15
Prof. Doutor José Lebre de Freitas - A Reforma do Processo Executivo Pelo Prof. Doutor José Lebre de Freitas 1. O desenvolvimento vertiginoso das relações económicas, o esvaziamento dos valores sociais tradicionais, o exacerbamento do liberalismo, o aumento da conflitualidade e o acréscimo de facilidade na deslocação dos bens têm levado, um pouco por toda a parte, à progressiva generalização de comportamentos de fuga ao cumprimento das obrigações jurídicas e a situações de grave estrangulamento do aparelho estadual competente para a execução forçada. Consequentemente, um pouco por toda a parte, preocupam-se, ou fingem preocupar-se, os Governos em erguer barreiras e encontrar soluções para a crescente dissolução da garantia do direito em pântanos de progressiva ineficácia. A década de 90 e o início do século XXI assistiram a um renovar do interesse (pragmático e também científico) pelo processo de execução e pelos institutos que com ele se relacionam: vários países europeus, com a França em primeiro lugar, empreenderam importantes reformas do direito processual executivo; noutros, como a Itália, têm-se sucedido os projectos de reforma, finalmente em vias de passar à forma de lei; no plano da União Europeia, a revisão da Convenção de Bruxelas Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, de 27.9.68, finalmente substituída pelo Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22.12.2000, teve como um dos seus pivots o aligeiramento do procedimento de exequatur; no mesmo plano, estuda-se a instituição dum título executivo europeu e tenta-se a harmonização dos regimes da penhora dos depósitos bancários. Em Portugal, a revisão de 1995-1996 do Código de Processo Civil não esqueceu a acção executiva: foram aperfeiçoados os esquemas da realização do direito do exequente, simplificando-se a execução baseada em sentença, alargando-se o âmbito do título executivo, estabelecendo-se o dever judicial de cooperação para a descoberta dos bens do executado, suprimindo-se a moratória nas dívidas de pessoa casada, racionalizando-se o esquema das oposições à penhora, suprimindo-se, em alguns casos, a citação dos credores e maleabilizando-se os mecanismos da venda executiva; foram clarificados pontos de regime duvidosos ou que eram de reduzida eficácia prática (arts. 56-2, 861-A, 862-A); deu-se relevo a interesses respeitáveis do executado e de terceiros, anteriormente mal enquadrados ou ignorados, alguns dos quais em sintonia com a ideia duma realização definitiva da finalidade da execução, como foi o caso da admissão da divisão do prédio penhorado e do acordo de pagamento a prestações, do alargamento da legitimidade para embargar de terceiro ou da extensão ao credor admitido, mas ainda não graduado, da legitimidade para pedir a renovação da execução, nos termos do art. 920-2(1). Esta intervenção no campo da acção executiva, que a breve trecho o DL 274/97, de 8 de Outubro (que alargou o âmbito do processo sumário de execução), e o DL 269/98, de 1 de Setembro (que reformou, revitalizando-o, o processo de injunção), vieram prolongar, foi insuficiente, não tendo ousado repensar, por limitação extrínseca originada em timings políticos apertados(2), o esquema dos actos executivos, que a revisão manteve nas suas linhas gerais. Havia, pois, que a prolongar, partindo duma opção quanto ao modelo de processo a seguir(3). 2. Decidida a reforma do processo civil executivo, socorreu--se o governo anterior de estudos sociológicos e estatísticos que encomendou ao Observatório Permanente da Justiça Portuguesa. Da análise das linhas de evolução do movimento processual ao longo das últimas três décadas, da decomposição do universo das acções executivas por valor, tipo de litigante, título executivo, duração e resultado e da busca das causas e bloqueios do processo executivo, retirou o Observatório a ideia fundamental de que havia, não apenas que simplificar o processo e, a montante, que tomar medidas impeditivas do crescimento das dívidas e da sua sistemática cobrança forçada, mediante a criação de meios alternativos ao recurso aos tribunais, mas também que entregar o processo executivo a entidades, não judiciais, de natureza pública administrativa ou de natureza privada, mas publicamente certificada, circunscrevendo a

Lebre de Freitas - Reforma

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Lebre de Freitas - Reforma

Citation preview

  • Prof. Doutor Jos Lebre de Freitas - A Reforma do Processo Executivo

    Pelo Prof. Doutor Jos Lebre de Freitas

    1. O desenvolvimento vertiginoso das relaes econmicas, o esvaziamento dos valores sociais tradicionais, o exacerbamento do liberalismo, o aumento da conflitualidade e o acrscimo de facilidade na deslocao dos bens tm levado, um pouco por toda a parte, progressiva generalizao de comportamentos de fuga ao cumprimento das obrigaes jurdicas e a situaes de grave estrangulamento do aparelho estadual competente para a execuo forada. Consequentemente, um pouco por toda a parte, preocupam-se, ou fingem preocupar-se, os Governos em erguer barreiras e encontrar solues para a crescente dissoluo da garantia do direito em pntanos de progressiva ineficcia. A dcada de 90 e o incio do sculo XXI assistiram a um renovar do interesse (pragmtico e tambm cientfico) pelo processo de execuo e pelos institutos que com ele se relacionam: vrios pases europeus, com a Frana em primeiro lugar, empreenderam importantes reformas do direito processual executivo; noutros, como a Itlia, tm-se sucedido os projectos de reforma, finalmente em vias de passar forma de lei; no plano da Unio Europeia, a reviso da Conveno de Bruxelas Relativa Competncia Judiciria e Execuo de Decises em Matria Civil e Comercial, de 27.9.68, finalmente substituda pelo Regulamento (CE) n. 44/2001 do Conselho, de 22.12.2000, teve como um dos seus pivots o aligeiramento do procedimento de exequatur; no mesmo plano, estuda-se a instituio dum ttulo executivo europeu e tenta-se a harmonizao dos regimes da penhora dos depsitos bancrios.

    Em Portugal, a reviso de 1995-1996 do Cdigo de Processo Civil no esqueceu a aco executiva: foram aperfeioados os esquemas da realizao do direito do exequente, simplificando-se a execuo baseada em sentena, alargando-se o mbito do ttulo executivo, estabelecendo-se o dever judicial de cooperao para a descoberta dos bens do executado, suprimindo-se a moratria nas dvidas de pessoa casada, racionalizando-se o esquema das oposies penhora, suprimindo-se, em alguns casos, a citao dos credores e maleabilizando-se os mecanismos da venda executiva; foram clarificados pontos de regime duvidosos ou que eram de reduzida eficcia prtica (arts. 56-2, 861-A, 862-A); deu-se relevo a interesses respeitveis do executado e de terceiros, anteriormente mal enquadrados ou ignorados, alguns dos quais em sintonia com a ideia duma realizao definitiva da finalidade da execuo, como foi o caso da admisso da diviso do prdio penhorado e do acordo de pagamento a prestaes, do alargamento da legitimidade para embargar de terceiro ou da extenso ao credor admitido, mas ainda no graduado, da legitimidade para pedir a renovao da execuo, nos termos do art. 920-2(1).

    Esta interveno no campo da aco executiva, que a breve trecho o DL 274/97, de 8 de Outubro (que alargou o mbito do processo sumrio de execuo), e o DL 269/98, de 1 de Setembro (que reformou, revitalizando-o, o processo de injuno), vieram prolongar, foi insuficiente, no tendo ousado repensar, por limitao extrnseca originada em timings polticos apertados(2), o esquema dos actos executivos, que a reviso manteve nas suas linhas gerais. Havia, pois, que a prolongar, partindo duma opo quanto ao modelo de processo a seguir(3).

    2. Decidida a reforma do processo civil executivo, socorreu--se o governo anterior de estudos sociolgicos e estatsticos que encomendou ao Observatrio Permanente da Justia Portuguesa. Da anlise das linhas de evoluo do movimento processual ao longo das ltimas trs dcadas, da decomposio do universo das aces executivas por valor, tipo de litigante, ttulo executivo, durao e resultado e da busca das causas e bloqueios do processo executivo, retirou o Observatrio a ideia fundamental de que havia, no apenas que simplificar o processo e, a montante, que tomar medidas impeditivas do crescimento das dvidas e da sua sistemtica cobrana forada, mediante a criao de meios alternativos ao recurso aos tribunais, mas tambm que entregar o processo executivo a entidades, no judiciais, de natureza pblica administrativa ou de natureza privada, mas publicamente certificada, circunscrevendo a

  • interveno judicial aos casos em que, dentro do processo executivo, por via de contestao ou oposio, se gerassem litgios carecidos de deciso. A proposta foi radical: enquanto no houvesse litgio, os actos executivos haviam de ter lugar fora dos tribunais; s havendo litgio o processo, extrajudicialmente iniciado, havia de ser conduzido ao tribunal(4).

    A ideia de desjudicializar o processo executivo foi apresentada em conferncia organizada pelo Ministrio da Justia, que teve lugar em Lisboa nos dias 2 e 3 de Fevereiro de 2001. Foi a apontado que desjudicializar, no sentido de permitir execues sem processo judicial, seria desaconselhvel, mas que seria benfico desjurisdicionalizar, no sentido de dispensar a interveno do juiz na prtica de actos que no deixassem de ocorrer em tribunal ou em ligao com um processo pendente em tribunal, sem que, porm, sendo o ttulo extrajudicial, se devesse dispensar o controlo constitudo pelo despacho liminar(5). A distino foi aceite e logo no primeiro projecto da reforma (de 1.6.01) se manteve o cordo umbilical entre o processo de execuo e o tribunal: um requerimento executivo era sempre apresentado na secretaria judicial(6), embora, para os efeitos de impedimento de caducidade, prescrio e outros, alheios ao processo de execuo, que, directa ou indirectamente, dependessem da data da propositura, o processo se considerasse iniciado, quando interviesse o solicitador de execuo, na data em que lhe fosse entregue o ttulo executivo (art. 812-3).

    Desta ideia pivot do primeiro projecto extraram-se vrias consequncias: quando o ttulo executivo fosse uma sentena e a obrigao exequenda carecesse de liquidao, a esta havia que proceder na prpria aco declarativa, para o efeito renovada (art. 378-2); quando o ttulo fosse diverso e a obrigao fosse ilquida, a execuo iniciava-se pela quantia indicada pelo exequente e ao executado s depois da penhora era consentido, em oposio, impugnar a liquidao (art. 805); sendo a obrigao alternativa e devendo a escolha ser efectuada por terceiro, que no escolhesse, ou por vrios devedores, entre os quais no se formasse maioria, caberia ao exequente efectu-la (art. 803-3, retomando uma proposta da comisso de reviso do CPC presidida por Antunes Varela); se a obrigao dependesse de condio suspensiva ou de uma contraprestao, a respectiva prova seria efectuada perante o agente de execuo e o executado s poderia contestar em oposio execuo (art. 804); passando a existir um registo informtico de execues e uma lista de pessoas sem patrimnio conhecido, caberia ao agente de execuo consult-los, bem como s bases de dados oficiais, antes ainda de apresentar o requerimento executivo e sem qualquer despacho judicial prvio (arts. 806, 807, 819 e 823), e, consoante os casos, propor seguidamente a aco, arquivar o processo ou remeter o requerimento executivo para o tribunal em que verificasse pender j uma execuo ainda sem graduao de crditos, contra o mesmo executado (arts. 820, 821 e 822); nem a penhora nem a venda careciam de ser ordenadas pelo juiz, cabendo ao agente de execuo realiz-las (soluo mantida no art. 808-1); ao agente de execuo caberia requisitar a fora pblica para, sem despacho judicial prvio, tomar posse do imvel penhorado ou de mvel existente no interior de imvel do executado (arts. 860-1 e 864); ao agente de execuo caberia ponderar os motivos da provisoriedade do registo da penhora para o efeito de prosseguimento do processo (art. 862-4, implicitamente); as citaes do executado, do seu cnjuge e dos credores passariam a ter sempre lugar em simultaneidade, aps a penhora, ficando a cargo do agente de execuo (art. 870); aps a sua citao, o executado poderia, no s opor-se execuo e penhora, mas tambm requerer a substituio desta por cauo idnea ou oferecer outros bens em substituio dos penhorados (art. 824, n.os 3-b e 5); dado o momento processual em que a oposio do executado seria admitida, entendeu-se que, na regulamentao legal do processo de execuo, havia que tratar primeiro da penhora e s depois da oposio, esta em captulo que tratasse igualmente da verificao e graduao de crditos, alterando assim a sistematizao do Cdigo e substituindo por outra a numerao dos artigos vigentes, mesmo quando o seu contedo permanecesse inalterado.

    Em torno sobretudo desta opo fundamental e das consequncias dela derivadas, girou a discusso que se seguiu. Apresentado em Coimbra em 29.6.01, o projecto foi objecto de crtica (www.mj.gov.pt), baseada em que punha perigosamente em risco garantias que a Constituio da Repblica consagrava: a supresso do despacho liminar e a dispensa, em todos os casos, da citao prvia do executado, abrindo imediatamente o caminho da penhora, violava a garantia da jurisdio e o direito de defesa, constituindo intolervel privatizao da funo jurisdicional(7); a lista das pessoas sem patrimnio conhecido violava o princpio da proteco dos dados pessoais, constituindo intromisso inconstitucional na vida privada dos cidados(8);

  • no era dispensvel a interveno prvia do juiz quando se apresentasse execuo obrigao ilquida(9), quando houvesse que consultar bases de dados em regime de confidencialidade(10), quando houvesse que entrar em casa alheia para penhora ou posse efectiva dum bem(11) ou quando houvesse que decidir sobre a suficincia do registo provisrio da penhora para o prosseguimento da execuo(12).

    Em consequncia destas e de outras observaes, o projecto foi sendo aperfeioado, culminando, ainda com o anterior Governo e aps uma verso de Agosto de 2001, num texto de Outubro/Novembro desse ano, que, entre muitas outras alteraes, em face do projecto de Junho de 2001, e sem negar a opo fundamental anteriormente tomada: deixou cair a lista de pessoas sem patrimnio conhecido (centralizando toda a informao no registo informtico das execues); reintroduziu o despacho liminar nas execues que no fossem da alada do solicitador de execuo, cabendo ao juiz dispensar a citao prvia do executado quando se mostrasse justificado o receio, alegado pelo exequente, da perda da garantia patrimonial do crdito exequendo; estabeleceu a necessidade de despacho judicial autorizando a consulta de elementos protegidos pelo sigilo fiscal, a requisio do auxlio da fora pblica para a tomada de posse do imvel penhorado ou de bem mvel existente em imvel, quando este estivesse penhorado ou fosse oposta alguma resistncia, e a venda antecipada de bens; estabeleceu que s o juiz pode decidir que a execuo no prossiga aps o registo provisrio da penhora, o qual, em regra, no obsta ao prosseguimento dela (soluo que ficou no art. 838-4); consignou a regra da suficincia do registo provisrio da penhora para o prosseguimento da execuo, sem prejuzo de o juiz poder, sobre reclamao, decidir o contrrio.

    Aprovado em Conselho de Ministros, o projecto foi levado Assembleia da Repblica para concesso da lei de autorizao legislativa, a qual teve lugar em 19.12.01 (Lei 2/2002, de 2 de Janeiro). Dissolvida, porm, a Assembleia, a autorizao concedida caducou, sem que o Governo tivesse procedido alterao do Cdigo. Coube ao XV Governo Constitucional consum-la, aps a elaborao de novo texto, em que se deixou inclume a sistematizao vigente do Cdigo, e a obteno de nova autorizao legislativa (Lei 23/02, de 21 de Agosto). Muitas foram as alteraes introduzidas no texto anterior pelo DL 38/2003, de 8 de Maro.

    Continuando a cuidar apenas da rea sensvel que especificamente vem sendo referida, foi a execuo rodeada de novas garantias, que definitivamente dissipassem os receios de aumento de execues injustas. Assim, reafirmando a regra do proferimento do despacho liminar e mantidas, qua tale, as excepes das execues baseadas em deciso judicial ou arbitral e em requerimento de injuno no qual tenha sido aposta a frmula executria, passa, no caso de o ttulo executivo ser um documento exarado ou autenticado por notrio ou um documento particular com reconhecimento presencial da assinatura do devedor, a exigir-se, complementarmente, para a dispensa do despacho liminar, que o montante da dvida no exceda a alada do tribunal da relao e se mostre documentalmente provada a interpelao do devedor, quando necessria, ou que, excedendo esse valor, o exequente mostre ter exigido o cumprimento por notificao judicial avulsa; em compensao, em termos prximos aos do regime do DL 274/97, a dispensa alargada aos casos em que, baseando-se a execuo em outro ttulo de obrigao pecuniria vencida de montante no superior alada do tribunal da relao, a penhora no recaia sobre bem imvel, estabelecimento comercial, direito real menor que sobre eles incida ou quinho em patrimnio que os inclua (art. 812-A-1-d)(13). Exige-se a interveno judicial para o apuramento do montante da obrigao pecuniria ilquida, a ter lugar, tal como hoje, embora limitadamente execuo de obrigaes fundadas em ttulo extrajudicial, em fase liminar da aco executiva (art. 805-4). No se dispensa a escolha da prestao em alternativa pelo juiz, quando no a faa o terceiro ou no seja possvel formar maioria entre os devedores que devam faz-la (art. 803-3), assim se impedindo o inexplicvel desequilbrio que a soluo do anterior projecto implicaria. Exige-se a produo perante o juiz da prova sumria complementar do ttulo, sempre que no baste para tanto a prova documental (art. 804-2). Exige-se despacho judicial a autorizar a consulta de quaisquer dados sujeitos a regra de confidencialidade, e j no apenas os protegidos pelo sigilo fiscal (art. 833-3), bem como para a consulta do registo informtico de execues (cujo acesso condicionado) por quem tenha relao contratual ou pr--contratual com o titular dos dados ou revele outro interesse atendvel na consulta (art. 807-3-e e art. 6 do DL 201/03, de 10 de

  • Setembro, que regula o registo informtico de execues; j no assim quando a consulta feita por mandatrio judicial ou solicitador de execuo, com vista a um processo determinado). Est sujeita a autorizao do juiz a penhora de depsito bancrio (art. 861-A-1). Impe-se a citao prvia do executado nas execues fundadas em ttulo extrajudicial de emprstimo contrado para aquisio de habitao prpria hipotecada em garantia (art. 812-7-c); mas, em compensao, dispensa-se obrigatoriamente a citao prvia do executado quando, no registo informtico de execues, conste a meno da frustrao, total ou parcial, de anterior aco executiva movida contra ele (art. 812-B-3) e alarga-se a dispensa da mesma citao aos casos em que, por ausncia do executado em parte certa ou outra especial dificuldade em efectuar a citao, a demora justifique o justo receio de perda da garantia patrimonial do crdito (art. 812-B-4)(14).

    Houve igualmente a preocupao de salvaguardar os legtimos interesses do terceiro devedor do executado, sujeitando a notificao que lhe feita, e que constitui a penhora do crdito, ao regime da citao (art. 856-1), admitindo a prorrogao do prazo de 10 dias, estabelecido para a declarao do devedor (art. 856-2), e expressamente prevendo a possibilidade de, em oposio execuo que contra ele seja movida, por no pagar, o terceiro devedor, que nada haja declarado, provar que o crdito no existia, ficando ento apenas responsvel pelos danos causados, nos termos gerais, pela omisso da sua declarao (art. 860-4)(15).

    Embora mais garantstico, o novo texto no deixa de ser, em muitos aspectos, mais ousado do que o anterior. Circunscrevendo--me, tambm aqui, ao plano de que venho tratando, o papel do solicitador de execuo alargado. Por um lado, pode intervir em qualquer execuo, seja qual for o ttulo executivo em que se baseie, com a nica excepo da execuo por custas: a distino entre as espcies de ttulo executivo faz sentido para determinar se h lugar ao despacho liminar ou citao prvia do executado, mas no para determinar que tipo de agente de execuo deve ser desta encarregado; por isso, s na falta de solicitador de execuo inscrito no crculo judicial ou ocorrendo outra causa de impossibilidade que, fora o caso da execuo por custas, agente de execuo um oficial de justia (art. 808, n.os 2 e 3). Por outro lado, prosseguindo o objectivo de concentrar as funes hoje dispersas entre os vrios intervenientes na execuo(16), nega-se ao solicitador de execuo a faculdade de designar outra pessoa como depositrio dos bens (art. 839-1), consigna-se a possibilidade de, por acordo dos credores sem oposio do executado, ou por determinao do juiz, ele ser encarregado da venda por negociao particular (art. 905-2) e atribui-se-lhe, nos casos de adjudicao de bens (art. 876-3) e de venda de estabelecimento comercial (art. 901-A-2), a presidncia do acto de abertura das propostas em carta fechada, quando no esteja em causa bem imvel e o juiz no determine que a abertura se faa perante ele. Mas, em compensao, o Estatuto dos Solicitadores no se limita, como no anterior projecto, a consagrar impedimentos para o exerccio, em certos casos, da funo de solicitador de execuo, designadamente por ligao profissional anteriormente estabelecida com as partes no processo de execuo; cria tambm a incompatibilidade entre a funo de solicitador de execuo e o exerccio do mandato judicial em processo executivo (art. 120 do Estatuto dos Solicitadores, aprovado pelo DL 88/03, de 26 de Abril) (17).

    Saliente-se que toda a actuao do agente de execuo est sujeita ao controlo judicial: cabe reclamao para o juiz de qualquer acto praticado pelo agente no mbito das suas atribuies (art. 809-1-c). Saliente-se tambm que, podendo o solicitador de execuo rodear-se de colaboradores para a realizao das diligncias que lhe competem, no pode, porm, fazer-se substituir em penhoras, vendas, pagamentos ou outros actos de natureza executiva, emanao como tais do jus imperii estadual (art. 808-6): os poderes de autoridade que lhe so por lei cometidos (e que caracterizam como pblicas as funes por ele exercidas) no so por ele delegveis, a no ser, no caso de diligncias fora da comarca da execuo e suas limtrofes, em agente de execuo da rea em que o acto deva ser praticado (art. 808-5). Embora o solicitador de execuo seja recrutado entre os solicitadores, que so profissionais liberais, e a escolha do solicitador de execuo pelo exequente, a quem compete remuner-lo (sem prejuzo de a remunerao entrar em custas: art. 454-3), carea de ser por ele aceite (art. 810-6), cabendo, quando no aceite, secretaria design-lo (art. 811-A), no nos encontramos perante um contrato de prestao de servios de direito privado, tanto assim que a destituio do solicitador de execuo s pode ter lugar por deciso do juiz (art. 808-4).

  • 3. Importantes modificaes ocorrem no processo de determinao dos bens a penhorar. No direito anterior, o executado gozava da faculdade de, em primeiro lugar, nomear bens penhora, revertendo ela para o exequente quando o executado, para tanto citado, no fizesse a nomeao no prazo legal. A este regime foram, desde a reforma intercalar de 1985, introduzidas sucessivas excepes: execuo de sentena proferida h no mais de um ano, em 1985; execuo de qualquer sentena, desde que a obrigao exequenda fosse lquida, na reviso de 1995-1996; execuo de dvida pecuniria de valor no superior ao da alada do tribunal de comarca, baseada em ttulo diverso de deciso judicial, desde que a penhora incidisse em bem mvel ou direito no dado de penhor, com excepo do estabelecimento comercial, pelo DL 274/97, de 8 de Outubro; execuo fundada em requerimento de injuno, desde o DL 269/98, de 1 de Setembro(18). Nestes casos, fazia-se primeiro a penhora dos bens nomeados pelo exequente e s depois se procedia citao do executado(19), que podia ento opor-se execuo e penhora, cumulando uma e outra oposio no mesmo meio, bem como requerer a substituio dos bens penhorados por outros (anterior art. 926-2) e, segundo a melhor doutrina, por cauo, no caso de embargar a execuo(20).

    A reforma da aco executiva suprimiu a nomeao de bens pelo executado, que a prtica vinha revelando intil, quando no prejudicial para a realizao dos fins da execuo. Mas, indo mais longe ainda, suprimiu a prpria figura da nomeao de bens. As diligncias para a penhora esto a cargo do agente de execuo, que para o efeito consulta o registo informtico de execues e, sempre que necessrio, as bases de dados da segurana social, das conservatrias e outros registos ou arquivos, incluindo, mediante autorizao judicial, as bases de dados sujeitas a regime de confidencialidade (arts. 832, n.os 1 e 2, e 833, n.os 1 a 3). Quando no so encontrados bens penhorveis suficientes, so sucessivamente notificados para os indicar o exequente (que, alis, logo no requerimento inicial deve, na medida em que os conhea, indicar os bens do executado: art. 810-3-d) e, se a falta de bens persistir, o executado (que logo fica ento citado para a execuo), sob sujeio a sano pecuniria compulsria, a aplicar se se vier a descobrir que tinha bens, tendo omitido declar-lo ou tendo feito declarao falsa (art. 833, n.os 4, 5 e 7)(21). Esta indicao no se confunde com a anterior nomeao, na medida em que no vincula o agente de execuo a observ-la. Na determinao do objecto da penhora, o agente de execuo deve, sim, observar o ditame do art. 834-1 (a penhora comea pelos bens cujo valor pecunirio seja de mais fcil realizao e se mostre adequado ao montante do crdito do exequente), sem prejuzo de, ainda que no se adeqe, por excesso, ao montante do crdito do exequente, poder ser penhorado bem imvel ou estabelecimento comercial quando a penhora de outros bens presumivelmente no permita a satisfao integral do crdito no prazo de 6 meses (art. 834, n.os 1 e 2)(22).

    Quando citado aps a penhora, o executado pode, como no anterior processo sumrio (o processo de execuo passou, com a reforma, a seguir forma nica), requerer a substituio dos bens penhorados por outros ou por cauo, desde que fiquem assegurados os fins da execuo (art. 834, n.os 3-a e 5), e opor-se a execuo, penhora ou a ambas, por meio que nico (art. 813, n.os 1 e 2) e que, tendo deixado de ter a designao de embargos de executado, v-se que continua a obedecer ao mesmo figurino processual declarativo, embora agora sempre na forma sumria (art. 817-2), continuando a ser tambm idnticos os fundamentos da oposio (arts. 814 a 816 e 863-A-1). Quando, ao invs, tenha lugar a citao prvia do executado, a oposio execuo (a deduzir em prazo a partir dela contado) e a oposio penhora (a deduzir quando, depois de esta efectuada, o executado dela notificado: art. 864-7) constituem meios distintos, conservando o de oposio penhora a fisionomia que tinha desde a reviso de 1995-1996 (art. 863-B-2).

    Importante diferena de regime entre os casos de citao prvia e aqueles em que esta no tem lugar se verifica quanto ao efeito da oposio no proseguimento da execuo. Havendo citao prvia, o regime anterior mantm-se: a execuo s se suspende sendo prestada cauo ou apresentado documento que constitua princpio de prova de que no genuna a assinatura do documento particular sem assinatura reconhecida, em que se funde a execuo (art. 818-1). Mas, quando no h citao prvia, o recebimento da oposio suspende sempre o processo de execuo, sem prejuzo do reforo ou da substituio da penhora (art. 818-2).

    Por outro lado, quando no haja citao prvia, a responsabilidade do exequente pela

  • execuo injusta acrescida: alm da responsabilidade civil pelos danos causados e da responsabilidade criminal em que incorra, -lhe imposta multa correspondente a 10% do valor da execuo, com o valor mnimo de 10 unidades de conta e o valor mximo do dobro da taxa de justia, quando no tenha agido com a prudncia normal (art. 819). Trata-se de um regime de responsabilidade em parte semelhante ao do requerente de providncia cautelar que venha a ser considerada injustificada ou venha a caducar (art. 390-1).

    Salienta-se ainda que o meio do protesto no acto da penhora, propiciador de muita fuga de bens(23), deixou de ser facultado ao executado. Os bens encontrados em seu poder so presumidos pertencerem-lhe, embora, efectuada a penhora, a presuno possa ser iludida mediante prova documental inequvoca, a apresentar ao juiz, de que os bens mveis penhorados no lhe pertencem (art. 848-2): no poder, por exemplo, subsistir a penhora de mercadorias em consignao, como se pertencessem ao comerciante executado, quando haja prova inequvoca de que lhe foram consignadas para venda por terceiro(24).

    4. Algumas modificaes relevantes foram introduzidas quanto ao objecto da penhora. Em primeiro lugar, flexibilizou-se a regra da impenhorabilidade de dois teros dos vencimentos, salrios, penses, rendas vitalcias e outras prestaes peridicas de natureza semelhante. No regime anterior, este limite era rgido, sem prejuzo de o juiz poder faz-lo avanar at um sexto e mesmo, excepcionalmente, at totalidade do rendimento. Agora, estabelecido para esse limite o mximo de trs salrios mnimos nacionais e o mnimo de um salrio mnimo nacional, este quando o executado no tenha outro rendimento e o crdito exequendo no seja de alimentos (art. 824-2). Quanto interveno casustica do juiz, continua a poder verificar-se: a parte penhorvel dos rendimentos pode por ele ser reduzida, por perodo que considere razovel; a prpria iseno total continua a ser possvel, mas por perodo no superior a um ano (art. 824-4); pode, alm disso, o juiz, ponderado, entre outros factores, o estilo de vida do executado, reduzir o limite mnimo correspondente ao salrio mnimo nacional, salvo no caso de penso ou regalia social (art. 824-5).

    Em segundo lugar, tornou-se possvel, na execuo movida contra um s dos cnjuges, a obteno de ttulo executivo contra o outro cnjuge: quando o exequente ou o executado alegue fundamentadamente que a dvida, constante de ttulo diverso de sentena, comum, o cnjuge do executado citado para declarar se aceita a comunicabilidade da dvida e, se nada disser, contra ele prossegue tambm a execuo (art. 825, n.os 2, 3 e 6)(25).

    Em terceiro lugar, no caso de execuo movida contra contitular de patrimnio autnomo ou bem indiviso, podem os outros contitulares pretender que a venda tenha por objecto todo o patrimnio ou a totalidade do bem, o que se far se no houver inconveniente para a execuo (art. 862, n.os 2 e 4). Tal permitir, normalmente, realizar mais facilmente a venda e nela obter um preo mais justo. Em quarto lugar, cuidou-se especialmente do caso do devedor subsidirio, atendendo sua posio de garante, bem diversa da do devedor principal. Sendo s contra ele movida a execuo, a citao prvia no dispensada, a menos que, nos mesmos termos em que o pode fazer quanto ao devedor principal, o exequente invoque e prove o justo receio de perda da garantia patrimonial (arts. 812-7-a e 812-B-2), embora s depois da excusso prvia dos bens do devedor principal seja possvel a penhora dos seus bens. Sendo a execuo movida contra ele e contra o devedor principal e a menos que ocorra o justo receio de perda de garantia patrimonial, comea-se por excutir os bens do devedor principal e s depois desta excusso que o devedor subsidirio , em regra, citado, no precisando assim de invocar o beneficio da excusso prvia, nos termos do art. 638 CC, sem prejuzo de o exequente poder requerer que o devedor subsidirio seja citado antes da excusso, caso em que lhe caber o nus de invocar o benefcio (art. 828-1). O regime substantivo, segundo o qual a excusso prvia s tem lugar quando o devedor subsidirio a invoque, sofre assim as alteraes que o novo esquema dos actos executivos impe.

    5. Os mecanismos da penhora, a accionar pelo agente de execuo, sofreram notria melhoria. A penhora de bem sujeito a registo (coisa imvel; automvel, navio e aeronave; direito de compropriedade em coisa sujeita a registo; quota de sociedade comercial) faz-se atravs de comunicao electrnica conservatria ou entidade competente, tendo-se por efectuada na data da apresentao (arts. 838-1, 851-1 e 862, n.os 1 e 6), quando anteriormente se

  • considerava efectuada, no caso de bem imvel, por termo de entrega ao depositrio, s ganhando eficcia perante terceiros com o subsequente registo, a realizar pelo exequente (anterior art. 838, n.os 3 e 4), no caso de bem mvel, com a efectiva apreenso do bem (anterior art. 848-1) e, no caso de quota, com a notificao sociedade (anterior art. 862-5). O registo assim efectuado, com carcter urgente (art. 838-5), perde eficcia se, nos 15 dias subsequentes notificao do exequente pela conservatria, nem este nem o agente de execuo pagar o preparo devido (art. 838-6).

    S excepcionalmente que no depositrio judicial o prprio solicitador de execuo, podendo, porm, o oficial de justia que seja agente de execuo designar outrem para depositrio (art. 839-1).

    A penhora de veculo automvel, feita, como se deixou dito, mediante comunicao conservatria competente, seguida de imobilizao e s quando necessrio (ou, na falta de oposio penhora, quando conveniente) de efectiva apreenso (art. 851-2). Trata-se duma simplificao que, em execuo de pequenas dvidas, se tem revelado frutuosa no Canad e em Frana e que o tanto mais na medida em que no admitida, sobre ela, a reclamao de crdito com privilgio creditrio geral (art. 865-4-c), com a ressalva dos direitos dos trabalhadores (art. 865-6).

    Uma vez decorrido o prazo para a oposio do executado, se esta no tiver lugar, ou julgada a oposio improcedente, o exequente passa a poder requerer que lhe sejam entregues, em pagamento, as quantias provenientes de pagamento de crditos, rendas, abonos, vencimentos, salrios ou outros rendimentos peridicos, bem como de saldos de contas bancrias ou valores mobilirios, desde que no garantam crdito reclamado, e depois de descontado o montante relativo s despesas previsveis da execuo (arts. 860--861-3 e 864-A, n.os 11 e 12). Anteriormente, s no fim do processo que, feita a conta, o exequente podia aspirar ao pagamento. A possibilidade de este ter lugar logo aps a realizao da quantia que o permite uma inovao importante. Especial ateno mereceu, desde incio, o regime da penhora de depsito bancrio. Embora tenha havido grandes recuos relativamente ao projecto Antnio Costa, baseado na transparncia de informao que, embora reservada aos fins da execuo, constituiria o passo fundamental para a prevalncia deste tipo de penhora (supra, nota 22), alguma coisa se avana em face do regime anterior. Assim, em vez de, nos casos em que no se consiga a identificao adequada das contas bancrias existentes, ter lugar a solicitao da informao prvia ao Banco de Portugal, a qual a experincia revelou que chegava quase sempre demasiado tarde(26), feita a comunicao directa ao banco em que se suspeite existir o depsito, valendo logo esta comunicao, quando o depsito exista data, como acto de penhora (art. 861-A, n.os 1, 3 e 5) e ficando, consequentemente, a instituio bancria responsvel, a partir desse momento, pelos saldos nela existentes (art. 861-A-9). Apenas h, para tanto, que respeitar os requisitos do art. 861-A-6: a notificao tem de conter os elementos a indicados, sob pena de nulidade. A regra da penhora dos saldos de depsitos bancrios aplica-se penhora de valores mobilirios (art. 861-A-12).

    6. Outro domnio de importante interveno da reforma o da reclamao de crditos. No esquema processual anterior, uma nica brecha tinha sido aberta, quando da reviso de 1995-1996, na imposio da citao de credores em todas as execues, fosse qual fosse o montante da dvida exequenda e fosse qual fosse a natureza dos bens penhorados. Os credores conhecidos eram citados pessoalmente e os desconhecidos editalmente, e o processamento da aco declarativa de verificao e graduao dos crditos, sem cuja concluso o pagamento no podia ter lugar, atrasava, muitas vezes injustificadamente, o processo executivo. A brecha aberta consistiu em dispensar a citao dos credores quando a penhora incidisse apenas sobre vencimentos, abonos ou penses, bem como quando, estando penhorados bens mveis, no sujeitos a registo e de reduzido valor, no constasse que sobre eles incidisse direito real de garantia (anterior art. 864-A-1). Ela foi reforada pelo art. 2 do DL 274/97, que, nas execues por crdito pecunirio de valor at alada do tribunal de comarca, limitou a citao de credores queles que tivessem registo anterior ao da penhora, excluiu a reclamao de credores com privilgio creditrio(27) e condicionou a reclamao do credor titular de direito de reteno invocao deste direito no acto da penhora(28).

  • Foi esta brecha drasticamente alargada no projecto do anterior Governo. Estabeleceu-se a que apenas os credores conhecidos fossem citados para reclamar os seus crditos, assim se abolindo a citao edital (a soluo permaneceu: art. 864-1)(29), embora se admitisse que os restantes credores com garantia real sobre os bens penhorados pudessem reclamar os seus crditos at transmisso dos bens penhorados, salvo, quanto aos titulares de privilgio creditrio geral que no fossem trabalhadores, quando a penhora tivesse recaido sobre rendimento s parcialmente penhorvel, moeda corrente, depsito bancrio em dinheiro ou veculo automvel, ou quando o exequente requeresse, antes de convocados os credores, a consignao de rendimentos ou a adjudicao do direito de crdito no qual a penhora tivesse incidido (art. 881, n.os 3 e 4, do ltimo projecto Antnio Costa)(30). Este tratamento diferenciado do credor munido de privilgio creditrio geral tem como razo de ser a proliferao deste tipo de garantia oculta, verdadeira praga inutilizadora das execues e, com elas, da garantia constitucional do direito de aco(31). Outra importante norma cerceadora do direito de preferncia do credor com privilgio creditrio geral, constante do anterior projecto, era a do art. 888-3: a quantia a receber pelo credores com privilgio creditrio geral seria, na medida necessria ao pagamento de 50% do crdito do exequente, reduzida at ao mnimo de 50% do remanescente do produto da venda, tidos em conta os crditos a graduar antes do do exequente(32).

    Estas normas no passaram, qua tale, ao DL 38/2003. Por um lado, nele se manteve a anterior imposio da citao das entidades referidas nas leis fiscais (art. 864-3-c) e introduziu-se ainda a imposio da citao da Segurana Social (art. 864-3-d). Por outro lado, salvo nos casos de bem s parcialmente penhorvel, renda, outro rendimento peridico ou veculo automvel, foi estabelecido o limite de valor de 190 UC ao cerceamento do privilgio creditrio geral em funo da natureza dos bens penhorados: incidindo a penhora sobre moeda corrente ou depsito bancrio em dinheiro, bem como quando seja requerida a consignao de rendimentos ou a adjudicao, em dao em cumprimento, do direito de crdito, antes de convocados os credores, o credor com privilgio creditrio geral, mobilirio ou imobilirio(33), admitido a reclamar quando o crdito do exequente seja superior a 190 UC (art. 865-4). Por fim, a reduo do privilgio creditrio geral em 50% s feita na medida em que seja necessria para garantir ao exequente o valor de 250 UC, correspondente a no mais de 50% do seu crdito (art. 873-3). Trata-se de dois golpes profundos na reforma anteriormente projectada, ambos dificultando a realizao do direito do exequente e o primeiro impedindo a simplificao processual de muitas execues.

    O credor com garantia real sobre os bens penhorados que no tenha ttulo executivo continua a ter de recorrer aco autnoma do art. 869 para reconhecimento do seu direito, aguardando entretanto a graduao de crditos(34). Mas nem sempre: uma vez por ele requerido que a graduao de crditos aguarde a obteno do ttulo nessa aco, proposta ou a propor, notificado o executado para se pronunciar sobre a existncia do crdito e, se ele no o impugnar, considera-se formado o ttulo executivo, dispensando-se assim a aco autnoma, sem prejuzo da impugnao do exequente ou dos restantes credores (art. 869, n.os 1 a 3). uma simplificao importante.

    Outro ponto importante consistiu em esclarecer, em soluo de questo anteriormente controvertida, que os credores reclamantes podem impugnar os crditos garantidos por bens sobre os quais invoquem garantia e, bem assim, as garantias invocadas, incluindo o crdito e as garantias do exequente, s estando limitados por caso julgado que perante eles se tenha formado, nos termos gerais (art. 866, n.os 3 e 5)(35).

    Outro ponto objecto de alterao respeita ao art. 871, que disciplina a sucesso de penhoras sobre os mesmos bens. No regime ainda actual, feita a segunda penhora, a execuo em que ela tenha sido feita sustada (sem prejuzo de o exequente poder nomear outros bens em substituio dos apreendidos) e o exequente pode reclamar o seu crdito na execuo em que a primeira penhora tenha tido lugar. Com o DL 38/2003, passa a privilegiar-se o controlo prvio da situao: quando, ao consultar, antes da penhora, o registo informtico de execues, o agente de execuo se der conta de que o bem sobre o qual o exequente tem direito real de garantia est penhorado em outra execuo, para ele remetido o requerimento executivo, constituindo-se coligao de exequentes se esse processo no tiver atingido ainda a fase do

  • concurso de credores e valendo o requerimento executivo como reclamao do crdito no caso contrrio, desde que a graduao de crditos no tenha tido j lugar (art. 832, n.os 4 e 5). Quando, no obstante, tenha lugar a segunda penhora, a execuo respectiva continua a ser sustada e o exequente pode reclamar o seu crdito na outra execuo (arts. 865-5 e 871).

    O credor reclamante cujo crdito esteja vencido pode, quando o exequente desiste da execuo ou esta se extingue por outro motivo, substituir-se ao exequente, fazendo-se pagar pelo produto da venda dos bens penhorados que no tenham, entretanto, sido vendidos ou adjudicados (art. 920-2). Mas fica hoje desprotegido perante actos de inrcia do exequente que, entendido ou no com o executado, no diligencie o prosseguimento do processo executivo: nem pode mover aco prpria (ou prosseguir com a aco executiva sustada) nem satisfeito no processo executivo em que reclamou. Passou, por isso, o art. 847-3 a determinar que, aps 3 meses de actuao negligente do exequente, que mantenha parada a execuo, pode qualquer credor, cujo crdito esteja vencido e tenha sido reclamado para ser pago pelo produto da venda dos bens penhorados, substituir-se ao exequente na prtica do acto que ele tenha negligenciado, prosseguindo com a execuo at que o exequente retome a prtica normal dos actos executivos subsequentes.

    7. Tambm os mecanismos da realizao do valor do bem penhorado foram simplificados. A primeira simplificao consistiu em facilitar a adjudicao dos bens. No direito ainda vigente, requerida a adjudicao pelo exequente ou por um credor reclamante, tal sempre publicitado, com a indicao do preo oferecido, a fim de se obterem propostas em carta fechada, seguindo-se as formalidades da venda judicial. Este procedimento manteve-se, em regra, mas com uma importante excepo: sendo objecto do pedido de adjudicao um direito de crdito pecunirio no litigioso, o valor da adjudicao apurado em funo do valor da prestao devida, efectuado, quando o crdito no estiver vencido, o desconto correspondente ao perodo a decorrer at ao vencimento; dispensado o recebimento de outras propostas de aquisio (art. 875-5) e no admitida a reclamao de crdito provido de privilgio creditrio geral, se o requerente pretender que a adjudicao lhe seja feita a ttulo de dao em cumprimento, total ou parcial (art. 865-4-c); s assim no ser se o requerente pretender que se proceda, nos termos gerais, ao recebimento de propostas em carta fechada, com base no preo que oferea. Passa, por outro lado, a ser admitida a adjudicao do direito de crdito a ttulo pro solvendo, mediante suspenso da instncia at ao vencimento, quando o requerente assim pretenda e os restantes credores no se oponham (art. 875-6).

    Facilitada tambm a consignao de rendimentos, que passa a ser requerida ao agente de execuo, que a efectua por comunicao conservatria (art. 879-4). Quanto venda, so sobretudo de registar:

    A abolio do despacho judicial a orden-la; A circunscrio da venda por propostas em carta fechada venda de imveis e de estabelecimento comercial, a primeira sempre presidida pelo juiz e a segunda s quando ele assim determine (arts. 889-1 e 901-A); A exigncia, ao proponente, da apresentao, com a proposta, de cheque visado ou garantia bancria correspondente a 20% do valor-base da venda (art. 897-1), o mesmo sendo exigido ao titular do direito de preferncia que o exera (art. 896-3) e ao remidor (art. 913-2), quando no direito actual nada exigido ao proponente no momento da apresentao da proposta (o que tem sido fonte de graves problemas) e, em inexplicvel desigualdade, exigido ao preferente ou remidor o depsito imediato da totalidade do preo; A criao, em compensao, da modalidade da venda em depsito pblico, reservada a bens mveis que para ele hajam sido removidos; A entrega da realizao da venda por negociao particular ao solicitador de execuo, por acordo de todos os credores ou, na falta de acordo ou havendo oposio, por determinao do juiz (art. 905-2).

    8. A reforma da aco executiva acompanhada da modificao de vrios preceitos, substantivos e processuais. Refiro as alteraes mais relevantes:

    Em substituio do regime de citao postal simples institudo pelo DL 183/2000, de 10 de

  • Agosto, , em qualquer espcie de aco, entregue ao solicitador de execuo, aps a frustrao da citao por carta registada com aviso de recepo, a citao pessoal do ru, em regime semelhante ao da citao por funcionrio judicial (art. 239); No entanto, nas aces para cumprimento de obrigao pecuniria de montante no superior alada do tribunal da relao, emergente de contrato reduzido a escrito em que as partes tenham convencionado um domiclio para o efeito de citao, bem como sempre no processo de injuno e na aco declarativa especial para cumprimento de obrigaes pecunirias emergentes de contrato, a citao por via postal considera-se feita, no s quando o citando recuse a assinatura do aviso de recepo ou o recebimento da carta, mas tambm quando, devolvido o expediente por o destinatrio no o ter levantado no estabelecimento postal ou por ter sido recusada a assinatura do aviso de recepo ou o recebimento da carta por pessoa diversa do citando, uma segunda carta registada no seja recebida (art. 237-A, n.os 3 a 5; art. 1-A do regime anexo ao DL 269/98, de 1 de Setembro); Nos casos de domiclio convencionado, s h falta de citao por desconhecimento do acto quando, alm desta prova, seja feita a da ocorrncia da mudana de domiclio em data posterior quela em que o destinatrio alegue terem-se extinto as relaes emergentes do contrato (art. 195-2), com o que os efeitos e nus decorrentes da conveno de domiclio ficam circunscritos, como justo, ao tempo de durao do contrato; O art. 819 CC passa a assimilar o arrendamento aos actos de disposio ou onerao dos bens penhorados praticados aps a penhora, tornando-o inoponvel execuo, por, sobretudo no caso de arrendamento vinculstico, a limitao dele resultante poder ser to gravosa como a resultante da constituio dum direito real; Concede-se de novo ao liquidatrio, no processo de falncia, a legitimidade para impugnar os crditos reclamantes (art. 192 CPEREF), que no tinha desde que ela lhe tinha sido retirada pelo DL 132/93, de 23 de Abril; A liquidao da obrigao, quando a condenao tenha sido no cumprimento de obrigao ilquida, passa a ser feita na aco declarativa, que para o efeito se renova aps o trnsito em julgado, constituindo a sentena ttulo executivo s depois da liquidao efectuada (arts. 47-5, 378-2 e 661-2); O patrocnio obrigatrio , na aco executiva, alargado s execues de valor compreendido entre a alada do tribunal de comarca e a alada da Relao, podendo nelas ser exercido por advogado, advogado estagirio ou solicitador (art. 60-3); Admite-se o despacho liminar na aco declarativa, quando a secretaria suscite a interveno do juiz por se lhe afigurar manifesta a falta dum pressuposto processual insuprvel de conhecimento oficioso (art. 234-A-5), assim se indo ao encontro de algumas dvidas e crticas que tm sido opostas supresso incondicionada do despacho liminar na aco declarativa; reintroduzida a carta registada na notificao para comparecimento de testemunhas, peritos e outros intervenientes acidentais, que o DL 183/2000 tinha suprimido (art. 257-1); dispensada a aco civil prvia ao recurso de reviso de sentena, onde, consequentemente, passa a conhecer-se dos fundamentos da falsidade e da nulidade ou anulao de confisso, desistncia ou transaco (arts. 301-2, 471-2 e 771); Reintroduz-se a apreciao imediata da reclamao contra a seleco da matria de facto, que na reviso de 1995-1996 tinha sido postergada para o incio da audincia final (art. 508-B-2); Introduz-se, no processo declarativo ordinrio, a regra do efeito meramente devolutivo do recurso de apelao (art. 692); Confere-se ao tribunal arbitral a competncia para decidir sobre o objecto do litgio que lhe submetido, terminando com a dilatria atribuio de competncia para tal ao tribunal judicial (arts. 11-3 LAV e 12-4 LAV).

    Perdeu-se, ao invs, a oportunidade para algumas alteraes de lei que se impunham. Assim, por exemplo: continua o direito de reteno do promitente comprador de prdio urbano ou sua fraco a prevalecer (sem qualquer registo) sobre a hipoteca anteriormente constituda, em termos violadores do princpio da confiana e propiciadores de grandes fraudes; continua a penhora fiscal a prevalecer sobre a penhora civil, embora o Tribunal Constitucional j tenha julgado inconstitucional a norma que determina a impenhorabilidade dos bens penhorados pelas Reparties de Finanas; mantm-se desprotegido o autor da aco pauliana perante transmisses efectuadas na pendncia da instncia, por no se ter facultado o registo da aco. Resta esperar que sobre estes e outros pontos haja ainda intervenes legislativas

  • avulsas que, melhor garantindo a realizao dos direitos, contribuam para dignificar a justia e os tribunais.

    Notas: (1) Para desenvolvimento, ver o meu estudo A Reviso do Cdigo de Processo Civil e o Processo Executivo, in O Direito, 1999, 1-11, ps. 15-27, ou em republicao, nos meus Estudos de Direito Civil e Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, ps. 707-719.

    (2) Primeiro, o DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, foi apressadamente publicado antes do termo do XII Governo Constitucional. Depois, com a elaborao do DL 180/96, de 25 de Setembro, o XIII Governo Constitucional pretendeu corrigir e aperfeioar a reviso anterior, sem adiar muito o momento da sua entrada em vigor.

    (3) No que a lei processual esteja na origem da crise da Justia, para a qual concorrem sobretudo factores extrnsecos ao Direito e factores de organizao judiciria. Mas uma lei processual adequada sociedade humana a que se aplica um importante factor na recuperao da crise.

    (4) A Reforma da Aco Executiva/Relatrio do Observatrio Permanente da Justia Portuguesa, Ministrio da Justia, Maro de 2001, ps. 225-227. Os dois tipos de entidades so apresentados em alternativa: de um lado, a autoridade pblica de execuo, servio pblico com personalidade jurdica, maneira sueca, cujos funcionrios poderiam ser oficiais de justia em comisso de servio; do outro, o agente de execuo, auxiliar da justia de natureza privada e fins pblicos, maneira do huissier de justice francs, a recrutar entre licenciados em direito, economia ou gesto e solicitadores ou advogados que optassem por essa profisso.

    (5) Ver a minha comunicao sobre Os Paradigmas da Aco Executiva, in Revista da Ordem dos Advogados, 2001, II, ps. 543-545 e 550-552, ou, em republicao, nos meus Estudos cit., ps. 787-789 e 794-796. Ver, em sentido semelhante, a comunicao de TEIXEIRA DE SOUSA, subordinada ao mesmo ttulo, ponto VI.

    (6) Art. 812: O requerimento executivo apresentado na secretaria de execuo: a) nos casos do artigo 809. [execuo baseada em deciso judici al ou arbitral; requerimento de injuno com frmula executria; documento exarado ou autenticado por notrio, ou documento particular com reconhecimento presencial da assinatura do devedor, mediante prova da interpelao do devedor, quando necessria ao vencimento da obrigao], pelo solicitador de execuo [a entidade privada, correspondente ao huissier francs, pela qual se optou], aps as diligncias referidas nos artigos 819. a 821. [co nsulta prvia da lista de pessoas sem patrimnio conhecido e do registo informtico de execues]; b) nos casos do artigo 810. [execuo baseada em outros ttulos], pelo exequente. Nunca havia, porm, despacho liminar, salvo se o oficial de justia solicitasse a interveno do juiz, por ter dvidas sobre a suficincia do ttulo ou crer que ocorresse excepo dilatria, no suprvel e de conhecimento oficioso, ou manifesta inexistncia da obrigao exequenda (art. 818); como o executado nunca seria inicialmente citado para a execuo, s depois da penhora, efectuada pelo agente de execuo (solicitador de execuo ou oficial de justia, consoante o tipo de ttulo executivo) sem precedncia de despacho judicial, poderia o executado opor-se, execuo ou penhora, com a consequncia, de algum modo compensatria, de o recebimento da oposio suspender sempre a execuo (arts. 872-1 e 881). O cordo umbilical no era cortado, mas os actos de apreenso de bens no eram precedidos de qualquer despacho judicial e o controlo do juiz s podia, salvo o caso indicado, ter lugar a posteriori. Grosso modo, estendia-se assim a todos os casos a soluo que era, desde a reviso de 1995-1996, privativa do processo executivo sumrio, mas sem o despacho liminar, que a reviso tinha mantido como meio de controlo inicial de qualquer execuo.

  • (7) LOPES DO REGO, que trouxe baila o acrdo n. 102/2000, de 22 de Maro, do Tribunal Constitucional, que s no declarou inconstitucional o art. 1. do DL 274/97 na medida em que o seu mbito de aplicao se circunscrevia s execues de valor inferior alada da 1. instncia, que nele no era possvel penhorar bens de valor particularmente relevante e que no dispensava o despacho liminar. Em crtica mais moderada, defendeu-se que apenas havia que salvaguardar os casos de execuo baseada em ttulo extrajudicial menos forte, que no deveriam dispensar a citao prvia ou mesmo o despacho liminar (LEBRE DE FREITAS).

    (8) A crtica veio sobretudo da Ordem dos Advogados.

    (9) LEBRE DE FREITAS, sob o ponto c).

    (10) LOPES DO REGO, considerando que o projecto lhe concedia um amplo e irrestrito acesso.

    (11) LOPES DO REGO, criticando a soluo da legitimao do agente de execuo por um auto de penhora por ele elaborado, em substituio da actual legitimao do funcionrio judicial por um prvio despacho judicial.

    (12) LEBRE DE FREITAS, sob o ponto i).

    (13) Veja-se a nota justificativa da proposta de redaco do art. 465-2 no meu estudo referido supra, nota 1, p. 43 (p. 735 da reedio): a penhora imediata, sob nomeao do exequente, natural consequncia da existncia do ttulo executivo; mas, como hbito nas legislaes processuais estrangeiras, deve mostrar-se que o pagamento da dvida foi exigido ao devedor, independentemente de j anteriormente ter ocorrido o vencimento. Compreende-se, porm, que o grau da exigncia varie consoante o valor em dvida. Para s referir o exemplo alemo, quando a execuo de sentena, o juiz s intervm em caso de litgio; mas, quando a execuo se baseia em outro ttulo, o juiz exerce tambm uma funo de controlo prvio, emitindo a frmula executiva, sem a qual o processo executivo no desencadeado.

    (14) O arresto, como qualquer outra providncia cautelar, pode ser requerido na dependncia, no s da aco declarativa, mas tambm da aco executiva (arts. 383-1 e 391-1). A reforma da aco executiva permite alcanar um resultado semelhante mediante a solicitao da dispensa da citao prvia do executado, nos casos em que devia ter lugar, com fundamento no receio justificado de perda da garantia patrimonial do crdito (art. 812-B-2): provado o periculum in mora (prova desnecessria quando, no registo informtico de execues, conste a frustrao de execuo anterior contra o mesmo executado), a penhora efectuada sem audio prvia do executado, assim se conseguindo, com idntico secretismo, o mesmo efeito de garantia que o arresto asseguraria. A especial dificuldade em efectuar a citao permite que o pedido de dispensa da citao seja super veniente ao requerimento executivo. O arresto continua, de qualquer modo, a ser utilizvel nos casos em que a dispensa da citao prvia no constitua garantia suficiente. Assim acontece, por exemplo, quando, sendo executado o devedor subsidirio, a necessidade de previamente excutir os bens, ainda que insuficientes, do devedor principal leva ao conhecimento do devedor subsidirio, cujo patrimnio haja o justo receio de que venha a ser ocultado, a eminncia duma penhora ainda no efectuada.

    (15) No regime anterior, entendia-se que o silncio do terceiro valia como acertamento definitivo da dvida para o efeito da execuo, o que podia ser fonte de grave injustia, cometida contra um terceiro relativamente execuo (ver LEBRE DE FREITAS, O silncio do terceiro devedor, ROA, 2002, II, ps. ).

  • (16) Este objectivo aparece assinalado no Relatrio do Observatrio Permanente da Justia, cit., p. 207 (proposta A-h), e teve traduo em vrias disposies dos projectos do anterior Governo. A alterao assinalada mais no constitui do que uma extenso do que j anteriormente se previra.

    (17) Mais radicalmente, chegou a ser proposta a incompatibilidade da funo com o exerccio de qualquer mandato judicial, abrangendo, portanto, tambm o campo da aco declarativa.

    (18) Tratava-se, desde a reviso de 1995-1996, de casos em que se seguia o processo sumrio de execuo, continuando no processo ordinrio, aplicvel em todos os outros casos, a seguir-se o regime tradicional de nomeao de bens penhora (pelo executado e s depois pelo exequente).

    (19) Notificao lhe chamava a lei (art. 926-1), embora submetendo-a expressamente ao regime da citao (art. 926-4). A designao no se compreendia muito bem, em face do art. 228-1.

    (20) Ver LEBRE DE FREITAS, A Aco Executiva, Coimbra, Coimbra Editora, 2001, 12 (76) e 21(1).

    (21) Foi abandonada a ideia do projecto do Governo anterior consistente em sancionar criminalmente a declarao, omissiva ou errnea, do executado: funcionando, como se sabe que funcionam, as instituies criminais, a sano penal seria, na maioria dos casos, incua; mas j a sano pecuniria compulsria, s sendo aplicada quando so descobertos bens penhorveis, pode vir a doer.

    (22) No projecto anterior, era estabelecida uma ordem, rgida na primeira verso, mas a breve trecho maleabilizada (quando tal no se mostre inconveniente para os fins da execuo), a observar na efectivao da penhora. Assim, esta deveria comear pelos depsitos bancrios e s quase em ltimo lugar podia atingir os bens imveis (art. 834-2). Estando o exequente interessado na mais clere e eficaz forma de realizao do seu direito, a imposio de uma ordem a observar, embora justificada com o interesse pblico na eficincia das execues, no era o caminho mais aconselhvel, at pelo pretexto que fornecia invocao de nulidades processuais. Por outro lado, a preferncia pela penhora dos depsitos bancrios jogava, no anterior projecto, com a criao duma entidade que dispunha de informao centralizada sobre todos os depsitos existentes nas vrias instituies bancrias e executaria, ela prpria, por meios informticos, a paralisao dos pertencentes ao executado que fossem necessrios ao pagamento; ora o projecto de criao desta entidade teve de ser abandonado, por razes, nomeadamente (segundo o importante grupo bancrio que originou o abandono), de concorrncia interbancria internacional. Ficmos assim espera de que, neste domnio, haja iniciativas relevantes escala europeia.

    (23) Verificaram-se, sobretudo, antes da reviso de 1995-1996, visto que o art. 832 determinava ento que, em caso de dvida do funcionrio encarregado da penhora sobre a propriedade do bem, que o executado declarasse pertencer a terceiro, o tribunal decidiria, depois de ouvidos o exequente e o executado e feitas as diligncias necessrias. Aps a reviso de 1995-1996, passou a caber ao funcionrio averiguar a que ttulo os bens se encontravam em poder do executado e, em caso de dvida, efectuava a penhora, cabendo apenas ao tribunal decidir se ela era de manter ou no.

    (24) A soluo foi inspirada no direito italiano, onde vigora a presuno de que os bens encontrados na casa, no estabelecimento ou no escritrio do executado lhe pertencem (art. 621 CPC it.), em regra s afastvel por documento escrito com data certa anterior penhora.

  • (25) Anteriormente, havia na doutrina quem entendesse possvel, em embargos de executado deduzidos pelo executado, que para eles requeresse o chamamento do seu cnjuge, a formao de ttulo executivo contra este. Mas, dominantemente, era entendido que tal no era possvel e que, sem prejuzo do chamamento do cnjuge do ru, a requerimento deste, para intervir na prvia aco declarativa (art. 329-1), ao credor que quisesse executar como comum a dvida, quando s contra um cnjuge tivesse ttulo, no restava outra soluo seno a propositura da aco declarativa contra ambos.

    (26) No dispondo de informao centralizada, o Banco de Portugal servia de caixa de correio intermediria e o banco em que o depsito se encontrasse j normalmente no o tinha quando, veiculada a informao ao tribunal e feita finalmente a comunicao ao banco, era chegado o momento da apreenso.

    (27) Esta excluso no era muito defensvel quanto aos privilgios creditrios especiais.

    (28) Procurava-se evitar o aparecimento de falsos titulares do direito de reteno, na realidade no detentores da coisa penhorada, pois os que realmente a detivessem no deixariam de dar conta de si no acto da apreenso. Esqueceu-se, porm, que a penhora, no caso de imveis, se considerava feita com o termo de entrega ao depositrio, do qual o credor com direito de reteno normalmente no tinha conhecimento, s depois se seguindo, e no sempre, a apreenso contratual efectiva do bem.

    (29) A pluralidade de publicaes no processo executivo (publicao para citao do executado, quando no fosse conhecido o seu domiclio; publicao para citao de credores desconhecidos; publicao para a venda dos bens) era um dos pontos criticveis do direito anterior (LEBRE DE FREITAS, Estudos cit., p. 720)

    (30) Ver LEBRE DE FREITAS, Estudos cit., ps. 754 e 756.

    (31) O Tribunal Constitucional j decidiu, com fora obrigatria geral, que inconstitucional a situao privilegiada do credor com privilgio creditrio imobilirio geral na aco executiva (ac. 403/02, de 16 de Outubro, quanto ao art. 104 do Cdigo do IRS; ac. 404/02, de 16 de Outubro, quanto ao art. 2 do DL 512/76, de 3 de Julho, relativo Segurana Social).

    (32) Ver LEBRE DE FREITAS, Estudos cit., ps. 762-763. Visava-se acabar com o aproveitamento dos resultados da aco executiva, custa do exequente, por credores ocultos do executado, aparecidos a reclamar aps a penhora, fosse qual fosse o bem penhorado.

    (33) O Conselho de Ministros ignorou o juzo de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional.

    (34) Tive ocasio de propor que, em vez desta aco, sem cuja deciso definitiva a graduao de crditos no feita (art. 869-1), se admitisse o credor sem ttulo executivo, mas com garantia real sobre o bem penhorado, a reclamar directamente na execuo, assim se suprimindo, como pressuposto da reclamao de crditos, a exigncia, que outros pases no conhecem, do ttulo executivo do credor reclamante (Estudos cit., ps. 756-757 e 760). Esta soluo implicaria que a aco de verificao e graduao de crditos fosse um pouco mais garantstica no caso de haver reclamao sem ttulo executivo, mas o que com isso se perderia seria largamente compensado com a vantagem de no haver duplicao de meios, evitando frequentes e enormes atrasos do processo executivo.

    (35) Torna-se ntida a desproteco de situaes como a do pretenso titular de direito de reteno que proponha contra o executado aco de reconhecimento do seu direito, baseado

  • em incumprimento de contrato-promessa relativo ao bem penhorado, e nessa aco seguidamente obtenha, porventura atravs de confisso do pedido, sentena de reconhecimento do direito indemnizao e do direito de reteno que o garante, a fim de se colocar, na graduao de crditos, frente do exequente credor hipotecrio, sem que este possa mais questionar a existncia do direito indemnizao ou da tradio da coisa prometida para o promitente comprador.