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LEITURA E МEMÓRIA CULTURAL DOS POVOS ESLAVOS NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA - RECANTO DE LEMBRANÇAS

Autora: Professora PDE Eugênia Osatchuk1

Orientador: Professor Dr. Edson Santos Silva2

RESUMO

A Região Centro-Sul do Paraná foi colonizada basicamente por imigrantes eslavos, de modo especial, poloneses e ucranianos. A Escola Dr. “Chafic Cury”- Rio Azul, local de implementação do Projeto do PDE, está plenamente inserida nesse contexto. Por essa razão o presente artigo visa relatar atividades planejadas e executadas cujo objetivo foi promover práticas que identificassem, resgatassem e evidenciassem as significações históricas e culturais do processo de leitura desses imigrantes, estabelecendo diálogo intergeracional entre idosos descendentes de imigrantes eslavos e alunos do 8º ano. Pelo estreitamento da relação escola e comunidade, foram relatadas visões de mundo construídas pela prática de leitura dessas pessoas idosas. Considerando que a função primordial da escola e da linguagem é a função social, o projeto teve o intuito de ir ao encontro da comunidade a fim de evitar que histórias de vida ricas em ensinamentos, sejam devoradas pela contemporaneidade por falta de compartilhamento, e principalmente por falta de registro escrito. As práticas de leitura dos idosos, durante sua infância e juventude, foram exploradas por meio de entrevistas. As informações coletadas dialogicamente foram transformadas em narrativas, compondo o caderno “Recanto de Lembranças” para que, fazendo parte do acervo das bibliotecas do município, possam ser lidas, relembradas e analisadas pelas crianças e adultos, fazendo com que se perpetuem as marcas históricas da colonização da Região.

PALAVRAS-CHAVE: imigração Ucraniana; história de leitura; povos eslavos; leitura e memória

РЕЗЮМЕ

Південнo центральна частина Парани була колонізована головно імігрантами слов'янами, периважно, поляками й українцями. Стадуальна Колегія “ Др. Шафік

1Pós- Graduação: Universidade Estadual do Centro- Oeste – UNICENTRO – Irati; graduação Fundação Faculdade de Educação Ciências e Letras de Irati – FECLI;2 Professor Dr. em Literatura Portuguesa pela USP e professor adjunto da Universidade Estadual do Centro- Oeste do Paraná – UNICENTRO - Irati

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Курі“- Ріо Азул, місце імплементації проекту ПДЕ, вповні включена в цей контекст. Тому, ця стаття має на меті висвітлити активності, які мали на ціль висувати педагогічні практики для ідентифікації, відживлювання й висвітлювання історичного й культурального значення процесу розпізнавання тих імігрантів через діалог між ґенерацією старших імігрантів зі слов“янського походження і учнів 8-го класу.Через звуження відносин між школою і суспільством,представлені поглядина світ ми старалися осягнути методою читання селекціонованих старших осіб. Тому, що головне завдання школи й мови має суспільну функцію, цей Проект старався увійти в діалог зі суспільством, щоб так уминути небезпеку, щоб історії життя багаті в навчання були поглинуті теперішністю через брак спілкування, а головно через брак записаного документу. Студіювання дитинства й молодечих літ нинішних старців, відбувалося через інтерв“ю з особами. Зібрані в діалогах інформації представлені в написаних оповіданнях і вони становлять записник “Куток пам“яток“, щоб, включені до збірника бібліотек і шкіл муніціпія Ріо Азул, змогли бути прочитувані, пригадувані й студіовані дітьми й старшими, і щоб в них історичні марки колонізації в тих місцевостях увіковічилися.

КЛЮЧОВІ СЛОВА: українська імміграція; історія читання слов'ян; читання і пам'ятi.

1 INTRODUÇÃO

O Colégio Estadual “Dr. Chafic Cury”- Ensino Fundamental e Médio de Rio

Azul- recebe muitos alunos que são filhos de descendentes de imigrantes eslavos.

Trata-se, pois, de extrema necessidade que a escola contribua para que seus alunos

reflitam a respeito de importantes fatos históricos que construíram o seu contexto

As aulas de Língua Portuguesa, na sua essência, devem primar pela

utilização da linguagem como fenômeno social. Dessa forma, buscar soluções,

planejar novas práticas, preencher lacunas pedagógicas que vão surgindo no

decorrer dos anos deve ser o anseio de todo professor de Língua Portuguesa.

Planejar novas propostas certamente é o caminho para que ocorram novas

descobertas e novos propósitos.

A escolha do tema justifica-se pela falta de relações dialógicas entre alunos

e comunidade e pela falta de registros escritos de fatos que de alguma forma

contribuíram para a construção da história regional. O PDE foi o caminho para a

realização de atividades com este objetivo. Aliando a prática pedagógica ao estudo

acadêmico, foi possível suprir essa necessidade percebida na escola.

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Historicamente, no Brasil, a experiência da velhice não é valorizada pela juventude,

todavia, o jovem precisa aprender a extrair dos mais velhos a sabedoria adquirida e

assim melhorar a sua vida por meio da contextualização. Afinal, o velho faz parte do

novo, assim como o novo é a continuidade do velho.

Muitas vezes falta aos alunos motivação para buscar o conhecimento que

diz respeito à sua cultura nos livros, e ao professor faltam ideias para motivá-los,

pois é necessário que o novo desperte ecos na alma dos alunos para que se

apaixonem pelo que lhes é sugerido.

Construir conhecimento étnica e historicamente situado, e nesse contexto

inserir os alunos como sujeitos de transformação de tal meio, também justifica a

proposta, a fim de que o peso da realidade atual não corroa e apague a identidade

das pessoas.

O trabalho apresentado neste artigo visou organizar e desenvolver

atividades diferenciadas, a princípio por meio da linguagem oral e posteriormente

por meio da escrita, dando atenção especial à história de leitura dos idosos

descendentes de eslavos.

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Já constitui passado o tempo em que a História era apenas uma pesquisa

de documentos oficiais ou o registro da história de vida dos famosos. Hoje é

necessário que a escola desperte a consciência nos alunos de que somos

responsáveis pela produção e pela escrita de nossa história e envolva os alunos

nesse trabalho. As atividades possibilitaram a aproximação de gerações para

explorar por meio de entrevistas as práticas de leitura vivenciadas historicamente

pelos entrevistados e foi possível confrontá-las com as práticas de leitura dos

entrevistadores. Assim, as palavras de Pecheux são significativas:

Se é bem verdade que todos os povos, indistintamente, têm ou tiveram uma tradição oral, mas relativamente poucos tiveram ou têm uma tradição escrita, isto não torna a oralidade mais importante ou prestigiosa que a escrita. Trata-se apenas de perceber que a oralidade tem uma “primazia cronológica” indiscutível sobre a escrita. A mudança de visão operou-se a partir dos anos 80, em reação aos estudos das três décadas anteriores em

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que se examinavam a oralidade e a escrita como opostas, predominando a noção da supremacia cognitiva dentro da escrita. È fundamental considerar que as línguas se fundam nos usos e não o contrário. (2005 p. 16 -17)

É fato que no mundo todo, os idosos constituem grande parte da

sociedade. O avanço científico, o controle e a prevenção de doenças levam à

longevidade. Este novo fenômeno apresenta a existência de várias gerações sob o

mesmo teto. Portanto, o convívio intergeracional nas diferentes esferas: família,

escola e sociedade deve ser encarado como algo benéfico, de enriquecimento

mútuo, tendo como premissa o diálogo e a troca de experiência entre as gerações.

Na história da humanidade, a família sempre cumpriu papel de primeira

formadora em todos os aspectos. As práticas de leitura oral eram os meios mais

utilizados para manter e repassar seus costumes e tradições às novas gerações. A

hierarquia familiar era totalmente respeitada, os idosos, com suas experiências e

sabedoria, adquiridas pelos anos, eram respeitados e admirados. Outrora, avós,

pais, filhos e netos passavam várias horas do dia dialogando. Essa convivência

criava laços afetivos, as experiências de vida e ensinamentos considerados

necessários eram passados pela linguagem oral às novas gerações, como se

observa:

Os relatos orais sobre o passado englobam explicitamente a experiência subjetiva. Isso já foi considerado uma limitação, mas hoje é reconhecido como uma das principais virtudes da história oral: fatos pinçados aqui e ali nas histórias de vida dão ensejo a percepções de como um modo de entender o passado é construído, processado e integrado à vida de uma pessoa. (FERREIRA e AMADO, 2006, p.156)

A sociedade tecnológica, com as diferentes telas (computador, TV, celular,

etc.), invadiu as casas das famílias. As práticas de leitura e as ações de convívio

familiar foram mudando. A vida competitiva e a busca desenfreada pelos bens

impõem separação de gerações, mesmo vivendo sob o mesmo teto. A sociedade

contemporânea vive acelerada pelas mudanças no campo tecnológico, econômico e

social. Tal realidade coloca os alunos diante de muitas possibilidades de leitura.

Numa perspectiva social da linguagem, utilizando o gênero discursivo oral tentou-se

resgatar fatos relevantes da vida do grupo selecionado de descendentes de

imigrantes eslavos, a fim de que se evite o distanciamento das gerações e para que

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não se perca a história local e regional.

Hoje fala-se tanto em criatividade... mas, onde estão as brincadeiras, os jogos, os cantos e danças de outrora? Nas lembranças de velhos aparecem e nos surpreendem pela sua riqueza. O velho é guardião de um tesouro. Ele nos aborrece com o excesso de experiência que quer aconselhar, providenciar, prever. Se protestamos contra seus conselhos, pode calar-se e talvez querer acertar o passo com os mais jovens. Essa adaptação falha com frequência, pois o ancião se vê privado de sua função e deve desempenhar uma nova, ágil demais para o seu passo lento. A sociedade perde com isso. Se a criança ainda não ocupou nela o seu lugar, é sempre uma força em expansão. O velho é alguém cheio de dons que se retrai de seu lugar social e este encolhimento é uma perda e um empobrecimento (BOSI, 2007, p.83)

No que diz respeito à história familiar, à formação cultural e à vivência de

valores vale conferir o que afirma Chauí:

Por que temos que lutar pelos velhos? Porque são a fonte de onde jorra a essência da cultura, ponto onde o passado se conserva e o presente se prepara, pois como escrevera Benjamin, só perde o sentido aquilo que no presente não é percebido como visado pelo passado.( CHAUÍ apud Bosi, 2007,p.18).

Ainda na esteira de Marilene Chauí:

“A sociedade industrial é maléfica à velhice, pois nela todo sentimento de continuidade é destroçado, o pai sabe que o filho não continuará sua obra e que o neto nem mesmo dela terá notícia. Destruirão amanhã o que construímos hoje”. (CHAUÍ apud Bosi, 2007, p. 25)

Na perspectiva discursiva, a afirmação a seguir fundamenta o que se

propunha: perpetuar as histórias orais por meio de narrativas:

Cada manhã recebemos notícias de todo mundo. E, no entanto, somos pobres em histórias surpreendentes. A razão é que os fatos já nos chegam acompanhados de explicações. Em outras palavras: quase nada do que acontece está a serviço da narrativa, e quase tudo está a serviço da informação. Metade da arte narrativa está em evitar explicações. O extraordinário e o miraculoso são narrados com a maior exatidão, mas o contexto psicológico da ação não é imposto ao leitor. Ele é livre para interpretar a história como quiser, e com isso o episódio narrado atinge uma amplitude que não existe na informação. As narrativas são constituídas por tecidos adiposos carregadas de significados, emoções, lembranças, que as fazem antagônicas em relação às informações porque são feitas da

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sabedoria do homem. (BENJAMIN, 1987, p. 203)

A intenção de contextualizar as diversas vozes obtidas e construídas na

linha do tempo por meio do diálogo entre alunos e idosos teve seu embasamento

com a seguinte afirmação:

Para haver relações dialógicas, é preciso que qualquer material linguístico (ou de qualquer outra materialidade semiótica) tenha entrado na esfera do discurso, tenha sido transformado num enunciado, tenha fixado a posição de um sujeito social. Só assim é possível responder (em sentido amplo e não apenas empírico do termo), Isto é, fazer réplicas ao dito, confrontar posições, dar acolhida fervorosa à palavra do outro, confirmá-la ou rejeitá-la, buscar-lhe um sentido profundo, ampliá-la. Em suma, estabelecer com a palavra de outrem relações de sentido de determinada espécie, isto é, relações que geram significado responsivamente a partir do encontro de posições avaliativas (FARACO, 2003, in DCE’s, p.64)

Pela interação face a face criança/idoso a língua deixou de ser um sistema

de regras e o estudo não era mais das regras e sim uma prática discursiva social e

meio de expressão e interação. Essa abordagem linguística levou o aluno a viver a

língua entre parceiros, fazendo-a viva. Nesse sentido, lembra Bakhtin (2003, p.261):

“Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem

por meio de enunciados orais e escritos que são o uso efetivo da língua”.

O ser humano constitui-se a um só tempo: físico, psíquico, social, cultural e

histórico. Desse modo o meio que utiliza para construir sentidos nos mais diversos

contextos e épocas é a linguagem oral e escrita. Esse enfoque pode ser observado

na afirmação:

A formação discursiva é o lugar da construção de sentido, sua matriz por assim dizer. O que nos leva a entender que o sentido de uma palavra, de uma proposição, etc. não existe em si mesmo, mas é determinado pelas posições ideológicas postas em jogo no processo social-histórico em que as palavras, expressões e proposições são produzidas, Isto é, reproduzidas.( PECHÊUX, 2005, p. 66 )

3 DESENVOLVIMENTO

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A proposta do Projeto foi explorar a história de leitura dos descendentes de

imigrantes eslavos. O Caderno Pedagógico elaborado antes da implementação teve

a função de nortear qualitativamente a fase mais significativa do PDE: a prática

pedagógica, com sugestões de atividades para o seu desenrolar desejável.

O segundo passo foi por meio da Rede no Portal da Educação divulgar e

receber sugestões dos colegas professores que também se interessam por

atividades similares em suas práticas pedagógicas.

O passo a passo das atividades serviu para que houvesse motivação e

inserção dos alunos.

Para melhor ilustrar o conteúdo histórico no momento da implementação, foi

apresentada aos alunos a História da Imigração Ucraniana no Brasil a fim de inseri-

los no contexto a ser refletido e vivenciado durante as entrevistas. Outra justificativa

para esta atividade foi que no ano de 2011 comemorou-se o aniversário de 120 da

vinda dos primeiros imigrantes ucranianos ao Brasil. Sendo assim, pode-se conferir

com o texto a seguir:

A primeira etapa da imigração ucraniana para o Brasil ocorreu de 1891 até

1907, a segunda etapa com vinda maciça de imigrantes ocorreu entre 1907 e 1914,

sendo que a maioria dos colonos era proveniente da Galícia (parte ocidental da

Ucrânia) e a terceira etapa da imigração aconteceu entre as duas guerras mundiais.

O Brasil independente, nessa época, era um país pouco povoado, já havia

abolido a escravatura, era necessário preencher os vazios demográficos. O governo

tratou de trazer europeus que colonizassem essas terras. Foram instalados na Itália

escritórios de emigração a serviço do governo brasileiro. Os agentes destes

escritórios escreviam cartas aos camponeses poloneses e ucranianos, de modo

especial aos camponeses da parte ocidental da Ucrânia, pois nessa região havia

escassez de terra e por essa razão, os camponeses viviam em extrema pobreza.

O Brasil era descrito pelos agentes de forma idealizada, uma espécie de

oitava maravilha do mundo, afinal era necessário motivar o maior número possível

de colonos, como se pode conferir no texto abaixo:

Nos países eslavos, tais agentes encontraram campo dos mais propícios para sua atuação, e a propaganda decaía em lamentáveis excessos que exploravam a credulidade do camponês. A partir de 1895, teve início uma verdadeira debandada de camponeses da Ucrânia para o Brasil, às custas do governo republicano. No decurso de dois anos, mais de cinco mil famílias

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abandonaram suas aldeias e, na grande maioria, fixaram-se no Paraná; entre 1897 e 1907, mais de mil emigraram às próprias custas. Com a renovação do transporte gratuito em 1907, novas grandes levas de emigrantes dirigiram-se ao Paraná. (Fundação Cultural de Curitiba, 1995, p.08)

Por serem agricultores pobres, com baixa escolaridade e muitos analfabetos,

eram alvo fácil de agentes desonestos. Muitos camponeses somente ficaram

sabendo que viriam ao Brasil no momento do desembarque em São Francisco do

Sul em Santa Catarina ( no momento do embarque sabiam que era São Francisco

nos Estados Unidos) e no Rio de Janeiro. Foram embarcados em porões de

desconfortáveis navios, na Ucrânia, na Polônia, na Áustria, na Alemanha e na

Rússia.

Não era possível carregar muita bagagem, trouxeram somente algumas

roupas, em especial as mais frescas, pois foi- lhes dito que para onde iriam não fazia

frio, algumas ferramentas, sementes, objetos sacros e livros. Famílias inteiras

enfrentaram inúmeras dificuldades até chegar à terra que os acolheria. Alguns não

conseguiram alcançar o novo destino. Acometidos de doenças durante a longa

viagem morriam e eram lançados ao mar. Mesmo enfrentando as inúmeras

dificuldades vinham em busca de vida melhor, com desejo de prosperar.

Ao se instalarem nas glebas de 250 mil metros quadrados recebidas do

governo em consignação, e que seriam pagas em dez anos, trataram de lutar pela

sobrevivência e construir a sua história.

O governo forneceu aos imigrantes algumas ferramentas, como: enxada,

machado, foice e cortadeira, fato que auxiliou os imigrantes a abrir estradas que

estão até hoje nessa região, marcando uma nova rota geográfica e cultural.

A primeira dificuldade, sem dúvida, foi a comunicação com os povos que

aqui já existiam. Certamente a identificação com o outro foi entrave face à

pluralidade de conceitos culturais do novo espaço. Todo povo tem uma identidade

que resulta dos traços manifestados por sua cultura e seu falar. Assim, era

necessário quebrar o isolamento cultural que poderia se instalar, e dar início à

construção de uma nova pátria plurilinguística e pluricultural.

Nessa situação, gestos, representações e sinais que indicassem os objetos

e identificassem os fatos eram as práticas geradoras de um discurso comunicativo.

Dentro desse cotidiano ocorreu o maior aprendizado linguístico, sem professores,

sem escola, sem teorias ou tendências, mas fruto da necessidade de

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relacionamento e interação, tudo em busca da sobrevivência. Os diferentes gêneros

discursivos cotidianos breves, isto é, de saudação, despedida, felicitações, votos de

toda espécie, informações, contribuiu para que aos poucos a língua de ambas as

partes se tornasse espaço de produção de sentidos e entendimento.

Fisicamente estavam no Brasil, mas estavam intimamente ligados cultural e

religiosamente à pátria-mãe. Não lhes era possível imaginarem-se em terra distante

sem sua igreja, com suas celebrações e sem material impresso para leitura.

Os imigrantes que sabiam ler e escrever em nome de todos escreviam

cartas para as autoridades eclesiásticas da Ucrânia, pedindo o envio de sacerdotes

e religiosas para o atendimento espiritual, educacional e cultural dentro do seu Rito

na nova terra.

O pedido do povo foi atendido, e em 1897 vieram os primeiros sacerdotes do

Rito Bizantino Católico para dar assistência aos imigrantes. Em 1911, as primeiras

religiosas vieram ao Brasil; foram enviadas sete Irmãs Servas de Maria Imaculada.

Sua principal função era a escolarização dos filhos desses imigrantes.

O ano de 2010 marcou a celebração do Centenário destas irmãs em terras

brasileiras. Elas possuem atualmente muitas escolas de Ensino Fundamental e

Médio nos Estados do Paraná, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

A grande religiosidade do povo se fortalecia nesse momento, pois já

contavam com o importante suporte para eles, dos padres e das religiosas.

Aos poucos foram chegando outros sacerdotes e religiosas, que eram

recebidos com muita alegria pelos imigrantes. A partir desse momento, alimentados

espiritualmente com sua liturgia e sacramentos, com muito sacrifício e trabalho

braçal coletivo, puxando pedras e pesadas madeiras, foram construindo igrejas que

são verdadeiras obras de arte em muitas comunidades, de modo especial, da região

Centro-Sul do Paraná e Norte de Santa Catarina.

No decorrer dos anos, as condições econômicas foram melhorando. O novo

idioma aprendido possibilitava o diálogo, mesmo que precariamente, pois não

deixaram de lado sua língua materna. A troca de experiências já era possível, tanto

em questões agrícolas como linguísticas e culturais, uma vez que a agricultura era a

atividade principal naquele momento e a necessidade de comunicação neste campo

era inevitável.

E assim pequenos povoados, ao redor de uma igreja, centro da vida social,

cultural e religiosa, surgiam na nossa região. À medida que os filhos casavam,

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residências com características arquitetônicas da pátria-mãe eram construídas ao

redor da casa do pai, em substituição aos primeiros e precários barracos. Já

habituados aos costumes de vida locais, formavam-se novas famílias. Os filhos iam

nascendo, deste modo, entre berços de balanço com colchões de palha de milho,

com pés descalços, vestindo roupas costuradas à mão, casas iluminadas com

lampiões a querosene; a história de vida dos imigrantes eslavos foi sendo escrita e

cuidadosamente guardada no baú de suas lembranças.

Com tranquilidade pode-se afirmar que até os dias atuais os descendentes

de eslavos e simpatizantes aprendem a língua dos seus antepassados porque

desejam perpetuá-la por meio dos melodiosos cantos litúrgicos e populares e das

celebrações dominicais e sazonais. Assim, a leitura foi constituindo e fortalecendo o

espírito eslavo/ucraniano em terras brasileiras.

A Secretaria de Estado da Educação do Paraná, com objetivo de resgatar

alguns idiomas e evidenciar outros, institucionalizou a preocupação e a iniciativa

dessas etnias criando em 15 de agosto de 1986, pela resolução Nº 3.546/86, o

CELEM, para oferecer aos alunos da rede e à comunidade interessada o ensino de

línguas estrangeiras. Vale lembrar que em Rio Azul o CELEM do Colégio Dr. A. de

Camargo – Ens. Fund. e Médio oferece o ensino da Língua Ucraniana há 15 anos,

sob a responsabilidade desta pesquisadora. O curso tem duração de três anos, com

quatro aulas semanais e é certificado pela Secretaria de Estado da Educação.

Durante o curso ocorre a alfabetização em língua ucraniana, aprendizado de cantos

religiosos e populares, oficinas de Pêssankas (ovos artisticamente decorados) e de

bordados.

A escola, em conjunto com os alunos e professora, com o apoio da

comunidade ucraniana do município que dispõe de espaço físico e trabalho de

parceria, organiza festas pascais e natalinas e os alunos têm oportunidade de

aprender a confeccionar os pratos típicos que compõem o cardápio. Acontecem

também viagens a locais que representam a imigração ucraniana no Brasil.

Vale ressaltar que em 2007 a Secretaria de Estado da Educação coordenou

a produção de Material Pedagógico para o ensino da Língua, que foi organizado por

um grupo de nove professores, inclusive por esta pesquisadora.

Retornando à história, naquela época, quando os imigrantes já estavam

familiarizados na nova pátria, era necessário pensar em uma escolarização mais

elevada, e como não havia escolas públicas os humildes imigrantes trataram de se

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organizar com material humano, didático e espaço físico improvisados.

Ao lado das Igrejas construíam escolas, e os que sabiam ler e escrever

ensinavam as crianças com os poucos livros de que dispunham. Foram organizadas

pelos imigrantes diversas bibliotecas na região, como: Colônia 5 (Mallet), Nova

Galícia (Porto União), Marco 5( General Carneiro) e em Vera Guarani (Paulo

Frontin ) à qual o Padre Diocesano Metódio Koval dedicou-se de corpo e alma para

constituir uma biblioteca com milhares de volumes.Por dominar, além da língua

ucraniana a língua alemã, Padre Koval conseguiu muitos livros em alemão.

Nesses espaços iniciava-se a prática de leitura oral para toda a comunidade

por um líder. Após as celebrações, o povo reunia-se na escola/biblioteca e liam-se

cartas, livros e material impresso de cunho religioso e cultural vindos da Ucrânia e

de outros países como Canadá e Estados Unidos. A sede por informações políticas,

religiosas, culturais e notícias de familiares que ficaram na pátria-mãe e de alguns

que emigraram para os referidos países era grande. Tal realidade pode ser

confirmada pela leitura da carta do Sr. Teodoro Potoskei escrita em Rio Claro

(Mallet), em setembro de 1897, e enviada ao Jornal Svoboda (Liberdade) de Nova

York, nos Estados Unidos. Este fato comprova a necessidade de leitura e o grau de

cultura dos imigrantes.

Pessoas graduadas também vieram da Ucrânia, por iniciativa própria, com a

preocupação de editar material para leitura aqui no Brasil, fato que pode ser

comprovado pelo texto abaixo:

Em 1907, era publicado o Zoriá “Estrela”, o primeiro jornal publicado em Curitiba, bissemanal, com tiragem de 500 exemplares. Era de propriedade da Sociedade Prosvita, e o primeiro redator foi o médico ucraniano Stephan Petrysky. Infelizmente, três anos depois, não conseguindo superar sérias dificuldades, o periódico viu-se obrigado a encerrar suas atividades. Ainda em 1910, em Curitiba surge outro jornal bissemanal, o Prápor “Bandeira” de propriedade dos padres Basilianos. Em dezembro do mesmo ano, era o jornal transferido para Prudentópolis, onde continuou a ser publicado por algum tempo. A desativação do jornal deu lugar a duas publicações, editadas pelos Padres Basilianos, o Micionar “o Micionário”, periódico mensal de caráter religioso (desde 1911) e o jornal Pracia “Trabalho”, semanário de caráter político-social e orientação católica, fundado em 1912, cujo primeiro redator foi o professor ucraniano Osyp Martenetz, vindo da Galícia (Ucrânia Ocidental) para exercer essa função. Estas duas publicações são editadas regularmente até os nossos dias. Em 1924, surge em União da Vitória o semanário Chliborob “O Lavrador”, editado pela União Agrícola Instrutiva e redigido por Petró Karmansky. De orientação político-social e também veículo de informação dos lavradores, o periódico é transferido para Curitiba em 1934, sendo publicado até a presente data (Fundação Cultural de Curitiba, p. 23).

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Os Sacerdotes Basilianos exerceram papel fundamental nas práticas de

leitura dos imigrantes, pois, com muito esforço, trouxeram para cá máquinas

tipográficas e a partir desse momento toda colônia teria material de leitura formativo

e informativo.

O Jornal “Prácia”, nessa época semanário, publicava notícias da

comunidade ucraniana do Brasil, era a única forma de comunicação entre as

comunidades por onde os sacerdotes passavam. Praticamente toda a colônia lia,

pois as pessoas tinham sede de informação. Além das notícias do Brasil, o “Prácia”

publicava notícias sociopolíticas da Ucrânia.

A Editora dos Padres de São Basílio Magno, em Prudentópolis – Paraná,

desenvolve papel fundamental na manutenção da língua ucraniana no Brasil pelos

materiais impressos que até os dias atuais produz. O material utilizado para a

catequese em todas as comunidades é editado em língua ucraniana e portuguesa,

livros litúrgicos e diversos folhetos garantem à colônia o acesso à leitura em língua

ucraniana. Notícias religiosas, sociais e culturais do Brasil e do exterior têm espaço

garantido neste periódico que é editado quinzenalmente. Possui assinantes no

Paraná, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e em muitos países onde há

descendentes de ucranianos.

A revista mensal Micionar (Missionário), iniciada em 1911, é de caráter

religioso, sendo fundamentação de extrema importância para as pastorais, como

Cruzada Eucarística, Apostolado de Oração e Grupos de Jovens nas comunidades

ucranianas e é intensamente lida até os dias atuais, por conter textos e dinâmicas

que subsidiam as reuniões desses grupos.

Passaram-se de doze a quinze décadas das maiores correntes imigratórias

de eslavos. A interação entre os povos foi acontecendo e desenhando uma trajetória,

hoje admirada por muitos, pela garra, pela luta e pelo desejo de vencer desse povo,

material, espiritual e culturalmente.

As práticas de leitura oral em grupos, como os TCHETANIA, que ainda são

encontradas em algumas comunidades eslavas no Sul do Paraná, hoje fazem parte

de práticas acadêmicas de leitura oral, mudando apenas a roupagem e a

abordagem, como: monografias, teses, artigos e outros. Os trabalhos acadêmicos

ocupam-se na atualidade desse assunto. Pode-se afirmar que os temas, antes

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considerados familiares, fazem parte de projetos de pesquisa nas universidades.

Vale salientar, neste momento, que o dia 24 de agosto foi instituído por

Decreto Presidencial pelo Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva o Dia da

Comunidade Ucraniana no Brasil. Em comemoração a esta data, os Correios

lançaram o Selo Comemorativo, uma homenagem a este povo que muito contribuiu

para a formação social e étnica, ajudando a fazer do Brasil uma pátria de muitas

línguas e culturas.

Muitos costumes ucranianos hoje são incorporados à vida da sociedade em geral,

não somente à dos descendentes. Vale a pena citar alguns desses costumes, como:

PÊSSANKAS3 e bordados com motivos geométricos e florais em roupas do cotidiano

e trajes folclóricos e em paramentos litúrgicos; na gastronomia, hoje são conhecidos:

PEROHÊ4, VARÉNEKE5, HOLUPTCHI6 BORSTCH7, PASKA8, BABKA9,

SVIATCHÉNE10, VELEKODNEI KÓCHEK11 e danças folclóricas com representação

de várias regiões da Ucrânia. Vale ressaltar que atualmente há no Brasil vinte e

quatro Grupos Folclóricos Ucranianos com visões de mundo diferenciadas. Esses

costumes somente foram conhecidos e amplamente difundidos décadas depois,

porque no início não foram compreendidos pela população local. Hoje tais costumes

são valorizados e são a alma da etnia ucraniana. As danças representam a colônia

3 PÊSSANKAS - Ovos artisticamente decorados com cores e simbologias específicas.4 PEROHÊ - Pastéis feitos com massa crescida (como a de pão), recheados com requeijão, batati-nha, repolho, podem ser fritos ou assados.5 VARÉNEKE - Espécie de raviólis feitos com massa sem fermento, recheados com requeijão, batata, repolho, queijo que são cozidos e servidos com molho ou nata.6 HOLUPTCHI - Enrolados feitos com folhas de repolho, recheados com quirera de milho, arroz , ta -tarca, temperados com carne moída e outros recheios que são cozidos no vapor com o molho de preferência.7 BÓRSTCH - Sopa feita de repolho, beterraba, carne suína com temperos específicos como o endro e servida como entrada.8 PÁSKA - Pão salgado redondo, preparado de forma solene, decorado com tranças, flores e ramos feitos da massa e que faz parte da Cesta Pascal.9 BÁBKA – Pão doce redondo, recheado com pedaços de goiabada, frutas cristalizadas, gotas de chocolate ou uvas passas. A Bábka, assim como a Páska deve ser decorada com tranças, flores e ra -mos feitos de massa. Ao lado da Páska faz parte da Cesta Pascal.10 SVIATCHÉNE - Refeição Típica com alimentos que fazem parte da Cesta Pascal servidos em mesa solenemente decorada para ser abençoada com orações específicas para cada alimento. É a Festa da Páscoa celebrada em comunidade.11VELEKÓDNEI KÓCHEK - Cesta Pascal na qual colocam-se os alimentos, de forma solene e que são levados à Igreja para serem abençoados no Sábado de Aleluia ( véspera da Páscoa) e são de-gustados no desjejum do Domingo da Ressurreição. Alimentos que fazem parte do Velekodnei Kó-chek são os seguintes: Paska, Babka, Ser (queijo, requeijão), Kovbassá (lingüiça colonial e outros derivados da carne), Máslo (manteiga), Ovos cozidos, Chênka ( pernial assado ou presunto), Khrin (raiz forte), Pêssankas (ovos decorados cujo objetivo é decorar a cesta ) Krachankas ( ovos cozidos tingidos com corantes comestíveis, como: casca de cebola, beterraba e erva-mate) e Sal.

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ucraniana brasileira fora do país em feiras e festivais, conseguindo ótimas

classificações, e a gastronomia faz parte do cardápio de muitas famílias e está

disponível em restaurantes de cidades paranaenses.

Na sequência da implementação foi realizada uma viagem para colocar os

alunos em contato com a história da imprensa ucraniana no Brasil. Na Editora dos

Padres Basilianos, em Prudentópolis, as crianças conheceram e puderam

presenciar o exato momento da impressão do Jornal “ Prácia” “Trabalho”. O redator

chefe do referido Jornal explanou aos alunos como os padres trouxeram ao Brasil as

máquinas tipográficas e lhes relatou todas as dificuldades encontradas para a

sobrevivência do jornal e da Revista Mensal “Micionar” de 1911 até os dias atuais.

Ambos são editados em língua ucraniana e com parte das matérias em língua

portuguesa. São lidos por muitos descendentes da região em questão, de outras

regiões do Paraná, Santa Catarina, São Paulo e de muitos países onde há

descendentes de ucranianos.

Conheceram também a grande quantidade de material impresso em língua

ucraniana, como: livros religiosos, culturais e material para o ensino da língua.

Conhecer o Museu do Milênio foi o ponto alto da viagem, uma vez que o ambiente

aproximou e reafirmou o que se estudou nos textos históricos em sala de aula.

Visitar o ateliê de decoração de porcelana com motivos ucranianos no Colégio Santa

Olga agradou sobremaneira aos alunos.

Vale salientar que o município de Prudentópolis tem 80% de sua população

constituída por descendentes de imigrantes ucranianos e em seu território situam-se

34 igrejas com características bizantinas, isto é, com cúpulas redondas, com

iconografia oriental e decoradas com coloridos e geométricos bordados típicos

ucranianos, atraindo para o município grande fluxo de turistas.

Este aspecto peculiar de Prudentópolis levou a Rede Globo de Televisão a

implementar na cidade o Quadro do Domingão do Faustão Dança da Galera.

Ocorreu grande envolvimento da população local desde a divulgação até a gravação

da dança. O momento serviu para divulgar mundialmente a identidade de seu povo,

seus costumes, sua cultura, suas inúmeras cachoeiras, constituindo mais de uma

centena delas e suas curiosidades. O programa foi ao ar no dia 22 de abril, de 2012

concorrendo com Bragança, município do Estado do Maranhão e Prudentópolis

sagrou-se campeã do Quadro.

Todas as dificuldades enfrentadas pelos imigrantes nos primeiros anos em

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terras brasileiras, de modo especial da região de Mallet, para construir suas igrejas e

suas escolas, as quais seriam seu ponto de encontro na nova pátria, citadas nos

textos estudados em sala de aula puderam ser confirmadas com a viagem à Serra

do Tigre, Mallet. Os alunos tiveram a oportunidade de conhecer a Igreja São Miguel

Arcanjo, construída pelos imigrantes em 1899 que hoje faz parte do Patrimônio

Histórico Cultural do Estado do Paraná. Esta Igreja começou a ser construída pelos

imigrantes em 1897 e foi concluída em 1903, sob a orientação do Padre Nikon

Rozdolsky.

Foi realizada uma visita à Igreja São José, em Dorizon, distrito a 5 km de

Mallet. Esta Igreja situa-se em lugar elevado e suas majestosas cúpulas redondas

destacam-se entre as araucárias da região. O templo foi construído nos primeiros

anos da imigração ucraniana e durante a construção inúmeras foram as

dificuldades. No interior da Igreja, os alunos puderam observar a decoração

característica bizantina. Na sede do município de Mallet, que também é berço da

imigração ucraniana, os alunos conheceram a Igreja Sagrado Coração de Jesus,

com todas suas características peculiares.

É inegável que a língua e a cultura mantidas até hoje, em diversas formas de

leitura, são frutos da inabalável fé e da expressiva organização religiosa. No tríplice

contexto: igreja, língua, cultura, os imigrantes foram enraizando a identidade

eslava/ucraniana no Brasil.

Para maior aproximação com a história dos primeiros anos dos imigrantes

em terras brasileiras foi trabalhada a carta que o Sr. Teodoro Potoskei escreveu em

setembro de 1897 ao Jornal “Svobodá” “ Liberdade” dos EUA, como se pode conferir

a seguir:

Rio Claro, setembro de 1897

Prezados irmãos ucranianos da América!Escrevo para vocês com um grande entusiasmo. Alegro-me em poder receber e ler o vosso jornal (Svobodá). Ele é lido, não apenas por mim, mas por todos os ucranianos que vivem em nossa Colônia. Temos aqui uma sala de leitura, junto à residência que nós construímos para o nosso padre, Nikon Rozdolsky. Esta casa e a sala de leitura, são bastante grandes, nela instalamos uma escola para as nossas crianças. No início, aqui estudavam 40 crianças das famílias vizinhas. Para a sua construção, gastamos 1.000 réis, apenas mão-de-obra. Todo o material foi doado pelas famílias. Devemos ainda construir a escola e pintar...

Nós nos reunimos para a leitura, após a Divina Liturgia dos domingos. As crianças andam na escola todos os dias, na parte da manhã. Ainda não temos um professor, pois não temos dinheiro para pagá-lo. Porém, temos um sacerdote muito bom, que está ensinando nossas

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crianças sem receber salário, pois ele entende muito bem as nossas dificuldades. Já faz dois anos que nos encontramos nesta colônia. Construímos já a nossa Igreja, a residência do sacerdote e a sala de leitura que funciona como escola...

O Padre Nikon ensina muito bem as nossas crianças, não apenas a catequese, mas também noções de aritmética e a Língua Portuguesa . Nós precisamos muito aprender esta língua, porém nunca devemos abandonar a nossa língua materna...

Os brasileiros nos estimam muito, freqüentam inclusive a nossa igreja. Precisamos saber nos comunicar com eles. Muitas vezes eles freqüentam nossas casas, nos visitam. Eles apreciam o nosso modo de cultivar a terra. Querem nos imitar. Aqueles que moram mais próximos de nós, já conseguem semear o centeio, cultivar as batatinhas. Alguns conseguem falar a Língua Ucraniana. No começo, quando os brasileiros chegavam até nós, oferecíamos a eles um pedaço de pão. Porém eles não aceitavam, porque não sabiam o que era. Hoje eles apreciam muito o nosso pão. Por isso, eles admiram muito o nosso povo...

Fazemos um pedido a vocês e ficaríamos muito gratos se fôssemos atendidos: precisamos semente de árvores frutíferas, porque ainda não temos aqui em Rio Claro. Na cidade de Curitiba já existem pomares com vários tipos de árvores frutíferas de origem europeia. Aqui em Rio Claro temos apenas frutas cítricas: laranjas, limões e alguns tipos de ameixas brasileiras. Já plantei a uva, mas ainda não está produzindo. Nem todos ucranianos possuem um parreiral ou outros tipos de frutas. Muitos dos ucranianos procuram imitar os poloneses que já se encontram no Brasil há oito anos. Muitos plantam a mandioca e dela fazem a farinha. Esta farinha pode ser misturada no pão ou comer com carne. Aqui existem plantações de banana – uma fruta com casca dura. Quando nós a descascamos, encontramos uma fruta muito deliciosa, parecida com a manteiga. É muito bom comer o pão com banana. Existem ainda outras árvores frutíferas. A guabiroba produz um fruto muito doce. Existe também a cereja, uma fruta vermelha muito boa. A variedade de árvores na floresta é muito grande, ainda não sei identificar todas. Algumas eu conheço pelo nome: pinheiro, imbuia, cedro, canelas, palmeiras, guabiroba, cereja. Para a construção de casas as melhores madeiras são produzidas pela imbuia, pelo pinheiro e pelo cedro. O clima aqui é muito saudável, a água também é muito boa. Quase todos nossos colonos possuem criações de abelhas. A produção de mel é muito boa, mas ninguém quer comprar porque cada um tem sua própria produção...

Hoje escrevemos de nossa sala de leitura, recebemos o correio no 1º de novembro de 1896. Junto com o sacerdote fomos até a cidade de Rio Claro, onde funciona o correio. O carteiro, um representante do governo local, é uma pessoa muito rica. Nós o convencemos a entregar as correspondências para nós endereçadas, aqui na Colônia 5, em nossa sala de leitura. Toda a Colônia pode retirar as suas correspondências aqui em nossa sala de leitura. Nós contratamos uma pessoa que duas vezes por mês, deverá ir até Rio Claro para trazer esta correspondência. Durante os últimos dois meses nós não recebemos nenhuma correspondência, perdeu-se em algum lugar. Tudo aquilo que vocês nos enviaram, nós recebemos. Somos muito gratos, todos os membros de nossa sala de leitura agradecem . De um modo especial agradecemos o jornal “Svoboda”, que nos traz as notícias de nossa terra natal, bem como, dos ucranianos que se encontram nos EUA. “Svoboda” é a primeira andorinha ucraniana, que voou entre nós aqui na floresta, quando aqui chegamos e ainda amargamente chorávamos e sentíamos a saudade da nossa terra natal, da qual nunca nos esquecemos, embora aqui vamos viver e morrer. Muito suor e lágrimas derramamos nesta terra para podermos construir a nossa propriedade. Passamos por uma dura escola. Muito obrigado pelos livros. Os membros da nossa comunidade agradecem os calendários, principalmente pelo calendário do ano de 1898.

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Agradecemos à organização Prosvita, pelos livros e jornais. Não se esqueçam de nós. Nós também não nos esquecemos da pátria-mãe e sempre nos lembramos que somos filhos da Ucrânia. Por ela vivemos. Pediria que os livros e o jornal fossem enviados em nome do padre Nikon Rozdolsky ou Teodoro Potoskei, na Colônia 5, Rio Claro. Aqui todos nos reunimos, aos domingos após a Divina Liturgia, para a leitura em nossa sala. Distribuímos livros e jornais para que as pessoas possam ler durante a semana. No domingo, eles nos devolvem. Assim, a nossa sala de leitura está sempre cheia de pessoas. Pediria que nos mandassem mais livros para a escola, para o primeiro e segundo ano. Podem ser livros usados, pois aqui nós não temos aonde conseguir. Pediríamos que nos enviassem, mais tarde, se Deus quiser, poderemos retribuir... Svoboda nos pediu que escrevêssemos o que acontece conosco aqui. Eu escrevi a verdade. Mais tarde escreverei novamente. Agora tenho um pouco mais de tempo livre, por isso vou escrever regularmente para vocês.

É inegável que as atividades proporcionaram aos alunos oportunidade de

conhecimento da história do povo, com vistas à aproximação que seria necessária

para que da melhor forma ocorressem as entrevistas, a fim de explorar a história de

leitura dos idosos selecionados.

Nesse contexto, vale salientar o que afirma Benjamin:

Para que se possa construir uma narrativa é necessário que se recorra à fonte das experiências passadas de pessoa a pessoa. Entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos. (1987, p.198)

Sob a perspectiva de que a fala abre caminho para a escrita, transformaram-

se os dados coletados em narrativas, considerando os elementos composicionais e

constitutivos do gênero, propiciando uma nova leitura a partir da contextualização

construída pelos alunos. Essa possibilidade muda o destino do texto, ou seja, o de

estar confinado na gaveta ou caderno do professor e de ser lido somente por ele. O

ato de escrever certamente reveste-se de outro significado pelo fato de ser

carregado de afetividade e convivência no momento de sua gestação oral e de

posteriormente, em sua forma escrita ultrapassar o universo escolar.

Transcrever a fala é passar um texto de sua realização sonora para a forma gráfica com base numa série de procedimentos convencionalizados. Seguramente, neste caminho, há uma série de operações e decisões que conduzem a mudanças relevantes que não podem ser ignoradas. Contudo, as mudanças operadas na transcrição devem ser de ordem a não interferir

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na natureza do discurso produzido do ponto de vista da linguagem e do conteúdo. ( MARCUSCHI, 2001, p.49)

Considerando os elementos composicionais do gênero, os recursos

narrativos, isto é, discurso indireto, discurso direto e indireto foram utilizados na

transposição da fala à escrita. Pelo discurso indireto os alunos narraram e

apresentaram as suas percepções construídas no decorrer dos diálogos com os

idosos. O discurso direto deu voz às personagens, pois o diálogo escrito dá vida à

narrativa cria condições para que o leitor entre em contato direto com as

personagens. Assim, vejamos como nos fundamentam as DCE’s:

É na escola que o aluno, e mais especificamente o da escola pública, deve encontrar o espaço para as práticas de linguagem que lhe possibilitem interagir na sociedade, nas mais diferentes circunstâncias de uso da língua, em instâncias públicas e privadas. Nesse ambiente escolar, o estudante aprende a ter voz e fazer uso da palavra, numa sociedade democrática, mas plena de conflitos e tensões... O conflito persiste quando se observa que não basta dar a palavra ao outro é necessário aceitá-la e devolvê-la ao outro. (2008, p.38)

A contextualização entre épocas e valores por meio da linguagem em seus

gêneros oral e escrito foi a essência das atividades sem perder de vista ou

empobrecer a construção do conhecimento científico e a sua sistematização,

evitando que a simples comparação gere somente paralelos vazios de subjetividade

e historicidade. Para melhor entendimento, observe-se o que alavancam as DCE’s

neste sentido:

A linguagem é um elemento constitutivo da contextualização sócio-histórica e, nestas diretrizes, vem marcada por uma concepção teórica fundamentada em Mikhai Bakhtin. Para ele, o contexto sócio-histórico estrutura o interior do diálogo da corrente da comunicação verbal entre os sujeitos históricos e os objetos do conhecimento. Trata-se de um dialogismo que se articula à construção dos acontecimentos e das estruturas sociais, construindo a linguagem de uma comunidade historicamente situada. Nesse sentido, as ações dos sujeitos históricos produzem linguagens que podem levar à compreensão dos confrontos entre conceitos e valores de uma sociedade. (2008 p.30)

Segundo Marcuschi (2001), na perspectiva sociointeracionista da linguagem,

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fala e escrita apresentam dialogicidade, usos estratégicos, funções interacionais,

envolvimento, negociação, situacionalidade, coerência e dinamicidade.

O processo narrativo foi adotado para que não se percam informações

preciosas e que por meio da escrita possam perpetuar-se como se observa a seguir:

Uma narrativa tem sempre em sua essência um fundo utilitário, podendo conter um ensinamento moral, provérbio, uma norma de vida, um conselho, para que as experiências não deixem de se perpetuar por meio dos narradores. O conselho tecido na substância viva da existência tem um nome: sabedoria. A arte de narrar está definhando porque a sabedoria – o lado épico da verdade – está em extinção. (BENJAMIM, 1987 p.200)

Os alunos se posicionaram como narradores observadores, seguindo as

linhas básicas de estrutura da narrativa, na tentativa de elucidar os acontecimentos,

respondendo às seguintes perguntas essenciais: o quê? os fatos que determinam a

história; quem? a personagem ou personagens envolvidas; como? o enredo , o

modo como se tecem os fatos; onde? o lugar ou lugares das ocorrências; quando?

os momentos em que se passam os fatos (tempo cronológico).

Também foi explorado o tempo psicológico, que não é material nem

mensurável, somente flui pela mente e transmite a sensação experimentada

durante o tempo em que o fato ocorreu. A produção textual possibilitou aos alunos

uma nova leitura, com novas percepções na retextualização.

Segundo Marcuschi (2001), toda vez que repetimos ou relatamos o que

alguém disse, até mesmo quando produzimos as supostas citações ipsis verbis,

estamos transformando, recriando e modificando uma fala em outra.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para que possamos nos constituir membros ativos de um determinado grupo

é fundamental que tenhamos conhecimento da cultura que constitui este grupo,

mesmo que parcialmente ou sob alguma perspectiva, e neste caso foi explorada a

história de leitura dos povos eslavos.

É papel fundamental da escola preparar os alunos para o pleno exercício da

cidadania. À medida que formos trazendo para a escola atividades diferenciadas e

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menos abstratas talvez consigamos cativar mais nossos alunos. A aproximação das

crianças com os idosos gerou afeto e valorização. A humanidade está carente

desses valores, e neste contexto o PDE cumpriu acima de tudo uma atividade

humanitária, a partir do momento em que por meio das atividades propostas, jovens

e idosos se congregavam numa mesma crença: o resgate da cultura.

Os objetivos a que o Projeto se propôs foram alcançados, de modo especial

o de tecer relações por meio da linguagem, com as histórias de vida e das práticas

de leitura dos descendentes de eslavos: ucranianos e poloneses. O fato se revestiu

de importância, por serem estes povos a essência da formação étnica da Região

Centro-Sul do Paraná e a escola em que o Projeto foi implementado situa-se neste

contexto e recebe grande parte de alunos descendentes de tais etnias.

O PDE proporcionou olhar academicamente para a realidade da falta de

registros escritos, utilizando a linguagem como prática social para evitar que se

percam histórias preciosas, que estão silenciosamente guardadas nas lembranças

dos idosos descendentes desses povos.

As atividades abordadas na Produção Didático-Pedagógica deram

condições os alunos para refletirem acerca da linguagem que é um processo

contínuo e a cada dia novo em suas vidas e que constitui o uso efetivo da língua.

As práticas discursivas, nas suas modalidades: oralidade, leitura e escrita

foram canais de evidenciação e eternização de verdadeiros tesouros escondidos

no baú das lembranças dos idosos que se sentiram mais amados e valorizados pela

escola.

No que diz respeito à produção Didático-Pedagógica, o material elaborado e

desenvolvido com os alunos lhes proporcionou atividades diferenciadas e

prazerosas, por se tratar de fonte de pesquisa histórica, como se pode conferir por

meio dos textos abaixo, produzidos pelos alunos narrando a história de vida dos

entrevistados:

1 Carolina Popovicz Walesko nasceu em Rio Claro, município de Mallet, no

dia 30 de janeiro do ano de 1921, filha de Cassimiro Popovicz e Catarina Prestupa

Popovicz. Quando os colonizadores, de modo especial poloneses e ucranianos,

entre os quais estavam os avós de Carolina, tanto maternos quanto paternos,

chegaram aqui no Brasil, seu pai tinha 6 meses e sua mãe tinha 2 anos.

Carolina nos disse: “Sou uma pessoa abençoada, pois conheci todos os

meus avós . Sei que meus bisavós e também os avós sofreram muito em seu país,

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na Europa. Contavam que ficaram sabendo em suas aldeias, que havia um país que

possuía as sete maravilhas do mundo. Iludidos com aquela repercussão causada

pela notícia, resolveram vir para esse país chamado Brasil. Foram vários dias de

viagem com a ansiedade de conhecer a nova terra com a qual tanto sonhavam.

Quando chegaram ao Brasil foram encaminhados até a localidade de Rio Claro e

deram de cara com uma mata fechada”.

Para não morrerem de fome, trouxeram consigo alguns mantimentos e

algumas sementes para plantarem a fim de colher alimentos para a sobrevivência. E

para não morrerem de frio, construíram pequenas cabanas. Também na localidade

não havia estradas, e os imigrantes com suas enxadas começaram a cortar a terra

dando origem às estradas. Não havia nenhum meio de transporte, se as pessoas

quisessem vender ou trocar animais ou alimentos tinham que carregá-los no colo

Seus pais cresceram em Rio Claro e também aqui se casaram. Nunca foram

à escola, porque não havia, eram totalmente analfabetos. Mesmo não sabendo ler

nem escrever seus pais aprenderam rezar, cantar e contar histórias.

Carolina é a primeira ilha do casal Cassimiro e Catarina, depois nasceram

Pedro, Antônio, Vicente e Luiz , Antônia e Regina Popovicz

Em busca de mais terras os pais de Carolina vieram morar em Rio azul na

localidade de Butiazal, nesta época Carolina tinha três anos. Aos 7 anos, como em

Butiazal ainda não havia escola, Carolina voltou para Rio Claro para

estudar.Permaneceu por três anos na casa de seu avô materno que continuou

morando na localidade.

Quando perguntamos à Carolina a respeito da sua escola, sorrindo nos

disse:

“Durante minha infância estudei numa escola em Rio Claro município de

Mallet e somente aprendi a ler e escrever em polonês. Meu pai pagava ao professor

quatro mil réis ( dinheiro da época no Brasil) para que eu pudesse aprender. Foi

muito difícil pois eu não sabia nem pegar no lápis. O material utilizado era a lousa

(espécie de quadro negro que cada aluno tinha na sua carteira). Não havia outro

material para a gente escrever. As canetas surgiram depois, não havia transporte

escolar, nós íamos a pé para escola. Meus pais e meus avós me ensinavam a rezar,

cantar e falar em ucraniano. Na escola, o professor, para realizar a aula de leitura,

emprestava livros que dispunha para os alunos. Foi ele quem me deu o primeiro

livro, fiquei muito feliz. Um pequeno livro que era do ABC, não continha histórias,

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somente mostrava as letras. O livro que eu amava e podia ler fora da escola, era de

histórias sagradas, não era a Bíblia. Por não ter escolas os meus pais sofreram mais

ainda pois não sabiam nem escrever seus próprios nomes. Quando voltei para Rio

Azul estudei por mais um ano na escola no local conhecido como Engenho Velho

perto de Butiazal para aprender a ler escrever em português. Quando tive contato

com a língua portuguesa tudo ficou mais fácil”.

Carolina continuou nos contando:

“Eu amava meu tempo de escola, pois mesmo que sofrido, era bom. Agora,

as pessoas têm tudo e não sabem dar valor. É necessário que se interessem pelas

coisas e cuidem das pessoas, em especial dos pais enquanto estão vivos, porque

quando morrerem farão muita falta. Estudem bastante, o estudo é o que ajuda as

pessoas a terem um futuro melhor”.

A esse respeito, Carolina deixou uma mensagem aos estudantes de hoje:

“Crianças e jovens, procurem se instruir enquanto são novos porque depois

que vocês crescerem já pode ser tarde. Eu achei muito bom os alunos virem aqui

em casa, gostei que a professora se interessou em desenvolver esta atividade.

Daqui a alguns anos, as próximas gerações poderão conhecer um pouco da minha

história registrada por meio da escrita. Queria que mais alunos viessem aqui para

eu ensiná-los a rezar e cantar. Lembrem-se, enquanto somos novos, devemos

aprender a dar valor para as pessoas e para as coisas”.

Carolina cresceu e casou com Floriano Walesko em Butiazal. Lá teve seus

três primeiros filhos: Paulina, Amélia e José.

Em busca de mais terras, Carolina e Floriano mudaram-se para Faxinal de

São Pedro, conhecido como Gica; lá nasceram seus quatro filhos: João, José, Olga

e Catarina. Como era pobre, tinha que confeccionar a roupa dos filhos e lutar muito

por eles. Utilizava uma máquina de costura manual. Desde nova já se interessava

em fazer os serviços de casa e amarrar toalhas, uma espécie de renda.

Perguntamos a respeito de seus antepassados, foi nos contando e se

emocionou ao narrar uma história de sua avó paterna:

“Meu pai havia saído de casa, e à tarde, quando chegou, avistou no terreiro

da casa, sua mãe caída. Fazia horas que ela tinha falecido e por causa do calor do

sol o corpo já tinha quase cozinhado. O pai ficou desesperado. Naquela época o

caixão para o velório era feito em casa. Meu pai disse que teria que comprar pregos.

Ao ir a uma casa de comércio da comunidade, passando ao lado do Rio Cachoeira

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(rio que corta o município de Rio Azul) muito chocado com a morte da mãe decidiu

jogar-se na água pela tristeza que sentia. Depois de muita busca seu corpo foi

retirado do rio”.

Carolina continuou contando:

“Ficaram órfãos de pai sete filhos, eu tinha 20 anos e era a mais velha, meus

irmãos mais novos não chegaram nem conhecer o pai. Quando este triste fato

ocorreu, fazia três meses que eu havia casado. O meu pai está sepultado na Colônia

Cachoeira e minha mãe no Cemitério Municipal na cidade de Rio Azul. As coisas de

agora, não têm comparação com as de antigamente, os pais falavam e as crianças

obedeciam. Agora são muitos os casos que os filhos falam e os pais obedecem. Eu

sofri muito na minha juventude e na velhice também. Antigamente não havia

aposentadoria, somente com 72 anos consegui me aposentar. Durante alguns anos

fui representante da Rádio Aparecida em nossa comunidade hoje chamada Faxinal

de São Pedro em Rio Azul. Recebia orações, revistas, e mensagens e repassava

para a comunidade na qual fui catequista . Tenho até diploma de catequista. Não

havia quem ensinasse as pessoas a rezar eu me disponibilizei a tentar ensinar o

valor de Deus na vida de todos. Veio um missionário da Europa e ensinou os

imigrantes a rezar o terço, como eu aprendi rapidamente também ensinava as

pessoas da comunidade, sendo coordenadora do Grupo de Orações”.

História de vida atual:

Nos dias atuais Carolina, reside em Faxinal de São Pedro, sua residência é

ao lado da casa da sua filha Catarina Knaut. Com seus 91 anos de idade, não sofre

de problemas de saúde. Adora ler a Bíblia, e ainda sem óculos. É lúcida e tem

esperança que as pessoas não abandonem a religião. Ela diz que enquanto

estamos firmes na fé o mundo tem um pouco de controle. As últimas palavras que

nos disse nesta entrevista foram: Deus nos abençoe.

2 Theodoro Surmacz nasceu em Curitiba, em 15 de maio de 1930, filho de

Alexandre Surmacz, que nasceu na Polônia e de Balbina Biernarski Surmacz, que

nasceu em Curitiba.

O pai de Alexandre, Bartolomeu, avô de Theodoro, casou duas vezes: a

primeira esposa chamava-se Maria Wojciekouska Surmacz, a segunda Marialva

Salak.

Seus avós maternos eram Pedro Biernarski e Maria Filar Biernarski.

Theodoro somente conheceu sua avó paterna Marialva Salak, a segunda esposa de

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Bartolomeu. Seus avós sabiam ler e escrever em polonês, liam o jornal editado

semanalmente em Curitiba em língua polonesa “LUD” que significa “POVO”,

calendários em forma de livros, mensagens religiosas, culinárias e humorísticas.

Bartolomeu lia o jornal em voz alta para os filhos após o jantar. Seus avós

frequentaram a escola na Polônia, fizeram o curso primário (1º ao 4º ano).

Bartolomeu e Marialva vieram para o Brasil por dois motivos: o primeiro, a

Polônia estava sendo ameaçada pela Guerra Mundial de 1914 e o segundo, a falta

de terras para os agricultores. Como Bartolomeu já tinha seis filhos nesta época, um

deles Alexandre, pai de Theodoro, já com 21 anos, os pais também temiam perder

os filhos nos campos de batalha que a guerra poderia gerar, portanto almejaram

fugir desta realidade. Com falsas promessas divulgadas pelos padres nas aldeias,

que também foram iludidos pela propaganda, bem como com o incentivo emigratório

do governo polonês, os agricultores poloneses vieram para o Brasil pensando que

aqui existia uma árvore que dava dinheiro, pois era esse o discurso que ouviam na

propaganda, e encontraram aqui a erva mate.

Bartolomeu chegou ao Brasil com sua família em 11 de setembro de 1911.

No Rio de Janeiro permaneceu na Ilha das Cobras durante 40 dias, cumprindo a

quarentena para verificar se não estavam infectados com alguma doença. Em

seguida, em um navio brasileiro, viajou dois dias até chegar ao Porto de Paranaguá.

Os imigrantes ficaram em galpões fornecidos pelo governo até receberem suas

terras. Estes galpões situavam-se próximos ao Porto de Paranaguá.

Bartolomeu recebeu suas terras em Ivaí, o terreno era de 10 alqueires, mas

antes de ir para Ivaí permaneceu alguns dias em Ponta Grossa. No local a eles

destinado encontraram mata virgem, foi necessário fazer derrubadas de grandes

árvores e transformá-las em madeira para construir sua casa e demais

dependências da propriedade, para recolher os produtos agrícolas.

Pouco incentivo foi dado pelo novo governo republicano aos imigrantes, por

esta razão muitos desanimaram e voltaram para a sua pátria de origem. De Ivaí,

Bartolomeu e sua família voltaram para Curitiba, algum tempo depois, e lá viveu uma

época.

Foi em Curitiba que Alexandre casou-se com Balbina Biernaski, no dia 04 de

fevereiro de 1918. Lá tiveram seu nove filhos, sendo Theodoro o oitavo. Por ser uma

família numerosa, a terra em Curitiba tornara-se insuficiente.

Com desejo de aumentar suas propriedades, efetuaram novas buscas,

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conseguindo assim uma área de terra maior em Rio Azul, num total de 35 alqueires.

Vale salientar que a área onde hoje se encontra a Igreja Santa Terezinha de Rio Azul

do Rito Ucraniano, a casa das Irmãs de Sant’Ana e a Vila Santa Terezinha eram de

propriedade do Sr. Alexandre.

Alexandre, com sua família, vieram para Rio Azul em 17 de junho de 1933.

Aqui Alexandre e Balbina tiveram mais seis filhos , constituindo assim uma das mais

numerosas e tradicionais famílias do município.

O pai de Theodoro veio alfabetizado da Polônia tendo estudado na escola da

aldeia onde morava na região do Podlesz e sua mãe aprendeu a ler e escrever na

Colônia Augusta (Curitiba), somente em língua polonesa. Estudou em uma escola

pequena, construída de madeira e que era paga pelos pais. As quatro séries de 1º a

4º ano do ensino primário, os alunos estudavam todos numa sala só e tinham uma

professora. Na escola não havia merenda, tinham que levar o seu lanche de casa .

A aula durava 4 horas por dia, sendo das 9 às 11 e das 13 às 15h.

As brincadeiras daquela época eram as seguintes: meninos correndo atrás

de bola feita de meias velhas e retalhos de tecido, também brincavam de lutas para

verem quem eram os mais fortes. As meninas brincavam de rodas e cantavam

canções polonesas.

Alexandre e Balbina sempre se preocuparam com a formação escolar dos

filhos liam livros que vinham da Polônia e o jornal “LUD” de Curitiba, livros

educativos e religiosos.

O Sr. Theodoro desenvolveu o gosto pela leitura em casa e o aumentou na

escola, na qual ingressou no dia 09 de janeiro de 1938. No final desse ano letivo já

havia começado a segunda Guerra Mundial. A primeira língua aprendida pelo Sr.

Theodoro foi a língua polonesa. A Escola Sagrada Família onde Theodoro

desenvolveu seus hábitos de leitura situava-se no local onde hoje é a Praça

Tiradentes em Rio Azul e a mesma funcionava em uma igreja desativada pela

comunidade local, porque já havia sido edificada uma nova igreja ao lado da atual

Matriz Sagrado Coração de Jesus.

Sua primeira professora foi Ir. Zita, da Ordem da Sagrada família. Seus

primeiros materiais escolares foram: lousa, giz de pedra e livros para leitura. A leitura

na escola era feita utilizando cartilhas de alfabetização escritas em polonês. Na

sequência quando começou a estudar a língua portuguesa todo o material escolar

era adquirido pelos pais, como: lousa, giz, lápis, cartilhas e cadernos mais tarde. Os

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livros para leitura também eram adquiridos pelos pais. Na época de Getúlio Vargas o

país vivia a nacionalização e todos imigrantes foram obrigados a estudar em língua

portuguesa e eram proibidos de fazer uso do seu idioma.

A família do Sr. Theodoro Fazia leitura em casa, como já foi informado. O

primeiro livro que ganhou foi de sua mãe, chamava-se “Jesu Bondz Zemnon”, que

significa “Jesus esteja comigo”. Os Sacerdotes também conseguiam livros religiosos

e os emprestavam aos seus fiéis. Theodoro lia também revistas e um jornal que

vinha de Roma “L” Osservatore Romano”.

Ao ser perguntado quais seriam as diferenças da sua infância com a infância

da atualidade, disse que são parecidas pois as crianças recebem a mesma

educação, mas se interessam e valorizam de forma diferente.

Os principais ensinamentos que Theodoro obteve de seus avós são:

convivência familiar harmoniosa , a fé e a busca pela felicidade.

Atualmente Theodoro gosta de ler jornais, informativos da Igreja Latina e da

Igreja. Por muitos anos foi funcionário público estadual, sendo professor das séries

iniciais. Mais tarde foi cedido pelo governo do estado para trabalhar na Prefeitura

Municipal de Rio Azul, tendo desempenhando as funções de secretário na

Prefeitura e na Câmara Municipal. Trabalhou também na Secretaria Municipal de

Saúde.

Foi prática na família do entrevistado incentivar os filhos para a leitura,

sugeriu isso para todas as famílias. Sua maior preocupação bem como a de sua

esposa foi dar escolaridade para os filhos. Ensinou-lhes a ter fé e trabalhar pela

comunidade dando o seu exemplo como Ministro Extraordinário da Eucaristia

durante 15 anos.

Disse que sempre cuidou de seus sete filhos: Jorge, Rafael, Sílvio,Ismael ,

Silvano, Wilson e Romualdo para que não caíssem em vícios e no mundo do crime.

O filho Silvano é sacerdote diocesano desde 08 de dezembro de 1990 e atualmente

exerce sua função no município de São Mateus do Sul. Os outros filhos são casados

e sempre visitam o pai. Para ele, é uma grande alegria ver a família reunida. Tem 13

netos e um bisneto.

Hoje reside na Comunidade Beira Linha, município de Rio Azul, em

companhia de seu filho Jorge, o qual dedica seu tempo aos cuidados do pai, após

Theodoro ter ficado viúvo há um ano da Sra. Cecília Bereza Surmacz. Ficou muito

abalado com a morte de sua esposa, pois salientou, durante a conversa que

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considera o casamento sagrado, bem como valoriza muito a família, portanto sente

imensamente a falta de sua companheira.

O Sr. Theodoro deixou uma mensagem aos jovens da atualidade:

“Aproveitem todas oportunidades para estudar se quiserem evoluir na vida”.

3 João Cheremeta nasceu em Serra Azul , município de Rio Azul, no dia 11

de setembro de 1925. Seus pais eram Miguel Cheremeta, que nasceu na Colônia 6,

Mallet, e Ana Lucas Cheremeta, que nasceu na Ucrânia. Seus avós paternos eram

Basílio Cheremeta e Maria Nefalit Cheremeta, que nasceram na Ucrânia.

Saíram da Ucrânia praticamente como escravos, de cada quatro produtos

que colhiam três eram de seus patrões. Trabalhavam na terra dos outros, não

tinham sua terra. Lá a pobreza era tanta que passavam fome. Suas casas eram

extremamente simples, sem isolamento térmico e por essa razão passavam muito

frio no rigoroso inverno europeu.

Muito se falava nas aldeias da Ucrânia a respeito do Brasil, ficaram sabendo

que o governo brasileiro daria terras aos colonos. Os avós de João ficaram sabendo

do Brasil por meio de outros imigrantes que já tinham vindo anteriormente e lhes

informaram por cartas.

As notícias a respeito do Brasil eram a promessa de vida nova para os

humildes camponeses ucranianos, portanto resolveram sair de seu país e buscar

vida nova num país desconhecido.

Quando chegaram ao Brasil, ao Porto de Paranaguá, seus quatro avós

estavam juntos. E juntos vieram para Rio Claro (Mallet), só não soube nos contar

como foi que vieram. O senhor João não conheceu seus bisavós.

Depois de um tempo, seus avós, morando em Rio Claro, realmente

ganharam cinco alqueires de terra do governo brasileiro na Colônia 6 ( Mallet),

porém era pouco e a terra era fraca.Era hora de mudar. Como não tinham meios de

transporte, fizeram a mudança a pé. Levaram apenas algumas roupas e a “Perena” (

coberta feita com penas de ganso).Em Colônia 06 construíram cabanas embaixo de

grandes árvores chamadas “Sapopemas”. E na sequência casas eram construídas

com tabuinhas de pinheiro, lascadas com machado.

Nesta comunidade havia um imigrante ucraniano chamado Mandulhak que

ensinava as crianças a ler e escrever em Língua Ucraniana, pois havia muitas

pessoas de dez a vinte anos que não sabiam ler nem escrever, uma vez que não

existia escola e nem professores. Foi aqui que seu pai aprendeu a ler em ucraniano.

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Este senhor ensinava às pessoas a língua que sabia.

Isso começou a mudar com a vinda de Carlos Romanos, agrimensor que

media as terras da região para o governo. Ele foi à Colônia 06 e comunicou aos

colonos que em Serra Azul, município de Rio Azul havia mais e melhores terras e

também disse em nome do governo que as crianças deveriam aprender o Idioma

Português.

Nesta época, o avô de João, Basílio e seu pai Miguel que era menino,

vieram conhecer as terras em Serra Azul. Verificaram que as terras eram boas e que

nelas havia muita madeira de lei, como imbuia, pinheiros, cedro. E o melhor, esta

terra seria doada aos colonos, tendo apenas que pagar a medição. Carlos Romanos

foi o agrimensor.

Ganharam dez alqueires de terra de Elisiário Campos Mello, um

representante do estado. A quantidade de terra era dada conforme o número de

filhos. O Sr. Basílio tinha cinco filhos, ganhou 10 alqueires.

Venderam a terra que tinham em Colônia 06 e mudaram para Serra Azul, em

1908. E aqui nasceu João, em 1925. Neste local, no terreno que ganharam,

moraram até 1945.

Muitos imigrantes ucranianos vieram de Mallet para Rio Azul, de modo

especial para Serra Azul, atraídos pelas boas terras doadas pelo estado.

Em 1910 esses colonos organizaram-se e construíram a sua igreja em Serra

Azul, seria esta a quarta igreja ucraniana no Brasil; em 2010 celebrou o seu

Centenário.

A partir daí a comunidade se organizou para construir uma escola, por

sugestão do Padre Emiliano Ananevicz. A primeira professora da escola foi a Irmã

Bernadete (Franciscana), que vinha de Mallet e morava na escola.

João começou a estudar aos 13 anos no ano de 1938, sempre foi um aluno

excelente e interessado. Sua primeira professora foi a Ir. Bernadete. Cada pai

pagava dois mil réis por aluno. Com esta professora aprendeu a ler e escrever em

ucraniano e português.

O primeiro conteúdo foi aprender a rezar, ir à igreja assistir às missas que na

época eram poucas na comunidade, por falta de sacerdotes. Com saudade o Sr.

João lembrou de partes dos textos que aprendeu em língua ucraniana com Ir.

Bernadete sendo uma poesia chamada “Шкільний Дзвінок”, “ Skilnei Dzvinok” , “

Sineta Escolar”.

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João nos narrou um fato curioso: “- Meu pai tinha um livro de orações escrito

em ucraniano no qual havia uma oração em grego, isso despertou interesse em mim

em aprender este idioma, e consegui aprender sozinho”. João nos contou que leu

um livro de orações e cantos várias vezes. Lembra com detalhes: “No livro estava

escrito Amém Jesus e era um livro pequeno de capa preta”. Na casa de seus pais

era habitual a leitura da Bíblia e de orações.

O material escolar e os livros utilizados na escola eram trazidos pela Irmã.

Na escola não havia nenhum material disponível. Além da língua portuguesa e

ucraniana, Ir. Bernadete também ensinava a língua polonesa.

Neste momento o Sr. João nos relatou que seu avô materno Basílio Lucas,

dispunha de uma Bíblia em grego e um dia disse que lhe emprestaria se soubesse

ler em grego. João, muito prontamente disse que sabia. Seu avô pediu que lesse e

realmente era fato. E assim aconteceu: João leu a Bíblia em grego antes de ir ao

quartel.

Seu pai aprendeu a ler em português o básico, com os filhos, na escola não

conseguiu aprender, pois somente cursou três classes ( classe A, classe B , classe

C). Cortou o dedo do pé com um machado e não voltou mais à escola. Olhava os

filhos lendo e aos poucos foi aprendendo. A mãe não conseguiu aprender a ler e

nunca foi à escola.

Em 1945 o pai de João adquiriu um outro terreno na mesma localidade e a

família para lá se mudou. Neste mesmo ano, João completou 20 anos, e foi ao

Exército no Rio de Janeiro servir em uma Unidade no Bairro São Cristóvão, em

frente à Praça da República. Rio de Janeiro nesta época era a Capital Federal. Lá

permaneceu por 13 meses, ficando por um mês em Petrópolis, RJ.

Quando retornou para casa, veio morar na casa de seus pais no novo local,

no terreno que seu pai havia adquirido. E neste local João mora até hoje.

Como sempre gostou de ler, em 1945, começou a assinar o Jornal

“Prácia”( Trabalho) e a revista “ Micionar” ( Missionário), editados em língua

ucraniana na Editora dos Padres Basilianos, em Prudentópolis .

Quando João já era casado, seu avô Basílio emprestou-lhe uma Bíblia que

era de seu pai José Lucas, bisavô de João, escrita em ucraniano. Este a leu inteira,

achando a leitura muito interessante. Mais tarde o avô deu a ele uma Bíblia escrita

em grego, foi um momento de muita felicidade.

João nos contou que trocou com o Sr.Valdomiro Iurko uma Bíblia escrita em

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ucraniano por outra escrita em português, pois ainda não tinha lido a Bíblia em

português. Hoje o Sr. João continua lendo a Bíblia e os Jornais ucranianos.

Atualmente João é membro ativo da Comunidade Ucraniana da Igreja

Apresentação de Nossa Senhora de Serra Azul, uma comunidade centenária que

atualmente possui uma nova e bela igreja com características arquitetônicas

bizantinas, construída à margem da BR 153, a 5 km da cidade de Rio Azul. Por

muitos anos foi Presidente do Apostolado da Oração e da Comissão Administrativa

da Igreja.

João é casado com a Senhora Rosa Verônica Zazetski. São pais de

Terezinha, Alzira, Irene, Anita, Ambrósio, José, Pedro e Dionísio. Tem 21 netos e 8

bisnetos

A mensagem que o Sr. João deixa aos jovens de hoje: ”Estudem, trabalhem

e se esforcem para não precisarem trabalhar na roça. Hoje é necessário manter a

sua língua e a sua cultura. É importante que os pais se interessem em manter as

suas raízes e passem isso a seus filhos”.

Quanto à articulação da prática com a teoria desenvolver atividades

diferenciadas foi de grande importância para os alunos a fim de que sentissem

segurança ao transformar em narrativas os dados coletados, como se pode observar

com as avaliações escritas por eles:

1 ... Eu considero o projeto da Professora Eugênia muito bom porque

pudemos praticar várias formas de leitura e saber mais a respeito de outras culturas.

Gostei da forma como a professora conduziu o trabalho, mostrando-nos imagens e

textos para que pudéssemos conhecer a história de nossos antepassados, de onde

eles vieram, as dificuldades que enfrentaram quando chegaram ao Brasil.

Conhecemos alguns costumes dos povos eslavos que até agora não conhecíamos.

Não estudamos somente a teoria, viajamos para outros lugares como Prudentópolis,

Serra do Tigre, Dorizon e Mallet. Lá pudemos conhecer locais históricos do povo

ucraniano e aprender mais a respeito de sua cultura.

2 ...Considero muito interessante o Projeto do PDE da Professora

Eugênia, porque envolveu temas que estão em nosso cotidiano, em nossa família,

comunidade e região e que tão pouco sabíamos a respeito. Os textos abordados no

trabalho foram de grande importância para enriquecer os conhecimentos

relacionados aos imigrantes ucranianos e poloneses, como: cultura, religião e leitura.

Houve uma grande dedicação e envolvimento da professora o que facilitou o

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aprendizado desse tema. O que me chamou mais a atenção foi a viagem feita para

Prudentópolis, para conhecermos a belíssima Igreja Ucraniana da cidade e outros

locais relacionados à imigração ucraniana.

3 .... Gostei do Projeto do PDE, foi uma atividade inovadora, as palavras

ditas pelas pessoas que entrevistamos nos possibilitaram conhecer as diversas

dificuldades que os colonizadores de nossa região enfrentaram. Gostei muito da

forma como o trabalho foi conduzido pela professora, todos os textos estudados

interagiam conosco, pois tratavam da história de vida de nossos antepassados. As

atividades que mais me agradaram foram as entrevistas e a viagem para

Prudentópolis, onde conhecemos escolas, locais de oração, museu, e fomos visitar a

Editora onde é impresso o Jornal “Prácia”. Só houve um ponto negativo no Projeto,

quando a professora explicava o conteúdo, alguns alunos não prestavam atenção na

explicação.

Do ponto de vista teórico, o texto narrativo resulta de duas articulações: a

história (sequência dos fatos) e o enredo ( organização dos fatos). Sendo assim, os

alunos organizaram o enredo com base nos dados históricos que a oralidade lhes

ofereceu.

O tempo cronológico abordado nas atividades é que posicionou os alunos na

história, indicando dias, meses, anos, décadas, séculos, sem a necessidade de

mencioná-los sempre, porém dando a entender ao leitor a que tempo se referem as

informações.

O tempo psicológico possibilitou vivenciar sensações atemporais. Foram

momentos carregados de emoções que facilitaram a aproximação. Os idosos

sentiram-se felizes e valorizados pela escola com o desenvolvimento do Projeto.

Informações preciosas afloraram nas suas lembranças, fato que certamente

motivará os alunos a continuar tais descobertas.

Os textos foram elencados e encadernados. Estão à disposição da

comunidade escolar e da comunidade em geral.

O GTR também foi campo fértil no que diz respeito à troca de experiências

entre os colegas professores inscritos. Inúmeras práticas de colegas do Paraná

foram socializadas no ambiente virtual, fato que fora do PDE, não seria possível.

Certamente o trabalho marcará o início do resgate, da evidenciação, da

valorização maior e da escrita de parte da história dos povos eslavos que tanto

contribuíram para o desenvolvimento de nossa região, estado e país.

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Está diante dos educadores um novo desafio: planejar trabalhos como esse

para ampliar a prática pedagógica das nossas escolas por meio de um ensino-

aprendizagem mais vibrante e concreto, indo ao encontro do outro para conhecer,

aprender, fazer e identificar-se com ele.

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