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PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO SUBSECRETARIA DE ENSINO COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO 2012 Leitura, escrita e análise linguística: alguns pressupostos teórico-metodológicos

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PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

SUBSECRETARIA DE ENSINO

COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO

22001122

Leitura, escrita e

análise linguística:

alguns pressupostos

teórico-metodológicos

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EDUARDO PAES PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

CLAUDIA COSTIN

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

REGINA HELENA DINIZ BOMENY SUBSECRETARIA DE ENSINO

MARIA DE NAZARETH MACHADO DE BARROS VASCONCELLOS

COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO

MARIA DE FÁTIMA CUNHA SANDRA MARIA DE SOUZA MATEUS

COORDENADORIA TÉCNICA

MARIA TERESA TEDESCO CONSULTORIA

GINA PAULA BERNARDINO CAPITÃO MOR

MARIA TERESA TEDESCO SARA LUISA OLIVEIRA LOUREIRO

WELINGTON M MACHADO ELABORAÇÃO

LEILA CUNHA DE OLIVEIRA MARIA ALICE OLIVEIRA DA SILVA

SIMONE CARDOZO VITAL DA SILVA REVISÃO

CARLA DA ROCHA FARIA

LETICIA CARVALHO MONTEIRO MARIA PAULA SANTOS DE OLIVEIRA

DIAGRAMAÇÃO

BEATRIZ ALVES DOS SANTOS MARIA DE FÁTIMA CUNHA

DESIGN GRÁFICO

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Colegas,

Como professores, sabemos dos desafios para ensinar

nossa língua portuguesa. Nós os sentimos, vemos e ouvimos a

cada novo dia letivo. Sabemos também que esses desafios

podem ser enfrentados, já que os enfrentamos, em nossa luta

para vencer as dificuldades cotidianas. O que pretendemos

com este material é continuar o diálogo com você. Isso mesmo:

continuar o diálogo há muito iniciado – desde a implantação da

MULTIEDUCAÇÃO, passando pela sua atualização e

chegando, mais recentemente, aos debates que possibilitaram

as orientações curriculares e deram origem aos CADERNOS

DE APOIO PEDAGÓGICO. Esse diálogo é a chave de todo o

trabalho – de alunos e professores – com a língua portuguesa.

O que importa é a interação.

Equipe de Língua Portuguesa

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Sumário

Introdução I. Leitura

1. Estratégias de leitura ................................................................................................... 10

2. Habilidade e competência leitora ................................................................................. 15

3. Gênero do discurso ...................................................................................................... 18

4. Objetivos da leitura. Enfim, para que lemos? ............................................................... 25

II. Escrita

5. Para que escrever? ..................................................................................................... 28

6. Planejando a escrita .................................................................................................... 30

7. Reescrevendo, corrigindo, revisando ......................................................................... 33

8. Os erros de quem escreve .......................................................................................... 36

III. Oralidade ....................................................................................................................... 43

IV. Modos de ler, modos de escrever .............................................................................. 47

V. Considerações finais .................................................................................................... 64

Apêndice

O mundo digital – universo discursivo da Internet ............................................................ 66

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LEITURA, ESCRITA E ORALIDADE

Introdução

“... a evidência de que as línguas só existem para promover a interação entre as pessoas nos leva a admitir que somente uma concepção interacionista da linguagem, eminentemente funcional e contextualizada, pode, de forma ampla e legítima, fundamentar um ensino da língua que seja, individual e socialmente, produtivo e relevante.” (Irandé Antunes)

Introduzimos este trabalho citando a Irandé Antunes (2004), por ser a concepção de

linguagem que ela defende a que vai nortear o trabalho em Língua Portuguesa, que aqui se

propõe. Essa concepção não se destina a uma determinada faixa etária ou a um

determinado nível de escolaridade, mas a todo e qualquer trabalho significativo com a

Língua Portuguesa.

Para a autora, o fato de que uma língua-em-função apenas ocorre sob a forma de

textualidade, evidencia que só o estudo das regularidades textuais e discursivas, na sua

produção e interpretação, pode constituir o objeto de um ensino da língua. Esse ensino,

que ela chama de produtivo e relevante, entendemos aqui como sendo o trabalho efetivo

em Língua Portuguesa. Efetivo no sentido de mostrar o que há a ser feito em uma escola

que assume seu papel social de formar pessoas capazes para o exercício pleno e

consciente da cidadania. Pessoas com voz própria para, nos planos individual e coletivo,

conquistarem espaços de ação transformadora, na busca de uma nova ordem social,

lembrando que para ter vez é preciso ter voz e que para ter voz é preciso saber ouvir,

entender os desafios do cotidiano e a eles responder.

A partir da escolha dessa concepção, a única opção possível e produtiva para o

ensino de Língua Portuguesa se concretiza na aula que tenha o texto como ponto de

partida e ponto de chegada, como objeto de e objetivo do trabalho.

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I. Leitura

Consideramos o texto como uma unidade de sentido. Falar/escrever é produzir

sentidos. Ouvir/ler, portanto, não é decifrar; é, seguindo as pistas que o texto dá, construir

uma teia de significados. Entram em jogo, nessa competência, alguns fatores, como:

Em uma atividade de leitura, é importante estar atento para ativar todos esses

conhecimentos. Vejamos como isso foi proposto nas atividades abaixo.

Texto I

\

Aqui, por exemplo, as perguntas direcionam a leitura para a compreensão da intencionalidade do texto,

o que exige o conhecimento de outro texto, com o qual a publicidade dialoga.

No quadro da sala de aula, o professor pode registrar a letra da música com a qual o texto mantém

relação intertextual, bem como outros exemplos de diálogos textuais desse tipo, que levem o aluno a construir

seu próprio conceito de intertextualidade. Observe:

X

conhecimento de mundo conhecimento linguístico

conhecimento textual (dos gêneros discursivos)

http://www.hortifruti.com.br/campanhas/campanhas-hortifruti.html

1 - O texto é um outdoor. Para que serve um

outdoor?

Para anunciar algo.

2 – O que está sendo anunciado?

A loja Hortifruti.

3 – Por que existe um microfone na imagem?

Aqui o aluno deve perceber que o microfone é pista

para a intertextualidade com a música.

4 – Você conhece alguma música com versos que se

pareçam com a mensagem escrita “Eu queria ser uma

abelha pra pousar na couve-flor”, que aparece na

propaganda? Transcreva o refrão da música. Se você

não conhecer, converse com seus colegas e com o

Professor e tente descobrir.

Colega, aqui a proposta é sondarmos o conhecimento

de mundo do aluno. A música de referência é ”Haja

amor”, de Luiz Caldas.

5 – Observe também as fitas que estão no cartaz. O

que significam?

De novo a proposta é ativar o conhecimento de

mundo do aluno. As fitas remetem à Bahia.

Haja Amor (Luiz Caldas)

Eu queria ser uma abelha Pra pousar na tua flor Haja amor! Haja amor!

Eu queria ser uma abelha Pra pousar na couve-flor

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Há na propaganda palavras que citam as da música e ativam, na mente de quem as lê, as sensações

de alegria, de festa, das boas energias associadas à música e ao seu contexto. As fitinhas coloridas fazem

lembrar a Bahia e sua rica cultura, reforçando o clima proposto. A frase “Entre no ritmo do HORTIFRUTI” faz o

convite explícito: venha para essa festa!

Como vemos, o repertório de textos lidos possibilita ao aluno maior ou menor competência de leitura. O

trabalho de leitura em sala de aula utiliza-se, portanto, desse repertório, do conhecimento de mundo que o

aluno já possui. No caso, foi necessário reconhecer a tradição das fitas coloridas na Bahia para, assim, melhor

identificar a canção do texto-base e sua origem, bem como possibilitar que o aluno, no ato mesmo de ler,

dialogasse com os textos, ampliando cada vez mais seu repertório de informações, seu conhecimento. Para

isso, interação é a palavra-chave! Ampliar o repertório do aluno é um dos objetivos da escola. Paralelo a isso, o conhecimento textual permitiu que o aluno desvendasse a intencionalidade do texto,

afinal, logo na primeira pergunta, ele foi encaminhado para refletir sobre a função social de um outdoor.

No Texto II, entram em jogo o conhecimento do mundo e o conhecimento do gênero discursivo. Se o

leitor não possuir alguns conhecimentos sobre a epidemia da dengue, principalmente sobre o ambiente

propício à reprodução do mosquito aedes aegypti, não fará uma leitura proficiente do texto. As perguntas

instigam, apontam para a ativação do conhecimento. Além disso, conhecer o gênero CHARGE, reconhecer

sua função, seu tom crítico, lembrar onde é habitual ler o texto e para quem se dirige, é fundamental para a

leitura.

http://img399.imageshack.us/i/autosonic3.jpg/

1 – O texto é uma charge. Onde você costuma encontrar

charges para ler? Relembre com seu Professor e seus

colegas alguns pontos importantes sobre as charges – Para

que servem? Para quem se dirigem? Que temas abordam?

O professor deve situar o gênero “charge” com o aluno.

Texto II

2 – No texto, quem está conversando?

Onde se dá a conversa?

Dois mosquitos num bar.

3 – Por que pedem ao garçom “água bem

paradinha”?

Aqui o aluno deve revelar seu

conhecimento de mundo sobre a dengue.

4 – Que crítica pode ser percebida no

texto?

A falta de cuidado para prevenir a dengue.

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A falta desses conhecimentos em uma turma de alunos não impede que, na gradação adequada, mais

e mais textos sejam apresentados. O conhecimento de mundo em muito vai se ampliando pela leitura de textos em sala de aula. Afinal, essa é uma das principais funções da escola.

Texto III

O Texto III nos permite refletir sobre a importância do conhecimento linguístico. Vejamos: nos dois

primeiros versos, se o leitor não perceber que existe uma ação de ouvir praticada pelo sujeito “as margens

plácidas do Ipiranga”, poderá não entender o início da letra do Hino. Trata-se, aí, de uma ordem sintático-

semântica que exige um conhecimento linguístico que o aluno em sala de aula pode não ter. Cabe, então, ao

professor favorecer esse conhecimento necessário à construção de sentidos. Esse tipo de abordagem

gramatical é, sim, fundamental para uma leitura competente do texto. E, para isso, o aluno não necessita de

uma aula expositiva sobre sujeito, nem da nomenclatura e das classificações propostas pela gramática. Ele

precisa refletir sobre a sua língua materna, analisando suas estruturas e percebendo os efeitos de sentido.

Veja só essas duas frases:

João ama Maria. X Maria ama João.

Só mudamos a ordem das palavras e tudo mudou! Como costumam ser ordenadas as frases em nossa

língua? Existe uma ordem direta e uma ordem indireta. O que significa isso na prática? Todas essas questões

podem orientar o início de um estudo significativo da sintaxe, fundado no uso e não em regras gramaticais e

nomes.

Selecionamos intencionalmente esses três textos, para explicitar fatores que entram

em jogo na competência leitora. São fatores que precisam estar sempre presentes, quando

o professor planeja uma atividade de leitura.

Ouviram do Ipiranga as margens plácidas De um povo heróico o brado retumbante E o sol da liberdade em raios fúlgidos Brilhou no céu da pátria nesse instante Hino Nacional Brasileiro, letra de Joaquim Osório

Duque Estrada (fragmento)

1 – Em “Ouviram”, quem ouviu?

“As margens plácidas do Ipiranga”.

2 – Converse com seu Professor sobre a importância da

ordem das palavras na construção de frases da Língua

Portuguesa. Pesquise sobre ordem direta e indireta.

3 – Após a pesquisa, indique quem “brilhou”.

“O sol da liberdade”.

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A prática de leitura amplia repertórios de informação, conhecimentos linguísticos e

capacidade de reflexão e deve ser trabalhada em sala de aula como ato de conhecimento,

como ato de prazer estético e como forma de acesso ao “poder dizer o que se tem a dizer”,

pela oralidade e/ou pela escrita, em suas especificidades. A exposição a bons textos

escritos, de diferentes gêneros do discurso, amplia a capacidade de produção escrita do

aluno, sendo que quanto maior for a exposição, maior e mais rápida será a percepção das

regularidades que ocorrem nas diferentes práticas discursivas.

Pela leitura de textos escritos, compreende-se o que é próprio da língua escrita, o que

é próprio dessa modalidade, em suas especificidades de gênero; nos aspectos

morfossintáticos característicos da escrita; as formas de estruturação dos diversos gêneros

textuais.

Deve-se buscar, através da leitura, que o aluno perceba os recursos linguísticos

utilizados para construir o sentido, em atividades que não sejam o mero localizar, identificar,

analisar palavras e termos que, isolados, fora do texto, não passam de nomenclatura vazia.

Num texto, palavras e sintagmas servem à textualidade, são funções, estão em função do

texto.

1. Estratégias de leitura

Formar alunos que sejam leitores competentes é tanto objetivo de toda e qualquer

prática pedagógica, quanto um desafio a ser superado. Muito se fala sobre leitura, há vasto

material para estudo e consulta – inclusive na bibliografia sugerida ao final deste trabalho.

Vamos, contudo, aqui reunir alguns princípios básicos que norteiam ou devem nortear as

práticas de leitura na Rede Municipal de Ensino da Cidade do Rio de Janeiro..

O professor tem um papel relevante na orientação do trabalho com a leitura. Para

que o aluno se torne um leitor crítico e competente é necessário que seja exposto a

diferentes gêneros textuais, a diferentes níveis de texto, a diferentes estímulos de reflexão.

O tipo de trabalho que o professor fará em sala de aula será determinante para que se atinja

o objetivo desejado.

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Esse trabalho não tem receita, mas tem princípios. É fundamental partir de uma

concepção de leitura clara, objetiva. Observe o esquema:

Desse modo, compreendendo a leitura como interação e atividade social, logo se

verifica a inutilidade de práticas descontextualizadas, de leituras seguidas por questionários

com perguntas que somente mobilizam o aluno para procurar respostas prontas no texto.

Ler é muito mais do que apontar o que está explícito no texto. Essa é só uma das

habilidades dentre as que constituem a competência leitora.

A leitura envolve seguir as pistas que o

texto dá e ir elaborando hipóteses,

reelaborando-as e corrigindo até a construção

de sentidos. Esse movimento é um diálogo

leitor–texto, em que são ativados os

conhecimentos desse leitor, instigado a trazer

tudo de si para o jogo que é a aventura de ler.

Assim, um princípio básico de qualquer prática

de leitura deve ser: promover o diálogo leitor–

texto.

Como diz Rubem Alves, aqui muito mais

importa fazer perguntas do que oferecer

respostas. Ao perguntar, o professor

assume o papel de mediador desse diálogo

e, como tal, deve estimular que os alunos

também se façam perguntas ao ler.

Não é só... Decifrar Oralizar

Descobrir

É ... Construir sentidos

Dialogar com o texto Usar estratégias

Ativar conhecimentos (de mundo, linguísticos)

Interação Atividade social

LEITURA

A leitura é o processo no qual o leitor

realiza um trabalho ativo de compreensão e

interpretação do texto, a partir de seus

objetivos, de seu conhecimento sobre o

assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe

sobre a linguagem etc. Não se trata de

extrair informação, decodificando letra por

letra, palavra por palavra [grifo nosso].

Trata-se de uma atividade que implica

estratégias de seleção, antecipação,

inferência e verificação, sem as quais não é

possível proficiência. É o uso desses

procedimentos que possibilita controlar o que

vai sendo lido, permitindo tomar decisões

diante de dificuldades de compreensão,

avançar na busca de esclarecimentos, validar

no texto suposições feitas.

In: Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos de ensino fundamental: língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental. –Brasília: MEC/SEF, 1998.

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O ato de ler implica uma série de ações denominadas estratégias de leitura, que

ocorrem de forma mais ou menos consciente. Essas estratégias facilitam a compreensão

dos textos e conhecê-las pode ajudar-nos na elaboração das propostas de leitura.

São estratégias de leitura: Alguns questionamentos para ativar

essas estratégias

Seleção

Escolha do que nos parece mais

relevante para a leitura.

Não lidamos com todas as

informações de uma só vez.

Dependendo do texto e dos objetivos

da leitura há informações

irrelevantes.

O que chamou a atenção?

Palavras, frases, partes do texto?...

O que parece mais importante?

O que causou estranhamento?

Predição

Antecipação de informações,

construção de hipóteses a partir das

pistas que o texto ofereceu.

A partir do título do texto, qual o

assunto?

Qual a finalidade do texto?

Como deve ser o próximo

parágrafo?

Inferência

O leitor completa o não-dito do texto

com seus conhecimentos prévios.

Refere-se ao conhecimento implícito.

Como você chegou a essa

conclusão? Que pista permite

chegar a essa informação que não

está escrita no texto?

Autocontrole

Ligação entre as hipóteses e as

respostas que o leitor obtém no

texto.

Ao ler mais um pouco do texto,

como fica a hipótese que tínhamos

construído?

Autocorreção

Redirecionamento de hipóteses a

partir do que descobriu no texto,

abandonando as que não são

adequadas e construindo outras.

A partir do que lemos, que hipóteses

se confirmam? Quais são negadas?

Que novas hipóteses construímos?

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Vejamos essas estratégias de leitura, a partir da crônica “Tatuagem” (Moacyr Scliar,

Folha de São Paulo,10/03/2003).

A partir da leitura desse primeiro parágrafo, para que serviu a epígrafe?

Quem era “Ela”? A quem se refere o pronome que inicia o texto?

Que ideia é reforçada pela expressão “mesmo assim”?

A quem se refere o termo “O homem”?

Quando o texto diz que ela decidiu fazer a “mesma coisa”, que coisa era essa?

O fato linguístico deve estar a serviço da leitura.

Nesse caso, o fundamental é perceber as relações entre partes de um texto, identificando as palavras e

expressões que cumprem a função de substituir outras, evitando repetições e contribuindo para a continuidade

do texto.

Tatuagem

Enfermeira inglesa de 78 anos manda tatuar

mensagem no peito pedindo para não

proceder a manobras de ressuscitação em

caso de parada cardíaca. Mundo Online,

4/fev/2003.

Ela não era enfermeira (era secretária), não era

inglesa (era brasileira) e não tinha 78 anos, mas sim 42:

bela mulher, muito conservada. Mesmo assim, decidiu fazer

a mesma coisa. Foi procurar um tatuador, com o recorte da

notícia. O homem não comentou: perguntou apenas o que

era para ser tatuado.

Qual será o tema de um texto com esse título? Alguém conhece outro texto com esse título? Essas perguntas possibilitam fazer predições, ativando o conhecimento de mundo dos alunos, bem como seu conhecimento linguístico. Será que algum aluno conhece a música Tatuagem, de Chico Buarque?

Reparem nesse pequeno texto. Ele faz parte do texto “Tatuagem”? Aqui, o professor pode informar sobre o que seja uma epígrafe e questionar sobre sua relação com o texto que introduz. Com essas informações já é possível questionar as predições feitas ao responder às perguntas anteriores.

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Que consequência teve a ida

da mulher ao tatuador?

Essa consequência confirma

ou não a sua hipótese?

LEVANTANDO OUTRA

HIPÓTESE.

O que ele tatuou no próprio

peito?

Estão vivendo juntos há algum tempo. E se dão

muito bem. Ela sente um pouco de ciúmes quando ele é

procurado por belas garotas, mas sabe que isso é, afinal, o

seu trabalho. Além disso, ele fez uma tatuagem

especialmente para ela, no seu próprio peito. Nada de

muito artístico, o clássico coração atravessado por uma

flecha, com os nomes de ambos. Mas cada vez que ela vê

essa tatuagem, ela se sente reconfortada. Como se tivesse

sido ressuscitada, e como se estivesse vivendo uma nova,

e muito melhor, existência.

Moacyr Scliar, Folha de S. Paulo, 10/03/2003

- É bom você anotar -disse ela - porque não será uma

mensagem tão curta como essa da inglesa.

Ele apanhou um caderno e um lápis e dispôs-se a anotar.

- "Em caso de que eu tenha uma parada cardíaca" -ditou ela-,

"favor não proceder à ressuscitação".

Uma pausa, e ela continuou:

- "E não procedam à ressuscitação, porque não vale a pena.

A vida é cruel, o mundo está cheio de ingratos."

Ele continuou escrevendo, sem dizer nada. Era pago para

tatuar, e quanto mais coisas tatuasse, mais ganharia.

Ela continuou falando. Agora voltava à sua infância pobre;

falava no sacrifício que fora para ela estudar. Contava do rapaz que

conhecera num baile de subúrbio, tão pobre quanto ela, tão

esperançoso quanto ela.

Descrevia os tempos de namoro, o noivado, o casamento, o

nascimento dos dois filhos, agora grandes e morando em outra

cidade. Àquela altura o tatuador, homem vivido, já tinha adivinhado

como terminaria a história: sem dúvida ela fora abandonada pelo

marido, que a trocara por alguma mulher mais jovem e mais bonita.

E antes que ela contasse sua tragédia resolveu interrompê-la.

Desculpe, disse, mas para eu tatuar tudo que a senhora me contou,

eu precisaria de mais três ou quatro mulheres.

Ela começou a chorar. Ele consolou-a como pôde. Depois,

convidou-a para tomar alguma coisa num bar ali perto.

Que expressões estabelecem a ideia de proporcionalidade entre o tamanho da tatuagem e o quanto ela custaria?

LEVANTANDO HIPÓTESE DE NOVO. O que acontecerá após esse convite? CONFIRMANDO OU NÃO A HIPÓTESE. A leitura do parágrafo final confirmou ou não a sua hipótese?

LEVANTANDO UMA HIPÓTESE. Por que motivo ela não queria ser ressuscitada em caso de uma parada cardíaca? CONFIRMANDO OU NÃO A HIPÓTESE. A continuidade da leitura confirmou ou não a hipótese levantada? O motivo que faz a mulher não querer ser ressuscitada é um fato

i i ?

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O modo de apresentar o texto para leitura também é importante ponto para reflexão, e

sempre de acordo com as características da turma. Uma sugestão é o professor ocultar o

texto, ir apresentando as sequências da crônica à medida que o aluno vai elaborando

hipóteses, fazendo suas previsões da continuidade narrativa. Para observar esse modo de

ler, sugerimos verificar a proposta de leitura do conto “Moça tecelã”, de Marina Colassanti,

no CADERNO DE APOIO PEDAGÓGICO I/ 2009/ 9º ANO.

Para ampliar o estudo sobre as estratégias de Leitura, sugerimos o livro “Ler e

compreender o sentido do texto”, de Ingedore Villaça Koch e Vanda Maria Elias, da Editora

Contexto, de 2006.

2. Habilidades e competência leitora

Compreender a necessidade de desenvolver a competência leitora significa

primeiramente entender a leitura como uma competência.

Segundo Philippe Perrenoud, “[competência é a] capacidade de agir eficazmente em

um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles.” (

PERRENOUD, 1999).

Para construir competências é imperativo realizar ações concretas: as habilidades. O

MEC (http://portal.mec.gov.br) lista as habilidades necessárias para desenvolver a

competência leitora, o que nos ajuda a compreender melhor as ações cotidianas que não

podemos perder de vista se desejamos formar um leitor competente.

A seguir, apresentaremos, a título de exemplificação, alguns textos com propostas de

atividades que enfocam habilidades importantes no desenvolvimento da competência leitora.

a) Habilidade: Distinguir um fato da opinião relativa a esse fato

Enfocaremos a habilidade de distinguir em um texto o que seja fato do que seja

opinião relativa a esse fato.

Opinião (do grego δόξα, doxa) ou conjectura é a ideia confusa acerca da realidade e

que se opõe ao conhecimento verdadeiro. Como verbete de dicionário, define-se opinião

como a maneira pessoal de julgar; conceito formado a respeito de um assunto, tema

ou conversa, seja ele refletido ou infundado; julgamento de valor.

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O fato é um acontecimento sobre o qual podemos ter opiniões. Muitas pessoas

confundem fatos e opiniões; devemos, portanto, ter cuidado com as informações que nos

chegam e perguntar-nos sempre se são informações sobre o fato ou opiniões sobre ele.

Em textos de diferentes funções, de diferentes linguagens ou modos de produção,

muitas vezes os fatos apresentados vêm misturados a opiniões sobre eles, sendo

necessário distinguir essas duas dimensões, para uma recepção mais crítica da mensagem.

Uma notícia e uma carta de leitor, como aparecem em jornais, por exemplo, servem

bem à finalidade de se trabalhar a habilidade de reconhecer fato e opinião.

Ressaltamos a importância de o professor trabalhar a intertextualidade, na prática da

leitura, utilizando outros textos para complementar, desdobrar, ampliar o sentido de um texto

lido.

O velho, o menino e o burro La Fontaine

Um velho e um menino seguiam pela estrada montados num burro. Pelo

caminho, as pessoas com as quais cruzavam diziam:

─ Que crueldade a desses dois! Querem matar o burro!

O velho, impressionadíssimo com os comentários, mandou o menino descer.

Mais adiante, outras pessoas, observando a cena, diziam:

─ Que velho malvado, refestelado no burro, e o menino, coitado, andando a pé!

O velho, então, desceu do burro e mandou o menino montar. Daí a pouco,

outras pessoas, vendo a cena, comentaram:

─ Onde já se viu coisa igual? Um menino cheio de vida, montado no burro, e o

velho a caminhar pela estrada!

Depois dessa, o velho não teve dúvidas. Mandou o menino descer e ambos,

com esforço, passaram a carregar o burro.

Está claro que os comentários não se fizeram demorar, e desta vez seguidos

de gargalhadas. Evidentemente, todo o mundo estranhava os dois carregarem o burro.

* * * *

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O texto foi escolhido porque nele ocorre um interessante jogo de mudanças entre

fato e opinião. A graça do texto e o prazer do leitor são alcançados pela percepção desse

jogo.

Observe, no quadro, feito a partir da leitura do texto, a diferença entre fato e opinião.

Esse modelo pode ser utilizado para melhor compreensão do aluno dessa habilidade.

Fato Opinião sobre o fato

O velho e o menino montados num burro. Crueldade contra o burro

O velho montado no burro e o menino seguindoa pé.

Crueldade contra o menino

Menino montado no burro. Velho a pé. Crueldade contra o velho

Velho e menino carregando o burro. Estranho, absurdo, que faz rir.

In: CADERNOS DE APOIO PEDAGÓGICO, 6° ANO, ABRIL DE 2010.

b) Habilidade: Inferir uma informação implícita em um texto.

Essa habilidade, importante para a compreensão do texto, exige que o leitor faça

inferências, vá além da superfície do texto, desenvolvendo, assim, a capacidade de ler nas

entrelinhas.

A beleza

Gonçalo Tavares

Numa certa cidade, o arco-íris um dia apareceu e nunca mais foi embora. Durante um ano permaneceu

no mesmo sítio do céu. Tornou-se aborrecido.

Um dia, finalmente, o arco-íris desapareceu e o céu ficou cinzento escuro por completo. As crianças

dessa cidade, excitadas, apontavam para o céu cinzento e gritavam uns para os outros: Olha, que bonito!

TAVARES, Gonçalo. O senhor Brecht. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005.

A seguir, apresentamos propostas de atividades de leitura que poderiam ser trabalhadas com os

alunos, enfocando a distinção entre fato e opinião, o implícito no texto, a relação causa e consequência e o

levantamento de hipótese.

1) Refletindo sobre o que você leu sobre fato e opinião e utilizando o modelo de quadro apresentado a

partir da leitura da fábula de La Fontaine, tente distinguir, no texto “A beleza”, o que é fato do que é

opinião.

(Ver quadro abaixo)

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O texto A beleza foi intencionalmente escolhido para mostrar que a complexidade

independe de o texto ser mais ou menos extenso. Um texto curto, como o de Gonçalo

Tavares, é prova disso, permitindo-nos trabalhar não só a implicitude, como também outras

habilidades envolvidas no desenvolvimento da competência leitora.

3. Gêneros do discurso

Outra questão significativa quando se estrutura o trabalho de leitura é: por que a

opção de trabalhar com gêneros do discurso? A resposta é direta: sem cumprir uma função

comunicativa socialmente específica e relevante não há abordagem de texto que seja

significativa para o aluno. Ao tomar, ainda, a frase, a oração ou o período como pontos de

partida para o ensino de Língua Portuguesa, a instituição escolar aposta numa visão

estrutural da língua, descolada de sua função social. Ao optar pelo trabalho com gêneros

discursivos a aposta é a de aproveitar a interação do aluno com o mundo em que vive.

Para além disso, a escola não deve ter por objetivo apenas trabalhar com os gêneros

de que o aluno já se utiliza concretamente nas suas práticas sociais, mas ampliar seu

repertório. Busca-se que ele vivencie, reflita, reproduza e produza outras práticas,

construindo assim um caminho mais competente e produtivo de atuação na sociedade.

Resumindo: trata-se de ampliar a capacidade comunicativa do aluno.

2) Que opinião o texto expressa sobre o que seja beleza?

A beleza está no que não é cotidiano, no diferente.

3) Reflita sobre a relação de causa e consequência e diga o que é causa e o que é consequência em cada

um dos parágrafos.

1ºparágrafo – causa: O arco- íris ficou muito tempo no céu – consequência: tornou-se aborrecido

2º parágrafo – causa: O arco-íris desapareceu e o céu ficou cinzento – consequência: as crianças acharam

bonito.

4) De acordo com a ideia expressa no texto, o que acontecerá, caso o céu permaneça cinzento escuro por

completo durante muito tempo?

Ele perderá o encanto para as crianças.

Caderno de Apoio Pedagógico – 6° ano – abril de 2010.

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A escola não é o único lugar de acesso letrado, mas torna-se o lugar privilegiado para

isso pela mediação do professor, pela interação com os colegas, por ser um lugar de

reflexão sobre o mundo letrado. Em que situações sociais, sociocomunicativas, o aluno

interage, ou seja, utiliza-se do que consideramos como aspecto funcional, discursivo, da

língua? Em que momentos ele faz uso, de forma mais ou menos competente, da oralidade e

da escrita em situações discursivas? Quando, por exemplo, ele informa, apela, seduz,

instrui, relata, argumenta etc?

Cabe ao professor, em sala de aula, estimular esses momentos, funcionando como

mediador, no sentido de contribuir para ampliar a competência dos seus alunos nessas

práticas discursivas.

Gêneros do discurso, no pensamento de Bakhtin (1992), são modos de dizer sócio-

historicamente reconhecidos, disponíveis, padronizados e aceitos, surgidos das

necessidades de comunicação humana; circulando socialmente.

Desse modo, o fluxo de gêneros é direcionado pelo uso social dos textos. Muitos

gêneros aparecem e depois somem, só para atender a uma necessidade social. Um bom

exemplo é o telegrama, outrora tão útil e, em tempos de internet, muitas vezes desconhecido

pelos alunos. Exatamente por essa questão, segundo KOCH (2006), os estudiosos

desistiram de empreender esforços no sentido de classificar e/ou listar os gêneros, até

porque essa seria uma lista teoricamente infinita.

A noção de gênero do discurso aqui trabalhada refere-se aos textos com que entramos em contato ao longo da vida e que possuem características próprias. São exemplos de gêneros do discurso: poemas, romances, contos, bate-papos, outdoors, cartas, e-mails, chats, telefonemas, piadas, vídeo-conferências, aulas, notícias de jornal etc.

“Há suportes que foram elaborados tendo em vista a sua

função de portarem ou fixarem textos. São os que passo

a chamar de suportes convencionais. E outros que

ocorrem como suportes ocasionais ou eventuais, que

poderiam ser chamados de suportes incidentais, com

uma possibilidade ilimitada de realizações na relação

com textos escritos. Em princípio, toda superfície física

pode, em alguma circunstância, funcionar como suporte.”

MARCUSCHI (2002)

Ao estudar um texto, importa

percebê-lo em suas características

próprias e pela função social que o

define. Um aspecto fundamental desse

estudo é a observação do suporte em

que o texto se concretiza.

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Os gêneros do discurso utilizam-se de diferentes suportes, que são os espaços físicos

onde eles aparecem materializados. São exemplos de suporte textual: o livro, o computador,

o celular, o folder, a folha da bula de remédio, a televisão, o jornal, por exemplo. Esses são

suportes convencionais, segundo Marcuschi (2002), que também vê o que ele chama de

suportes incidentais, tais como: o muro, como lugar das mensagens dos grafiteiros; o céu,

para as mensagens da esquadrilha da fumaça; o corpo, como superfície para as tatuagens

etc.

A título de clareza didática, podemos nos valer da organização proposta por DOLZ e

SCHNEUWLY (1996), anteriormente citada no CADERNO DE APOIO PEDAGÓGICO III/

2010/ PROFESSOR.

Capacidades de

Linguagem Dominantes Agrupamentos Gêneros Textuais

Refere-se à discussão de

questões sociais

controversas, exige

sustentação, refutação e

negociação nas tomadas

de posição.

ARGUMENTAR

Editorial, carta de reclamação,

artigo de opinião, ensaio

argumentativo, debate regrado,

resenha crítica...

Voltado à construção e

transmissão de saberes,

exige apresentação textual

para organização das

ideias e dos conceitos.

EXPOR

Conferência, palestra, resumo de

texto expositivo, seminário, verbete

de enciclopédia, comunicação oral,

relatório científico...

Refere-se às instruções e

prescrições de ações

voltadas à regulação

mútua de comportamento.

INSTRUIR

Receita, regulamento, regra de

jogo, manual de instrução,

regimento, mandamento...

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Voltado à cultura literária

ficcional e à recriação da

realidade, caracteriza-se

pela intriga no campo do

verossímil.

NARRAR

Lenda, romance, fábula,novela,

biografia, conto de aventura, conto

de fada, crônica literária, adivinha,

piada, ficção científica, biografia

romanceada, epopeia...

Refere-se à documentação

e memorização de ações

humanas que representam

pelo discurso de

experiências vividas

situadas no tempo e no

espaço.

RELATAR

Notícia, reportagem, anedota,

caso, diário íntimo, testemunho,

currículo, relato histórico,, de

viagem e policial...

O poema e o texto publicitário, numa determinada perspectiva, são gêneros. Na

verdade, o quadro apresentado se propõe a tratar das sequências textuais, ou seja, de como

a linguagem se estrutura em um dado momento da enunciação. Assim, pode-se ter um

poema narrativo, um poema descritivo etc.

O importante é observar que o que define o gênero é a sua função. Vejamos uma

proposta de atividade dirigida aos alunos.

Texto I

Poema tirado de uma notícia de jornal

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia

num barracão sem número

Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro

Bebeu

Cantou

Dançou

Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

BANDEIRA. Manuel. Libertinagem & Estrela da manhã. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.

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Compare os textos I e II e responda:

1) Quais as semelhanças entre eles?

Os textos se assemelham quanto ao tema e ao fato de ambos serem de base

narrativa.

2) Quais as diferenças?

A forma e a finalidade dos textos são diferentes.

O título do poema mostra sua origem: uma notícia de jornal. Tirado de seu suporte de

origem e estruturado na forma de poema, o fato perde seu caráter de efemeridade. Ao se

trabalhar com as semelhanças e diferenças entre esses dois textos, busca-se chegar à

função de cada um deles e, assim, perceber que o que define um gênero é a sua função,

não a sua forma.

Ao propor atividades de leitura, também é fundamental refletir sobre a natureza

literária ou não literária do texto. Como se sabe, a linguagem literária é subjetiva e serve à

expressão de realidade interior. É plurissignificativa, conotativa. A função emotiva, poética,

aparece como dominante em poemas, romances, contos, crônicas, peças de teatro etc. Já a

linguagem não literária é objetiva e serve à expressão de realidade exterior. Traz sentido

Texto II

Homem morre com fome e sede em matagal de Teresina

Josenal Cardoso tinha sintomas de depressão e saiu de casa na madrugada de sexta-feira.

O corpo de um homem foi encontrado em um matagal da Cerâmica Cil, zona rural de Teresina, no início

desta tarde.

Josenal Cardoso Ferreira, 57 anos, saiu de casa na última sexta pela madrugada rumo a Demerval

Lobão (a 30 km de Teresina).

O Instituto Médico Legal não identificou marcas de agressão. As suspeitas inicias da perícia são de que

ele tenha morrido de fome e sede.

Segundo o delegado Francisco Mesquita, Josenal chegou de São Paulo há cerca de 20 dias com sérios

problemas de coluna e apresentava sintomas de depressão.

Ele estava morando com o irmão, um cabo do Corpo de Bombeiros chamado Manoel Messias. A família

não viu quando Josenal saiu e entrou no meio do mato. O corpo foi encontrado 6 km distante da casa onde

ele morava.

Nayara Felizardo, especial para o Cidadeverde.com

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comum, denotativo. A função referencial aparece como dominante em textos informativos,

jornalísticos, científicos, instrucionais etc.

O interessante é que para distinguir um texto literário de um não literário há que analisar a

função predominante em cada um, seu objetivo principal. Contudo, esses critérios de classificação

não se sustentam numa relação de oposição, havendo textos híbridos, em que o literário e o não

literário se misturam, mesmo dominados por uma função. Um exemplo disso seria a obra Os

sertões, de Euclides da Cunha, em que o jornalístico, o científico e o subjetivismo poético se

misturam de tal forma que dificultam a identificação de uma função predominante. Por outro lado, há

ricos exemplos de recursos literários em propagandas.

LINGUAGEM LITERÁRIA LINGUAGEM NÃO LITERÁRIA

Sugere, insinua, evoca, conota. Diz, afirma, declara, denota.

Tem a marca da subjetividade Tem a marca da objetividade, linguagem impessoal.

Intenção estética, jogo entre forma e conteúdo, com vários recursos expressivos

abertos a várias interpretações.

Intenção utilitária, ênfase no conteúdo, com recursos expressivos voltados à

informação objetiva.

Linguagem arte

Palavra: matéria-prima

Linguagem utilitária

Palavra: instrumento

Outro conceito que precisa ficar bem claro é a diferenciação entre o verbal e o não verbal, retomando a noção de texto como unidade e sentido.

O texto verbal é o que se utiliza de palavras, oralmente ou por escrito, para

comunicar uma mensagem.

O texto não verbal não se utiliza das palavras para comunicar; utiliza-se de outros

meios comunicativos, como figuras, gestos, sons, objetos, cores...

O sinal de trânsito, o apito do juiz numa partida de futebol, o cartão vermelho, o cartão

amarelo, uma dança, os ícones de “não fume” ou de “silêncio”, o bocejo, a identificação de

“feminino” e “masculino” por meio de figuras na porta do banheiro, as placas de trânsito, a

dança, a mímica são exemplos de linguagem não verbal.

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O texto pode ser misto, com elementos verbais e não verbais ao mesmo tempo,

organizando-se para comunicar a mensagem, como acontece em conversas, em

comunicados orais, em algumas charges, em cartoons, em anúncios publicitários.

Na interação, os elementos verbais e os não verbais são importantes para que o

processo de comunicação seja eficiente. Uma habilidade de leitura fundamental é “ler com o

auxílio de material gráfico”. Observe as atividades abaixo.

Situando o texto como uma charge, explore com o aluno o conteúdo crítico que pode

ser lido. As perguntas apontam para os elementos gráficos que podem contribuir para a

construção de sentidos.

4. Objetivos da leitura. Enfim, para que lemos?

É importante ressaltar que toda e qualquer atividade de leitura deve ter seu

objetivo combinado com o aluno, previamente explicitado. E o ato de ler pode ter

variados objetivos. Sugerimos que você diversifique as atividades tendo–os em vista. Veja

como Isabel Solé nos ajuda nesse sentido.

Os diferentes objetivos da leitura: Para que vou ler?

Ler para obter uma informação precisa: leitura seletiva

Ler para seguir instruções.

Ler para obter uma informação de caráter geral.

Ler para aprender.

Ler para revisar um escrito próprio.

Ler por prazer.

Ler para comunicar um texto a um auditório.

Solé, Isabel.Estratégias de Leitura. Porto Alegre:ArtMed,1998.

magnumfumeta.blogspot.com

1) No texto ao lado, onde as pessoas estão?

No quarto de dormir.

2) O que elas estão fazendo?

Conversando através do computador.

3) Qual a relação entre as pessoas do texto?.

Supõe-se que são um casal.

4) Como você lê o conteúdo dos balões? Como um beijo de boa noite.

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Enfim, toda prática de leitura supõe a existência de um leitor ideal, aquele que se

almeja formar. Para ilustrar, traçamos um perfil possível para esse leitor também possível.

conversamos.wordpress.com II. Escrita A prática da leitura, por si só, não garante o bom desempenho na produção escrita. É

claro que o ato de ler contribui para tornar o aluno mais competente na escrita, mas o bom

desempenho nessa modalidade só é garantido pelo constante exercício de escrever.

Leitura e escrita exigem diferentes habilidades. Queremos dizer com isso que a leitura

ajuda, mas só se aprende a escrever, escrevendo. Conforme Antunes (2003),

“Se faltam as ideias, se falta a informação, vão faltar as palavras. Daí que nossa providência

maior deve ser encher a cabeça de idéias, ampliar nosso repertório de informações e sensações,

alargar nossos horizontes de percepção das coisas. Aí as palavras virão, e a crescente

competência da escrita vai ficando por conta da prática de cada dia, do exercício de cada evento,

com as regras próprias de cada tipo e de cada gênero de texto.”

Lembremos que só escreve quem tem algo a dizer, e que dizer bem o que se tem a

dizer é questão de prática, tanto de leitura quanto da própria escrita. Lembremos ainda que

quem escreve, escreve para alguém e que esse outro para quem se escreve é o elemento

definidor daquilo que se vai escrever e da forma como se vai fazê-lo.

O leitor que queremos formar...

- formula perguntas enquanto lê;

- seleciona pistas de leitura nos textos;

- constrói, avalia e reconstrói hipóteses;

- compreende os implícitos;

- pressupõe;

- dialoga com outros textos;

- percebe intenções e finalidades dos textos...

Lê a palavra e o mundo...

...e segue lendo na escola e pela vida.

conversamos.wordpress.com

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O contato do aluno com textos escritos, formais ou informais, de diferentes gêneros

discursivos, mais do que ao desenvolvimento da compreensão deve levá-lo à elaboração de

seus próprios textos.

Gostaríamos de ressaltar que como não existe um único modelo de textos orais,

também não existe um único modelo de textos escritos: há textos formais orais e escritos e

textos informais orais e escritos. Desse modo, para que os alunos saibam produzir textos

escritos formais é necessário que tenham contato com esse modelo de textos.

Outro aspecto a ser ressaltado na produção de um texto escrito são as etapas

necessárias à sua produção: o planejamento, a escrita e a revisão.

O planejamento deve considerar a escolha do tema, do gênero e do registro e

os possíveis leitores.

No ato da escrita importa a escolha das palavras e das estruturas frasais, a

preocupação com a coerência...

Na revisão, verifica-se se o texto está coerente, se o tema foi bem

desenvolvido, se as estruturas sintáticas estão bem construídas, se a ortografia

e a pontuação foram respeitadas, por exemplo. É hora, então, de reescrever o

texto. E essa reescritura pode ser a primeira de muitas.

Dessas três etapas, todas importantes, ressaltamos o momento da revisão/reescritura

como fundamental para a qualidade da produção escrita do aluno. O professor deve investir

nessa etapa, valorizar as emendas, as rasuras, as várias tentativas, as necessárias

reescrituras do seu aluno. Vejamos um exemplo do que queremos ressaltar, nesta página

de Guimarães Rosa, em Grande sertão: veredas, apresentada a seguir. Ela serve somente

de ilustração, para afirmar que até os grandes mestres riscam e rabiscam.

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http://afetivagem.blogspot.com

Se os grandes escritores, como Guimarães Rosa, para chegar à melhor forma de dizer

aquilo que pretendem, escrevem páginas e páginas, revisam, reescrevem, riscam e

rabiscam por que não o fariam nossos alunos? E nós mesmos? Essa percepção do texto

como seu e como objeto em construção é fundamental para a formação do aluno-leitor-autor

que desejamos.

Passo a passo, vejamos alguns pontos fundamentais no trabalho da escrita.

Para que escrever?

Para registrar.

Para aprender a escrever.

Para nos tornarmos mais competentes no uso dos textos em sociedade.

Como escrever?

Com objetivos claros compartilhados com os alunos.

Partindo da escrita dos alunos.

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5. Para que escrever?

Todos nós já incorporamos o discurso de que a prática de escrita deve ser

contextualizada. Muitas vezes essa questão é compreendida como uma forma de criar uma

atividade que reproduza o uso social da escrita, contudo isso também pode ser algo artificial,

meramente didático, sem significado para o aluno. Para que a atividade seja significativa, a

contextualização é, antes de tudo, partilhar com o aluno o objetivo dessa escrita. O aluno-

autor deve encarar a escrita como um trabalho que exige planejamento. Planejar a escrita

com o aluno começa com essa pergunta – Por que escreveremos?

Como sabemos que só dá para aprender a escrever... escrevendo, é ponto pacifico no

discurso pedagógico que é preciso utilizar os gêneros na escola com a sua finalidade

preservada. Só precisamos cuidar para que se evitem artificialismos exagerados. Não é

porque há um bolo de aniversário na sala de aula que se deve estudar o texto receita. Não

negamos que há momentos em que é necessário escrever para “aprender a escrever” e

forçar um contexto real nesses momentos pode reforçar a didatização da escrita. A chave

pode estar em dois pontos:

- esclarecer os objetivos da escrita. Combinar com o aluno o “para quê” daquela

atividade didática.

- partir da revisão dos textos dos alunos. São os textos produzidos pela turma e a

necessidade de melhorá-los que indicam os conteúdos das aulas. Os fatos gramaticais são

úteis para a reescrita do texto, por isso seu estudo se torna significativo.

Um exemplo pode ser o exercício a seguir - atividade gentilmente cedida por professora

de língua portuguesa da EE Presidente Gronchi. Após orientar a produção de um texto

argumentativo com o tema “O candidato ideal”, o professor verifica que um fato relevante

nas produções é a repetição desnecessária de palavras, um problema clássico de coesão

textual. A partir desse diagnóstico, o problema passa a ser o foco da próxima aula. Vários

trechos dos textos são selecionados e aos alunos é lançada a questão: Que problema é

recorrente nos trechos citados?

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Para ilustrar, um dos trechos citados foi:

“O melhor candidato é o candidato que tem características pessoais marcantes. O candidato que

tem código de ética firme. O candidato que não se vende. O candidato que sabe lidar com as

pressões do cargo. O candidato que não se deixa corromper pelo poder.”

Os alunos chegam à conclusão de que problema se trata e são desafiados a “escrever

para aprender a escrever” propondo possibilidades de reescrita do trecho, solucionando o

problema.

O professor interfere nessas tentativas, responde às dúvidas que surgem e, enfim, a

turma chega à seguinte reescrita:

“O melhor candidato é o que tem características pessoais marcantes e código de

ética firme. Aquele que não se vende e sabe lidar com as pressões do cargo. Enfim, o

homem que não se deixa corromper pelo poder.”

A partir daí, o professor diz aos alunos que esse é um problema recorrente e que seria

útil registrar o que fizeram na reescritura para que pudessem consultar e utilizar em outros

momentos de escrita. A turma se volta, então, para a comparação entre o trecho original e

sua reescrita.

“O melhor candidato é o candidato que tem características

pessoais marcantes. O candidato que tem código de ética firme. O candidato que não se vende. O candidato que sabe lidar com as pressões do cargo. O candidato que não se deixa corromper pelo poder.”

Podemos somente retirar a palavra.

Podemos juntar frases, usando um elemento de ligação, no caso o “e”.

Podemos substituir a palavra por um pronome.

Podemos substituir a palavra por outra mais geral. Podemos acrescentar uma palavra que indique conclusão, no caso, “enfim”.

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Dessa atitude reflexiva mediada pelo professor surgem regras, que são registradas no

caderno, utilizando a linguagem dos alunos e com o objetivo de municiar novas reescrituras.

O professor pode e deve, dependendo do trabalho já realizado e da análise de sua

turma, construir conceitos gramaticais nesses momentos de língua portuguesa em uso.

Assim, o fato gramatical será recurso para a reescrita e não somente uma nomenclatura a

ser memorizada, assim como as regras serão significativas e não meramente prescrições.

No exercício realizado seria útil a noção de pronome e de conjunção, por exemplo.

6. Planejando a escrita

A primeira exigência ao se planejar a escrita é que não se solicite ao aluno que

produza texto de gênero discursivo com que não tenha entrado em contato, com que não

esteja familiarizado o bastante para identificar-lhe função, partes estruturais, linguagem

adequada, elementos constitutivos etc.

Os critérios de elaboração do texto, que serão levados em conta na revisão e

reescritura também já podem estar anunciados na proposta, que serve de guia. Num

primeiro momento, o professor direciona a escrita e discute com os alunos passo a passo a

proposta. Pouco a pouco, o aluno vai se tornando mais autônomo, interferindo mais na

proposta e debatendo critérios que permitam responder à pergunta chave: Como escrever

um bom texto, segundo o que foi proposto?

Vejamos a proposta abaixo, que consta do CADERNO DE APOIO

PEDAGÓGICO DE ABRIL DE 2010/9° ANO.

A proposta surge a partir da leitura de uma entrevista com Nelson Mandela e

logo o gênero é apontado: entrevista. O primeiro passo leva o aluno a se organizar para a

produção. Afinal, não se escreve a partir do nada. O aluno é estimulado a ler para escrever.

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No segundo passo, escolhido o entrevistado, o professor poderia mediar,

refletindo com o aluno sobre a linguagem – em que registro se dará a entrevista?

Mais formal ou mais coloquial? Perceba que foi utilizada a expressão ROTEIRO e não

a usual “RASCUNHO”, tão pouco significativa para os alunos. No “fique ligado”, o

aluno recebe mais uma dica para o sucesso de sua produção.

No passo 3, temos o registro da entrevista ; no passo 4, a revisão orientada.

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Dessa forma, o aluno está sendo guiado para construir a noção da escrita como um

trabalho que exige organização e não tem nada de estático: é dinâmico!

Na proposta anteriormente comentada, o tema não foi objeto de trabalho, somente

sendo determinado pelo Professor. Observe a próxima proposta, presente no CADERNO DE

APOIO PEDAGÓGICO DE JULHO DE 2010/ NONO ANO.

Nela se orienta a produção de um diálogo após a leitura do texto “Boca de Luar”, de

Carlos Drummond de Andrade. Para cada elemento presente – personagens, cenário,

assunto – são feitas perguntas para ativar a criatividade do aluno. Uma das competências

que o aluno deve desenvolver para progredir na escrita é a de elaborar perguntas que o

ajudem a ter ideias sobre o tema e sobre os elementos do texto. Algumas vezes as

perguntas podem ser elaboradas pelo professor; outras vezes pelos próprios alunos, que,

construindo autonomia, vão assumindo esse papel. Nessa atividade a revisão do texto foi

somente anunciada, devendo aluno e professor estabelecerem os critérios para que a

reescrita se realize.

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Para não esquecer! A produção de textos na escola...

...DEVE

- propor escritas contextualizadas. Sempre perguntar: Para quem se escreve? Por que se

escreve? Quem é o leitor? Qual o objetivo da escrita?

- definir o gênero e ler vários textos, analisando-os e construindo modelos de escrita. A

análise de textos permite construir esses modelos, embora a atividade de leitura, por si só,

não baste para “aprender a escrever”.

- Compreender o aluno como autor e a escrita como trabalho.

- Adequar a linguagem ao interlocutor. Essa etapa é a do planejamento e precisa ser

retomada na revisão/reescrita.

7. Reescrevendo, corrigindo, revisando A correção de textos dos alunos é um trabalho que, em geral, é relatado pelos

professores como infrutífero e desgastante. Se essa correção consiste em marcar os erros

no texto do aluno, ou somente atribuir uma nota ou um conceito – bom, regular...o que

isso significa? - com certeza será de pouca valia.

Os alunos compreendem as “correções” feitas no texto? As marcações que o

professor faz no texto em princípio deveriam estimular o diálogo do aluno com o que

escreveu, deveria mediar a reescritura. Desse modo, ao marcar o texto a atitude deve ser de

questionar, sinalizar problemas, comentar estruturas, indicar possibilidades...conversar

sobre o texto.

Para que essa interferência na escrita do aluno seja significativa, também deve ser

combinada. E há várias formas de correção:

- individualmente, face a face com o aluno, numa leitura atenta. Exige trabalho

diversificado com a turma;

- coletiva, com um texto no quadro sendo analisado pela turma;

- em duplas ou pequenos grupos.

Em qualquer das formas, é fundamental que os critérios apontem claramente o que

deve ser observado. O professor pode estabelecer códigos para cada item a ser observado

ou problema encontrado no texto.

Outra estratégia é estabelecer etapas de correção:

- etapa 1: compreensão geral

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- etapa 2: ortografia

- etapa 3: pontuação, por exemplo.

Observar todas as questões simultaneamente exige do aluno alto poder de

concentração. Por isso também, dependendo da turma, é muito importante variar momentos

individuais e coletivos.

Outro ponto fundamental é que a revisão do texto deve levar em conta aspectos de

conteúdo e forma, sem deixar de atentar para a proposta de escrita.

Vejamos os textos abaixo – a atividade foi gentilmente cedida por professora da EE

Presidente Gronchi. Ambos partiram da leitura da música “Os anjos” (Legião Urbana), com a

seguinte proposta de escrita:

“Como analisamos na leitura, a letra de “Os anjos” contém uma receita. Crie uma nova receita

que anule os efeitos da que está na música.

Critérios para construção do texto:

- Tem que ser uma receita. Como é uma receita? Que partes a compõe? Que vocabulário

costuma ser usado nesse texto? Como costuma ser estruturado o texto?

- Tem que anular a receita da música. Como é a receita da música? Como seria o seu

oposto?

- Deve usar a língua portuguesa padrão informal, pois se dirige aos jovens em geral.”

- Não se esqueça! Cuide da pontuação!”

Música

Os anjos

Renato Russo

Hoje não dá

Hoje não dá

Não sei mais o que dizer

E nem o que pensar

Hoje não dá

Hoje não dá

A maldade humana agora não tem nome

Hoje não dá

Pegue duas medidas de estupidez

Junte trinta e quatro partes de mentira

Coloque tudo numa forma

Untada previamente

Com promessas não cumpridas

Adicione a seguir o ódio e a inveja

Dez colheres cheias de burrice

Mexa tudo e misture bem

E não se esqueça antes de levar ao forno temperar

Com essência de espirito de porco

Duas xícaras de indiferença

e um tablete e meio de preguiça

Hoje não dá

Hoje não dá

Está um dia tão bonito lá fora

E eu quero brincar

Mas hoje não dá

Hoje não dá

Vou consertar a minha asa quebrada

E descansar

Gostaria de não saber destes crimes atrozes

É todo dia agora e o que vamos fazer?

Quero voar pra bem longe mas hoje não dá

Não sei o que pensar e nem o que dizer

Só nos sobrou do amor

A falta que ficou

http://letras.terra.com.br/legiao-urbana/46964/

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Texto do aluno 1

Comentário: O aluno compreendeu que a receita deveria se opor à da música, mas não a desenvolveu,

somente se atendo a responder ao que foi proposto.

Observe a revisão do texto. O professor distribui uma tabela com os critérios estipulados pela proposta

de escrita e assume o papel de leitor 1, o que já encaminha para a existência de outras leituras.

“Seria mais gradavel adicionar uma pitada de amor e comprieção e mas gumas colheres de compaxão

ao próximo.”

Conforme o proposto, analise seu texto:

Critério Comentário - leitor 1 Auto-avaliação do autor

Tem que ser uma receita. Como é uma receita? Que partes a compõem? Que vocabulário costuma ser usado nesse texto? Como costuma ser estruturado o texto?

Você poderia ter pensado melhor na estrutura do texto. Só citou alguns ingredientes, mas não disse o modo de fazer, por exemplo. Reflita sobre o formato usual de uma receita. Que tal observar o que registrou no seu caderno em nossa ultima aula, quando lemos e analisamos várias receitas? Volte lá e verifique o que concluímos sobre a estrutura típica das receitas.

Tem que anular a receita da música. Como é a receita da música? Como seria o seu oposto?

Você realmente se colocou contrário à música, mas não desenvolveu a receita...Escreveu tão pouco...

Deve usar a língua portuguesa padrão informal, pois se dirige aos jovens em geral

Você não usou a língua padrão. Observe: Gradavel - agradável Comprieção - compreensão Mas – aqui é o advérbio de intensidade mais (referente à quantidade) e não o mas conjunção, que dá ideia de oposição. Ex: Gosto de sorvete, mas não posso tomar. Quero mais tempo para a tarefa. Gumas - algumas Compaxão – compaixão Você escreveu tão pouco que não dá para perceber se pensou no seu leitor... Nem dá para avaliar se o texto [é informal...

Não se esqueça! Cuide da pontuação!” Proponho a seguinte pontuação para seu texto: Seria mais agradável adicionar uma pitada de amor, compreensão e mais algumas colheres de compaixão ao próximo.

“Seria mais gradavel adicionar uma pitada de amor e comprieção e mas gumas colheres de

compaxão ao próximo.”

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Essa foi só a primeira etapa da revisão, devendo ser seguida da auto-avaliação

do aluno e reescrita do texto.

8. Os “erros” de quem escreve Pontos de observação e algumas intervenções possíveis

Sintaxe

Alguns erros de sintaxe no texto que condenava um homem à morte transformaram

esse homem em novo Rei. Esse novo Rei, que escapara por um triz sintático à pena de morte, decidiu utilizar

outros meios para determinar o enforcamento do antigo rei. Evitando escrever uma única linha, falou. Porém, explicou-se mal. Os seus próprios homens, obedecendo às suas palavras, enforcaram-no.

(Gonçalo Tavares, em O Senhor Brecht)

Partindo do princípio, já expresso neste trabalho, de que só se aprende a escrever,

escrevendo, a produção de texto do aluno deve ser encarada como um contínuo exercício,

sempre sujeito a “erros”, no processo de constante aprendizado em que todos nos achamos

envolvidos. Antes de abordar alguns problemas mais comuns observados na produção

escrita do aluno, chamamos a atenção do professor para o relativismo que há na noção de

erro e para o fato de que em toda produção do aluno deve-se levar em conta a adequação

do texto à sua função, à situação de interação, ao interlocutor, enfim, às peculiaridades de

cada gênero.

Cabe ao professor, observando os trabalhos produzidos pelo aluno, levantar os

problemas que prejudicam a qualidade da sua produção textual. A partir dos problemas é

que o professor planejará suas aulas, as atividades, com o objetivo de melhorar a

competência discursiva do aluno. Elegemos, para este enfoque, três aspectos gramaticais

que comumente aparecem como problemas na produção do aluno: concordância, pontuação

e coesão. Esses aspectos estão relacionados a problemas detectados na produção do

aluno, vista sob a ótica da norma padrão.

Vejamos cada um dos aspectos, através de atividades de produção textual.

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Concordância

Em termos gerais, o conceito de concordância implica a competência de relacionar as

palavras e perceber nessa relação uma estrutura de hierarquia entre determinante e

determinado. O trabalho com o texto em sala de aula deve levar o aluno a perceber esse

aspecto gramatical, bem como a utilizá-lo significativamente em suas produções.

É muito comum encontrar em textos de aluno problemas de concordância, tanto

nominal, quanto verbal. Você deve reconhecer os exemplos abaixo:

“Eu amo meu país, mas sei que tem muitos problema. Problema que agente não

temos como resolver sozinhos. (...)” (aluno 1)

“Pegue duas pitada de amor.

5 tablete de sorte...” (aluno 2)

Para resolver esses problemas, exercícios descontextualizados não são eficazes. O

aluno pode resolver inúmeros exercícios gramaticais sobre concordância e não construir

competência para, em seu discurso mais espontâneo, se valer desse conhecimento. O

caminho é, ao invés de fazer exercícios sobre concordância, trazer para a sala de aula o

uso desse conceito. Esse caminho pode ser construído a partir dos próprios textos dos

alunos, no movimento constante de análise linguística, revisão e reescritura. Ou também, em

atividades como a que se segue, devidamente contextualizadas.

O lavrador e seus filhos

Um lavrador, estando a morrer e querendo que seus filhos ganhassem experiência na

agricultura, chamou-os e disse: “Meus filhos, logo vou deixar a vida, mas não vou deixá-los

desamparados. Vocês procurem o que está escondido em nossas terras, e tudo

encontrarão.”. Os filhos pensaram que, em algum lugar, ele havia enterrado um tesouro.

Reviraram todo o solo da propriedade, depois da morte do pai, e não encontraram tesouro

nenhum enterrado; mas a terra herdada, depois de lavrada desse jeito, lhes deu muito mais

frutos.

Moral da história: No trabalho é que o homem encontra o verdadeiro tesouro.

ESOPO. Fábulas completas.Trad.SMOLKA, Neide. Rio de Janeiro, Moderna, 2005.

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Atividade – A fábula traz como personagens um lavrador e seus filhos. Ao aluno será

solicitado que reescreva o texto imaginando como personagens um lavrador e apenas um

filho e fazendo as alterações necessárias.

Atividades como esta, isoladamente, não propiciarão melhor desempenho do aluno,

quanto ao aspecto enfocado, devendo ocorrer com regularidade, dentro de um processo de

trabalho que inclua muita leitura e muita produção textual.

Pontuação

O trabalho com o conceito de “pontuação” vai muito além do mero reconhecimento

dos sinais de nossa língua e da sua relação com a entonação. A pontuação tem

motivação sintática e valor expressivo, contribuindo para a construção dos sentidos do

texto. Seus sinais não são meramente “separadores” de partes do texto.

A importância da pontuação

Um homem rico estava muito mal, agonizando. Pediu papel e caneta. Escreveu assim:

“Deixo meus bens à minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do padeiro

nada dou aos pobres” .

Morreu antes de fazer a pontuação. A quem deixava ele a fortuna?

Eram quatro concorrentes: o sobrinho, a irmã, o padeiro e os pobres da cidade.

1) O sobrinho fez a seguinte pontuação:

Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho. Jamais será paga a conta do padeiro.

Nada dou aos pobres.

2) A irmã chegou em seguida. Pontuou assim o escrito:

Deixo meus bens à minha irmã. Não a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do padeiro.

Nada dou aos pobres.

3) O padeiro pediu cópia do original. Puxou a brasa pra sardinha dele:

Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do

padeiro. Nada dou aos pobres.

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4) Aí, chegaram os descamisados da cidade. Um deles, sabido, fez esta interpretação:

Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do

padeiro? Nada! Dou aos pobres.

http://www.luso-poemas.net (Circulando na internet)

Atividade – Apresentar o texto para o aluno, sem a parte em que cada concorrente

apresenta a pontuação que lhe interessa, e pedir que ele pontue o que o homem rico

escreveu, de modo que a fortuna fique para

1) o sobrinho

2) a irmã

3) o padeiro

4) os pobres

Uma outra estratégia que leva a bons resultados no domínio da adequada pontuação

de textos é a de apresentar ao aluno, com regularidade, textos sem qualquer sinal de

pontuação, para que ele vá pontuando, à medida que o professor vá fazendo a leitura

expressiva do texto dado. Após isso, discutir as alternativas de pontuação sugeridas pelos

alunos e compará-las com a pontuação original do texto é também boa reflexão. Reiteramos

que o contínuo exercício resulta em crescente competência do aluno.

O professor deve levar em conta o caráter flexível da pontuação. Naqueles casos em

que o sentido fica preservado, pode-se considerar a pontuação uma questão de estilo.

Coesão textual

Ressaltamos a importância que tem para a competência leitora a compreensão dos

elementos que constituem a textualidade, ou seja, aqueles que constroem a articulação

entre as diversas partes de um texto, ou seja, a coesão. Esses mecanismos são

fundamentais não só para a leitura e a compreensão de textos como também para sua

produção.

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A coesão ou conectividade é a ligação, o nexo sequencial que se estabelece entre

as partes de um texto. São elementos coesivos:

de natureza gramatical - pronomes, advérbios, elementos de subordinação, e

coordenação, ordem dos vocábulos e orações, concordância nominal, concordância

verbal;

de natureza lexical - sinônimos, antônimos, repetições, hiperônimos (termos mais

gerais), hipônimos ( termos mais específicos).

A coesão sequencial, aparente ou não, é um dos requisitos fundamentais para a

construção de qualquer texto, em qualquer função. Há que se saber estabelecer relações

entre partes de um texto, identificando repetições ou substituições que contribuem para a

continuidade. Há que se perceber os elementos que garantem a textualidade e identificar as

relações de coerência (lógico-discursivas) estabelecidas no texto.

Sugestão de atividade – Uma das exigências é que o aluno vá sendo levado a entenderas

partes estruturais de um texto: orações, períodos, parágrafos, versos, estrofes...

Lembremos que uma leitura mais efetiva resulta da percepção das conexões

estabelecidas pelos conectivos e anafóricos, na construção do texto. Assim, a melhor

estratégia para levar os alunos a perceberem, compreenderem e utilizarem adequadamente

os elementos coesivos é observá-los em funcionamento nos textos que lhes são dados para

leitura.

Nos fragmentos de texto a seguir, podem-se identificar elementos de coesão cujo

funcionamento, relações que estabelecem, devem ser comentadas com os alunos.

[...]

Não é que eu ame apesar

Do absurdo de amar

Mas justamente

Porque é absurdo sem par (In Sábios costumam mentir, composição de João Bosco/ Antônio Cícero / Waly Salomão)

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O Xá do Blá-Blá-Blá Era uma vez, no país de Alefbey, uma triste cidade, a mais triste das cidades, uma

cidade tão arrasadoramente triste que tinha esquecido até seu próprio nome. Ficava à

margem de um mar sombrio, cheio de peixosos – peixes queixosos e pesarosos, tão

horríveis de se comer que faziam as pessoas arrotarem de pura melancolia, mesmo quando

o céu estava azul.

Ao norte dessa cidade triste havia poderosas fábricas nas quais a tristeza (assim me

disseram) era literalmente fabricada, e depois embalada e enviada para o mundo inteiro, que

parecia sempre querer mais. Das chaminés das fábricas de tristeza saía aos borbotões uma

fumaça negra, que pairava sobre a cidade como uma má notícia.

E nas entranhas da cidade, atrás de uma velha zona de edifícios caindo aos pedaços,

que mais pareciam corações partidos, vivia um garoto feliz, chamado Haroun, filho único de

Rashid Khalifa, o contador de histórias, cuja alegria era famosa em toda aquela infeliz

metrópole. [...] Haroun foi criado numa casa onde, em vez de tristeza e rugas na testa, havia

o riso fácil do pai e a voz doce da sua mãe cantando canções que voavam pelo ar.

Foi então que alguma coisa deu errado. [...]

RUSHDIE, Salman. Haroun e o Mar de Histórias. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

Outras atividades sugeridas:

O professor pode apresentar pequenos textos sem alguns elementos coesivos,

para que o aluno perceba as falhas relacionais e como preenchê-las.

Apresentar à turma, produções textuais de alunos, cujos problemas de coesão

comprometam a coerência do texto, buscando junto à turma as alternativas de

reescritura das partes com problemas.

Um problema recorrente já apresentado neste trabalho e que pode encontrar

solução com a estratégia apresentada acima é o de produções em que a

repetição de palavras compromete a qualidade do texto.

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Muito da coerência de um texto resulta do adequado funcionamento dos elementos

coesivos. Mais do que isso, porém, resulta do diálogo entre as ideias expostas no texto,

entre as suas partes; está na interrelação de sentido e na interdependência semântica das

partes com o todo. Está, ainda, na linguagem adequada à função de um texto, ao seu

propósito comunicativo, ao receptor desse texto.

Para que ocorra coerência textual é necessário, então, que as ideias nele expostas

dialoguem também com os fatores externos (diálogo com o mundo). Neste caso, como

aponta KOCH (2006), muitas vezes a coerência vai exigir o conhecimento de mundo do

leitor. Observe o texto abaixo:

ozeroeoinfinito.blogspot.com

Percebe-se que, para entender a mensagem do texto publicitário acima, é necessário

que ativemos nosso conhecimento de mundo. Neste contexto, identificar a imagem à direita

– Gandhi - e saber quem foi essa grande figura da independência da Índia. Feito isso,

entenderemos o sentido do texto: se com sandálias esse homem caminhou 360 km para

libertar o povo do seu país, imagine... o que ele faria, com tênis NIKE!

Com esse texto como exemplo, reafirmamos que, muitas vezes, a coerência não

está no texto, mas fora dele, ou seja, nos conhecimentos que o leitor tem de mundo e

que poderão ser ativados no momento da leitura.

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III. Oralidade

A modalidade escrita continua dominando a prática de ensino de língua. Esse domínio

maior da leitura e da escrita não seria problema, se não excluísse quase por completo as

práticas de oralidade, como se essas não contribuíssem para ampliar a capacidade de

interação do aluno, em seu diálogo com o mundo.

Entre os equívocos que relegam a oralidade a segundo plano no ensino de língua estão

a visão da fala como lugar privilegiado para violação das regras da gramática e a crença

ingênua de que os usos orais da língua estão tão ligados à vida, que não precisam ser

matéria de sala de aula. O texto falado somente como ponto de partida para se chegar à

produção escrita é mais uma forma de privilegiar a escrita em detrimento da fala.

Precisamos, como ponto de partida para uma nova prática, reconhecer que oralidade e

escrita são duas modalidades da língua, com semelhanças, por fazerem parte de um mesmo

sistema, e diferenças.

Algumas diferenças e semelhanças entre escrita e fala

Ambas servem à interação verbal

As condições de produção e recepção são diferentes.

Na fala, o interlocutor está presente no

ato da produção.

No ato da escrita, não ocorre essa

simultaneidade, o que exige cuidados em prol

da clareza.

A fala, em situação de diálogo, é mais

imediata.

Como será fixada, permite reescrita, correção,

planejamento.

A escrita não é sempre formal, nem a fala é sempre informal: ambas são dependentes do

seu contexto de uso.

As graduações – variantes regionais, sociais, jargões, diferentes usos em diferentes

situações – ocorrem tanto na fala como na escrita.

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Ao chegar à escola, o aluno já vem com uma competência para o uso da língua

materna. Em sala de aula, a função é ampliar essa competência, desenvolver a capacidade

de comunicação do aluno pela utilização ampla das possibilidades que a língua lhe permite,

estimulando a reflexão sobre variação linguística, sobre adequações de uso para diferentes

situações e contra os preconceitos relacionados ao uso coloquial da fala.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola

Editorial, 2008.

É fundamental que os diferentes gêneros estejam na sala de aula de língua portuguesa,

por isso o quadro acima pode nos auxiliar. Atente para o fato de que há uma multiplicidade

de gêneros afeitos às práticas de escrita, mas também outros tantos gêneros afeitos às

práticas orais.

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Sabemos que o trabalho com a oralidade não está completamente ausente da sala de

aula. No entanto, quando trabalhada, os resultados não são devidamente considerados para

efeito de avaliação do desempenho do aluno. Negligenciar a oralidade e trabalhá-la como

um item de menor importância tem sido a regra geral. Por que, por exemplo, dar importância

somente ao texto escrito como suporte para a apresentação dos trabalhos a serem

avaliados? Num ambiente de interação linguística, por que não dar oportunidade de o aluno

apresentar e defender oralmente os seus trabalhos em debates, sendo esses momentos

avaliados com o mesmo peso dado à produção escrita?

As práticas de retextualização do oral para o escrito e vice-versa, as apresentações

orais de trabalhos, os debates, que ocorrem algumas vezes em sala de aula, por exemplo,

não dão conta nem mesmo do que os PCN apontam e sugerem sobre a importância do

trabalho com a modalidade oral no processo de inclusão social dos alunos.

Ressaltamos que as práticas da modalidade oral devem levar em conta a familiaridade

que o aluno tem com os gêneros discursivos e a adequada gradação com que levamos cada

aluno a experimentar os gêneros que ainda não fazem parte de seu cotidiano.

A língua oral em situações formais de comunicação deve estar presente em sala de

aula. O aluno deve ter a oportunidade de recepção de discursos orais mais formais como os

dos jornais televisivos. Segundo Ramos (1997), “é necessário que o aluno tenha acesso à

linguagem dessas pessoas, quer por contato direto, quer por vídeos e textos escritos dos

mais diferentes tipos.”. O professor, como mediador, deve fazer com que o aluno perceba a

diferença entre esse tipo de registro e aqueles a que ele está exposto nas suas interações

mais informais.

É preciso reconhecer a escola, a sala de aula, como espaço de interlocução.

Isso precisa ser rotina, ter continuidade. Entre os objetivos mais específicos do trabalho com

a oralidade estariam aqueles capazes de fazer o aluno

- perceber as diferenças de registros que existem na modalidade oral;

- aperfeiçoar a oralidade, ampliando sua capacidade de comunicação em diferentes

gêneros discursivos;

- desenvolver a criticidade, a capacidade de argumentação, o respeito à opinião do

outro;

- aprimorar o exercício do diálogo.

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Sugestões de atividades

Uma atividade interessante de trabalho com a oralidade seria a simulação pelo

aluno de jornais televisivos, usando a linguagem como aparecem na televisão.

Essa atividade pode ser desdobrada em prática de recepção crítica, como por

exemplo, comparar as várias formas como uma mesma notícia aparece

veiculada em diferentes canais; reconhecer assunto e tratamentos diversos;

formar grupos de discussão sobre um fato veiculado e sobre essas variadas

formas de veiculação etc.

Organizar, dentro do horário das aulas, seja na sala de aula, na sala de leitura

ou em outro espaço propício:

Hora de contar – em que o aluno conte histórias, anedotas, casos, conte

fatos do seu dia a dia, resgatando as narrativas orais que estão na origem

das narrativas.

Roda de leitura com textos literários – poemas, narrativas, crônicas etc. Aqui

vale o ler por prazer, porque os textos são bonitos, interessantes, intrigantes

e porque é necessário construir repertórios de textos, ampliar os horizontes

da leitura. Nesse momento, o professor pode ler para a turma, pois, muitas

vezes, no começo dessa prática, o aluno pode não conseguir, em suas

leituras, explorar adequadamente a pontuação e não trabalhar a entonação,

dando um aspecto “quebrado” à leitura. Os próprios alunos reclamam dos

colegas, não é? Então, essa é uma boa hora para experimentar “modos de

ler” um texto e oferecer ao aluno a leitura do professor como uma referência

do quanto o texto ganha de sentido, quando lido adequadamente (leitura

expressiva).

Hora da conversa – em que o aluno converse e discuta sobre temas por ele

sugeridos e temas atuais, que ampliem seu conhecimento de mundo.

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A partir da leitura de jornais, pode-se solicitar que o aluno selecione as notícias

cujos conteúdos irá narrar oralmente para a turma.

Propor ao aluno atividades de fala planejada, em que se trabalhe a oralidade

com uso do suporte escrito. Exemplos: pronunciamento de um discurso;

exposição de um trabalho de pesquisa, a partir de registro ou roteiro;

apresentação e defesa de trabalho escrito.

É preciso levar o aluno a se exercitar nos discursos mais formais e, nesse

exercício, perceber suas peculiaridades. A sugestão é a de lhe proporcionar

oportunidade de recepção, por exemplo, de palestras, de pronunciamentos, de

debates, de programa de entrevistas, de jornais televisivos, com a mediação

do Professor chamando a atenção para as peculiaridades desses discursos. A

posterior simulação pelo aluno dessas situações de uso mais formal

complementaria a atividade.

IV. MODOS DE LER, MODOS DE ESCREVER

Agora, após tratarmos da leitura e da escrita, convidamos você para um passeio por

alguns gêneros discursivos. Essa viagem não se pretende definitiva, somente inicia um

caminho e retoma algumas orientações já anunciadas nos tópicos anteriores.

A primeira orientação é que não se solicite ao aluno que produza texto de gênero

discursivo com que ele não tenha entrado em contato, com que não esteja familiarizado o

bastante para identificar-lhe função, partes estruturais, linguagem adequada, elementos

constitutivos etc.

Ao trabalhar os diferentes gêneros do discurso, o aluno se apropria de suas

peculiaridades, o que irá auxiliá-lo na sua competência leitora e na produção dos seus

textos. Por esse motivo, elegemos alguns desses gêneros – já que não poderíamos

apresentá-los todos, pois são quase infinitos – para sugerir uma abordagem em sala de

aula.

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Dos gêneros que elegemos, apresentamos aqui apenas características básicas que

julgamos ser importante que o aluno reconheça na leitura e utilize na sua produção escrita.

O conto

O conto é um gênero da ordem do narrar. Em linhas gerais, o conto consiste em uma

sequência narrativa com algumas características bem definidas. Na sucessão de fatos,

enfatiza-se a ação. Os traços característicos de personagens não vão além daqueles que os

representem como agentes dos fatos narrados. A sequência narrativa desenrola-se até

atingir um clímax que prepara o desenlace.

Sugerimos iniciar a abordagem desse gênero com algumas perguntas ao aluno: O

que é um conto? Você conhece algum? Qual?

Depois disso, um conto clássico poderia ser lido e, a partir dele, seriam elencadas

suas características:

É um gênero discursivo de base narrativa

É mais breve que um romance

Possui um número pequeno de personagens, um único conflito e tempo e

espaço reduzidos

Sugestão de atividade: usando o esquema básico que se segue o aluno lerá o conto “Os

homens que se transformavam em barbantes”, de Ignácio de Loyola Brandão, reconhecendo

nele os elementos de um texto de base narrativa.

Esquema básico abaixo para leitura de um texto de base narrativa

Quem narra a história?

O quê? Situação inicial Conflito gerador Clímax Desfecho

Quem? Personagem principal Personagem(ns) secundário(s)

Onde?

Quando?

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Os homens que se transformavam em barbantes

Havia uma cidade, grande, desenvolvida. As pessoas que moravam lá eram saudáveis,

simpáticas e alegres. Não me lembro o nome da cidade, porque eu tinha quinze anos quando passei

por ela, levado por meu pai. Nessa época, não me preocupava com o nome, mas sim com os lugares

propriamente.

Acontece que, certo dia, um habitante desta cidade saiu de casa, pela manhã, dirigindo-se

alegremente ao emprego. Fez todas as coisas de praxe. Cumprimentou os vizinhos, o barbeiro da

esquina, o vendeiro, os colegas no ponto de ônibus, agradeceu ao motorista, ao ascensorista,

sentou-se em sua mesa.

Nesse dia, no fim do expediente, o homem notou que seu pulso esquerdo parecia mais fino.

“Bobagem. Impressão. Acho que estou cansado demais.” Foi para casa, jantou, viu telenovela,

dormiu. Na manhã seguinte, o pulso tinha se afinado mais. E suas canelas pareciam de criança.

Chamou a mulher. Ela ficou tão impressionada, que o homem se arrependeu de ter mostrado. Não

havia dor, apenas fraqueza.

Partiu para o emprego. Contente, cumprimentando as pessoas e agradecendo ao motorista e

ao ascensorista. No meio da tarde, porém, não conseguiu trabalhar. O pulso estava fino e dobrava-

se. Maleável, sem consistência. O homem, envergonhado, puxou a manga da camisa. O mais que

pode, para que os colegas não vissem.

Mas viram. Porque o homem tinha o corpo transformado. A cabeça, única coisa normal, caiu

sobre a mesa. O torso não era mais grosso que um lápis, suas pernas e braços, finos como cordéis.

Mas ele estava lúcido, coerente, o cérebro não tinha sido perturbado. Além do impacto, e da

surpresa ante o estranho, o homem continuava o mesmo. Levado para casa, chamaram o médico. E

o médico chamou outro médico. Porque:

– Não é o primeiro. É o terceiro, nesta semana.

Os jornais noticiaram o fato e as notícias trouxeram à luz novos casos. Pela cidade inteira,

acontecia aquilo:, as pessoas se adelgaçavam, tornavam-se frágeis. Em pouco tempo, outro fato

surgiu, ao lado dos homens que se transformavam em barbantes. Eram os que se transformavam em

vidro. Tinham que ter muito cuidado, ao andar pela rua, ao trabalhar, porque podiam se quebrar com

qualquer batida. Vez ou outra, os homens de vidro se desfaziam. Em plena rua, à vista de todos.

Como o vidro blindex que se estilhaça por inteiro.

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Aquela população alegre, saudável, descontraída, começou a viver apavorada. Sem saber se,

a qualquer momento, o vírus (seria vírus?) podia atacar. Mudando a pessoa em vidro ou barbante.

Muitos começaram a se mudar, indo para cidades distantes. A secretaria de saúde analisou o ar, a

água, tudo, em busca das causas. Mas o ar era bom, não poluído. E as águas vinham de nascentes

puras ou de poços artesianos límpidos. Pensou-se que algumas pessoas podiam estar colocando

elementos venenosos na comida ou em caixas de água. Investigações nada concluíram.

E até hoje, nada se sabe. A cidade parece estar se habituando à possibilidade de

eventualmente alguém se transmutar. Não causa mais surpresa quando um barbante é levado pelo

vento ou, em dias de chuva, é tragado pela enxurrada. Ou quando os vidros se liquefazem, no

momento em que uma pessoa vira a esquina ou dá um esbarrão noutra. A população se acostumou.

Parece que o homem se adapta às piores condições, conformando-se com os acontecimentos.

Naquela cidade, tudo é muito frágil, a vida humana tem a espessura de um fio. Ou é delgada como

um vidro. Mas isto vai se constituindo na normalidade.

BRANDÃO, Ignácio de Loyola. Cadeiras proibidas. São Paulo: Global, 1998.

Outras atividades que podem ser propostas a partir do gênero discursivo CONTO:

Reescritura do texto, mudando o foco narrativo, situações ou o desfecho; adicionando

personagens, transformando o discurso direto em indireto e vice-versa etc.

Reconhecer em um conto lido, se houver, as relações de causa e conseqüência, as

estabelecidas por outros elementos coesivos, os elementos que evitam repetições e

garantem a continuidade do texto, os fatos e as opiniões sobre os fatos.

Nem todos os textos desse gênero discursivo possuem as características dos contos

mais tradicionais. São os contos não canônicos, que devem também ser lidos e comentados

em sala de aula, comparando-os aos clássicos. Guimarães Rosa, Julio Cortázar, Clarice

Lispector são exemplos de autores que, muitas vezes, subvertem o esquema do conto

tradicional.

O texto abaixo é um exemplo de conto não canônico. Observe como ele subverte os

elementos da narrativa e usa a pontuação de forma expressiva.

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Teoria do caranguejo

Julio Cortázar

Tinham construído a casa no limite da selva, orientada para o sul evitando assim que a

umidade dos ventos de março se somasse ao calor que a sombra das árvores atenuava um pouco.

Quando Winnie chegava

Deixou o parágrafo no meio, empurrou a máquina de escrever e acendeu o cachimbo. Winnie.

O problema, como sempre, era Winnie. Quando tratava dela a fluidez se coagulava numa espécie de

Suspirando, apagou numa espécie de, porque detestava as facilidades do idioma, e pensou

que não poderia continuar trabalhando até depois do jantar; as crianças logo iam chegar da escola e

ele teria que preparar o banho, fazer a comida e ajudá-las nos seus

Por que no meio de uma enumeração tão simples havia como um buraco, uma impossibilidade

de continuar? Era incompreensível, pois tinha passagens muito mais árduas que se construíam sem

nenhum esforço, como se de algum modo já estivessem prontas para incidir na linguagem.

Obviamente, nesses casos o melhor era

Largando o lápis, pensou que tudo se tornava abstrato demais; os obviamente os nesses

casos, a velha tendência a fugir de situações definidas. Tinha a impressão de estar se afastando

cada vez mais das fontes, de organizar quebra-cabeças de palavras que por sua vez

Fechou abruptamente o caderno e saiu para a varanda.

Impossível deixar essa palavra, varanda.

*Triunfo, Madri, nº 418, 6 de junho de 1970

A história em quadrinhos - (HQs)

As HQs também são uma narração. Nelas as narrativas se dão numa sequência de

pequenos quadros desenhados, com ou sem língua escrita. Via de regra, o texto em língua

escrita vem, nos quadros, circunscrito por um balão, marca do discurso direto nas histórias

em quadrinhos, a expressar as falas dos personagens. Emoções, sentimentos dos

personagens aparecem expressos, fora ou dentro de balões, através de recursos gráficos

específicos. Sons, por exemplo, aparecem representados de forma onomatopaica (plof,

bang, crash, ring, ping etc). A letras e palavras, por vezes, aparecem desenhadas em outro

tipo, conforme o efeito de sentido que se pretenda. Pensamentos vêm em balões diferentes

dos desenhados para expressar fala. São recursos, mecanismos, elementos da linguagem

própria das HQs.

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O texto seguinte apresenta uma pequena história em quadrinhos (“tira”). São as

famosas HQs, que tanto nos deliciam quando as vemos/lemos em jornais, em revistas ou

nos nossos queridos gibis. A linguagem caracteriza-se, principalmente, pela articulação

entre elementos das linguagens verbal e não verbal apresentados numa sequência de

quadros.

QUINO. Toda Mafalda. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

O professor deve levar o aluno a observar, com atenção, na sequência apresentada

nos cinco quadrinhos da tira da Mafalda,

a) a função do relógio, que aparece em todos os quadrinhos;

b) a mudança de cor de fundo dos dois últimos quadrinhos;

c) os recursos utilizados, nos dois últimos quadrinhos, para indicar que o pai de

Mafalda não conseguiu dormir e acabou acordando sua esposa, que dormia a seu

lado;

d) o que indica que a personagem Mafalda fala de fora do quarto dos pais.

Ao trabalhar esses aspectos na leitura do texto, o professor já estará dando ao aluno

os elementos para entender a linguagem desse gênero discursivo.

Pode-se propor uma continuidade da tira, utilizando os recursos das linguagens verbal

e não verbal desse gênero de texto. Veja algumas possibilidades:

– Uma reação da mãe por ter sido acordada de repente.

– O pai indo ao quarto da filha e acordando-a, para esclarecer com ela a questão.

– A Mafalda reclamando, lá do quarto dela, porque o pai a acordou.

São apenas sugestões, possibilidades. Você pode criar sua própria sequência.

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A notícia de jornal

Uma notícia é uma narração ordenada, objetiva e clara de fatos ou de situações de

interesse público, sem comentários nem apreciações.

Na estrutura desse gênero discursivo, podem-se perceber três partes básicas: - título - deve resumir a notícia no menor número possível de palavras e atrair o leitor

para ler a notícia. Pode ser antecedido do assunto.

- cabeça da notícia ou lead – parágrafo escrito em caracteres diferentes e

destacado do corpo da notícia. Começa do mais importante para o menos importante,

buscando responder às perguntas: Quem?, O quê?, Quando? e Onde?

- corpo da notícia - desenvolve as informações do lead, sempre do mais

importante para o menos importante. Além disso, procura-se responder às

questões Como? e Por quê?

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Sugestões de atividades

Para compreender, não o conteúdo, mas a forma como se estrutura uma

notícia de jornal, pode-se propor ao aluno o reconhecimento, no texto, dos

elementos básicos que o constituem.

Para compreender o conteúdo da notícia, pode-se aplicar o esquema básico de

leitura, a seguir:

Havendo um COMO e um PORQUÊ no corpo da notícia, deve-se acrescentar

ao quadro.

Para produzir uma notícia, o professor proporá que o aluno parta de um fato

ocorrido na escola ou no seu bairro, orientando-o para a fase pré-textual de

levantamento das informações necessárias e, a partir disso planejar e construir

o seu texto observando a estrutura já apresentada para esse gênero

discursivo.

O texto apresentado no gênero discursivo “CONTO” pode ser aproveitado para

que o aluno reflita sobre as diferentes funções do conto e da notícia de jornal,

compare as linguagens usadas nos dois textos e redija o que seria uma notícia

sobre os fatos narrados no conto.

As imagens abaixo exemplificam o trabalho com notícias proposto no CADERNO DE

APOIO PEDAGÓGICO – JULHO DE 2010. Após a leitura de uma notícia, que na atividade

era o texto 5, propõe-se a escrita de um lead.

Observe que o aluno é orientado a, antes de iniciar a escrita, definir o seu leitor.

Nesse momento, o professor deve refletir com o aluno sobre a variante linguística a ser

escolhida, bem como sobre o uso do registro formal ou informal. Após isso, quadro a quadro

se fazem as perguntas básicas - Quem?/O quê?/Quando? /Onde?/Por quê/Como?

Quem?

O quê?

Quando?

Onde?

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Observe a atividade.

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Na próxima imagem, analise a orientação que o aluno recebe para revisar o próprio

texto.

Poema

Antes de abordarmos o gênero discursivo POEMA, faz-se necessário, um breve

esclarecimento sobre o que seja poesia e o que seja poema.

Poesia é a arte de criar imagens que resultem de um olhar sensível, que sugiram

emoções e que se expressem em diferentes linguagens – literatura, pintura, música, cinema

etc.

Poema é a concretização da sensibilidade poética em textos verbais estruturados,

geralmente, em versos.

Vejamos textos que materializam a poesia, seja em forma de prosa...

Não se esqueça de escolher uma manchete bem legal para a sua notícia!

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O poema

Uma formiguinha atravessa, em diagonal, a página em branco. Mas ele, aquela noite,

não escreveu nada. Para quê? Se por ali já haviam passado o frêmito e o mistério da vida...

QUINTANA, Mario. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.

...seja em forma de poema.

Poesia

Gastei uma hora pensando um verso

Que a pena não quer escrever.

No entanto ele está cá dentro

Inquieto, vivo.

Ele está cá dentro

E não quer sair.

Mas a poesia deste momento

Inunda minha vida inteira.

Andrade, Carlos Drummond de. Poesia brasileira. Rio de Janeiro: Agir, 1935.

“Mas quando o poeta diz “meta”

pode estar querendo dizer o indizível”

(Gilberto Gil, in Metáfora)

Podemos dizer que o poema se constitui como o lugar de uma linguagem em que

palavras e demais marcas linguísticas mostram-se com grande poder expressivo, que vai

além da expressividade do dizer, para tentar dizer mais, dizer imagens subjetivas, muitas

vezes indizíveis. Por essa razão, a conotação como característica. No poema, a linguagem

se enriquece, pois que a poesia quer chegar mesmo ao mistério das coisas, quer chegar ao

mistério da palavra. Recursos como repetições, elipses, rimas e ritmos, metáforas,

sonoridades, disposição das palavras na página querem transmitir ideia, experiência

sensível, emoção. O trabalho de produção de sentido pelo escritor e pelo leitor se faz mais

complexo e, por isso mesmo, estimulante. Poemas são objetos escritos, continentes que

guardam conteúdos de um jogo lúdico, encantatório.

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Sugestões de atividades

- O professor deve, antes de trabalhar o gênero discursivo em questão, propor atividades

que permitam perceber o que o aluno já sabe de poesia e de poema, para ir ampliando-lhe o

repertório. Quadras populares, parlendas, poemas de cordel mais simples são ótimos textos

para familiarizar o aluno com a estrutura do poema.

- Declamações de quadras rimadas ou de poemas populares como o cordel; quadras e

poemas com versos incompletos, para completar a rima; são atividades iniciais que ajudam

muito o aluno a compreender o tipo de texto, para chegar a sua própria produção.

- Poemas escritos a partir de experiências concretas, de fatos, de notícias de jornal são um

bom passo para que o aluno chegue à produção de seus primeiros poemas. Apresentar-lhe

o “Poema tirado de uma notícia de jornal” junto com uma notícia de jornal, como já enfocado

neste trabalho, e outros semelhantes.

-Uma imagem em foto, retrato, pintura, a experiência subjetiva de estar diante de, pode

inspirar poemas.

- “Quem sou eu” ou “O lugar onde vivo“ são temas que costumam encorajar nossos “novos

poetas”.

- Atividades de produção coletiva, a partir de tema dado ou de um poema iniciado.

- O registro é fundamental em todo trabalho. Registre com a turma, em um mural, por

exemplo, os poemas lidos e produzidos.

- Solicite que o aluno vá à SALA DE LEITURA, leia poemas, registre-os e traga para a sala

de aula aqueles de que gostou.

- Que poetas você já conhece? Existem poetas no bairro? Que poemas as pessoas da

família conhecem? Através de perguntas como essas, o professor consegue que o aluno

traga para a sala de aula textos que façam parte de seu cotidiano.

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- Organize rodas de leitura dos poemas que o aluno traz para a sala de aula ou daqueles

produzidos por ele e depois converse com a turma sobre o que seria um poema, sua função,

sua linguagem, suas diferentes estruturas.

Textos de opinião

Neste trabalho optamos por classificar os textos relacionando-os ao gênero do

discurso. Vale, no entanto, pensar também em sua tipologia, enfatizando o tipo

argumentativo-dissertativo. Esse tipo textual se materializa, por exemplo, na carta

argumentativa, no artigo de opinião, no editorial...

Um texto argumentativo-dissertativo exige que o aluno saiba expressar uma ideia

completa (com início, meio e fim) sobre determinado assunto, de forma clara, objetiva,

coerente e convincente.

Não se trata de reproduzir “verdades’, mas de produzir outras, as verdades de cada

um, frutos de opiniões individuais defendidas com bons argumentos. Lembremos que

liberdade de pensar e de expressar o que pensamos inclui também a de mudar de opinião,

quando outros argumentos, mais convincentes, nos são apresentados.

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O processo de elaboração se dá em dois níveis:

Organização das ideias (CONTEÚDO)

Organização escrita (FORMA)

- Delimitar o tema, definindo: Ideia central e enfoque(s)/argumento(s). - Definir as ideias secundárias para desenvolver cada enfoque/argumento. - Definir o tipo de conclusão (crítica, propositiva, resumo e reafirmação etc.) ----------------------------------------------------- OBSERVE - opinião própria e articulação entre as ideias (progressão, evitando repetir , criar um círculo vicioso ou uma miscelânea de ideias).

Introdução - Declara a ideia central e o(s) enfoque(s) ou argumento(s), com a necessária coesão. Desenvolvimento - Defende cada argumento, dando unidade formal (coesão) às ideias secundárias de cada enfoque. Conclusão – Retoma a ideia central e, tendo em vista a argumentação anterior, a conclui, reafirmando o que foi dito, ou fazendo uma proposta, ou criticando, ou abrindo uma nova questão sobre o tema, etc. ----------------------------------------------------------------- OBSERVE – Linguagem objetiva. Elementos coesivos dentro dos parágrafos e entre eles. Leitura de seu próprio texto (saber se ouvir), correçõesnecessárias e reescritura são partes fundamentais do processo.

Trabalho pronto? Escolha um título! Você não precisa escrever “Título:” ou “Introdução:” ou “Desenvolvimento” ou “Conclusão:”.

O que evitar em um texto argumentativo-dissertativo

- Gírias , provérbios ou ditos populares.

- Defender ou propagar doutrinas. Não use tom emocional.

- Utilizar exemplos caseiros, domésticos . Não conte “casos”. Se for citar exemplos, cite

apenas os de conhecimento público, que sejam argumentos de autoridade.

- Repetir desnecessariamente palavras ou ideias. Nunca use abreviações.

- Fazer uma miscelânea de ideias, tentando abarcar todo o tema .

- (Fugir ao tema. Lembre sempre: Palavras sem ideias são palavras sem sentido. São

as ideias que “puxam” as palavras, delas se servindo para se expressarem.

- Não se esqueça : Coesão é unidade. Prime sempre pela coerência e clareza do texto.

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Esquema básico de leitura/produção de um texto de opinião com dois enfoques

Introdução Ideia central: Enfoque(s):

Desenvolvimento (1º enfoque)

Ideias secundárias (argumentação):

Desenvolvimento (2º enfoque)

Ideias secundárias (argumentação):

Conclusão Tipo de conclusão:

O aluno deve ter contato anterior com textos deste gênero e observar-lhes o processo

de elaboração.

Sugestão de atividade 1 – Apresentar ao aluno o texto dissertativo-argumentativo básico, a

seguir, e pedir que “desconstrua”, ou seja, identifique suas partes constitutivas, usando o

esquema de leitura dado acima. Após essa etapa, o aluno poderá, por exemplo, identificar

os elementos de coesão presentes e comentar como ela se dá dentro dos períodos, entre os

períodos e entre os parágrafos.

Política e linguagem

Política é a arte da sedução pela linguagem. Sendo a sociedade constituída de

diferenças, é preciso uni-las em torno de interesses comuns e, para isto acontecer, a

linguagem é um poderoso instrumento.

A sociedade não é um bloco compacto, já que existe uma grande diversidade

de interesses nela envolvidos. Unir essa diversidade é fundamento da política. Problemas,

conflitos, enfrentamentos sociais exigem que haja sempre soluções negociadas e decisões

consensuais, surgidas do debate, do diálogo democrático, onde todos tenham efetivamente

vez e voz.

Matéria-prima da arte política, a linguagem, como instrumento de persuasão ou

convencimento, é uma técnica que dá grande vantagem a quem a domina melhor. Em

política, a técnica da linguagem e do discurso faz-se instrumento de poder, de dominação,

mas também de possível transformação da sociedade. Nesse sentido, o nível de igualdade

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ou de desigualdade cresce à medida do maior ou menor nível de conhecimento da linguagem

e, vale lembrar, da maior ou menor possibilidade de acesso aos meios de comunicação.

Sendo a política a arte da sedução, que tem na linguagem sua técnica privilegiada, a

efetiva democracia de uma sociedade não passa apenas pelo voto; passa antes pela

igualdade de oportunidades nesse campo; passa, portanto, pela democratização da oferta de

ensino escolar e do acesso aos meios de produção e de veiculação de mensagens.

(Texto cedido por professor de Língua Portuguesa, utilizado para trabalho com texto argumentativo-dissertativo,

em turmas do 9° ano do ensino fundamental da E.M. Jenny Gomes.)

Sugestão de atividade 2 – Antes de solicitar que o aluno produza seu próprio texto, desenvolvendo

sua própria ideia, solicitar-lhe produções em que ele estruture textos de opinião, a partir de ideias

sugeridas pelo Professor. Assim, o aluno vai se familiarizando com o gênero discursivo em questão.

Com os elementos dados abaixo, estruture um texto de opinião observando a adequada coesão

dentro dos períodos, entre os períodos e entre os parágrafos.

Introdução – Ideia principal: Ler é muito importante.

Enfoques: A leitura está diretamente ligada ao hábito de refletir, de produzir ideias.

A leitura está diretamente ligada à capacidade de expressar essas

ideias.

Desenvolvimento – Enfoque 1 - A leitura introduz o leitor no saudável hábito de pensar, de refletir,

de ter ideias próprias. A leitura amplia não só o vocabulário como a visão crítica do leitor. A leitura

estimula a imaginação criativa do leitor.

Enfoque 2 - A leitura desenvolve no leitor a capacidade de se expressar; de expor suas ideias, falando

ou escrevendo. A leitura torna a pessoa que lê mais capaz de defender suas ideias e de convencer os

outros. .

Conclusão – Uma conclusão propositiva , coerente com o que se disse anteriormente. Poderia

começar assim:

Reconhecida a importância da leitura para a formação de pessoas criativas, com

capacidade de reflexão crítica e de expressão de ideias, faz-se necessário um esforço no sentido de

.........(A proposta é sua! A partir daqui, complete seu texto, concluindo-o com coerência.)

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Você também pode observar a proposta de escrita apresentada abaixo, que está no

CADERNO DE APOIO PEDAGÓGICO – JULHO DE 2010. Após ler na ficha 5 vários textos

de opinião, o aluno é desafiado a refletir sobre argumentação e a produzir um texto

argumentativo.

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V. Considerações finais

Nossa função como professores de língua portuguesa é desenvolver a

proficiência comunicativa dos estudantes, auxiliando-os na tarefa de se tornarem

leitores autônomos e produtores de textos proficientes. Esse é o nosso primeiro

compromisso como educadores.

Defendemos um pressuposto básico para o processo ensinar- aprender da língua

portuguesa:

O aprendizado da leitura e da escrita NÃO VAI resultar de competências espontaneamente

desenvolvidas ao longo da escolaridade.

Por isso, o investimento que nós, professores, devemos fazer é em um trabalho

sistemático de leitura e escrita, independente do nível de conhecimento de leitura (níveis de

letramento) dos estudantes com que estamos lidando, bem como do seu nível de

escolaridade. Isso reforça a ideia de que o planejamento das aulas de língua do

primeiro ano de escolaridade ao último deve estar centrado na leitura e produção de

textos com o objetivo de explicitar os variados processos de construção de

significados. Essa explicitude de recursos linguísticos passa, necessariamente, pelos

estudos gramaticais, considerando uma abordagem descritiva, de uso da língua. O

entendimento que norteia o trabalho de língua portuguesa da Secretaria Municipal de

Educação da Cidade do Rio de Janeiro é que os conhecimentos necessários para ler e

produzir textos são de três níveis:

a) Conhecimento do sistema linguístico;

b) Conhecimento do contexto de produção de um dado texto;

c) Conhecimento dos mecanismos ( estilísticos e pragmáticos) de estruturação do

significado;

Portanto, na abordagem textual proposta, esses três níveis de análise devem

coexistir. Ao realizarmos este tipo de trabalho tanto para a leitura de textos quanto para a

produção escrita de nossos alunos, estaremos ensejando a possibilidade de

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desenvolvimento de diferentes habilidades que, juntas, propiciarão o desenvolvimento da

competência comunicativa dos estudantes.

Para amenizar as dificuldades que sabemos rondar o nosso fazer, não faltam

propostas pedagógicas. Algumas se dedicam às generalidades, a certo vazio que julgamos

não leva a nada. Vimos procurando demonstrar por intermédio dos vários documentos que

a Equipe do Núcleo Central tem divulgado para as escolas que são necessários alguns

procedimentos básicos em se tratando de aulas de língua portuguesa.

a) A explicitação de mecanismos de construção dos diferentes textos. Tal atitude

contribui decisivamente para o desenvolvimento das habilidades de leitura e de

escrita.

b) A associação do ensino da escrita ao ensino da leitura como condição primeira para

o desenvolvimento da competência discursiva dos estudantes.

c) A efetiva prática de escrita de diferentes textos, associado ao estudo dos

mecanismos linguísticos necessários para o aperfeiçoamento do texto.

Entende-se que os três itens acima se constituem em procedimentos metodológicos

para a aula de língua portuguesa.

Acredita-se que a sensibilidade para a leitura do texto não é algo inato. Constitui-se

em mecanismos que precisam ser aguçados, para que o leitor seja capaz de resgatá-los,

entendê-los na leitura do texto. Da mesma forma, para que seja capaz de usar na sua

produção de textos, o produtor precisa viver/ vivenciar a experiência do uso dos diferentes

mecanismos linguísticos. Sem essa chamada, sem essa conscientização linguística,

dificilmente, o leitor se tornará proficiente.

Por fim, a proficiência na leitura e na escrita é o mais significativo indicador do bom

desempenho linguístico do cidadão porque implica ser capaz de aprender os significados

inscritos no texto, relacionando-os com o conhecimento de mundo que circula nas atividades

sociais em que o texto é produzido. São as relações interdiscursivas. Da mesma forma,

produzir um bom texto é ser capaz de transmitir para a sua audiência aquilo que se tem em

mente. Por isso, a relação estreita entre análise linguística/ leitura e escrita. Essa é a

perspectiva que norteia o material didático que chega á escola, bem como este Caderno

teórico-metodológico que ora lhes apresentamos.

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O coloquial digital (...) uma coisa que me deixa perturbado é a linguagem adolescente digital,

essa que se usa hoje em dia em mensagens instantâneas por celular ou no computador. Ela tem lá os seus atrativos, em custo e tempo. Mas será que as crianças estão desaprendendo a língua portuguesa? A receita parece ser mais ou menos assim: primeiro acabamos com os acentos. (...) não vira naum, é vira eh e assim por diante. Aí, eliminam-se os hífens e algumas vogais e consoantes que estão mesmo sobrando - você vira vc, que vira q. Para terminar, re-escrevemos algumas palavras de acordo com seus sons “falados” economizando mais algumas letras – achei vira axei, aquilo vira akilo, mesa vira meza, almoço vira aumosso. E pronto, está criada a linguagem adolescente digital.

(Fabio Tagnin, postado em 16/08/2007, no seu Blog da semana”, disponível na Internet) http://www.cangucuemfoco.com.br/2010/10/vende-se-casa.html

Apêndice

O mundo digital – universo discursivo da Internet (I aeh blz? aki blz tbem bjs bjs bjs)

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“A escola precisar saber conviver com as novas realidades”. Esta frase, bastante

ouvida nos mais diferentes meios, parece vir de uma preocupação social positiva com

relação a uma escola sempre atual, com teorias e métodos adequados a seu tempo, aos

homens de cada instante. Parece, mas não é bem assim. Temos de ir aprendendo, ainda e

sempre, a nos fazer as perguntas certas, que soem, não como as respostas definitivas, mas

como a voz da escola questionadora diante da afirmação acima; sem fáceis planícies, onde

não cabem os simplismos, as soluções simplificadoras. A escola de que a sociedade sempre

precisou é a que aprende e ensina a conviver com o conflito, a que sabe e a que faz saber

que é preciso enfrentar cada nova realidade com criticidade.

Tudo agora pode ser já é e todos podem ser é nóis: blz, no problem; já temos

aprendido, na escola, a não problematizar negativamente a renovação que as línguas

trazem à LÍNGUA, a inventividade ininterrupta da fala coloquial, as gramáticas próprias de

diferentes grupos em diferentes situações, os diversos jargões, a linguagem dos homens de

cada instante.

O saber conviver não pode ser entendido como um ir se adaptando, sem conflitos, a

cada nova exigência da realidade. A boa convivência, a que enriquece todos os polos

conviventes, é aquela que não esconde os conflitos, a que se coloca permanentemente em

questão, a que acolhe do outro as boas novas e lhe doa frutos dessa boa acolhida. No jogo

simbólico das dádivas e contradádivas, diferenças são riquezas.

As novas realidades vêm se fazendo cada vez mais rápidas, vindo cada vez num

ritmo mais vertiginoso a bordo das novas tecnologias. O mundo digital, o universo discursivo

da Internet há muito tempo já é, é o que há. As práticas discursivas interacionais do mundo

digital invadem o dia a dia de nossos alunos, fora e dentro das escolas. Já não se trata de

trazer ou não a gramática própria da língua, da novilíngua(*) em que ocorrem essas práticas

discursivas para dentro da sala de aula; ela já entrou e já se instalou. Há, pois que acolhê-la

e, fazendo dela objeto de reflexão, aprender com ela e doar os bons frutos dessa nova

aprendizagem.

Quando, no início deste trabalho, propusemos a concepção interacionista da

linguagem, nos termos da linguista Irandé Antunes, era disso que falávamos: da escola

como o lugar privilegiado de reflexão sobre o mundo letrado. Muito das práticas

discursivas de nossos alunos ocorrem, hoje, no meio digital, através do computador, via

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Internet, do telefone celular e de outras máquinas computadorizadas. Nesse meio, ele

interage, pergunta e responde, corresponde-se, informa e se informa, seduz e é seduzido,

ouve e fala, lê e escreve apelos, instruções, relatos, registros, argumentos. Em que língua,

com que regularidades textuais e discursivas, ele faz isso?

O internetês é a novilíngua da coloquialidade, nesse mundo digital; não um mundo à

parte, mas parte deste mundo em que estamos, do nosso instante no mundo. Nela, as

palavras e os sintagmas dançam, com criatividade, um ritmo veloz; jogam um jogo rápido de

estímulos e respostas. O risco é deixar que nessa dança veloz, nesse jogo rápido, o

pensamento dance e saia derrotada a capacidade de reflexão.

Ausência de pontuação, de acentuação e de outras marcas grafológicas; abreviação

de sílabas ao mínimo necessário para o entendimento; uso de onomatopeias ou emoticons

para expressar sentimentos, emoções; a expressão escrita mais próxima da oralidade, com

uso de letras mais fiéis ao som da fala; fazem a gramática dessa novilíngua.

A gramática própria do internetês, ou seja, as regularidades que ocorrem na prática

discursiva digital têm sido vistas, em seus aspectos positivos ou negativos, por diferentes

teóricos como nova forma de expressão grafolinguística adequada à nova dinâmica social;

forma de expressão ligeira, funcional, esperta; linguagem da velocidade que acaba

renovando a LÍNGUA, ajudando, por exemplo, a reduzir excessos da ortografia; para muitos,

um Frankenstein da linguagem, que induz o usuário a escrever mal, com o risco de levar

“nossas crianças a desaprender a língua portuguesa”.

Sabemos que cada vez mais amplia-se o universo de usuários e o tempo que passam

expostos à novilíngua. Sabemos também que a memória visual do leitor tem fundamental

papel na sua maior ou menor competência linguística. Na escola, o professor deve estar

atento à linguagem adotada pelo seu aluno, observar o modo como escreve e alertar para

que não confunda a linguagem cifrada do internetês como única ou mais eficaz língua de

comunicação. A melhor abordagem, portanto, é a abordagem aqui já proposta, a que leva o

aluno a perceber as regularidades próprias de cada gênero, a que alerte para os diferentes

usos da língua em diferentes práticas discursivas.

(*) Neologismo cunhado por George Orwell, em seu romance 1984.

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Epílogo ou “para continuar a refletir”

“Ler é ser questionado pelo mundo e por nós mesmos; é saber que certas respostas podem ser encontradas

no escrito; é poder ter acesso a esse escrito; é construir uma resposta que integre uma parte das

informações novas a tudo o que já sabemos.”

Jean Foucambert

“Todo o cidadão tem o direito de ter acesso à Literatura e de descobrir como partilhar de uma herança

humana comum. Prazer de ler não significa apenas achar uma história divertida ou seguir as peripécias de

um enredo empolgante e fácil - além dos prazeres sensoriais que compartimos com outras espécies, existe

um prazer puramente humano , o de pensar, decifrar, argumentar, raciocinar, contestar, enfim: unir e

confrontar ideias diversas. E a literatura é uma das melhores maneiras de nos encaminhar para esse

território de requintados prazeres. Uma democracia não é digna desse nome se não proporcionar a todos o

acesso à leitura de literatura”.

Ana Maria Machado

In: MACHADO, Ana Maria. Texturas – sobre leituras e escritos. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2001.

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