo exemplo a aluso do Fdon.

    b) Na arte figurativa

    Mas a arte figurativa, em especial a cermica, que mostra no ser o silncio da literatura sinnimo de desconhecimento e falta de repercusso. O confronto de Teseu com o Minotauro um tema muito tratado, com considervel incremento a partir de meados do sc. VI a. C., a ponto de se tornar um dos temas mais populares da iconografia grega, representado em vasos das mais diversas regies: Corinto, Becia, ilhas, Siclia, Itlia, mas sobretudo a tica26.

    As mais antigas imagens, seguras, do Minotauro aparecem no Peloponeso em cinco placas de ouro, com relevos, provenientes de Corinto, que so datveis de cerca

    26- Vide A. Kauffmann-Samaras, These et le Minotaure: Mythe et

    realit travers la cramique grecque, in R. Olmos (ed.), Coloquio sobre Teseo y la copa de Aison (Madrid, 1992), pp. 155-167.

  • 34

    de meados do sculo VII a. C. Mostram Teseu a lutar com o Minotauro, enquanto Ariadne assiste segurando um novelo de fio na mo direita27. De data aproximada dessas placas uma nfora, de cerca de 670-660 a. C., representa a luta de Teseu com o Minotauro, Ariadne a observar e um novelo de fio aos ps do Minotauro28. Isto prova que os temas do combate de Teseu com o Minotauro e da ajuda de Ariadne ao heri estavam j bem estabelecidos por essa altura na tradio lendria e formavam os elementos mais antigos na arte figurativa29. A partir de meados do sculo VI a. C. j temos representaes da luta de Teseu e o Minotauro, com a jovem a desenrolar o fio30. Ariadne a entregar ao heri um novelo de fio tornar-se- um motivo popular na arte romana31.

    No sculo V a. C. era considervel a popularidade do tema de Teseu a matar o Minotauro, popularidade que

    27- Cerca de 650 a. C. Vide W. A. Daszewwski, in LIMCA III, s. v.

    Ariadne n 37, p. 1055; S. Woodford, in LIMCA VI, s. v. Minotauros n 16, p. 575.

    28- nfora em relevos de c. 670-660 a. C. () Vide W. A.

    Daszewwski, in LIMCA III, s. v. Ariadne n 36, p. 1055. 29

    - Vide W. A. Daszewwski, in LIMCA III, s. v. Ariadne, p. 1066.

    30- E. g. Skyphos becio, Museu do Louvre MNC 675; CVA 17, pl.

    29 (1152) 1-4; LIMCA III, s. v. Ariadne, p. 1055. 31

    - Vide W. A. Daszewwski, in LIMCA III, s. v. Ariadne, p. 1066.

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    parece ter-se estendido para o sculo IV a. C.32 Era considerada a mais saliente faanha do heri, como mostra a taa de Londres e a de Harrow: em uma e outra est em evidncia no centro da taa, rodeada de vrias outras.

    Possivelmente a lenda de Teseu encontra a sua divulgao atravs de contos populares. E o facto de ser um heri essencialmente popular explicaria a sua no entrada na literatura da poca arcaica, de base aristocrtica, a no ser em aluses fugidias ou marginais. A sua divulgao parece estar relacionada com o nascimento da democracia. Escreve Alberto Barnab que a lenda do Minotauro, que nas suas origens a histria do combate de um heri contra um monstro, se reinterpreta, nos fins do sculo VI e incios do V a. C., como o modelo de heri civilizador que se livra do tirano, que era Minos, do mesmo modo que os Atenienses se haviam libertado dos tiranos, os Pisstratos, para dar origem a um novo regime democrtico33. Tornou-se o heri da libertao e aparece a cada passo como modelo de bom governante.

    A histria do Minotauro tornou-se muito popular entre os Etruscos e da passou para os Romanos que, no

    32- Vide F. Brommer, Theseus. Die Taten (Darmstadt, 1982), pp. 35-

    64; E. R. Young, The Slaying of Minotaur: Evidence, in Ricardo Olmos (ed.), Coloquio sobre Teseo y la copa de Aison (Madrid, 1992), p. 156 nota 11

    33- El mito de Teseo en la poesa arcaica e clsica, in R. Olmos

    (ed.), Coloquio sobre Teseo y la copa de Aison (Madrid, 1992), pp. 115-117.

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    entanto, no se mostraram muito interessados em tratar o tema na arte figurativa, a no ser nos mosaicos34.

    O tema do Labirinto

    Se a luta de Teseu com o Minotauro no um tema frequente na literatura, o labirinto ainda o menos. Mas este nem na literatura nem na arte. No entanto, ele encontra-se sempre implcito no mito de Teseu e do Minotauro e a ele associado.

    A palavra, cuja possvel origem j analisei, aparece nas tabuinhas do Linear B (sc. XIII a. C.), mas depois perdemos-lhe o rasto e s a voltamos a encontrar, no sculo V a. C., em Herdoto, quando descreve o complexo edifcio funerrio, situado junto do lago Mris, com trs mil compartimentos, como especifica o historiador (2. 148-149). Nessa descrio utiliza o termo labyrinthos por sete vezes.

    Em Plato, no Eutidemo 291b, temos o emprego metafrico do termo. Scrates est a falar com os discpulos sobre as artes e as cincias; a determinada altura, refere que, na sua busca, so como crianas atrs das calhandras: quando se julgavam a atingir a arte por excelncia, ento, como se tivssemos cado num labirinto, no momento em que pensamos estar no fim,

    34- S. Woodford, in LIMCA VI, s. v. Minotauros, p. 581.

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    encontramo-nos de novo, dada a volta, a bem dizer no comeo da procura e to pouco avanados como quando a inicimos.

    Mas a aplicao especfica da palavra labirinto a designar o lugar de Cnossos em que vivia o Minotauro s aparece pela primeira vez nos autores gregos do perodo helenstico naturalmente por mero acaso. Calmaco, no Hino a Delos, refere (vv. 300-315) que em Delos os coros e danas so constantes e no cessam as ofertas de coroas sagrada e venerada imagem de Cpris, que outrora Teseu e os outros jovens consagraram, quando regressavam de Creta (vv. 310-313):

    Ao fugir do monstro que solta mugidos, rebento feroz

    de Pasfae, e da recurva morada do turtuoso labirinto,

    senhora, em volta do teu altar e ao som da ctara,

    danaram em crculo. Conduzia o coro Teseu.

    Na arte figurativa tambm no um motivo usual. Moedas de Creta do sculo V a. C. tm gravada, no anverso, a figura do Minotauro e, no reverso, a representao do labirinto35. Em alguns dos vasos que representam a luta de Teseu com o Minotauro, o labirinto aparece sugerido por diversos elementos: porta com gregas ou gregas combinadas com xadrez, estelas com

    35- S. Woodford, in LIMCA VI, s. v. Minotauros n 4, p. 575.

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    desenhos vrios e diversificados (gregas, ondas, riscos desencontrados). Dou como exemplo duas belas taas ticas: uma de c. 440-420 a. C., que se encontra no British Museum, e a taa pintada Aison, de cerca de 420 a. C., que pertence ao Museu Arqueolgico de Madrid.

    Taa tica (440-420 a.C.). British Museum

    A aparecem representados os diversos feitos de Teseu, com a morte do Minotauro em destaque ao centro. O heri arrasta o monstro morto de que apenas metade no exterior do labirinto. Deste s se encontra representada a porta entreaberta que, no entanto, apresenta gregas complexas e rectngulos em xadrez.

  • 39

    A ligao dos dois elementos do mito

    A descrio sistemtica, de forma a unir o edifcio de planta complexa construdo por Ddalo, o tributo ao Minotauro, o feito de Teseu, a ajuda de Ariadne e o seu abandono em Naxos s nos aparece em autores gregos tardios e em autores romanos. Plutarco, na Vida de Teseu, d evidentemente grande relevo a esse seu feito e j procura discutir as vrias verses ento existentes (15-23). Diodoro Sculo, ao mencionar o complexo monumento funerrio egpcio a que j me referi, fala do labirinto de Creta, mas acrescenta que do edifcio construdo por Ddalo para o rei Minos nada restava na sua poca (1. 61).

    Entre os autores romanos, destaco Catulo e Ovdio. O primeiro, num belo poema a carme 64, conhecido como "As Bodas de Peleu e Ttis" , descreve a colcha da cama nupcial, na qual estava representado o abandono de Ariadne por Teseu e se narra o cruel tributo, o feito do heri libertando os Atenienses da dolorosa obrigao, a ajuda de Ariadne, o seu abandono em Naxos e o consequente castigo do esquecimento da troca de velas. No desenvolvo por escassez de tempo, mas no resisto a lembrar um pormenor curioso e muito feminino: Ariadne, quando v o barco de Teseu afastar-se ao longe, corre para

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    o mar em desespero, mas sem esquecer de levantar as delicadas vestes, para as guas as no molharem (v. 128)36.

    Ovdio trata o tema em duas obras: em Herodes 10, foca o amor de Ariadne por Teseu que a levou a prestar-lhe ajuda. No livo oitavo das Metamorfoses narra a expedio de Minos ao continente, o nascimento do Minotauro e a consequente construo do Labirinto por Ddalo, que o rei mantinha cativo, a fuga do engenhoso arquicteto e do filho e a fatal imprudncia de caro.

    O Labirinto, construiu-o Ddalo cheio de erro, devido s suas prfidas sinuosidades. Quais as curvas do rio Meandro que, no seu ambguo curso, ora avana, ora se desvia, ora volta para a nascente, em constantes curvas, assim Ddalo encheu o edifcio de inmeros caminhos e desvios enganosos, com comunicaes sem conta (vv. 152-168).

    Embora no aborde especificamente o assunto e s lhe faa aluses, no posso deixar de fazer uma breve referncia ao Satyricon de Petrnio que j tem sido estudado sob a perspectiva do labirinto. E com esta obra estamos em meados do sculo I da nossa era. O protagonista, experiente j de longas errncias, encontra-

    36- Sobre este carme vide K. Quinn, Catullus. An interpretation

    (London, 1972), pp. 261-264; Ch. Martin, Catullus (New Haven London, 1992), pp. 151-171 e 174-175.

  • 41

    se, com os seus amigos em casa de Trimalquio, liberto novo-rico. E esse poder econmico d-lhe a superioridade de se julgar que tudo sabe e tudo pode fazer e dizer. A casa de Trimalquio, depois de aventuras e baldes, parecera-lhes um osis, mas em breve se revelou a sua verdadeira natureza, cada vez mais complexa, como a do seu dono. Envolvidos em interminveis peripcias, dela tentam fugir vrias vezes, mas sem conseguirem: sempre uma porta falsa. E o protagonista comenta angustiosamente: Que vamos fazer, homens mseros que somos e encerrados neste novo labirinto? (73. 1). Por fim obtm xito. Mas, uma vez fora da casa, so obrigados a vaguear sendas desconhecidas e pedregosas. s apalpadelas e guiados pelas raras referncias retidas, l conseguem refazer o percurso, atravs da cidade desconhecida, de retorno penso. No ainda a liberdade: a porta, fechada, s se abre com a chegada de um criado de Trimalquio que, sem bater, a empurra e entra.

    Mas mal acabavam de sair desse labirinto, logo se introduzem em outro, ao embarcarem no navio de Lica. Ou seja, a vida humana, cheia de incidncias, de perigos, de dificuldades, um labirinto. Por isso. como observa Nair Castro Soares, o protagonista do Satyricon, perdido num mundo ende a luz era rara e as insdias e as surpresas espreitavam em todas as esquinas, lamentava-se que nem

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    sequer tnhamos um archote de refgio, que abrisse caminhos aos pobres vagueantes (79. 1).

    E assim de edifcio complexo, construdo pelo engenho do homem para a encerrar aquilo que de vergonhoso e infamante foi gerado, o labirinto evoluiu metaforicamente para o pensamento humano nas suas buscas sempre infrutferas, para a cidade em que os homens se vem perdidos e desconhecidos no meio dos outros, para a vida humana num mundo to hostil.

    O Minotauro, o filho hbrido dos amores de Pasfae com o touro branco de Posidon, tornou-se um monstro nocivo humanidade que teve de ser encerrado num edifcio de impossvel sada, arquitectado pelo engenhoso artista que foi Ddalo. De incio, devorador da juventude e flagelo para os homens, mas encerrado ainda numa complexa construo de que se no consegue sair, vai adquirir colorao psicolgica, com o tempo, e transformar-se em monstro que habita o mago do homem, a alma humana.

    A libertao consegue-se pela coragem, mas tambm pela doao e pela ajuda. Teseu o heri da coragem, da doao, da amizade, da liberdade. Mas, sozinho, sem o contributo de Ariadne, no teria levado a empresa a cabo. Assim o compreendeu Jos Augusto Seabra neste belo

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    poema de Gramtica Grega, em que Teseu aparece como escravo da liberdade e do destino:

    Como circulas no labirinto de fuga em fuga cercando Minos

    duma loucura que te domina mais do que o Touro em que ruminas,

    Teseu, escravo da liberdade e do destino,

    ainda errando com Ariadna de signo em signo?

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    Riton de Cnossos

    em forma de cabea de touro

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    O LABIRINTO E O MINOTAURO

    na poesia portuguesa contempornea

    Pelo que vem exposto no captulo anterior, compreensvel que o mito tenha permanncia assdua na cultura posterior e, nos seus vrios sentidos, seja frequente na poesia portuguesa contempornea, quer em simples aluses, quer como motivo de poemas, quer em ttulos de livros. Recordo entre outros Jorge de Sena, Miguel Torga, Sophia de Mello Breyner Andresen, Jos Augusto Seabra, Fernando Guimares, Natlia Correia, David Mouro Ferreira, Antnio Lousada, Alberto Pimenta, Amrico Teixeira Moreira, Xos Lois Garca, Alberto Lacerda, Casimiro de Brito, Luz Videira, Joo Rui de Sousa, Joo Miguel Fernades Jorge, Nuno Jdice37.

    37- Alberto Lacerda, Tauromaquia (), p. 32; Alberto Pimenta,

    Labirintodonte (Lisboa, 1970); Amrico Teixeira Moreira, Labirintos da metamorfose (Santo Tirso, 1992); Antnio Lousada, Labirinto (Porto, 1979); Casimiro de Brito, Labyrinthos (Lisboa, 1981); Jorge de Sena, Poesia III (Lisboa, 1978), p. 76-77; Luz Videira, As quatro estaes (Coimbra, 1973), p. 53; Joo Rui de Sousa, Enquanto a noite, a folhagem (Lisboa, 1991), p. 126; Joo Miguel Fernades Jorge, O barco vazio (Lisboa, 1994), p. 80; Nuno Jdice, Emanaes das sombras (Lisboa, 1989), p. 44; Xos Lois Garca, Labirinto incendiado (Amarante, 1989).

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    Na generalidade desses poetas predomina o carcter disfrico: o labirinto o local ou situao complexa e sem sada, quer seja interior, quer exterior prpria pessoa. Pode ser a poesia em que o poeta se perde e de onde s consegue sair pelo fio das palavras; pode ser uma casa ou um aeroporto.

    Por sua vez, o Minotauro o monstro que cada homem arrasta consigo e enfrenta, que o domina: seja ele o tempo que tudo devora, as paixes e desejos com que cada um se debate, um simples homem, o poder econmico, ou o que h de negativo no homem.

    Neste captulo tentarei surpreender a permanncia do mito em alguns dos poetas: Miguel Torga, Jos Augusto Seabra, Fernando Guimares, Natlia Correia, David Mouro Ferreira, Sophia de Mello Breyner Andresen.

    Miguel Torga trata o labirinto e o Minotauro em dois poemas: um com o ttulo de "Labirinto" e o outro de "Condio", publicados respectivamente no Dirio VII (1961, p. 92) e em Cmara ardente (1962, p. 9).

    Na primeira composio, Teseu aparece identificado com o poeta e Ariadne com a poesia, que ao mesmo tempo labirinto (vv. 6-7). Os braos da poesia, a Ariadne do mito, so alamedas, onde o tempo caminha e descaminha (v. 2). Apesar de todo o seu esforo em encontrar a sada, a liberdade (v. 5), o sujeito lrico, sem

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    a ajuda do fio que lhe mostre o caminho na poesia/labirinto, s capaz de expressar o pnico que sente (v. 10). Transcrevo a seguir o poema, que um momento de desespero:

    Perdi-me nos teus braos, alamedas

    Onde o tempo caminha e descaminha.

    Pus a fora que tinha

    Na instintiva defesa

    5 De encontrar a sada, a liberdade.

    Mas agora Teseu era um poeta,

    E Ariane a poesia, o labirinto.

    Desajudado, S me resta cantar, deixar marcado

    10 O pnico que sinto.

    E assim se verifica, no poema, a inverso dos dados do mito, j que Ariadne no consegue indicar a sada a Teseu a liberdade.

    Se o poema acabado de analisar contm vrios elementos do mito, o de Cmara ardente apresenta-os em maior nmero: o labirinto, o fio, o monstro/Minotauro, Ddalo. Elementos que, como observa Maria Helena da Rocha Pereira, fornecem a simbologia para definir a inquietao permanente do homem-poeta, que no pode fugir de si mesmo nem das limitaes em que o tempo o

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    encerra38. Se, como na composio anterior, o sujeito potico se identifica com Teseu se bem que este se no encontre expresso , o fio so os versos que o guiam e o fazem entrar (vv. 2-3)

    .........no labirinto

    Dos prprios sentimentos.

    Da sai em seguida, depois de matar o monstro, em busca de aventuras/ De mais universal inquietao (v. 7). Mas acaba por constatar que o homem o centro do infinito que procura (vv. 8-9) e que, ao julgar combater monstros impessoais

    sempre o mesmo ddalo que encontra, E sempre o Minotauro

    Que enfrenta e que domina.

    Ou seja o .........Minotauro que devora

    Cada hora

    Que o secreto destino lhe destina.

    O poema, em que se notam aliteraes nos versos 4 e 5 e anforas em 12, 14 e 15, na sua totalidade, vem transcrito na p. 86. E por ele se verifica que Torga aplica o mito a

    38- Novos ensaios sobre temas clssicos na poesia portuguesa

    (Lisboa, 1988), p. 293.

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    uma esfera desusual, a da criao potica: o poeta identifica-se com Teseu, a poesia Ariadne e ao mesmo tempo tambm labirinto onde o fio dos versos guiam o poeta.

    Relacionado com o mito do labirinto e do Minotauro est a figura de caro, um heri da hybris, que, na opinio de Miguel Torga representa o esforo inglrio do esprito, que apenas consegue arrancar-se ao labirinto das paixes para se alar a alturas interditas de onde acaba por cair fulminado (Dirio XII, p. 199). O autor de Orfeu Rebelde trata este heri em dois poemas, um e outro com o nome de "caro" (Dirio IV e XII, pp. 125 e 200, respectivamente)39.

    Natlia Correia aplica o tema do labirinto e do Minotauro complexidade e emaranhado do aeroporto internacional de Frankfurt no poema "Aeroporto", nascido da juno de dois que ao tema eram dedicados na primeira edio de O anjo do ocidente entrada do ferro (pp. 49 e 50)40. O aeroporto um labirinto, em cujo centro se encontra o minotauro do livro e do dinheiro (v. 2). O

    39- Para uma anlise dos dois poemas vide M. H. Rocha Pereira,

    Novos ensaios sobre temas clssicos na poesia portuguesa (Lisboa, 1988), p. 292.

    40- A edio seguida a da poesia completa, com o ttulo O sol nas

    noites e o luar nos dias editada em 2 volumes pelo Crculo de Leitores (Lisboa, 1993), vol. 2, pp. 30-31.

  • 50

    sujeito potico tem antipatia por esse movimentado aeroporto que obriga a longas esperas e a apressadas mudanas de avio para avio: ou, como diz a autora de forma metafrica, cunha/ a moeda do trnsito, da urgncia joalheiro (vv. 3-4). Dois neologismos, formados a partir do nome da cidade, traduzem de uma maneira impressiva e irnica a ideia de cansao e saturao: De franqueforte franquefurta-me a placa giratria (v. 1), ou franquefarta-me (verso 17). O cansao da espera sublinhado na segunda estrofe por aliteraes em d e m (vv. 5 e 6)41 e por duas metforas, uma tirada do acto mdico de dissecar um corpo e a outra inspirada no velrio fnebre de um morto (vv. 5-8):

    Os diapositivos da espera me dissecam

    nesta de mrmore mesa da minha anatomia

    e gelam as pestanas que velam o cadver

    da pressa escarnecida pela meteorologia .

    A imagtica relacionada com morte e morgue volta a estar presente na quinta estrofe (v. 18).

    O tamanho do aeroporto obriga a deslocaes de um lado para o outro e de porta para porta, durante as quais s se ouvem os erres arrastados das hospedeiras (v. 13) e os ps involuntrios por tapetes rolantes/ vo sendo massajados para as finais do juzo (vv. 9-10) uma bela

    41- Vide ainda outras aliteraes nos vv. 19, 20, 22.

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    metfora inspirada nas competies desportivas. Mas aqui essas competies so as finais do juzo, por darem cabo dele. Da que lhe desagrade e lhe destempere os nervos (vv.11-12 ):

    Para a leda flor de pinho dos nervos lusitanos

    franqueforte farmcia que no est de servio.

    Por isso o sujeito potico sente-se saturado por aquele movimentado aeroporto sem calor humano (vv. 17-18):

    De franqueforte franquefarta-me o ningum colectivo

    este frio da morgue

    e que no corre-corre acotovelante de lado para lado que elimina e devora a individualidade humano apenas na retrete (v. 21). Por isso, a sada do avio para a pista e o levantar voo aparece como fio de Ariadne que possibilita a alegria da fuga (gargalhando a sada) do labirinto (vv. 22-24):

    Na mansa parania da pista de absinto

    pousa ariadna fio 727

    gargalhando a sada do lerdo labirinto

    O poema completo encontra-se na Antologia (pp. 96-97).

  • 52

    Sensivelmente diferente o poema de David Mouro-Ferreira, que, apesar de elaborado, apresenta uma feio popular, manifestada quer no ttulo "Romance de Cnossos", quer na forma do verso, redondilha maior, como de modo geral acontece nos romances populares. Tem como motivo repetido e precuciente o canto montono e enrouquecido das cigarras. Estas e o seu caracterstico som constitui um dos elementos bem vivos e distintivos da paisagem da Hlade, como uma das marcas do vero grego. Aparece-nos variadssimas vezes nos autores antigos desde os Poemas Homricos: por exemplo, Hesodo (Erga 582-585), Alceu (fr. 343 Lobel-Page), Plato (Fedro 230c). Tambm marca presena nos poetas modernos, quer nos que so naturais da Grcia, quer nos que a visitam. Vejamos um poema de Jos Augusto Seabra (Gramtica grega, p. 16), de tom muito diferente do de David Mouro Ferreira:

    As cigarras rondavam

    as espaldas da Acrpole

    vergada. Repetiam

    as slabas rodas

    por sculos

    de nada.

    Se em Jos Augusto Seabra o canto das cigarras nas espaldas da Acrpole sublinha, pelo recurso aos signos

  • 53

    da terminologia lingustica, a destruio sistemtica e contnua das belezas da Acrpole durante vrios sculos (as slabas rodas/ por sculos/ de nada), em David Mouro Ferreira insiste-se na monotonia desagradvel desse canto omnipresente e que em tudo se imiscui42.

    No poema introduzem-se de modo natural os diversos elementos do mito: os caminhos tortos (v. 4), os cornos/ destes inmeros touros/ que h no palcio minico (vv. 8-10), a Sala do Trono, Minos na sua qualidade de juiz dos mortos (vv. 53 sqq.), o labirinto, o Minotauro referido apenas como o monstro. Mas David Mouro Ferreira dissocia o palcio do labirinto e interioriza este no homem, interiorizao que tambm se verifica com o Minotauro o monstro que alimentamos com o sangue de ns-prprios (vv. 41-42), lhe damos a sombra do nosso dio (v. 44) e no qual buscamos os nossos prprios remorsos (v. 46):

    Mas se o palcio percorro

    eis que sofro de outro modo

    Ver que o palcio dos outros

    mas que o labirinto nosso

    Que alimentamos o monstro

    42- O recurso aos termos e signos lingusticos so usuais em Jos

    Augusto Seabra, como sublinham M. H. Rocha Pereira, Temas clssicos em quatro poetas portugueses contemporneos, Mthesis 3 (1994) 25; Antnio Jos Saraiva e scar Lopes, Histria da Literatura Portuguesa, p. 1126.

  • 54

    com o sangue de ns-prprios

    Que lhe damos o contorno da sombra do nosso dio

    Que lhe buscamos no dorso os nossos prprios remorsos

    E de tudo isto em coro

    nos vai verrumando os poros

    este canto rouco rouco

    das cigarras de Cnossos (vv. 37-50)

    Esta interiorizao reaparece num pequeno poema de Os ramos, os remos (p. 75), de data posterior (1985), que tem o ttulo de "Labirinto" e a seguir se trancreve:

    Que labirinto no labor ntimo

    Que labirinto trazer ao cimo

    do labor ntimo

    o labirinto

    Como se pode verificar pelos passos que citei e vou citar, o poema "Romance de Cnossos" tem uma toada lgubre, que lhe transmitida pela rima utilizada, na base do timbre o, a cada passo fechado, toada sublinhada alis

  • 55

    pela repetio peridica dos seguintes versos este canto rouco rouco/das cigarras de Cnossos que abrem e fecham o poema e nos quais a repetio de rr d a sensao de arrastamento e de frico. Uma insistncia que naturalmente pretende transmitir a impresso de igualdade de som e monotonia do canto das cigarras. Trata-se de uma toada obsessiva que, mesmo fingindo que se no ouve, atravessa os ossos/ alastra por todo o corpo, escalda nos olhos (vv. 12-14). Esse som insistente, repetitivo, nem com a morte terminar. Mesmo ento, quando souber que no mais acordo (v. 18)

    decerto ouvirei de novo

    no sono dos outros mortos

    este canto rouco rouco

    das cigarras de Cnossos

    Curiosa e significativa a imediata referncia ao calor intenso da Grcia, com uma subtil identificao com o inferno, o fogo/ que lateja sob este solo (vv. 27-28). Como se houvesse um acordo entre solo e sol e propusessem como lngua de seus votos o rudo das cigarras (vv. 25-36):

    Contudo na manh de hoje nem s com isso me importo Pior sentir que o fogo

  • 56

    lateja sob este solo Todo este calor de forno no sei j como o suporto Parece haver um acordo feito entre o solo e o Sol E terem ambos proposto como lngua de seus votos este canto rouco rouco

    das cigarras de Cnossos

    Mesmo no Alm que o sujeito potico equipara Sala do Trono do palcio de Cnossos, a Grande Sala do Trono, onde Minos juz dos mortos , o canto no deixa de apoquentar, insistente, repetitivo, rouco, quer os recompensados, quer os condenados, os colocados no topo ou no fundo dos fossos (vv. 57-58):

    Grande Sala do Trono dos tronos o mais remoto

    onde Minos no seu posto

    julgar todos os homens No de assassnios nem roubos

    S do que entregam morte

    E uns colocados no topo

    outros no fundo dos fossos

    vai repercutir-se em todos

    vibrando de plo a plo

  • 57

    este canto rouco rouco

    das cigarras de Cnossos. (vv. 51-62)

    E desta forma elucidativa termina o "Romance de Cnossos"43. No fundo o canto das cigarras surge como uma espcie de suplcio, bem adequado ao nome disfrico do palcio e lugar onde habitava o monstro que cada um de ns enredado no labirinto do seu interior.

    Tambm identificados com o prprio homem so o labirinto e o Minotauro em Fernando Guimares. Trata este autor o mito em dois poemas: um soneto, inttulado "Minotauro", que faz parte de Como lavrar a terra (1960-1975), e uma composio de Tratado de harmonia. Poemas (p. 44) com o nome de "Recitativo IV"44.

    No soneto esto presentes a espera do Minotauro e o envio de sete jovens e sete donzelas que lhe serviro de alimento. Mas a referncia aparece apenas nos ltimos quatro versos. As duas quadras falam, de forma metafrica, em conhecer sulcos abertos pelas searas, a curva do estio nos flancos, ao surgir da manh ou, na bela metfora de Fernando Guimares, ao descer das

    43 - O texto completo vem transcrito na Antologia, pp. 98-100.

    44- As citaes so feitas pela edio da Afrontamento Poesias

    completas. Vol. 1 1952-1988 (Porto, 1994), p. 93, onde no entanto no consta o "Recitativo IV". pois citado pela 1 edio, sada no Porto em 1988.

  • 58

    folhas ligeiras da manh (v. 3) e o rumor que nasce pela cicatriz das palavras (v. 4); falam em mos que erguem um rosto e comeam (vv. 6-8):

    ................. a procurar a fresca imagem da alegria,

    o po cido e levssimo que se derrama pelos lbios,

    o fogo, as delgadas volutas que se fecham no peito.

    Sugestivas metforas as dos dois ltimos versos desta segunda quadra: po cido a derramar-se dos lbios que deve ser aproximada da do v. 4, cicatriz das palavras e delgadas volutas do peito.

    Ora tudo isso que faz com que as mos se reunam, se abandone o clima pressentido, os crculos do corpo (v. 10) e surja o fogo do desejo, o Minotauro, sempre em viglia submersa (v. 11):

    ............sete jovens gregos e sete donzelas vinham ao seu encontro e ele alimentava-se

    de uma calma, recente adolescncia. (vv. 12-14)45

    O poema de Tratado de harmonia foi eliminado no volume de Poesias completas, onde no consta, alis como os outros "Recitativos", textos de carcter mais narrativo. Nele se dizia que no labirinto, apesar de se pretender representar a uniformidade, a simetria ou a identidade que parece existir nas suas partes, h sempre qualquer

    45 - O soneto completo vem transcrito na Antologia, p. 104.

  • 59

    coisa de imprevisvel, pois ao percorr-lo sabemos que o espao como que deixa de existir, j que a sua realidade acaba por ser posta em causa. Cada caminho identifica-se com a prpria ausncia daquele que lhe imediatamente anterior e, ao mesmo tempo, do que fica imediatamente a seguir. E assim, por mais que se caminhe, corre-se sempre o risco de no avanar, de no alcanar o fim que cada um queria atingir. Desse modo, tendo o homem perdido tudo o que podia servir de referncia, s resta reconhecer que o labirinto no est num espao que se vai tornando ausente, mas que existe em ns prprios e acaba por se confundir cada vez mais com a nossa presena. Da a lgica do seguinte fecho do poema: Compreendemos, ento, que todos os lugares so um labirinto, no para encontrarmos uma sada, mas para nele nos encontrarmos. E desse modo o labirinto e o Minotauro, para Fernando Guimares, encontra-se no prprio homem, como alis j acontecera em David Mouro Ferreira.

    Sensivelmente diferente o sentido do mito em Jos Augusto Seabra, um poeta que aprecia a Grcia e que a compreende bem, como o revelam vrias das suas obras publicadas, sobretudo Gramtica grega46: livro constitudo por trs partes, vive da emoo que a Hlade

    46- Gramtica grega (Nova Renascena, 1985).

  • 60

    motiva, sobretudo a Grcia clssica nas suas manifestaes culturais. Na primeira dessas partes dominam os stios arqueolgicos, em especial Atenas e Delfos, com todo o seu peso cultural e histrico.

    A segunda parte, formada por uma srie de dezasseis sonetos em verso curto de quatro slabas, tem por tema figuras mticas, crenas e a cultura da Grcia antiga: Ulisses, figura a que significativamente dedicado um soneto a abrir e outro a encerrar a seco (pp. 31 e 46), como j mostrei em outro trabalho47; Apolo e sua instalao em Delfos (p. 32); a cosmogonia rfica (p. 33) e a ida de Orfeu ao Hades em busca de Eurdice (p. 34); Hermes, o mensageiro dos deuses (p. 35); o silncio da noite em Delfos, onde no h omphalos nem o cantar das cigarras (p. 42); Haraclito com voz de fogo/ pensando logos (p. 43); a Europa que rouba a Cronos um Zeus mortal (p. 44); a Hlade em geral, ptria terrestre/ Grcia divina (p. 45). Nesta seco, o tema do labirinto e do Minotauro tem grande relevo: casamento de Minos com Pasfae, o nascimento do Minotauro e a construo do labirinto por Ddalo (p. 36); a ousadia imprudente de caro (p. 37); a morte do Minotauro por Teseu com a ajuda de Ariadne, depois abandonada na ilha de Naxos, onde Dioniso a encontra e a desposa (pp. 38, 39 e 40); o

    47- O tema de Ulisses em cinco poetas portugueses

    contemporneos, Mthesis 5 (1996), pp.

  • 61

    suicdio de Egeu que se lana ao mar por desespero (p. 41). So seis sonetos que ocupam um lugar central, precedidos e seguidos de cinco outros. Assim, naturalmente no por mera casualidade, aparecem como o corao desta segunda parte do livro. Mas analisemos com mais pormenor os seis poemas.

    Como na seco anterior, tambm aqui se sente a presena do nada, da impossibilidade de se atingir o sentido pleno das coisas, do silncio. Minos o rei sem f e do desastre, rei da m arte que se entrega nas mos de Ddalo e vinga no monstro a falta da mulher, a verdadeira r (p. 36):

    Por que esposaste

    Pasipha,

    rei sem f,

    Rei do desastre?

    Por que esperaste

    longa a mar,

    sonhando at

    do Touro a haste?

    Por que vingaste

    no monstro a r

    da tua casta

  • 62

    e te entregaste

    nas mos de Ddalo,

    Rei da m arte?

    O soneto implica um bom conhecimento do mito: o casamento de Minos com Pasfae, o touro branco enviado por Posidon que o rei no sacrificou ao deus e preferiu manter vivo, dando azo aos amores monstruosos da esposa por esse magnfico animal (ou seja, esperou longa a mar/ sonhando at/ do Touro a haste)48, o nascimento do Minotauro que o rei encerra no labirinto, vingando no monstro a r da sua casta, em vez de castigar a rainha; a confiana imprudente de Minos que, Rei da m arte, se entrega nas mos de Ddalo exmio arquitecto e inventor que constri uma imagem bovina em madeira na qual a rainha se introduz, que concebe o labirinto para encerrar o monstro e que ensina a Ariadne o modo de Teseu se salvar desse lugar.

    O mesmo conhecimento do mito demonstra o soneto seguinte, relativo aco ousada de caro, filho de Ddalo. Os dois, pai e filho, estavam impedidos por Minos de deixar o palcio de Creta como castigo por ter ajudado Teseu ou, segundo outra verso, por ter engendrado a

    48- Embora outra verso do mito refira que o deus se vingou

    enfurecendo o touro, a ponto de mais tarde Hracles o ter de matar num dos seus doze famosos trabalhos.

  • 63

    imagem que permitiu as relaes de Pasfae com o touro de Posidon. Jos Augusto Seabra parece basear-se nesta ltima, j que o soneto em causa segue de imediato o nascimento do Minotauro e precede os dois que aludem morte do monstro e ajuda de Ariadne.

    Ddalo e o filho conseguem fugir, munindo-se de asas, feitas de penas unidas com cera. O jovem, entusiasmado, no tem em conta o conselho do pai de se no aproximar demasiado do sol, pois recusa o rasar cerce/ de asas

    e o voo excede

    o voo, caro, filho de Ddalo

    mas no do mesmo

    raso destino.

    caro ultrapassa, por ousadia, o raso destino, anseia pelo azul, aproxima-se do sol e o fogo que o incendeia derrete a cera/ de cada asa/ fundindo a Ideia (p. 37):

    Que rasar cerce de asas declinas,

    se o sol declina

    e o voo excede

  • 64

    o voo, caro, filho de Ddalo

    mas no do mesmo

    raso destino?

    Um pouco menos

    de azul e a brasa

    que te incendeia

    derrete a cera

    de cada asa

    fundindo a Ideia.

    Heri da hybris, caro simboliza o esforo inglrio de se libertar do peso das peias que o ligam terra, o esforo do esprito para deixar o raso destino. Nesse esforo em busca de mais luz e mais azul,

    derrete a cera

    de cada asa

    fundindo a Ideia.

    Heri de libertao, mas sem a conotao de desmedida que anda associada a caro, -o tambm Teseu, o escravo/ da liberdade/ e do destino. Mas, apesar do seu esforo e talvez pelo facto de se sentir na obrigao de romper com todos o vnculos e dotar os outros de

  • 65

    liberdade ser, portanto, escravo da liberdade , no deixa de circular no labirinto/ de fuga em fuga; cerca Minos duma loucura que o domina/ mais que ao Touro/ em que rumina e continua ainda a errar com Ariadne, no pelo mar, como no mito, mas de signo em signo (p. 38):

    Como circulas

    no labirinto

    de fuga em fuga

    cercando Minos

    duma loucura

    que te domina

    mais do que o Touro

    em que ruminas,

    Teseu, escravo

    da liberdade

    e do destino,

    ainda errando

    com Ariadna

    de signo em signo?

    Este errar de signo em signo significa que no atingiu a Ideia, de que fala em vrios sonetos: caro, no

  • 66

    seu deslumbramento, aproxima-se demasiado e fundiu-a; como apontei em outro trabalho, no primeiro e ltimo sonetos desta segunda parte do livro, os dois referidos a Ulisses, em taca as guas/ tecem a Ideia (p. 31) e Ulisses aporta ao cais do mito, no qual o infinito/ se tece, enquanto em nada a deia/ destece o manto/ da pura Ideia (p. 46)49.

    Ariadne, que na composio acabada de analisar acompanhava Teseu na sua errncia de signo em signo50, o centro dos dois sonetos seguintes (pp. 39-40). O primeiro parte do motivo do fio que a princesa, a conselho de Ddalo, deu a Teseu para este encontrar o caminho de sada do labirinto, depois de eliminar o Minotauro. Mas aqui o Touro cego e o fio tecido do prprio cabelo da princesa

    que to a medo

    se desenreda

    no lento cerco

    do Touro cego.

    Mas, alm deste fio do receio de que a medo Ariadne se desenreda, a princesa leva de Creta outro

    49- O tema de Ulisses em cinco poetas portugueses

    contemporneos, Mthesis 5 (1996) 50

    - O recurso aos signos da lingustica usual na poesia de Jos Augusto Seabra, como refiro mais adiante (p. 23).

  • 67

    segredo no diadema: mas esse no filtro capaz de prender o amor de Teseu que se apressa a abandon-la o amante lesto das suas penas e acaba por o oferecer ao deus Dioniso. Talvez se encontre nesta referncia uma aluso ao diadema de ouro, executado por Hefestos, que Dioniso ofereceu princesa, diadema que, segundo uma verso pouco conhecida, Ariadne entrega a Teseu, sendo graas a essa coroa luminosa que o heri reencontra o caminho no labirinto.

    A transcrio integral do soneto encontra-se na Antologia (p. 109).

    O abandono de Ariadne na ilha de Naxos, a epifania de Dinisos que a desposa, focados no soneto precedente, esto subjacentes segunda composio relativa a Ariadne. Naxos o soneto fala da ilha de Dia (v. 3), mas esta foi depois, na tradio, identificada a Naxos a ilha fria/do abandono, a ilha do sono. A princesa deixara-se dormir, facto que Teseu aproveita para se libertar dela. A a encontra o amor medonho de Dioniso. Mas esta ligao com o deus aparece como um mau sonho, j que de imediato, a concluir a segunda quadra, surge a interrogao: que outro mau sonho/ te est prescrito?. As duas primeiras estrofes apresentam assim um carcter disfrico: como se o abandono na ilha, a solido, o aparecimento do deus e o seu amor medonho

  • 68

    fossem um pesadelo, um mau sonho. Nos dois tercetos o poeta pergunta-se se Ariadne romper o fio frgil do mito (note-se a aliterao em f) ou se, pelo contrrio, ser o Tempo, Cronos, que a vai destronar. Mais dois exemplos de maus sonhos? Se o fio, de Ariadne constitui o nico meio de sair dos labirintos que sempre envolvem os homens, o seu rompimento impossibilita o encontro do caminho. Por outro lado o Tempo, Cronos, o deus que tudo devora e por isso traz o esquecimento.

    O soneto aparece na ntegra na Antologia (p. 110).

    A srie de seis sonetos consagrados ao labirinto, Minotauro e empresa de Teseu termina com o suicdio de Egeu, por julgar que o filho tinha perecido na luta contra o monstro (p. 41). O rei da tica lana-se, em voo a pique, ao mar por atraco pelo abismo obscuro, o mar oco que mal soa// no doce bzio. O seu acto lano louco que te traa o rumo / visando o fundo / do alvo nulo / do teu mergulho / mortal.

    O mergulho de Egeu para o mar que toma o seu nome, ao pensar que o filho morrera, aparece como acto injustificvel e sem objectivo visa o fundo/ do alvo nulo e , ao mesmo tempo, salto puro/ de prumo a prumo. Vejamos todo o soneto, em que as rimas em vogal fechada e u lhe transmitem uma tonalidade soturna:

  • 69

    Danas o voo

    a pique, surto

    do abismo obscuro

    onde mal soa

    no doce bzio

    todo o mar oco.

    Que lano louco te traa o rumo

    visando o fundo

    do alvo nulo

    do teu mergulho

    mortal, bruxo

    do salto puro

    de prumo a prumo?

    Seis poemas que, partindo de diversos elementos do mito, concluem de forma negativa: Minos, Rei da m arte, que se entrega nas mos de Ddalo (p. 36); caro que derrete a cera das asas fundindo a Ideia (p. 37); Teseu que ainda erra com Ariadna/ de signo em signo (p. 38); a princesa apaixonada que no consegue vencer o amante lesto das suas penas (p. 39); Cronos que destrona a triste filha/ do Rei maldito (p. 40); o mergulho de

  • 70

    Egeu que tem alvo nulo e salto puro/ de prumo em prumo (p. 41). Por outro lado, todos eles, com excepo do que se refere a caro (p. 37), terminam em interrogao, transmitindo a ideia de impossibilidade de obteno de certezas, de conseguir sadas, de se atingir o verdadeiro sentido das coisas ou dos mitos que da Grcia herdmos.

    A prpria disposio formal do poema na pgina, na primeira e terceira partes de Gramtica Grega comeo de modo geral por versos mais longos que se reduzem sucessivamente at versos de uma curta palavra apenas , sublinha essa tendncia ou noo de aniquilamento, perda de sentido, nada.

    Da Grcia chegou-nos o fulgor dos sons, mas s nos restam as cinzas do sentido, sobre as quais se estende o silncio (p. 63):

    Entenda-se: o fulgor

    dos sons, as cinzas

    do sentido. Entenda-se:

    o silncio

    ferido.

    Sempre ao invs do sentido, no se consegue nunca atingir a ptria desejada. Fugidios e inapreensveis, nunca os signos se deixam por inteiro decifrar. que, como diz a epgrafe do livro (p. 11), retirada de um fragmento de Heraclito O deus cujo orculo est em

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    Delfos no diz nem cala: faz sinal. E esses sinais, os seus orculos, nunca so unvocos. Subscrevo, apesar disso, a opinio de Maria Helena da Rocha Pereira de que, se em Gramtica grega h composies que registam um momento e consagram o nada, a ausncia, a um nvel mais profundo, encontramos a oposio perene passado/presente, e, por toda a parte, "a vertigem do rigor"51.

    Gramtica grega um dos mais significativos livros de poemas de Jos Augusto Seabra. O ttulo de imediato elucida da importncia que nele assume, e tem para o poeta, a Grcia, em especial a Grcia clssica com a sua cultura, matriz da nossa: na compreenso e expresso do mundo e da cultura em que vivemos, exerce a mesma funo que a gramtica em qualquer lngua. a sua base e, por isso, constitui o poderoso veio que inicia e ao longo dos tempos vai (p. 62)

    Delineando

    a lmina

    to lmpida

    do rio:

    s rigor

    ou signo.

    51- Temas clssicos em quatro poetas portugueses

    contemporneos, Mthesis 3 (1994) 25.

  • 72

    Em Sophia de Mello Breyner Andersen, poeta da inteireza, da conciso e da claridade, tambm aparecem interiorizados o labirinto e o Minotauro, que trata em cinco poemas: "Labirinto" de Livro Sexto (p. 40); "Maria Helena Vieira da Silva ou o itinerrio inelutvel" e "O poeta trgico" publicados em Dual (pp. 41 e 62 respectivamente); dois com o ttulo de "O Minotauro", um sado tambm em Dual (pp. 59-61), sem ttulo, e o outro em O nome das coisas (p. 51); e "O palcio" que faz parte do livro O nome das coisas (p. 21)52.

    Em Sophia de Mello Breyner Andresen, o labirinto est nela prpria, algo de interior: nele caminha, sozinha, aproximando o rosto do silncio e da treva em busca da luz dum dia limpo (II, p. 123):

    Sozinha caminhei no labirinto

    Aproximei meu rosto do silncio e da treva

    Para buscar a luz dum dia limpo

    Ou, como refere no poema "O poeta trgico" (III, p. 150), algo que existe em cada um, o secreto palcio do terror calado, de onde o poeta trgico trouxe para o exterior o medo e dizendo-o na lisura dos ptios no quadrado/ De

    52- As citaes so feitas por Obra potica (Lisboa, 1992) em trs

    volumes, respectivamente, II, p. 123, III, p. 130, III, p. 150, III, p. 147-149, III, p. 218, III, p. 187.

  • 73

    sol de nudez e de confronto, o exps como um toiro debelado:

    No princpio era o labirinto

    O secreto palcio do terror calado

    Ele trouxe para o exterior o medo

    Disse-o na lisura dos ptios no quadrado

    De sol de nudez e de confronto

    Exps o medo como um toiro debelado

    No poema sobre Vieira da Silva (III, p. 130) identifica a pintura da artista com o labirinto que mincia, sucesso e multiplicao de coisas sem ordem: muro, rua, escada aps muro, rua, escada; pedra contra pedra e livro sobre livro; palcio onde se multiplicam as salas e os quartos de Babel roucos e vermelhos (v. 7); que passado, com seus jardins, de onde, do fundo da memria, sobem as escadas; encruzilhada, antro, gruta, biblioteca, rede, inventrio, colmeia. afinal itinerrio, como se fora o subir dum astro inelutvel (vv. 12-13), mas quem

    ...............o percorre no encontra

    Toiro nenhum solar nem sol nem lua

    Mas s o vidro sucessivo do vazio

    E um brilho de azulejos man frio Onde os espelhos devoram as imagens

  • 74

    Exauridos por esse labirinto que marca a pintura de Vieira da Silva, cada um caminhar na mincia e ateno da busca, de quadro em quadro, encontrando desvios redes e castelos/ Torres de vidro corredores de espanto (vv. 22-23), at um dia emergir e encontrar a equidade e a maravilhosa claridade das cidades (vv. 24-26):

    .........um dia emergiremos e as cidades

    Da equidade mostraro seu branco

    Sua cal sua aurora seu prodgio

    Assim mais uma vez o labirinto algo de complexo, sombrio aqui j no no interior de ns, como nos poemas anteriores, mas na pintura de Vieira da Silva de onde se sai para a claridade e para a luz.

    O poema, que se encontra includo na Antologia (pp. 113-114), constitudo por trs estrofes: a primeira procura definir e caracterizar o labirinto, de incio pela enumerao positiva de vrias coisas, a que o identifica, e depois pela ausncia e pela negao de algo que pertence ao mito, como o toiro, o sol, a lua, ou como vidro vazio, brilho frio de azulejos, espelhos que devoram imagens. A segunda e terceira estrofes aludem ao esforo e tentativa constantes de emergir do labirinto e conseguir a equidade e a luz. Nesse labirinto que tanto podemos ser ns e a nossa memria como a complexidade e a violncia do que nos rodeia habita o Minotauro.

  • 75

    Como uma das suas moradas identifica o sujeito lrico, no poema "O palcio", o edifcio em que passou a infncia, construdo no sculo passado e pintado a vermelho (v. 3):

    Era um dos palcios do Minotauro

    o da minha infncia para mim o primeiro

    dois versos que, repetidos ao longo do poema, insistem na ideia de identificao e de convivncia com outras moradas do monstro ao longo da vida. Mas ao contrrio de outras ocorrncias em que Minotauro um ente ominoso, aqui tal no acontece de todo. Uma primeira parte do poema descreve o palcio nas suas caractersticas externas: tal como qualquer outro, tinha esttuas escadas veludo granito; tlias que o cercavam de msica e murmrio/ Paixes e traies (vv. 4-6); espelhos defronte de espelhos que davam profundidade; o ptio era um trio interior, para onde davam as varandas. A segunda parte, iniciada no verso 14 por ali que se repete na ltima estrofe mais quatro vezes em anfora, no de todo disfrica, apesar de estarmos perante um dos palcios do Minotauro: se existia a desordem e tudo estremecia, se o tmulo cego confundia e se impunha a fria o clamor o no-dito, se predominava o Kaos e o confuso onde tudo irrompia, tambm nele a magia como fogo ardia e a prata brilhava o vidro luzia (vv. 19-20), no havia apenas

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    noite e sombra mas tambm luz do dia e afinal desse Caos tudo nascia, como proclama elucidativamente no ltimo verso do poema (vv. 14-24):

    Ali a magia como fogo ardia de Maro a Fevereiro

    A prata brilhava o vidro luzia

    Tudo tilintava tudo estremecia

    De noite e de dia

    Era um dos palcios do Minotauro

    o da minha infncia para mim o primeiro

    Ali o tmulo cego confundia

    O escuro da noite e o brilho do dia

    Ali era a fria o clamor o no-dito

    Ali o confuso onde tudo irrompia

    Ali era o Kaos onde tudo nascia

    afinal um palcio de infncia de que a criana que nele viveu guarda o brilho da prata e o luzir do vidro, sentiu estremecimentos e medos, mas comeou tambm a sentir o despertar para a vida, com todo o el vital de foras poderosas e obscuras a fria o clamor o no dito, o confuso , mas de onde tudo irrompeu e tudo nasceu.

    Includo na Antologia (pp. 115-116), o poema recorre com frequncia aliterao (vv. 2, 3, 4, 5, 11, 16,

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    19), com algumas das quais se obtm felizes efeitos de imitao sonora, como acontece nos versos 5, 11 e 16.

    O mito localizava a morada desse ser lendrio em Creta, no palcio do rei Minos. esse elemento da lenda que est na base do poema "O Minotauro" de Dual (III, pp. 147-149)53. Refere o sujeito potico que em Creta o Minotauro reina sintagma que se repete vrias vezes e tal repetio acentua o domnio e poder do monstro e h uma dana que se dana em frente de um toiro (v. 4). Naturalmente uma aluso s acrobacias que com o touro se realizavam em Cnossos de que o clebre fresco do "Salto sobre o Touro" ser um exemplo. Tratar-se-ia de uma cerimnia de ndole religiosa que, como referi o ano passado, talvez possa estar na origem do mito do Minotauro e dos jovens que lhe eram dedicados periodicamente54.

    Se por um lado encontramos no poema elementos negativos (vv. 28-31)

    Palcios sucessivos e roucos

    Onde se ergue o respirar de sussurrada treva

    E nos fitam pupilas semi-azuis de penumbra e terror

    Imanentes ao dia

    53 - Poema transcrito na Antologia, pp. 117-119.

    54- O Labirinto e o Minotauro na tradio clssica, p. 25.

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    e se, por outro, na ilha o mar todo azul por dentro (vv. 21-23),

    Oferenda incrvel de primordial alegria

    Onde o sombrio Minotauro navega

    h pinturas ondas colunas plancies e no palcio o Prncipe dos Lrios ergue os seus gestos matinais (vv. 23 e 33, respectivamente). nesse local, ao mesmo tempo amoenus e horrendus, que fica o reino do Minotauro. E no entanto a poetisa, apesar de devastada como cidade em runa/ Que ningum reconstruiu (vv. 14-15), porque pertence (vv. 19-20)

    .............. raa daqueles que mergulham de olhos abertos

    E reconhecem o abismo pedra a pedra anmona a anmona flor

    a flor

    a se banhou no mar, sem se embriagar com qualquer droga que a escondesse de si: apenas bebeu retsina, tendo derramado na terra a parte que pertence aos deuses (v. 7), se enfeitou de flores e mastigou o amargo vivo das ervas/ Para inteiramente acordada comungar a terra, beijou o cho como Ulisses, caminhou na luz nua (vv. 9-12). Nenhuma droga a embriagou, escondeu ou protegeu, como vai repetindo ao longo do poema; pelo contrrio, lcida e consciente, inteiramente acordada (vv. 10 e 26), atravessou o dia e caminhou no interior dos palcios

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    veementes e vermelhos (vv. 26-27). Ou seja, o poema assenta na dualidade, uma noo fundamental na criao potica de Sophia: lucidez contra obnubilao, claridade e luz contra sombra e treva, razo contra os terrores primitivos. Essa dualidade aparece bem expressa nos seguintes versos (vv. 26-33):

    Inteiramente acordada atravessei o dia

    E caminhei no interior dos palcios veementes e vermelhos

    Palcios sucessivos e roucos

    Onde se ergue o respirar de sussurrada treva

    E nos fitam pupilas semi-azuis de penumbra e terror

    Imanentes ao dia

    Caminhei no palcio dual de combate e confronto

    Onde o Prncipe dos Lrios ergue os seus gestos matinais

    Convm por outro lado recordar que "O Minotauro" faz parte de um livro que se intitula precisamente Dual.55 Ora Sophia deseja manter-se desperta e acordada para poder caminhar no palcio dual do combate e do confronto; no quer que nenhuma droga lhe ofusque as capacidades de discernir, de sentir e de sofrer, comungar a terra (v. 10). Na procura de lucidez e de domnio da

    55- Sobre a noo de dualidade em Sophia de Mello Breyner

    Andresen vide Silvina Rodrigues Lopes, Poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen (Lisboa, 1990), p. 108.

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    razo para se decifrar e reencontrar, o Dinisos com quem dana (vv. 35-37)

    ....................no se vende em nenhum mercado negro

    Mas cresce como flor daqueles cujo ser Sem cessar se busca e se perde se desune e se rene

    S desse modo poder reconhecer o abismo pedra a pedra anmona a anmona flor a flor (v. 20) e ver, ao virar-se para trs da sua sombra, que era azul o sol que tocava o meu ombro (v. 43). O sujeito lrico, na cidade minica, cujos muros so feitos de barro amassado com algas (v. 42), procura encontrar-se atravs da fora criativa do poema e de olhos abertos e bem desperto percorre o labirinto sem jamais perder o fio de linha da palavra (vv. 44-49):

    Em Creta onde o Minotauro reina atravessei a vaga

    De olhos abertos inteiramente acordada

    Sem drogas e sem filtro

    S vinho bebido em frente da solenidade das coisas

    Porque perteno raa daqueles que percorrem o labirinto

    Sem jamais perderem o fio de linho da palavra

    No poema, Sophia insiste em no se obnubilar por qualquer droga (vv. 6, 34 e 46), em manter-se inteiramente acordada (vv. 10, 26 e 45), em caminhar na luz nua (v. 13), em ter os olhos abertos (vv. 19 e

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    45) para, na plena ateno, comungar a terra (v. 10), reconhecer as coisas, a natureza e a verdade do ser que sem cessar se busca e se perde se desune e se rene (v. 37). Ou seja, Sophia de Mello Breyner procura estar atenta, lcida, para ver e ouvir dois actos pelos quais se concretiza a actividade potica. Em sua opinio, o poeta um escutador e fazer versos estar atento; e, como o poema aparece, emerge e escutado num equilbrio especial da ateno, para o ouvir na totalidade necessrio que a ateno no se quebre ou atenue. precisamente esta abertura, este estar escuta e ter os olhos abertos, este saber ver e ouvir que vem acentuado em "Poema" de Geografia (vv. 1-5)

    A minha vida o mar o Abril a rua

    O meu interior uma ateno voltada para fora

    O meu viver escuta

    A frase que de coisa em coisa silabada

    Grava no espao e no tempo a sua escrita56

    A minha vida o mar E como ele adquire importncia na obra de Sophia de Mello Breyner Andresen! Pode mesmo falar-se, de certo modo, de um sentido de inexauribilidade da poesia, trazido pela

    56- Obra potica III, p. 89. Estes versos, na primeira edio de

    Geografia, constituam um poema separado com o ttulo de "Ateno". As outras citaes so de "Arte potica IV", de Dual (III, p. 166

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    presena infinita do mar57. E no poema "O Minotauro", que estamos a analisar, recorrente o motivo de tomar banho e mergulhar nas vagas: banhar-se no mar de Creta (v. 3), penetrar e mergulhar no interior do mar (vv. 18 e 19), atravessar a vaga (v. 44) do mar de Creta onde o sombrio Minotauro navega e reina (vv. 21-23 e 44). Mas mergulhar e atravessar essas vagas de olhos abertos, sem drogas e sem filtro, por ser da raa dos que reconhecem o abismo pedra a pedra anmona a anmona flor a flor (v. 20) e percorrem o labirinto sem nunca perderem o fio de linho da palavra (v. 49).

    E assim termina o poema com o sublinhar da essencialidade da poesia na sondagem do labirinto ou abismo que a vida e cada um. Repare-se, no entanto, que o poema alude a reconhecer o abismo, a percorrer o labirinto. que, para Sophia, a poesia essencialmente encontro e no conhecimento58. Ou seja num sentido que tem pontos de contacto com a de Miguel Torga a criao potica, atravs do fio de Ariadne que a palavra, guia o poeta no conhecimento de si e das coisas.

    Estamos perante um poema cuidadosamente elaborado em que as aliteraes so frequentes: por exemplo, em d (v. 4), em m e e (v. 6), em d e p (v. 7), em

    57- Silvina Rodrigues Lopes, Poesia de Sophia de Mello Breyner

    Andresen (Lisboa, 1990), p. 20 58

    - Colquio/Revista de Artes e Letras 8 (Abril de 1960)

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    a (v. 26), em v (v. 27), em p. (v. 30), em c (v. 32), em d, v e n (v. 35), em m (v. 40), em a (v. 41), em p (vv. 48-49). A aliterao volta a estar em evidncia (em t e l no verso 1, em s no 2 e em v no 3) na mais recente composio dedicada ao tema, que tambm tem o ttulo de "O Minotauro" (III, p. 218). O monstro, se bem que longo tempo latente, pode saltar de sbito sobre a nossa vida com a veemncia vital de monstro insaciado, como proclama o pequeno poema:

    Assim o Minotauro longo tempo latente

    De repente salta sobre a nossa vida

    Com veemncia vital de monstro insaciado

    Em concluso, o Minotauro , para Sophia, algo de insacivel, que devora o que h de melhor na vida e nos interior ou exterior, algo que prende e manieta e que ela chega a identificar com um homem que traz em si mesmo a violncia do toiro. Curiosa e expressiva a ambiguidade em que mergulha o texto: gnero ou indivduo? Desse monstro s pode cada um libertar-se e atingir a serenidade por meio da claridade da luz, como escreve num poema de Geografia relativo a Epidauro (p. 69):

    Gritei para destruir o Minotauro e o palcio. Gritei para

    destruir a sombra azul do Minotauro. Porque ele insacivel.

    Ele come dia aps dia os anos da nossa vida. Bebe o sacrifcio

    sangrento dos nossos dias. Come o sabor do nosso po a nossa

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    alegria do mar. Pode ser que tome a alegria de um polvo como

    nos vasos de Knossos. Ento dir que o abismo do mar e a

    multiplicidade do real. Ento dir que duplo. Que pode tornar-se pedra com a pedra alga com a alga. Que pode dobrar-se que pode desdobrar-se. Que os seus braos rodeiam. Que circular. Mas de sbito vers que um homem que traz em si

    mesmo a violncia do toiro.

    Seis poetas portugueses da actualidade Miguel Torga, Natlia Correia, David Mouro Ferreira, Fernando Guimares, Jos Augusto Seabra e Sophia de Mello Breyner Andresen em que o tema do Labirinto e do Minotauro adquire certo relevo. Em todos eles predomina o carcter disfrico: o labirinto o local ou situao complexa e sem sada, quer seja interior, quer exterior prpria pessoa. Pode ser a poesia em que o poeta se perde e de onde s consegue sair pelo fio das palavras; pode ser uma casa ou um aeroporto.

    O Minotauro o monstro que cada homem arrasta consigo e enfrenta, que o domina: seja ele o tempo que tudo devora, as paixes e desejos com que cada um se debate, um simples homem, o poder econmico, ou o que h de negativo no homem.

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    BIBLIOGRAFIA ESSENCIAL

    F. Brommer, Theseus. Die Taten (Darmstadt, 1982). W. V. Davies and L. Schofield (edd.), Egypt, the Aegean and the

    Levant. Interconnections in the Second Millennium BC

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    um conceito (Coimbra, 21992). A. Heubeck e A. Hoekstra, A commentary on Homer's Odyssey

    (Oxford, 1989). S. Hood, A ptria dos heris (trad. port., Lisboa, 1969). S. Hood, Os Minicos (trad. port., Lisboa, 1973). A. Kauffmann-Samaras, These et le Minotaure: Mythe et realit

    travers la cramique grecque, in R. Olmos (ed.), Coloquio sobre Teseo y la copa de Aison (Madrid, 1992).

    R. Olmos