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LEI Nº 10.267/2001 E GEORREFERENCIAMENTO: aplicação do instituto e suas repercussões Júlia Gomes de Azevedo

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LEI Nº 10.267/2001 E GEORREFERENCIAMENTO:

aplicação do instituto esuas repercussões

Júlia Gomes de Azevedo

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CONSELHO EDITORIAL

Ana Maria de MenezesFábio Alves dos Santos

Jorge Carvalho do NascimentoJosé Afonso do Nascimento

José Eduardo FrancoJosé Rodorval Ramalho

Justino Alves LimaLuiz Eduardo Oliveira MenezesMartin Hadsell do Nascimento

Rita de Cácia Santos Souza

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Aracaju | 2018

LEI Nº 10.267/2001 E GEORREFERENCIAMENTO:

APLICAÇÃO DO INSTITUTO E SUAS REPERCUSSÕES

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Editoração EletrônicaAdilma Menezes

Capa© Kheng Ho Toh | Dreamstime.com

Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, com finalidade de comercialização ou aproveitamento de lucros ou vantagens, com observância da Lei de regência. Poderá ser reproduzido texto, entre aspas, desde que haja expressa marcação do nome da autora, título da obra, editora, edição e paginação.A violação dos direitos de autor (Lei nº 9.619/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código penal.

Catalogação Claudia Stocker – CRB5-1202

Azevedo, Júlia Gomes de A994l Lei nº 10.267/2001 e georreferenciamento: aplicação

do instituto e suas repercussões / Júlia Gomes de Azeve-do.- Aracaju: Criação, 2018.

75 p. 21 cm ISBN 978-85-8413-207-2

1. Direito imobiliário. 2. Geomática-Georreferencia-mento 3. Imóvel Rural

I. Título II. Júlia Gomes de Azevedo III. Assunto

CDU 347.235

© 2018, Júlia Gomes de Azevedo

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Eles quiseram falar mas não conseguiram. As lágrimas estavam em seus olhos. Os dois

eram pálidos e magros; mas nesses rostos doentes e pálidos já raiava a aurora de um

futuro renovado, pleno de ressureição e vida nova. O amor os ressuscitara, o coração de um continha fontes infinitas de vida para o

coração do outro.

Fiódor Dostoiévski (Crime e Castigo)

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AGRADECIMENTOS

Não vejo sentido em agradecimentos vazios. Agrade-cer somente para agradar não me agrada. Então vou

dizer pelo que e por quem sou grata sem qualquer res-quício de desonestidade. Bem, há cerca de 2 ou 3 anos, depois de ler (e reler, e reler...) as últimas linhas escritas por Dostoiévski em Crime e Castigo, minha mente ficou um bom tempo pairando numa espécie de epifania – aquela súbita sensação de ter compreendido a essência de algo. Passado esse efeito, decidi que deveria tornar concreta a importância desse livro na minha vida, de um jeito mais formal (e discreto) do que apenas gritar para o mundo o quanto eu tinha gostado dele. E foi aí que resolvi juntar uma paixão literária com a obrigação de produzir o meu trabalho de conclusão de curso. Os semestres foram passando e a ideia continuava comi-go, mas chegado o momento de concretizá-la, algumas infelizes circunstâncias me “forçaram” a deixar de lado esse projeto. Nos dias que antecederam essa decisão, eu sentia que dentro de mim duas almas travavam um embate e eu não conseguia sair do lugar: arriscar e fazer o que eu sempre quis ou fazer o que era preciso no mo-mento? Então, primeiramente, devo agradecer à pessoa que mais foi decisiva nesse momento: o meu pai (“dis-cípulo de Raimundo Laranjeira”, como ele gostaria de ser chamado), que praticamente me forneceu um ban-

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co de temas até que eu encontrasse algum com o qual me sentisse confortável. Não contente, ele trouxe um extenso material bibliográfico do “sertão”, diretamente da biblioteca do seu sócio e velho amigo da nossa famí-lia, o advogado Romilton Carvalho, a quem também não posso deixar de ser grata. Por ter escolhido um tema re-lacionado com a área de Engenharia, não poderia deixar de lado minha irmã Deba, a quem admiro muito porque sempre buscou crescer profissionalmente sem esquecer os valores éticos ensinados por nossos pais. À Ana, mi-nha musa inspiradora, companheira, melhor amiga. E à Vida...Ah, Vida é simplesmente Vida! Não existem pala-vras para agradecer o sentimento de ser amado e cuida-do pela minha Mãe. É a pessoa que mais acredita - mais do que eu mesma - no meu sucesso. Eu poderia escre-ver mais uma página contando sobre os obstáculos que encontrei nesse processo, mas decidi por terminar esse texto agradecendo com muita sinceridade à pessoa que me deu um SIM - depois de tantos “nãos” - a professora Maria Laura Oliveira Gomes.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................11

2 DIREITO REGISTRAL IMOBILIÁRIO .................................14 2.1 Considerações Iniciais ................................................14 2.2 Da Propriedade ............................................................16 2.3 Do Registro Imobiliário ..............................................17 2.3.1 Conceito e Evolução Histórica ............................17 2.3.2 Efeitos ..........................................................................23

3 GEORREFERENCIAMENTO ................................................34 3.1 Contexto Histórico .......................................................34 3.2 Conceitos Técnicos e Procedimento......................36 3.3. Análise dos Prazos ......................................................42

4 APLICAÇÃO DO INSTITUTO .............................................48 4.1 Georreferenciamento nos Autos Judiciais ..........48 4.1.1 Noções Introdutórias .......................................48 4.1.2 Ação de Usucapião ..........................................50 4.1.3 Ação de Desapropriação ................................57 4.2 Críticas Doutrinárias ....................................................62

CONSIDERAÇÕES .....................................................................68

FINAIS REFERÊNCIAS ...............................................................71

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1 INTRODUÇÃO

É da essência do ser humano querer ter o domínio sobre aquilo que o cerca, em especial sobre os bens corpó-

reos, mas não apenas em relação a estes. Muitas vezes, o desejo humano de dominar se expande para o mundo das ideias, e nem elas escapam de serem subjugadas, rotuladas como pertencentes a alguém. Digressões à parte, esse “rótulo”, fundamental para afirmar perante a sociedade o direito de propriedade, foi adquirindo certa formalidade ao longo das épocas.

Assim, a necessidade de formalizar e tornar público o título de propriedade e de poder reivindicá-lo legiti-mamente de quem o violou deu origem ao sistema de registro, que sempre buscou desde o seu nascimento a configuração de uma espécie de “catálogo” revesti-do de autenticidade que pudesse ser juridicamente seguro.

No tocante aos bens imóveis, os quais permearão o nú-cleo do presente trabalho, é possível ir além e refletir que a própria impossibilidade fática de “carregar” um imóvel para qualquer lugar que o indivíduo se desloque exige que o bem seja amplamente protegido pelas nor-mas jurídicas. Afinal, é até inimaginável a situação caóti-ca que se tornaria uma sociedade em que a propriedade

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de imóveis carecesse de proteção jurídica; a todo tempo um imóvel seria usurpado do seu dono.

Apesar da reconhecida importância de diversos diplo-mas legais na evolução do sistema registral brasileiro, que serão abordados em momento oportuno, a siste-matização do registro público só veio a ocorrer de fato com a Lei nº 6.015 de 1973, cujas inovações, juntamente com o advento do Código Civil de 2002, consagraram o registro imobiliário como requisito para aquisição de bens imóveis no Brasil.

No meio rural, mesmo com o amparo da referida lei e de toda a normatização específica vigente, sempre exis-tiram muitos casos de sobreposição de áreas, tornando cada vez mais caótica a situação fundiária do país. A “grilagem” de terras atingiu patamares absurdos, e toda a sociedade, inclusive a internacional, clamava por mu-danças.

Foi então que, em 2001, surgiu a Lei nº 10.267, fruto de anseios políticos, econômicos e sociais, que trouxe ao âmbito registral, o Georreferenciamento, um sistema inovador de medição de terras. Como se sabe, as ma-térias do conhecimento humano precisam umas das outras para alcançar certo nível de desenvolvimento, portanto, a interdisciplinaridade entre o Direito Registral Imobiliário e o que há de mais moderno na Engenharia significa a busca do legislador pelo alcance máximo da norma.

Com isso, no presente trabalho de conclusão de curso, procura-se delinear principalmente a partir de pesquisa bibliográfica e documental, a evolução do Direito Regis-tral Imobiliário até se chegar à aplicação do Georreferen-ciamento, e mais especificamente, à sua exigência em

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determinadas ações judiciais, construindo assim uma análise crítica desse sistema jurídico.

Tal instituto, apesar de obrigatório por força de lei, não é frequentemente analisado em suas minúcias pela dou-trina quando do estudo do registro de imóveis rurais. Por esse motivo, no terceiro capítulo far-se-á um emba-te de relevantes julgados jurisprudenciais, com vistas a elucidar os pontos controversos e chegar a um enten-dimento conclusivo que possa enriquecer as discussões atuais acerca do tema.

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2DIREITO REGISTRAL IMOBILIÁRIO

2.1 Considerações Iniciais

O Direito Registral Imobiliário constitui-se como um conjunto de normas jurídicas e princípios referentes ao registro de imóveis e mais especificamente, à ação do serventuário na sua função de registrar imóvel. No as-pecto material, fala-se que ele compreende a “transfor-mação dos direitos reais sobre bens de raiz [...]”1.

Conforme preleciona Carlos Roberto Gonçalves2, exis-tem espécies de atos e fatos jurídicos que, por imposição legal, devem ser conhecidos por todos, seja de forma real ou presumida. Tal necessidade implica na importân-cia do registro, como forma de resguardar a estabilida-de do domínio, preservar a segurança jurídica e tornar possível a verificação estatal do direito de propriedade através de um controle dos atos praticados pelo titular em relação a outros titulares.

1 DINIZ, Maria Helena. Sistema de Registros de Imóveis. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 12.

2 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil, Volume 5: Direito das Coisas. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

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Diferentemente do que foi estabelecido nos códigos francês e italiano, o Código Civil de 1916 passou a exigir, para a transferência do domínio, não apenas o acordo entre as partes, como também o seu registro, filiando-se ao sistema germânico. Todavia, há de se ressalvar que foi uma filiação parcial, uma vez que no sistema germâni-co o registro tem valor absoluto, enquanto aqui existe apenas uma presunção juris tantum, isto é, relativa de veracidade3.

O Código Civil de 2002 manteve o entendimento trazido pelo diploma de 1916. Assim, no ordenamento jurídico brasileiro, o registro imobiliário é requisito para aquisi-ção de propriedade de bens imóveis, conforme previsto nos artigos 1227 e 1245 do Código Civil4.

Antes de aprofundar o estudo do registro de imóveis, é necessário fazer uma breve abordagem sobre a proprie-dade, tendo em vista o seu caráter de “direito real por ex-celência”, na dicção de Washington de Barros Monteiro apud Carlos Roberto Gonçalves5.

Com isso quer-se dizer que a propriedade é considerada

3 Ibid., p. 299.

4 Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do títu-lo translativo no Registro de Imóveis.

§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

§ 2º Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.

5 GONÇALVES, op. cit., p. 228.

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como um direito primário, do qual decorrem os demais direitos reais. Ou seja, dentro do panorama dos direitos reais, ela se reveste de plenitude, abrangendo todas as categorias6. No Brasil, tão notável é a sua importância, que o direito à propriedade está protegido constitucio-nalmente pelo art. 5º, caput e pelo art. 170 da Carta Mag-na de 19887.

2.2 Da Propriedade

O Código Civil de 2002 não trouxe um conceito especí-fico de propriedade, tendo descrito, contudo, os pode-res inerentes ao proprietário, donde se podem extrair as suas nuances. Veja: “art. 1.228 – O proprietário tem a facul-dade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê--la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.” Dessa forma, a presença de todos os referidos elementos constitutivos legitima o indivíduo como pro-prietário pleno da coisa.

O direito de usar (jus utendi) dá ao seu titular a faculda-de de utilizar a coisa como lhe convier, enquanto pelo elemento jus fruendi, isto é, direito de gozar ou fruir, ele poderá perceber os frutos naturais e civis e aproveitá-los

6 DINIZ, op. cit., p. 12.

7 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabi-lidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...].

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade [...].

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economicamente. O poder de transferir a coisa, onerá--la ou aliená-la está reunido no jus abutendi, e, por fim, existe a proteção específica da propriedade, consagrada pelo direito de reaver8.

Com efeito, a partir da referida previsão legal, é possível chegar a um conceito de propriedade imobiliária. Maria Helena Diniz9 ensina:

Com base nas considerações acima feitas, poder--se-á definir propriedade imobiliária como sendo o direito que a pessoa física ou jurídica tem, den-tro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem imóvel por natureza, por acessão fí-sica artificial ou intelectual e por determinação legal [...] e de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha.

Por meio dessa definição, fica fácil perceber que o re-gistro foi a forma encontrada pela sociedade - como conjunto dos fatores social, cultural, econômico - para resguardar cada uma das faculdades pertencentes ao proprietário do imóvel da maneira mais autêntica possí-vel, além de servir de “escudo” contra a violação da pro-priedade em si mesma.

2.3 Do Registro Imobiliário

2.3.1 Conceito e Evolução Histórica

O registro imobiliário é o poder legal conferido aos agentes do ofício público para conhecer a situação ju-

8 GONÇALVES, op. cit., p. 230.9 DINIZ, op. cit., p. 02.

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rídica dos imóveis sob a ótica dos direitos reais que o gravam, praticando os atos necessários para assegurar a aquisição e exercício do direito de propriedade. Sua função precípua é a de especificar o imóvel registrado e os demais direitos que sobre ele recaírem, priorizan-do a publicidade. Nesse contexto, pode-se afirmar que o nascimento do registro imobiliário se deu a partir da necessidade social de tornar pública a transferência da propriedade10.

O marco histórico do sistema registral encontra-se crava-do nos feudos, cujos proprietários - os senhores feudais – criaram formas de registros para controlar a distribui-ção de suas terras aos vassalos, os quais eram detentores apenas do domínio útil. Ao longo do tempo, esse con-trole passou a ser exercido pelo Estado, o que possibi-litou a evolução para o sistema de registros públicos na forma que se conhece atualmente11.

No Direito Romano, a necessidade de publicidade não existia, uma vez que a venda e a transferência do bem eram conceitos jurídicos que não se confundiam, esta-vam dissociados um do outro.

Por sua vez, no Direito Francês, houve uma verdadeira assimilação entre a obrigação de dar e a efetiva entre-ga da coisa, contudo, exigia-se publicidade apenas em relação às doações e substituições. Assim, em 1855, foi criada uma lei determinando a transcrição para os atos translativos entre vivos de direitos suscetíveis de hipote-

10 DINIZ, op. cit., p. 11.11 ANGIEUSKI, Plínio Neves. Evolução da propriedade imobiliária rural no Brasil, regularização fundiária, registro imobiliário e georreferencia-mento: questões de Direitos Humanos. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 121. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>. Acesso em: 25 set. 2014.

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ca, e posteriormente houve alargamento do domínio da transcrição com o Decreto-lei de 1935.

Já no Direito Germânico, o édito de 28 de setembro de 1693, de Frederico I, pelo qual deveria ser feita a inscrição distinta de todos os bens das cidades de Colônia e Berlim mediante um registro sucessório e cadastral, promoveu o sistema de publicidade do registro. Mormente estivessem assegurados os princípios da publicidade, especialidade e legalidade, faltava-lhe o da força probatória, que foi intro-duzido pelo Código Prussiano de 179412.

No que se refere à evolução histórica do registro imobili-ário no Brasil, tem-se que, segundo afirma Maria Helena Diniz13, “com o descobrimento do Brasil, em 1500, inicia--se a história da propriedade imobiliária brasileira, uma vez que todas as terras passaram ao domínio público”. Nessa época, aos donatários que governavam as Capi-tanias Hereditárias era permitido fazer doações de ter-ras, que foram chamadas de sesmarias, como estímulo para a ocupação do território. Assim, a propriedade não existia como nos padrões atuais, porque na verdade as relações econômicas giravam em torno da posse14.

O sistema sesmarial perdurou até o ano de 1822, quan-do então foi suspenso. Após a proclamação da indepen-

12 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Tratado dos registros públicos, Volume 1: em comentário ao Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939, com as alterações introduzidas pelo Decreto nº 5.318, de 29 de novembro de 1940 e legislação posterior em conexão com o Direito Privado Brasileiro. 6ª ed. revista e atualizada pelo Prof. José Serpa de Santa Maria. Brasília: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1997, p. 43-44.13 DINIZ, op. cit., p. 14.

14 MELO, Marcelo Augusto Santana de. Breves anotações sobre o Registro de Imóveis. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 429, 9 set. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/5669>. Acesso em: 20 set. 2014.

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dência do Brasil e o advento da Constituição de 1824, algumas leis foram publicadas na tentativa de resguar-dar a propriedade. A Lei orçamentária nº 317 de 1843 criou o primeiro registro geral de hipotecas, contudo, as hipotecas gerais continuaram a viger, indo de encontro ao intuito da publicidade.

Em seguida, a Lei nº 601 de 1850 tornou obrigatório o registro paroquial de todas as posses de terras devolu-tas, dissociando, assim, os bens do domínio público dos do particular15. Na dicção de Marcelo Augusto Santana de Melo16, “a propriedade nessa época não se transmitia pelo contrato, mas pela tradição, [...] sendo o registro do vigário um controle essencialmente possessório”.

Mais tarde, a Lei nº 1.237 de 1864 instituiu o Registro Geral e a tradição foi substituída pela transcrição como modo de transferência, o que configurou um avanço na formalização do registro, embora este não fizesse pro-va, nem mesmo relativa, da propriedade17. Aqui, insta ressaltar que o Princípio da Publicidade não foi integral-mente aplicado, já que as transmissões por ato mortis causa foram excluídas do registro.

Com o advento do Decreto nº 169-A de 1890, restou consagrado o princípio da especialização e no mesmo ano, o Decreto nº 955-A estabeleceu o sistema de regis-tro imobiliário Torrens. O Código Civil de 1916, por sua vez, trouxe a substituição do Registro Geral pelo Regis-tro de Imóveis e ainda previu a presunção juris tantum da propriedade objeto de transcrição. Posteriormente, surgiram outros diplomas legais que contribuíram para

15 DINIZ, op. cit., p. 15.

16 MELO, op. cit.

17 MELO, op. cit.

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a evolução do registro imobiliário brasileiro, até que este foi regulamentado em 1973 pela Lei dos Registros Públi-cos de nº 6.01518.

A referida lei institui um novo regime jurídico de registro de imóveis, abolindo a transcrição como forma de aqui-sição de domínio, e solidificando, assim, a nomenclatura “registro”. Inclusive, como ensina Carlos Roberto Gonçal-ves19, o Código Civil de 2002 também utiliza o vocábulo registro, “englobando os antigos atos de transcrição e inscrição”.

Deste modo, enquanto na prática cartorária anterior os três atos executados eram a transcrição, a inscrição e a averbação, o advento do novo regime consolidou a matrícula, o registro stricto sensu e a averbação como os atos essenciais de responsabilidade do oficial de registro imobiliário20.

De forma sintética, pode-se dizer que a matrícula confi-gura a descrição do bem registrando, sendo um ato es-tritamente relacionado ao imóvel. Já o registro é o ato realizado posteriormente à matrícula, em que se lançam os atos geradores do domínio e todos aqueles que gra-vem o imóvel de ônus e estabeleçam outros direitos re-ais. Finalmente, a averbação diz respeito ao assentamen-to de eventuais fatos que venham a interferir de algum modo no domínio21.

Pelo exposto, verifica-se que tais normas trouxeram maior segurança aos negócios imobiliários. Veja:

18 DINIZ, op. cit., p. 18.

19 GONÇALVES, op. cit., p. 301.

20 DINIZ, op. cit., p. 42.

21 Ibid., p. 43-45.

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As normas da Lei n. 6015/73 atinentes aos registros pú-blicos, dando guarida a novos elementos e formas, vie-ram a aperfeiçoar e dinamizar o antiquado sistema imo-biliário de registro de imóveis aqui existentes. Dentre as novidades por ela apresentadas, podemos citar a matrí-cula do imóvel, como pré-requisito do registro, o cuida-do com a perfeita identificação das partes e do imóvel e o aprimoramento do processo de retificação22.

Embora seja um sistema geral e obrigatório, o modelo estruturado pela lei supracitada não é o único existente no registro imobiliário brasileiro, havendo mais quatro espécies, quais sejam:

O Torrens, que é um sistema especial regido pelos arti-gos 277 e seguintes da Lei nº 6.015/73 utilizado apenas para imóveis rurais. Segundo Antonino Moura Borges23, ele confere eficácia absoluta ao dominus.

O Rural, que é obrigatório perante o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), por força do art. 46 da Lei nº 4.504/64, alterado pela Lei nº 5.868/72 e Decreto-Lei nº 72.106/73, o qual instituiu o Sistema Na-cional de Cadastro Rural. Esse cadastro específico será obrigatório independentemente do Registro de Imóveis de sua circunscrição24.

O Registro Especial de Imóveis Rurais adquiridos por es-trangeiros, que é regido pela Lei nº 5.709/71 e pelo De-creto nº 74.965/74.

22 DINIZ, op. cit., p. 19.

23 BORGES, Antonino Moura. Registro de Imóveis Comentado. 4ª ed. Campo Grande: Contemplar, 2014, p. 495.

24 DINIZ, op. cit., p. 23.

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Júlia Gomes de Azevedo 23

Por fim, o Registro de propriedade pública da União, Estados e Municípios, o qual se encontra previsto nas Leis nº 5.972/73, 9.821/99, 5.868/72 e no Decreto-Lei nº 72.106/73.

Nesta senda, pode-se deduzir que todas as espécies de registro possuem um ponto em comum - são criadas com dois objetivos principais: o primeiro diz respeito ao controle por parte do Governo, diga-se, um controle tri-butário, já que a propriedade é fato gerador de tributos; o segundo está relacionado ao fato de que o registro é fonte confiável de informação e legitimidade25.

2.3.2 Efeitos

Antes de passar ao estudo dos princípios reitores do Re-gistro de Imóveis, é importante enfatizar três dos seus efeitos principais. O efeito constitutivo tem o condão de provocar a aquisição, alteração ou extinção de direitos, sendo que o registro “então é sem sombra de dúvida, prova de domínio”, como sustenta Antonino Moura Bor-ges26. Ademais, o registro possui eficácia erga omnes, isto é, em relação a terceiros; e sua publicidade possibilita a proteção da boa-fé dos indivíduos que realizarem negó-cios imobiliários. Finalmente, o registro apresenta eficá-cia assecuratória de sua autenticidade, até porque o que se pretende é o alcance da segurança jurídica.

De fato, o fim almejado pelo instituto é um registro que corresponda fielmente ao histórico e à realidade da pro-priedade, entretanto, como é sabido por todos, nada está livre da falibilidade humana. Nesse sentido, os atos

25 BORGES, op. cit., p. 496.

26 BORGES, op. cit., p. 497.

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inerentes ao registro podem conter inexatidões, e Carlos Roberto Gonçalves27 foi preciso ao atribuir como causa o fato de o território brasileiro ser fisicamente muito vasto com “grandes áreas de duvidosa confiabilidade dominial e possessória”. Por isso, a retificação do registro é admis-sível com fulcro no art. 212 da LRP:

Art. 212. Se o registro ou a averbação for omissa, imprecisa ou não exprimir a verdade, a retificação será feita pelo Oficial do Registro de Imóveis com-petente, a requerimento do interessado, por meio do procedimento administrativo previsto no art. 213, facultado ao interessado requerer a retifica-ção por meio de procedimento judicial.

Compactuando com esse entendimento, o art. 1247 do Código Civil também previu a hipótese de retificação.

Constata-se, da análise do dispositivo transcrito alhures, que esse procedimento pode ser feito tanto pela via ju-dicial quando administrativa, porém, esta última nem sempre existiu, tendo sido introduzida pela Lei nº 10.931 de 2004. Ainda que o aludido dispositivo só estabeleça o procedimento administrativo a requerimento da parte, este pode ser realizado ex officio pelo oficial do Registro de Imóveis competente28, observadas as situações des-critas no art. 213, I, “a” a “g” da Lei dos Registros Públicos.

2.3.3 Princípios Informativos

De forma geral, pode-se dizer que os princípios são normas imediatamente finalísticas que estabelecem um

27 GONÇALVES, op. cit., p. 312.

28 GONÇALVES, op. cit., p. 312-313.

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Júlia Gomes de Azevedo 25

status ideal a ser alcançado na aplicação de outras nor-mas do mesmo sistema. Humberto Ávila29, explanando acerca da força normativa dos princípios, destaca o atri-buto da generalidade destes:

Os princípios são, portanto, normas que atribuem fundamento a outra normas, por indicarem fins a serem promovidos, sem, no entanto, preverem o meio para a sua realização. Eles apresentam, em razão disso, alto grau de indeterminação, não no sentido de mera vagueza, presente em qualquer norma, mas no sentido específico de não enume-rarem exaustivamente os fatos em presença dos quais produzem a consequência jurídica ou de demandarem a concretização por outra norma, de modos diversos e alternativos. [...] O seu ele-mento essencial é a indeterminação estrutural: princípios são prescrições finalísticas com eleva-do grau de generalidade material, sem consequ-ências específicas previamente determinadas.

À vista disso, o estudo dos princípios deve preceder a análise de qualquer instituto jurídico legal, por ser essencial para a compreensão das regras, motivo pelo qual se passa ao exame dos princípios informativos do Registro de Imóveis.

O Princípio da Inscrição ou da Obrigatoriedade impõe que no registro de imóveis devam estar presentes to-dos os atos de constituição, alteração, modificação e solidificação referentes aos direitos reais que gravem a propriedade imóvel30. Tal princípio decorre expressa-mente do art. 1.245, caput, do Código Civil, o qual prevê:

29 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princí-pios jurídicos. 14ª ed. São Paulo: PC Editorial Ltda, 2013, p. 136.

30 BORGES, op. cit., p. 469.

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“Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”. Conclui-se de tal preceito a natureza simbólica e real da tradição de imóveis, uma vez que só se concretiza com o registro, denominado de “matrícula”.

Em segundo lugar, o Princípio da Fé Pública fundamen-ta um registro legítimo, fidedigno e seguro, tendo pre-visão legal no art. 215 do Código Civil, o qual institui a fé pública da escritura pública lavrada em notas de tabelião. Parte da doutrina situa o preceito estudado como o Princípio da Presunção ou Força Probante, sen-do esta apenas uma questão terminológica. Assim sen-do, sob esse aspecto, os registros gozam de presunção de veracidade até prova em contrário, à exceção do registro pelo sistema Torrens, em que tal presunção é absoluta31.

Em complemento a isso, tem-se o Princípio da Le-galidade, pelo qual o registro deve ser efetuado em conformidade com a lei. O oficial do cartório não po-derá efetivar o registro se, da análise dos documen-tos apresentados pelo requerente, encontrar alguma irregularidade decorrente de aspectos intrínsecos ou extrínsecos. Em contrapartida, se for depurado vício de consentimento ou social, Maria Helena Diniz32 de-fende que o assento será feito pelo oficial e os efeitos do título surtirão normalmente até que ele seja anula-do judicialmente.

Através do Princípio da Publicidade, sobre o qual já se discorreu ao longo deste capítulo, não é possível que alguém alegue ignorância em relação ao direito objeto

31 GONÇALVES, op. cit., 302.

32 DINIZ, op. cit., p. 26.

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Júlia Gomes de Azevedo 27

de registro, por este ser oponível a todos. Aqui, o que se preza é a transparência33.

O Princípio da Prioridade, por sua vez, nos dizeres de Carlos Roberto Gonçalves34, “protege quem primeiro re-gistra o seu título”, sendo que o que assegura essa prio-ridade é a prenotação. A partir desta, o seu titular passa a gozar de prioridade sobre qualquer outro requerente que eventualmente surgir depois. Em outras palavras, se mais de um título for apresentado para registro no mes-mo dia, terá privilégio aquele que primeiro tiver sido prenotado no protocolo, conforme se depreende dos seguintes artigos da Lei nº 6.015/73:

Art. 186. O número de ordem determinará a pro-priedade do título, e esta preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente.

Art. 191. Prevalecerão, para efeito de prioridade de registro, quando apresentados no mesmo dia, os títulos prenotados no Protocolo sob o núme-ro de ordem mais baixo, protelando-se o registro dos apresentados posteriormente, pelo prazo correspondente a pelo menos, um dia útil.

A respeito do Princípio da Continuidade ou da Filiação, afirma-se que todo registro deve necessariamente ter um correspondente que o precedeu, formando uma sequência sucessiva e contínua, tendo em vista sua na-tureza como um dos modos derivados de aquisição de domínio de imóveis35. Tal norma encontra fundamento

33 BORGES, op. cit., p. 478.

34 GONÇALVES, op. cit., p. 307.

35 BORGES, op. cit., p. 483.

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no art. 195 da Lei dos Registros Públicos – “Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do ou-torgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior [...] para manter a continuidade do re-gistro”. A seguir, alguns julgados a respeito do tema:

CIVIL. ARROLAMENTO. ALIENAÇÃO IMÓVEL. PRIN-CÍPIO DA CONTINUIDADE REGISTRAL. ART. 195 DA LEI 6015 DE 1973 (LEI DE REGISTROS PUBLI-COS). FORMAL DE PARTILHA. 1. O ARTIGO 195 DA LEI 6015 DE 1973 (LEI DE REGISTROS PUBLICOS) DISPÕE, EXPRESSAMENTE, SOBRE O DEVER DE O OFICIAL OBSERVAR O PRINCÍPIO DA CONTINUI-DADE REGISTRAL: “ART. 195 SE O IMÓVEL NÃO ES-TIVER MATRICULADO OU REGISTRADO EM NOME DO OUTORGANTE, O OFICIAL EXIGIRÁ A PRÉVIA MATRÍCULA E O REGISTRO DO TÍTULO ANTERIOR, QUALQUER QUE SEJA A SUA NATUREZA, PARA MANTER A CONTINUIDADE DO REGISTRO”. 2. NO CASO EM APREÇO, NÃO HÁ COMO DESCONSI-DERAR A NECESSIDADE DE REGISTRO PRÉVIO DO FORMAL DE PARTILHA PARA QUE, APENAS A PARTIR DESSA PROVIDÊNCIA, SEJA FACULTADA A LAVRA DA ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA, OBJETIVADA PELO AGRAVANTE. PRECE-DENTES. 3. AGRAVO NÃO PROVIDO. (TJ-DF - AGI: 20130020245232 DF 0025455-44.2013.8.07.0000, Relator: FLAVIO ROSTIROLA, Data de Julgamento: 20/11/2013, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 25/11/2013. Pág.: 72) (grifou--se).

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. OUTORGA DE ESCRITURA PÚBLICA. CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS. IMÓVEL. SENTENÇA DE IMPRO-CEDÊNCIA. MANUTENÇÃO. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA CONTINUI-DADE REGISTRAL. PENDÊNCIA DE INVENTÁRIO. APELAÇÃO DO AUTOR NÃO PROVIDA. 1. Ação de obrigação de fazer. Outorga de escritura pública

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Júlia Gomes de Azevedo 29

de imóvel com base em instrumento particular de cessão de direitos hereditários entabulado entre as partes. 2. Sentença de improcedência, eis que o negócio jurídico deveria ser feito mediante es-critura pública ou termo nos autos. 3. Alegação do autor/apelante no sentido de que a ré seria única herdeira dos bens deixados pela proprietá-ria do imóvel, sendo desnecessária, nesse caso, a formalidade indicada pelo juiz. 4. Pedido que, de qualquer maneira, não comporta provimento. 5. Inobservância ao princípio da continuidade re-gistral. Imóvel registrado em nome de terceiro, cuja relação de parentesco com a mãe da corré não restou sequer comprovado. 6. Pendência de inventário iniciado por suposta credora da fale-cida (genitora da apelada). Validade da cessão de direitos hereditários quanto ao bem indicado que também só poderia ser aferida após o regular abatimento das obrigações do espólio (art. 1.977, CC). 7. Apelação do autor não provida. (TJ-MG - AC: 10145112572931001 MG, Relator: Eduardo Andrade, Data de Julgamento: 28/05/2014, Câ-maras Cíveis/1ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publica-ção: 05/06/2014) (grifou-se).

Por outro lado, o Princípio da Instância ou da Provoca-ção nada mais é do que a proibição de que o oficial do cartório efetue registros ex officio, sendo a solicitação do interessado condição obrigatória para tanto, ainda que verbal36. De fato, o art. 13 da Lei dos Registros Públicos dispõe:

Art. 13. Salvo as anotações e as averbações obri-gatórias, os atos do registro serão praticados:

I – por ordem judicial;

II – a requerimento verbal ou escrito dos interes-sados;

36 GONÇALVES, op. cit., p. 308.

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LEI Nº 10.267/2001 E GEORREFERENCIAMENTO30

III – a requerimento do Ministério Público, quan-do a lei autorizar;

Não obstante os princípios acima mencionados sejam os comumente apontados pela doutrina, há dois que tam-bém merecem análise, dada a interdependência com as demais normas finalísticas.

O Princípio da Identidade Física, abordado por Antoni-no Moura Borges37, diz respeito à obrigatoriedade da correspondência entre a descrição do imóvel no novo registro e a sua descrição no registro anterior. Assim, o autor citado defende que a efetivação de um registro sem observância desse princípio acarretará em ato ilícito de falsidade ideológica, tipificado no art. 299 do Código Penal:

Art. 299. Omitir, em documento público ou parti-cular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa, se o documento é particular.

Carlos Roberto Gonçalves38, por sua vez, trata do Prin-cípio da Territorialidade, embasado no art. 169 da LRP, segundo o qual o registro só deverá ser realizado na cir-cunscrição imobiliária da situação do imóvel. Silvio Ro-drigues apud Carlos Roberto Gonçalves39 assevera que a importância dos bens imóveis levou à criação pelo le-

37 BORGES, op. cit., p.490.

38 GONÇALVES, op. cit., p. 305.

39 GONÇALVES, loc. cit.

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Júlia Gomes de Azevedo 31

gislador de um sistema que garantisse a segurança da circulação destes, o sistema de registros públicos, “em que os negócios imobiliários devem ser registrados nas próprias circunscrições onde se encontram os prédios”.

Nesse contexto, deve o oficial registral averiguar, pri-meiramente, acerca da competência territorial para o registro. Caso a circunscrição seja inapropriada, ele in-dicará a correta ao requerente, não se fazendo necessá-ria a prenotação do título e suscitação de dúvida. Con-tudo, se a parte interessada insistir em fazer o registro em tal circunscrição, a situação será objeto de decisão pelo corregedor permanente mediante processo de dúvida40.

Por fim, passa-se ao estudo do Princípio da Especialida-de, que embora seja consagrado por toda a doutrina, foi deixado para o final por uma questão metodológica, já que será essencial para instruir a abordagem dos capítu-los seguintes deste trabalho.

O Princípio da Especialidade, como a própria termino-logia sugere, exige que o imóvel a ser registrado esteja minuciosamente individualizado, isto é, com todos os seus atributos descritos, principalmente os dados geo-gráficos relativos a metragens e confrontações41. A base legal do princípio em epígrafe está no art. 225 da LRP, o qual dispõe, no seu caput, que compete aos tabeliães, escrivães e juízes exigirem o seu cumprimento tanto nas escrituras quanto nos autos judiciais.

40 CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 169.

41 GONÇALVES, op. cit., p. 307.

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Conforme sustenta Maria Helena Diniz42, a finalidade dessa norma é a proteção do registro de eventuais erros que possam causar controvérsias entre propriedades, tendo em vista que o Princípio da Identidade Física já abordado pressupõe a idêntica descrição do bem con-tida em registro anterior para que se faça novo assenta-mento. É esse o entendimento atual da jurisprudência, segundo se extrai do julgado transcrito abaixo:

DIREITO REGISTRAL - SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA - REGISTRO DE IMÓVEIS - USUCAPIÃO - TRANSCRI-ÇÃO DE SENTEÇA - RECUSA - CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL - NÃO CORRESPONDÊNCIA COM O REGISTRO ANTERIOR - PRINCÍPIOS DA CONTI-NUIDADE E ESPECIALIDADE - OFENSA - DÚVIDA PROCEDENTE - RECURSO NÃO PROVIDO. - As exigências cartorárias baseiam-se nos princípios da continuidade e especialidade dos registros públicos, que determinam o imprescindível enca-deamento entre assentos pertinentes a um dado imóvel e às pessoas a ele relacionadas, bem como a sua precisa individualização. - Não há como transcrever no registro imobiliário a sentença declaratória de usucapião, se as características do imóvel usucapiendo não correspondem àquelas indicadas nos registros anteriores. TJ--MG - AC: 10024123359515001 MG, Relator: Elias Camilo, Data de Julgamento: 27/03/2014, Câma-ras Cíveis/3ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 22/04/2014) (grifou-se)

Marcelo Antonino Borges43 vai além, especificando as particularidades que devem ser individualizadas:

Todos os requisitos (da matrícula) para o regis-tro devem ser satisfeitos restando individuados,

42 DINIZ, op. cit., p. 28.

43 BORGES, op. cit., p. 487.

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Júlia Gomes de Azevedo 33

para que ocorra a especialização do imóvel, no que tange a área, a localização, confrontações, suas características, seu título aquisitivo, forma de aquisição, nome do adquirente e do antecessor, cadastro no INCRA, número do registro anterior, condições de preço e pagamento, enfim, tudo que é indispensável para vincular a propriedade aos fins que se destina.

No que diz respeito à individuação dos imóveis rurais, o §3º do art. 225 da LRP estabeleceu a obrigatoriedade, nos autos judiciais que versem sobre eles, da utilização do Georreferenciamento como sistema de medição a fim de obter uma exatidão absoluta de limites e confron-tações. Esse instituto também encontra respaldo no art. 176, §3º e seguintes da mesma Lei, fortalecendo o Prin-cípio da Especialidade. Trata-se de mecanismo inovador implantado no Brasil, e, portanto, para ele será direcio-nado o estudo a partir de agora.

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3GEORREFERENCIAMENTO

3.1 Contexto Histórico

Inicialmente, convém enfatizar que o Georreferencia-mento só foi introduzido no ordenamento jurídico bra-sileiro em 2001, por força da Lei nº 10.267, que alterou a Lei dos Registros Públicos, inserindo o §3º ao art. 225 e os §3º e §4º ao art. 176, que seguem abaixo transcritos para posterior dissecação.

Art. 225.

§3º Nos autos judiciais que versem sobre imó-veis rurais, a localização, os limites e as confron-tações serão obtidos a partir do memorial descri-tivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices de-finidores dos limites dos imóveis rurais, georre-ferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somató-ria da área não exceda a quatro módulos fiscais. (grifou-se)

Art.176.

§3º Nos casos de desmembramento, parcela-

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Júlia Gomes de Azevedo 35

mento ou remembramento de imóveis rurais, à identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do §1º será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Téc-nica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geor-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos pro-prietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais. (grifou-se).

§4º A identificação de que trata o §3º tornar-se-á obrigatória para efetivação de registro em qual-quer situação de transferência de imóvel rural, nos prazos fixados por ato do Poder Executivo. (grifou-se).

O cenário político à época do advento da citada lei al-mejava por mudanças, tendo em vista que o Brasil era pressionado tanto no âmbito internacional quanto no interno. A comunidade internacional exercia forte influ-ência a fim de que o país organizasse seu setor rural para garantir o recebimento de verbas, enquanto interna-mente havia se instaurado uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara dos Deputados, a CPI da Grila-gem1. Por meio desta restou demonstrado o verdadeiro caos em que se encontrava o antigo sistema de medição de terras brasileiro - propriedades identificadas erronea-mente e por consequência, sobreposição de áreas.

Em decorrência dessa situação, a Lei 10.267/2001 criou o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais – CNIR, gerenciado

1 PEREIRA, Kátia Duarte; AUGUSTO, Moema José de Carvalho. O sistema geo-désico brasileiro e a lei de georreferenciamento de imóveis rurais. Disponível em: <https://www.ufpe.br>. Acesso em: 20 set. 2014.

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LEI Nº 10.267/2001 E GEORREFERENCIAMENTO36

conjuntamente pelo INCRA e pela Receita Federal, pelo qual se busca controlar a legitimidade dos títulos públi-cos e privados. Através desta lei, o Georreferenciamento passou a ser obrigatório para inclusão da propriedade no CNIR, e, por conseguinte, necessário para qualquer alteração notarial da propriedade2.

3.2 Conceitos Técnicos e Procedimento

O Georreferenciamento, método moderno da agrimen-sura pelo qual é possível localizar um imóvel com abso-luta exatidão, trouxe uma nova roupagem ao Princípio da Especialidade. Através dessa técnica, é feito um le-vantamento de coordenadas geográficas num determi-nado sistema de referência3, nesse caso, o Sistema Geo-désico Brasileiro4.

O procedimento consiste, basicamente, na coleta das coordenadas dos pontos da imagem ou do mapa que serão georreferenciados, os quais podem ser obtidos por meio de levantamento topográfico com uso do Sistema de Posicionamento Global (GPS) ou ainda, através de mesas digitalizadoras, outras imagens ou mapas georre-ferenciados. Segundo Francisco Pedro Vieira5, esses pon-tos recebem a denominação de Pontos de Controle por-que oferecem formas físicas plenamente identificáveis, a exemplo de topos de montanha, pistas de aeroporto, dentre outras.

2 Disponível em: <http://www.neagro.com.br>. Acesso em: 18 set. 2014.

3 VIEIRA, Francisco Vieira. Importância do Georreferenciamento. Disponível em: <http://www.ebah.com.br>. Acesso em: 22 set. 2014.

4 O Sistema Geodésico Brasileiro é regulamentado e mantido pelo IBGE.

5 VIEIRA, op. cit.

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Ademais, forçoso dizer que o Georreferenciamento deve ser realizado necessariamente por um profissional de engenharia que esteja devidamente habilitado, inclusi-ve com a Anotação de Responsabilidade Técnica – ART. Em relação à ART, Antonino Moura Borges a conceitua como “uma guia oficial que atesta a legitimidade do ser-viço e que deve conter as coordenadas dos vértices de-finidores ou identificadores dos limites da propriedade imóvel rural georreferenciadas”6.

Para proceder à habilitação mencionada ut retro, o pro-fissional deverá fazer um pedido de credenciamento junto ao INCRA, que pode ser via internet ou por re-querimento protocolizado na repartição competente. Juntamente com esse pedido, deverá constar toda a do-cumentação exigida, a fim de que lhe seja concedida au-torização para realizar serviços de Georreferenciamento de imóveis rurais. Em suma, a documentação necessária é a seguinte: carteira de Registro no Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA) da re-gião onde atua; documento hábil fornecido pelo CREA que assegure a habilitação do profissional em assumir responsabilidade técnica por tais serviços; prova de seu CPF/MF e formulário específico preenchido7.

Após a realização dos trabalhos de medição, com a per-tinente atenção à precisão poligonal estabelecida pelo INCRA, o profissional contratado pelo proprietário deverá elaborar um relatório técnico, com fulcro na Norma Técni-ca do Sistema, além de memorial descritivo. Deverá, ain-da, colher declaração expressa dos lindeiros do imóvel, comprovando o respeito às divisas das propriedades8.

6 BORGES, op. cit., p. 522.

7 Ibid., p. 523.

8 Ibid., p. 524-525.

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Em seguida, o interessado deverá requerer a certificação pelo INCRA, nos termos da Instrução Normativa nº 13 de 2003. Com essa certificação em mãos, o proprietário de-verá levar o mapa e o memorial ao Registro de Imóveis competente para realizar as devidas averbações no pra-zo de 30 (trinta) dias, sob pena de invalidade dos docu-mentos mencionados9.

Ademais, merece destaque o fato de que se do trabalho de medição e descrição da propriedade resultar área di-versa da que consta na matrícula do imóvel, será cabível a retificação, procedimento já analisado quando do es-tudo dos efeitos do registro10.

No que se refere aos sujeitos abrangidos pela norma, ou seja, aos destinatários da sua imposição, tem-se que, em regra, são todos os proprietários de imóveis rurais. Con-tudo, será exigido o Georreferenciamento também dos usufrutuários, nu-proprietários, posseiros, enfiteutas e foreiros, em razão da obrigatoriedade que recai sobre eles de prestar declaração para Cadastro de Imóveis Ru-rais – CCIR junto ao INCRA, nos prazos do art. 10 do De-creto nº 4.449/2002 que se estudará adiante11.

Assim, restou conceituado o que seria georreferenciar, quem está obrigado a providenciar o Georreferencia-mento e quem o executa. No entanto, para se chegar a um conhecimento aprofundado do instituto, carece de análise o seu objeto previsto em lei, ou seja, o que de fato se configuraria como imóvel rural para fins de Geor-referenciamento.

9 Ibid., p. 526.

10 Vide p. 17 do presente trabalho.

11 VIEIRA, op. cit.

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O art. 4º, I, da Lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra) define imóvel rural como sendo “o prédio rústico, d e área con-tínua qualquer que seja a sua localização que se desti-na à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-in-dustrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada”. Nesses termos, a de-finição de imóvel rural está intimamente relacionada a uma unidade de exploração econômica, sem levar em conta a localização do mesmo.

Com efeito, de acordo com Ridalvo Machado de Arruda, será considerada uma única propriedade rural o imóvel que, estando localizado em área urbana ou rural, tenha uma ou mais áreas com diferentes matrículas imobiliá-rias, não importando se existem posses com ou sem títu-lo, desde que atenda ao critério da destinação econômi-ca12. Esse também foi o parâmetro adotado pelo INCRA, na Instrução Normativa de nº 95 para definir o imóvel rural a ser cadastrado.

Por outro lado, parte da doutrina considera que o con-ceito do imóvel rural está intimamente ligado à sua lo-calização, ou seja, é rural todo imóvel localizado fora da circunscrição urbana dos municípios. Francisco Pedro Vieira, tratando do assunto, enfatizou que tanto o art. 191 da Constituição Federal de 1988, quanto o Código Civil, nos artigos 1.239, 1.276 e 1.303, trouxeram acep-ções dos imóveis rural e urbano com base na locali-zação13. Tal critério também foi utilizado pelo Código Tributário Nacional quando dispôs sobre o Imposto Ter-ritorial Rural – ITR e o Imposto Territorial Predial Urbano

12 ARRUDA, Ridalvo Machado de. Conceitos de imóvel rural: aplicação na certi-ficação do Incra expedida no Memorial Descritivo Georreferenciado. Disponí-vel em: <http://www.irib.org.br>. Acesso em: 22 set. 2014.

13 VIEIRA, op. cit.

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– IPTU, muito embora haja jurisprudência no sentido de que o critério a ser adotado para fins tributários seja o da destinação econômica.

No âmbito do Registro de Imóveis, imóvel rural será aquele cuja matrícula faça referência ao Certificado de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR, não sendo relevante a sua localização. Todavia, aqui há um contraponto: en-quanto no INCRA, o imóvel cadastrado pode ser com-posto por várias matrículas tendo em vista a observân-cia da finalidade econômica de uma área contígua, no Registro de Imóveis cada matrícula indica uma unidade imobiliária14.

A Lei dos Registros Públicos, abarcando essa situação, estabeleceu em seu art. 234 a possibilidade do proprie-tário requerer a fusão das matrículas de seus imóveis contíguos com o objetivo de obter uma única matrícula e, por conseguinte, uma única unidade imobiliária. As-sim, conforme elucidou Adriano Holanda (2009), “Em resumo, temos o imóvel rural como sendo as áreas con-tínuas de mesmo proprietário”15.

Nesse contexto, ao contrário do que ocorre no cadas-tro do imóvel efetivado pelo INCRA, quando se fala em Georreferenciamento não há razão para se utilizar a con-cepção de imóvel rural preconizada pelo Estatuto da Ter-ra. Ridalvo Machado de Arruda16, em abordagem acerca da questão, concluiu de forma acertada:

14 ARRUDA, op. cit.

15 HOLANDA, Adriano. Imóvel Rural: conceito junto ao INCRA. Disponí-vel em: <http://www.portalaz.com.br>. Acesso em: 23 set. 2014. 16 ARRUDA, op. cit.

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Portanto, é evidente que no procedimento de certificação do memorial descritivo georreferen-ciado, para os fins e efeitos do Registro de Imóvel, não se aplica o conceito agrário de imóvel rural. A identificação do imóvel rural referida nos §§ 3º e 4º do artigo 176 da Lei nº 6.015/93 é requisito da matrícula. É exigência imposta ao Registro de Imóveis. A Lei nº 6.015/73, com suas alterações introduzidas pela Lei nº 10.267/2001, não se dirige ao cadastro do Incra. Definitivamente, não há Lei que imponha ao proprietário a obriga-ção de promover o georreferenciamento de to-das as áreas rurais contíguas que lhe pertençam e que estejam matriculadas no Registro de Imóveis competente, quando pretender realizar algum ato relativo a uma de suas propriedades imobili-árias. Melhor esclarecendo — embora pareça já estar se tornando repetitivo —, se uma pessoa detém a titularidade em mais de uma matrícula de imóvel rural que estejam contiguamente loca-lizados e pretenda realizar alguma modificação em uma área correspondente a alguma das ma-trículas, não estará obrigada a promover o georre-ferenciamento de todas as outras áreas, mas ape-nas daquela que sofrerá a alteração. No entanto, a afirmação contrária encontra fundamento legal, porquanto, ao proprietário que desmembra, re-membra, parcela ou aliena a área descrita na sua respectiva matrícula, a Lei impõe a obrigação de georreferenciá-la, sob pena de não conseguir efe-tivar o registro do título que deu causa a esses fa-tos imobiliários. (grifou-se).

Pois bem, dado o tratamento necessário aos conceitos que permeiam os artigos da Lei dos Registros Públicos citados ao início deste capítulo, chega-se agora à seguin-te premissa: o procedimento já detalhado que consiste na descrição do imóvel rural por profissional habilitado é obrigatório por força de Lei nos casos de autos judiciais que versem sobre imóveis rurais (art. 225, §3º da LRP); desmembramento, parcelamento ou remembramen-

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to (art. 176, §3º da LRP) e, ainda, qualquer situação de transferência de imóvel rural (art. 176, §4º da LRP).

3.3. Análise dos Prazos

No que diz respeito ao art. 176, §4º da Lei dos Regis-tros Públicos, os prazos a que faz alusão foram estabe-lecidos pelo Decreto 4.449/2002, porém, inicialmen-te, este abarcou de forma clara apenas a hipótese de transferência do imóvel rural. Além disso, existiam mais duas incongruências em sua redação original, segundo apontou Emanuel Costa Santos17. A primeira dizia res-peito ao início de vigência dos prazos previstos, tendo em vista que por um lado, previu o início simultâneo à publicação do referido Decreto e por outro, o seu art. 9º, assim como a Lei 10.267/2001, condicionava o Geor-referenciamento à regulamentação normativa futura pelo INCRA. A segunda impropriedade, também de or-dem temporal, é referente à previsão no art. 16 de que os atos registrários praticados no interstício entre a Lei e o Decreto em estudo já devessem constar de Georre-ferenciamento.

De acordo com Emanuel Costa Santos18, tendo em vista que o Decreto 4.449/2002 só tinha previsto a situação de transferência do imóvel, persistia a discussão acerca do âmbito de aplicação dos prazos: deveriam ser exigidos tão somente nas situações de transferência do imóvel rural? Ou a falta de prazos para as demais hipóteses con-tidas na Lei 10.267/2001 permitia uma leitura extensiva,

17 SANTOS, Emanuel Costa. Georreferenciamento: histórico e questões já nem tão controversas. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 692, 28 maio 2005. Dispo-nível em: <http://jus.com.br/artigos/6780>. Acesso em: 23 set. 2014.

18 SANTOS, op. cit.

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significando então que elas desde a origem necessita-vam do Georreferenciamento?

Esses questionamentos foram parcialmente sanados com o advento da Portaria de nº 1032 do INCRA, que foi publicada no Diário Oficial da União em 09 de de-zembro de 2002. Diz-se parcialmente porque este ato estendeu a aplicação dos prazos às hipóteses de des-membramento, parcelamento e remembramento dos imóveis rurais, mas omitiu o caso do art. 225, §3º da Lei 6.015/1973, sobre os autos judiciais que versem sobre imóveis rurais19.

Por certo, o Georreferenciamento, apesar de obrigatório por imposição legal, continuou a não ser exigido pelos oficiais de Registro de Imóveis, tendo em vista a ausên-cia de qualquer regulamentação normativa acerca da precisão posicional referida nos artigos 225, §3º e 176, §3º da Lei 10.267/200120. Tal regulamentação, sem a qual não era possível georreferenciar um imóvel, só ganhou concretude mediante a publicação da Norma Técnica para Georreferenciamento de Imóveis Rurais em 20 de novembro de 2003 (homologada pela Portaria do INCRA nº 1.101), além da edição das Instruções Normativas nú-meros 12 e 13.

Assim sendo, o surgimento dessa normatização legi-timou a obrigatoriedade do instituto com o enten-dimento de que o termo a quo21 para contagem dos

19 SANTOS, op. cit.

20 SANTOS, op. cit.

21 Antes da publicação do Decreto nº 4.449/2002, a fixação desse termo a quo foi fruto, no Estado do Rio Grande do Sul, de orientação da Corregedoria--Geral da Justiça aos Oficiais Registradores.

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prazos do Decreto 4.449/2002 seria então 20 de no-vembro de 200322.

Finalmente, com o surgimento do Decreto nº 5.570 de 2005 no ordenamento jurídico, o qual alterou algumas disposições do Decreto estudado, várias das dúvidas em relação à aplicação do Georreferenciamento foram esclarecidas. Posteriormente, o Decreto nº 7.620/2011 também alterou o Decreto 4.449/2002, acrescentando outros prazos de carência.

Feito esse panorama histórico-evolutivo, agora é possí-vel analisar como se encontra a redação do art. 10 do Decreto 4.449/2002, que trata, basicamente, dos prazos para exigência do Georreferenciamento:

Art. 10. A identificação da área do imóvel rural, prevista nos §§ 3º e 4º do art. 176 da Lei no 6.015, de 1973, será exigida nos casos de desmembra-mento, parcelamento, remembramento e em qualquer situação de transferência de imóvel ru-ral, na forma do art. 9º, somente após transcorri-dos os seguintes prazos: (Redação dada pelo De-creto nº 5.570, de 2005)

I - noventa dias, para os imóveis com área de cinco mil hectares, ou superior;II - um ano, para os imóveis com área de mil a menos de cinco mil hectares;III - cinco anos, para os imóveis com área de quinhentos a menos de mil hectares; (Redação dada pelo Decreto nº 5.570, de 2005)

22 OLIVEIRA, Gustavo Burgos de. Georreferenciamento dos Imóveis Rurais: Aspectos Relevantes. Disponível em: <http://ww3.lfg.com.br>. Acesso em: 24 set. 2014.

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IV - dez anos, para os imóveis com área de duzentos e cinquenta a menos de quinhen-tos hectares; (Redação dada pelo Decreto nº 7.620, de 2011)V - treze anos, para os imóveis com área de cem a menos de duzentos e cinquenta hecta-res; (Incluído pelo Decreto nº 7.620, de 2011)VI - dezesseis anos, para os imóveis com área de vinte e cinco a menos de cem hectares; e (In-cluído pelo Decreto nº 7.620, de 2011)VII - vinte anos, para os imóveis com área in-ferior a vinte e cinco hectares. (Incluído pelo Decreto nº 7.620, de 2011)§ 1º Quando se tratar da primeira apresentação do memorial descritivo, para adequação da des-crição do imóvel rural às exigências dos §§ 3o e 4o do art. 176 e do § 3o do art. 225 da Lei no 6.015, de 1973, aplicar-se-ão as disposições contidas no § 4o do art. 9o deste Decreto. (Redação dada pelo Decreto nº 5.570, de 2005)

§ 2º Após os prazos assinalados nos incisos I a IV do caput, fica defeso ao oficial do registro de imó-veis a prática dos seguintes atos registrais envol-vendo as áreas rurais de que tratam aqueles inci-sos, até que seja feita a identificação do imóvel na forma prevista neste Decreto: (Redação dada pelo Decreto nº 5.570, de 2005)

I - desmembramento, parcelamento ou remembra-mento; (Incluído pelo Decreto nº 5.570, de 2005)

II - transferência de área total; (Incluído pelo De-creto nº 5.570, de 2005)

III - criação ou alteração da descrição do imóvel, resultante de qualquer procedimento judicial ou administrativo. (Incluído pelo Decreto nº 5.570, de 2005)

§ 3º Ter-se-á por início de contagem dos pra-zos fixados nos incisos do caput deste artigo a data de 20 de novembro de 2003. (Incluído pelo Decreto nº 5.570, de 2005) (grifou-se).

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Pela leitura dos incisos, é possível observar que a área do imóvel é inversamente proporcional ao prazo previsto – quanto maior a área, menos tempo o proprietário tem para tomar as providências necessárias para o Georrefe-renciamento de suas terras. Seguindo uma linha lógica de raciocínio, pode-se concluir que isso se deu pelo fato de que os maiores proprietários de terras do país pre-sumivelmente possuem mais condições econômicas de arcar com o procedimento.

Aqui, é indispensável pontuar que via de regra, quem deverá custear o procedimento, em qualquer caso legal, é o próprio proprietário do imóvel, estando “garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imó-veis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais” (art. 225, §3º da LRP).

A leitura do caput do artigo 10 do Decreto nº 4.449/2002, por sua vez, mesmo com as alterações subsequentes, não incluiu a hipótese dos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, o que traria à tona novamente a discussão a respeito da aplicabilidade dos prazos, não fosse o Decreto nº 5.570/2005 para enfim solucionar tal situação:

Art. 2º. A identificação do imóvel rural objeto de ação judicial, conforme previsto no § 3o do art. 225 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, será exigida nas seguintes situações e prazos:

I - imediatamente, qualquer que seja a dimensão da área, nas ações ajuizadas a partir da publicação deste Decreto;

II - nas ações ajuizadas antes da publicação deste Decreto, em trâmite, serão observados os prazos fixados no art. 10 do Decreto nº 4.449, de 2002. (grifou-se).

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Logo, os prazos estabelecidos para desmembramen-to, parcelamento, remembramento ou qualquer ato de transferência de imóvel rural deverão também ser ob-servados quando este for o objeto central dos autos ju-diciais. Todavia, esta regra se aplicará tão somente para as ações ajuizadas antes da publicação do Decreto nº 5.570/2005, tendo em vista que haverá exigência auto-mática para aquelas ajuizadas a partir do dia 1º de no-vembro de 2005, data de publicação do referido decreto, não importando a dimensão da área23.

23 OLIVEIRA, Gustavo Burgos de. Georreferenciamento dos Imóveis Rurais: Aspectos Relevantes. Disponível em: <http://ww3.lfg.com.br>. Acesso em: 24 set. 2014.

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4APLICAÇÃO

DO INSTITUTO

4.1 Georreferenciamento nos Autos Judiciais

4.1.1 Noções Introdutórias

Conforme foi explanado anteriormente, já não subsis-tem dúvidas em relação à obrigatoriedade do Georrefe-renciamento nos autos judiciais que versem sobre imó-veis rurais: incidirão os prazos estabelecidos no art. 10 do Decreto nº 4.449/02 em processos ajuizados antes do Decreto nº 5.570/2005 e para aqueles ajuizados poste-riormente à publicação desse ato normativo, a exigência será imediata.

Neste ponto, é imprescindível ressalvar a necessidade de cautela na interpretação da norma. O ideal é que não se faça uma leitura ampla no que diz respeito ao âmbito de aplicação do instituto nos processos judiciais, ou seja, o entendimento pacificado é de que só será exigível o Georreferenciamento quando o imóvel rural for o objeto central da demanda1.

1 SANTOS, Emanuel Costa. Autos Judiciais e Georreferenciamento. Disponível em: <http://www.segundooficial.com.br>. Acesso em: 02 out. 2014.

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Acerca desse tema, Emanuel Costa Santos pontualmen-te doutrina:

Assim é possível vislumbrar a necessidade de georreferenciamento em autos de ação de usu-capião e retificação de área, por exemplo, dife-rentemente ocorrendo com as hipóteses em que o imóvel rural não é o centro do processado. Em verdade, essa disposição está ligada à origem do georreferenciamento. Em alguns Estados brasilei-ros, onde a sobreposição foi verificada com maior frequência, em diversos casos se verificou que sua origem não raras vezes estava na incorreta prestação de informações levadas a expedientes de retificação de área e de usucapião, tendo os vícios contaminados os mandados que por sua vez ganharam a publicidade registrária. A inten-ção aqui se torna mais patente quando se verifica a disposição do artigo 3º, parágrafo primeiro, do Decreto 4.449/2002, lembrando-se o Executivo tão somente da hipótese de usucapião. Isto por-que a usucapião, por ser aquisição originária, teria o condão de extirpar os vícios do imóvel. Já não se pode dizer o mesmo, como veremos, da transmis-são causa mortis ou de alienação forçada, pois o centro da demanda não é o imóvel, que é afetado reflexamente pelo objeto central da ação2.

Com efeito, não faz sentido exigir o Georreferenciamen-to em processos que não dependam deste para o seu deslinde. Em decorrência disso, é possível delimitar o grau de alcance do instituto, que terá no seu núcleo as ações judicias imobiliárias.

Diante do amplo rol de ações judiciais imobiliárias, aqui será feito novo filtro, passando-se à análise específica do Georreferenciamento no âmbito de apenas duas delas,

2 Ibid.

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por serem mais emblemáticas e apresentarem pontos controversos na jurisprudência.

4.1.2 Ação de Usucapião

A princípio, é importante destacar que, embora haja discussão na dou trina quanto à inclusão da usucapião como forma de aquisição originária, o entendimento prevalente é no sentido de que tal forma sempre estará caracterizada quando “não houver relação causal entre a propriedade adquirida e a situação jurídica anterior da coisa”3. Assim, fazem parte desse rol de aquisição origi-nária tanto a acessão natural quanto a usucapião.

Sendo assim, o bem imóvel passará ao patrimônio do usucapiente livre de quaisquer vícios ou ônus que ante-riormente possuía, e a sentença que reconhecer a usuca-pião terá natureza apenas declaratória4. Nesse sentido, dispõe o art. 1.241 do Código Civil: “Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usu-capião, a propriedade imóvel”.

A ação de usucapião encontrava-se regulada entre os artigos 941 e 945 do Código de Processo Civil de 1973, todavia, com o advento da nova ordem legal, não há mais previsão de um procedimento especial para a alu-dida demanda, devendo ser adotado o procedimento comum5.

3 GONÇALVES, op. cit., p. 255.

4 Ibid., p. 254.

5 FIUZA, César. Procedimentos para ação de usucapião ficam claros no novo CPC. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-ago-17/direito-civil--atual-procedimentos-acao-usucapiao-fica-claro-cpc>. Acesso em: 20 fev. 2018.

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Com efeito, segundo o antigo regramento previsto no Código de Processo Civil de 1973, essa ação deveria ser proposta necessariamente no foro de situação do imó-vel. Tal entendimento, evidentemente, se manteve, nos termos do art. 47 do Código Processual Civil de 2015, tendo em vista o direito real de propriedade que a fun-damenta.

Além disso, os confinantes e aquele em cujo nome esti-vesse registrado o imóvel (se houver registro) deveriam ser citados obrigatoriamente e, se a ação fosse julgada procedente, a sentença declaratória seria registrada no Registro de Imóveis através do mandado6. Nesse pon-to, imperioso ressaltar que o art. 246, §3º, do Código de Processo Civil de 2015 prevê que “Na ação de usucapião de imóvel, os confinantes serão citados pessoalmente, exceto quando tiver por objeto unidade autônoma de prédio em condomínio, caso em que tal citação é dis-pensada”, o que leva à conclusão de que a citação dos confinantes continua sendo a regra7.

No que concerne especificamente à exigência do Geor-referenciamento no âmbito da ação de usucapião de imóvel rural, o art. 226 da Lei dos Registros Públicos es-tabelece o seguinte regramento: “Tratando-se de usu-capião, os requisitos da matrícula devem constar do mandado judicial”. Os requisitos aludidos no dispositivo, quando se trata de imóvel rural, são justamente os pre-vistos no art. 176, §1º, II, item 3, “a”, quais sejam: o código do imóvel, os dados constantes do CCIR, além de suas características, confrontações, localização e área. Essa caracterização do imóvel rural – que deve se dar através de memorial descritivo georreferenciado - foi regula-

6 GONÇALVES, op. cit., p. 297.

7 FIUZA, op. cit.

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mentada pelo §3º do mesmo artigo, o qual já foi men-cionado neste trabalho8.

Corroborando com essa norma, o Decreto nº 4.449/2002 estabeleceu:

Art. 3º Nos casos de usucapião de imóvel rural, após o trânsito em julgado da sentença declara-tória, o juiz intimará o INCRA de seu teor, para fins de cadastramento.

§ 1º Para dar maior celeridade ao cadastramento do imóvel rural, poderá constar no mandado de intimação a identificação do imóvel na forma do § 3º do art. 225 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e o endereço completo do usucapiente.

§ 2º Recebendo a intimação, o INCRA convocará o usucapiente para proceder às atualizações cadastrais necessárias. (grifou-se).

Outrossim, a Lei n. 13.105/2015, ao criar a figura da usucapião extrajudicial, incluiu o art. 216-A à Lei dos Registros Públicos, posteriormente alterado pela Lei n. 13.467/2017, o qual requer, dentre as exigências para instrução do pedido, a descrição minuciosa do imóvel mediante apresentação da planta e do memorial des-critivo assinado por profissional legalmente habilitado. Veja:

Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é ad-mitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da co-marca em que estiver situado o imóvel usuca-piendo, a requerimento do interessado, represen-

8 Vide p. 24 do presente trabalho.

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tado por advogado, instruído com: (Incluído pela Lei nº 13.105, de 2015)

I - ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e de seus anteces-sores, conforme o caso e suas circunstâncias, apli-cando-se o disposto no art. 384 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Ci-vil); (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)

II - planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissio-nal, e pelos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes; (Reda-ção dada pela Lei nº 13.465, de 2017)

III - certidões negativas dos distribuidores da co-marca da situação do imóvel e do domicílio do requerente; (Incluído pela Lei nº 13.105, de 2015)

IV - justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel. (Incluído pela Lei nº 13.105, de 2015). (grifou-se).

Na esfera jurisprudencial, já houve decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.123.850-RS, no sentido de que o Princípio da Especialidade registral impõe a obrigato-riedade da descrição do imóvel nos moldes do art. 225, caput e §3º da LRP, conforme ementa que se segue:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REGISTROS PÚBLICOS. AÇÃO DE USUCAPIÃO. IMÓVEL RU-RAL. INDIVIDUALIZAÇÃO. MEMORIAL DESCRI-TIVO GEORREFERENCIADO. NECESSIDADE. LEIS 6.015/1973 E 10.267/2001. 1 - O princípio da es-pecialidade impõe que o imóvel, para efeito de

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registro público, seja plenamente identificado, a partir de indicações exatas de suas medidas, ca-racterísticas e confrontações. 2- Cabe às partes, tratando-se de ação que versa sobre imóvel rural, informar com precisão os dados indivi-dualizadores do bem, mediante apresenta-ção de memorial descritivo que contenha as coordenadas dos vértices definidores de seus limites, georreferenciadas ao Sistema Geodé-sico Brasileiro. Inteligência do art. 225, § 3º, da Lei n. 6.015/1973. 3- Recurso especial provido. (STJ, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 16/05/2013, T3 - TERCEIRA TURMA). (grifou-se).

De acordo com a Ministra Nancy Andrighy, relatora do julgado transcrito acima, a identificação do imóvel objeto de ação judicial mediante memorial descritivo georreferenciado é imposição legal que visa coibir con-trovérsias e descrições imobiliárias vagas e imprecisas, devendo o magistrado fazer com que, nos processos judiciais, as partes providenciem essa individualização, conforme se extrai do caput do art. 225 da Lei dos Regis-tros Públicos.

Gustavo Burgos de Oliveira9 destaca a importância dessa norma na medida em que a caracterização do imóvel, a qual, segundo o autor, deverá ser realizada quando da instrução da petição inicial, implicará na identificação dos lindeiros que serão citados para, querendo, contestar o feito. Nesse cenário, a descrição do imóvel nada mais é do que a causa de pedir da demanda, isto é, pressuposto pro-cessual que não pode ser alterado após a citação dos réus.

Mais recentemente, porém, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu, em sede do Agravo de Instru-

9 OLIVEIRA, op. cit.

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mento nº 70060737525, a desnecessidade da juntada do memorial descritivo georreferenciado pela parte autora no início da demanda sob o fundamento de que os do-cumentos apresentados já haviam cumprido o requisito processual de individuação do imóvel objeto da ação.

Ademais, o relator do julgado, o Desembargador Eduardo João Lima Costa entendeu que “a exigência constante do art. 2º do Decreto Federal nº 5.570/2005 somente assume relevância no caso de procedência da ação de usucapião, de modo que descabe tal exigência antes da fase registral”.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. USUCAPIÃO. GEORRE-FERENCIAMENTO. JUNTADA DE NOVOS DOCUMEN-TOS. DESNECESSIDADE. No caso em concreto, há que se afastar a exigibilidade do georreferencia-mento diante da circunstância que essa imposi-ção deverá partir de impugnação ou exigência do registrador, porquanto se mostra prematura tal determinação neste momento processual. Orientação desta 19ª. Câmara Cível. No que refere aos demais documentos, por inexistência de exi-gência legal para o ajuizamento da ação, entendo desnecessária a juntada. AGRAVO PROVIDO, EM DE-CISÃO MONOCRÁTICA. (Agravo de Instrumento Nº 70060737525, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Julgado em 24/07/2014). (grifou-se).

Não obstante o entendimento estampado nos julgados retrorreferidos seja relevante para o estudo aprofunda-do do tema, e ainda que o STJ, na decisão já relatada10,

10 Trata-se do REsp nº 1123850 RS 2009/0126557-5, Relatora: Ministra NAN-CY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 16/05/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/05/2013). Disponível em: <www.stj.jusbrasil.com.br>. Acesso em: 20 set. 2014.

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não tenha se posicionado de forma explícita acerca da controvérsia, a apresentação do laudo georreferenciado no início da demanda parece ser mais coerente com o Princípio da Segurança Jurídica.

Francis Perondi Folle11, analisando a situação a longo prazo, concluiu que a exigência do Georreferenciamen-to apenas à época do registro do título na verdade con-trariará os Princípios da Economia Processual e da Cele-ridade, tendo em vista a proibição legal12 de que o oficial de registro efetue registro sem que o imóvel esteja geor-referenciado. Ou seja, caso a parte interessada se recuse a cumprir a diligência para que o título seja registrado, haverá nova demanda judicial através da suscitação de dúvida pelo registrador.

11 FOLLE, Francis Perondi. O Georreferenciamento do Imóvel Rural e o Registro de Imóveis. Disponível em: <http://www3.pucrs.br>. Acesso em: 10 out. 2014.

12 A proibição mencionada decorre da leitura dos seguintes artigos da Lei dos Registros Públicos:

Art. 227 - Todo imóvel objeto de título a ser registrado deve estar matriculado no Livro nº 2 - Registro Geral - obedecido o disposto no artigo 176.

Art. 236 - Nenhum registro poderá ser feito sem que o imóvel a que se referir esteja matriculado.

Art. 176 - O Livro nº 2 - Registro geral - será destinado à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no artigo 167 e não atribuí-dos ao Livro nº 3.

§1º - A escrituração do Livro nº 2 obedecerá às seguintes normas:

I - cada imóvel terá matrícula própria, que será aberta por ocasião do primeiro registro a ser feito na vigência desta lei;

II - são requisitos da matrícula:

3) a identificação do imóvel, que será feita com indicação:

a - se rural, do código do imóvel, dos dados constantes do CCIR, da denomina-ção e de suas características, confrontações, localização e área;

b - se urbano, de suas características e confrontações, localização, área, logra-douro, nº e de sua designação cadastral, se houver.

§§ 3º e 4º - […] “imposição do georreferenciamento dos imóveis rurais”.

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Portanto, não há que se falar em exigência prematura quanto ao momento da instrução da inicial, pois deve ser observada a finalidade do instituto. O Georreferen-ciamento propicia uma descrição exata que constitui elemento imprescindível para ajuizamento da ação, em virtude do juízo de certeza quanto aos limites e confron-tações da área a ser usucapida.

4.1.3 Ação de Desapropriação

A desapropriação é uma espécie de intervenção do Es-tado na propriedade privada – constitucionalmente13 consagrada - que resulta na transferência compulsória do bem imóvel para o acervo do ente público mediante indenização14. O entendimento doutrinário é no sentido de classificar a desapropriação como forma originária de aquisição da propriedade, uma vez que não se origina de nenhum título preexistente15.

Conforme lição de Carlos Roberto Gonçalves16, a desa-propriação poderá esgotar-se somente na via adminis-trativa, ou, ainda, necessitar de solução judicial. A pri-meira hipótese ocorre quando, depois de declarado o interesse do Poder Público e providenciadas as medidas

13 Art. 5º, XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e pré-via indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.

14 Via de regra, a indenização deve ser prévia, justa e em dinheiro. Todavia, a própria Constituição excepciona essa norma nos artigos 182, §4º, III (desa-propriação para fins urbanísticos); 184 (desapropriação para fins de reforma agrária); e 243 (desapropriação confiscatória).

15 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vincente. Direito Administrativo Descom-plicado. 21 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013, p. 1019.

16 ALEXANDRINO; PAULO, op. cit., p. 1031.

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para transferência do bem, o proprietário e o ente expro-priante entram em acordo.

Todavia, quando inexistente o acordo, tem início uma fase judicial mediante a ação de desapropriação, que deve ser proposta pelo Poder Público ou pela pessoa privada concessionária ou permissionária de serviço pú-blico. Vale dizer, o autor da referida ação nunca será o proprietário do bem, o qual sempre fará parte do polo passivo17.

Acerca dos requisitos da petição inicial, o art. 13 do De-creto-Lei nº 3.365 de 194118 dispõe:

Art. 13. A petição inicial, além dos requisitos pre-vistos no Código de Processo Civil, conterá a ofer-ta do preço e será instruída com um exemplar do contrato, ou do jornal oficial que houver publica-do o decreto de desapropriação, ou cópia auten-ticada dos mesmos, e a planta ou descrição dos bens e suas confrontações.

Em seguida, o artigo 20 do mesmo decreto estabelece que as matérias de defesa que poderão ser arguidas pelo proprietário se restringem aos eventuais vícios pro-cessuais e ao valor indenizatório; as demais questões de-verão ser discutidas em ação direta.

No decorrer do processo, o expropriante poderá reque-rer a imissão provisória na posse do bem, desde que haja declaração de urgência e depósito prévio de quantia ar-

17 ALEXANDRINO; PAULO, loc. cit.

18 O Decreto citado dispõe sobre desapropriações por utilidade públicas e possui aplicação supletiva no que for omissa a Lei 4.132/62, a qual regulamen-ta a desapropriação por interesse social.

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bitrada pelo juiz. Trata-se de direito subjetivo, vez que não poderá ser denegado quando presentes esses dois requisitos, exceto se não for requerido no prazo de 120 dias após a declaração de urgência19.

Finalmente, ao final do trâmite processual, será prolata-da sentença com o valor indenizatório a ser pago pelo expropriante. Além de autorizar a imissão definitiva na posse do bem, essa sentença possibilitará a transcrição da propriedade do bem no Registro de Imóveis20.

Em relação à necessidade do Georreferenciamento no bojo da ação de desapropriação de imóvel rural, não há entendimento consolidado.

De um lado, argumenta-se no sentido de que a exigên-cia de laudo georreferenciado da área seria incompatí-vel com o procedimento estabelecido pelo Decreto-Lei nº 3.365 de 1941, sobretudo por ser o Georreferencia-mento um método dispendioso e que demanda muito tempo21. Com efeito, como já foi mencionado, a matéria discutida no processo expropriatório é estritamente li-mitada ao valor indenizatório e algum vício processual porventura existente.

Os que coadunam com essa corrente destacam o caráter de aquisição originária da desapropriação, pelo qual o imóvel fica livre de qualquer gravame, sendo então irra-zoável a exigência do laudo georreferenciado, especial-

19 ALEXANDRINO; PAULO, op. cit., p. 1032.

20 Ibid., p. 1033.

21 Trata-se de entendimento retirado da Consulta Nº 05.2011 – 0017135.2011, realizada pelo Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Itiquira à Cor-regedoria Geral do Estado do Mato Grosso sobre aspectos ligados ao Geor-referenciamento de imóveis rurais. Disponível em: <http://www.tjmt.jus.br>. Acesso em: 13 out. 2014.

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mente porque este laudo seria homologado pelo pró-prio ente expropriante, o INCRA22.

O Corregedor-Geral de Justiça Marcio Vidal23 sustenta que:

[...] no tramitar do processo de desapropriação judicial, seja de qualquer natureza, há uma gama de estudos e laudos técnicos, avaliações judiciais, bem como o próprio memorial descritivo de ou-trora, são suficientemente capazes de identificar a área. Logo, percebe-se que a propriedade não perderá sua individualização tampouco haverá a inobservância ao princípio da especialidade, que só seria contrariado se resultasse na impossibilida-de de localização integral da área remanescente.

Nesse contexto, é necessário destacar acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em sede de julgamento da Apelação Cível nº 70026441790, no ano de 200924, condizente com o posicionamento em análise.

No caso citado, em síntese, houve suscitação de dúvida por parte da registradora de imóveis competente quan-

22 CARVALHO, Lívia Bíscaro. Georreferenciamento na Ação de Desapropriação. Disponível em: <www.diamantino.com.br>. Acesso em: 10 out. 2014.

23 Márcio Vidal foi o Corregedor-Geral de Justiça que respondeu à citada Con-sulta Nº 05.2011 – 0017135.2011.

24 REGISTRO DE IMÓVEIS. DÚVIDA. DESAPROPRIAÇÃO. Sendo a desapropriação forma originária de aquisição da propriedade imobiliária, despicienda a exigência, para registro do título (escritura), do georrefe-renciamento do imóvel. Possibilidade de abertura de nova matrícula a partir da escritura apresentada a registro. Precedentes. Apelo PROVI-DO. (TJRS – Apelação Cível nº 70026441790 – Bom Jesus – 19ª Câm. Cível – Rel. Des. José Francisco Pellegrini – DJ 28.08.2009). Disponível em: <www.anoregmt.com.br>. Acesso em: 14 out. 2014.

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do do registro de título gerado pela desapropriação. Tal dúvida estava relacionada aos limites da área constantes na escritura pública e foi proferida sentença em favor da juntada dos documentos previstos em lei, inclusive do Georreferenciamento, a fim de sanear a dúvida.

No julgamento da apelação, foi dada razão à parte recor-rente, sob o argumento de que a aquisição da proprie-dade imobiliária pelo ente expropriante ocorre de modo originário, gerando, assim, a abertura de nova matrícula com os dados insertos na escritura de desapropriação. Além disso, foi dito que “A exigência de toda uma gama de documentação relativa ao imóvel apenas se justifica-ria se se reputasse o ato como forma de aquisição deri-vada da propriedade”.

Sucede que, no ano seguinte, a 4ª Turma do Tribunal Re-gional Federal da 4ª Região proferiu decisão delinean-do entendimento contrário e determinou, em processo referente à desapropriação, que o Georreferenciamento devesse ser concluído antes da prolação da sentença, a fim de se evitar possível indenização indevida sobre ter-ras públicas e devolutas.

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO. CONCLUSÃO DO GEORREFERENCIAMENTO ANTES DA PROLAÇÃO DA SENTENÇA. ÁREA MAIOR DO QUE A ESCRITURADA. RISCO DE SEREM INDEVIDAMENTE INDENIZADAS TERRAS PÚBLI-CAS. 1. Existente a possibilidade de o imóvel de-sapropriado ocupar área maior do que a escritu-rada e risco de serem indevidamente indenizadas terras públicas. 2. Mostra-se conveniente para a instrução do feito a identificação precisa da área, para fins de afastar eventual indenização indevida sobre terras públicas, as quais, não podem ser objeto de apossamento. 3. A própria

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agravada admite a possibilidade concreta de des-vio entre as áreas escrituradas e as efetivamente existentes, em virtude do aperfeiçoamento atual da precisão dos aparelhos de medição. (TRF-4, Re-lator: MARGA INGE BARTH TESSLER, Data de Julga-mento: 14/04/2010, QUARTA TURMA). (grifou-se).

Diante do exposto, convém observar que o argumento segundo o qual a natureza originária da aquisição por desapropriação implicaria na desnecessidade do Geor-referenciamento não parece ser o mais acertado, tendo em vista que, se assim o fosse, na usucapião – forma de aquisição também originária – essa mesma premissa se-ria adotada. Ocorre que, conforme já analisado, na ação de usucapião, a discussão que existe é acerca do mo-mento processual para apresentação do laudo georrefe-renciado, sendo pacífico que sua realização é obrigatória para fins registrais.

Nesse panorama, mostra-se relevante o julgado do TRF – 4ª Região citado, o qual expôs com clareza a impres-cindibilidade, no caso concreto, de realização do Georre-ferenciamento no decorrer da instrução do processo de desapropriação. Da mesma forma como foi dito acerca da ação de usucapião, o que se busca aqui é a segurança jurídica das relações jurídicas e a exatidão em relação ao título a ser formado na prolação da sentença.

4.2 Críticas Doutrinárias

Seria no mínimo irrazoável apresentar uma inovação re-gistral de tal amplitude exclusivamente sob a ótica de uma realidade perfeita, em que fixados os prazos, eles seriam de pronto obedecidos e consequentemente, a situação fundiária no Brasil naturalmente se regulariza-

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ria. Por isso é que, partindo de um vetor axiológico que preza pela imparcialidade, dirige-se o olhar agora para os pontos do instituto do Georreferenciamento que vem sendo alvo de críticas pela doutrina.

Primeiramente, insta ressaltar o enfoque político dado à questão, para posteriormente estudar a celeuma de na-tureza jurídica.

Segundo Jacir Antônio Rambo e Luiz Inácio Rambo25, a prorrogação gradual dos prazos estabelecidos para o Georreferenciamento, os quais de um máximo de 3 (três) anos passaram para um máximo de 20 (vinte) anos após o Decreto nº 7.620/2011, decorreu das “[...] conhecidas e verdadeiras dificuldades técnicas, financeiras e de for-mação de pessoal qualificado na quantidade requerida aos procedimentos necessários para se cumprir as exi-gências da legislação registral”.

Ademais, após a conclusão do levantamento geodésico - o qual por sinal é demasiadamente custoso e repleto de entraves burocráticos – só resta ao interessado se sujeitar a um verdadeiro “banco de reservas” e aguardar que o INCRA proceda à certificação. Isso porque a enti-dade autárquica carece de estrutura logística para que tal certificação seja realizada em tempo razoável26.

Nesse contexto, em virtude da demora desproporcional, não raras vezes são ajuizadas ações na esfera federal a

25 RAMBO, Jacir Antônio; Luiz Inácio. Implantação do Cadastro Territorial Mul-tifinalitário no Brasil. Rev. Bras. Geom., v.1 n. 1, 48-57, 2013. Universidade Tec-nológica Federal do Paraná, Pato Branco, PR, Brasil. Disponível em: <http://revistas.utfpr.edu.br>. Acesso em: 27 set. 2014.

26 SANTOS, Marcos Alberto Pereira. Georreferenciamento - A Exigibilidade Inde-vida Da Certificação Pelo Incra. Disponível em: <www.artigonal.com>. Acesso em: 14 out. 2014.

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fim de coagir a apuração dos projetos, conforme exem-plifica Marcos Alberto Pereira Santos:

Assim, o judiciário, a exemplo do processo de nº. 2007.36.00.009567-3/MT, que tramitou perante do TRF1, manteve a sentença ad quo que conce-deu segurança ao Impetrante, no sentido de fixar prazo ao Instituto de Reforma Agrária para que concluísse a certificação no prazo de quinze dias, sob pena de multa diária27.

Observa-se então que a aplicação do instituto encontra óbices na ineficiência do INCRA no que diz respeito à homologação, o que significa, necessariamente, viola-ção do Princípio da Eficiência preconizado pelo art. 37 da Constituição Federal28, além de desrespeito ao direito de propriedade.

Ainda no domínio da competência do INCRA, é sabido que este ente é que deve - ou deveria - arcar com os custos do procedimento decorrentes da isenção previs-ta para o proprietário rural cuja somatória de áreas não ultrapasse 4 (quatro) módulos fiscais. Ora, conforme en-fatizou Marcos Alberto Pereira Santos29, até o presente, não se tem conhecimento de nenhum feito desses. So-bre isso, não há qualquer motivo para surpresa, tendo em vista a falta de estruturação logística já mencionada.

De outro lado, imprescindível a análise do instituto da certificação sob o ponto de vista jurídico. A Lei nº

27 Ibid.

28 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos prin-cípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...).

29 SANTOS, op. cit.

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10.267/2001, ao introduzir o Georreferenciamento no ordenamento jurídico, não previu que o memorial des-critivo georreferenciado precisaria de certificação pelo INCRA, estabelecendo somente a observância quanto às coordenadas a serem fixadas por ele30.

A obrigatoriedade de certificação só surgiu a partir do Decreto 4.448/2002, e sobre esta norma, Marcos Alber-to Pereira Santos31 ensina que não pode se sobrepor à previsão legal, porquanto o Decreto é instrumento normativo que não pode inovar, devendo tão somente regulamentar a Lei. Ou seja, se o legislador quisesse a submissão dos memoriais descritivos à certificação do INCRA deveria ter produzido tal regramento através de Lei stricto sensu, não Decreto; como não o fez, deve ser feita interpretação restritiva.

Ainda sobre o tema, o autor complementa:

30 Lei 6.015/73:Art. 176. [...] § 3o Nos casos de desmembramento, parcelamento ou re-membramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1o será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Res-ponsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais. Art. 225. [...]§ 3o Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordena-das dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferen-ciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos pro-prietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.31 SANTOS, op. cit.

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O Decreto 4.449/02, não só exige a certificação, como também prescreve severa restrição de du-vidosa constitucionalidade. É que o seu § 2º do art. 10º, dispõe que após transcorridos os prazos no caput elencados, o imóvel não poderá ser desmembrado, nem parcelado ou remembra-do, como também não poderá ser transferido, isto é, em nada poderá ser alterado no registro imobiliário. É demais aceitar que a fruição do direito de propriedade seja mitigado por decreto regulamentador. Foi infeliz o legislador, atentando contra o inciso XXII do art. 5º, que consagra um dos mais importantes pilares da atual Constitui-ção Cidadã, qual seja, direito à propriedade32.

Ademais, é possível notar que o instituto possui pouca força normativa, uma vez que “a certificação do memo-rial descritivo pelo INCRA não implicará reconhecimento do domínio ou a exatidão dos limites e confrontações indicados pelo proprietário”, nos termos do art. 9º, §2º do Decreto 4.449/2002.

Assim sendo, fica no ar o seguinte questionamento: “Ora, se depois de se gastar exageros, superar entraves buro-cráticos, colher assinaturas de confrontantes [...] ainda não sem tem pelo menos a presunção de exatidão dos limites, [...] qual então é a necessidade da certificação?”33.

Eduardo Augusto34, Diretor dos Assuntos Agrários do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB, vai além, propondo uma reforma no procedimento da certifica-

32 SANTOS, op. cit.33 SANTOS, op. cit.34 AUGUSTO, Eduardo. Georreferenciamento: Novos Prazos e Mudanças no Decreto nº 4.449/2002. Disponível em: <http://eduardoaugusto-irib.blogs-pot.com.br>. Acesso em: 14 out. 2014.

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ção, o qual se encontra sobrecarregado. Essa sobrecar-ga, segundo ele, se deve ao fato de que, a fim de evitar fraudes, o INCRA tem realizado também análise da titu-laridade, situação jurídica e confrontações do imóvel, sem possuir competência legal para tanto.

O que ele propõe é uma inversão no rito procedimen-tal: o Georreferenciamento seria iniciado no Registro de Imóveis através do procedimento extrajudicial de retifi-cação de registro, em que o registrador imobiliário ana-lisaria a titularidade da área, identificaria as confronta-ções e determinaria o saneamento de todas as eventuais falhas existentes no imóvel35. Veja:

A única diferença do procedimento tradicional está no fato de que, após a qualificação positiva dos trabalhos técnicos, o registrador não pratica-rá o assento registral retificatório, pois irá aguar-dar a certificação do INCRA no tocante apenas às exigências técnicas e à não-sobreposição da poli-gonal a outra poligonal constante de seu cadastro georreferenciado. Somente depois da certificação do INCRA, o registrador procederá a retificação na matrícula do imóvel.

Por fim, apresentadas as críticas mais frequentes acerca do tema, não pode passar despercebido o fato de que tanto sob o enfoque político quanto jurídico, o alvo cen-tral de tais críticas não é o Georreferenciamento em si, mas sim alguns aspectos inerentes ao procedimento como um todo.

35 Ibid.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Georreferenciamento possui íntima relação com o Princípio da Especialidade registral, na medida em que possibilita uma descrição exata do bem objeto de regis-tro. No decorrer deste trabalho, buscou-se enfatizar essa ligação, sobretudo pelo fato de que a sua observância é obrigatória nos casos legais.

A Lei dos Registros Públicos prevê, no bojo dos seus ar-tigos 176 e 225, as referidas hipóteses, quais sejam, de desmembramento, parcelamento, remembramento e transferência de imóveis rurais, bem como autos ju-diciais que versem sobre eles. Assim, trata-se de regra voltada exclusivamente para o âmbito rural, uma vez que, como já foi explanado, esse sistema de medição foi introduzido no ordenamento jurídico a pretexto de so-lucionar os problemas decorrentes das irregularidades existentes na esfera fundiária.

No que diz respeito às ações judiciais, foi visto que a exigência do Georreferenciamento está condicionada à premissa de que o imóvel rural seja objeto central da demanda. A partir disso, passou-se à análise das ações de usucapião e de desapropriação, sendo, ambas, instru-mentos que viabilizam a aquisição originária da proprie-dade.

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Apesar da vaga apreciação do tema pela doutrina, os objetivos específicos do presente trabalho foram alcan-çados, uma vez que o sopesamento realizado entre as fontes jurisprudenciais permitiu uma análise crítica da aplicação do instituto. E diante do que foi apresentado, salvo melhor juízo, restou demonstrada a importância de se fazer uma interpretação mais restrita à letra da nor-ma de regência, ou seja, exigir o Georreferenciamento nas ações judiciais analisadas, buscando atender ao seu fim social.

Sem querer aparentar um falso esgotamento finalísti-co da norma, foi mostrada, ao final do terceiro capítulo, uma visão crítica em relação ao instituto. Por esta, ficou evidente que a proposta do legislador de possibilitar uma regularização fundiária no país se esbarra nos en-traves políticos existentes no âmbito do INCRA, mor-mente em relação à sua ineficiência administrativa. Ora, de que valerá a norma se o seu intento precípuo não for alcançado?

Assim, não restam dúvidas quanto à necessidade de aperfeiçoar a realização dos procedimentos de compe-tência do órgão fundiário a fim de sanar as falhas que ainda se verificam na operacionalização normativa. Ade-mais, não só é preciso pessoal que consiga atender à demanda, como também é imprescindível que esse pes-soal tenha o conhecimento específico requerido para realização de tais procedimentos.

Ultrapassada essa questão, é importante concluir afir-mando ser incontroverso o valor do Georreferenciamen-to como instrumento apto a promover uma verdadeira interconexão entre o Registro de Imóveis e o Cadastro Rural. Apesar das críticas e dos óbices existentes à sua aplicação, ele é de fundamental relevância quando se

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fala na promoção da segurança jurídica, sendo esta uma condição essencial para o exercício legítimo do direito de propriedade.

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