Laura Ingalls Wilder - Uma Pequena Cidade Na Campina

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    LAURA INGALLS WILDER

    UMA PEQUENA CIDADE

    NA CAMPINA Traduo e adaptao deP. A. DO NASCIMENTOSILVA Copyright, 1941, sobre o texto, by LAURAI NGALLSWILDER Copyright, 1953, sobre as ilustraes, by GARTHWILLIAMS

    Capa e ilustraes deGARTHWILLIAMS

    Direitos reservados para a lngua portuguesa por

    DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIOS DE IMPRENSA LTDA. Avenida Erasmo Braga, 255 - 8. - Rio de Janeiro (GB) ZC-P

    Impresso em 1963

    DA AUTORA Uma Casa na Floresta Uma Casa na Campina O Jovem Fazendeiro Beira do Riacho Margem da Lagoa Prateada O Longo Inverno Uma Pequena Cidade na Campina Anos Felizes

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    NDICE

    1 - A surpresa ....................................................................................... 4 2 - Primavera no stio .......................................................................... 5 3 - Precisa-se de um gato .................................................................... 14 4 - Dias felizes .................................................................................... 19 5 - Trabalho na cidade ........................................................................ 23 6 - O ms das rosas ............................................................................. 30 7 - Nove dlares.................................................................................. 35 8 - Quatro de julho .............................................................................. 39 9 - Os rexenxes ................................................................................. 53 10 - Mary vai para o colgio............................................................... 66 11 - A nova professora ....................................................................... 75 12 - O inverno ..................................................................................... 82 13 - Na escola ..................................................................................... 87 14 - O castigo ..................................................................................... 91 15 - A visita da Junta Escolar ........................................................... 100 16 - Os cartes .................................................................................. 111 17 - Uma festa de caridade ............................................................... 120 18 - Atividades literrias .................................................................. 125 19 - Muita alegria ............................................................................. 131 20 - Festa de aniversrio ................................................................... 142 21 - Grandes brincadeiras ................................................................. 149 22 - Surpresa de abril ........................................................................ 155 23 - De volta escola ....................................................................... 157 24 - A exposio de fim de ano ........................................................ 166 25 - Uma surpresa em dezembro ...................................................... 174

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    1 - A surpresa

    UM DIA, na hora do jantar, Papai perguntou: Laura, voc gostaria de ir trabalhar na cidade? Laura ficou sem poder dizer uma palavra, bem como todo o resto dafamlia, gelada de surpresa. Os olhos de Grace se esbugalharam , os dentes de

    Carrie ficaram presos num pedao de po e Mary ficou com a mo no ar,segurando o garfo. Mame continuou pondo ch na xcara de Papai e quaseque entornou.

    Que foi que voc disse, Charles? perguntou. Perguntei se Laura gostaria de ir trabalhar na cidade, respondeu ele. Uma menina trabalhar na cidade? Que espcie de trabalho... No,

    Charles, no vou deixar Laura trabalhar num hotel, no meio de uma porode desconhecidos.

    Quem foi que falou nisso? Nenhuma filha nossa far isso, pelo menosenquanto eu estiver vivo e puder trabalhar.

    Claro que no, disse Mame, em tom de desculpa. Mas voc mesurpreendeu tanto! Que outra espcie de trabalho pode ser? Laura ainda notem idade para ser professora.

    Papai comeou a explicar e logo Laura entrou a pensar na cidade, nostio onde viviam agora, to cheios de trabalho e to felizes, e achou que noqueria que nada mudasse. Ela no queria trabalhar na cidade.

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    2 - Primavera no stioDEPOISda nevasca prolongada de outubro passado mudaram-se para a

    cidade e por algum tempo Laura ali freqentou a escola. Posteriormente, aescola fora fechada em virtude das tempestades e, ao longo de todo oinverno, a nevasca aoitava as casas, isolando-as uma das outras. Dia apsdia e noite aps noite, mal se podia ouvir uma voz ou vislumbrar uma luz emmeio tempestade de neve.

    Durante todo o inverno tinham ficado apinhados na pequena cozinha,com frio e fome, e trabalharam duramente no escuro e no frio, para prepararfeno em suficiente quantidade para conservar o fogo aceso e para moer trigono pequeno moinho de caf para fazer o po de cada dia.

    Durante aquele inverno interminvel, a nica esperana tinha sido quealgum dia ele teria que terminar, que a nevasca cessaria de aoitar, que o solnovamente irradiaria calor e que eles poderiam deixar a cidade e voltar parao stio.

    Agora era primavera. A campina de Dakota estendia-se to quente e brilhante sob o sol ardente, que a gente mal podia crer que ela tivesse sidovarrida pelos ventos e nevadas daquele inverno rigoroso. Como eramaravilhoso estar de volta ao stio 1 Laura nada mais desejava seno ficar aoar livre. Tinha a impresso de que jamais poderia apanhar bastante sol que penetrasse em todo seu corpo.

    De madrugada, quando ia apanhar o primeiro balde de gua fresca no poo, na extremidade do pantanal, o sol vinha surgindo com todo oesplendor de suas cores. As cotovias voavam e cantavam por sobre a relvamida de orvalho. Os coelhos pulavam pelo caminho, com seus olhos brilhantes muito abertos e suas longas orelhas mexendo-se, enquantocomiam os tenros brotos de grama.

    Laura no se demorava na cabana mais que o tempo necessrio paradeixar o balde d'gua e apanhar o balde para o leite. Saa logo correndo parao pasto, onde Ellen, a vaca, estava ruminando tufos de grama. Ellen ficava bem quieta, continuando a ruminar, enquanto Laura a ordenhava.

    Quente e doce, o cheiro de leite fresco e espumante vinha misturar-se aoutros perfumes da primavera. Os ps descalos de Laura sentiam o frescorda relva orvalhada, seu pescoo se aquecia ao sol e, mais quente ainda, o

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    flanco de Ellen roava seu rosto. Amarrado em sua cordinha, o bezerrinho deEllen balia ansiosamente e Ellen respondia com um calmo mugido.

    Depois de extrair as ltimas gotas de leite, Laura levava o balde para acabana. Mame punha um pouco do leite fresco e quente no balde do bezerrinho e o resto era filtrado em um pano muito branco e guardado em pequenas latas, que Laura ia guardar cuidadosamente na despensa, enquantosua me preparava coalhada com o leite da vspera. Depois, Laura ia darleite ao bezerrinho.

    No era fcil ensinar ao animalzinho como beber o leite, mas, emcompensao, era sempre interessante. O bezerrinho, fraco de pernas,nascera pensando que, para mamar, tinha de dar marradas com seu focinhocor-de-rosa. Por isto, logo que sentia o cheiro do leite no balde, queria darmarradas.

    Laura tinha de impedi-lo de derramar o leite, o que nem sempreconseguia, e tinha tambm de ensin-lo a beber, porque ele no sabia. Elamolhava seus dedos no leite e deixava a lngua spera do bezerro chup-los esuavemente empurrava seu focinho para dentro do balde. De repente, o bezerro engolia leite pelo nariz e o expelia de um jato, fazendo com que oleite do balde se derramasse, e voltava a querer dar marradas com toda afora no balde. To fortes eram as marradas que Laura quase deixava cair o balde. Caa leite na cabea do bezerro e no vestido de Laura.

    Pacientemente, ela recomeava tudo, molhando de novo seus dedos,deixando que o animal os lambesse, tentando conservar o leite no balde eensinando-o a beber. No fim de contas, sempre conseguia que o bezerrinho bebesse um pouco do leite.

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    Depois, ela removia as estacas de ferro. Um a um, ela levava Ellen, o

    bezerrinho e o% bezerro maior para lugares frescos na relva macia. Fincava bem as estacas no solo. O sol j estava ento bem alto, o cu todo azul e aterra parecia um grande oceano de relva, movendo-se ao vento. Mameestava chamando:

    Depressa, Laura! O caf est pronto! Na cabana, Laura lavava depressa o rosto e as mos na bacia. Jogava a

    gua fora, que fazia uma curva cheia de respingos e ia cair na relva, onde em pouco tempo o sol a secaria. Passava o pente pelos cabelos, no alto dacabea e na trana sempre a balanar. Nunca tinha tempo antes do caf paradesfazer a longa trana, escovar bem o cabelo e refazer a trana. S podiafaz-lo depois que acabava o trabalho da manh.

    Sentada ao lado de Mary, seu olhar passava pela toalha de xadrezvermelho, muito limpa, pelos pratos rebrilhantes, e ia at sua irmzinhaCarrie e at Grace, o beb, com seus rostos recendendo a sabonete e comseus olhos brilhantes. Olhava o pai e a me, to alegres e sorridentes. Sentiaa doce brisa matinal entrar pela porta e pela janela e no podia conter um pequeno suspiro.

    O pai olhava para ela, sabendo como ela se sentia, e dizia: Eu tambm acho que muito bonito e bom. Realmente, est uma bela manh, concordava Mame. Depois do

    caf, Papai levava os dois cavalos, Sam e David, para a plancie a leste dacabana, onde ele estava revolvendo a terra para plantar milho. Mame seencarregava de distribuir o trabalho entre todos e o de que Laura maisgostava era quando sua me dizia que precisava trabalhar na horta.

    Mary se apressava em oferecer-se para fazer o trabalho de casa, para queLaura pudesse ajudar a me. Mary era cega. Mesmo antes que a escarlatinalhe roubasse a viso, jamais gostara de trabalhar ao ar livre, ao vento e aosol. Agora estava feliz, por poder ajudar dentro de casa. Dizia alegrementeque tinha de trabalhar onde pudesse "ver" com os dedos. No podiadistinguir entre uma ervilha e uma erva m na ponta do forcado, mas podia

    lavar os pratos, fazer as camas e cuidar do beb. Carrie tambm estava prosa, porque, embora fosse pequena, j tinha dezanos e podia ajudar Mary a fazer todo o trabalho de casa. Assim, Mame eLaura podiam ir trabalhar na horta.

    Agora, vinha muita gente do Leste para ocupar toda a plancie. Estavamconstruindo novas cabanas para o leste, para o sul e para o oeste, muito almdo Grande Pntano. Freqentemente chegava uma nova carroa, guiada pordesconhecidos, indo at o caminho do pntano, para o norte, na direo da

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    cidade, e depois voltando. Mame dizia que, quando terminasse o trabalhoda primavera, haveria tempo para ir conhecer os recm-chegados. Na primavera, no havia tempo para fazer visitas.

    Papai tinha um novo arado, prprio para arrotear o solo. Era admirvel para trabalhar na plancie. Tinha uma roda muito afiada, chamada cortadeiragiratria, que cortava a terra na frente da relha, que, por sua vez, cortava astufadas razes da grama, enquanto a aiveca levantava o longo e fino pedaode terra e o revirava. Esse pedao de terra tinha exatamente trintacentmetros de largura e parecia cortado mo.

    Estavam todos muito contentes com o novo arado. Graas a ele, agora,depois de um dia inteiro de trabalho, Sam e David podiam espojar-sealegremente, ou ento comer descansados o seu capim, no sem antes teremlevantado as orelhas e olhado a plancie. J no estavam sendo esgotados notrabalho, nem ficavam tristes e magros. E, na hora de jantar, Papai j noestava cansado demais para brincar com os outros.

    Puxa, dizia ele, este arado trabalha sozinho. Com essas novasinvenes, um homem j no precisa ter msculos. Qualquer noite dessas, oarado vai continuar a trabalhar e, quando acordarmos de manh, veremosque ele arou um bom pedao de terra e eu vou poder descansar.

    Os mataces de terra ficavam revirados sobre os regos, mostrando asrazes da grama, espetadas na terra. A terra dos regos era bem fresquinha emacia, debaixo dos ps descalos. Muitas vezes, Carrie e Grace seguiam oarado, brincando. Bem que Laura gostaria de fazer a mesma coisa, mas ela jtinha quase quinze anos e no estava mais na idade de brincar assim. Almdisto, tarde, Mary tinha necessidade de sair para apanhar um pouco de sol.

    Por isto, quando terminava o trabalho da manh, Laura acompanhavaMary em seu passeio pela plancie. As flores primaveris estavam nascendo eas nuvens projetavam sombras sobre as encostas recobertas de relva.

    Era engraado lembrar que, quando eram menores, Mary, por ser maisvelha, gostava de mandar, mas agora que tinham crescido, pareciam damesma idade. Gostavam dos longos passeios, que faziam juntas ao vento eao sol, colhendo violetas e rainnculos e comendo os frutos da azedinha. Os botes graciosamente encurvados da azedinha, suas folhas em forma detrevo e seus finos pecolos tinham um gosto acre.

    O gosto da azedinha o gosto da primavera, disse Laura. sim, parece com o gosto de essncia de limo, Laura, corrigiu

    Mary. Antes de comer, ela sempre perguntava: Voc olhou bem? No tem nenhum bicho? Nunca tem bicho, protestou Laura. Esta plancie to limpinha!

    Nunca houve um lugar to limpo.

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    Est bem, mas olhe de qualquer jeito. No quero comer o nico bichoque exista em todo o Territrio de Dakota.

    Riam-se juntas. Mary estava to feliz agora que quase sempre fazia brincadeiras como esta. Seu rosto estava to sereno, protegido pelochapeuzinho, seus olhos azuis to claros e sua voz to alegre, que nem parecia que ela vivia nas trevas.

    Mary sempre fora boa. As vezes, ela era to boa que Laura quase no podia agentar. Mas agora ela estava diferente. Certa vez, Laura interpelou-asobre o assunto.

    Voc costumava procurar ser boazinha todo o tempo e sempre era. svezes eu ficava danada, tinha vontade de bater em voc. Mas agora voc boa mesmo sem fazer fora.

    Mary estacou de repente: Laura, que horror! Voc ainda me quer bater agora? No, agora no, respondeu Laura sinceramente. De verdade mesmo? Voc no est dizendo isto, s porque eu sou

    cega. No, juro que no, Mary. Quase nunca penso na sua cegueira. Eu... eu

    fico contente de voc ser minha irm, queria ser como voc. Mas acho quenunca conseguirei. No entendo como que voc pode ser to boa.

    Mas eu no sou, disse Mary. Bem que eu procuro ser, mas se vocsoubesse como eu fico revoltada e como me sinto m s vezes, se voc pudesse ver como que eu sou mesmo, por dentro, voc no ia mais quererser como eu.

    Eu posso ver como que voc mesmo, por dentro. Est to clarosempre. Voc sempre paciente e nunca mesquinha. Eu sei por que voc me queria bater. Era porque eu me estava

    mostrando. De verdade, eu no estava querendo ser boa. Estava-memostrando boazinha, estava era sendo vaidosa e bem que merecia apanhar por causa disso.

    Laura chocou-se com o que a irm estava dizendo. Ento, de repente, ela

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    compreendeu que sempre soubera de tudo. Mas no era verdade, no no casode Mary.

    No, voc no assim, de verdade. Voc boa mesmo. "Somos todos terrivelmente maus e inclinados ao mal, como as

    fagulhas que sobem", disse Mary, citando uma passagem da Bblia. Mas istono tem importncia.

    O qu?! gritou Laura. Quero dizer que acho que no devamos pensar muito a nosso prprio

    respeito, se somos bons ou maus, explicou Mary. Mas meu Deus, como que se pode ser bom sem pensar? No sei, acho que no podemos mesmo. No sei explicar direito o que

    eu quero dizer. No bem pensar demais, mas apenas saber. Basta a genteter certeza da bondade de Deus.

    Laura ficou parada, e Mary tambm, porque ela no tinha coragem deandar sem apoiar-se no brao da irm para gui-la. Ali ficou Mary de p, nomeio da imensa campina florida, agitada levemente pelo vento, e sob oimenso cu azul, percorrido por nuvens brancas, que ela no podia ver.Todos sabem que Deus bom, mas Laura pensava que Mary devia saberdisso de uma maneira especial.

    Voc sabe que Deus bom, no sabe? Sei, sim, agora tenho absoluta certeza. "O Senhor o meu Pastor,

    nada me faltar. Ele me deu campos frescos onde me deito, ele me levou atguas tranqilas". Acho que este o mais belo salmo. Por que paramos aqui? No estou sentindo o perfume das violetas.

    Ns viemos pelo charco dos bfalos, conversando, e vamos voltar porele, respondeu Laura.

    Na volta, Laura podia ver um bom pedao de terra que subia davegetao espessa do pntano at a pequena cabana do stio. Parecia poucomaior que uma gaiola, com seu meio-telhado. O estbulo de adobe malaparecia entre a vegetao. Mais adiante, estavam Ellen e os dois bezerrosno pasto e, mais para leste, Papai estava plantando milho no solo arado denovo.

    Ele tinha arroteado tudo quanto pudera, antes que o solo ficasse secodemais. Tinha passado a grade na terra arada no ano passado e semeadoaveia. Agora, com um saco de sementes de milho suspenso do ombro,caminhava lentamente pela terra que acabara de arar.

    Papai est plantando milho, disse Laura. Vamos por aqui, pelo charcodos bfalos.

    Eu sei, respondeu Mary. Ficaram paradas um instante, aspirando profundamente o perfume das

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    Estive olhando a horta; est precisando de enxada, disse Mame,enquanto Laura punha as violetas na gua para perfumar a mesa do jantar.Acho que qualquer dia o feijoal vai brotar; est to quente j.

    De fato, numa quente manh, os feijes estouraram do solo. Grace foiquem os descobriu e veio correndo, toda excitada, contar me. Ningum a pde impedir de passar a manh toda olhando o feijoal. Da terra nua, os psde feijo iam saltando, como se fossem movidos por uma mola de ao, e luz do sol as metades dos feijes ainda conservavam presas duas folhasgmeas. Cada vez que um feijo arrebentava, Grace gritava.

    Agora que o milho j tinha sido plantado, Papai construiu o resto dacabana. Numa manh, ele ps os alicerces. Depois, levantou as paredes eLaura ajudou-o segurando o prumo, enquanto ele pregava as tbuas. Depois,colocou as traves e abriu duas janelas. Finalmente, ps as vigas do teto, paracomplet-lo.

    Laura ajudou-o durante todo o tempo, enquanto Carrie e Grace ficavamespiando e apanhavam os pregos que, sem querer, Papai deixava cair. Atmesmo Mame arranjava um tempinho para descansar e vir observar a obra.Era muito agradvel ver a cabana transformar-se numa casa de verdade.

    Quando ficou pronta, tinha trs cmodos. A parte nova consistia de dois pequenos quartos de dormir, cada um com uma janela. Agora, as camas jno teriam de ficar na sala da frente.

    Vamos matar dois coelhos de uma s cajadada, disse Mame. Vamosfazer ao mesmo tempo a grande limpeza da primavera e a mudana.

    Lavaram as cortinas das janelas e os cobertores, pondo-os ao sol parasecar. Depois, lavaram as janelas at que elas ficaram brilhando, e penduraram as cortinas novas, feitas de lenis velhos e muito bemembainhados por Mary. Mame e Laura puseram os estrados nos quartosnovos, todos feitos com ripas que cheiravam a limpo. Laura e Carrieencheram os travesseiros com palha bem amarelinha e fizeram as camas comlenis ainda quentes do ferro de passar de Mame e os cobertores bemlimpos, com o cheiro bom da plancie.

    S ento que Mame e Laura escovaram e rasparam cada centmetro dacabana velha, que formava agora a sala da frente. Havia bastante espao,sem as camas, s o fogo, as prateleiras, a mesa, as cadeiras e uma estante.Quando tudo ficou limpo e arrumado, todos vieram admirar.

    Voc no me precisa contar, Laura, disse Mary. Posso sentir comoest grande, fresca c bonita a sala da frente.

    As cortinas novas, brancas e engomadas, moviam-se brandamente aovento que soprava pela janela aberta. As paredes e o cho eram de um suaveamarelo-acinzentado. Um ramo de anmonas apanhadas por Carrie, postas

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    no jarro azul da mesa, pareciam trazer a primavera para dentro de casa. Aocanto, a estante envernizada dava um ar de elegncia sala.

    A luz da tarde iluminava os ttulos dourados dos livros na prateleira mais baixa da estante e se refletia nas trs caixas de cristal na prateleira imediata,cada uma delas com pequenas flores pintadas. Acima delas, na outra prateleira as flores artificiais tambm se refletiam no vidro do relgio, cujo pndulo de alumnio rebrilhava a cada oscilao de um lado para outro. Maisalto ainda, na ltima prateleira, estava uma caixa de jias de porcelana branca, que pertencia a Laura, com uma xcara com filete dourado e seu pires e, ao lado, como que a vigi-la, o cachorrinho de Carrie, marrom e branco, tambm de porcelana branca.

    Na parede, entre as portas dos quartos novos, Mame pendurou a peanhaque Papai tinha esculpido como presente de Natal, muito tempo atrs, nagrande floresta do Wisconsin. Cada folha e cada flor, a pequena liana da base e a liana maior que ia at a estrela da ponta, tudo ainda estava perfeito,como quando ele as esculpira com seu canivete grande. H muito tempo,mais do que Laura podia lembrar-se, Mame pusera ali na estante a pastorasorridente de porcelana, rosa e branca.

    Era uma bela sala.

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    Nessa mesma noite, Laura foi despertada, no mais profundo de seu sono.Atravs da parede divisria entre os quartos de dormir, ela ouviu primeirocomo que uma respirao abafada, logo depois um resmungo e, em seguida,o barulho feito por alguma coisa pequena que estivesse sendo espremida.Ouviu sua me dizer:

    Charles, que foi isso? Eu estava sonhando, disse Papai em voz baixa. Sonhando que um

    barbeiro estava cortando meu cabelo. Mame tambm falava baixo, porque a noite j ia em meio e todo o

    mundo estava dormindo. Foi apenas um sonho. Torne a deitar-se e me d um pedao docobertor.

    Eu ouvi o barulho da tesoura do barbeiro. Bem, torne a deitar-se e durma, disse Mame, bocejando. Meu cabelo estava sendo cortado, insistiu Papai. Nunca vi voc perturbado com um sonho. Deite-se e vire para o outro

    lado que no voltar a sonhar. Carolina, meu cabelo estava sendo cortado, repetiu Papai. Que quer voc dizer com isto? Mame, agora, estava bem desperta. Estou dizendo que, enquanto dormia, passei a mo pela cabea e...

    Aqui. Veja voc mesma. Charles! Seu cabelo foi cortado!Laura ouviu sua me sentar-se na cama. Estou sentindo, h um lugar na sua cabea que... a mesmo. Eu passei a mo e... Um pedao do tamanho de minha mo, onde o cabelo foi raspado. Passei a mo e agarrei qualquer coisa... O que era? Eu acho que era um rato. Onde que ele est? No sei. Atirei-o longe com toda a fora. Meu Deus! Um rato! Cortando seu cabelo para fazer um ninho! Houve um minuto de silncio e, depois, ouviu-se de novo a voz de Papai:

    Carolina, eu juro... No, Charles, no jure, murmurou Mame. Bem, eu juraria que no posso passar as noites em claro para tirar os

    ratos de minha cabea. Como eu gostaria de ter um gato! disse Mame, mas sem muita

    esperana. De fato, no dia seguinte, apareceu um rato morto, junto parede contra a

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    qual Papai o tinha atirado. E, na hora do caf, Papai apareceu com um pedao da cabea quase inteiramente careca, onde o rato tinha rodo ocabelo.

    Ele no teria dado muito importncia ao fato, se no fosse por que ocabelo no cresceria at a prxima reunio dos comissrios do condado. (1).

    A regio estava crescendo to depressa que j se estava organizando umcondado e Papai, o mais antigo colono, no podia deixar de cumprir seudever, colaborando nessa organizao. A reunio ia realizar-se no stio deWhiting, a uns seis quilmetros a nordeste da cidade. A Senhora Whitingcertamente estaria l e Papai no poderia ficar de chapu na cabea. (1) O condado uma diviso administrativa dos Estados e Territrios norte-americanos,semelhante aos municpios brasileiros. (Nota do tradutor).

    No se aborrea, disse Mame, tentando consol-lo. Conte-lhessimplesmente o que aconteceu. Vai ver que eles tambm tm ratos.

    Ora, ns vamos ter coisas mais importantes para discutir. O melhor deixar que eles pensem que assim que minha mulher corta meu cabelo.

    Charles, voc no teria coragem! exclamou Mame, sem perceber queele estava caoando com ela.

    Quando ele saiu com a carroa, naquela manh, disse a Mame que noo esperasse para jantar, pois teria de fazer uma viagem de mais de quinzequilmetros, sem falar no tempo que duraria a reunio. J era hora da ceia quando ele voltou, dirigindo-se para o estbulo.Desatrelou o cavalo e correu para dentro de casa, esbarrando em Carrie eGrace, que corriam para fora.

    Meninas! Carolina! Adivinhem o que eu trouxe para vocs! Sua moestava metida no bolso e seus olhos piscavam maliciosamente.

    Balas! responderam juntas Carrie e Grace. Coisa melhor, disse Papai. Uma carta? perguntou Mame. Vai ver que um jornal, disse Mary. Talvez "O Progresso". Laura observava o bolso de Papai. Estava certa de que alguma coisa, e

    no a mo de Papai, estava-se mexendo dentro do bolso. Deixem Mary ver primeiro, disse Papai. Tirou a mo de dentro do

    bolso e apareceu um gatinho cinzento e branco. Colocou-o cuidadosamente no mo de Mary. Ela passou o dedo por seu

    plo macio, tocando delicadamente suas orelhinhas, seu focinho e suas patinhas.

    Um gatinho, disse ela. Um gatinho bem pequenininho. Seus olhos ainda no se abriram, disse-lhe Laura. Seu plo

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    cinzento-azulado como fumaa, mas a cara, o peito, os ps e a pontinha dorabo so brancos. Suas garras so muito branquinhas e pequeninas.

    Todos se curvaram para ver melhor o gatinho, que continuava na mo deMary. Ele abriu sua boquinha rosa, num miado silencioso.

    Ele muito pequeno para ser tirado da me, disse Papai. Mas eu tinhade traz-lo enquanto podia, antes que algum o levasse. Whiting trouxe umagata do Leste e ela teve cinco gatinhos. Quatro foram vendidos hoje, pormeio dlar cada um.

    O senhor pagou meio dlar por esse gatinho, Papai? perguntou Laura,arregalando os olhos.

    Paguei sim, respondeu Papai.Rapidamente, Mame disse: No o censuro, Charles. Um gato nesta casa vale bem o preo que

    voc pagou. Ser que ns vamos poder cri-lo? perguntou Mary, ansiosamente. Oh, por certo que sim, assegurou Mame. Teremos de aliment-lo

    repetidas vezes, lavar seus olhos com muito cuidado e conserv-lo sempre.Laura, v buscar uma caixinha e apanhe os retalhos mais macios e quentesque houver na caixa dos retalhos.

    Laura preparou um ninho bem quente e macio para o gatinho, numacaixa de papelo, enquanto Mame esquentava um pouco de leite. Todosficaram vendo como que Mame o alimentava, gota a gota, com umacolher de ch. As garras do gatinho agarravam a colher e ele chupava o leite

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    lentamente, embora sempre escorresse um pouco. Depois, puseram-no emsua caminha e Mary o aqueceu com sua mo, at que ele dormisse.

    Ele tem sete vidas como todos os gatos, disse Mame. Vo ver comosobreviver.

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    4 - Dias felizes

    PAPAI CONTOU que a cidade estava crescendo depressa. Estavamchegando cada vez mais colonos, que se apressavam em construir casas paramorar. Uma tarde, Papai e Mame foram cidade, para ajudar a organizaruma igreja e logo comearam a constru-la. No havia carpinteiros bastantes para todas as construes novas e, assim, Papai conseguiu trabalho comocarpinteiro.

    Todas as manhs, depois de seu trabalho no stio, ia a p para a cidade,carregando seu almoo numa marmita. Comeava a trabalhar s sete horas e,descansando apenas um pouco ao meio-dia, acabava s seis e meia, voltando para casa na hora da ceia. Ganhava quinze dlares por semana.

    Foi uma poca feliz, pois a horta estava bem, o milho e a aveia estavamcrescendo, o bezerro j tinha desmamado e, assim, havia bastante leite parafazer queijo, requeijo e manteiga. Melhor que tudo, porm, era que Papaiestava conseguindo ganhar aquele dinheiro todo.

    Muitas vezes, quando estava trabalhando na horta, Laura pensava arespeito da ida de Mary para o colgio. Quase dois anos atrs, eles tinhamsabido da existncia de um colgio para cegos em Iowa. Diariamente pensavam no assunto e todas as noites rezavam para que Mary pudessefreqent-lo. A pior coisa na cegueira de Mary era o prejuzo para seusestudos. Ela gostava tanto de ler e aprender e tinha sempre desejado tanto ser professora... Agora, ela j no poderia ser. Laura no queria ser professora,mas teria de ser e logo que pudesse, para ganhar dinheiro e ajudar amanuteno de Mary no colgio. Para consolar-se, dizia, enquanto cavava,que ela podia ver.

    Sim, ela podia ver a enxada, as cores, o sombreado das folhas doservilhais. Bastava-lhe levantar os olhos para ver quilmetros e quilmetros

    de gramado, o longnquo horizonte azulado, os pssaros a voar, Ellen e os bezerros na encosta verde, os diferentes tons de azul do cu, as enormes enevadas nuvens de vero. Tinha tanto e Mary s tinha escurido.

    Tinha esperana, embora mal ousasse pensar nisto, que Mary pudesse ir para o colgio no outono seguinte, porque o pai estava ganhando bastantedinheiro. Se Mary pudesse ir, ela estudaria com todas as foras, trabalhariatanto que poderia ser professora assim que fizesse dezesseis anos, e ento

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    ajudaria com seu ordenado a manter Mary no colgio. Todos estavam precisando de novas roupas e sapatos e Papai sempre

    tinha de comprar farinha, acar, ch e carne salgada. Havia a conta damadeira para a metade nova da cabana, e era preciso comprar carvo para oinverno e pagar os impostos. Mas, este ano, havia a horta, o milho c a aveia.Dentro de dois anos, quase tudo quanto a famlia comia poderia vir do prprio stio.

    Se tivessem galinhas e um porco, nem precisariam comprar carne. Aregio agora estava quase toda colonizada, a caa era pouca, e tinha-se decomprar carne, ou ento criar animais. Alguns colonos j os estavamtrazendo.

    Uma tarde, Papai voltou radiante para casa. Carolina, meninas, imaginem s uma coisa! Encontrei-me com Boast

    hoje na cidade e ele mandou um recado para a mulher dele. Ela vai por umagalinha no choco para ns!

    Que bom, Charles! Assim que os pintos j puderem arranjar comida sozinhos, ele nos

    trar toda a ninhada. Que boa notcia, Charles. Isso bem da Senhora Boast, ser to boa

    assim. Como que ela vai, ele disse alguma coisa? Disse que ela vai bem. Tem estado to ocupada que no pode vir

    cidade nesta primavera, mas que sempre se lembra de voc. Toda uma ninhada, talvez doze ou mais pintos, no h muitas pessoas

    capazes de fazer isso. Eles no se esquecem de como voc os acolheu quando chegaram,

    recm-casados, perdidos na tempestade de neve, quando ns ramos osnicos colonos num raio de sessenta quilmetros. Boast freqentemente falanisto.

    Bobagem, isto no foi nada. Mas uma ninhada inteira... vamos levarum ano menos para ter o nosso galinheiro.

    Se eles pudessem criar os pintos, se os gavies, as doninhas e as raposasno os comessem, alguns deles seriam frangos no vero. No ano seguinte, asfrangas j comeariam a por ovos, que seriam postos a chocar. Haveriafranguinhos para assar no espeto e mais frangas para aumentar o bando.Haveria ovos para comer e, quando as galinhas ficassem velhas demais,Mame poderia fazer sufl de galinha.

    Se na primavera do ano que vem Papai puder comprar um porco,disse Mary, dentro de dois anos poderemos ter presunto com ovos, toucinho,lingia, costeletas e pat!

    E Grace poder assar o rabinho do porco! gritou Carrie.

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    Por que? quis saber Grace. Que que tem o rabinho do porco? Carrie lembrava-se do tempo de abate, mas Grace nunca tinha segurado

    um rabinho de porco diante da grelha do fogo para tost-lo bem tostadinho. Nunca tinha visto Mame tirar do forno a panela cheia de costeletas tostadas,estalando, cheias de molho, ou a travessa azul cheia de lingias, nem ogosto de seu molho derramado sobre panquecas. S se lembrava doTerritrio de Dakota e a carne de que se lembrava era a carne de porcosalgada, esbranquiada e gordurosa, que Papai comprava s vezes.

    Um dia, porm, eles teriam todas essas coisas gostosas outra vez, porqueos tempos estavam melhorando. Com tanto trabalho e com tudo que estava por vir, os dias pareciam voar. Estavam todos to ocupados que mal davam por falta de Papai durante o dia. Quando ele chegava, noite, trazendonotcias da cidade, toda a famlia tinha muitas novidades para contar-lhe.

    Durante o dia inteiro, eles tinham guardado alguma coisa diferente paracontar-lhe quando chegasse. Mal podiam pensar que ele acreditasse, pois eiso que acontecera:

    Enquanto Mame estava fazendo as camas e Laura e Carrie lavavam os pratos do caf da manh, ouviram o gatinho miar de dor. J tinha os olhosabertos agora e corria atrs de uma bola de papel puxada por Grace.

    Cuidado, Grace! exclamou Mame. No machuque o gatinho. No o estou machucando, respondeu Grace. Antes que Mary pudesse falar, o gatinho miou outra vez. No faa isso, Grace, disse Mame. Voc est pisandonele? No, Mame. O gato tornou a miar desesperadamente e Laura virou-se da pia. Pare com isso, Grace. Que que voc est fazendo com o gato? No estou fazendo nada com o gato! gemeu Grace. No consigo encontr-lo! Ningum via o gato. Carrie olhou debaixo do fogo e atrs do armrio.

    Grace meteu-se debaixo da mesa para procur-lo. Mame procurou debaixoda estante e Laura nos dois quartos.

    A, o gato miou outra vez e Mame o viu atrs da porta. Entre a porta e a

    parede, o gatinho estava agarrado a um rato. O rato era bem grande e forte,quase to grande quanto o prprio gatinho e lutava com todas as foras. Ogatinho miava cada vez que o rato o mordia, mas no o largava. Firmava-seem suas patinhas e metia os dentes no toutio do rato mas quase que caa, pois suas patas ainda eram fraquinhas. O rato mordeu-o mais duas vezes.

    Mame pegou a vassoura e disse: Laura, apanhe o gatinho, que eu mato o rato. Laura obedeceu, naturalmente, mas no pde deixar de dizer:

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    5 - Trabalho na cidade NINGUM PODIA IMAGINARque pudesse haver qualquer espcie de

    trabalho para uma menina na cidade, exceto como empregada do hotel. uma idia nova de Clancy, disse Papai. O senhor Clancy era um dos novos comerciantes, em cujo armazm

    Papai estava trabalhando. O armazm j est quase pronto e ele j est trazendoas mercadorias.Sua sogra veio com eles para o Oeste e vai fazer camisas para fora.

    Fazer camisas? perguntou Mame. Sim. H tantos homens trabalhando nos stios das redondezas que

    Clancy pensa fazer bom dinheiro com os tecidos, se houver algum na loja para fazer camisas, especialmente para aqueles que no tm em casa mulherque as possa fazer.

    uma boa idia, concordou Mame. Disso voc pode estar certa. Clancy no bobo. J comprou at uma

    mquina de costura, para fazer as camisas. Uma mquina de costura? perguntou Mame, muito interessada.

    parecida com a que vimos no "Inter-Ocean?" Como que funciona? Mais ou menos como eu tinha imaginado. Move-se o pedal com o p,

    o que faz mover-se a roda e agulha. H um dispositivo em baixo da agulha que tambm fica cheio de linha. Clancy

    fez uma demonstrao para ns. Vai depressa que nem um relmpago e a bainha sai to boa como se fosse feita mo.

    Calculo quanto no h de custar. Caro demais para gente comum. Mas Clancy encara a despesa como

    um investimento. Ele vai recuperar o dinheiro com os lucros. Sim, naturalmente, disse Mame. Laura sabia no que ela estava pensando. Pensava em quanto trabalho

    aquela mquina poupava, mas, mesmo que eles a pudessem comprar, era bobagem empatar tanto dinheiro em uma mquina, s para fazer a costura deuma famlia.

    Ser que ele vai querer que Laura aprenda a manej-la? Laura ficou com medo: ela no podia ser responsvel, se acontecesse um

    acidente a uma mquina to custosa. De certo que no, respondeu Papai. A Senhora White quem vai usar

    a mquina. Ela quer uma menina jeitosa para ajudar na costura mo. E,

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    virando-se para Laura: Ela me perguntou se eu conhecia uma menina assim. Eu disse que

    voc cosia direitinho e ela respondeu que voc fosse trabalhar com ela.Clancy tem recebido mais encomendas de camisas do que ela pode aviarsozinha. A Senhora White disse que pagar a uma ajudante de boa vontadevinte e cinco centavos por dia e mais o jantar.

    Laura fez as contas depressa, de cabea. Era um dlar e meio porsemana, um pouco mais de cinco dlares por ms. Se ela trabalhasse bastante e se a Senhora White ficasse contente, talvez pudesse trabalhardurante todo o vero. Poderia ganhar quinze dlares, ou mesmo vinte, e istoajudaria a mandar Mary para o colgio. Ela no queria ir trabalhar na cidade,no meio de estranhos, mas tambm no poderia recusar uma oportunidade para ganhar quinze dlares, ou dez, cinco que fossem. Engoliu em seco e perguntou:

    Posso ir, Mame? Suspirando, a me respondeu: No gosto muito da idia, mas enfim voc no estar propriamente

    sozinha. Seu pai est na cidade. Se voc quiser, pode ir, sim. Eu no quero deixar a senhora com todo o trabalho, hesitou Laura. Carrie se apressou em oferecer-se para ajudar. Ela podia fazer as camas,

    varrer, lavar a loua sozinha e trabalhar na horta. Mame acrescentou queMary ajudava bastante dentro de casa e que, agora, que os animais podiamficar ao ar livre, no havia muito que fazer tarde.

    Vamos sentir falta de Laura, mas nos arranjaremos. No houve tempo a perder na manh do dia seguinte. Laura apanhou a

    gua, ordenhou Ellen, lavou o rosto, penteou o cabelo, amarrando a tranano alto. Ps seu vestido novo de percal, calou as meias e os sapatos.Guardou o dedal num avental passadinho de fresco. Tomou um pouco decaf, sem lhe sentir o gosto Ps o chapu e saiu apressada com o pai, poistinham de estar na cidade s sete horas.

    O ar fresco enchia a manh. Os rouxinis cantavam e do Grande Pntanosubia o grito curto e rouco dos alcaraves, com suas pernas compridas e seuslongos pescoos sempre espichados. A manh era linda e cheia de vida, masPapai e Laura estavam apressados demais. Estavam apostando com o sol.

    O sol subia no cu, sem esforo, enquanto eles caminhavam to depressaquanto podiam, encaminhando-se para a Rua Central.

    A cidade tinha mudado tanto que parecia outra. Dois quarteires da RuaCentral estavam agora inteiramente construdos, com casas novas de madeiraamarela. Em frente dessas casas, havia uma calada de madeira, tambmnova, mas Papai e Laura no tinham tempo para passar por ela. Iamdepressa, em fila indiana, pelo poeirento caminho do outro lado da rua.

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    Deste lado, a vegetao ainda cobria todos os terrenos, at o estbulo de

    Papai e seu escritrio, na esquina da Rua Central e da Rua Dois. (1) Maisalm, do outro lado da Rua Dois, havia o esqueleto de um novo prdio naesquina. Mais adiante ainda, havia outros terrenos baldios e, depois, vinha oarmazm de Clancy.

    (1) Em geral, as ruas das cidades americanas so numeradas, no tendo nomes, comoacontece no Brasil (Nota do tradutor).

    O interior do armazm era todo novo e ainda cheirava a serragem. Podiasentir-se tambm o vago odor de goma, que vinha dos fardos de tecido. Atrsde dois longos balces, havia nas duas paredes compridas prateleiras, cheiasat o teto com fardos de chita, percal, cambraia, morim, casimiras e atmesmo sedas.

    No havia gneros alimentcios, nem ferragens, nem sapatos, nemferramentas. Laura nunca tinha visto uma loja que s vendesse tecidos. direita havia uma pequena vitrina com todas as espcies de botes,

    agulhas e alfinetes. Ao lado, havia uma prateleira cheia de carretis de linhade todas as cores, cada qual mais bonita luz coada pelas janelas.

    A mquina de coser estava colocada atrs do balco, perto da janela.Suas partes niqueladas e sua longa agulha rebrilhavam, bem como as partes

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    de madeira bem envernizada. Sobre seu brao negro havia um carretel delinha branca. Por nada deste mundo, Laura tocaria naquelas coisas.

    O Sr. Clancy estava desenrolando peas de percal para dois fregueses,ambos com suas camisas muito sujas. Uma mulher grande e gorda, comcabelo negro bem penteado, estava pregando com alfinetes moldes feitos de papel de jornal na fazenda j cortada, que ela pusera sobre o balco, perto damquina. Papai tirou o chapu e a cumprimentou:

    Bom dia, Senhora White, aqui est minha filha Laura. A SenhoraWhite tirou os alfinetes da boca e disse:

    Espero que voc cosa bem e depressa. Voc sabe alinhavar o peitodas camisas e casear bem? Sim, Senhora, respondeu Laura. Bem, ponha seu chapeuzinho naquele cabide, e vamos comear, disse

    a Sra. White. Papai sorriu para Laura, encorajando-a, e foi-se embora. Laura tinha esperana de que seus receios se fossem dissipando com o

    tempo. Pendurou seu chapeuzinho no cabide, ps o avental e o dedal. A Sra.White entregou-lhe as partes j cortadas de uma camisa para alinhavar,dizendo-lhe que se sentasse na cadeira ao lado da mquina, luz da janela.

    Rapidamente, Laura puxou um pouco a cadeira, de modo que a mquinaa escondia parcialmente. Baixando a cabea sobre seu trabalho, comeou aalinhavar to depressa quanto podia.

    A Sra. White nem falava. Nervosamente, no parava de cortar camisaatrs de camisa, de acordo com os moldes, usando longa tesoura para isso.Assim que Laura acabava de alinhavar uma camisa, ela lhe dava outra.

    Depois de certo tempo, sentou-se mquina. Deu impulso roda com amo e, depois, com o p trabalhando rpido no pedal, manteve-a rodando. O barulho enchia a cabea de Laura, como se fosse o zumbir de uma agulhagigantesca. A roda girava to depressa que chegava a perder seu contorno,enquanto a agulha parecia um raio de luz. As mos gordas da Sra. Whiteempurravam incessantemente a fazenda para debaixo da agulha.

    Laura alinhavava to depressa quanto podia. Colocou a camisaalinhavada numa pilha esquerda da Sra. White, apanhou mais trabalho naoutra pilha e continuou a alinhavar. A

    Sra. White pegava as camisas na pilha da esquerda, cosia mquina eempilhava as j prontas sua direita.

    Havia um ritmo contnuo na maneira pela qual as camisas vinham do balco para as mos de Laura, da para a pilha, depois para a mquina e,finalmente para a outra pilha. Lembrava o trabalho dos operrios na plancie,quando construram a estrada. Laura, porm, s trabalhava com as mos,

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    guiando a agulha to rapidamente quanto possvel. Seus ombros e seu pescoo comearam a doer. Tinha cibra no corpo e

    suas pernas pesavam-lhe de cansadas. O barulho da mquina no lhe saa dacabea.

    De repente, a mquina parou. Pronto! disse a Sra. White, acabando de coser a ltima camisa

    alinhavada. Laura ainda tinha de prender a manga e alinhavar a cava de uma camisa,

    sem contar que ainda havia uma camisa inteira para alinhavar sua esperano balco. Eu alinhavo esta, disse a Sra. White. Estamos atrasadas.

    Sim, senhora, respondeu Laura. Ela deveria ter trabalhado maisdepressa, mas a verdade que tinha feito o melhor que podia.

    Um homem grandalho apareceu porta da janela, seu rosto empoeiradorecoberto de barba ruiva:

    Ei, Clancy, minhas camisas esto prontas? De tarde, respondeu o Sr. Clancy.

    Depois que o grandalho foi embora, o Sr. Clancy perguntou Sra.White quando que as camisas estariam prontas. Ela respondeu que nosabia quais eram as camisas e, a, o Sr. Clancy comeou a blasfemar.

    Laura se encolheu toda em sua cadeira, alinhavando ainda mais depressa.O Sr. Clancy agarrou um monte de camisas na pilha e quase as atirou em

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    cima da Sra. White. Ainda aos gritos, disse que ela as tinha de acabar antesdo jantar, ou ento ele iria querer saber por que.

    No permito que ningum fique em cima de mim! gritou a Sra. White. Nem voc nem nenhum irlands miservel!

    Laura mal ouviu o que o Sr. Clancy respondeu. Tudo quanto ela queriaera estar bem longe dali, mas a Sra. White lhe disse que viesse almoar. Asduas foram para a cozinha, que ficava na parte de trs da loja, e o Sr. Clancyveio atrs delas, furioso.

    A cozinha era pequena e estava cheia de gente. A Sra. Clancy estava pondo o almoo, enquanto trs meninas e um menino se empurravammutuamente para fora de suas cadeiras. O Sr. e a Sra. Clancy e a Sra. White,embora continuando a brigar uns com os outros, aos berros, sentaram-se ecomeram com excelente apetite. Laura no conseguia entender por que queeles estavam brigando, nem sabia se o Sr. Clancy estava brigando com suamulher ou com a sogra, ou se elas estavam brigando com ele, ou uma com aoutra.

    Pareciam to zangados que Laura teve medo de que passassem s vias-de-fato. De vez em quando o Sr. Clancy dizia "Me passa o po" ou "Quer medar gua?". A Sra. Clancy fazia o que ele pedia, mas, enquanto isto,continuavam a se insultar em altos brados. As crianas no prestavam amenor ateno. Laura estava to perturbada que nem podia comer, s queriair-se embora. Logo que pde, voltou a seu trabalho.

    O Sr. Clancy saiu da cozinha assobiando uma msica, como se nadativesse acontecido, como se o almoo tivesse decorrido no melhor dosambientes familiares. Alegremente, perguntou Sra. White:

    Quanto tempo ainda demora para acabar essas camisas? Umas duas horas, mais ou menos, prometeu a Sra. White. Vamos

    trabalhar as duas juntas. Laura lembrou-se de um provrbio que sua me repetia sempre: "

    preciso haver gente de todas as espcies para compor o mundo". Em duas horas, elas fizeram quatro camisas. Laura alinhavou os

    colarinhos com o maior cuidado, porque muito difcil unir o colarinho auma camisa. A Sra. White caseou mquina. Depois, fizeram os punhos e as bainhas nas fraldas, dobraram o peito e os punhos, pregaram firmemente os botes e cascaram.

    No fcil fazer as casas exatamente mesma distncia uma da outra,nem tampouco cort-las no tamanho certo. A menor falha com a tesoura farcom que a casa fique grande demais e, se se deixar de cortar um s pedacinho de linha, ela ficar estreita demais.

    Depois de cortar as casas, Laura tirou todos os fiapinhos e cobriu

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    rapidamente as bordas com pontos pequenos e bem apertados, todosexatamente do mesmo tamanho. Ela detestava casear e, por isto mesmo,aprendera a faz-lo muito depressa, para acabar logo. A Sra. White veioolhar seu trabalho e disse:

    Voc faz casas melhor do que eu. Depois que terminaram as quatro camisas, s trabalharam mais trs horas

    naquele dia. Laura ia alinhavando as camisas que a Sra. White cortava. Laura nunca tinha ficado sentada tanto tempo. Seus ombros, seu

    pescoo, todo seu corpo doa, seus dedos estavam picados da agulha e seusolhos estavam vermelhos e cansados. Por duas vezes, teve de desmanchar oalinhavo j feito e refaz-lo. Ficou bem contente quando seu pai chegou e ela pde levantar-se e dobrar sua tarefa.

    Foram andando para casa animadamente. O dia tinha passado ecomeava o crepsculo.

    Como que foi o primeiro dia de trabalho? Tudo saiu bem? perguntou Papai.

    Acho que sim, respondeu Laura. A Sra. White elogiou as casas que eufiz.

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    6 - O ms das rosas

    AO LONGOde todo aquele lindo ms de junho, Laura ajudou a fazercamisas. As rosas silvestres estavam florescendo em grandes ondas rosadasno verde da plancie, mas ela s as via de manhzinha, quando ia para otrabalho em companhia de seu pai.

    O suave cu da manh passava lentamente a um azul mais claro e jviajavam por ele algumas nuvens de vero. O vento trazia o perfume dasrosas e, ao longo da estrada, os botes, com suas ptalas novinhas e o miolodourado, pareciam uns rostos pequeninos.

    Laura sabia que, ao meio-dia, grandes nuvens brancas se espreguiariam pelo cu radiante. Projetariam sua sombra sobre o relvado e sobre as rosas,que se moveriam ao vento. Mas, ao meio-dia, ela estaria na cozinha barulhenta. noitinha, quando ela voltava para casa, as rosas da manhtinham fenecido e suas ptalas voavam, espalhadas pelo vento.

    Na verdade, Laura j no estava em idade de brincar e achava formidvelque j estivesse ganhando um bom ordenado. Todos os sbados, a Sra. Whitelhe pagava um dlar e meio, que Laura entregava a sua me.

    Eu no quero ficar com todo o seu dinheiro, disse Mame uma vez.Acho que voc deveria ficar com uma parte para voc mesma.

    Para que, Mame? respondeu Laura. No preciso de nada. Seus sapatos ainda estavam bem bons, tinha meias e roupa-de-baixo e

    seu vestido de percal estava quase novo. Durante a semana toda, pensava no prazer de poder levar para casa o seu ordenado. Freqentemente pensava queaquilo era apenas um comeo.

    Dentro de dois anos, ela j poderia ser professora. Se estudasse bastante,recebesse o certificado de professora e conseguisse uma escola, ento poderia realmente ajudar os pais. Poderia recompens-los por tudo quantoeles tinham feito por ela, desde que nascera. A, sim, seria certo Mary ir parao colgio.

    s vezes tinha vontade de perguntar me se no poderiam mandarMary imediatamente para o colgio, contando com seus futuros ordenados para a manter l. Mas nunca chegava a perguntar, porque tinha medo que ame dissesse que era um risco grande demais.

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    Apesar disso, a leve esperana fazia com que fosse mais alegre para otrabalho. Seu ordenado j era uma ajuda. Sabia que a me economizava cadatosto que podia e que Mary iria para o colgio logo que seus pais pudessem pagar as despesas.

    A cidade era como uma ferida na bela e selvagem plancie. Restos dealfafa e de estrume apodreciam em volta dos estbulos e cocheiras, asfachadas das lojas eram toscas e feias. Tinha desaparecido a grama atmesmo na Rua Dois e o vento levantava uma poeira pedrenta entre as casas.Havia no ar um cheiro desagradvel de sujeira, fumaa, poeira e de gorduradas cozinhas. Dos bares vinha um cheiro mido, enquanto da parte de trsdas casas vinha o cheiro acre da gua usada para lavar a loua, que era jogada no cho. Depois de algum tempo, porm, a gente se habituava e jno sentia aquela mistura de maus cheiros e sempre era interessante ver passar gente desconhecida.

    Os meninos e meninas que Laura tinha conhecido no inverno passado,no estavam agora na cidade. Tinham ido para seus ranchos. Os lojistasficavam na cidade para tomar conta de suas lojas e dormiam nos quartos detrs, enquanto suas mulheres e filhos passavam todo o vero na plancie, nascabanas de seus ranchos. De acordo com a lei, ningum podia conservar seurancho se sua famlia no vivesse nele pelo menos seis meses por ano,durante cinco anos. Tinha tambm de arar dez acres de terra e plantardurante cinco anos, para que o Governo lhe desse o documento de possedefinitiva da terra. Por isto, as mulheres e as crianas passavam o vero nascabanas dos ranchos, os meninos ocupando-se de arar e cultivar a terra,enquanto seus pais construam a cidade, tratando de ganhar dinheiro bastante para comprar alimentos e ferramentas do Leste.

    Quanto mais Laura observava a vida da cidade, mais ela compreendiaquanto era boa a situao de sua famlia. Isto porque seu pai levava um anode vantagem sobre os outros. Tinha arado a terra no ano passado e, agora, jtinham a horta, o campo de aveia e o segundo plantio de milho estavacrescendo bastante bem. Haveria alfafa para alimentar os animais durante oinverno e, com o dinheiro da venda do milho e da aveia, Papai poderiacomprar carvo. Todos os novos colonos estavam fazendo agora o que seu pai tinha feito h um ano.

    Levantando os olhos de seu trabalho, Laura podia ver quase toda acidade, pois os edifcios, cm sua maioria, estavam nos dois quarteires dooutro lado da rua. As fachadas de todos eles eram construdas de maneira adar a impresso de que havia dois andares.

    O Hotel Mead, no fim da rua, o Hotel Beardsley, quase em frente lojade Clancy, a Mobiliria Tinkham, no meio do outro quarteiro, tinham

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    mesmo dois andares. Havia cortinas nas janelas do segundo andar,mostrando que eles eram sobrados de verdade, no meio daquelas fachadasfalsas.

    No era esta a nica diferena entre eles e os outros edifcios. Eles eramtodos em madeira, que comeava a tornar-se cinzenta com o tempo. Cadaum tinha duas grandes janelas com vidro na frente e uma porta no meiodelas. Por causa do calor, todas as portas estavam abertas e nos umbraishavia um pedao de tela contra os mosquitos.

    frente dos edifcios corria a calada de madeira, em cujas bordas havia postes para amarrar cavalos. Sempre havia alguns cavalos vista, amarradosaqui e ali, e s vezes uma carroa puxada por uma parelha de cavalos ou poruma junta de bois.

    De quando em vez, cortando com os dentes um pedao de linha, Lauravia um homem cruzar a rua, desamarrar seu cavalo, mont-lo e desaparecer.Outras vezes, ouvia o barulho feito por uma carroa e, quando o barulho eramais forte do que de hbito, ela levantava os olhos para ver quem passava.

    Um dia, levou um susto ao ouvir um vozerio confuso. Viu um homemalto sair correndo do bar Brown. A porta fechou-se atrs dele, batendoviolentamente.

    Muito srio, ele virou-se para trs, olhou altivamente para a porta dearame (contra os mosquitos) e, apoiando-se num p s, deu um violento pontap na tela, que ficou dependurada de um lado s. De dentro do bar,veio um forte berro de protesto.

    O homem alto no prestou a mnima ateno aos que tinham gritado.Tornou a virar-se, orgulhosamente, e deu de cara com um homem baixo egordo, que queria entrar no bar. O homem alto queria sair, mas um estavadiante do outro.

    O homem alto no se mexeu, muito alto e muito srio. O homem baixo egordo tambm estava muito srio.

    O dono do bar se estava queixando do prejuzo, mas eles nem o ouviam.Entreolhavam-se, cada vez mais srios.

    De repente, o homem alto descobriu o que devia fazer. Deu o brao aohomem baixo e comearam a andar pela calada, cantando:

    Vamos a terra, marinheiro! Vamos a terra! No ligue p'ros ventos...

    Solenemente, o homem alto levantou a perna e deu um pontap na portade tela da loja Harthorn. De dentro veio um grito: Ei, o que que... Os

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    dois prosseguiram, cantando:

    No importa quo forte eles soprem!Vamos a terra, marinheiro...

    Ambos estavam to srios quanto possvel. As compridas pernas dohomem alto davam largas passadas e o homem baixo tentava acompanh-locom suas perninhas curtas.

    No ligue p'ros ventos...

    Com uma cara muito sria, o homem alto deu um pontap na tela doHotel Beardsley. O Sr. Beardsley veio furioso l de dentro, mas os dois nemligaram.

    No importa quo forte eles soprem!

    Laura ria tanto que as vezes chegava a chorar. Ela viu quando a longa esolene perna do homem alto arrebentou a tela do armazm do Sr. Barker, quesaiu aos gritos, em protesto. Mas, em largas passadas, as pernas compridasse afastaram, acompanhadas pelas pernas curtas que se abriam o mais que podiam.

    Vamos a terra !

    O homem alto deu novo pontap e l se foi a tela do Armazm Wilder,cujo dono abriu a porta e disse tudo quanto lhe veio cabea.

    Os dois homens o ouviram com toda a dignidade, at que ele parou pararespirar. Ento, o homenzinho disse, muito srio:

    Eu me chamo Pim Pam Pom e estou bbado.Os dois continuaram a andar, cantando em dueto:

    Eu me chamo Pim Pam Pom, comeava o gordo. E estou bbado, cantavam os dois, em voz de falsete. O homem altono dizia chamar-se Pim Pam Pom, mas no falhava na hora de cantar:

    E estoubbado!

    Deram meia-volta e entraram no outro bar. Desta vez, apesar da

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    violncia com que abriram a porta, a proteo contra os mosquitos ficouinteira.

    Laura ria a bandeiras despregadas. Nem pde parar, quando a Sra. Whitelhe disse que era uma horrvel desgraa o que os homens faziam quandoestavam bbados.

    Pense no que vai custar consertar todas essas telas, disse a Sra. White.Estou espantada com voc. Os jovens de hoje no tm nenhum sensocomum.

    noite, quando Laura tentou descrever os dois homens de modo queMary pudesse imaginar como eles eram, ningum riu. Meu Deus, Laura, como que voc pde rir dos dois bbados? perguntou-lhe a me.

    Acho isto horrvel, acrescentou Mary. O homem alto era Bill O'Dowd. Sei que seu irmo o trouxe para aqui

    para ver se ele deixa de beber. Dois bares nesta cidade so dois baresdemais,disse Papai.

    pena que mais homens no sejam dessa opinio, disse Mame. Euacho que, se no pararem com o contrabando de bebidas, ns mulheresvamos ter de tomar nossas providncias.

    Penso que voc teria muito que dizer, Carolina. Nem minha me nemvoc nunca me deixaram ter qualquer dvida a respeito dos males causados pela bebida.

    Seja como for, uma vergonha que essas coisas aconteam diante deLaura.

    Papai olhou para Laura, e seus olhos ainda piscavam maliciosamente.Laura sabia que ele no estava zangado porque ela havia rido.

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    7 - Nove dlares

    O SR . CLANCY j no estava recebendo muitas encomendas de camisas.Parecia que quase todos os homens que podiam comprar camisas naqueleano, j o tinham feito. Num sbado, tarde, a Sra. White comentou:

    Parece que o movimento da primavera j acabou. sim, senhora, respondeu Laura. A Sra. White separou um dlar e meio, que entregou a Laura, dizendo-

    lhe: J no preciso de voc e, por isto, no precisa vir segunda-feira. At

    outro dia. At outro dia, disse Laura. Ela tinha trabalhado durante seis semanas e recebido nove dlares. Um

    dlar parecia muito dinheiro uma semana atrs, mas agora nove dlares jno eram muita coisa. Se ela tivesse trabalhado mais uma semana, ganhariadez dlares e meio; se duas semanas mais, teria conseguido doze dlares.

    No que ela no achasse bom ficar de novo em casa, ajudando nostrabalhos domsticos e na horta, passear com Mary e colher flores silvestres,e esperar pela volta do pai noite. Mas, de certo modo, ela se sentiaabandonada e vazia por dentro.

    Lentamente, comeou a andar ao longo da Rua Principal. Agora, Papaiestava trabalhando no prdio da esquina com a Rua Dois. Ele estava de p,ao lado de um monte de ripas, esperando por Laura e, quando a viu, gritou-lhe:

    Veja o que recebi para levar para sua me! sombra do monte de ripas havia uma cesta, recoberta por um pano de

    saco. De dentro da cesta, vinha um barulhinho de garras e de pios. Os pintos! Boast os trouxe hoje, disse Papai. Quatorze, todos sadios e bem

    espertos! Seu rosto irradiava contentamento, s de pensar no prazer queMame iria ter.

    A cesta no est muito pesada. Voc segura de um lado e eu do outro. Desceram a Rua Principal, tomando a estrada para casa, com a cesta

    entre os dois. O cu crepuscular parecia incendiar-se em ouro e prpura. O arestava cheio de uma luz dourada e, mais para leste, a Lagoa Prateada

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    pescoo; nas asas e nos rabos, j apareciam as primeiras penas. Eram dediversas cores e alguns eram carijs.

    Um a um, Mame passou-os cuidadosamente para seu avental, dizendo: A Senhora Boast no pode t-los conseguido todos numa s ninhada.

    Acho que no h seno dois frangos ao todo. O casal Boast est to adiantado na criao de galinhas que,

    provavelmente, esto pensando em comer frangos assados no vero,respondeu Papai. Talvez ela tenha ficado com alguns dos frangos dessaninhada para isso.

    possvel, disse Mame, com ar pensativo; talvez tenha substitudoos frangos por frangas boas poedeiras. Isso estaria bem de acordo com otemperamento da Sra. Boast. Nunca vi pessoa to generosa quanto ela.

    Mame levou os pintos em seu avental para o viveiro que Papai tinhaconstrudo. A frente do viveiro era de sarrafos, para deixar passar luz e ar,com uma portinha fechada por uma tramela. No tinha cho, pousandodiretamente no solo, de forma que os pintinhos podiam comer a relva tenra.Quando o cho ficasse sujo, o viveiro mudaria de lugar.

    Numa velha frigideira, Mame preparou um mingau de farelo, com bastante pimenta. Assim que a colocou no viveiro, os pintinhos juntaram-seem torno dela, comendo to gulosamente que s vezes chegavam a seenganar, bicando, por engano, os prprios pezinhos. Quando se fartaram,foram para a beira da gamela de gua e, enchendo os bicos, esticavam o pescoo e inclinavam a cabea para trs, para beber a gua.

    Mame determinou que Carrie teria o encargo de aliment-los e deencher a gamela sempre com gua fresca. No dia seguinte, deixaria os pintinhos sair para que corressem um pouco. Grace vigiaria atentamentecontra os gavies.

    Depois da ceia, ela mandou Laura ver se os pintinhos estavam dormindoem segurana. As estrelas brilhavam sobre a plancie envolta em trevas euma plida lua aparecia a oeste, baixa sobre a linha do horizonte. A relva eos canios moviam-se brandamente, adormecidos dentro da noite quieta.

    A mo de Laura passou suavemente pelos pintinhos, que j dormiamamontoados e mornos, a um canto do viveiro. Depois, Laura ficou a admirara noite de vero. Perdera a noo de h quanto tempo ali estava, quando viua me que vinha saindo de casa.

    Ah, voc est a, Laura, disse ela e, tal qual Laura fizera antes,ajoelhou-se para apalpar os pintinhos. Depois, ficou tambm a contemplar anoite.

    Agora, este lugar est comeando a parecer uma fazenda de verdade,disse ela.

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    Os campos de aveia e de milho surgiam, num sombreado plido em meio escurido, a horta cheia de altos e baixos, com tufos de folhas escuras. desmaiada luz das estrelas, viam-se os pepinos e as abboras. O estbulo, baixo, mal se podia ver, mas da janela da casa vinha uma luz que aquecia.

    De repente, sem pensar, Laura exclamou: Ah, Mame, como eu gostaria de que Mary pudesse ir para o colgio

    no outono! Para surpresa sua, a me respondeu: Pode ser que ela v. Seu pai e eu temos conversado sobre o assunto. Laura nem pde falar logo. Depois, perguntou: Os senhores disseram alguma coisa a ela? Ainda no. No devemos dar-lhe esperanas s para desapont-la

    depois. Mas, com o salrio de seu pai, a aveia e o milho, se tudo der certo, pensamos que ela poder ir neste outono. Devemos ter confiana em nsmesmos, que conseguiremos mant-la no colgio at que ela termine o cursocompleto de sete anos, tanto de estudo quanto de aprendizagem manual.

    Pela primeira vez, Laura compreendeu que, quando Mary fosse para ocolgio, j no estaria com eles. Teria ido embora mesmo. No estaria ali odia todo. Laura no conseguia imaginar como seria a vida sem Mary.

    Eu..., comeou a dizer, mas logo parou. Desejava tanto que Maryfosse para o colgio!

    Sim, ns sentiremos falta dela, disse Mame, com serenidade. Mastemos de pensar que esta a grande oportunidade para ela.

    Eu sei, Mame, disse Laura, tristemente. Agora, a noite parecia imensa e sem sentido. A luz que vinha da janela

    de casa ainda era firme e aconchegadora, mas at mesmo a casa j no seriaigual, sem a presena de Mary.

    A voz de Mame fez-se ouvir novamente: Seus nove dlares so uma grande ajuda, Laura. Estive pensando e

    acho que, com eles, poderei comprar a fazenda para o vestido de sair deMary e, talvez, o veludo para um chapu.

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    8 - Quatro de julho BUM! Laura despertou num sobressalto. O quarto ainda estava escuro. Carrie

    perguntou, num murmrio amedrontado: Que foi isto? No tenhas medo, respondeu Laura. Ficaram escuta. Mal se via a janela no escuro, mas Laura sabia que j

    tinha passado metade da noite. BUM! Tudo parecia tremer. Caramba! exclamou Papai, com voz sonolenta. Por que? Por que? perguntava Grace. Por que, Papai? Por que,

    Mame? Carrie perguntou: Quem que est fazendo isso? Que que esto disparando? Que horas so? perguntou Mame. Atravs da parede, chegou a voz

    de Papai: Hoje 4 de julho, Carrie.De novo, tudo tremeu. BUM! No eram canhes de grosso calibre, mas sim plvora que faziam

    explodir na bigorna do ferreiro, l na cidade. O barulho era igual ao das batalhas que os americanos tinham travado pela, sua independncia. Quatrode Julho fora o dia em que os primeiros americanos declararam que todos oshomens nascem livres e iguais. BUM!

    Vamos, meninas, melhor que nos levantemos de uma vez! disseMame.

    Papai comeou a cantar: "Oh, dizei, podeis ver, luz da madrugada?" (1)(1) Primeiro verso do hino "The Star-Spangled Banner", cuja letra foi composta por

    Francis Scott Key, quando prisioneiro dos ingleses na Guerra de 1812, entre a Gr-Bretanha eos Estados Unidos. E, desde 1931, o Hino Nacional dos Estados Unidos, em virtude de umalei do Congresso (Nota do Tradutor),

    Charles! protestou Mame, mas a verdade que estava rindo, poisainda estava muito escuro para ver-se alguma coisa.

    Ora, no precisamos ficar solenes, disse Papai, pulando da cama.Hurra! Hurra Ns somos americanos! E recomeou a cantar:

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    Viva! Viva! Cantemos com toda a alegria! Viva! Viva! Viva a bandeira que faz livres todos os homens!

    O prprio sol, a iluminar o mais claro dos cus, parecia saber que aqueledia era o glorioso Quatro de Julho. Depois do caf, Mame disse que era um bom dia para fazer-se um piquenique, mas Papai respondeu que a cidade eramuito longe e que melhor seria esperar pelo outro ano.

    Alis, dificilmente poderamos fazer um piquenique este ano,concordou Mame. Sem galinha assada, nem pareceria piquenique. Depois de um despertar to excitante, o dia pareceu vazio. Um dia toespecial merecia um acontecimento tambm especial, mas nada deextraordinrio parecia acontecer.

    Estou com vontade de me vestir, disse Carrie, enquanto lavavam os pratos.

    Eu tambm, respondeu Laura, mas para qu? Quando foi levar a bacia para jogar a gua fora, viu o Pai que observava

    a aveia. Estava crescendo bem, grossa e alta, de um verde-acinzentado,agitando-se suavemente brisa. O milho tambm estava bem bonito. Seuslongos pendes amarelo-esverdeados quase escondiam o solo. Na horta, ossarmentos dos pepineiros j apareciam, suas pontas rastejantes a esticar-sedebaixo de grandes folhas. Os canteiros de ervilhas e vagens seentremeavam, os canteiros de cenouras se apresentavam como plumasverdes e as beterrabas brotavam em longas folhas escuras, com pecolosvermelhos. Os morangos silvestres j formavam pequenas moitas. Os pintos,espalhados entre as plantas, ciscavam insetos para comer.

    Tudo isto seria timo num dia comum, mas um Quatro de Julho exigiaalguma coisa mais.

    Papai tambm pensava assim. No tinha nada para fazer, pois numQuatro de Julho s havia mesmo o trabalho de casa. Dali a pouco, ele entroue perguntou a Mame:

    H uma festa na cidade, hoje, voc no gostaria de ir? Que espcie de festa? perguntou Mame. Bem, uma corrida de cavalos, mas tambm fizeram uma coleta para

    refrescos, respondeu Papai. Senhoras no devem ir a corridas de cavalos e, alm disso, no posso

    ir sem ser convidada, disse Mame. Laura e Carrie esperavam, quase estourando de vontade de ir, enquanto a

    me refletia, sacudindo a cabea. V voc, Charles. De qualquer maneira, seria muito cansativo para

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    Grace. Em casa, muito melhor, disse Mary. Foi a que Laura falou: Papai, se o senhor for, ser que Carrie e eu tambm podemos ir? Os olhos de Papai brilharam e ele piscou para as duas. Mame sorriu

    para os trs e disse: Isso mesmo, Charles, ser um belo passeio para vocs todos. Carrie,

    v despensa e traga manteiga; enquanto vocs se vestem, farei sanduches para vocs.

    De repente, o dia parecia mesmo um Quatro de Julho. Mame fez ossanduches, Papai engraxou os sapatos, Laura e Carrie vestiram-seapressadamente. Felizmente, Laura tinha lavado e passado o seu vestido de percal. Ela e Carrie lavaram o rosto na bacia, esfregando as faces, o pescooe as orelhas at que ficaram rosados. Puseram anguas de cassa bemengomadas. Escovaram e pentearam o cabelo. Laura enrolou suas trancas, prendendo-as no alto da cabea. Amarrou a fita dos domingos nas trancas deCarrie. Depois, vestiu seu vestido novo, abotoado nas costas. O frufru desuas saias ia-lhes at os ps.

    Abotoe-me, por favor, pediu Carrie. No meio das costas de seuvestido, havia dois botes que ela no alcanava. Todos os outros estavamabotoados para dentro.

    Voc no pode ir assim a uma festa de Quatro de Julho, disse Laura,desabotoando-os e tornando a aboto-los direito.

    Se aboto para fora, eles prendem nas minhas trancas, reclamouCarrie, e puxam meu cabelo.

    Eu sei. Comigo era a mesma coisa. Mas, voc tem de esperar crescer para poder usar o cabelo para cima.

    Puseram seus chapus de vero. Papai estava esperando, com oembrulho dos sanduches. Mame inspecionou-as cuidadosamente e disseque estavam muito bonitas.

    Tenho muito prazer, disse Papai, em sair com minhas duas , lindasfilhas.

    O senhor tambm est muito elegante, Papai, disse Laura. Seus sapatos brilhavam, tinha aparado a barba e estava usando sua roupa

    dos domingos, com o chapu de feltro. Eu tambm quero ir! reclamou Grace. Mesmo depois de Mame ter dito que no, ela repetiu duas ou trs vezes

    que queria ir. Como ela era a caula, tinham-na mimado demais. Agora suadesobedincia tinha de ser cortada pela raiz. Papai a sentou firmementenuma cadeira e disse-lhe:

    Voc ouviu o que sua me disse.

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    Saram um pouco tristes, por causa de Grace. Mas ela tinha de aprender aobedecer. Talvez no ano seguinte ela pudesse acompanh-los, se houvesseuma festa grande e toda a famlia viesse na carroa. Desta vez, iam a p, paraque os cavalos pudessem ficar pastando vontade, porque eles se cansavammuito quando ficavam amarrados o dia todo ao sol e no meio da poeira.Grace ainda era muito pequena para poder fazer a p o trajeto de ida e volta,e grande demais para ir ao colo.

    Antes de chegar cidade, comearam a ouvir um barulho como o demilho na frigideira. Carrie perguntou o que era e Papai explicou que eramfogos. Havia cavalos ao longo de toda a Rua Principal. Era tanta a gente nacalada que quase uns tocavam os outros. Na rua poeirenta, os meninosqueimavam fogos que assobiavam e explodiam. O barulho era assustador.

    No sabia que ia ser assim, murmurou Carrie. Laura tambm no estava gostando. Nunca tinham estado em meio a

    tanta gente. Nada se podia fazer seno continuar andando para cima e para baixo. No era agradvel ficar no meio de tanta gente desconhecida.

    Por duas vezes andaram dois quarteires em companhia de Papai e,ento, Laura perguntou se ela e Carrie no podiam ficar na antiga loja. Papaidisse que era tima idia: poderiam ver a multido que passava, enquanto eledaria umas voltas; depois, comeriam os sanduches e veriam as corridas.Deixou-as na casa vazia e Laura fechou a porta.

    Era gostoso estarem sozinhas, na casa cheia de ecos. Foram ver acozinha, onde haviam passado o longo e duro inverno anterior. Subiram atos quartos, quentes debaixo das calhas do teto feito de ripas, e ficaramolhando da janela, acompanhando os que passeavam e vendo os foguetes queespocavam no ar.

    Bem que eu gostaria de ter uns foguetes, disse Carrie. Vamos fingir que so canhes. Estamos no Forte Ticonderoga(l) e

    eles so os ingleses e os ndios. Ns somos americanos, lutando pelaindependncia, disse Laura.

    Mas os ingleses que estavam em Forte Ticonderoga e os soldadosda Montanha Verde(2) foram os vencedores, protestou Carrie.

    (1) Forte situado perto do Lago Champlain, objeto de ferozes combates entre ingleses eamericanos durante a Guerra da Independncia. (Nota do tradutor).

    (2) Assim eram chamados os soldados do Vermont, onde fica a Montanha Verde.Vermont uma regio dos Estados Unidos, onde estava situado o Forte Ticonderoga. Hoje, um Estado da Unio. (Nota do tradutor).

    Ento vou fingir que estamos com Daniel Boone (3) em Kentucky(4)e que estamos atrs de uma paliada de madeira. S que os ingleses e os

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    ndios o capturaram, disse Laura. (3) Heri norte-americano das guerras contra os ndios c da Independncia (Nota do

    tradutor). (4) Outro Estado da Unio (Nota do tradutor).

    Quanto custaro os foguetes? perguntou Carrie.

    Mesmo que Papai pudesse compr-los, seria uma tolice gastardinheiro s para fazer um barulhinho, respondeu Laura. Olhe aquelecavalinho baio. Vamos brincar de escolher os cavalos de que maisgostarmos; comece voc.

    Havia tanta coisa para ver que mal acreditaram que j fosse meio-diaquando ouviram os passos do pai no andar trreo e ele as chamou: Meninas, onde que vocs esto? Correram escada abaixo. Ele estava-se divertindo, seus olhos brilhavam

    de satisfao. Disse-lhes, quase cantando: Vejam o que eu trouxe! Arenque defumado, para acompanhar nosso

    po com manteiga. E vejam outra coisa, disse-lhes mostrando um punhadode foguetes.

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    Ih, Papai, gritou Carrie, quanto que custou? No me custaram nem um tosto. O advogado Barnes que me deu

    para vocs. Por que que ele fez isto? perguntou Laura, que nunca tinha ouvido

    falar no advogado Barnes antes. Ora, ele vai candidatar-se a algum cargo, eu acho, respondeu Papai.

    Est sendo agradvel e gentil com todo o mundo. Vocs querem que eu solteos foguetes agora, ou depois que comermos?

    Laura e Carrie estavam pensando a mesma coisa. Sabiam disto ao seentreolharem, mas quem falou foi Carrie: Vamos guard-los, Papai, para Grace.

    Muito bem, disse Papai, guardando-os no bolso e abrindo o embrulhodo arenque defumado, enquanto Laura abria o de sanduches. O arenqueestava uma delcia e eles guardaram um pouco para Mame. Quandoacabaram com o ltimo pedacinho de po com manteiga, foram at o poo e beberam gua, em grandes sorvos, da borda do balde que Papai tirou bemcheio. Depois lavaram as mos e os rostos afogueados, enxugando-os noleno de Papai.

    J estava na hora das corridas. Todo o mundo estava atravessando o leitoda estrada-de-ferro, indo para a plancie. Num mastro, a bandeira dosEstados Unidos tremulava ao vento. O sol estava quente e soprava uma brisafresca.

    Junto do mastro apareceu um homem bem acima da multido, trepadonum estrado. O vozerio foi-se acalmando e se pde ouvir o que ele estavadizendo.

    Bem, minha gente, no sei fazer discursos, mas hoje o gloriosoQuatro de Julho. o dia em que nossos antepassados se libertaram dosdspotas da Europa. No havia muitos americanos naquele tempo, mas elesno toleraram que um rei qualquer os tiranizasse. Tiveram de combater ossoldados ingleses, os mercenrios do Hesse(5) e os peles-vermelhasescalpeladores que aqueles elegantes aristocratas enviaram contra nossos povoados para assassinar, queimar e escalpelar mulheres e crianas. Um punhado de americanos teve de bater-se contra todos eles e deu-lhes umasurra tremenda. Sim, senhores! Surramos os ingleses em 1776, outra vez em1812, expulsamos todas as monarquias europias faz menos de vinte anos,graas Gloriosa! Sim, senhores, a Velha Gloriosa que drapeja sobre minhacabea, sempre que os dspotas da Europa tentarem humilhar a Amrica, nsos surraremos outra vez!

    (5) Regio da Alemanha, onde antigamente se recrutavam soldados para combater,mediante dinheiro, em outros pases (Nota do tradutor).

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    Viva! Viva! gritaram todos, inclusive Laura, Carrie e Papai. Bem, prosseguiu o orador, aqui estamos ns. Qualquer Joo, entre

    ns, um cidado livre e independente desta terra de Deus, o nico pas nomundo onde um homem livre e independente de fato. Hoje o dia Quatrode Julho, o mesmo dia em que tudo comeou, e deveria haver uma festamaior e mais bonita. No podemos, porm, fazer muita coisa este ano.Muitos de ns esto em grandes dificuldades. Talvez para o ano estejamosem melhores condies e possamos comemorar condigna-mente o Dia da

    Independncia. De uma maneira ou de outra, aqui estamos. Quatro deJulho e, neste dia, algum deve ler a Declarao da Independncia(6). Pareceque o escolhido fui eu; portanto, tirem os chapus, que vou comear aleitura.

    Naturalmente, Carrie e Laura sabiam a Declarao de cor, masexperimentaram uma sensao de solene orgulho, quando ouviram as palavras. Deram-se as mos e ficaram ouvindo, juntamente com a multido,que tambm estava solene. A "Stars and Stripes" (7) tremulava altaneira aocu azul difano e as palavras eram pensadas antes mesmo de serem pronunciadas.

    (6) Documento adotado pelo Congresso reunido em Filadlfia, em 1776, e do qual participavam representantes das Treze Colnias, que deram origem aos Estados Unidos. Seus principais redatores foram Thomas Jefferson, Benjamin Franklin e John Adams, notadamenteo primeiro. (Nota do tradutor).

    (7) Literalmente, "Estrelas e Listras", nome por que conhecida a bandeira norte-americana. As estrelas, cujo nmero tem variado com o tempo, representam os Estados daUnio e as listras alternadas (7 vermelhas e 6 brancas) simbolizam as treze colnias originais.(Nota do tradutor ).

    "Quando, no curso dos acontecimentos, um povo tem necessidade decortar os laos polticos que o ligavam a outro povo, assumindo entre asdemais potncias do mundo o seu prprio lugar, igual ao das outras, que lhefoi reservado pelas leis naturais e divinas, um elementar respeito opiniomundial exige que este povo torne conhecidas as razes que o impelem a talseparao.

    "Sustentamos como verdades evidentes que todos os homens so criadosiguais, que so dotados por seu Criador de certos direitos inalienveis, entreos quais a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade..."

    Seguia-se a longa enumerao dos crimes do Rei(8).(8) Aluso ao Rei Jorge III, da Gr-Bretanha, contra quem se revoltaram os americanos

    do norte, em 1776. (Nota do tradutor).

    "Ele procurou evitar a expanso da populao dos Estados.

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    "Obstruiu a ao da Justia. "Tornou os juizes dependentes de sua exclusiva vontade. "Criou uma infinidade de novos cargos e mandou para c um grande

    nmero de funcionrios para oprimir nosso povo e destruir sua alma. "Saqueou nossos mares, devastou nossas costas, queimou nossas cidades

    e destruiu a vida de nosso povo... "Atualmente, est transportando grandes foras de estrangeiros

    mercenrios, a fim de completar a obra de morte, destruio e tirania,iniciada em meio a crueldade e perfdia tais que dificilmente encontraro paralelo nas eras mais brbaras e inteiramente indignas do Chefe de uma Nao civilizada...

    "Portanto, ns, os Representantes dos Estados Unidos da Amrica,reunidos em Congresso Nacional, tomando ao Supremo Juiz por testemunhada retido de nossos propsitos, em nome e pela autoridade do nobre Povodessas Colnias, solenemente publicamos e declaramos

    "Que essas Colnias Unidas so, de pleno direito, Estados Livres eIndependentes, totalmente desligados de qualquer sujeio CoroaBritnica, e que todo e qualquer vnculo poltico entre elas e o Reino da Gr-Bretanha fica, e deve ficar, completamente desfeito; e que, como EstadosLivres e Independentes, eles tm pleno direito de fazer a Guerra...

    E, para sustentar esta Declarao, confiando firmemente na proteo daDivina Providncia, empenhamos uns aos outros nossas Vidas, nossaFortuna e nossa Honra sagrada".

    Ningum deu vivas. Parecia mais adequado dizer "Amm", mas ningumsabia bem o que fazer.

    Ento, Papai comeou a cantar, logo acompanhado por todos:

    'Minha Ptria, de Ti, Doce terra da liberdade, de Ti que eu canto... Por muitos anos possa o nosso Pas Ser iluminado pela santa luz da Liberdade. Proteja-nos o Teu poder, Deus Onipotente, nosso Rei! (9)

    (9) Cano patritica norte-americana. (Nota do tradutor).

    A multido j se dispersava, mas Laura continuava imvel. De repente,veio-lhe um pensamento inteiramente novo para ela. Lembrou-se das palavras da Declarao e da letra da cano ao mesmo tempo e pensou: Deus o rei da Amrica. Os americanos no obedecero a nenhum rei na terra. Os

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    americanos so livres. Isto quer dizer que eles devem obedecer a suas prprias conscincias. Nenhum rei manda em Papai; ele tem de mandar emsi mesmo. Puxa! (pensou ela), quando eu crescer, Papai e Mame j no mediro o que fazer e o que no fazer e no haver ningum com direito a medar ordens. Eu mesma que terei de esforar-me para ser boa.

    Sua mente iluminou-se com esse pensamento. Isto que queria dizer serlivre. Quer dizer ser bom. "Deus nosso Pai, criador da Liberdade...". As leisnaturais e as leis divinas nos garantem o direito vida e liberdade. Ento,devemos obedecer s leis de Deus, pois s elas que nos do o direito desermos livres. Laura no teve tempo para continuar a pensar. Carrie estava admirada dev-la parada e Papai j as chamava:

    Por aqui, meninas! Aqui temos refrescos de graa! Os barris estavam no cho, ao lado do mastro da bandeira. Alguns

    homens estavam esperando sua vez para beber numa concha de folha-de-flandres. medida que cada um bebia, passava a concha ao seguinte e seencaminhava para a pista de corridas a examinar os cavalos e os carros.

    Laura e Carrie estavam um pouco para trs, mas o homem que estavacom a concha as viu e deu a concha para Papai. Ele a encheu e passou-a paraCarrie. O barril estava quase cheio e rodelas de limo flutuavam nalimonada.

    Eu vi por muito limo, de modo que ela deve estar gostosa, dissePapai, enquanto Carrie bebia lentamente. Seus olhos estavam arregalados detanto que estava gostando. Ela nunca tinha tomado limonada antes.

    Acabaram de prepar-la, disse um dos homens para Papai. Trouxerama gua agorinha mesmo do poo do hotel, de modo que ela est bem fresca.

    Outro homem disse: Depende da quantidade de acar que puseram. Papai tornou a encher a concha e deu-a a Laura. Ela j tinha provado

    limonada uma vez, na festa de Nellie Oleson, quando era pequena emMinnesota(10). Mas esta era ainda mais gostosa. Ela bebeu at a ltima gotae devolveu a concha a Papai. No seria polido pedir para repetir.

    (10) Um dos Estados da Unio norte-americana (Nota do tradutor).

    Depois que Papai tambm bebeu, cruzaram a relva machucada pelamultido e foram para a pista de corridas. Tinham limpado um bom pedaode relva e nivelado a terra negra, que agora estava macia. Por toda a parte plantas e canios agitavam-se ao vento, exceto onde os homens e os carrostinham aberto trilhas.

    Al, Boast! chamou Papai, e o Sr. Boast abriu caminho por entre a

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    multido. Tinha chegado cidade a tempo de ver apenas as corridas. A Sra.Boast, como Mame, tinha preferido ficar em casa.

    Apareceram quatro pneis na pista. Havia dois baios, um tordilho e um preto. Os rapazes que os montavam puseram-nos em linha reta.

    Em qual vocs apostariam, se apostassem? perguntou o Sr. Boast. Ah, no preto, exclamou Laura. O plo do pnei preto rebrilhava luz

    do sol e sua longa crina e a cauda esvoaavam sedosamente ao vento. Elesacudiu sua fina cabea e empinou-se elegantemente.

    Ao sinal de partida, todos os pneis comearam a correr. A multidogritava. Com boa margem, vinha na dianteira o pnei preto, com os outrosatrs dele. Suas patas ferradas levantaram uma nuvem de poeira que osencobria. Deram a volta pelo outro lado da pista, galopando a toda a brida. O pnei tordilho estava agora bem perto do preto. Corriam emparelhados,depois o tordilho passou um pouco frente, com a multido gritando denovo. Estavam pescoo a pescoo, mas o tordilho passou um pouquinho e amultido tornou a gritar. Laura ainda tinha esperanas no preto, que estavafazendo o possvel. Pouco a pouco, voltou a emparelhar com o tordilho. Suacabea colou-se ao pescoo do tordilho, o focinho quase emparelhou com odo rival. De repente, os quatro pneis apareceram na pista, formando umgrupo cada vez mais compacto envolto na poeira. O pnei baio de focinho branco passou pelo tordilho e pelo preto, cruzando a linha de chegada sob osaplausos da multido.

    Se voc tivesse apostado no preto, Laura, teria perdido, disse o Sr.Boast.

    Apesar de tudo, o mais bonito, respondeu Laura. Nunca ela se tinhadivertido tanto. Os olhos de Carrie brilhavam, suas faces estavam rosadas decontentamento; sua trana estava presa em um boto do vestido e,estouvadamente, ela a deixou solta.

    Haver outras corridas, Papai? perguntou Carrie. Claro, j esto chegando para a corrida de carros, respondeu Papai. O Sr. Boast troou com Laura, dizendo-lhe: Indique o vencedor, Laura! Atravs da multido, em direo pista, vinha a primeira parelha de

    baios, atrelada a um carrinho leve. Os baios eram iguaizinhos e caminhavamcomo se o carro no lhes pesasse. Depois foram chegando outras parelhas eoutros carros, mas Laura no lhes prestou muita ateno, pois havia uma parelha de castanhos que ela conhecia. Conhecia as suas cabeas altivas ealegres, os pescoos arqueados, o reflexo da luz em seu corpo acetinado, asnegras crinas ondulando ao vento e seus topetes balanando acima dos olhosirrequietos, brilhantes, gentis.

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    Veja, Carrie! So os castanhos Morgan! (11).(11) Famosa raa de cavalos originria do Estado de Vermont. (Nota do tradutor).

    a parelha de Almanzo Wilder, Boast, disse Papai. Mas em que que ele a atrelou?

    Almanzo Wilder estava sentado muito acima dos cavalos. Trazia ochapu sobre a nuca e parecia alegre e confiante.

    Levou a parelha para o lugar que lhe competia na fila e ento todosviram que ele estava sentado numa bolia alta, frente de uma longa, alta e pesada carroa, com uma porta ao lado. a carroa de mascatear de seu irmo Royal, disse um homem queestava perto deles.

    Ele no tem chance, com todo esse peso, contra os carros mais leves,disse outro.

    Todos estavam olhando os Morgans e o car