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1 “Laços de Família”: Análise da Administração Pública numa Perspectiva Comparada entre Brasil e Angola i Autoria: Josiel Lopes Valadares, Rona Pereira Capobiango, Kapeth Gaspar Dos Santos da Costa, Edson Arlindo Silva Resumo Este ensaio busca suscitar reflexões acerca do que Angola, poderia aprender com os avanços e limitações da modernização da Administração Pública Brasileira. Parte do pressuposto de que Brasil e Angola apresentam raízes coloniais lusófonas e que por este aspecto tornam-se “irmãos” coloniais. Compreendeu-se que a análise comparativa dos dois países, permite realizar apontamentos das principais aproximações e distanciamentos no que tange a modernização de suas respectivas estruturas de administração pública. Sendo assim, percebeu-se que Angola deve-se atentar para os avanços e limitações da Administração Pública Brasileira para que não cometa os mesmos erros, tomando o cuidado de não se fascinar pelo novo.

“Laços de Família”: Análise da Administração Pública … e das tentativas de superar as crises internas de seus Estados Nacionais. Neste ínterim, as reformas administrativas

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“Laços de Família”: Análise da Administração Pública numa Perspectiva Comparada entre Brasil e Angolai

Autoria: Josiel Lopes Valadares, Rona Pereira Capobiango, Kapeth Gaspar Dos Santos da Costa,

Edson Arlindo Silva

Resumo

Este ensaio busca suscitar reflexões acerca do que Angola, poderia aprender com os avanços e limitações da modernização da Administração Pública Brasileira. Parte do pressuposto de que Brasil e Angola apresentam raízes coloniais lusófonas e que por este aspecto tornam-se “irmãos” coloniais. Compreendeu-se que a análise comparativa dos dois países, permite realizar apontamentos das principais aproximações e distanciamentos no que tange a modernização de suas respectivas estruturas de administração pública. Sendo assim, percebeu-se que Angola deve-se atentar para os avanços e limitações da Administração Pública Brasileira para que não cometa os mesmos erros, tomando o cuidado de não se fascinar pelo novo.

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1. Introdução

Este ensaio apresenta reflexões, através de uma perspectiva epistemológica comparada, acerca da modernização da administração pública do Brasil e de Angola. Estas reflexões se justificam nas evidências conceituais de que os dois países tem aderido às reformas administrativas, resultante das influências das reformas administrativas no cenário internacional e das tentativas de superar as crises internas de seus Estados Nacionais.

Neste ínterim, as reformas administrativas podem ser compreendidas como um processo de adaptação da máquina pública ao ambiente em que se insere. Assim, as reformas devem levar em consideração a realidade do país, avaliando seus elementos culturais e reconhecendo, desta forma, possíveis limitações que o modelo possa apresentar. À medida que tais limitações são reconhecidas, novas propostas se apresentam como alternativas capazes de melhorar o funcionamento do Estado, visto como um sistema que necessita, continuamente, ser reajustado e adaptado a uma realidade de um ambiente dinâmico de mudanças permanentes. Cada país apresenta um perfil peculiar, com suas limitações e suas características culturais, que devem ser levadas em consideração ao se propor alguma alteração que interfere na vida social de todos que compõem o Estado.

Uma das mais novas tendências de reforma da Administração pública é a New Public Management ou a reforma gerencial. A necessidade desta surgiu em resposta às crises do modelo burocrático weberiano no final da década de 1970 e início da década de 1980, no qual, tal modelo, não conseguia dar uma resposta rápida para o governo frente ao contexto de crise que estava em vigor (POLLIT, 1990). Esta foi impulsionada a partir da crise do petróleo de 1973, onde pôs fim a uma “era dourada” de prosperidade que vigorava desde o fim da Segunda Guerra Mundial, período em que várias nações (desenvolvidas ou não desenvolvidas) alcançaram altíssimas taxas de crescimento (ABRÚCIO, 1997).

Desde os primeiros anos da década de 1980, vê-se crescer uma demanda para tornar o Estado mais eficiente e gerencial (KETTL, 2006). Países como Canadá, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia, Japão, Estados Unidos adotaram o conceito de “deixem o administrador administrar”, onde a flexibilidade era um princípio básico para a reinvenção dos governos (OSBORNE, GAEBLER, 1992; NUNBERG, 1998). Esta filosofia de ADP se popularizou, principalmente, com influências do governo de Margareth Thatcher, a Dama de Ferro, no Reino Unido e pelo governo de Ronald Reagan, nos Estados Unidos onde sua principal meta era obter uma administração pública mais eficiente e flexível (FLYNN, STREHL, 1996; ABRÚCIO, 1997; KETTL, 2006; SOARES, CONCEIÇÃO, FILHO, 2004).

No caso brasileiro, observam-se duas tentativas de modernização de seu Estado. A primeira denominada Reforma Burocrática e a segunda denominada Reforma Gerencial. No caso angolano, Valadares et al. (2011) evidenciam que, na tentativa de modernização deste Estado, há presença marcante de duas possíveis modernizações, a Revolucionária e a Democrática.

A importância das relações Brasil-Angola reside no fato de o Brasil ser o primeiro país a reconhecer o processo de independência de Angola (RIZZI, 2005). Este autor observa que o Brasil sempre esteve, historicamente, ligado a Angola, dado que ambos integravam o império português, com funções diferenciadas nos processos de exploração e de colonização. Desta forma, desde os tempos do grande comércio de escravos, passando pelo período do pós-guerra fria, até os dias de hoje, aspectos histórico-culturais, políticos e comerciais unem de forma bilateral os ‘irmãos coloniais’ (PANTOJA e SARAIVA, 1999; RIZZI, 2005).

Nesta relação ‘familiar’, o Brasil conquistou sua independência da ‘Mãe’ Portugal em 07 de setembro de 1822. Já Angola veio a conquistar sua independência no dia 11 de

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novembro de 1975. Em relação à história de ‘nascimento’ do Estado democrático Brasileiro e Angolano, o romancista benguelano Pepetela, em entrevista à Carneiro (2011), explicita que o povo angolano, de um modo geral, vê o Brasil como um ‘irmão mais velho’. O escritor comenta, ainda, que, enquanto o povo angolano nutri este sentimento familiar para com o Brasil, os brasileiros pouco sabem sobre o país africano com quem partilham raízes lusófonas.

Portanto, cabe refletir se traços marcantes na Administração Pública Brasileira como nepotismo, patrimonialismo, lobismo e favorecimentos de classes, podem ser encontrados na Administração Pública Angolana. Existem evidências na literatura que corroboram para tal reflexão. Costa (2008), por exemplo, menciona que a Corte Portuguesa utilizava destes elementos na hora de estabelecer critérios para posse de cargos públicos. Desta forma, os traços supramencionados podem ser herdados da cultura colonial portuguesa. Uma vez que tanto Brasil e Angola foram colônias de Portugal, desconfia-se que Angola também pode ter herdado traços paternalistas.

Deve-se ressaltar que, apesar de apresentar raízes lusófonas, os dois países se desenvolveram em ambientes diferentes e estes podem ter direcionado as características da Administração pública, de cada país, para direções diferentes. Entretanto, durante o decorrer da história, os dois países estiveram ligados ou por laços histórico-culturais ou por relações bilaterais, o que reforça a tese deste ensaio de que mesmo os países (filhos) serem criados em lugares diferentes, o ‘DNA materno’ é o mesmo.

Quanto ao estágio de modernização da administração pública de cada país, observa-se, através de Valadares et al. (2011), que o Brasil está em patamares superiores de desenvolvimento em relação à Angola. Um dos motivos pode ser a tardia conquista da Independência Angolana, sem considerar que, após tornar-se independente, o país entrou em conflitos internos em busca do poder durante vinte e sete anos. Ao contrário desta realidade, a democracia no Brasil foi conquistada de forma mais pacificada do que em países africanos, apesar de que, na história política brasileira contemporânea, são discutidos vários problemas, como a Ditadura Militar.

Este fato faz com que as características da sociedade civil, em termos de acesso a educação, emprego, saúde e informações, sejam disponíveis para uma camada maior da sociedade. Logo, a capacidade de pensar e protestar é relativamente maior do que em países dominados por guerra civil. Assim, observa-se que, em Angola, as instituições públicas são regidas seguindo princípios que se relacionam ao contexto de conflitos, guerras e dificuldades sociais.

Dado este contexto inicial, percebe-se que o reconhecimento das bases culturais presentes em um Estado permite conhecê-lo melhor e, desta forma, consegue-se refletir sobre possíveis medidas que contribuam para o desenvolvimento do mesmo (CAPOBIANGO et al., 2010). No que tange às relações bilaterais entre Brasil e Angola, é possível construir uma análise de ambos, com base em suas raízes histórico-culturais. Assumindo a hipótese de que o Brasil seja o ‘irmão mais velho’ de Angola, e que dada suas “experiências” no contexto da administração pública, pressupõe que o Brasil possa contribuir, com estas “experiências”, no processo de modernização da administração pública de Angola. Apresenta-se, assim, como questão norteadora deste ensaio: o que Angola, poderia aprender com os avanços e limitações da modernização do Estado Brasileiro? Ou seja, o que o irmão mais novo poderia aprender com as experiências do irmão mais velho, haja vista seus laços familiares? Desta forma, o objetivo deste ensaio é suscitar reflexões acerca do que a Administração Pública Angolana, poderia aprender com os avanços e limitações da modernização da Administração Pública Brasileira.

Para tanto, realizou-se um revisão bibliográfica de modo a apresentar as bases das raízes coloniais brasileiras e angolanas e um breve histórico da administração pública contemporânea destes dois países e, desta forma, despertar algumas reflexões a respeito do que Angola poderia

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aprender com o caso brasileiro. Deve-se destacar que este estudo se insere na perspectiva da Administração Pública Comparativa (APC), onde tal comparação além de permitir avaliar os efeitos de ambientes diferentes sobre a estrutura e comportamento organizacional a comparação sistemática, permite, ainda, analisar porque a estrutura e o comportamento organizacional podem ser importantes na produção de diferentes resultados que sejam relevantes para a sociedade (PETERS, 1988; BRANS, 2010).

2. Caracterização do Contexto Histórico e da Administração pública Brasileira

O sistema histórico-cultural brasileiro, de acordo com Barros e Prates (1996), é formado por quatro grandes subsistemas: institucional (macro); pessoal (micro); líderes (donos do poder) e, liderados (subordinados ao poder). Esses subsistemas, caracterizados respectivamente pela concentração de poder; postura de expectador; personalismo e prática de evitar conflito articulam-se pelos traços do formalismo, lealdade às pessoas, paternalismo e formalismo. Essa articulação pode ser visualizada na Figura 01.

Figura 01: Sistema histórico-cultural brasileiro

Fonte: Barros e Prates, 1996.

O modelo histórico-cultural brasileiro traz consigo as raízes de nossa colonização – patrimonialismo e clientelismo. O processo de industrialização se deu com o surgimento dos engenhos, sendo as raízes do trabalho coletivo vinculadas e confundidas com a escravidão, recém-abolida, num processo contrário a industrialização da Europa, por exemplo, onde os trabalhadores que ingressaram na indústria eram livres (NASCIMENTO, 1999).

Esse sistema de ação cultural é formado pela inter-relação de todos os componentes, cuja interpretação encontra-se sintetizada na figura 02:

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Subsistemas Traços culturais

A sociedade brasileira...

Dos líderes

Personalismo valoriza mais o grupo de “pertença” do que o individualismo

Paternalismo apresenta um egocentrismo dependente, com a construção de um capital social baseado nas relações de poder

Concentração de poder baseia-se na hierarquia/subordinação

Institucional Formalismo apresenta uma discrepância entre a conduta concreta e as

normas prescritas

Impunidade tem alto grau de tolerância quando acontece algo com alguém do grupo

Espectador tem baixa iniciativa, pouca capacidade de realização e transfere a responsabilidade para as lideranças

Dos liderados Flexibilidade convive com a hierarquia em um ambiente de igualdade de fato

Evitar conflito usa soluções indiretas (terceiros) entre pólos divergentes

Pessoal Lealdade às pessoas

tem na atração pessoal seu mais forte elemento de coesão social sem esquecer da atração pelo prestígio do grupo

Figura 02: Modelo de Interpretação da Cultura Brasileira

Fonte: adaptado de Barros e Prates, 1996.

Tais características do ambiente estatal influenciam a formação da Administração Pública Brasileira. Neste sentido, observa-se que na tentativa de modernizar a administração, os governos brasileiros, ao longo da história, buscaram reformar seus mecanismos de Gestão Pública. Estas reformas se materializaram em modelos que com suas características próprias contribuíram e contribuem para formação da modernização do Estado Brasileiro. Neste sentido, os três modelos foram denominados de modelo patrimonial, burocrático e gerencial. Apesar da existência destes três modelos de ADP observa-se que em toda história brasileira nã existe a incidência de um único modelo de administração pública (TORRES, 2004). Desta forma a ADP é caracterizada por uma Gestão Híbrida onde os três modelos de Administração pública coexistem na estrutura administrativa. No entanto, percebe-se que apesar da irregularidade, um modelo sempre se sobrepôs ao outro em relação ao período que estava em evidência. É possível afirmar que o modelo patrimonialista é encontrado em todas as fases da modernização deste Estado, o que faz dele uma característica dominante na ADP brasileira (JANOTTI, 1987; LEAL, 1993; LANNA, 1995; NUNES, 1997; FAORO, 2000; HOLANDA, 2000; PAULA, 2005; MATIAS-PEREIRA, 2009; CABOBIANGO et al., 2010).

No modelo patrimonial, os governos eram constituídos de forma que as heranças políticas, obtidas por meio de graus de parentesco, eram as formas de sucessão na Administração pública (LANNA, 1995; COSTA, 2008). É evidente que, desde a Colonização Portuguesa no Brasil, alguns traços coloniais continuaram a existir quando a Gestão Pública Brasileira começou a ser formulada de forma efetiva, embora há indícios de uma

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administração, mesmo que incipiente, no Brasil, antes da chegada da Corte Portuguesa (COSTA, 2008). Observa-se, a partir das reflexões feitas por Janotti (1987), que nos primórdios do coronelismo existia um compromisso político com pagamento de favores, que muitas vezes se configuravam como cargos públicos. Estas raízes patrimoniais, nas quais predominavam a troca de favores, o nepotismo e o clientelismo, foram herdadas da Administração Colonial que, em 1808, com a chegada da Família Real, trouxe uma busca do espaço público e a formação da burguesia nacional (COSTA, 2008).

Historicamente, até a Revolução de 1930, o Estado Brasileiro era refém dos interesses de uma elite agrária composta de aristocráticos proprietários rurais. A urbanização e a industrialização que o Brasil experimentou a partir de 1930 fizeram com que o país passasse por um rearranjo político do Estado, atendendo às pressões para uma modernização deste por parte da burguesia (TORRES, 2004). Neste contexto, Getúlio Vargas comandou o movimento de reformulação completa do Estado Brasileiro, o que abriu caminho para um amplo processo de modernização social e industrial. Para a Administração pública, as consequências destas transformações são sentidas de maneira contundente quando o governo varguista criou órgãos governamentais como o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), com o intuito de promover a montagem de uma máquina administrativa nos moldes do modelo weberiano e com o objetivo de padronizar os principais procedimentos da Gestão Pública.

Deve-se ressaltar que a reforma administrativa de Vargas foi um dos primeiros esforços para superar o modelo patrimonial em voga no contexto brasileiro, embora suas raízes não tenham sido suplantadas. Estas ligações, segundo Holanda (2000), são características fundamentais do “homem cordial” brasileiro que, em sua caminhada e busca pelo poder, não consegue distinguir os aspectos públicos e privados.

Prosseguindo na reforma administrativa burocrática, no contexto do governo militar dos anos 60, surge um decreto lei que visava modernizar a Administração pública por meio da utilização de instrumentos gerenciais utilizados pela iniciativa privada. Além da normatização e da padronização de procedimentos nas áreas de pessoal, compras governamentais e execução orçamentária, desta reforma, buscava-se também estruturar a Administração pública. As estratégias adotadas para alcançar tal estruturação seriam planejamento, coordenação, descentralização, delegação de competências, controle e investimento em administração indireta (COSTA, 2008). Pelo projeto arquitetado e desenvolvido pelos militares, a tentativa de modernizar a Administração pública, pela utilização de técnicas de gestão contempladas pelo modelo gerencial, cristaliza, basicamente, por meio da descentralização administrativa para o gerenciamento indireto (TORRES, 2004; MATIAS-PEREIRA, 2009).

Um dos maiores equívocos da proposta gerencial empreendida pelos militares consiste em não realizar esforços para a criação de uma carreira de alto escalão, formando e desenvolvendo administradores públicos para os níveis de direção na gestão direta (COSTA, 2008). De modo geral, o problema foi contornado pela contratação de altos dirigentes para a administração direta por meio de recrutamentos nas empresas públicas e nas sociedades de economia mista, que pagavam salários mais altos e abrigavam quadros mais qualificados. Observa-se que, sob a ótica da reforma de 1967, houve um aprofundamento da descentralização do Gerenciamento Público, o que ocasionou aumento da administração indireta.

Na tentativa de evoluir os quadros existentes, foi instituída uma nova reforma, que aconteceu em 1995, dando início ao modelo gerencial. Um dos objetivos da reforma gerencial era o de tornar o Estado mais eficiente, mais capaz de prestar serviços sociais, culturais e científicos com baixo custo e boa qualidade. Envolveu a descentralização de trabalhos sociais para estados e municípios; a delimitação mais precisa da área de atuação do Estado; a distinção entre as atividades do núcleo estratégico; a separação entre a formulação de políticas

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e a sua execução; a maior autonomia tanto para as atividades executivas exclusivas do Estado, como para os serviços sociais e científicos que este presta; e, ainda, a segurança da responsabilização (accountability) através da administração por objetivos (BRESSER-PEREIRA, 1998).

Esta importância, dada pela reforma gerencial de 1995 ao núcleo estratégico do Estado e suas carreiras, indicou que a mudança não tinha por objetivo eliminar os conceitos clássicos da Administração Burocrática, mas corrigi-los e dar-lhes maior enfoque estratégico. Assim, Bresser-Pereira (2010) revela que, na reforma gerencial de 1995, não são eliminados princípios burocratas como legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, porém, acrescentou-se o conceito de eficiência e buscou-se, na interpretação, entender o modelo publicitário também como transparência.

Portanto, passa-se a aplicar como foco central na gestão do Estado Brasileiro, a partir da reforma gerencial de 1995, a administração por resultados. Deve-se ressaltar que, apesar da ênfase na gestão por resultados, não se pretendeu substituir a administração por etapas. A mudança reside na diminuição da ênfase em processos legais detalhados. Neste contexto, “uma gestão pública eficiente não pode deixar de contar com procedimentos regulares e previsíveis, que dificultem casuísmos e a corrupção do aparelho estatal” (BRESSER-PEREIRA, 2010, p. 180).

3. Caracterização do Contexto Histórico e da Administração Pública Angolana

Segundo Vergara (2008), Angola é um país formado por cerca de quatorze milhões de habitantes, com predomínio de religião cristã e formado por vários grupos étnicos como ovimbundos, umbundus, congos, luimbés, imbés e nianecas, caracterizada

por elevado despreparo técnico-científico, alto índice de analfabetismo, má distribuição de renda, corrupção (um problema crônico no continente africano), tráfico ilegal de armas e diamantes, problemas com o repatriamento de refugiados, baixa expectativa de vida e índices extremamente deficientes de qualidade de vida. No entanto, algum esforço tem sido realizado no sentido de superar as dificuldades (VERGARA, 2008, p.713).

Foi colonizada de maneira coercitiva por Portugal de 1482 a 1975 através de laços comerciais ou por vassalagem, geralmente dos pequenos aos grandes reis. (N’GANGA, 2008). A Metrópole fundou as cidades de Luanda e Benguela com o fim precípuo de exportar escravos. O porto de Luanda foi um dos facilitadores para Angola ser exportadora de escravos para o Brasil (VERGARA, 2008).

Todavia, na conjuntura geopolítica e geoestratégica mundial, depois da Segunda Guerra Mundial, surgiu a Organização das Nações Unidas (ONU), em 24 de outubro de 1945, que tinha como objetivo defender a autodeterminação dos povos oprimidos ou colonizados. Os africanos ousaram lutar por todos os meios disponíveis e engajaram-se em causas que os ajudassem a obter as suas independências (SLIPCHENKO, 1987). O povo angolano, não estando a margem deste movimento libertador, lutou e alcançou sua Independência (MATROSSE, 2007; PACAVIRA, 1996). A luta de libertação nacional em Angola teve o seu início em 4 de fevereiro de 1961 e se estendeu até 1974, período em que se registra o “25 de Abril”, que se refere à falência da política colonial lusitana e a derrota militar sofrida nas ex-colônias portuguesas da África (CARDOSO, 2005).

Depois da assinatura dos acordos de Alvorii, no dia 15 de janeiro de 1975, entre o governo português e os três movimentos de libertação angolana - Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e União Nacional para Independência Total de Angola (UNITA) -, formou-se um governo de

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transição que tomou posse em 31 de janeiro do mesmo ano, composto por representantes dos referidos movimentos e de Portugal (PATRICIO,1997).

Com a intervenção de exércitos estrangeiros no conflito, a situação deteriorou-se a ponto de acontecer uma ruptura total dos acordos de Alvor. Desta forma, a Independência de Angola foi proclamada unilateralmente pelo MPLA, na capital do país, Luanda, excluindo os dois protagonistas do conflito que proclamariam as suas independências em Ambriz e Huambo, em cerimônia de contornos desconhecidos e em separado, que não chegaram a ser reconhecidas na arena internacional (SLIPCHENKO, 1987). Cacete (2000) indica que a força do MPLA era tão grande que, no tocante ao mercado de trabalho, a faixa salarial se tornou restrita e pequena, onde para obter cargos de chefia era necessário pertencer ao partido dominante Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Desta forma, o recrutamento era baseado em aspectos partidários e não técnicos. Angola passa a conhecer, então, os momentos mais conturbados da sua história (1975-1991), movida pela guerra entre o MPLA e a UNITA, transformando o país no palco de confronto leste-oeste com a presença de forças e apoios estrangeiros (África do Sul, Cuba, Estados Unidos, União Soviética e Zaire). Desta forma, instalou-se uma das mais duradouras guerras civis da história, onde o petróleo e diamantes, recursos abundantes em Angola, promoveram o financiamento da guerra, onde aconteceram fuzilamentos públicos, devastações, mutilações, desaparecimentos, corrupção e recrutamento de mercenários em diversos países (CARVALHO, 2000; CACETE, 2000; KANDJIMBO, 2000; MARQUES, 2000, VERGARA, 2008). Neste sentido, Morgado (2000) evidencia que familiares lutavam contra si mesmos, intelectuais tornaram-se agentes repressores e divulgadores de uma cultura distante. Vergara (2008) acrescenta:

O tráfico ilegal permitiu a troca de diamantes por armas. As estradas e os campos de cultivo se tornaram um covil de minas que fazem de Angola, ainda hoje, o país campeão na instalação delas. À medida que o país se libertava do colonialismo português, encarcerava- e no colonialismo ideológico: o marxista-leninista. Milhares de jovens foram enviados para estudar nos países socialistas, como União Soviética, Alemanha Oriental e Cuba (VERGARA, 2008, p. 705).

Fruto de mudanças operadas no contexto internacional (o desmoronamento da União

Soviética e a queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989), os acordos de Nova Iorque deram lugar ao fim da Guerra Fria e criaram-se premissas para negociar o acordo de paz para Angola (Bicesse, Portugal) em 1991, entre o Governo e a UNITA, tendo fracassado depois da realização em 1992 (N’GANGA, 2008). Com a eclosão do conflito pós-eleitoral, os acordos de paz não alcançaram seus objetivos, pois, mais uma vez, viu-se uma guerra sangrenta, devido ao poder bélico que as partes possuíam.

O colapso do Protocolo de Lusakaiii levou o conflito a prolongar-se, tendo como saldo final a morte em combate do líder fundador da UNITA, em 22 de fevereiro de 2002, e, com a sua componente militar fragilizada, aceitou assinar o Memorando de Entendimento de Luenaiv, em 4 de abril de 2002, e alcançou-se uma paz que era muito esperada, apesar de aparentemente tênue (CARDOSO, 2005).

Angola, nos momentos que antecederam a Independência, recebeu o estatuto de “Província Ultramarina” de Portugal – o que, conforme diz a história – foi uma maneira velada de os portugueses prosseguirem com a colonização, esquivando-se das pressões internacionais para pôr fim ao colonialismo. A Gestão Pública Angolana foi, especificamente, herdada do período colonial.

Neste sentido, a Administração Pública Angolana, seguindo uma tendência mundial, está sendo pautada em um conjunto de reformas. No entanto, observa-se que a evolução

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público-administrativa deste país foi construída com fortes influências de seu contexto histórico-cultural, assim como no Brasil. Esta evolução merece destaque a partir da Segunda República ou o chamado Estado Novo (1926-1974). Aqui, importa destacar que o lado da instalação de um claro predomínio da Administração Central sobre o Estado – movido pelo autoritarismo político e pelo intervencionismo econômico – converteu-se na mais importante peça de todo o aparelho administrativo (AMARAL,1998). Em consequência, houve uma expansão das suas funções, dos seus serviços e dos seus funcionários, tendo também a extensão da Administração Central suplantando a da Gestão Municipal. “Em 1973, o peso relativo do orçamento estadual e dos orçamentos das autarquias locais, no conjunto das finanças públicas, era, respectivamente, de cerca de 94% e 6%” (INSTITUTO NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO, 2001, p. 5).

Esta extensão da Administração Central foi acompanhada pelo surgimento de um controle ou predomínio do poder central sobre os órgãos locais.

A lei reforçou muito os poderes do Governo e dos seus representantes junto das autarquias locais, os presidentes das câmaras municipais deixaram de ser eleitos e passaram a ser livremente nomeados e demitidos pelo Governo, as finanças públicas locais foram submetidas a severos condicionamentos, além de terem reduzido” (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 1991, p. 11).

Com algumas alterações, este foi o quadro prevalecente até o início da Terceira República, após a Revolução de 25 de abril de 1974 e, pode-se dizer, até a Independência Nacional e o surgimento de Angola como Estado (AMARAL, 1998).

Com a Independência, foi instaurado um regime político de partido único, designado de fase monolítica (ou também de período revolucionário). Esta fase iniciou-se em 1975 e terminou, formalmente, em 1991, com a aprovação da Lei de Revisão Constitucional n. 16/91. Ao fim da colonização, a Administração pública tornou-se enfraquecida devido ao êxodo de funcionários qualificados. Paralelamente, outros fatores contribuíram para agravar a situação: instabilidade político-militar, procedimentos burocráticos centralizadores e aumento desordenado do número de trabalhadores.

Naquele período (1975–1991), o modelo de Organização Administrativa Angolana tinha um pendor fortemente centralizador, seguindo os princípios do “centralismo democrático”. A maioria das decisões importantes era tomada a nível central, em questões políticas, econômicas ou financeiras. Foi, claramente, um período em que, além de uma forte concentração no seio da administração do Estado, havia igualmente uma centralização, na medida em que a organização administrativa não contemplava outras formas de gerenciamento das coletividades territoriais.

Neste período, é pertinente expor que, em 1988, com a aprovação do pacote legislativo do “Saneamento Econômico e Financeiro” (SEF), o Estado Angolano iniciou um método de desintervenção na economia através de um vasto processo de privatizações e reprivatizações.

Segundo Antônio (2004), aquele pacote legislativo que visava, essencialmente, a uma reforma econômica, foi, na verdade, o ponto de partida de todo o processo de mudanças – não para alterar a função pública (ou de gestão de recursos humanos), mas para reduzir a intervenção do Estado na economia.

Angola (2011a) evidencia que a Lei n. 17/90 teve o mérito de dar o primeiro passo na diferenciação do setor público administrativo e do setor privado, uma distinção que terminou com o modelo de organização administrativa adotado após a Independência. Até o surgimento da referida lei, não havia diferença entre setor público administrativo, setor público empresarial e setor privado, já que todos os trabalhadores estavam sujeitos ao Estatuto da Lei Geral do Trabalho. Tratou-se, portanto, de um período em que foi abandonado o regime de

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carreiras da função pública da Administração Colonial, não tendo sido adotado outro em sua substituição. A mesma lei ainda realça que a mais importante reforma do período revolucionário foi, sem dúvida, o primeiro passo no sentido da mudança de regime político, com a aprovação da revisão constitucional de 1991, mediante a qual Angola se consagra como um Estado Democrático de Direito e um sistema político multipartidário.

O Estado Angolano deu início a um período de reforma administrativa em 1990, com a aprovação da Lei n.º 17/90, que versa sobre os princípios a observar pela Administração pública. A referida Lei, foi aprovada com o objetivo de adequar a Gestão Pública à evolução da sociedade, o que exigiria uma reforma gradual e seletiva, cujo propósito era a melhoria do serviço prestado ao cidadão. O próprio preâmbulo da lei admite que deveriam ser aprovados princípios gerais de constituição da relação jurídica de emprego e gestão da função pública, com o objetivo de criar condições à administração para recrutar, manter e desenvolver recursos humanos necessários à realização das suas funções (ANGOLA, 2011b).

De acordo com Antônio (2004), àquela lei seguiu-se a aprovação de um conjunto de decretos, quase todos relacionados com a gestão de pessoal do setor público, designadamente: Lei n.º 2/91 (procede alguns ajustamentos no aparelho central do Estado), Decreto n.º 15/91 (sobre o horário de trabalho); Decreto n.º 22/91 (princípios gerais de recrutamento mediante concurso público), Decreto n.º 24/91 (princípios gerais sobre o regime de carreiras), Decreto n.º 25/91 (sobre a relação jurídica de emprego público) e Decreto n.º 33/91 (regime disciplinar dos funcionários públicos e agentes administrativos). Evidencia-se que todos estes decretos foram aprovados no âmbito de um programa de reforma administrativa do Governo de Angola, iniciado com a Lei n.º 17/90, que costuma ser considerada como o ponto de partida de todo o processo. Entretanto, o mais correto é estabelecer como momento do início das reformas o ano de 1988, com a aprovação do pacote legislativo do SEF, conforme refere-se anteriormente.

O processo de reforma administrativa em curso enquadra-se nas ações iniciadas com a aprovação da Lei n.º 17/90. Na verdade, a caracterização da Administração pública, descrita anteriormente, foi enquadrada num marco político, ou seja: período colonial (até 1975), período revolucionário (1975 a 1991) e período democrático (a partir de 1991). Entretanto, se fosse feita uma demarcação periódica dos diferentes “momentos da Gestão Pública Angolana”, enquadrando-a nos mesmos períodos, tería-se o seguinte: administração colonial, administração concentrada e centralizada e administração com uma superficial desconcentração e ainda centralizada (ANTÔNIO, 2004).

4. O que Angola pode aprender com os avanços e limitações da Modernização da Administração Pública Brasileira?

A análise comparativa entre Brasil e Angola permite compreender as principais aproximações e distanciamentos dos dois países no que tange a modernização de suas respectivas Administração pública. Deve-se destacar que ambos estão em processo de modernização da administração pública, porém, no Brasil, devido até sua história contemporânea, a administração pública está mais bem fundamentada e atualizada frente às demandas internacionais.

Os objetos de análise, deste ensaio, são principalmente as relações triangulares entre Brasil, Angola e Portugal e o contexto no qual estão inseridos. Tanto Brasil quanto Angola possuem raízes lusófonas que condicionam a sua administração pública. No entanto, ambos se desenvolveram em contextos diferentes. Estes dois fatores, de certa forma, aproximam e ao mesmo tempo afasta a realidade da administração pública dos dois países (VALADARES, et al. 2011).

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No caso de Angola, as guerras civis, os problemas de tráfico de escravos e diamantes e a instabilidade do governo contribuíram para a tardia formação de sua administração pública. Desta forma, esta apresenta níveis mais atrasados, quando se compara ao Brasil e, principalmente, à nivel mundial. Neste contexto, as experiências brasileiras podem em muito contribuir para o processo de modernização do Estado Angolano. Como um “irmão mais novo”, Angola pode refletir sobre os avanços e as limitações da Administração Pública Brasileira e adotar estratégias que evitem algumas importantes falhas e adaptem alguns acertos do seu “irmão mais velho”.

Contudo, antes de evidenciar as principais contribuições do modelo de administração pública brasileiro ao angolano, a Figura 03 evidencia, de forma sintética, as principais características da administração pública de cada país, bem como as forças ambientais que influenciam a modernização da administração pública de cada país. Deve-se entender que todos os fatores mencionados na Figura 03 como os contextos histórico/cultural, político, econômico/financeiro e social vão condicionar as caracterísiticas da administração pública de cada país. Estas variáveis podem ser consideradas fatores endógenos na análise de condicionanates da modernização da administração pública, pois influenciam internamente a administração local. Um exemplo disso são as crises fiscais que muitos países passaram nas décadas de 1980 e 1990 que, de certa forma, contribuíram para a alavancagem de reformas administrativas em todo o mundo. No entanto, cada país modernizou-se de forma que suplantassem os seus desafios próprios.

Figura 03: Caracterização comparada das influências para Modernização da administração pública de Brasil e Angola Fonte: Resultados da Pesquisa, 2012.

Além das influências do contexto interno de cada país, as reformas administrativas

sofreram influências do macrocontexto mundial, ou seja, fatores exógenos. Estes podem ser

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explicados pelas reformas administrativas em nível global. Neste contexto de transformações mundiais, várias reformas são propostas ao longo dos anos por diversos países, porém, na ânsia de querer mudar apenas por mudar, como uma forma de acompanhar as tendências bem sucedidas de outros países, muitos Estados têm suas experiências de reformas frustradas.

O Brasil está entre os países que adotaram a reforma gerencial. Deve-se compreender que as reforma gerencial brasileiro buscou trazer maior dinamismo, flexibilidade e foco nos resultados. Isto é um ponto positivo que Angola deveria se atentar. Entretanto, a reforma gerencial não pode ser apropriada sem um filtro crítico. O que muitas vezes limitou a efetividade da reforma gerencial foi o fato de muitos países adotarem a noção gerencial sem uma contextualização adaptação ao contexto local. No Brasil, foi instituído um modelo gerencial sem ao menos o modelo burocrático ter sido implantado.

Não levou-se em conta que o modelo cultural brasileiro traz consigo as raízes da colonização, ou seja, o patrimonialismo e o clientelismo. Desta forma, os modelos de gestão propostos pelas organizações públicas brasileiras deveriam considerar uma realidade que incluísse os elementos culturais e não apenas o fato de satisfazer o desejo pelo novo. O fato é que o modelo gerencial não foi plenamente efetivo. O que se vê é práticas patrimonialistas, burocráticas e gerenciais coexistindo na Administração Pública Brasileira que envolvem sempre elementos diversificados e dimensões herdadas das crenças e práticas advindas da formação sócio-cultural e histórica do país (CAPOBIANGO et.al., 2010).

A literatura clássica (JANOTTI, 1987; LANNA, 1995; NUNES, 1997; FAORO, 2000) existente no Brasil referente à Administração pública, destaca que a relação entre Estado e administração pública possui sua raiz no desenvolvimento das práticas patrimonialistas ocorridas desde o período colonial mediante a supremacia de Portugal sobre o Brasil. As marcas deste período vão fomentar as atitudes políticas e as formas de gerenciamento da “coisa pública” expressas principalmente, nas práticas administrativas e estamentais. Desta forma, características como personalismo, concentração de poder, excesso de formalismo, corrupção, baixa iniciativa, cultura de evitar conflitos bem como a baixa flexibilidade é que tomam aspectos mais evidentes na Administração Pública Brasileira. Como discutido acima, estas características são muito influenciadas pelas raízes histórico/culturais brasileiras. Neste sentido, este aspecto se torna preponderante no Brasil. Por mais que se buscou profissionalizar a administração pública brasileira, o que se percebe ainda é uma administração pública híbrida tendo como fator predominante o patrimonialismo.

Compreende-se que mesmo com suas importantes limitações, a administração pública brasileira ainda está em patamares superiores a da Angola, onde é marcada por uma forte concentração do poder. Neste sentido, observa-se que o Brasil já avançou. Apesar de ainda estar sob a égide de um modelo de administração pública híbrido, o modelo gerencial em voga contribuiu para que a administração pública brasileira colocasse pelo menos em pauta uma administração por resultados, onde, uma gestão pública eficiente é visada.

As reformas burocráticas e gerenciais contribuíram para uma maior eficiência da administração pública brasileira, bem como maior descentralização da tomada de decisão. No que tange à busca de atendimento à necessidade dos cidadãos, o Brasil também é superior à Angola. Já se discute no país, uma possível administração societal (PAULA, 2005) onde o cidadão teria uma participação ativa nas decisões do governo. É claro que este modelo ainda está em construção, porém, o fato de se discutir uma maior participação do povo nas decisões já mostra o interesse de uma administração pública mais participativa.

Dentro do contexto histórico mundial e nacional, apresenta-se os modelos e tendências atuais, em particular, as correntes da Nova Gestão Pública, de um lado, patrocinada pelo neoliberalismo, inspirado nos governos da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, que preconizam a adoção de práticas e ferramentas oriundas da iniciativa privada no âmbito da

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administração pública, entendendo o cidadão como cliente, e por outro lado, o Novo Serviço Público, que se baseia na participação do cidadão como cogestor do serviço público.

Com as relações explicitadas acima, infere-se que a Administração Pública Angolana pode muito se beneficiar com as experiências brasileiras. Uma das mais importantes lições é que antes de reformar o Estado é necessário opor um filtro crítico e compreender quais as verdadeiras contribuições das reformas administrativas na administração pública. É necessário fazer adaptações para o contexto local. É necessário disseminar uma cultura de participação coletiva, antes de se aplicar um modelo de administração pública societal, onde o povo deve entender seu papel na administração pública para que consiga propor melhorias.

Considerando que a administração pública brasileira, mesmo com suas limitações, está em processo de modernização, cabe à Administração Pública Angolana entender que apesar de possuir raízes patrimonialistas e paternalistas, ela pode se modernizar e criar mecanismos/critérios que visem suplante, mesmo que de forma parcial, tais características marcantes. Deve-se ressaltar que as raízes sempre serão evidentes, porém, cabe à administração pública prover os meios necessários para que tenha uma administração mais democrática e transparente.

Assim, confirma-se a ideia de que Angola deve sim atentar para os avanços e limitações da administração pública brasileira para que não cometa os mesmos erros. Neste sentido, é preciso ter consciência de que a administração pública deve ser refletida e que seus agentes e processos devem ser continuamente avaliados, para que se diminua a incidência de práticas relacionadas às raízes coloniais lusófonas. Neste sentido, tanto Brasil quanto Angola têm muito à aprender.

5. Considerações Finais

Considerando as realidades de Brasil e Angola, o contexto histórico-cultural, político, econômico e social de cada país, acredita-se que os caminhos para a transformação da administração pública, devam não apenas se voltar para a transformação dos elementos que compõe o subsistema dos líderes, representado pelo paternalismo, mas também, transformções que envolvam aqueles que compõem o subsistema dos liderados, cujo sistema dominante, não lhes permite sair da condição de “expectador” ou lhes estimula a continuar adotando a postura de “evitar o conflito”.

Ao transferir as responsabilidades para cima ou deixar de exercer sua cidadania, os indivíduos desse subsistema contribuem para a manutenção da concentração de poder, ao mesmo tempo que, alimenta as práticas personalistas. Nesse sentido, compreende-se que as contribuições (não as disfunções!) do modelo burocrático idealizado por Weber, que deram vida, de fato, as organizações, particularmente a meritocracia; aliadas as contribuições do modelo gerencial, particularmente, ao pretender retirar o foco do processo, levando-o para os resultados propriamente ditos, constituem avanços fundamentais para a administração pública.

Os movimentos de reforma e modelos aqui expostos contribuíram para a evolução da administração pública brasileira, no entanto, ao se atentar para os avanços e limitações no decorrer desta evolução, Angola deve se ater para não se fascinar pelo novo, se rendendo à necessidade do discurso inflamado contra os antecessores, de modo que as novas propostas ignorem sua realidade e promovam as reformas apenas no plano verbal, no plano tático, chegando, às vezes, ao nível estratégico, mas sem criar as condições para a sua operacionalização.

Como em uma família, diferenças de “personalidades” haverá entre os “irmãos” (Brasil e Angola), no entanto, interligados pelos laços familiares, que podem ser fortalecidos quando o “irmão mais velho” compartilha de suas “experiências” com o “mais novo,”

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auxiliando, este, no seu desenvolvimento no seio familiar, considerando os presupostos assumidos neste estudo.

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i Os autores agradecem à CAPES e FAPEMIG pelo apoio e incentivo a pesquisa. ii Acordo do Alvor, assinado entre o governo português e os três principais movimentos de libertação de Angola (MPLA, FNLA e UNITA), em janeiro de 1975, em Alvor, no Algarve, e que estabeleceu os parâmetros para a partilha do poder na ex-colônia entre esses movimentos, após a concessão da Independência de Angola. iii O Protocolo de Lusaka foi um tratado de paz que durou cerca de quatro anos e tinha como base a desmobilização das tropas da UNITA. O tratado foi assinado na capital de Zâmbia, em novembro de 1994, mas a guerra continuou até 2002, quando Jonas Savimbi, líder da Unita, foi assassinado. Por este motivo, a UNITA deixou de ser um movimento armado e passou a ser uma força política. iv Memorando de Entendimento de Luena foi um acordo entre as Forças Armadas de Angola (FAA) e a UNITA para cessar-fogo definitivo.