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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ÁREA - TEORIAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR LINHA DE PESQUISA - EDUCAÇÃO E LINGUAGEM LEITURA, ESCRITA E LETRAMENTO: UM ESTUDO DE CASO NA PRÉ-ESCOLA EM RONDONÓPOLIS-MT TEINA NASCIMENTO LOPES CUIABÁ-MT 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ÁREA - TEORIAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

DA EDUCAÇÃO ESCOLAR LINHA DE PESQUISA - EDUCAÇÃO E LINGUAGEM

LEITURA, ESCRITA E LETRAMENTO: UM

ESTUDO DE CASO NA PRÉ-ESCOLA EM RONDONÓPOLIS-MT

TTEEIINNAA NNAASSCCIIMMEENNTTOO LLOOPPEESS

CUIABÁ-MT 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ÁREA - TEORIAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

DA EDUCAÇÃO ESCOLAR LINHA DE PESQUISA - EDUCAÇÃO E LINGUAGEM

GEPLL - GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM LEITURA E LETRAMENTO

LEITURA, ESCRITA E LETRAMENTO: UM ESTUDO DE CASO NA PRÉ-ESCOLA

EM RONDONÓPOLIS-MT

Teina Nascimento Lopes

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Educação da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso, para a obtenção do título de Mestre em Educação na área de concentração Teorias e Práticas Pedagógicas da Educação Escolar, na linha de pesquisa Educação e Linguagem.

Orientadora: Profa. Dra.. Ana Arlinda de Oliveira

CUIABÁ-MT 2008

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L8641l LOPES, Teina Nascimento.

Leitura, Escrita e Letramento: um estudo de caso na pré-escola em Rondonópolis-MT / Teina Nascimento Lopes.— Cuiabá: UFMT/IE, 2008. 170 p.: il. Color.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito à obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientadora: Profa Dra Ana Arlinda de Oliveira. Bibliografia: p. 164 – 170.

CDU – 37.014(817.2)

Índice de Catálogo Sistemático

1- Leitura 2- Escrita 3- Letramento 4- Educação Infantil

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Aos meus filhos: Tannyor, meu porto seguro: pela eterna amizade, companheirismo e alegrias inesquecíveis; Tayron, que me ensina diariamente a reaprender a ser mãe, seu carinho e determinação são alimento para minha alma. À minha sobrinha Marianna, cuja alegre curiosidade e sede de aprender são constante desafio.

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AGRADECIMENTOS

À Profa. Ana Arlinda de Oliveira, com quem pude re-significar minha dimensão de leitora, pela inestimável colaboração, paciente orientação e eterna amizade. À Profa. Ana Lúcia Goulart de Faria, pela contribuição, mesmo que distante, esteve presente pelos livros. À Profa Lázara Nanci de Barros Amâncio, pelas importantes contribuições, atenta leitura e construtivas críticas. Ao professor Ademar de Lima Carvalho e a saudosa professora Soraiha Miranda de Lima que muito contribuíram com meu trabalho nos seminários de pesquisa. Ao companheiro e amigo Javert Melo Vieira, pela compreensão em momentos de grande pressão e que nunca privou-se em me dar seu apoio e carinho. À minha mãe Joana e minha irmã Érica pela presença efetiva e apoio incondicional. À amiga Genialda Nogueira, primeira incentivadora deste trabalho. A todos os colegas da Linha de Pesquisa Educação e Linguagem que estiveram nessa caminhada e especialmente às “amadinhas”, Cleusa Barcelos, companheira de viagem, estudo, insônia, obrigada por partilhar de minhas aflições, Ieda, Claudia, Rosana, Marijane e Jeane. Às amigas e companheiras, do Departamento de Educação Infantil, da Secretaria Municipal de Educação, Adriana, Alessandra, Glória, Luísa, Mirian, Rosilda, Roseli e Sandra. Obrigada pelo apoio sempre incondicional, pelas reflexões que me possibilitaram fazer através da convivência diária, pelos estudos e pelas muitas vezes que me deram a mão e aconchego. Aos colegas e amigos da Secretaria Municipal de Educação, Ana Angélica, Antonio, Aparecida Polizel, Aureny, Daniele, Dania, Dolores, Dulcilene, Eledir, Franklin, Isabel, Jacilene, Letícia, Liliane, Marlides, Márcia, Maria Helena, Maria Lúcia, Maria Odeth, Marisa, Messias, Molise, Neide, Renato, Rosemeire Moraes, Rosemeire Caldeira, Silvia, Soleida e Vanuza. Obrigada pela torcida e cooperação. À professora Rosemeire Lucas Barreto, amiga querida e dedicada, sempre pronta a contribuir e aprender. Às professoras Anailda, Mair, Raquel e Sandra, e auxiliares Dona Jô e Rita, funcionárias da EMEI Mateus Vinícius Braz, pela oportunidade concedida para a realização deste. A todos os professores, coordenadores pedagógicos e diretores de Educação Infantil de Rondonópolis, que possibilitaram ampliar meus conhecimentos acerca da infância. A todos aqueles que cooperaram direta ou indiretamente para que este trabalho se efetivasse, meu muito obrigado.

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Olhar da infância

Por viver muitos anos dentro do mato moda ave

O menino pegou um olhar de pássaro - Contraiu visão fontana.

Por forma que ele enxergava as coisas por igual

como os pássaros enxergam. As coisas todas inonimadas.

Água não era ainda a palavra água. Pedra não era ainda a palavra pedra.

E tal. As palavras eram livres de gramáticas e

podiam ficar em qualquer posição. Por forma que o menino podia inaugurar.

Podia dar às pedras costumes de flor. Podia dar ao canto formato de sol.

E, se quisesse caber em uma abelha, era só abrir a palavra abelha e entrar dentro dela.

Como se fosse infância da língua.

Manoel de Barros

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RESUMO

Esta dissertação tem como tema as práticas pedagógicas de letramento, leitura e

escrita na Educação Infantil e como cenário a Escola Municipal de Educação Infantil

Mateus Vinícius Bráz, no município de Rondonópolis-MT. O estudo teve como

objetivo central investigar e conhecer as concepções e práticas relacionadas ao

aprendizado da leitura e escrita na Educação Infantil. Tomei por base de análise

estudos referentes ao letramento, leitura e escrita e estabeleci um paralelo entre

eles e os procedimentos práticos da professora. A questão central para esta

investigação é: Como uma professora de Educação Infantil interage com as

crianças nas práticas de letramento, leitura e escrita e quais são as relações

estabelecidas entre o coletivo infantil e a professora? Da bibliografia específica

sobre a Educação das crianças no Brasil, destaco os estudos de Faria e Mello

(2002, 2005 e 2007), Ferreiro (1987), Garcia (2005), Jobim e Souza (2005), Kramer

(2003, 2004, 2005 e 2006), Kishimoto (2007), Kuhlmann (1998, 2004), Lajolo e

Zilberman (2003), Mortatti (2004), Oliveira. A. (2005), Oliveira. Z. (2000, 2004,

2005), Soares (2000, 2006, 2007), entre outros. A análise dos dados revelou as

práticas significativas realizadas pela professora e a dificuldade diante da mudança

para novos fazeres. A pesquisa é de cunho qualitativo, um estudo de caso; como

instrumentos de investigação utilizei a observação, entrevistas semi-estruturadas e

conversas informais com a professora e as crianças. Busquei também informações

em fontes documentais como diário, caderno de campo, relatórios descritivos,

proposta pedagógica e outros. O convívio cotidiano com a docente e as crianças

facilitou sobremaneira a obtenção das informações desejadas e a realização do

estudo. A relevância da pesquisa está em contribuir com reflexões acerca das

práticas significativas na Educação Infantil, especialmente as voltadas ao

letramento, leitura e escrita.

Palavras chave: Educação Infantil; Letramento; Leitura; Escrita; Práticas

Pedagógicas.

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ABSTRACT

This thesis is addressing the educational practices of literacy, reading and writing in

Education and Children's scenario as the Municipal School of Education Child

Matthew Vinícius Bráz, in the city of Rondonópolis-MT. The study aimed to

investigate and understand the core concepts and practices related to the learning of

reading and writing in Infant Education. I have a basis of analysis studies relating to

literacy, reading and writing and establish a parallel between them and the practical

procedures of the teacher. The central question for this research is: As a professor of

Education Child interacts with the children in the practices of literacy, reading and

writing and what are the relations established between the child and teacher

collective? The literature on the specific education of children in Brazil, highlight the

studies of Faria and Mello (2002, 2005 and 2007), Ferreiro (1987), Garcia (2005),

Jobim and Souza (2005), Kramer (2003, 2004, 2005 and 2006), Kishimoto (2007),

Kuhlmann (1998, 2004), Lajolo and Zilberman (2003), Mortatti (2004), Oliveira. A.

(2005), Oliveira. Z. (2000, 2004, 2005), Soares (2000, 2006, 2007), among others.

The analysis of the data revealed significant practices carried out by the teacher and

the difficulty of moving forward to make new. The research is qualitative stamp, a

case study, as the research instruments used the observation, semi-structured

interviews and informal conversations with the teacher and children. Busquei also

information on documentary sources as daily, standard field, descriptive reports, and

other educational proposal. The daily interaction with faculty and children particularly

facilitated the achievement of the desired information and conduct the study. The

relevance of research is to contribute to discussions about the significant practice in

Education Children, especially those focused on literacy, reading and writing.

Key words: Child Education; Literacy, Reading, Writing; Pedagogical Practices.

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ÍNDICE DE FIGURAS

Fig. 01 - Frente da Escola Est. de 1o Grau Augusto de Moraes .....................07

Fig. 02 - Fundos da Escola Est. de 1o Grau Augusto de Moraes ..................07

Fig. 03 - Leitura do espaço da sala com o auxílio da Professora .................105

Fig. 04 - Crianças observando as ilustrações do alfabeto

exposto na sala ........................................................................................... 105

Fig. 05 – Crianças brincando no pátio da escola ........................................ 106

Fig. 06 - Brincadeiras com montagem de peças ......................................... 106

Figs. 07, 08 - Desenho livre .........................................................................107

Figs. 09, 10 - Representação do passeio realizado na chácara

do Tio Chico ................................................................................................ 108

Fig. 11 - Desenho de giz, uma flor ...............................................................109

Figs. 12 - Desenho de giz, um carro.............................................................109

Figs. 13,14 - Crianças no pátio da escola realizando desenhos de

grande dimensão com giz colorido, após assistirem ao filme Pippi ..............109

Figs. 15, 16 - Crianças realizando desenho livre com giz colorido no pátio da

escola após assistirem o filme Pippi. Atividade realizada com a mediação da

professora......................................................................................................110

Fig. 17 - Narração do passeio realizado por Geovanna ...............................111

Fig. 18 - Criança realizando atividade oral, cantando a música,

Borboletinha ................................................................................................. 112

Figs. 19 , 20 - Os meninos vão à frente cantar e dramatizar, atividade

realizada diariamente .................................................................................. 112

Fig.21 - Hora do recreio, as crianças tinham liberdade de escolher

com o que queriam brincar, Geovanna escolheu o lápis e o papel ............ 115

Fig. 22 - Atividade de recorte e colagem de palavras e letras já

conhecidas pelas crianças............................................................................115

Figs. 23, 24 - Crianças utilizando do espaço da lousa para

realizar a escrita do nome a professora mediava o processo ......................116

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Figs. 25, 26 - A roda do rádio, audição de rádio na sala ..............................120

Figs. 27, 28 - Leitura de jornal e intervenção da professora quando solicitada

pelas crianças...............................................................................................123

Figs. 29, 30 - Leitura de história pelas crianças ..........................................126

Fig. 31 – Roda da história no pátio, professora narrando a história, A Formiga

e o Grilo ....................................................................................................... 127

Fig. 32 - Momento de euforia causado pelo livro vivo ................................. 129

Fig. 33 - Atividade de leitura e ao fundo exposição de cartaz realizado pelas

crianças.........................................................................................................129

Fig. 34 – Leitura de histórias pelas crianças ............................................... 129

Fig. 35 - Atividade oral, narração de histórias realizadas pelas

Crianças ........................................................................................................130

Fig. 36 – Criança em momento de leitura de história .................................. 131

Fig. 37 - Professora conta a história, Chapeuzinho Vermelho .....................132

Figs. 38, 39 - Crianças manuseando as histórias

confeccionadas pela professora .................................................................. 133

Figs. 40, 41 - Crianças assistindo ao filme Pippi, atividade realizada

pelas duas turmas ........................................................................................138

Fig. 42 - Roda de conversa...........................................................................139

Figs. 43, 44 - A viagem de ônibus, entusiasmo e empolgação entre

crianças e professoras ..................................................................................141

Figs. 45, 46, 47 e 48 - Região rural, pasto com gado ao fundo.....................142

Fig. 49 - Chegada à chácara do Tio Chico ...................................................143

Figs. 50, 51 - Desembarque do ônibus chegando na chácara......................143

Fig. 52 - Organizando as crianças para o lanche..........................................144

Figs. 53, 54 - Hora do lanche.........................................................................144

Figs. 55, 56 - Os primeiros macacos a aparecer ......................................... 146

Figs. 57, 58 - Os próximos a surgir por entre as árvores..............................146

Figs. 59, 60 - Mais alguns que surgiram por entre as árvores......................147

Figs. 61, 62 - Expressão das crianças ao ver os macacos nas

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Árvores .........................................................................................................147

Fig. 63 - Crianças e professoras em visita ao rio Arareau............................148

Fig. 64 - Flora: a beleza da primavera atrai todos........................................149

Fig. 65 - Pose para a despedida ..................................................................150

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................01 Os Desafios de me tornar Leitora ...................................................................06 I - O PERCURSO DA PESQUISA ..................................................................15 1.1 - Pressupostos Básicos da Pesquisa ....................................................15 1.2 - O Locus da Pesquisa ..........................................................................20 1.3 - A Escolha do Sujeito ...........................................................................22 1.4 - Expondo o Problema ......................................................................... 25 1.5 - Os Caminhos e Procedimentos Metodológicos ..................................26 II - A EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO NACIONAL: PONTOS A PONDERAR ...................................................................................................31 2.1 - As Proposições Políticas para a Infância ...........................................32 2.2 - Contribuições Históricas para a Efetivação de uma Educação para a Infância ...............................................................................40 2.3 - O Contexto Pré-escolar em Rondonópolis-MT....................................45 2.4 - As Escolas Municipais de Educação Infantil em Rondonópolis-MT...........................................................................53 III - LETRAMENTO, LEITURA E ESCRITA NA EDUCAÇÃO INFANTIL .....58 3.1 - E por Falar em Leitura... ....................................................................61 3.2 - As Concepções de Leitura e Escrita que Permeiam o Espaço Educativo da Infância .....................................................................................66 3.3 - As Possibilidades para a Formação de Leitores na Educação Infantil ............................................................................................70 3.4 - Letramento, Leitura e Escrita: elementos indissociáveis....................75 3.5 - As práticas de Letramento, Leitura e Escrita que se Efetivam na Escola de Educação Infantil............................................................................77 3.6 - As Linguagens Verbal e Não-verbal como Possibilidades de Interação e Descoberta ..................................................................................................81 IV - ANALISANDO AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO CONTEXTO DA INFÂNCIA .......................................................................................................85 4.1 - Referencial Orientador da Educação Infantil em Rondonópolis .........86 4.2 – Aspectos da Proposta Pedagógica ....................................................89 4.3 - Reflexos da Teoria na Prática: ouvindo a professora .........................96 4.4 - Instrumentos Utilizados para Subsidiar a Prática Pedagógica ..........100 4.5 - Vivenciando as Práticas Pedagógicas de Letramento, Leitura e

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Escrita............................................................................................................102 4.6 - Audição de Rádio como Conhecimento da Realidade .....................118 4.7 - Leitura de Histórias para a Formação da Criança Leitora ...............125 4.8 - Histórias como Recurso Disciplinar .................................................134 4.9 - Interação, Coletividade e o Uso Social da Escrita para o Letramento ................................................................................................136 4.10 - Uma Experiência com a Natureza .................................................140 4.10.1 - A viagem de ônibus ............................................................141 4.10.2 - A interação com a natureza ...............................................143 4.10.3 - A visita aos macacos ..........................................................145 4.10.4 - O rio Arareau ......................................................................148 4.10.5 - A volta ................................................................................149 PARA NÃO CONCLUIR ..............................................................................155 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................................................164

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INTRODUÇÃO

Uma criança torna-se mais preciosa com o avançar da idade. Ao valor de sua pessoa soma-se o dos cuidados que custou; à perda de sua vida soma-se o sentimento da morte. Portanto, deve-se pensar sobretudo no futuro ao zelar pela sua conservação; é contra os males da juventude que devemos armá-la antes que tenha chegado a ela, pois, se o valor da vida aumenta até a idade de torná-la útil, que loucura é não poupar alguns males na infância e multiplicá-los na idade da razão! São essas as lições do mestre?

Jean-Jacques Rousseau

Falar sobre Educação Infantil em nosso país requer resgatar na história

a justificativa para o descaso que há com as crianças brasileiras. O atual

processo de escolarização das crianças de 04 e 05 anos, ao mesmo tempo

em que anuncia a inserção da criança na história da educação e o

reconhecimento da mesma enquanto sujeito e cidadão capaz de produzir

cultura, denuncia o atual cenário brasileiro na área da infância, no qual a falta

de investimento, neste nível de ensino, aparece como o grande vilão contra a

oferta de vagas e o atendimento de qualidade. Atualmente se discute sobre os

novos paradigmas da educação e sobre as políticas de qualidade; no entanto,

paralelas a estas perspectivas estão as possibilidades de investimento nos

equipamentos, na formação contínua do professor e, consequentemente, na

melhor qualidade do ensino. No Brasil, em se tratando de Educação Infantil

tudo é muito novo, e as políticas desse nível de ensino começam a sofrer

mudanças e questionamentos por parte da sociedade.

Por outro lado, a atual política educacional brasileira para a infância

exige dos profissionais da educação uma formação voltada à especificidade

desta faixa etária. A idéia de que é preciso compreender as concepções

acerca da infância não é mais um dogma e sim uma realidade. Ter formação

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é requisito necessário para atuar na Educação Infantil, que é tida como a

primeira etapa da educação básica e requer professores, para “educar e

cuidar” das crianças de zero a cinco anos, e não mais os “cuidadores”, sem a

exigência da formação docente. O perfil deste profissional tem sido muito

discutido, entretanto, somente há bem pouco tempo os olhares das

instituições de ensino superior se voltam para a formação desse professor,

educador da infância. 1

A cada dia os educadores da infância são desafiados pelas crianças a

saberem mais, a buscarem mais entendimento sobre a infância e sobre a

criança que temos hoje, embora os caminhos que percorremos por essas

teorias ainda sejam tímidos. Gostar de crianças já foi, no passado, a única

exigência para ser um educador da infância, porém, atualmente esse requisito

deixa de ser o centro e dá lugar à ação de aprender a aprender, a ensinar, a

viver com o dilema, com a contradição e o paradoxo proposto pela criança.

Considerando o que muitas pesquisas já mostraram, em relação às

práticas escolarizantes na infância, pode-se afirmar que a educação das

crianças pequenas passa por dois vieses, dos quais o primeiro é o modelo

educacional importado do Ensino Fundamental para a Educação Infantil. O

segundo refere-se à falta de conhecimento da cultura da infância, visto que

poucos educadores o possuem, e uma grande parte destes considera que

para ser professor de crianças não é necessário formação e conhecimento

das teorias que as explicam. Talvez seja este o maior dos desafios do

professor de Educação Infantil deste início de milênio, a busca da importante

compreensão de uma cultura da infância.

1 Esse assunto é analisado por Anamaria Santana da Silva (2003) em sua tese de doutorado, intitulada A Professora de Educação Infantil e sua Formação Universitária – UNICAMP. A autora discorre sobre “[...] qualificação dos profissionais de creches e pré-escolas que sejam capazes de planejar, executar e avaliar situações educativas nos espaços de educação e cuidado das crianças pequenas. Assim, a construção da pedagogia da educação infantil se constitui através de pesquisas e estudos elaborados nos meios acadêmicos [...] Os cursos de formação inicial e continuada são espaços não apenas de transmissão desses conhecimentos, como também de re-elaboração desses saberes [...] Por isso, são espaços essenciais e fundamentais na construção da pedagogia da educação infantil.”

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Neste sentido, observa-se que há práticas que não compreendem o

tempo da criança e que, ainda, em muitas instituições de Educação Infantil, os

educadores atuam como detentores do saber e se utilizam de exercícios

repetitivos, sem considerar o conhecimento que as crianças já trazem

consigo. As atividades significativas estão pouco presentes nas escolas; desta

forma, continua-se a aplicar o modelo escolarizante do Ensino Fundamental,

segundo o qual a criança precisa fazer tarefa, possui cadernos, um para cada

disciplina, desenvolve atividades mimeografadas fora de um contexto

significativo e de cunho escolarizantes e, por fim nas escolas particulares,

ainda existe o tão famoso vestibulinho.

Tendo as concepções e práticas de letramento, leitura e escrita na

Educação Infantil como objeto de estudo deste trabalho, da abrangência do

tema, delimitei o estudo à investigação da prática pedagógica de uma

educadora da infância da Rede Municipal de Ensino de Rondonópolis-MT. O

objetivo da pesquisa é investigar e conhecer as concepções e práticas

relacionadas ao aprendizado da leitura, escrita e letramento na Educação

Infantil, na tentativa de oportunizar o estudo de metodologias e o incentivo à

leitura no universo infantil.

São estas as questões de pesquisa a que pretendo responder ou

instigar ainda mais a reflexão no campo dos estudos sobre a educação das

crianças: De que forma a leitura, a ludicidade e o encantamento pelo qual a

criança percorre o caminho da escolarização são introduzidos pela professora

nessa turma de Educação Infantil? Quais práticas de leitura e escrita a

educadora proporciona às crianças? Em que contexto se dão essas práticas

pedagógicas? Como são propostas as atividades no contexto do letramento

às crianças? Entendo que essas questões carecem de reflexão, observação,

estudo e pesquisa, portanto, é este o estudo que me proponho realizar no

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presente trabalho. Dentre as indagações acima, exponho como a questão

central para esta investigação:

Como uma professora de Educação Infantil interage com as crianças nas

práticas de letramento, leitura e escrita e quais são as relações estabelecidas

entre o coletivo infantil e a professora?

Nessa perspectiva, busquei inicialmente discorrer sobre minha história

de leitura, fazendo um relato de como me constituí leitora, bem como do meu

processo de iniciação à leitura e escrita e das práticas de letramento

vivenciadas por mim no espaço da escola e fora dela. Nestas vivências,

ancoro muitas de minhas concepções de educadora da infância.

Visando à consecução do objetivo do presente estudo, o trabalho

estrutura-se como descrevo a seguir. No primeiro capítulo, relato o percurso,

o locus e os pressupostos básicos da pesquisa. Falo ainda sobre a escolha

do sujeito e quais foram os critérios que a nortearam, o problema que me

moveu a fazer a pesquisa e os caminhos e procedimentos metodológicos na

realização do estudo.

Discorro no segundo capítulo, sobre as políticas da infância no Brasil;

apresento os aspectos legais do que foi elaborado até os dias atuais em

termos de legislação pós-Constituição de 1988 e discuto em que a legislação

tem contribuído para os avanços e retrocessos na educação das crianças

brasileiras. Faço considerações sobre alguns aspectos da história da infância

no Brasil e exponho o pano de fundo do atual contexto pré-escolar em

Rondonópolis-MT e as políticas que o município tem traçado para o

atendimento às crianças dessa faixa etária. Apresento um breve histórico das

EMEIS – Escolas Municipais de Educação Infantil, que foram criadas com

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vistas às atuais metas de ampliação de matrículas associada à qualidade na

Educação Infantil.

Já no terceiro capítulo destaco os conceitos de leitura, escrita e

letramento, tratando de forma particular a indissociabilidade destes e as

possibilidades para a formação de leitores na Educação Infantil, bem como as

concepções e práticas de leitura e escrita que permeiam as escolas da

infância. Delineio alguns traços da escolarização da leitura e escrita, tecendo

algumas considerações sobre os equívocos que se constituíram nas escolas

acerca da educação das crianças, mais especificamente do ensino da leitura

e escrita. Dentro deste cenário, trago as concepções dos professores como

vilãs das práticas escolarizantes com as crianças e, por fim, aponto algumas

configurações da linguagem no processo de leitura e escrita das crianças.

Detenho-me no quarto capítulo a descrever as práticas de leitura,

escrita e letramento que observei na sala focalizada, por meio dos dados da

observação das aulas e da documentação pedagógica e faço algumas

proposituras acerca da efetivação de práticas de leitura e escrita significativas

para as crianças. Apresento um relato dessa experiência, a qual, em meio às

contradições no tocante à relação teoria x prática, pude partilhar e vivenciar,

efetivamente, na prática diária da observação. Proponho-me fazer uma

análise comparativa entre a Proposta Diretriz Curricular Municipal para a

Educação Infantil, encaminhada pela Secretaria Municipal de Educação e a

Proposta Pedagógica da escola na qual se realizou a pesquisa. Para a

análise que se segue no capítulo, traço alguns temas para análise, com os

quais relato, descrevo, indago e pontuo a intenção explícita da prática

pedagógica e o implícito das conversas mantidas com a professora. Analiso

as práticas de leitura e escrita das letras, do mundo e da realidade, que a

docente propôs, e as respostas das crianças a estas sugestões.

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Nas considerações finais, dedico-me a apresentar algumas proposições

pretendidas com a pesquisa, no intuito de contribuir com práticas de

letramento, leitura e escrita. Proponho concepções e práticas pedagógicas

que compreendam o tempo vivido pela criança, livres de pré-conceitos,

carregadas de significados e que primem pela concepção de criança

enquanto sujeito de direito e capaz de produzir cultura no mundo globalizado.

Os Desafios de me Tornar Leitora

Por isso, é valido sugerir que a história da literatura de um povo é a história das leituras que foram feitas e se fazem de seu acervo literário, em especial divergentes, sem silenciamentos, sem censuras.

Pedro Demo

Falar de minha história de leitura requer reviver na memória alguns

fatos marcantes, às vezes frustrantes, mas também de enorme satisfação

pessoal vividos na infância. A pesquisa me possibilitou recordar os momentos

vividos que fizeram de mim a leitora que sou.

Assim, passo a tecer, aqui, lembranças prazerosas da escola,

considerando que na década de 70 iniciava-se no Brasil uma tendência que

buscava conciliar cuidado e educação, mais conhecida como educação

compensatória; como o próprio nome diz, esta tinha por princípio compensar

as crianças que eram privadas culturalmente, ou seja, dar a elas o que os

educadores da época achavam que lhes faltava.

Posso afirmar que em minha experiência de leitura não foi a escola a

responsável pela simpatia que tenho pelos livros. Comecei muito cedo no

caminho da escola, pois sou a “filha do meio” e, com meus pais trabalhando

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fora e a falta de escolas de Educação Infantil e creches, fui obrigada a ir para

a escola de Ensino Fundamental aos quatro anos de idade, acompanhada de

meu irmão, então com seis anos, matriculado na pré-alfabetização, no ano de

1976. Minha experiência com a escola começou no Grupo Escolar, hoje

conhecido como Escola Estadual de 1o Grau Augusto de Moraes, situada à

Av. Rio das Garças s/no, em Guiratinga - MT.

Figura no 01 Figura no 02

Frente da Escola Est. de 1o Grau Augusto de Moraes Fundos da Escola Est. de 1o Grau Augusto de Moraes

Lembro-me de pouca coisa nesse primeiro ano escolar, pois eu não

gostava de quase nada lá; o uniforme, saia azul plissada, camiseta branca,

meias na altura dos joelhos e tênis, era tudo que eu não queria usar aos

quatros anos. As cadeiras eram desconfortáveis, meus pés não alcançavam o

chão, a sala era muito numerosa e como se não bastasse era a última do

corredor. Tinha a sensação de que, se quisesse fugir por alguma razão, não

conseguiria chegar até a porta. Com exceção do recreio, tudo era causa de

insatisfação.

Havia também uma cartilha de cujo nome não me lembro; eu adorava

ver as figuras, porém não podia ficar nessa atividade por muito tempo, pois

tinha que “cobrir os pontinhos”, uma das atividades que mais fazíamos na

escola.

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Mas tinha um momento de que eu gostava, que era o dia de cantar o

Hino Nacional e hastear a bandeira. Torcia para chegar o dia em que eu

fosse convidada a levantar a bandeira, mas esse dia não chegou, pois eu era

muito pequena, a menor da turma e, portanto, era considerada incapaz para

algumas atividades. De vez em quando ouvia alguém dizer que eu estava lá

como ouvinte. Não entendia o que isso significava, mas sabia que tinha que

ouvir bastante e falar bem pouco.

No entanto, pude levar dessa escola a letra do Hino Nacional, pois ao

término do ano letivo eu havia aprendido a cantar o mesmo e nunca mais o

esqueci. Lembro que cantava com ou sem o instrumento eletrônico, pois

havia aprendido de verdade. Associo a isso o fato de ser esse um momento

prazeroso na escola, pelo menos era o que eu mais gostava, pois a cerimônia

era realizada no pátio, como se fosse um ritual, com toda a escola reunida em

posição de sentido. Não sabia por que, mas sabia que era um dia importante,

no qual não era admitido atraso nem “brincadeiras”. Aliás, brincadeiras é uma

coisa que não me lembro de ter feito nessa escola.

No ano seguinte, 1977, meu irmão foi para a 1a série e mudou de

escola, e eu fui junto. Fomos estudar com uma tia, parente bem próxima de

nossa mãe, o que dava a ela plena autoridade para o castigo, caso algo não

saísse dentro do “programado”. Ela era querida, porém rígida e considerada a

melhor alfabetizadora da cidade; todos diziam que se tivesse alguma criança

que não soubesse ler, tinha que passar pela professora Marlizinha.

Eu tinha cinco anos e não me interessava pelas atividades que eram

propostas na escola, tudo era chato, tinha muita tarefa, pouco recreio,

nenhum parque, a escola era escura e com corredores muito longos, o que

me instigava a passear por eles até ser “convidada” a retornar para a sala,

que também tinha muitos alunos; por fim, as cadeiras continuavam

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desconfortáveis, eu pouco tinha crescido e ainda não alcançava os pés no

chão.

Mas nessa escola os alunos da 1a série participavam das festividades,

e fui escolhida para levar uma bandeira no desfile de 07 de setembro daquele

ano. Por insistência de minha tia Marlizinha, fui representar a turma e levar a

bandeira de um estado que não me lembro qual era. O que era tão esperado

por mim acabou se transformando num desespero, pois estava muito quente

e demorava muito a começar o desfile, já que, enquanto faltasse uma

autoridade no palanque, as escolas não eram autorizadas a desfilar pela

avenida. Naquele dia, comecei a entender por que diziam que as crianças

menores tinham que ir no carro. Minha roupa era de cetim amarelo,

extravagante e desconfortável; fui vencida pelo cansaço e não consegui

concluir minha tarefa, desisti na metade do caminho, deixando de lado a

bandeira e o desejo de representar a escola.

No ano seguinte minha mãe foi contratada para trabalhar como auxiliar

de limpeza na Escola de 1º e 2º Graus Santa Teresinha. Era um colégio de

freiras, que ficava perto de nossa casa, e eu sabia que ela me levaria junto.

Lá estudavam apenas mulheres, e isso significava me separar de meu irmão,

o que também foi traumático, pois perdia aí meu “protetor”.

A ida para a nova escola implicava alguns problemas. O primeiro deles

eram minhas notas, que não eram boas, e o segundo era que minha idade

não me permitia ser matriculada na 2a série e, assim, novamente fui fazer a 1a

série, tendo como professora agora uma freira. Essa escola possuía uma

estrutura física mais ampla, mudaram o uniforme e a cartilha, porém tudo

acontecia como anteriormente. Lembro-me de ouvir nessa escola, pela

primeira vez, a palavra “prova”. Eu já sabia ler e lia bem, pois não soletrava, e

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os professores gostavam disso. Os únicos livros que percorriam a sala eram

as cartilhas e o Novo Testamento.

Durante os anos que caminhei pela escola me vi sempre ladeada pelo

livro didático. Não me lembro de nenhum outro livro que complementasse as

atividades da aula. Também não me lembro de nenhuma professora contar

histórias para nós. A escola tinha uma biblioteca, mas era permitida a visita

apenas às alunas que cursavam o Magistério; passávamos pela porta, mas

não havia nada lá que nos chamasse a atenção.

Nomeio como fato marcante, o mais desafiador e o responsável em

provocar em mim o sentimento e vontade de conviver com os livros, o que

narro, a seguir. Esta é a lembrança de maior significado que trago da infância

e a grande incentivadora para o caminho dos livros. Brincava muito na rua de

minha casa, e minha melhor amiga era Patrícia, cuja mãe era professora e o

pai, dentista. Em sua casa o ato de leitura ocorria como uma ação diária; o

pai via jornal na televisão e a mãe, a professora, lia.

Na sala de jantar havia uma poltrona e uns armários com alguns livros

que tinham as laterais douradas e que a mãe de minha amiga vivia lendo. De

vez em quando, ao chamar Patrícia para brincar, passava por aquela sala e lá

estava a mãe, de óculos, sentada numa poltrona, lendo tão distraída que não

notava minha presença.

Intrigava-me o fato de ver aquela expressão de prazer no rosto dela ao

ler e me perguntava: O que será que tem naqueles livros dourados que ela

gosta tanto? E era uma prática constante, pois quase todas as noites lá

estava ela, na poltrona, de óculos, tomando chá e lendo. Certa vez, perguntei

a Patrícia se ela lia aqueles livros grossos de sua mãe, e ela respondeu que

não, pois aqueles não tinham graça, não tinham figuras e, por isso, eram

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livros “de adulto”. A resposta não me convenceu, e eu dizia que um dia iria ler

um livro daqueles.

De fato, o dia chegou. Nos reunimos para discutir a ida à fazenda, que

seria no fim de semana, e fazer uma lista de coisas que teríamos que levar.

Isso acontecia na cozinha, e de onde eu estava podia observar a mãe de

minha amiga lendo. Ela percebeu o ato e me chamou. Logo pensei que

poderia ser útil para alguma coisa e como prêmio teria a oportunidade de

adentrar o espaço que eu conhecia como proibido.

Ela me perguntou sobre a escola, se eu sabia ler e se queria algum dos

livros emprestado. A seguir, começou a mostrar o livro que ela lia. Levantou

colocou-o sobre a mesa com abajur que ficava ao lado da poltrona e me disse

para ir lendo, pois quando ela voltasse eu contaria sobre a leitura realizada.

Mais que depressa ajoelhei-me ao lado da mesa e comecei a folhear aquele

livro pesado, de folhas amarelas e letras miúdas. Não entendia nada

daquelas palavras, pois não faziam parte de meu vocabulário, ainda tão

restrito, e comecei a me preocupar, porque ela voltaria e eu teria que dizer

alguma coisa do que estava lendo.

Assim que ela voltou, perguntou-me o que havia achado do livro.

Respondi ter achado bom, mas que a história era difícil de entender. Ela

sorriu, disse que era Filosofia, que eu ainda iria estudar o assunto na escola e

se propôs fazer empréstimo de um livro de literatura infantil sob a condição de

que eu cuidasse muito bem dele. Recebi apressadamente o livro, me despedi

do grupo e fui para casa. Eu estava encantada com o livro, que contava a

história A Bela Adormecida.

A casa dessa amiga era um ambiente propício para despertar o gosto

pela leitura, pois seus pais eram leitores, liam Veja, faziam assinatura do

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jornal local e tinham muitos livros pela casa, com um vasto acervo de

literatura infantil que eu comecei a utilizar. A mãe de Patrícia permitia que ela

me emprestasse os livros e, assim que os lia, devolvia. Me encantava, pois

havia alguns desenhos que se moviam, o que acabava por dar vida aos

personagens.

Toda essa realidade era completamente oposta à de minha casa. Meu

pai freqüentou apenas até o 4o ano da escola primária de seu tempo, minha

mãe à custa de muito sacrifício estudava ainda e conseguiu concluir a 8a

série. Num tempo ainda recente, em que os livros eram de propriedade dos

ricos, não havia outra possibilidade de me apossar deles que não fosse por

empréstimo. Sem contar que em minha casa não havia um discurso para

incentivar-nos a ler. A fala sempre era: Vai estudar, você tem que estudar....

A leitura era vista como uma exigência para o estudo e nunca como

conhecimento de mundo ou simplesmente um ato prazeroso.

Outra passagem da infância de que me recordo com muita saudade era

a das histórias contadas. Não ganhei livro algum de presente quando criança

e os que li foram aqueles emprestados por Patrícia. Meu pai, contudo, uma

vez deu-me de presente uma fita com as histórias contadas da Chapeuzinho

Vermelho e Branca de Neve. Estas são as melhores lembranças de sonho e

encantamento pelas histórias infantis que tenho.

Lembro-me de que não tínhamos aparelho de som em casa, mas meu

pai tinha um toca-fitas em seu carro e eu contava os minutos para ele chegar

do trabalho, a fim de ir para o carro ouvir as histórias. Tenho na memória as

mais saudosas lembranças daqueles sons de cachoeira, a voz da vovozinha,

o ronco do lobo mau, o choro dos sete anões e o relinchar do cavalo do

príncipe. Não me cansava de ouvir essas histórias e cada vez que ouvia tinha

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algo novo que não havia percebido antes. Era tão encantador que às vezes

dormia e acabava sonhando que fazia parte da história.

Os anos seguintes na escola não tiveram grandes inovações ou

momentos que marcassem minha vida de leitora. Uma passagem

interessante aconteceu na 7a série. Minha professora de Língua Portuguesa

tinha como propósito a leitura de um livro por bimestre, e assim cada aluna

comprava um livro diferente; líamos e, no bimestre seguinte, trocávamos o

livro entre as colegas. Avalio a experiência como positiva, com uma ressalva.

Digo que a experiência foi positiva porque aqueles foram os únicos

livros que li na adolescência inteira, frutos desse projeto na escola. Nunca me

esqueci das histórias de Pollyana Menina, Pollyana Moça e Pollyana Mulher.

Como último livro para leitura, fomos todas orientadas a ler Memórias

Póstumas de Braz Cubas, de Machado de Assis. Guardo esse exemplar até

hoje. Foi intrigante a leitura, mas pouco entendi; então, pedi à professora que

falasse sobre o livro, mas ela “escapou” dizendo que eu fora desatenta e

precisava ler de novo.

Aqui vem a ressalva: levei comigo a incógnita do livro e somente na

universidade entendi que faltava compreensão. Refiz a leitura após anos de

escolarização, uma leitura que não foi imposta, mas sim escolhida por mim. Li

novamente Memórias Póstumas de Braz Cubas e concluí que se precisa de

maturidade para a compreensão da leitura. Faço esta afirmação baseada

nessa passagem e na conversa que tive com a mãe de minha amiga, ainda

na infância, quando ela pediu que eu lesse o livro tão cobiçado e depois tive

que responder não ter entendido a leitura.

Outros momentos de interessantes leituras aconteceram na

universidade. Eu cursava Letras, curso que exigia muitas leituras, entretanto,

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percebi que a literatura me agradava bastante, não havendo problema para

ler as obras indicadas. Fiz um acervo de literatura brasileira e li quase todos

os livros enquanto estava na universidade. Além das leituras obrigatórias me

deliciava com os romances que chamava de leitura “escapista”. Considero a

universidade como sendo a responsável por aguçar em mim o desejo pelos

livros, pois não parei mais.

Fiz uma Especialização voltada para os interesses da leitura e escrita e

quando comecei a trabalhar como professora entendi que estava nas práticas

escolares com a leitura o hiato entre a leitura e o sujeito leitor. Desta forma,

quis resgatar as práticas de leitura de uma educadora da infância para um

possível trabalho de pesquisa e, é o que faço hoje, pois investigo quais

leituras ocorrem no espaço da Educação Infantil, como elas ocorrem e como

as crianças as recebem.

Compreendi, através da reflexão sobre o processo de me constituir

leitora, que o incentivo à leitura na infância pode ser determinante na

formação de leitores. Vejo e entendo que a escola é um locus de

aprendizagem com grande potencial incentivador para o mundo dos livros e

com poder de decisão na formação do sujeito leitor.

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CAPÍTULO I - O PERCURSO DA PESQUISA

Nascemos fracos, precisamos de força; nascemos carentes de tudo, precisamos de assistência; nascemos estúpidos, precisamos de juízo. Tudo o que não temos ao nascer e de que precisamos quando grandes nos é dado pela educação.

Jean-Jacques Rousseau

Propus-me discutir nesta pesquisa as concepções e práticas de

letramento, leitura e escrita na Educação Infantil. Essa delimitação permitiu-

me evidenciar a problemática central a ser investigada, as práticas de leitura

e escrita na perspectiva do letramento que se consolidam com uma turma de

pré-escola. O estudo tomou como base para análise as observações da

prática pedagógica da professora, as entrevistas realizadas com essa

educadora e as crianças, o Projeto Político Pedagógico da escola em questão

e a Proposta Diretriz Curricular Municipal para a Educação Infantil de

Rondonópolis-MT.

1.1 - Pressupostos Básicos da Pesquisa

Entendo a pesquisa como um processo emancipatório e político, como

preceitua Demo (2004, p. 124) ao afirmar que “pesquisa é a atitude de

‘aprender a aprender’”, e é essa atitude de aprender a aprender que procurei

vivenciar no espaço da investigação. Esse procedimento, muitas vezes,

envolve a criação de possibilidades, para se chegar às fontes do

conhecimento. Neste sentido, vejo ser o professor um orientador e mediador

de tal processo. Ele deverá assumir essa postura, no sentido de despertar

nas crianças a curiosidade e a criticidade diante das informações postas no

cotidiano.

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Por isso, é na perspectiva de mediar o trabalho educativo e

potencializar novas práticas educativas, voltadas ao coletivo de crianças e

professores, que pretendi nortear esta pesquisa, mais particularmente na

construção que requer a atitude de “aprender a aprender”.

Convém lembrar, neste ponto, que a legislação em âmbito nacional, a

LDBEN 9394/1996 – da qual se tratará no capítulo seguinte – concebe a

Educação Infantil como a primeira etapa da educação básica e, embora eu

veja a importância dessa etapa, vejo também quão necessário se faz discutir

as práticas que se efetivam nesse nível de ensino, uma vez que seu currículo

foi pensado em moldes escolarizantes e tem a proposta de preparar as

crianças para estarem aptas a serem “promovidas” para o Ensino

Fundamental.

Diante de tal cenário, busquei estudar algo singular, que retratasse o

atual contexto educacional das crianças de 04 e 05 anos matriculadas na pré-

escola, o que me possibilitou realizar um estudo de caso na Escola Municipal

de Educação Infantil Mateus Vinícius Bráz, com uma professora do II Ciclo2

da Educação Infantil.

A escolha por realizar um estudo de caso veio pela singularidade que

gostaria de dar a esta pesquisa, cuja proposta era estudar a realidade de uma

sala com crianças de 04 e 05 anos e analisar criteriosamente quais práticas

de letramento, leitura e escrita se efetivavam nessa turma. Entretanto,

ressalto que esta opção somente foi delimitada após a análise de

documentos, dados levantados e cedidos pela Secretaria Municipal de

Educação, informações sobre a formação dos professores de Educação

2 A Educação Infantil no município de Rondonópolis é organizada em ciclos de formação desde 1992. O 1o ciclo é composto por três agrupamentos, tendo o 1o agrupamento crianças de zero a dois anos; o 2o crianças de dois a dois anos e onze meses e o 3o, crianças de três a três anos e onze meses. O 2o ciclo é composto por dois agrupamentos; o 1o, com crianças de quatro anos a quatro anos e onze meses e o 2o, com crianças de cinco anos a cinco anos e onze meses.

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Infantil, quantas turmas de pré-escola havia nas escolas de Ensino

Fundamental, quais outros espaços eram ocupados pela pré-escola, onde e

em que condições funcionavam, como se dava o ingresso dos professores

para atuarem na Educação Infantil, quem eram os professores que

trabalhavam com as crianças de 04 e 05 anos e há quanto tempo eles o

faziam. Enfim, à luz destes dados o contorno da pesquisa foi-se delineando

para a escolha de um estudo de caso.

Lüdke e André (1986) assim conceituam esta modalidade de estudo:

Um caso, seja ele simples e específico, como o de uma professora competente de uma escola pública, [...]. O caso pode ser similar a outros, mas é a ao mesmo tempo distinto, pois tem um interesse próprio, singular. [...] O interesse, portanto, incide naquilo que ele tem de único, de particular, mesmo que posteriormente venham a ficar evidentes certas semelhanças com outros casos ou situações. Quando quisermos estudar algo singular, que tenha valor em si mesmo, devemos escolher o estudo de caso. (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 17).

A partir desse conceito a opção pelo estudo de caso numa abordagem

qualitativa foi ficando cada vez mais clara, visto que tal procedimento me

pareceu adequado para examinar as múltiplas determinações do objeto de

pesquisa. A preocupação central da trajetória desta investigação está no ato

de compreender e explicar propriamente o objeto de estudo, delineando

criteriosamente os passos da investigação e atendo-me às minúcias na

descrição dos fatos observados.

O trabalho de campo permitiu realizar a observação da prática

pedagógica, que nesta investigação visa destacar aspectos específicos da

Educação Infantil referentes às relações que as crianças estabelecem com a

leitura, escrita e às práticas de letramento.

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Os instrumentos utilizados na pesquisa foram entrevista gravada,

análise documental, anotações diárias oriundas da observação em sala e do

relatório descritivo, observação das atividades realizadas com as crianças

fora do espaço da sala, questionário, análise dos diários e do planejamento,

caderno de campo, participação nas atividades e fotografias. A diversidade de

instrumentos analisados possibilitou ampliar o foco no objeto de estudo,

permitindo conhecer e compreender as práticas pedagógicas propostas pela

professora, os equívocos, riqueza e diversidade dessas práticas. Além disso,

em alguns momentos, pude obter elementos que justificavam a distância

entre os pressupostos teóricos e as práticas pedagógicas que se efetivavam

na escola.

Levei também em conta, para a realização da pesquisa, que o estudo

de caso numa abordagem qualitativa possibilita ao pesquisador retratar as

particularidades do cotidiano da escola. Lüdke e André (1986, p. 24) salientam

que “esse tipo de pesquisa oferece elementos preciosos para uma melhor

compreensão do papel da escola e suas relações com outras instituições da

sociedade”. No cenário de contradições entre escola e sociedade, surge a

proposta de construção dialética do contexto escolar na infância, o que

descaracteriza a especificidade e singularidade na Educação Infantil.

A partir dos anos 80, a pesquisa qualitativa ocupou lugar de destaque

no campo educacional, contribuindo para uma presença mais efetiva do

pesquisador em campo. É com o propósito de desvelar fenômenos ainda

ocultos que as pesquisas qualitativas emergem, sob a luz de investigações

cuidadosas e em profundidade. Chizzotti (1991) afirma que,

Os dados na pesquisa qualitativa são fenômenos que não se restringem às percepções sensíveis e aparentes, mas se manifestam em uma complexidade de oposições, de revelações e de ocultamentos, é preciso ultrapassar a sua

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aparência imediata para descobrir a sua essência. (CHIZZOTTI apud BAPTISTA.1996, p. 36).

A interpretação e a escrita são características preponderantes na

pesquisa qualitativa pós-moderna, sendo que Bogdan e Biklen (1994)

discutem a pesquisa nessa perspectiva. Para os autores, esse movimento de

construção de um novo perfil de investigador, que passa a considerar textos

escritos como seu objeto de estudo e a problematizar seu trabalho científico,

foi muito importante para a qualidade das pesquisas na abordagem

qualitativa.

Assim, inicialmente me dedico a um fenômeno que necessita ser

investigado considerando que a princípio as pessoas enxergam coisas

diferentes num mesmo objeto de estudo. É o que observam Lüdke e André

(1986, p.25): “[...] o que cada pessoa seleciona para ‘ver’ depende muito de

sua história pessoal e principalmente de sua bagagem cultural”. Neste

sentido, vejo que muitas dúvidas geradas no caminho percorrido enquanto

educadora da infância contribuíram para as análises realizadas e para o

desejo de investigar o tema, considerando que há um longo caminho a ser

percorrido no tocante às pesquisas acerca da infância no Brasil.

Sobre o assunto, Kramer (2003) faz um convite àqueles envolvidos nas

causas da infância:

[...] destacar a necessidade de que seja realizado amplo e consistente estado da arte das pesquisas da infância no Brasil, de modo a mapear a área, traçar um panorama das principais tendências teórico-metodológicas de investigação, discutir resultados e apontar tanto os avanços e conquistas quanto as (muitas) lacunas ainda existentes. (KRAMER, 2003, p. 27).

Há necessidade de apontar e discutir as várias questões que permeiam

o campo da infância, discutindo os avanços e retrocessos em relação às

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muitas facetas da educação das crianças no Brasil, fato que culminou nesta

pesquisa, porém, trazendo a certeza de que não estará aqui a “receita” para a

resolução dos problemas e conflitos entre ensino x educação na Educação

Infantil, mas o propósito de contribuir para a reflexão daqueles que laboram

na educação das crianças. A partir dos relatos das práticas e de sua análise,

pretendo discutir os resultados e apontar alguns caminhos para a pesquisa no

campo da infância.

1.2 – O Locus da Pesquisa

A escolha da Escola Municipal de Educação Infantil Mateus Vinícius

Bráz3 como locus de investigação deu-se primeiramente por esta atender

exclusivamente à modalidade pré-escola4. Neste espaço são matriculadas

aproximadamente 100 (cem) crianças com idade entre 04 (quatro) e 05

(cinco) anos. Um segundo ponto que me chamou a atenção foi o fato de que

as professoras que trabalham nessa escola são todas concursadas para a

Educação Infantil e atuam nesse nível de ensino há mais de 10 (dez) anos.

Por último, considerei o espaço físico da escola ponto determinante

para a escolha do locus da pesquisa, pois a mesma não dispõe de parque

infantil, brinquedoteca, biblioteca, quadra de areia ou outro tipo de área

externa, a não ser uma pequena quadra coberta. Assim, frente a um cenário

bem aquém do que acredito ser indispensável ao desenvolvimento integral da

3 Antes da criação da escola de Educação Infantil, funcionavam neste prédio 04 turmas de pré-escola, sem autorização do CEE – Conselho Estadual de Educação e sem ser regulamentadas. Somente em janeiro de 2006 a EMEI Mateus Vinícius Bráz foi criada, com o nome inicial de EMEI Ana Maria Machado, em homenagem à escritora brasileira, porém após alguns meses a Secretaria Municipal de Educação orientou a mudança do nome em virtude de uma lei do TCU – Tribunal de Contas da União que informava ser proibido instituições públicas possuírem nome de pessoas vivas, sob pena de bloqueio de recursos. O coletivo da escola se organizou e decidiu homenagear um ex-aluno da mesma, o qual teve sua vida ceifada tragicamente num acidente de trânsito; a mudança ocorreu em julho de 2007. 4 Utilizei o termo pré-escola por essa nomenclatura ser a utilizada na LDBEN / 1996 para identificar a modalidade que atende às crianças de 04 a 06 anos, sendo que a partir de 06 de fevereiro de 2006, com a Lei no 11.274 / 2006, as crianças de 06 anos de idade foram incluídas no Ensino Fundamental de 09 anos.

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criança, propus-me investigar as práticas pedagógicas de letramento, leitura e

escrita que se efetivavam na escola em foco.

A qualidade intrínseca ao pesquisador, a curiosidade, fluiu em mim, pois

senti-me estimulada a investigar sobre as práticas de letramento, leitura e

escrita vivenciadas neste espaço que pouco tinha a oferecer às crianças.

Surgiu a indagação: Será possível realizar atividades significativas para

as crianças num espaço que aparentemente não possui características de um

ambiente alegre, agradável, desafiador, prazeroso e acolhedor? A resposta a

esta pergunta está posta no quarto capítulo, na análise das práticas cotidianas

da professora.

Apropriei-me dos estudos de Faria (2005) para aqui tecer minhas

considerações acerca da importância do espaço físico das escolas da

infância, que na maioria das vezes é considerado apenas pela metragem das

salas, e se esquece a importância de o mesmo ser transformado em um

ambiente de envolvimento, interação e aprendizagem.

Concordo com as idéias da autora: é preciso desorganizar o tempo e o

espaço do mundo adulto para reorganizá-los no sentido de que as crianças

possam produzir as culturas infantis no ambiente da escola. Deve-se ter em

vista que instaurar uma cultura da infância nas escolas é tarefa de todos nós,

profissionais da educação.

Ainda sobre o locus da pesquisa, vejo ser necessário retomar a questão

da ausência de parque infantil nessa escola. Nas contribuições de Faria

(2005), a idéia de parque infantil é algo real e ao mesmo tempo distante do

que temos hoje em nossas escolas. A autora relembra o parque infantil

proposto por Mário de Andrade, em 1935, na cidade de São Paulo; nesses

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parques não havia sala de aula, estes eram espaços com características de

um bosque, onde as crianças brincavam, interagiam e conviviam com as

diferenças e as mais diferentes culturas das diversas regiões do Brasil. No

parque de Mario de Andrade era permitido às crianças produzirem cultura.

Sobre a importância do espaço físico da escola da infância, Faria

(2005), ainda considera:

O espaço físico assim concebido não se resume a sua metragem. Grande ou pequeno, o espaço o espaço físico de qualquer tipo de centro de educação infantil precisa tornar-se um ambiente, isto é, ambientar as crianças e os adultos: variando em pequenos e grandes grupos de crianças, misturando as idades, estendendo-se à rua, ao bairro e à cidade, melhorando as condições de vida de todos os envolvidos, sempre atendendo às exigências das atividades programadas, individuais e coletivas, com ou sem a presença de adulto (s) e que permitam emergir as múltiplas dimensões humanas, as diversas formas de expressão, o imprevisto, os saberes espontâneos infantis. (FARIA e PALHARES, 2005, p. 70).

É com essas idéias acerca das possibilidades de aprendizagem pela

interação no espaço da escola e que vejo ser possível caminharmos rumo à

descoberta da infância.

1.3 - A Escolha do Sujeito

Para este trabalho tomei como ponto de partida a figura da professora5,

que no contexto de pesquisa foi o principal sujeito, no tocante às práticas de

letramento, leitura e escrita que esta educadora da infância potencializava às

crianças. 5 Nessa escola há apenas profissionais do sexo feminino atuando com crianças. Vale ressaltar que num universo de 138 professores de Educação Infantil na Rede Municipal de Ensino, há apenas dois professores do sexo masculino, atuando na direção de UMEIs – Unidades Municipais de Educação Infantil, que correspondem ao atendimento de crianças de zero a 03(três) anos.

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Escolher apenas uma professora exigiu uma análise criteriosa, num

universo de 138 professores de Educação Infantil efetivos da RME- Rede

Municipal de Ensino. O primeiro passo foi levantar quantos educadores

trabalhavam no segundo agrupamento do 2o ciclo da Educação Infantil, mais

especificamente em EMEIs – Escolas Municipais de Educação Infantil, pois

estas unidades atendem exclusivamente à modalidade pré-escola, que foi

outro critério definido para a pesquisa.

Após obter estes dados parti para outro momento do estudo, que foi

analisar a formação dos profissionais e o tempo em que atuavam nessa

modalidade de ensino para, a partir daí, delinear outros limites que

possibilitassem uma seleção mais criteriosa.

Identifiquei que neste contexto havia apenas uma professora que

preenchia os requisitos pensados, que incluíam o tempo de serviço e a

formação para atuar na Educação Infantil, entendo que a experiência

vivenciada pela professora ao longo de sua vida profissional, é ponto

preponderante no tocante a sua formação, faço esse parêntese considerando

que a formação inicial da professora não a habilitou para atuar na Educação

Infantil, no entanto, sua experiência e vivências nesse nível, é determinante

de sua formação para atuar com as crianças pequenas. Ressalto que apenas

essa professora estava há mais de 15 (quinze) anos atuando nesse nível de

ensino e possuía formação acadêmica em pedagogia e era especialista em

Educação Infantil6 e, por fim, considerei sua participação efetiva nos cursos de

formação por acreditar que este seria fator determinante de suas concepções

e práticas.

6 É importante esclarecer que, nesse universo de 138 professores, apenas oito (até o momento em que a pesquisa estava sendo realizada) possuíam especialização em Educação Infantil. Considero este um dado relevante, em virtude de os cursos de graduação em Rondonópolis-MT começarem a habilitar professores em Educação Infantil a partir de 2006, com a mudança na grade curricular de Pedagogia.

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Por último, precisava contar com a aprovação deste sujeito; para tanto,

fui até a escola para a primeira conversa com ela sobre o trabalho e,

posteriormente, comuniquei-lhe que gostaria de observar sua prática

pedagógica. A professora recebeu a notícia com certo nervosismo, mas se

dispôs a pensar sobre o assunto e só então dar a resposta. A seguir, ela me

informou que seria uma tarefa difícil, uma vez que havia sido removida para

aquela escola naquele mesmo ano (2007) e que tudo ainda era novo, além da

dificuldade com a estrutura física, que deixava a desejar e também da falta de

materiais pedagógicos.

Após alguns dias recebi um telefonema da docente dizendo que não

seria possível a observação em sua sala, visto que ela não se sentia segura

para a realização de um trabalho dessa natureza.

Como já havia feito um estudo e tinha certeza do trabalho que queria

realizar, voltei a insistir. Dessa vez argumentei quão relevante seria para a

Educação Infantil em nosso município a pesquisa a ser realizada e que a

observação tinha o propósito de contribuir com sua prática pedagógica.

Acrescentei o intuito de socializar as questões de que educação se faz em um

espaço que aparentemente pouco tem a oferecer às crianças, desde os

recursos mínimos até os que julgamos imprescindíveis na Educação Infantil,

como o brinquedo e o parque infantil, que não faziam parte da realidade

dessa escola. Em meio à indecisão por parte da professora, propus iniciar a

observação em sala, com a ressalva de que, caso ela não se sentisse à

vontade com minha presença, eu abandonaria o trabalho. Sabia o que isso

representaria, àquela altura da pesquisa, mas era necessário propor, na

tentativa de obter a confiança da professora.

Foi-me pedido mais um tempo para pensar. Certa de que ela não

negaria, aguardei a resposta, que não tardou a chegar e, dessa vez, de forma

positiva. A docente concordou com o trabalho, colocando-se à disposição

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para a pesquisa, dizendo, entretanto, que ainda assim não se sentia segura,

mas concordaria em fazer parte da pesquisa. Assim, dei início à observação.

1.4 - Expondo o Problema

São muitas as perguntas que ainda estão sem resposta no atual

contexto da Educação Infantil brasileira, porém pretendo instigar ainda mais a

busca de respostas e, dessa forma, contribuir para o avanço do trabalho

realizado acerca dos fazeres educativos na infância. É compreensível que a

falta dessas respostas acabe gerando a incapacidade de se fazer educação

de qualidade. Dentre as muitas questões que permeiam neste cenário, talvez

as que mais afligem consistam na falta de recursos para o nível de ensino em

pauta, na insuficiente formação do profissional da Educação Infantil7 e na

preocupação exacerbada em se escolarizar essa etapa, não se primando pela

educação que acaba por ser sucumbida ao ensino.

Esta última afirmação foi o que me despertou para o problema de

pesquisa, selecionando para um estudo mais particular as práticas de

letramento, leitura e escrita de uma educadora da infância. Mais do que

responder a questionamentos sobre as práticas dos professores de Educação

Infantil, a presente investigação procura evidenciar, legitimar e auxiliar nos

avanços necessários às práticas pedagógicas de letramento, leitura e escrita

existentes na área da infância. Para tanto, a pergunta central desta pesquisa

é:

Como uma professora de Educação Infantil interage com as crianças nas

práticas de letramento, leitura e escrita e quais são as relações estabelecidas

entre o coletivo infantil e a professora?

7 Sugiro a propósito a leitura da tese de doutorado de Anamaria Santana da Silva, A professora de Educação Infantil e sua Formação Universitária,UNICAMP, 2003.

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Para dar início às discussões vejo ser necessário situar o espaço/tempo

da criança na escola da infância, particularmente no cenário em que realizei a

pesquisa. A escola se organiza com a mesma estrutura do ensino

fundamental, com mínimo de duzentos dias letivos, o que indica uma carga

horária de aproximadamente oitocentas e sessenta horas, considerando as

quatro horas e trinta minutos diárias que elas permanecem na escola. No

contexto da primeira etapa da Educação Básica, há que se observar a

organização do espaço / tempo para estar favorecendo às crianças, vivências

e interações no coletivo infantil, visando a brincadeira e as múltiplas

linguagens da criança, como forma de descoberta.

1.5 - Os Caminhos e Procedimentos Metodológicos

Na busca da conceituação de metodologia, vemos que André e Lüdke

(1992) a definem como sendo o percurso seguido pelo pesquisador no

processo de construção do conhecimento. Baseada neste pressuposto tracei

os procedimentos metodológicos adotados no decorrer da investigação.

Para o trabalho de campo, recorri à observação, que significa não

simplesmente olhar e sim destacar num conjunto algo de interesse específico

para o estudo. Iniciei com o levantamento de informações prévias8 sobre

número de professores, formação e origem de lotação destes, as escolas,

sua localização, número de crianças e funcionamento.

De posse dessas informações detive-me a analisá-las e somente após

esse estudo decidi por uma escola e um sujeito, o que possibilitou um estudo

de caso. Posteriormente, apresentei-me à escola escolhida e através de

8 A princípio contei com as informações muito gentilmente cedidas pelo Núcleo de Estatística da Secretaria Municipal de Educação, que deu todas as informações solicitadas.

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questionário passei para outra etapa de informações, dessa vez já com o

sujeito em questão.

Conforme salientei, recebeu lugar de destaque a observação, através da

qual foi possível estabelecer um contato mais próximo com a professora, as

crianças e os demais funcionários da escola. No início da observação portei-

me como uma espectadora e gradualmente fui me tornando uma participante

do processo. Procurei, durante os momentos em que me fiz presente na

escola como nos encontros de formação, na observação em sala de aula e

fora dela, nas entrevistas e conversas informais com a professora (que por

sinal foram muitas) e com as crianças, manter uma postura aberta, revelando

a todo o grupo os objetivos de meu estudo e, talvez por esta postura, obtive

do grupo grande colaboração no tocante às informações.

Algumas vezes foi-me solicitado pelas professoras da escola que

estivesse com elas, para discutirmos questões relativas às práticas

pedagógicas das mesmas e possíveis mudanças na estrutura física e estive à

disposição para dialogar com o grupo sempre que solicitada. Também estive

presente em alguns momentos de diálogo com as crianças, a pedido das

educadoras.

Nos primeiros dias de observação, confirmava-se a idéia de

escolarização pré-concebida por mim; no entanto, a postura da professora

diante das situações de construção de conceitos pelas crianças foi delineando

um outro caminho para a análise dos fazeres.

Ao analisar as informações colhidas na observação e as transcrições

das entrevistas, procedi ao cruzamento dos dados coletados, por acreditar

que desta forma teria um texto com mais sentido e com conexão entre a

prática pedagógica e o que foi dito pela professora.

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Realizei entrevistas com esta e com as crianças, desta forma obtendo

informações relevantes para a pesquisa. Optei por um roteiro mais livre e

flexível para a investigação, o qual permitiu o estabelecimento de um diálogo

aberto, amplo e ao mesmo tempo direcionado às questões que norteiam esta

pesquisa. O roteiro para entrevista possuía uma seqüência lógica entre os

assuntos, desde o mais simples até o mais complexo e tive especial cuidado

também com a ordem psicológica do assunto, pois em muitos momentos as

expressões, gestos e entonações de voz validavam o que havia sido dito.

A docente se dispôs a responder às perguntas, com algumas restrições.

Dei um caráter de interação às entrevistas, visto que somos educadoras da

infância, e em muitos momentos trocamos experiências sobre nossas

práticas. Por meio desse instrumento foi possível captar de modo mais

imediato a intenção da professora e também me aprofundar em assuntos que

julgava necessário, a exemplo do uso do rádio como recurso para produção

de conhecimento e, as possibilidades de interação entre as crianças e suas

linguagens, como as descritas no quarto capítulo.

A relação posta com a entrevistada pautava-se pelo princípio do

respeito, primeiramente zelando por cumprir o combinado em relação ao local

e horário estabelecidos. Outra característica da entrevista foi a liberdade nas

respostas da entrevistada, deixando-a à vontade para explicar pormenores se

assim o desejasse. Apesar de utilizar um roteiro para direcionar as perguntas,

com o fim de não fugir da linha de investigação, mantinha um caminho,

embora estreito, para conversarmos à vontade sobre outras preocupações

demonstradas pela professora no decorrer da entrevista.

A análise documental constou de material escrito, que foi viabilizado

para a investigação, tais como caderno de campo, diário, planejamento,

proposta pedagógica da escola, Proposta Diretriz Curricular Municipal para a

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Educação Infantil e a legislação vigente que garante às crianças o direito a

uma educação de qualidade: LDBEN 9394/1996, Diretriz Curricular Nacional

para Educação Infantil / 1999, Política Nacional de Educação Infantil / 2005,

Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil / 2006. A

utilização dos documentos citados teve o propósito de validar as informações

obtidas nas entrevistas e observações e minhas considerações acerca das

concepções e práticas de letramento, leitura e escrita da professora.

A análise dos documentos partiu das relações estabelecidas pela

professora entre suas concepções e sua prática pedagógica, e ficou

explicitada a distância que há entre os fazeres que se efetivam e o que

planejam os professores e os órgãos responsáveis por traçar políticas

públicas.

Procurei estar próxima da professora para conhecer seu trabalho e

compreender as concepções postas em sua prática, acompanhar sua rotina

diária de atividades, o que foi imprescindível para obter a compreensão dos

fatos pedagógicos. Em todas as cenas ocorridas na escola estive presente: no

recreio, nas rodas de conversa, na socialização com as turmas, na hora do

filme, nos passeios, nas apresentações e dramatizações, nas conversas,

formais ou não, sendo estas no momento da entrevista, do café e do próprio

desabafo de ambas e, ainda, na formação continuada com as professoras. A

observação da turma ocorreu entre abril e setembro de 2007; foram sessenta

e dois dias de presença na escola, seja em observação na sala, entrevistas

com a professora e as crianças, atividades na sala e fora dela, conversa com

as outras professoras, encontros de formação e festividades.

A partir do estudo das falas e cenas vividas pelas crianças e propostas

pela educadora, algumas questões foram configurando-se como fundamentais

pontos para análise. Foi o caso da leitura de jornais associada à audição de

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notícias pelo rádio e às atividades de interação fora do espaço da escola, a

exemplo da excursão.

Com o propósito de percorrer caminhos ainda não conhecidos e de

contribuir com o debate e a construção de novos conceitos, pautados em

pesquisas já realizadas e em teóricos que discutem as possibilidades de

letramento, leitura e escrita, atendo-me a construir conhecimentos e conceitos

relacionados às práticas que se efetivam no contexto da Educação Infantil,

sem desconsiderar as relações coletivas propostas pelas crianças e suas

descobertas das coisas e do mundo, venho propor uma discussão que

permeie os espaços e ambientes de trocas coletivas privilegiando as

aprendizagens infantis.

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CAPÍTULO II – A EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO NACIONAL:

PONTOS A PONDERAR

A política pública é uma atividade orientada para o bem comum, ou interesse público. Não se faz política pública para um grupo de pessoas, nem para um partido político ou uma igreja. Os destinatários de uma política pública são todos os cidadãos, sem exceção.

Edson Araújo Cabral

O sentimento de infância surgiu na passagem da Idade Média para a

Idade Moderna. Esta última foi marcada, sobretudo, pelo processo de

industrialização, o avanço tecno-científico e o ingresso da mulher no mercado

de trabalho, sendo estes alguns dos acontecimentos históricos que

contribuíram para mudanças significativas na forma de organização político-

social em escala mundial.

Oliveira (2005) apresenta um conceito de infância ainda não superado

pela sociedade atual:

O termo “infância” (in-fans) tem o sentido de “não fala”. Pode-se com base nisso, perguntar: a que período da vida humana ele se referiria? Caso seja aos primeiros meses de vida, quando a criança ainda não adquiriu a língua de seu grupo cultural, é preciso lembrar que, desde o nascimento, já começam a ser construídos sistemas de comunicação [...], Na educação grega do período clássico, “infância” referia-se a seres com tendências selvagens [...]. Já o pensamento medieval entendia a “infância” como evidência da natureza pecadora do homem [...]. (OLIVEIRA, Z., 2005, p. 44).

A idéia de que a infância é algo vazio e que é tarefa dos adultos

ensinar às crianças e prepará-las para a idade adulta surgiu em um cenário

bem antigo e lamentavelmente resiste ainda no século XXI.

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Como surgimento de uma nova mentalidade, na qual a mulher

inaugurou seu espaço, enquanto sujeito ativo no mercado de trabalho, que

emergiu a preocupação com a criança, ou melhor, a preocupação em onde

deixar os filhos para fazer valer seus direitos enquanto mulher cidadã. A partir

desse momento, as inserções sociais tornaram-se diferenciadas, sobretudo,

para as crianças, visto que as trabalhadoras passaram a reivindicar um lugar

para seus filhos enquanto buscavam seu espaço no mercado de trabalho.

2.1 - As Proposições Políticas para a Infância

No Brasil, somente em 1943, no governo de Getúlio Vargas, houve a

preocupação em elaborar uma legislação que contemplasse a infância,

determinando que as empresas criassem berçários para abrigar os filhos das

operárias durante o período de amamentação. Por um longo período as

discussões no país, acerca do atendimento às crianças em creches ficaram

adormecidas, e apenas no ano de 1964 as ações político-sociais começaram

a considerar a educação da criança como uma realidade possível. Oliveira

(2005) faz uma observação interessante nesse sentido:

No período dos governos militares pós 1964, as políticas sociais adotadas a nível federal, através de órgãos então criados como LBA, FUNABEM e a nível estadual continuaram a acentuar a idéia de creche como equipamento de assistência à criança carente, como um favor prestado à criança e à família. Intensificaram ainda mais a ajuda governamental às entidades filantrópicas. Muitas destas, gradativamente, passaram a esboçar uma orientação mais técnica a seu trabalho, incluindo preocupações com aspectos da educação formal das crianças nas creches. (OLIVEIRA, Z., 2005, p.20).

A grande caminhada em nível mundial em favor dos direitos da criança

teve início em 1923, quando a união internacional, Save The Children, redigiu

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e aprovou um documento que ficou conhecido como Declaração de Genebra,

a qual continha cinco princípios básicos de proteção à infância.

Em 1959, a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas,

órgão máximo da ONU, aprovou a Declaração Universal dos Direitos da

Criança, com dez princípios cuidadosamente elaborados e redigidos, que

afirmavam o direito da criança à proteção especial e a que lhe fossem

propiciadas oportunidades e facilidades capazes de permitir o seu

desenvolvimento de modo sadio, normal e em condições de liberdade e

dignidade.

As discussões em torno da proteção e dos direitos da criança não

pararam por aí, e no ano de 1979 a Comissão de Direitos Humanos da ONU

examinou a proposta da Convenção Internacional dos Direitos da Criança,

apresentada pelo governo da Polônia. Enquanto a Declaração Universal dos

Direitos das Crianças de 1959 possuía caráter meramente sugestivo nos

princípios pelos quais os povos deveriam guiar-se no que diz respeito aos

direitos da criança, a Convenção estabelecia normas, deveres e obrigações

aos países que a ela aderissem. No entanto, essa discussão estendeu-se por

alguns anos, e somente em 1989 foi aprovado por unanimidade, pela

Assembléia Geral, o texto da Convenção Internacional dos Direitos da

Criança.

No final dos anos 70 do século XX, as políticas adotadas passaram a

sofrer modificações; os trabalhadores reivindicavam seus direitos, exigindo a

ampliação das entidades filantrópicas, que, por sua vez, também começavam

a encarar as crianças com certa preocupação no tocante ao aspecto

educativo, com base na teoria da privação cultural.

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No processo de construção das políticas da infância em nosso país, a

Constituição Brasileira de 1988 foi um marco decisivo na garantia dos direitos

da criança à educação. No seu artigo 208, estabelece: “O dever do Estado

com a educação será efetivado mediante garantia de (...) atendimento em

creche e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos”. Campos (2001) diz acerca

da relevância de se ter no texto constitucional o direito à educação para as

crianças de zero a 06 anos que,

Este fato, por si só, representa um avanço extremamente significativo em direção a uma realidade mais favorável ao desenvolvimento integral da criança brasileira. Enquanto as constituições anteriores limitavam-se a expressões como “assistir” ou “amparar a maternidade e a infância”, a nova Carta nomeia formas concretas de garantir, não só esse amparo, mas, principalmente, a educação dessa criança. (CAMPOS, 2001, p. 18).

O fato de a creche e a pré-escola serem incluídas no capítulo da

educação evidencia o reconhecimento do caráter educativo dessas

instituições e a responsabilidade da União, Estados e Municípios para com a

educação das crianças.

Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA veio

consolidar os direitos da criança, considerando-a, ao longo de 54 artigos, em

posição de absoluta prioridade na formulação de políticas sociais e na

destinação de recursos públicos.

Ainda nos anos 90, mais especificamente em 1996, a Lei de Diretrizes

e Bases da Educação Nacional – LDBEN estabeleceu o vínculo entre as

crianças e a educação:

A União incumbir-se-á de: (...) estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e

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seus conteúdos mínimos de modo a assegurar formação básica comum. A educação infantil, 1a etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até 6 (seis) anos de idade em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social complementando a ação da comunidade. (LDBEN / 1996).

Em 1998, o Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil –

RCNEI foi lançado pelo MEC, com o propósito de normatizar e uniformizar a

Educação Infantil. Foi recebido com muitas críticas, entre as quais se vêem as

de Cerisara (1999) e Kuhlmann Jr. (1999), que se pronunciaram com

veemência a respeito. Este afirmava que,

O Referencial Curricular Nacional terá um grande impacto. A ampla distribuição de centenas de milhares de exemplares às pessoas que trabalham com esse nível educacional, mostra o poder econômico do Ministério da Educação e seu interesse político, muito mais voltados para futuros resultados eleitorais do que preocupados com a triste realidade de nossas crianças e instituições. Com isso, a expressão no singular – referencial – significa, de fato, a concretização de uma proposta que se torna homogênea, como se fosse única. (KUHLMANN apud GODOI, 2004, p.38).

De acordo com o primeiro autor mencionado acima, O aspecto de maior consenso e preocupação entre os pareceristas com relação ao RCNEI foi o de que a Educação Infantil é tratada no documento como ensino, trazendo para a área a forma de trabalho do Ensino Fundamental, o que representa um retrocesso em relação ao avanço já encaminhado na educação infantil de que o trabalho com crianças pequenas em contextos educativos deve assumir a educação e o cuidado enquanto binômio indissociável e não o ensino. (CERISARA apud GODOI, 2004, p.39).

Os profissionais que atuavam na Educação Infantil começavam a

repensar suas práticas e a postular novos fazeres. Sob a orientação do

RCNEI, estava posta a escolarização na Educação Infantil, tarefa árdua, a

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qual muitos estudiosos e educadores da infância discutem ainda nos dias

atuais. E é nesse cenário que se inicia a caminhada em favor dos direitos das

crianças brasileiras, que a sociedade lhes negava até então.

No ano de 1999 o Conselho Nacional de Educação elaborou as

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, que vieram

regulamentar as instituições que atendem a esse nível de ensino (de zero a

cinco anos), em caráter mandatório, este documento orienta a elaboração das

propostas pedagógicas para a Educação Infantil a partir da articulação entre

cuidado e educação, para tanto, o documento define três princípios pelos

quais as propostas devem fundamentar-se: Princípios Éticos, Estéticos e

Políticos.

Na seqüência, foi aprovado em 2001 o Plano Nacional de Educação –

PNE, que assim se expressava em relação à educação das crianças de zero

a cinco anos: “A educação infantil inaugura a educação da pessoa (...).

Considera-se, no âmbito internacional, que a educação infantil terá um papel

cada vez maior na formação integral da pessoa”. A partir das orientações do

Plano Nacional de Educação, o Ministério da Educação, em parceria com a

Undime – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, apoiava os

municípios brasileiros para que estes pudessem elaborar seus Planos

Municipais de Educação, condicionando a liberação de recursos à elaboração

destes.

Em 2004, deu-se início à discussão do documento, Política Nacional de

Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero a seis anos à Educação.

Essa discussão avançou com a participação de representantes dos

municípios de quase todo o Brasil. Foram realizados oito seminários regionais

nas diversas regiões brasileiras, que discutiram os objetivos e metas para se

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alcançar uma Educação Infantil de qualidade no Brasil. A versão final do

documento foi aprovada em 2005.

No âmbito da implementação das políticas educacionais em nível

nacional, o Ministério da Educação promoveu o ciclo de discussões

Ampliação do Ensino Fundamental de Nove Anos, que ocorreram de fevereiro

a julho de 2004. Nestes seminários os gestores municipais e estaduais

discutiam a referida ampliação, com o princípio básico da inclusão das

crianças de seis na escolaridade obrigatória, as quais até então eram público

da Educação Infantil.

Dentre as muitas questões que foram postas nos seminários, as que

ecoavam com mais dúvidas entre os professores e gestores eram: O currículo

para as crianças de seis anos seria o mesmo da pré-escola ou o da 1a série?

A criança com seis anos incompletos poderia ser incluída no Ensino

Fundamental de nove anos? Outras indagações, como as relativas à

expansão da Educação Infantil e à organização do Ensino Fundamental em

ciclos ou séries, também compunham a pauta das discussões.

Essas questões permeiam até os dias atuais a escola de Ensino

Fundamental e Educação Infantil, pois a nova organização escolar exige

outra característica de ambos os níveis de ensino e, conseqüentemente,

requer uma formação docente mais elaborada, voltada para uma maior

compreensão da infância e de novas práticas.

Naquele cenário, o Presidente da República do Brasil, Luiz Inácio Lula

da Silva, sancionou a Lei no 11.114, em 16 de maio de 2005 e, em 06 de

fevereiro de 2006, Lei no 11.274, que alterou a redação de alguns artigos da

Lei no 9394/1996, tornando obrigatório o ingresso das crianças aos seis anos

de idade no Ensino Fundamental.

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Particularmente, vejo que ainda há muito a ser feito no que diz respeito

a uma educação justa, equânime e de qualidade, que venha compreender e

garantir os direitos da criança a permanecer na escola e, principalmente, a

aprender. Essas são questões a que ainda cabe muito debate e pesquisa e

que deverão ser discutidas em outros trabalhos, pois se trata de um campo

vasto a ser estudado e que necessita de muitos olhares para que ocorram

mudanças nas concepções e práticas. Entretanto, não aterei aqui em me

aprofundar nessa discussão, que não é o foco do presente trabalho, mas que

requer a atenção, debate e pesquisa dos estudiosos da educação.

Em meio a inquietações e muitas dúvidas, o MEC disponibilizou em

2006 o documento Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação

Infantil - Vol. I e II, elaborado por estudiosos da área da infância. É um

documento de cunho teórico e que traz relevantes contribuições para a

construção de uma Educação Infantil de qualidade. Tendo como objetivo de

estabelecer padrões de referência, que orientam os sistemas de ensino no

que diz respeito a funcionamento e organização das instituições de Educação

Infantil, o referido documento estabelece parâmetros e indicadores de

qualidade, aos quais os municípios deverão nortear suas políticas para a

infância.

Todavia, observa-se que os documentos que norteiam a Educação

Infantil são insuficientes para a mudança das práticas, pois a Educação

Infantil ainda é pensada de acordo com os moldes do Ensino Fundamental.

Num espaço onde as crianças deveriam ser vistas na sua totalidade,

valorizando as diferentes linguagens propostas por elas, nos deparamos com

modelos de ensino concebidos segundo uma proposta para se ensinar aquilo

que é “pré-destinado” sem ouví-las e muitas vezes sem conhecê-las.

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Tal modelo educacional não vê o conhecimento sistematizado como

articulado às práticas não-formais de ensino; neste sentido Faria (2007)

sobrepõe à prática docente uma nova formação capaz de garantir educação

às crianças:

O compromisso com o conhecimento, produto da formação científica e artística na docência para a infância , favorecerá a construção de uma pedagogia capaz de formar o cidadão de pouca idade centrada em ações integradoras do ser, tais como o brincar, ação humana em que o pensar e o fazer podem não estar dissociados. (FARIA, p. 2-5, 2007).

Essa perspectiva, que considera uma nova organização curricular para

a Educação Infantil, com a inclusão da criança aos seis anos no Ensino

Fundamental, deverá permear a nova pedagogia para a infância, que

compreenda e respeite o tempo da criança em seu processo de aquisição do

conhecimento e que leve em conta as diferentes linguagens nas mais

diversas formas.

Pelo exposto, vê-se que, se a qualidade desejada ainda não é uma

realidade nas escolas da infância, isto não se deve a falta de documentos que

orientem ou de uma legislação específica, mas atribuo as mazelas existentes

a dois motivos. O primeiro a falta de investimentos por parte da União, dos

Estados e Municípios, sendo que este último por sua vez, foi responsabilizado

por oferecer Educação Infantil a todas as crianças que procurassem por

matrícula, sem se considerar os recursos de cada município, sua população,

a demanda existente e as possibilidades e caminhos para os investimentos

em estruturas físicas adequadas, material pedagógico e recursos humanos

com formação específica. O segundo ponto talvez se deva ao fato de termos

intrínseco em nossa cultura a idéia de dependência, de incapacidade da

infância e de ainda não conseguirmos construir em nosso tempo a verdadeira

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cultura do educar na infância, de fazer uma “educação grande para os

pequenos”.

2.2 – Contribuições Históricas para a Efetivação de uma Educação para

a Infância

Antes de se discutir a escola da infância e as práticas educativas

aplicadas às crianças, evidencia-se a necessidade de compreender a infância

e, para tanto, esboçam-se aqui alguns conceitos, pautados em expoentes

diversos. O primeiro deles é o conceito de Platão acerca da infância, de que

esta seria um mal necessário e de que, como as ovelhas que não poderiam

ficar sem pastor, as crianças também não poderiam ficar sem ser vigiadas.

O segundo conceito vem de Rousseau (2004), para quem de nada

adianta depositar nas crianças ensinamentos, conteúdos e normas. Foi este

pensador o responsável pela visão de singularidade da criança e de que ela

teria seu ritmo próprio e particular para aprender e se desenvolver.

Durkheim (1997) trata de um conceito de infância que nos permite

refletir sobre a criança que temos hoje, seus desejos e sentimentos:

Passa de uma impressão para outra, de um sentimento para outro, de uma ocupação para outra, com a mais extraordinária rapidez. Seu humor não tem nada de fixo: a cólera nasce e aquieta-se com a mesma instantaneidade; as lágrimas sucedem-se ao riso, a simpatia ao ódio, ou inversamente, sem razão objetiva ou [...] sob a influência da mais tênue. (DURKHEIM apud FERNANDES, 1997, p. 65 - 66).

Vê-se que o autor conceitua a criança por seus atributos natos e não

por sua vivência ou aproximação com os adultos. Fernandes (1997) explica o

conceito de Durkheim com estas palavras:

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Um espelho, então, no qual Durkheim projeta um ser fraturado em duas faces díspares, opostas, divergentes: curiosidade, imaginação, instabilidade, de um lado; tradicionalismo, credulidade, receptividade às ordens, do outro. Durkheim comemora os bons serviços que os educadores podem obter da segunda face, essa que denuncia a criança como animal domesticável, mas está disposto a enfrentar em batalha e a destruir a primeira. Curiosidade, imaginação, instabilidade são o que há de bicho no filho do homem; isso que a faz habitante do mundo primitivo; semelhante ao déspota; análoga às mulheres, aos loucos e aos poetas. Criança imaginária fraturada: uma parte útil, pois serve de alavanca ao papel do educador; uma parte bicho, que o educador manterá sob vigilância constante, transformará em faltas, submeterá à censura e punição enquanto produz na criança o remorso e a vergonha. (FERNANDES, 1997, p. 66).

Essa é uma premissa que ainda vivenciamos em casa com as famílias

e nas escolas com os professores. À criança também não é permitido viver

sua infância, e ela ainda é vista como um ser em miniatura, como conceitua

Ariès (1981), um ser que ainda não fala, in-fans, portanto, ainda não existe.

Atualmente em muitas escolas da infância o professor insiste em se portar

como vigia ou como tutor do conhecimento, aquele que tudo ensina e que

prepara a criança “para ser alguém”, como se ela ainda não o fosse.

No entanto, foi Rousseau que apresentou um novo modo de ver a

educação das crianças de seu tempo, idéias estas que se mantêm em alguns

setores do modelo de educação moderna, conforme aponta Oliveira (2005):

Rousseau revolucionou a educação de seu tempo ao afirmar que a infância não era apenas uma via de acesso, um período de preparação para a vida adulta, mas tinha valor em si mesma. Caberia ao professor afastar tudo o que pudesse impedir as crianças de viver plenamente sua condição. Em vez do disciplinamento exterior, propunha que a educação seguisse a liberdade e o ritmo da natureza, contrariando os dogmas religiosos da época, que preconizavam o controle dos infantes pelos adultos. Defendia uma educação não orientada pelos adultos, mas que fosse resultado do livre exercício das capacidades infantis e enfatizasse não o que a criança tem

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permissão para saber, mas o que é capaz de saber. (OLIVEIRA, Z., 2005, p.65)

Rousseau afirmava que a criança tinha valor em si mesma e que era

papel do professor permitir que ela vivesse sua função plena de ser criança.

Dessa maneira, pode se observar que as palavras de Rousseau ainda não

ecoaram nas práticas de muitos professores, que tentam ensinar aquilo que

se propõem e resistem em aprender com as crianças, ouvi-las dizer e fazer

com elas, insistindo em fazer para elas.

Analisando sucintamente a história da criança em nosso país, podemos

iniciar com a observação de que durante o Brasil colônia, as crianças eram

trazidas dentro dos navios juntamente com os adultos para ofertarem mão-de-

obra ao trabalho escravo. Muitas dessas crianças eram órfãs e, em virtude

das péssimas condições em que eram transportadas, poucas conseguiam

chegar com vida ao destino; as que chegavam dificilmente conseguiam

sobreviver até a idade adulta, pois eram consumidas pelo trabalho pesado,

pelas doenças, maus-tratos e abuso sexual.

Entretanto, mesmo diante de tanta fraqueza essas crianças chamavam

a atenção dos adultos, pois mostravam-se seres com facilidade de

compreensão. A idéia de ensinar as crianças partiu dos jesuítas, que

entendiam ser mais fácil moralizar se começassem pelas crianças, que

estariam abertas a receber o pensamento da igreja sem questionamentos. Foi

somente com a sociedade industrial que teve início no país um novo

pensamento em relação à criança, em especial à de origem burguesa. Partiu-

se desse princípio para o que chamamos de enclausuramento das crianças

nas instituições de ensino, o que mais tarde denominamos de escolarização.

Sobre a escolarização das crianças no Brasil, Bujes (2001), contribui

com uma visão bem otimista, afirmando que,

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[...] a criança vive um momento fecundo, em que a interação com as pessoas e as coisas do mundo vai levando-a a atribuir significados àquilo que a cerca. Este processo que faz com que a criança passe a participar de uma experiência cultural que é própria de seu grupo social, é o que chamamos de educação. (BUJES, 2001, p. 16).

Ao longo dos anos o processo de escolarização e tratamento dado às

crianças foi invenção dos adultos: foram eles que pensaram e fizeram toda a

estrutura escolar que aí temos e que resistimos tanto em mudar. As nuances

dos estudos da história da infância no Brasil, segundo Kuhlmann (1998, p.

17), nasceu da história da assistência, ao lado da história da família e da

educação. E é partindo desse tripé, assistência, família e educação que

proponho discutir a educação que fora oferecida às crianças no passado e

cenas que serviram de parâmetros para o cenário educacional atual.

As primeiras instituições de Educação Infantil começaram a surgir no

Brasil em 1899. Naquela época, de acordo com o que relata Kuhlmann

(1998), ocorreram dois fatos que o autor considera o marco inicial na história

da educação da infância neste país. O primeiro foi a fundação do Instituto de

Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro; o segundo foi a

inauguração da primeira creche no estado do Rio de Janeiro, para atender

aos filhos dos operários da Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado.

Aproximadamente em 1920 é que começaram a ser criados os espaços

para as crianças de 03 a 06 anos. As entidades brasileiras primeiramente

fundavam creches para, posteriormente, instalarem os jardins-de-infância. A

creche ainda era vista por muitos como um mal necessário, pois ela veio para

substituir as Casas de Expostos, que recebiam crianças abandonadas; estas

apareciam como sendo um amparo às mães para que não abandonassem

seus filhos.

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Neste contexto, faço um parêntese para um breve comentário sobre as

escolas em Mato Grosso. Durante o período de 1910 a 1927, o estado

investiu no processo de reconstrução da escola pública, proposto pelo então

presidente do Mato Grosso, Pedro Celestino Corrêa da Costa.

Amâncio (2000), que discorre sobre o ensino da leitura em Mato Grosso

no início do século XX, afirma que no processo de reconstrução da educação

no estado, foram criadas as Escolas Normais, sendo que anexos a elas

estavam o Jardim de Infância e a Escola Modelo9, como exigência para o

funcionamento das mesmas. Segundo a autora, o objetivo de se ter um

Jardim de Infância e uma Escola Modelo anexos à Escola Normal seria que

os estudantes normalistas pudessem aplicar os conhecimentos teóricos vistos

em sala de aula e preparar as crianças para o ensino primário. É neste

espaço que surgem as classes para as crianças de três a seis anos – a

educação das crianças ocorria segundo os processos froelbelianos – onde o

ensino compreendia um período de três anos e funcionava por quatro horas

diárias. Aos sete anos as crianças ingressavam na Escola Modelo de ensino

primário obrigatório.

Estabelecendo uma relação entre as concepções do passado e do

presente, Kuhlmann (1998) aponta algumas questões:

Não precisamos mais inventar a roda da educação, nem basta anunciarmos a sua existência: é preciso dizer se a roda apenas gira em torno de si, ou a que lugar se dirige; é preciso qualificar que educação queremos proporcionar às crianças, que relação estabelecer com as famílias e que concepção defender sobre as relações sociais e a democracia. A interpretação da história deixa de ser uma linha evolutiva: se há um passado sombrio, o terreno é o da ambigüidade e não o da polaridade entre o passado e presente. (KUHLMANN, 1998, p.194).

9 Sobre as Escolas Normais e a Escola Modelo em Mato grosso, sugiro a leitura da tese de doutorado da professora Lázara Nanci de Barros Amâncio (2000), Ensino de leitura na escola primária no Mato Grosso: contribuições para o estudo de aspectos de um discurso institucional no início do século XX. (Universidade Estadual de São Paulo).

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O pano de fundo da Educação Infantil atual propõe mudanças para a

fundamentação das políticas e práticas. Na efetivação destas, verifica-se a

necessidade de uma educação de qualidade para as crianças, sejam elas

ricas ou pobres, sendo que este último traço por sua vez, já não serve como

determinante de boa ou má educação. Faz-se necessário que as práticas

educativas na infância se pautem na cultura da emancipação em detrimento

da subordinação. A idéia de que as crianças devem ser apenas vistas, mas

não ouvidas, importada da educação européia, precisa dar lugar às vozes

silenciadas há séculos. A criança deve ser entendida como um ser

participante de propostas e ações e não como alguém que está em eterna

espera de participação. Com essa proposta, a centralidade da ação de

aprender, muitas vezes voltada para a figura da professora, começa a dar

lugar e voz às crianças, que têm muito a aprender com seus pares.

2.3 - O Contexto Pré-escolar10 em Rondonópolis -MT

O município de Rondonópolis-MT conta hoje com aproximadamente

180.000 habitantes, de acordo com dados do IBGE – 2007.

A Rede Municipal de Ensino está composta por aproximadamente

16.000 mil alunos neste ano de 2008; na Educação Infantil municipal há 5.066

crianças matriculadas, sendo 1.180 nas UMEIs – creches, 2.186 na pré-

escola e 1.700 nas Cáritas - conveniadas. O município conta hoje com 718

docentes na Rede Municipal, sendo 138 professores de Educação Infantil.

São 48 equipamentos Educacionais: 35 EMEFs – Escolas Municipais de

Ensino Fundamental, 09 UMEIs – Unidades Municipais de Educação Infantil e

04 EMEIs – Escolas Municipais de Educação Infantil.

10 Apesar de não concordar com o termo pré-escola, pelo fato de o mesmo explicitar algo que não faz parte da escola, que antecede a ela, utilizarei essa expressão em virtude de os documentos oficiais assim se manifestarem em relação a essa modalidade de ensino.

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Nos últimos quatro anos muito foi investido nas escolas / unidades

municipais, no tocante às estruturas físicas e à formação continuada dos

professores. Nos equipamentos de Educação Infantil foram realizadas

reformas e construções e até por esta ampliação nas estruturas houve a

possibilidade de aumento nas matrículas das crianças com idade entre zero e

cinco anos. Entretanto, o crescimento de matrículas exige não somente a

ampliação de estruturas físicas, mas profissionais habilitados a atuarem como

professores de Educação Infantil. Apresento nos parágrafos que seguem a

caracterização das pré-escolas em Rondonópolis-MT e algumas

considerações acerca das concepções e práticas das professoras de

Educação Infantil.

Culturalmente a escola é tida como o locus do saber, de transmissão de

conhecimento e o espaço onde as crianças devem aprender a ler e escrever.

Diante desse conceito já cristalizado pela sociedade, fica a responsabilidade

das escolas de ensinarem as crianças a qualquer preço, mesmo à custa de

repetência, a ler e escrever. E como uma das propostas para um rendimento

escolar “satisfatório”, surge a escolarização na Educação Infantil, ou seja,

esta é considerada – ainda – por muitos professores como responsável por

preparar os alunos para o ingresso no Ensino Fundamental.

De acordo com os novos paradigmas da educação, seria ingênuo

pensar que a aprendizagem vem num tempo pós-desenvolvimento, como nos

moldes da escola tradicional; porém a idéia de preparar as crianças para a

alfabetização ainda se faz presente na prática pedagógica da pré-escola. O

processo de construção autônoma do conhecimento, numa relação dialética,

ainda é pouco permitido na infância e acaba dando lugar às atividades

programadas e formatadas para as crianças. Por outro lado, a dicotomia de

que na pré-escola se brinca e na escola se aprende reflete a falta de

articulação entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental.

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No âmbito da aprendizagem das crianças na escola da infância, Garcia

(2005) faz uma interessante reflexão acerca do currículo:

Faz muita diferença uma sala de aula em que as crianças pintam, desenham, recortam revistas e colam folhas em papel, e vão amontoando a sua “produção” em pastas, e outra sala em que as crianças planejam, executam e avaliam projetos coletivos em que estas atividades e outras passam a ter sentido porque têm como referência uma totalidade. (GARCIA, 2005, p. 17).

Pensando numa prática autônoma e descentralizada da ação particular

do professor Garcia propõe novas práticas educacionais para a infância,

voltadas para um coletivo escolar, que pautem as atividades propostas para

as crianças tendo como referência a totalidade que constitui a escola da

infância.

É verdade que nos dias atuais, pode-se dizer que a educação das

crianças recebe um olhar mais atento, com maior preocupação e

responsabilidade por parte de vários segmentos sociais. A afirmação se pauta

na ampliação, adequação e reforma de estruturas físicas, no maior

investimento na formação dos professores, em mobiliários adequados e na

ocorrência de ações menos prescritivas, voltadas às especificidades exigidas

pela criança.

Contudo, apesar dos avanços, ainda há muito que se fazer. Estamos

caminhando em direção à construção de uma cultura da infância, e romper

com concepções cristalizadas ao longo dos séculos não é um movimento

confortável, porém é necessário para o novo olhar que devemos voltar às

crianças. O novo paradigma da escola da modernidade não nos permite

conceber a criança como uma página em branco para ser escrita pelos

adultos. Arrisco-me a afirmar que ver a criança como sujeito pensante e

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transformador da realidade seja o maior desafio do educador da infância de

nossos dias.

Segue uma análise do crescimento do número de matrículas na

Educação Infantil em Rondonópolis-MT, a partir de 1997, pós- LDBEN/1996,

visto que a partir desta data, o nível de ensino em foco sai das instâncias da

Secretaria de Assistência Social e passa a integrar o sistema de ensino,

conforme preceitua a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

De acordo com dados da Secretaria Municipal de Educação de

Rondonópolis, as matrículas na pré-escola no município vêm crescendo de

forma a contemplar boa parte das crianças que aguardavam por vagas em

extensas listas de espera. Rondonópolis tem investido no tocante à ampliação

da oferta na Educação Infantil, nos últimos onze anos, conforme mostra o

gráfico 111, entre os anos de 1997 a 200812.

Gráfico 1

878 846

631

1.0711.145

1.043

1.268 1.303 1.295

2.851

3.023

3.886

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

3.500

4.000

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Obs.: Os dados referentes a 2008 foram coletados nos quadros enviados pelas escolas no mês 03/2008.

Comparativo do número de alunos da rede municipal de ensino - pré-escola

Número de alunos de pré-escola

11 Dados fornecidos pelo Núcleo de Estatística da Secretaria Municipal de Educação de Rondonópolis-MT. 12 O número de crianças apresentado no gráfico referente aos anos de 1997 a 2008 não contempla as Unidades conveniadas; este é composto apenas por crianças matriculadas na Rede Municipal de Ensino.

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Analisando os números acima, há um decréscimo de matrículas no ano

de 1998, mais acentuado ainda em 1999. Após investigar as causas, é

possível justificar que o decréscimo seja em virtude da implantação do Ciclo

Básico de Alfabetização em Mato Grosso. O Ciclo Básico começou a ser

formulado em Mato Grosso em 1997, seguindo até 1999, e tinha por objetivo

favorecer a flexibilidade, na organização curricular, dos tempos e espaços da

escola e uma nova prática avaliativa, visando assegurar o sucesso na

aprendizagem com a garantia do direito de aprender.

Em 2000 a Escola Ciclada foi implantada no estado, tendo por objetivo

proceder a uma Educação transformadora, capaz de fazer da escola um local

privilegiado de reflexão, estudo, construção e vivência de cidadania, no qual

todos tivessem assegurado o direito de acesso, permanência e terminalidade

com sucesso na Educação Básica. Na organização para a implantação do

Ciclo Básico e da Escola Ciclada as crianças passaram a ingressar aos 06

anos no ensino obrigatório.

Este contexto de implantação de uma nova organização escolar exigia

da escola a progressão do aluno, diante da nova realidade e da insuficiência

de espaço físico verificou-se a necessidade de diminuir as turmas de pré-

escolas nas escolas de Ensino Fundamental, para atender à demanda deste

nível de ensino.

No município de Rondonópolis a implantação da Escola Organizada em

Ciclos de Formação Humana se deu em 2000; a orientação, por parte da

Secretaria Municipal de Educação, era a de que os alunos somente poderiam

ser retidos no último ano de cada ciclo. Em virtude desta nova organização,

ocorreu o decréscimo de crianças na pré-escola nos anos de 2002 e 2005.

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De acordo com o Censo 2006, realizado pela Secretaria Municipal de

Educação, 80% das crianças com idade entre 04 e 05 anos estão

matriculadas, quer nas escolas infantis, quer nas 55 turmas de pré-escola

existentes nas escolas municipais de Ensino Fundamental, nas escolas

particulares ou filantrópicas. Analisando os números, vemos que há um

universo de aproximadamente 20% de crianças desta faixa etária que se

encontram fora da escola.

O crescimento, a partir de 2006, é conseqüência da ampliação de

matrículas nas escolas de Ensino Fundamental, nas UMEIs – Unidades

Municipais de Educação Infantil13, e de convênio com as Cáritas14 (instituição

filantrópica),como demonstrado no gráfico 215 que segue:

Gráfico 2

46,89%

45,22%

7,90%

0,00%

5,00%

10,00%

15,00%

20,00%

25,00%

30,00%

35,00%

40,00%

45,00%

50,00%

Escolas Cáritas UMEIs

Percentual do número de matrículas por dependência - Pré escola 2006

Percentual do número de alunos

13 Unidades Municipais, credenciadas no Conselho Estadual de Educação para o atendimento a crianças de zero a 03 anos, na modalidade creche. 14 A Cáritas Diocesana de Rondonópolis é uma instituição filantrópica sem fins lucrativos, que se mantém através de recursos vindos da Alemanha; é coordenada pelo Padre Lothar, tendo por objetivo maior ofertar serviços à comunidade de baixa renda. A Prefeitura Municipal de Rondonópolis firmou convênio com essa instituição no ano de 2006 para o atendimento à Educação Infantil e à EJA – Educação de Jovens e Adultos. 15 Dados fornecidos pelo Núcleo de Estatística da Secretaria Municipal de Educação de Rondonópolis-MT.

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O gráfico demonstra que as vagas oferecidas na Educação Infantil

ainda são insuficientes e, portanto, não se oferece acesso a todas as crianças

que almejam matricular-se neste nível de ensino.

A política para a Educação Infantil em Rondonópolis-MT tem sido

discutida no sentido do crescimento da oferta paralelo à qualidade. O gráfico

3 abaixo demonstra números das matrículas nas pré-escolas/2007, sendo que

esses dados já contam com o número de vagas oferecidas em virtude da

criação das EMEIs. O número de crianças matriculadas nas escolas de

Ensino Fundamental, que é de 43,43%, e na Cáritas perfazendo 35,46% do

atendimento. Vê-se que apenas 21% das crianças em idade pré-escolar estão

matriculadas nas Escolas Municipais de Educação Infantil e considera-se que

este é um número pequeno, tendo em vista um universo de 78,89% de

matrículas entre escolas de Ensino Fundamental e unidades conveniadas.

Gráfico 3

43,43%

35,46%

3,97%

17,14%

0,00%

5,00%

10,00%

15,00%

20,00%

25,00%

30,00%

35,00%

40,00%

45,00%

Escolas Cáritas UMEIs EMEIs

Percentual de matriculas pré-escola 2007

Percentual do número de alunos

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Há muito que se fazer para alcançar uma educação equânime e com os

princípios de eqüidade para todos. Através dos dados apresentados vê-se o

quanto as políticas municipais têm avançado no tocante à ampliação de

vagas, no entanto, este crescimento da oferta requer maior investimento em

estruturas físicas e na formação contínua do profissional docente, pois estes

são fatores determinantes de uma educação de qualidade para as crianças.

O aumento de matrículas na pré-escola, nos anos de 2007 e 2008 é um

dos indícios da formulação de políticas públicas para a infância; aliado à

ampliação da oferta, constata-se o investimento em estruturas físicas,

material pedagógico e formação dos profissionais da infância. Estes são

pontos relevantes à implementação da qualidade na Educação Infantil, mas à

medida que as estatísticas denotam aumento em relação à ampliação do

atendimento, um investimento maior se faz necessário, visando que a

permanência da criança na escola seja vivida com qualidade.

Esta ampliação de matrículas na Educação Infantil relaciona-se ao

espaço de democratização da educação brasileira, da construção e vivência

da e na cidadania e dos conflitos que permeiam a dialética das construções

histórico-sociais. Portanto, entendo que devemos caminhar rumo a uma

escola que permita a construção do conhecimento num ambiente

democrático, de construções coletivas e particularmente lúdico. Penso nesta

escola sem paixões, pois, como diria Fernandes (1997, p. 64), “educar já não

é mais a arte de cultivar as paixões”. A escola da modernidade dá sinais de

que, certamente, lidar com os conceitos que cada um possui em relação às

coisas e ao mundo implica “declarar guerra, interminável e sem tréguas,

contra as paixões”, conclui a autora.

É intrínseco os conflitos e contradições a ação de educar, e são nessas

diferenças que os educadores da infância devem buscar a edificação de uma

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Educação Infantil que priorize a infância e que a sede por coisas novas possa

adentrar as práticas que permeiam a educação das crianças pequenas, na

batalha por permitir que estes seres, cheio de imaginação, curiosidade e

fantasia, possam atuar enquanto sujeitos singulares e capazes de se

constituir por sua própria natureza e não somente pela ação e convívio com

os adultos.

2.4 - As Escolas Municipais de Educação Infantil – EMEIs, em

Rondonópolis-MT

As EMEIs – Escolas Municipais de Educação Infantil, foram criadas em

2006, com o propósito de que fossem espaços de aprendizagens

significativas e prazerosas às crianças com idade entre 04(quatro) e 05(cinco)

anos, primando pela qualidade na educação destas e, principalmente, com o

intuito de ampliar o atendimento a uma demanda de crianças que se

encontravam fora da escola ou freqüentando espaços não adequados a esse

nível de ensino. Para o início do ano letivo de 2007 começaram a funcionar as

escolas relacionadas a seguir.

A EMEI Rubens Alves de Sousa situa-se no bairro Nossa Senhora do

Amparo e é a maior das escolas infantis, com 180 crianças matriculadas

inicialmente e com capacidade para 240 crianças. Nesta região há uma

Unidade de Educação Infantil – UMEI, que atende às crianças de zero a três

anos. O prédio da escola foi alugado da Fundação Júlio Müller, sendo que

neste espaço anteriormente funcionava a Escola Estadual de Ensino

Fundamental Princesa Isabel, que após construção de prédio novo se

removeu. O número de matrículas inferior ao previsto se dá em virtude do

aguardo pela construção de novos banheiros. O atendimento nesta escola é

de período integral, ou seja, 11 (onze) horas diárias, das 06:30h. às 17:30h. A

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estrutura física é composta por 10 (dez) salas de atividades, secretaria, sala

de professor, sala de TV e vídeo, brinquedoteca, cozinha, refeitório, despensa

e banheiros, além de um amplo pátio aberto; no segundo semestre foram

instalados um parque infantil e uma quadra de areia. O grupo de servidores

da escola compõe-se de 01 diretora nomeada, 01 coordenadora pedagógica,

01 secretária escolar, 20 professoras, 20 estagiárias, 12 Auxiliares de

Serviços Diversos - ASDs e 04 vigilantes. Para o início do ano letivo, muitas

adequações foram necessárias, uma vez que o atendimento à Educação

Infantil possui suas especificidades.

Outra escola que também teve sua criação em 2006 e o início dos

trabalhos em 2007 foi a EMEI Cora Coralina, situada no bairro Parque São

Jorge, em prédio próprio, a única escola de Educação Infantil da região. Neste

espaço funcionava a Escola Municipal de Ensino Fundamental Parque São

Jorge, que após construção de uma sede maior deixou a estrutura, a qual

funcionava muito precariamente. Para o atendimento à Educação Infantil, o

prédio passou por ampla reforma, com espaços adaptados às necessidades

das crianças. A princípio a escola atende a aproximadamente 75 crianças,

porém possui capacidade para 150 crianças; em virtude da baixa procura por

matrícula16 nesta região, está iniciando, como se vê, com 50% de sua

capacidade. O atendimento ocorre em período parcial, permanecendo as

crianças por apenas 04h e 30 minutos. A estrutura física contém 03 salas de

atividades, 01 secretaria, 01 banheiro para funcionários, 01 banheiro para as

crianças, 01 cozinha, 01 refeitório e um pequeno pátio aberto. O quadro de

funcionários se compõe de 01 coordenadora pedagógica nomeada, 01

estagiária administrativa, 06 professoras, 04 auxiliares de serviços diversos e

02 vigilantes.

16 Para abertura da escola a Secretaria Municipal de Educação fez um estudo da demanda, e a abertura desta escola se deu em virtude da entrega de novo conjunto habitacional a ser entregue nesta região para o ano de 2008. A construção da escola foi pautada na demanda futura da região: serão aproximadamente mil famílias de baixa renda a serem contempladas com a entrega das novas casas.

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A EMEI Mateus Vinícius Bráz está situada no bairro Jardim Brasília,

região central da cidade; funciona em prédio do centro comunitário, um

espaço alugado pela Secretaria Municipal de Educação há mais de dez anos.

Há 96 crianças matriculadas, e o atendimento se dá em período parcial de 04

horas e 30 minutos diários. As dependências, que são precárias e recebem

pouco investimento – uma vez que o prédio é da associação de moradores –

compõem-se de 02 salas, 01 secretaria, 01 cozinha, 01 despensa, 02

banheiros e 01 pátio coberto. O quadro de funcionários comporta 01

coordenadora pedagógica nomeada, 04 professoras, 02 auxiliares de serviços

diversos e 02 vigilantes.

O prédio da EMEI Machado de Assis é cedido pela associação de

moradores da região e está situado no bairro Luz D’yara, onde a escola

funciona há mais de 08 anos. A estrutura é muito precária, coberta com telha

eternit, o que torna o espaço muito abafado e quente. Neste espaço há 98

crianças matriculadas e grande número à espera de vagas. O funcionamento

se dá em período parcial, ou seja, 04 horas e 30 minutos diários. As

dependências são compostas por 02 salas, 01 salão coberto, 02 banheiros

pequenos, 01 cozinha, 01 sala de professor e 01 amplo pátio aberto. Os

servidores que exercem função nesta escola são 01 coordenadora

pedagógica nomeada, 01 estagiária administrativa, 04 professoras, 02

auxiliares de serviços diversos e 02 vigilantes. Para 2008 a previsão é de que

a escola será transferida para o novo prédio que está sendo construído na

região, sendo então o número de matrículas ampliado em virtude de o espaço

a ser oferecido contar com área ampla.

Para a criação das EMEIs fez-se necessária uma reforma administrativa

na Rede Municipal de Ensino. Esta teve por proposta inicial o

reenquadramento dos professores nas UMEIs, sendo que tal procedimento

pautava-se numa nova organização. Até então o quadro de profissionais que

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atuavam nas Unidades Infantis era composto exclusivamente por professores.

A relação adulto/criança seguia as orientações das Diretrizes Curriculares

Nacionais; em alguns casos, dependendo do número de crianças, havia até

seis professores por sala, fato que, segundo os gestores da Secretaria

Municipal de Educação, era responsável pelo alto custo da Educação Infantil,

e em virtude destes valores a ampliação de vagas estaria comprometida.

A reforma administrativa trouxe mudanças drásticas e de grande

repercussão entre os professores deste nível de ensino. A nova organização

pautava-se em manter dois professores em cada sala de aula de período

integral, um por turno, contando com a participação de estagiários e Auxiliares

de Apoio ao Docente na realização dos trabalhos pedagógicos. Com essa

nova característica do quadro de profissionais, haveria então professores a

serem removidos para as EMEIs, as novas escolas.

Apesar do descontentamento por parte dos professores e em meio a

questionamentos e restrições acerca da qualidade do trabalho pedagógico e

das orientações do Ministério da Educação sobre os profissionais a atuarem

na Educação Infantil, o argumento de que não seria possível ampliar o

atendimento sem reorganizar a atual estrutura foi maior que qualquer outro.

Diante do exposto, fica uma ressalva. Vejo como motivo de

preocupação a substituição da figura do professor por outros profissionais que

não possuem habilitação para a docência. Neste sentido, cabe ressaltar que a

ampliação da oferta de vagas na Educação Infantil não deverá estar

desassociada à qualidade da educação oferecida, portanto é de

responsabilidade dos gestores e da sociedade articularem, conjuntamente,

políticas de ampliação associadas aos padrões mínimos de qualidade.

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CAPÍTULO III – LETRAMENTO, LEITURA E ESCRITA NA

EDUCAÇÃO INFANTIL

Lemos para dar conta da realidade e de todos os desafios que dela recebemos ou a ela impomos. A cidadania é a referência maior. Uma democracia de qualidade só é possível com uma população que sabe pensar. Saber pensar inclui, entre outros ingredientes, saber ler.

Pedro Demo

A atividade de aprender a ler e escrever é muito complexa e na

Educação Infantil deve ocupar lugar de destaque. É necessário que o

professor da infância crie situações de leitura e escrita com as crianças, e

uma das portas para despertar o prazer pela leitura está nos textos de

literatura infantil, pois quando a criança ouve histórias ela desenvolve a

capacidade de compreensão, o imaginário e as possibilidades de escrita,

ladeadas com as aprendizagens significativas. Além de aguçar a imaginação,

por meio das histórias ela é instigada para um mundo de conhecimento, no

qual ensinar e aprender de forma coletiva acorre indissociavelmente. Rizzoli

(2005) afirma que Einstein, ao ser perguntado sobre a melhor maneira de

provocar nas crianças o gosto pela ciência, sugeriu que se contassem a elas

muitos contos de fadas:

Segundo ele, somente quando a criança tem uma grande dose de curiosidade é que ela vai se sentir interessada a enfrentar situações específicas e seus desdobramentos. Se a criança desenvolver a imaginação, se ela tiver a curiosidade desenvolvida, ela poderá responder às várias situações que surgirão durante a vida e solucionar problemas futuros. (RIZZOLI, 2005, p. 10).

Esse pensamento possibilita-nos refletir sobre como está sendo

cultivado nas crianças a leitura e a escrita. Será que a literatura infantil

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permeia o espaço educativo da infância, levando as crianças a ter

curiosidade, interesse e desenvolvendo nelas a imaginação, a ponto de

potencializar ações criadoras e determinantes em sua trajetória enquanto

sujeito que produz cultura?

A escola está imersa em reproduzir conhecimentos e pouco faz para a

criação ou invenção dele. Demo (2006) classifica a escola como sendo um

espaço que distancia a criança das condições de convívio em sociedade e

diverge da afirmação de que a escola é, o único espaço possível de se

produzir cultura, pois esta, para o autor não se restringe unicamente ao

espaço escolar. A criança vive em constante processo de construção de

saberes, com uma diversidade de linguagens distintas, essa relação se dá a

partir da interação com seus pares e esse processo de criação coletiva deverá

ser o ponto de partida para os fazeres na escola da infância. As preocupações

acerca da leitura e escrita na forma escolar, abrirão espaços para as

produções livres, faz-de-conta e todas as atividades que envolvam as

expressões infantis na sua essência, o que não cabe a reprodução de

conteúdos e atividades escolares.

Observando a escola e a universidade hoje dificilmente escapamos do susto de reconhecer que parecem preparar os alunos para a Idade Média, não para o mundo de hoje, tamanha é a distância entre o que aí se faz e as demandas sociais na vida em sociedade. (...) a discussão em torno do letramento / alfabetismo padece pelo menos deste déficit: ao badalar questões pertinentes, deixa submerso o problema da aprendizagem, em especial que a aprendizagem adequada não se restringe ao reprodutivismo e ao ambiente meramente escolar. (DEMO, 2006, p. 42).

Para Ferreiro (1987, p.64) o conhecimento não coabita apenas na

escola, para a autora esta foi criada para controlar os saberes dos sujeitos.

Ferreiro acredita que “o desenvolvimento da leitura e da escrita começa muito

antes da escolarização.” Leva em conta que as crianças assim que nascem já

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começam a aprender e adentram o espaço da escola com uma bagagem

imensa de conhecimento da leitura e escrita, fruto de suas vivências e das

relações estabelecidas no seio das ações sociais.

O letramento na escola, por sua vez, é confundido com a alfabetização

por meio de técnicas de reprodução e decifração do código lingüístico, o qual

permeia as condições reais de cada indivíduo ao falar, argumentar, e vem daí

sua inserção nas tomadas de decisão nos mais diversos contextos sociais

vivenciados e experienciados.

Para Kleiman (2006, p.20) as práticas de letramento vão além da

cultura escrita; a autora, porém considera a escola como sendo “a mais

importante das agências de letramento.” As instituições de ensino são as

responsáveis por introduzir formalmente o sujeito no mundo da escrita,

entretanto a escola, segundo ela, preocupa-se com apenas uma prática de

letramento, a alfabetização, enquanto as práticas sociais ocupam lugares

secundários naquele espaço.

As práticas de letramento diferem da alfabetização, no sentido de que o

sujeito pode possuir estratégias de letramento na oralidade, mesmo sem ser

alfabetizado. Isto acontece quando ele estabelece uma relação entre o que é

dito e o texto escrito; mesmo sem saber ler e escrever ele poderá

compreender na oralidade aquilo que em algum momento foi vivenciado nos

grupos sociais do cotidiano. São as vivências e relações estabelecidas com

os grupos sociais, que possibilitarão as situações de letramento nas mais

diferentes questões e permitirão que estas passem a ter significado e

características da oralidade letrada, quando houver a possibilidade de se

articular essas características nas atividades do cotidiano.

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As atividades de ler e escrever não são atividades inversas, mas

intrínsecas uma à outra; serão sempre uma atividade de interação com o

sujeito, pois estarão ladeadas pelas trocas e convívio com seus pares. Elas

não são involuntárias, autônomas e solitárias, porém dotadas de sentido,

intenção, emoção e pautadas nas relações de troca com as idéias do autor.

Ferreiro (1987) entende ser necessária muita “imaginação pedagógica”

para oferecer às crianças situações variadas e significativas, capazes de

proporcionar as interações entre as diferentes formas de leitura e escrita nas

situações de letramento.

3.1 - E por Falar em Leitura ...

Todo ser humano possui um potencial para atribuir significado às coisas

que servem para expressar ou simbolizar o mundo. Esse potencial é

desenvolvido no seio do grupo social, dentro de condições concretas que

estabelecem suas possibilidades. Silva (1995) afirma ser a leitura na sua

essência uma prática social, e partindo dessa premissa discuto alguns

conceitos acerca do sujeito leitor e de como este se apropria dos textos no

início de seu processo de escolarização.

Para tanto, faço um recorte na postura do professor diante da prática de

leitura que se efetiva na escola, considerando esta como a instituição

oficialmente responsável por introduzir a criança no mundo letrado e o

professor, inicialmente, o protagonista desse processo.

Neste sentido, Foucambert (1997) assemelha o professor a,

[...] uma ponta-de-lança dentre todos os atores que vão permitir aos alunos tornar-se leitores e que ele deve necessariamente conceber e conduzir sua ação em coerência

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com o aparato global [...] Não há nada de utópico nessa convocação; irreal seria esperar que se passe ao largo disso. (FOUCAMBERT, 1997, p. 138).

Ser ator no processo de apropriação da leitura consiste em caminhar

rumo à construção de conceitos significativos, para que isso ocorra, conhecer,

valorar e assimilar a história de vida que cada criança traz consigo é fator

preponderante nesse processo. A base de todo aprendizado é a compreensão

e, assim, a leitura precisa ser compreendida para ser aprendida.

Charmeux (1994) chama a atenção para um aspecto fundamental da

atividade de ler:

Ler é uma atividade-meio, que está a serviço de um projeto que a ultrapassa. [...] O que permite afirmar que a leitura foi eficaz é a realização do projeto que a provocou. Essa realização do projeto é também o que chamamos “compreender”. E podemos imaginar sem dificuldade que não pode haver leitura se essa compreensão não ocorrer. Saber ler é compreender, e uma criança que não compreende o que lê, na realidade não leu. (CHARMEUX, 1994, p. 41).

Na escola da infância, fica o professor, na maioria das vezes,

responsabilizado pela atividade de ensinar as crianças a ler. Ele deverá se

desdobrar para que a atividade de aprender a ler seja uma realidade para as

crianças, permitindo que estas possam através da leitura transformar seus

conceitos inicialmente primários em conceitos mais elaborados. Isto lembra o

que preceitua Smith (1991, p. 216): “As crianças aprendem relacionando seu

conhecimento novo àquilo que já conhecem, enquanto modificam ou

elaboram o seu conhecimento anterior”.

Considerando que a leitura não consiste em algo que se aprende

através de instrumentos desconexos ou isolados, mas, sobretudo, que se

aprende por meio de conexões com o meio e com conhecimentos prévios

interiorizados pelo sujeito, Geraldi (1991) observa que,

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[...] a própria compreensão é um processo ativo, produtivo, em que significados anteriores, resultantes de processos interlocutivos prévios, se modificam por um processo contínuo em que, quanto maiores as diversidades de interações, maiores as construções de significados e em maior número serão as categorias com que a criança vai construindo suas interpretações da realidade. (GERALDI, 1991, p. 09).

Assim, vê-se que ensinar a ler não é apenas levar a decifrar códigos

escritos, mas sim possibilitar ao sujeito a compreensão desses códigos. Neste

sentido, Maria (2002) tece algumas considerações sobre o processo de

leitura:

Existe uma grande diferença entre ver e examinar, ouvir e escutar... Ler não é ver o que está escrito, nem tampouco lhe atribuir uma versão oral. Quem ousaria dizer que sabe ler em latim só porque sabe pronunciar as frases que lhe são apresentadas? Ler é ser questionado pelo mundo e por si mesmo, é saber que certas respostas podem ser encontradas na produção escrita, é poder ter acesso ao escrito, é construir uma resposta que entrelace informações novas àquelas que já se possuía. (MARIA, 2002, p. 21).

Compreendendo, então, que a leitura ultrapassa a decifração de

códigos escritos, admite-se que esse processo exige esforço daqueles que o

orientam e, mais ainda, daqueles que buscam se apropriar dela. Isto porque o

conhecimento não é algo estático e, sim, uma construção, em que tudo que já

internalizamos foi construído em meio a uma necessidade posta pelo meio

social em que estamos inseridos.

Ainda sobre as situações de aprendizagem da leitura, Demo (2006)

adverte para a prática equívoca que ocorre nas escolas no tocante ao binômio

ensinar e aprender e para as convicções errôneas de que há “receitas” para a

aprendizagem da leitura e da escrita. Para o autor, a questão central está no

ato de aprender e não no de ensinar:

A questão fundamental é de aprendizagem a partir das crianças. Assim, a leitura não pode ser ensinada para as

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crianças. A responsabilidade do professor não é de ensinar as crianças a ler, mas de tornar a aprendizagem da leitura possível. [...] Nascem aprendendo. Há, porém, professores que atrapalham, seja impondo métodos únicos que não passam de receitas primárias, seja não respeitando a motivação da criança e seu modo de aprender, seja por falta de habilidade e compromisso. (DEMO, 2006, p.70).

Tendo em vista essas idéias, tenho tentado ao longo do trabalho deixar

claramente definido o papel do professor enquanto mediador e orientador mas

não tutor do conhecimento. Há uma grande distância entre práticas que

ensinam as crianças a ler e práticas pedagógicas que lhes possibilitam a

leitura das coisas, dos fatos e do mundo que as cerca.

A escola da infância na modernidade exige um professor capaz de

romper com as amarras que o compromisso de dar aulas lhe impõe e de

propor um novo cenário, no qual a criança protagonize e atue como principal

sujeito na construção de seu conhecimento. O foco das interações coletivas

na infância deve ter a perspectiva de uma Pedagogia da Infância17, voltada

para a criança e sua capacidade de organizar o pensamento, ou seja, a

complexidade de ler e escrever deve dar lugar às “cem linguagens”18 da

criança apontadas por Faria (2005). Estas, intrínsecas à natureza da criança,

são esquecidas no contexto escolar, onde os adultos estão

“metodologicamente” prontos a ensinar e acabam por roubar dela noventa e

nove de suas linguagens, todavia é chegado o momento de devolver-lhe o

que lhe tem sido roubado ao longo da história. Para tanto, será necessário,

como sugere Faria (2005), que os adultos se alfabetizem nas “cem

17 De acordo com os estudos de Oliveira-Formosinho, a Pedagogia da Infância concebe a criança como um ser participante das ações de educar e não como alguém que está em eterno estado de espera. Esta prima pela transformação, pelos direitos dados às crianças e dá voz a elas para a transformação da prática pedagógica, contemplando as dimensões humanas e a diversidade social e cultural. 18 Refiro-me às cem linguagens propostas por Malaguzzi nas escolas da infância de Reggio Emilia na Itália. Nessas linguagens pode se ler e escrever sem letras, onde a linguagem gestual, artística, visual, dos sentidos, da alegria, dos sonhos e da realidade, constituem o espaço educativo da criança.

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linguagens” da criança, o que é um desafio para a consolidação de uma

Pedagogia da Infância que respeite e valorize o conhecimento infantil.

A leitura e a escrita não devem ser consideradas apenas no ato de ler

os livros e de escrever as letras, mas na pluralidade das inúmeras formas de

leitura e escrita, visto estarmos criando códigos e símbolos a todo momento

em nossas representações do mundo. Neste contexto, a leitura e escrita das

letras é apenas uma das formas de representação, portanto não há que se ter

pressa para que a criança adentre esse mundo.

Talvez devêssemos, todos nós educadores da infância, centrar nossas

ações no resgate da cultura da leitura e da escrita. O professor mediador,

nesse caso, pode ser uma figura decisiva e determinante que, para auxiliar no

processo de formação de sujeitos leitores, cultive nas crianças o poder da

leitura: elas precisam compreender que ler é uma atividade social e que

através desta poderão construir e reconstruir os conceitos das coisas, das

pessoas e do mundo. Portanto, é tarefa dos educadores tecer a leitura e

escrita conjuntamente com as crianças, por esta não ser um produto de

isolamento e repetição, mas sim de interação social e compreensão. Quando

afirmo que caberá ao professor essa incumbência, penso em sua condição de

mediador da aprendizagem, pois será ele quem possibilitará ou não à criança

as aprendizagens significativas de leitura e escrita no espaço da escola.

3.2 - As Concepções de Leitura e Escrita que Permeiam o Espaço

Educativo da Infância

Tomo por espaço educativo, aqui, a escola e, mais especificamente, a

sala de atividades. Portanto, para se compreender como se dá o processo de

leitura e escrita, é preciso saber de quais concepções está imbuído tal

processo, nesse espaço. Em se tratando de crianças, vimos que ao longo da

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história estas eram tratadas como seres incapazes e animalescos. Seres que

estavam sempre à mercê dos adultos, inclusive para “servi-los”, pois, eram

dependentes deles para todas as suas ações. Acredito que seja em virtude

dessa submissão criada e imposta pelos adultos, que as crianças vivem um

legado de inferioridade em relação aos mesmos.

Na escola, particularmente a da infância, as crianças estão quase

sempre na condição de aprender, pois historicamente elas ocupam um lugar

de inferioridade, considerando-se que é o professor quem pode ensinar, visto

como uma figura dotada de conhecimento e autoridade.

É Fernandes (1997, p. 64) quem caracteriza os tempos atuais como

“modernidade doente”, pois a criança continua a ser tratada, como um ser

domesticável e passível de moralizar. Tais afirmações transporto para o seio

da sala de atividades, para onde as crianças são conduzidas para aprender a

ler e escrever, tarefa que na maioria das vezes é seguida de fracasso, já que

as concepções vigentes nas práticas educativas se encarregam de tolher as

crianças, não permitindo que estas sejam educadas para questionar, mas

para se subordinar.

Silva (1995) faz algumas observaçõs pertinentes sobre o papel ocupado

pela instituição escolar no que diz respeito à leitura:

[...] o ensino da leitura perdeu sua naturalidade, caiu na esfera dos reducionismos e, de certo modo, transformou-se numa estafante rotina. Não mais se lê para compreender a vida, mas para cumprir os artificialismos e pretextos impostos pela escola. (SILVA, 1995, p. 22).

Além disso, para muitos educadores ainda não há outro caminho senão

alfabetizar as crianças antes que estas aprendam a ler, esquecendo-se eles

de que a leitura precede a escrita. Se a leitura de mundo ocorre desde o

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nascimento, não há necessidade de esperar conhecer as letras para

posteriormente lê-las; lemos, desde que nascemos, lemos as cores, os sons,

o cheiro e as imagens. Mas, quando as crianças chegam à escola, são

convidadas a esperar pela hora de aprender, pois não podem queimar etapas.

Desta forma, o processo de alfabetização das crianças mostra-se como

o que podemos chamar de anomia, pois elas são conduzidas ao que vou

denominar aqui de fase da espera: esperam para falar, andar, brincar, dormir

e tudo o mais que envolva uma atividade educativa na escola. Entretanto,

felizmente, ainda não se conseguiu um método que as façam esperar a hora

para pensar. Este atributo não se pôde roubar das crianças, e é através do

mesmo que elas romperam o silêncio e a apatia das escolas da infância. É

evidente que caminhamos nas escolas da infância na contramão das

crianças, pois estas querem ser participantes ativas do processo, enquanto o

adulto ordena que esperem, pois ainda não é chegada a hora.

É preciso também de ter clareza que, por mais que as mudanças

ocorram – mesmo que a passos lentos – elas não se dão por decreto, mas

são resultados de transformações nas concepções pedagógicas. Barbosa

(2004) faz considerações importantes, no tocante às escolas da infância e às

concepções que as permeiam:

A transformação da creche em escola infantil tem sido entendida como a busca de um modelo idêntico ao da escola fundamental, e o fato de o profissional ser o professor e não o educador leigo traduz-se em alfabetização precoce, em dividir o tempo entre o brincar e o trabalhar. Tornar-se uma escola de educação infantil tem significado, muitas vezes, desconsiderar o pedagógico como a soma dos cuidados e da educação e privilegiar o ensino sistematizado, as práticas de preenchimento de folhas, o trabalho na mesa e cadeira, etc. (BARBOSA, 2004, p.69)

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Diante dessa realidade, que encontramos em muitas das escolas

infantis, há que se pensar na edificação de uma escola da infância com a qual

não haja abismos, ou seja, truncamentos no processo educativo.

Mas que, por outro lado, atenda às necessidades da criança enquanto

criança. Considerando que a escola se instaurou nos últimos três séculos

como o espaço legítimo dos processos de ensino-aprendizagem, ela precisa

acompanhar o avanço da modernidade e produzir práticas autônomas e

verdadeiramente sociais. O desafio de se construir a escola da infância do

século XXI numa perspectiva autônoma, democrática e de qualidade talvez

esteja tardando a se realizar pelo fato de estarmos tratando de uma cultura

escolar que se consolidou ao longo dos anos a partir de pressupostos das

classes dominantes. Considero impossível aos professores da infância romper

com concepções cristalizadas ao longo de sua carreira profissional se

continuarem prisioneiros da realidade ingênua, imposta às classes

dominadas.

Diante dessas concepções e práticas escolarizantes se faz necessário

um olhar atento ao espaço escolar e, neste sentido, Rangel (2005) contribui

com a observação de que:

É fundamental destacar que a concepção de espaço escolar traz, em si, historicamente, a idéia de segmentação, do ocultamento e aprisionamento atrelada à impregnação de uma rotinização importante para a introdução e implementação de conteúdos e práticas de uma formação com vistas aos interesses do Estado, que exige um trabalho eficaz da escola para garantir a formação de cidadãos politicamente iguais. (RANGEL, 2005, p. 74)

É muito difícil romper com as idéias pedagógicas já sedimentadas e dar

lugar a novas; Para que isso aconteça, é necessário grande esforço e

dedicação. Nas escolas de Educação Infantil é comum ver, entre vários

problemas de inadequação, espaços que não condizem com a realidade das

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crianças de 04 e 05 anos e professores que insistem em propor a estas que

reproduzam atividades mecânicas e repetitivas. Não o fazem por falta de

conhecimento: pelo contrário, eles reproduzem essas práticas por terem sido

introduzidos ao processo de alfabetização desta forma e por acreditarem que

esta é uma prática que traz resultados positivos.

O comprometimento do professor também é fundamental, enquanto

educador; trata-se da responsabilidade consciente e competente para com a

profissão que exerce. As mudanças de concepções são possíveis, porém é

necessário voltar o olhar para o novo e também para a história, a qual relata

as mudanças que ocorreram ao longo dos séculos para a partir delas nos

permitirmos andar por novos caminhos. Neste contexto, é preciso romper com

o pensamento e a ação escolar que tratam a relação entre o leitor aprendiz e

a escrita como simples vocalização dos sons inscritos nas marcas gráficas

sem levar em consideração o significado do que é lido, visto que aprender a

ler é colocar em funcionamento a interação entre elementos gráficos e

elementos semânticos.

3.3 - As Possibilidades para a Formação de Leitores na Educação Infantil

Um outro aspecto que muito tem afligido os educadores e tem um papel

determinante em sua prática pedagógica está relacionado aos métodos. Há

docentes que acreditam que o método bom é aquele que alfabetiza.

Entretanto, estudos de André (1984) e Kramer (1986) apontam para a

variedade de métodos responsáveis pelo sucesso e fracasso na

aprendizagem da leitura e escrita. Kramer (2004) faz uma reflexão acerca da

importância do método e adverte que Emília Ferreiro, em 1979, já,

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Havia insistido na necessidade de se relativizar a efetividade do método de ensinar, ao lado da relevância de conhecer o processo de aprender.

Não cabe, assim, propor mudanças no método ou mesmo criar um novo método como forma de garantir a alfabetização. Esse caminho não se justifica, por mais que tal método se apóie em pressupostos teóricos consistentes. Trata-se ao contrário, de uma mudança na concepção do processo de leitura/escrita e de uma transformação da prática pedagógica, cunhada no seu cotidiano. (KRAMER, 2004, p. 64).

Os diferentes métodos de alfabetização e os seus efeitos na formação

do leitor vieram mostrar que não é o método em si, mas o professor e o uso

que ele faz do método, o elemento mais importante para o encaminhamento

do processo de alfabetização e de leitura na escola. Charmeux (1994)

discorre acerca dos métodos para ensinar a ler como sendo meras

pretensões científicas:

Ora, ler é uma atividade muito mais complexa de que se acreditava até agora. Sabemos hoje que sua análise deve recorrer a dados científicos pertencentes a disciplinas diversas (...), e que sua aprendizagem não pode ser definida sem os novos dados da psicologia da criança e das teorias da aprendizagem (CHARMEUX, 1994, p.24).

A escola é tida como sendo o espaço de ensinar às crianças a leitura e

a escrita. Essa idéia persistiu e ganhou corpo quando limitamos à escola a

transmissão do conhecimento sistematizado através dos métodos. Porém,

enquanto os professores investiam nos métodos para ensinar às crianças a

leitura e a escrita, estes, em sua maioria, não eram articulados ao

conhecimento de mundo que as crianças traziam consigo, ficando este

relegado ao silêncio.

Sobre os métodos, vale uma ressalva. Considerando que nas últimas

décadas passamos a vivenciar várias inovações no ensino da leitura e escrita

e, este fato tem levado os professores a buscarem modificar as práticas

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pedagógicas anteriores, as novas práticas pedagógicas têm sido pensadas na

concepção do letramento, que de acordo com Soares (2004) consiste em

cultivar as práticas sociais que fazem uso da leitura e escrita e não apenas o

ato de ler e escrever. Acredito, desta forma, que os métodos para o ensino da

leitura e escrita devam passar por práticas que incluam a criança no processo

e não que a deixe à margem deste.

É importante considerar a experiência dos professores alfabetizadores,

pois sua resposta diante de novas perspectivas, seja ela afirmativa ou não de

ensinar, é pautada em fatos vivenciados ao longo de sua vida profissional.

Muitos resistem a dar um outro olhar às novas práticas pedagógicas, outros

apenas sustentam aquilo em que acreditam e que conhecem

verdadeiramente. Frade (2003) afirma essa posição diante dos estudos

realizados acerca dos métodos, e pontua positivamente aqueles docentes que

conseguem cultivar uma prática pedagógica com situações reais de

aprendizagem, que possibilitem à criança emergir nos eventos de letramento

e através destes obter sucesso.

As várias pesquisas levadas a efeito têm demonstrado que ainda hoje

em nossas escolas ouve-se dizer que o “aluno alfabetizado é o aluno leitor”.

Pode se afirmar que essa concepção é reducionista, pois a alfabetização

deve advir de momentos incessantes de “pós-alfabetização”, compartilhados

por todos os professores das diferentes áreas do conhecimento, sem o que

não há como formar o leitor crítico e maduro.

O equilíbrio entre a ação de aprender e ensinar é fundamental, pois as

descobertas ocorrem cotidianamente e independem da intenção do outro. Na

Educação Infantil as ações coletivas ocorrem diariamente entre as crianças e,

é importante que o professor se sinta parte dessa coletividade, onde as

crianças constroem e desconstroem seus sonhos, dando oportunidade à

criatividade, curiosidade, à invenção e a diversidade de idéias, que são

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características intrínsecas à infância e que muitas vezes não são exploradas

na escola. A instituição escolar atem-se as regras e normas escolares,

responsáveis por dificultar que a imaginação das crianças, consideradas

criadoras nato, fossem exploradas. Portanto, é possível pela ação coletiva e

interação, se aproximar das crianças a ponto de aprender com elas, sem

necessariamente ter que ensiná-las.

Chartier (1996) também contribui com estas discussões colocando em

pauta algumas atribuições da escola em relação às atividades escolares que

permeiam o processo de leitura; para o autor estas devem estar pautadas nas

experiências das crianças, em suas vivências fora do contexto escolar:

Uma das primeiras tarefas da escola é, pois, proporcionar uma pedagogia da cultura escrita que considere muito concretamente experiências infantis. As aquisições extra-escolares efetuadas em casa, no bairro ou na rua podem e devem servir de ponto de apoio para as aprendizagens feitas em aula. (CHARTIER, 1996, p. 26).

Sobre uma Pedagogia para a infância, Faria (2007) discute a

necessidade urgente de se construir um currículo, tendo como centro as

crianças de 0 a 10 anos. Para tanto, o investimento teórico na formação

docente voltada para a cultura lúdica e escrita, além da formação em arte que

é indispensável a um educador da infância. Estes são os três eixos para a

consolidação de uma Pedagogia para a infância, segundo a autora. Sobre a

cultura da escrita que deverá permear a escola da infância, ela não

compreende a alfabetização sistematizada para as primeiras idades; neste

contexto a segmentação do conhecimento das crianças deverá dar lugar às

experiências vivenciadas por elas e às diversas linguagens do contexto

individual e coletivo de cada uma delas.

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Em muitas situações é unicamente na escola que as crianças têm a

oportunidade de ter contato com os livros; considerando que seja possível

realizar leituras não apenas por eles, mas estes são o que chamarei, aqui, de

veículos potencializadores da leitura. São nessas condições adversas que

procuro abordar os conhecimentos acerca da leitura e escrita. Sobre esse

assunto, Gnerre (1985) contribui para o entendimento de que,

A maior herança que a escola pode deixar a um aluno é a capacidade de ler e o gosto pela leitura. Se o aluno passar pela escola e aprender pouco, mas for um bom leitor, ele terá nos livros e revistas uma prolongação da escola e poderá se desenvolver muito além do que a escola esperaria de um aluno ideal. (GNERRE, 1985, p. 25).

Diferentes considerações, também interessantes, sobre o ensino da

leitura são explicitadas por Charmeux (1994), ao afirmar que,

[...] professores ou pais, diante dos fracassos das crianças em leitura, acusam a ausência de mecanismo de base, eles se enganam redondamente: não é a sua ausência que é preciso incriminar, é infelizmente a sua presença! (CHARMEUX, 1994, p.88).

A autora pontua com muita propriedade a justificativa de pais e

professores diante do fracasso das crianças frente à leitura: muitas vezes

tentam justificar e colocam a culpa na falta de livros ou do local apropriado

para a realização da leitura. Muitas vezes a causa de os alunos não lerem

está relacionada à presença de leituras indesejadas e maçantes, impostas

por exigência da escola.

Concebendo a Educação Infantil como a primeira etapa da educação

básica, a leitura e a escrita nesse nível mostram-se instrumentos

imprescindíveis da educação, considerando a linguagem como o fio condutor

para o universo da criança e que a leitura e a escrita não são as únicas

formas de linguagens, mas sim uma das linguagens infantis. A leitura e a

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escrita não são artifícios, mas, sim, o meio pelo qual professores e crianças

poderão partilhar momentos prazerosos e significativos para o

desenvolvimento infantil e, estas não deverão sucumbir a capacidade

expressiva e criativa da criança. Entretanto, tais ações no universo da

infância deverá primar pelas linguagens infantis, que não compreendem

apenas a leitura e escrita, mas sim as diversas representações e

manifestações da realidade que as crianças vivenciam e expressam através

das linguagens gestual, corporal, da arte, da imaginação, do prazer enfim,

num universo em que suas ações pautem-se nas experiências vivenciadas e

adquiridas por ela.

A preocupação em ensinar as crianças a ler e escrever originou a

escola preparatória na Educação Infantil, o que não cabe no espaço da

Educação Infantil, pois este tem características e objetivos próprios, onde as

relações estabelecidas com o coletivo criança / professor são as referências

para a construção singular dos fazeres cotidianos entre as crianças. Essa

construção diária e coletiva é a responsável pela organização singular da

escola da infância.

É evidente que o espaço e a atuação do mediador no processo de troca

de experiências infantis é imprescindível, e também é inegável que o prazer

pelos livros partirá das primeiras experiências que as crianças tiverem com

estes. Se forem momentos prazerosos com certeza a criança experimentará

outras vezes; caso contrário, correremos o risco de condená-la a fazer parte

do grupo de pessoas que não lêem por não saber, por não ter interesse ou

simplesmente por não gostarem.

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3.4 – Letramento, Leitura e Escrita: elementos indissociáveis

Considerando as pontuações anteriores sobre práticas de leitura e

escrita, faço aqui algumas considerações no âmbito das práticas educativas

que ocorrem na escola da infância. Sabe-se que ainda há muitos equívocos

sobre no currículo da Educação Infantil e que muitas são as dúvidas dos

professores, entre as quais estão questões como alfabetizar ou não na pré-

escola. Alfabetizar, ensinar as crianças a ler, que método utilizar e letramento

ainda não encontram significado em numerosas práticas aplicadas às

crianças, pois muitos educadores da infância não dominam esses conceitos e

agem aleatoriamente com os pequenos, em suas ações pedagógicas.

É nesse contexto que ocorre a leitura. Esta é uma atividade

eminentemente humana que consiste em dar sentido às mais diversas formas

de manifestação do homem e do meio. Trata-se de um processo de

compreensão e sentido no qual o leitor nunca está sozinho, um processo de

interação contínua, pois há sempre o leitor, o livro e o autor dialogando, numa

tríade de imagens que fazem parte da constituição do sujeito como ser social.

No ambiente educativo da escola da infância, deve-se ler muito com as

crianças, pois elas estão em busca de respostas, e é nessa busca pelo

porquê das coisas que se chega ao conhecimento e as ações de letramento.

A respeito deste último termo, Mortatti (2004) o conceitua como sendo,

sobretudo, um conjunto de práticas sociais em que os indivíduos se envolvem de diferentes formas, de acordo com as demandas do contexto social e das habilidades e conhecimentos de que dispõem. (MORTATTI, 2004, p. 105).

Para Soares (2004, p. 105) letramento é entendido como, “o que as

pessoas fazem com as habilidades e conhecimentos de leitura e escrita”;

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portanto, letramento é o produto da relação que se estabelece entre essas

habilidades e os valores nas práticas sociais.

Acredito que seja a confusão posta entre alfabetização e letramento que

leva aos educadores da infância a escolarizar a Educação Infantil e não se

apropriar de práticas habituais do cotidiano escolar para transformá-las em

significativas. Como se viu, a alfabetização está limitada à aquisição da

escrita, e é preciso tomar consciência de que nem todas as pessoas

alfabetizadas são letradas e nem todos os que efetivam práticas de

letramento nos mais diferentes contextos sociais são alfabetizados.

Portanto, é importante que a criança, mais do que ser alfabetizada,

adentre o mundo letrado e possa ser um leitor crítico da realidade. A escola

não é um lugar de formar leitores ingênuos e, na Educação Infantil, através da

curiosidade das crianças, as possibilidades de leitura formam um leque de

investigação e pesquisa, conduzindo as crianças a serem sujeitos leitores e

críticos.

Kramer (2004) adverte para a preocupação dos professores em valorar

as atividades motoras por não compreenderem a importância do aspecto

simbólico no processo de aquisição de leitura e escrita pela criança:

Se se compreende, por outro lado, que a aprendizagem da leitura/escrita envolve uma dimensão simbólica, expressiva e cultural, ser alfabetizador consiste em favorecer esse processo, propiciando inicialmente, que as crianças realizem atividades sistemáticas, organizadas de tal forma que as diferentes formas de representação e expressão infantis sejam ampliadas gradativamente, até que elas compreendam o que é a leitura e a escrita, e façam uso desse objeto cultural para a sua comunicação e expressão. (KRAMER, 2004, p. 99).

Essa dimensão cultural de aquisição da leitura e escrita de forma a

valorizar as expressões e representações numa dimensão individual e

coletiva, caminha para a compreensão da realidade não linear e ilimitada, pois

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estes são traços do letramento. O letramento é sempre contínuo, e seu

desenvolvimento se dá por níveis, que podem ir do mais elementar ao mais

complexo quanto às habilidades de leitura e escrita e aos usos sociais

decorrentes delas. A criança desde os anos iniciais da escolarização pode

desenvolver seus níveis de letramento, por meio de atividades significativas.

Diante do já exposto, vê-se que ensinar e aprender, em toda sua

essência consiste na quebra de paradigmas e de concepções já cristalizadas.

Esse processo de contínuo aprendizado, para o professor e a criança, não

tem um tempo para terminar.

3.5 - As práticas de Letramento, Leitura e Escrita que se Efetivam na

Escola de Educação Infantil

A Educação Infantil se constituiu enquanto um ensino calcado nos

moldes do Ensino Fundamental, o que a torna escolarizante e

descontextualizada das especificidades exigidas pela criança. Se tomarmos

como princípio que a educação é uma das responsáveis pela constituição do

indivíduo enquanto sujeito, temos que dar a devida importância ao processo

educativo na infância. A visão escolar ainda é um estigma que ultrapassa os

muros da escola: os pais acreditam nesse modelo de ensino e o querem para

seus filhos. O espaço onde deveria ser instigada a curiosidade a criatividade,

a emoção, a sensibilidade, a socialização, o respeito, a investigação, as

diversas formas de leitura e escrita, dá lugar, para na maioria das vezes, a

uma aula que, inclusive, desconsidera grande parte das habilidades e saberes

que as crianças possuem.

Os professores de Educação Infantil têm, na sua maioria, se

empenhado cada vez mais em efetivar práticas que escolarizam,

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demonstrando sua preocupação em ensinar as crianças a ler e escrever, o

que inclui prepará-las para o Ensino Fundamental. É o que Bujes (2001)

denomina de,

[...] “escolarização precoce”, igualmente disciplinadoras, no seu pior sentido. Refiro-me a experiências que trazem para a pré-escola, especialmente, o modelo importado do ensino fundamental, as atividades com lápis e papel, os jogos ou atividades realizadas na mesa, a alfabetização ou a numeralização precoce, o cerceamento do corpo, a rigidez dos horários e da distribuição das atividades, as rotinas repetitivas, pobres e empobrecedoras. (BUJES, 2001, p. 16 e 17).

A leitura e a escrita de forma contextualizada, articulada as outras

linguagens infantis e com significado para a criança ocupam lugar secundário

nas escolas da infância. As afirmações, por parte dos professores, do tipo.

Não temos material de leitura na escola. Não há livros de literatura infantil, por

isso não lemos para as crianças. Não se investe em material de leitura e

depois nos cobram que não ensinamos as crianças a ler, tentam justificar o

fracasso da aprendizagem da leitura nas escolas e conseqüentemente,

denunciam o despreparo dos educadores frente a esse processo. Demonstra-

se a necessidade de uma nova formação docente aos professores da

infância, período aqui compreendido entre zero e 12 anos.

Muitas são as mazelas da educação e as quais não cabe a este

trabalho apontar, pois estas passam por muitas questões, já discutidas ao

falar de concepções e práticas, porém nenhuma delas justifica o fenômeno do

analfabetismo, que também por equívoco passou a ser uma preocupação das

escolas de Educação Infantil, esta não é uma especificidade da escola da

infância, as crianças e professores de Educação Infantil coabitam um espaço

e ambiente com características próprias, onde as linguagens infantis devem

protagonizar os fazeres coletivos sem a preocupação de ensinar e aprender,

mas sim partilhar experiências singulares entre as crianças respeitando a

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diversidade de culturas existentes. Quiçá chegue o dia em que na escola da

infância as crianças possam “ler” efetivamente o mundo, construir,

desconstruir e reconstruir significados a partir das mais diversas idéias, não o

fazendo pela silabação, repetição, pontilhados, silêncio, leitura doutrinária e

muitas outras práticas desprovidas de significado. Como diria Demo (2006), é

preciso desler o texto, é necessário formar leitores que reconstruam o texto

após lê-lo, que façam uma leitura crítica da realidade e dos fatos sociais.

O silêncio, muitas vezes imposto às crianças na escola da infância, tem

a ver com a relação de poder, visto que existe a necessidade de se impor

algo, e o primeiro item da lista da autoridade é o silêncio; é isso que temos

visto em muitas práticas pedagógicas nas escolas da infância. Querem calar

nossas crianças, esquecendo-se de que a linguagem é um atributo nato do

ser humano e que é por ela que nos fazemos seres sociais, o que diferencia o

homem dos outros animais.

As práticas pedagógicas que se consolidam no âmbito da escola da

infância constituem práticas de caráter fragmentado, que seguem uma rotina

estática, com horários inflexíveis, numa estrutura pensada pelos adultos e

com uma preocupação exacerbada em dar o maior número possível de

atividades às crianças, para que estas não fiquem sem “fazer nada”. Faço

aqui um recorte da fala de uma mãe a quem, ao encontrar no portão da

escola, perguntei sobre o que achava da escola em que a filha estudava, e ela

respondeu: É boa, gosto das professoras, aqui as crianças aprendem. Só não

gosto da professora não passar tarefa. Acho que as crianças devem ter

tarefas, que as professoras deveriam passar tarefa para casa no caderninho,

assim acho que as crianças aprenderiam a ler e escrever mais rápido. Mello

(2005) articula alguns fazeres pedagógicos de professores com base nessa

concepção:

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Entre as concepções de educação infantil que dirigem as práticas de educação das crianças brasileiras entre 3 e 6 anos, percebo uma concepção muito forte – muitas vezes sustentada pela pressão dos pais, mas sobretudo pela própria formação dos professores que trabalham com a educação infantil – que defende a antecipação da escolarização, e tal escolarização precoce ocupa o tempo da criança na escola e toma o lugar da brincadeira, do faz-de-conta, da conversa em pequenos grupos quando as crianças comentam experiências e conferem os significados que atribuem às situações vividas. (MELLO, 2005, p. 24).

Vê-se esta realidade em muitas escolas. A respeito desse fato, é

costume, nos grupos de estudos realizados com os professores de Educação

Infantil, na Secretaria Municipal de Educação, esclarecer as vezes que os pais

não têm a obrigatoriedade de compreender as concepções que permeiam a

infância, mas nós educadores da infância temos o dever de conhecê-las e

efetivá-las em nossa prática.

Kramer (2005) aponta a dimensão indissociável entre teoria e prática:

[...] a teoria é um conjunto de regras também práticas e que a prática não é um ato qualquer, mas um ato que concretiza um objetivo e é pensado em relação a princípios. Essa ação refletida remete ao conceito de “práxis”. [...] Práxis é “a atividade de quem faz escolhas conscientes e para isso necessita de teoria”. A práxis, portanto, chama a consciência para o problema, é a prática que necessita da teoria para justificá-la. (KRAMER, 2005, p. 146).

Portanto, as práticas de leitura na escola da infância passam pela

compreensão do professor do que seja leitura e pelas concepções que

permeiam suas práticas de leitura. Sabe-se que toda prática está ancorada

em uma teoria, e precisamos concordar que, se não há uma prática

significativa de leitura e escrita na Educação Infantil, isto quer dizer que temos

que repensar nossos fazeres e concepções acerca de como ser professor na

escola da infância.

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3.6 – As Linguagens Verbal e Não-verbal como Possibilidades de

Interação e Descoberta

Considerando que a linguagem está intrinsecamente ligada ao processo

de desenvolvimento do homem, não podemos conceber práticas de leitura

desprovidas de diferentes tipos de linguagens, sendo esta o atributo maior do

ser humano.

Para Mello (2005), que disserta sobre a importância de o educador da

infância trabalhar com as crianças as diferentes linguagens, verbal e não-

verbal, gestual, linguagem da arte dentre outras,

[...] quero dizer que se queremos que nossas crianças leiam e escrevam bem e se tornem verdadeiras leitoras e produtoras de texto – o que, de fato, é uma meta importantíssima do nosso trabalho como professores –, é necessário que trabalhemos profundamente o desejo e o exercício por meio de diferentes linguagens [...]. (MELLO, 2005, p. 36).

Para tanto, é importante apresentar às crianças as diversas

possibilidades de leitura, escrita e as demais linguagens que compreendem o

universo infantil, para que elas possam ampliar seu leque de comunicação

diante das diferentes formas de apropriação da linguagem. Considerar a

criança como protagonista da aprendizagem é peça-chave nesse processo,

no qual é necessário valorizar as capacidades, intrínsecas a ela, de construir

conhecimento a partir de suas hipóteses e interesses. Conforme propõe Mello

(2005) é importante conceber o processo de aprendizagem da leitura e escrita

pela criança a partir da linguagem escrita e não apenas das letras.

O contexto das diferentes linguagens abre espaço para a criança

enquanto sujeito produtor de cultura, a criança com seus valores, portanto,

com voz nos espaços sociais. Jobim e Souza (2005) interpretam a linguagem

que a criança constrói através de sua realidade:

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É por meio da linguagem que a criança constrói a representação da realidade na qual está inserida. Agindo, ela é capaz de transformar a realidade, mas, ao mesmo tempo, é também transformada por esse seu modo de agir no mundo. Sua participação na dialética da subordinação e do controle deve ser entendida a parti do papel que ela assume na recriação de sua realidade histórica por meio do uso que faz da linguagem nas interações sociais. (JOBIM e SOUZA, 2005, p. 24).

É a partir do movimento de contradição de idéias e de sua autonomia

em relação à representação dos fatos, que as crianças se constituem

enquanto sujeitos culturais, e não será a partir das necessidades e idéias

subjetivas dos adultos que elas terão voz. A interação e interpretação dos

conceitos entre criança e adulto é a porta de entrada para suas relações com

a cultura social, pois não basta estar vivo para estar inserido na cultura. De

acordo com Jobim e Souza (2005, p. 60), “Para entrar na história não é

suficiente nascer. É necessário um segundo nascimento – um nascimento

social”. Este é o ponto de partida para a construção do sujeito enquanto ser

social, que se constitui não somente em suas relações com o outro, mas

também com o meio criado por ele.

Através da linguagem percorremos a corrente da comunicação verbal,

por meio da qual o homem se estabelece na interação com o outro pela

palavra. Bakhtin (2005) se pronuncia a respeito da comunicação e da palavra

carregada de sentido ideológico como instrumentos a favor da linguagem:

Na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. (BAKHTIN apud JOBIM E SOUZA, 2005, p 98).

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A interação verbal faz parte de um processo de comunicação que não

se finda, e é a partir desse processo que as crianças penetram no caminho da

linguagem e nela se estabelecem enquanto sujeitos. As relações que se

constituem no seio da interação através da linguagem estabelecem o diálogo

de sentido entre a realidade lida e vivida, e as práticas pedagógicas que se

efetivam no ambiente escolar.

A compreensão das práticas de leitura e escrita como fonte de

conhecimento emerge transgredindo o passado através da história,

independentemente de quais sejam estas práticas impostas às crianças na

modernidade. O caráter de tutora que a escola tem tido frente à leitura e

escrita vem sendo questionado pelas práticas daqueles que a efetivam; a

escola tem um olhar diante da aprendizagem da leitura e escrita como se

estas fossem armas do instrumento dominador. Kramer (1993) comenta sobre

essa dimensão:

Será justo exigir que as crianças permaneçam na aridez da linguagem mecânica – instrumento –, distanciado-as, ao invés de aproximá-las, do significado da escrita como arma e sonho? E o retirar prazer do lido? E o expressar idéias, sentimentos, desejos? E o penetrar no mundo do simbólico e também assim conhecer outros povos, outras terras, outras gentes, o meu Brasil. (KRAMER, 1993, p. 28).

A autora convida todos a refletirem sobre a importância de as crianças

sonharem, sobre o modo como a escola se apropria desses sonhos, para

chegar à origem singular da leitura e escrita. Através da comunicação obtida

pela interação nas relações sociais, seria possível retirar a leitura e escrita do

enclausuramento atual. É preciso, enfim, a escola se desprender de práticas

tradicionais e doutrinárias, para mergulhar no universo de práticas

multiculturais e libertadoras.

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CAPÍTULO IV - ANALISANDO AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO

CONTEXTO DA INFÂNCIA

Talvez não haja na nossa infância dias que tenhamos vivido tão plenamente como aqueles que pensamos ter deixado passar sem vivê-los, aqueles que passamos na companhia de um livro preferido.

Marcel Proust

Discuto neste capítulo as práticas pedagógicas observadas no âmbito

da Educação Infantil e proponho algumas reflexões acerca desses fazeres,

correlacionando-os aos fatores de qualidade na Educação Infantil. Para tanto,

há que se explicitar o conceito que se tem de qualidade na educação,

atualmente. Em linhas gerais, conceituo qualidade na educação relacionando-

a a diversos fatores, como à formação dos profissionais da infância, à

participação da sociedade na educação das crianças, ao financiamento para

este nível de ensino e às condições físicas e materiais das escolas. Entendo,

também, que os valores humanos constituem um dos instrumentos mais

importantes a favor da qualidade na educação; são atributos valiosos e

necessários rumo a uma educação de qualidade, a uma escola cidadã e

humanizada.

A análise das entrevistas realizadas contribuiu de forma significativa

para a discussão que me propus realizar neste trabalho, pois, por meio delas,

foi possível me aproximar das concepções e práticas da professora

focalizada. Na abordagem das entrevistas foi dado um destaque aos relatos

que melhor evidenciaram o aprendizado da leitura por parte das crianças19 e

as concepções da professora20. Os elementos citados acima me permitiu

evidenciar que a professora vive um momento de transição em suas

19 Aqui não refiro às crianças por seus nomes verdadeiros. 20 A professora será chamada de Emília, numa alusão à personagem das histórias de Monteiro Lobato, que criava e estava sempre pronta a aprender.

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concepções e práticas pedagógicas, esta postula alguns fazeres tradicionais,

no entanto, por meio das ações com o coletivo infantil é possível identificar e

correlacioná-las à concepção sócio-construtivista. Essas ações ou atividades

coletivas a que me refiro e, que apresentam uma professora rompendo com

conceitos tradicionais e articulando-os a outra concepção serão exploradas

nesse capítulo.

Ainda nesse capítulo estudo alguns temas que emergiram dos dados

para análise, tais como: Referencial Orientador da Educação Infantil em

Rondonópolis; aspectos da Proposta Pedagógica; reflexos da teoria nas

práticas de leitura e escrita; instrumentos utilizados para subsidiar a prática

pedagógica; práticas de leitura, letramento e escrita; audição de rádio como

conhecimento da realidade; leitura de histórias para a formação da criança

leitora; interação, coletividade e uso social da escrita para o letramento; uma

experiência com a natureza. Estes foram os temas aos quais ative-me a

analisar neste 40 capítulo.

4.1 – Referencial Orientador da Educação Infantil em Rondonópolis

A Proposta Diretriz Curricular Municipal para a Educação Infantil –

PDCMEI foi construída pelo coletivo de professores da Rede Municipal de

Ensino. As primeiras discussões acerca da elaboração da Proposta

aconteceram em 1999; foram vários encontros com os técnicos da Secretaria

Municipal de Educação e professores de Educação Infantil, estando presentes

na pauta para discussão os objetivos, os caminhos para a elaboração do

documento, os eixos norteadores da prática educativa, os princípios da

organização curricular, os saberes e habilidades para o 1º e 2º ciclos, o perfil

dos professores e a avaliação. A publicação da Proposta ocorreu em

dezembro de 2003.

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Em linhas gerais, apresento os pontos principais contemplados pela

Proposta Diretriz Curricular Municipal para Educação Infantil. Entre estes,

estão os objetivos, os eixos norteadores da prática educativa, os saberes e

habilidades a serem trabalhados com as crianças do 1o e 2o ciclos, o perfil do

professor de Educação Infantil e a avaliação.

O referido documento tem por objetivo “construir uma identidade

curricular em sua comunidade, e da administração central / Secretaria

Municipal de Educação, na tarefa de construir e propiciar condições materiais,

formação e carreira condizentes com este nível de ensino” (PDCMEI, p.19). É

com esse propósito que os profissionais de Educação Infantil se articularam

na elaboração da Proposta.

Quanto aos eixos norteadores da prática educativa, pautam-se nos

estudos de Vygotsky, dando primordial destaque à linguagem e trazendo

implicações importantes para as práticas diárias do professor, numa

concepção de interação, que considere as diversas formas de comunicação e

troca. Partindo desses estudos os professores se comprometem “com uma

proposta que valorize o lúdico, considerando os significados inscritos no

brincar, enquanto atividade fundamental e imprescindível para o

desenvolvimento integral das crianças. [...] propomos a brincadeira como um

dos princípios norteadores de todo o trabalho pedagógico nesta etapa

escolar” (PDCMEI, p.16). A Diretriz traz o compromisso dos professores em

pautarem suas práticas nas atividades de ludicidade e prazer, que

compreendam a criança e respeitem seu tempo de aprendizagem.

Os saberes a serem contemplados nessa construção, por sua vez,

estão ancorados em três áreas do conhecimento: Linguagens e Códigos,

Ciências Naturais e Matemática e Ciências Sociais. Dada a amplitude das

áreas e sem a pretensão de dividi-las, mas de oportunizar vivências

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significativas, estas foram delimitadas na perspectiva de favorecer as práticas

de letramento. A delimitação enfatiza a Linguagem e Expressividade; Práticas

Lingüísticas; Linguagem Corporal; Linguagem Artística; Identidade e Cultura;

Ambiente Natural e Higiene; Leitura Numérica e Lógica Matemática.

Nessa perspectiva, o perfil do professor de Educação Infantil é de

importância ímpar, e ele tem como “papel preponderante proporcionar às

crianças uma educação de qualidade que as ajude a entender e superar a

realidade em que vivem, criando no espaço escolar uma atmosfera

democrática que respeite, valorize, promova a diversidade e que conduza ao

bem-estar emocional e físico das crianças [...], encorajando-as a

expressarem-se livremente suas expectativas, interesses e necessidades,

fazendo uso das diferentes formas de linguagem” (PDCMEI, p.130). Assim

sendo, a atuação do professor será de grande complexidade, pois ele deverá

exercer uma prática que promova as crianças para seu desenvolvimento,

considerando as diferenças no processo das inter-relações, na construção do

conhecimento.

Como último pilar abordado na Diretriz, situo o papel da avaliação, esta

pautada no desenvolvimento integral da criança, considerando o caráter da

provisoriedade e as habilidades individuais de cada uma delas no tocante à

aprendizagem. Dos instrumentos utilizados no processo de avaliação

destaca-se, o caderno de campo, composto dos registros diários, por sua vez

fruto da observação realizada pelo professor, no tocante às atividades das

crianças em relação a seu processo de construção de conhecimento. Um

segundo instrumento é o relatório descritivo, elaborado semestralmente; este

é individual e registra a evolução da criança. Ambos possuem importância

singular, pois na elaboração do relatório o professor se utiliza dos registros

constantes no caderno de campo para descrever o progresso da criança e as

intervenções realizadas por ele.

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Os eixos descritos acima compõem as diretrizes da Proposta para a

Educação Infantil Municipal; tais referências são sugeridas como norteadoras

da Proposta Pedagógica das escolas da infância, cabendo ao coletivo de

professores e comunidade escolar articular as mesmas numa construção

democrática, social e com princípios autônomos e de cidadania.

4.2 – Aspectos da Proposta Pedagógica

Entendo ser a Proposta Pedagógica algo que se concretiza na prática,

um mecanismo interno da escola que deve surgir da interação entre alunos,

professores e comunidade escolar. Entretanto, muitas propostas pedagógicas

surgem de um ideário do professor, sem levar em conta o que pensam as

crianças e como desejariam que a escola fosse, sem considerá-las como

sujeito ativo desse processo. Vimos a distância que há entre o conhecimento

produzido pela escola e o proposto pelos professores.

Sempre que instigados a elaborar uma proposta pedagógica, a primeira

indagação dos professores é: Como elaborar uma proposta pedagógica sem

material ou recursos para executá-la? Vejo ser este um dos problemas, porém

não o maior; acredito que ele passe pela formação do professor de Educação

Infantil e suas concepções. No entanto, o problema não justifica a não

elaboração da proposta, pois é esta que mostrará as práticas pedagógicas

que se efetivam na escola. Portanto, é tarefa dos profissionais da educação

conjuntamente com a comunidade e as crianças elaborarem suas propostas e

não recorrer a outros para que o façam. A legitimidade da proposta está em

oficialmente ser elaborada por pessoas ávidas por fazer educação e colocá-la

em prática. É importante lembrar que as propostas não devem ser elaboradas

para cumprir requisitos das Secretarias de Educação, mas, sim, por uma

necessidade de caminhar, por parte da escola.

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Nos pressupostos de Kramer (2005), toda proposta pedagógica ou

curricular necessariamente precisa reunir em suas bases teóricas aspectos

que viabilizem a efetivação da mesma, levando em conta que ela não seja o

fim em si mesma, porém o caminho que todos, professores, crianças e

comunidade escolar devem percorrer. Este caminho, todavia, nunca estará

pronto, pois deverá ser passível de construção, de acordo com os problemas,

as necessidades e realidades diversas. Kramer (2005) contribui com esta

reflexão, afirmando que “uma proposta pedagógica é um caminho, não é um

lugar. Uma proposta pedagógica é construída no caminho, no caminhar. Toda

proposta pedagógica tem uma história que precisa ser contada. Toda

proposta tem uma aposta” (Kramer, 2005, p. 169). A construção desse

caminho requer assumir uma identidade para essa proposta, pois currículo é

identidade.

Pela análise das práticas pedagógicas da professora em foco, é

possível afirmar que estas estão ancoradas na Proposta Pedagógica da

escola, que por sua vez se apóia na Proposta Diretriz Curricular Municipal

para a Educação Infantil. Inicialmente, abordo a Proposta Pedagógica da

escola na qual realizei a pesquisa, seguindo com os pressupostos de Kramer,

que aponta alguns princípios básicos para a elaboração desta, que prime por

uma concepção de infância, de educação e de Educação Infantil, como

também concepções acerca da cultura e do desenvolvimento infantil e a

função da instituição escolar em relação à criança, à família e à comunidade.

A Proposta Pedagógica da EMEI Mateus Vinícius Bráz é composta por

objetivos, justificativa, algumas considerações acerca da infância, plano de

ação da coordenadora, projeto de formação das professoras, conceito de uma

política de qualidade, as metas em relação à reforma e ampliação do espaço

físico, quadro de funcionários com suas respectivas funções e horários de

lotação, o regimento escolar, formação de turmas, os aspectos físicos da

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escola, o histórico da criação da escola, horário de funcionamento e

justificativa do mesmo, além do planejamento semestral. Analiso, a seguir, os

aspectos que julgo de maior relevância.

A Proposta Pedagógica da escola em pauta traça um histórico da

criança ao longo dos séculos, entretanto, nela não expressa as concepções

atuais acerca da infância. É evidente que a construção da proposta foi

efetivada pelo coletivo de professores, porém nem todos os segmentos da

comunidade escolar participaram desse processo. Está implícito que os ideais

ali propostos partiram dos “sonhos” das professoras, aquilo que elas

imaginam ser o melhor para as crianças, mas estas por sua vez, não foram

ouvidas para falar dos seus sonhos e de tudo aquilo que elas esperam da

escola.

A missão da escola explicitada na Proposta é “Proporcionar às crianças

um processo de desenvolvimento num ambiente lúdico e prazeroso em todas

as suas dimensões [...] tendo em vista sua autonomia [...] as capacidades de

relação com o outro, a identidade, as atitudes de tolerância e o respeito às

diversidades”.

Acredito na escola que trabalha na busca de sua identidade e na

construção de práticas autônomas que possam contribuir para termos sujeitos

leitores e críticos da realidade social na qual estamos inseridos. Na

observação das práticas pedagógicas da professora, observei que ela dava

grande importância a atividades como histórias lidas e contadas, desenho

livre em papel, no chão e na lousa, roda de conversa, música, leitura de

jornais e revistas, entre outras. E a prática pedagógica da professora dava

permitia que as crianças trabalhassem num ambiente autônomo.

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A política de qualidade contemplada na Proposta visa “[...] como política

de qualidade manter um trabalho em parceria com a comunidade / família /

SEMEC e outros, visando investir no processo de formação e

desenvolvimento do educando, [...] na busca da melhoria constante do

processo de ensino-aprendizagem das crianças”. Sobre o item qualidade, o

qual é voltado à parceria com a comunidade e a família, entendo este como

ponto de destaque para discussão, pois considero verdadeira a proposta que

dê voz aos pais, aproximando-se de seus anseios e dificuldades reais de

onde e como vivem, buscando conhecer a realidade de cada família e o que

esta espera que a escola faça por seus filhos. Julgo legítima uma proposta

que esteja aberta à contribuição de toda a comunidade escolar, tendo como

principal personagem a criança, pois este me parece o caminho para a

construção de uma proposta capaz de educar para a emancipação.

O objetivo principal mencionado na Proposta é “Promover uma prática

educativa que leve em conta as características dos educandos e da

comunidade estabelecendo e ampliando cada vez mais as relações sociais

[...]”. Ao ler este item, as perguntas emergiram: Como seria ampliar as

relações sem partilhar com os pais a construção da proposta? Como seria

esse caminhar sem a participação de pais e crianças? Por esse objetivo não

seria possível saber em que apostam os profissionais da educação: seria em

seu trabalho, nas crianças ou nas famílias? Mais uma vez reafirmo que seria

difícil valorizar as características individuais de cada criança sem o

envolvimento destas e de suas famílias. Portanto, entendo que a legitimidade

de uma proposta está em sua construção coletiva, com a participação dos

pais, crianças e comunidade nesta construção e neste caminhar.

Sobre a formação continuada de professores na unidade, inicio a

discussão pelo objetivo central do projeto de formação que consta da

Proposta da escola: “Propiciar atualizações, aprofundamento das temáticas

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educacionais, troca de experiências, estudos coletivos, apoiando-se numa

reflexão sobre a prática educativa, promovendo um processo constante de

auto-avaliação, que oriente a formação contínua de competências

profissionais, que contribuam com o aperfeiçoamento das práticas educativas

destinadas à Educação Infantil das EMEIs”.

Tendo posto o objetivo maior do projeto de formação, traço algumas

considerações acerca dos momentos coletivos que optei por chamar aqui de

reuniões pedagógicas, pois na observação e na entrevista pude perceber que

não há uma formação articulada ou estudos coletivos em consonância com o

objetivo explicitado acima. Em entrevista a professora Emília declarou que, “A

escola em si não fornece formação continuada, nós temos a HTPC (Hora de

Trabalho Pedagógico Coletivo), onde nesse momento nós discutimos,

fazemos leitura de textos...”.

A fala da professora requer uma reflexão: o que seria formação para a

mesma? De fato, observei o caráter não intencional da formação, a leitura

aleatória de textos, artigos voltados a temáticas diversas como currículo,

leitura, alfabetização, brincadeiras, entre outras; esses textos eram pauta da

discussão coletiva. Participei apenas de um momento coletivo na unidade, o

qual teve por tema teve a discussão de alguns encaminhamentos da

Secretaria de Educação em relação ao atendimento nas EMEIs.

A HTPC é o único momento coletivo entre as professoras e a

coordenadora pedagógica. Na oportunidade em que participei e na analise da

Proposta e da fala da educadora percebi apenas a socialização de

experiências e discussões de textos que não estão articulados a um projeto

de formação, como apontou a professora: “Na HTPC nós temos momentos

riquíssimos de troca de experiências e discussões coletivas sobre as

práticas”.

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Retomo a formação de professores na escola, pois o equívoco está

posto, com a fala da professora de que não há formação continuada na

unidade. De fato, falta articulação entre as necessidades formativas que

deveriam alavancar a construção de um projeto de formação, e que não

aparecem, e o suporte teórico para discuti-las. Fica explícita aqui mais uma

característica da “proposta de gaveta”, elaborada para cumprir as exigências

das Secretarias de Educação, pois a Proposta Pedagógica da escola em que

se realizou a pesquisa contém um projeto de formação, no entanto sugere-se

que ele existe apenas para cumprir requisitos exigidos. O que se propõe,

desde as concepções de formação, objetivos, metodologia, avaliação,

cronograma e temas a serem estudados, a julgar pelo depoimento, não saiu

do papel.

Para o referido momento coletivo as professoras têm uma jornada de

três horas e trinta minutos semanais. É possível observar que essas

discussões se perdem por não estarem articuladas a um projeto coeso e que

prime pelas necessidades formativas, que a princípio deveriam ser levantadas

por elas próprias. Com a articulação da formação ancorada nessas

necessidades, o grupo não correria o risco de permanecer nas discussões

primárias como a decoração nas datas comemorativas, as culminâncias de

projetos, as atividades a serem realizadas ou as melhorias a solicitarem à

Secretaria de Educação. Não que esses encaminhamentos não devam fazer

parte dos momentos de formação, mas não se deveria destinar todo o tempo

em que os docentes se reúnem apenas para resolver problemas, a meu ver,

de menor importância. Deveriam realizar estudos de natureza teórica, que

pudessem ajudá-los a resolver os problemas cotidianos e a vencer as

resistências a novos olhares em relação à educação das crianças.

Sobre a formação, vê-se em Kramer (2004) que,

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Parece que é chegada a hora de recuperar o valor da escola, a especificidade do pedagógico e, consequentemente, resgatar o seu papel. Muito pode ser feito nesse sentido, particularmente no que se refere à formação dos professores em serviço, ponto que permanece nevrálgico no nosso sistema de ensino. (KRAMER, 2004, p. 91).

A formação dos professores, aqui diagnosticada por Kramer como um

ponto nevrálgico, é uma chave para a implementação de estratégias e

mecanismos que visem à resolução de problemas da escola e aos avanços

significativos de práticas que favoreçam a autonomia e a capacidade crítica

do sujeito.

Em linhas gerais, os aspectos que compreendem a linguagem, na

Proposta da escola, compreendem atividades que contemplam a

comunicação e expressão em vários gêneros orais, literatura infantil,

diversidade textual, relatos de experiências, leitura, escrita e desenho. Estes

são saberes delineados na Proposta Diretriz Curricular Municipal para a

Educação Infantil, que o Projeto da escola primou em realizar e que foram

evidenciados na prática pedagógica da referida professora. O planejamento

das atividades em questão é realizado semestralmente e no coletivo de

professores. O tema do projeto inicial desenvolvido durante todo o 1º

semestre intitulou-se Identidade e autonomia: todo eu tem seu nome, e me

dediquei a analisar especificamente as habilidades voltadas às práticas de

leitura e letramento, que são o foco desta pesquisa.

O projeto desenvolvido no 2o semestre, Construindo Cidadania, não foi

possível analisar, em virtude de o mesmo estar sistematizado apenas no

caderno das professoras e, até o término da observação, não ter conseguido

uma cópia; mas as práticas pedagógicas analisadas permitiram-me fazer as

leituras que serão explicitadas posteriormente, ressaltando que tal falta não

impossibilitou a realização de fazer a análise a que me propus.

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A seguir descrevo as práticas pedagógicas observadas no contexto da

sala de aula e a articulação destas com a Proposta Pedagógica da escola e

com a Proposta Diretriz Curricular Municipal para a Educação Infantil, bem

como procuro deixar minha contribuição em favor dessas práticas.

Segundo a professora Emília, a Secretaria Municipal de Educação de

Rondonópolis promove um encontro mensal com as professoras, no qual são

estudados textos relativos à Educação Infantil. De acordo com seu

pensamento, enquanto professora de Educação Infantil, temos que estar em

busca constantemente, e portanto, refletirmos sobre nossa prática [...]. Parto

dessa afirmação para a discussão do ponto a seguir.

4.3 - Reflexos da Teoria na Prática Pedagógica: ouvindo a professora

Para iniciar a discussão sobre a articulação entre teoria e prática, faço

um breve comentário acerca dos encontros pedagógicos realizados pela

Secretaria Municipal de Educação. Vejo que o foco central destes está

voltado para as práticas pedagógicas dos professores e para que não se dê a

escolarização na pré-escola de forma prescritiva, mecânica e

desconsiderando o conhecimento de mundo das crianças . Ao se analisar o

projeto de estudo, torna-se evidente que a articulação teórica pauta-se nos

estudos de Kramer, Kishimoto, Faria, Barbosa, Mello, Arroyo, e os fazeres

pedagógicos intrínsecos à abordagem de Reggio Emilia quanto a primeira

infância, com as contribuições de Edwards, Gandini e Forman. Vê se também

a preocupação por parte da Secretaria em discutir com os professores

aspectos voltados à construção de suas propostas pedagógicas, que

priorizem uma escola democrática, autônoma, interativa e que respeite os

ideais da infância.

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A proposta para os encontros pedagógicos visa a reunir os

aproximadamente 54 professores de Educação Infantil que atuam na pré-

escola e seus coordenadores pedagógicos para discutirem conjuntamente,

fazendo uma reflexão acerca de suas práticas. Os professores têm

participação efetiva, entretanto, este é o único momento em que todos se

reúnem para estudos e discussões a respeito da prática pedagógica, atendo-

se às especificidades desse nível de ensino.

Pude perceber que, nas discussões sobre a formação docente que

ocorrem nesses encontros, preponderam as preocupações temáticas que

configuram a valorização da escola, de seus profissionais e das crianças nos

processos de democratização da sociedade brasileira, a organização da

escola, os currículos, os espaços e os tempos de ensinar e aprender, o

projeto-político pedagógico, as condições de trabalho e de estudo, o trabalho

coletivo e a escola como espaço de formação contínua. Compreendo a

relevância de serem esses temas discutidos no atual cenário da educação

brasileira, porém entendo que eles requerem ser estudados também no

espaço das escolas, considerando as particularidades de cada uma, e não

somente permanecerem nas discussões promovidas pela Secretaria de

Educação.

Considero ser a formação continuada a instância para a reflexão da

prática docente para possíveis mudanças de concepções, pois o ato de

refletir na e sobre a ação permite ao educador participar ativamente dos

problemas da escola, rever suas rotinas e buscar novas hipóteses na

resolução desses problemas. Isto significa que ao refletir sobre sua prática,ou

seja, ao transformar a mesma em conteúdo de reflexão, o professor toma

consciência de sua prática de ensino e de seu trabalho intelectual. Agindo

assim, o docente atua como pesquisador, constrói sua autonomia

profissional, enriquecendo-se de conhecimentos e práticas não solitários, mas

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construídos em conjunto com outros professores. Ele estará, através desses

encontros, participando da tomada de decisões, da organização e da gestão

da escola.

A análise dos primeiros relatos da professora demonstra a preocupação

que Emília tem com sua auto-formação e a importância que dá às “reuniões

pedagógicas” que se realizam na escola. Percebi que ela considera ser

possível, aí, a reflexão sobre a prática:

Primeiramente o professor tem que querer, porque ele querendo ele vai em busca, o professor de Educação Infantil tem que estar constantemente em busca do saber. [...] a formação chega de uma forma muito boa, além de estarmos adquirindo novos conhecimentos ela traz o momento de estarmos refletindo sobre a nossa prática, trazendo sugestões, então é uma forma de os professores estarem buscando diariamente esse saber. (Profa. Emília).

Em relação à HTPC que se efetiva na escola, vejo-a como positiva, pois

as discussões coletivas acerca das práticas são importantes no processo de

desmistificação de conceitos. Todavia, entendo ser necessário articular a

essas reflexões estudos de natureza teórica que venham ao encontro da

socialização de experiências e possível solução de problemas; a socialização

das vivências dessas professoras não terá sentido se não articular as

mesmas às teorias que discutem as práticas.

Kramer (2005) revela quão indissociáveis considera as concepções

teóricas da prática:

[...] se partirmos do pressuposto de que o caminho é uma construção coletiva dos sujeitos envolvidos na prática educativa, a teoria assume uma outra dimensão. O movimento de apropriação não se dirige à teoria, mas à própria prática, pois é refletindo sobre os desafios enfrentados na prática que

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o profissional reconstrói a teoria e apropria-se de seu fazer, tornando-se livre para agir conscientemente.

Portanto, não é possível sair da teoria e entrar na prática, pois, ao praticar, o professor reconstrói a teoria, que, por sua vez, reinventa a prática. (KRAMER, 2005, p. 148).

Esse processo de reconstrução da prática a partir da teoria pode ser

visto nas reflexões da professora, quando esta demonstrava seu

comprometimento com a formação continuada e com os momentos de troca

de experiências e discussões sobre os fazeres pedagógicos. Estes se

mostraram pontos relevantes em suas concepções, como de fundamental

importância para sua profissionalização.

Ao se expor a importância da articulação entre teoria e prática, coloca-

se em evidência a escola como espaço institucional de práticas coletivas. A

compreensão dos processos de constituição do saber fazer docente abre

caminhos para o estudo na escola nos cursos de formação e para novas

possibilidades de se articular as formações inicial e contínua. Os estudos

coletivos que ocorrem no espaço escolar contribuem para os processos de

reflexão e intervenção concreta na prática pedagógica.

O espaço da escola é e deve ser tido, cada vez mais, como um locus

de estudo e de construção de conhecimento, os quais são parte

indispensável do processo de formação contínua do professor. É neste local

que ele efetiva seus fazeres, portanto, deverá ser este um espaço de troca de

experiências, anseios e aprendizagens coletivas. Entendo que o ambiente

escolar seja insubstituível no tocante aos questionamentos, reflexões e

produção de conhecimento, é neste espaço que deverão ser realizadas e

consolidadas as discussões sobre as concepções e práticas pedagógicas que

se efetivam na escola.

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4.4 - Instrumentos Utilizados para Subsidiar a Prática Pedagógica

Ao olhar para o universo curricular da Educação Infantil, imediatamente

nos deparamos com um modelo de ensinar “importado” do Ensino

Fundamental. Isso é perfeitamente explicável, pois sabemos que todos os

instrumentos utilizados na Educação Infantil foram pensados dentro do

modelo oficial de ensino que se tinha na época, conforme enfatiza Kuhlmann

(2005):

Na versão preliminar dos Referenciais Curriculares para a Educação Infantil, as propostas para as crianças menores subordinam-se ao que é pensado para as maiores, seguindo um atrelamento ao ensino fundamental. Para ser educacional, o modelo por excelência seria aquele. Daí a compartimentação e o contorcionismo para encaixar as especificidades da educação da criança na faixa etária dos 0 aos 06 anos. (KUHLMANN, 2005, p. 56).

Entendo que a articulação que deveria ocorrer perdeu-se na

subordinação a algo “superior”, no caso o Ensino Fundamental, em

detrimento do “menos importante”, a Educação Infantil. Esta é a leitura que

faço, a julgar pelas políticas e investimentos prioritários no ensino obrigatório.

Entre tantas propostas sugestivas de trabalho na infância, o RCNEI –

Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil - 1999, se

estabelece enquanto referencial de consulta. Segue a fala da professora em

relação aos instrumentos que subsidiam seu planejamento e,

conseqüentemente, sua prática pedagógica:

Eu diria que o RCNEI seria o carro-chefe, no nosso planejamento, além dele nós corremos atrás de outros instrumentos, texto,... na formação continuada, na discussão, o que está tendo de sucesso, êxito. A Proposta Diretriz Curricular do município é muito boa, mas como em todo momento nós precisamos estar ampliando, buscando, é... e o que é melhor, ela vem contemplar para que nós trabalhemos de uma forma interdisciplinar. (Profa. Emília).

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A idéia de subsidiar a prática através de instrumentos teóricos é

intrínseca às concepções da professora. Segundo a mesma declara, fazem

parte dos aportes utilizados por ela, o RCNEI e a Proposta Diretriz Curricular

para a Educação Infantil no município. No entanto, os eixos sugeridos na

Diretriz municipal apresentavam detalhes pouco definidos na Proposta

Pedagógica da escola, a exemplo das habilidades referentes à linguagem.

Acredito que o ponto de conflito ocorria por se conhecer esses saberes, mas

não os articular ao projeto da escola. Os fazeres da professora se voltavam a

atividades relativas a planejamentos isolados e desconectados de uma

proposta, por mais que se mostrassem significativos às crianças.

O RCNEI e a Proposta Diretriz trazem algumas reflexões acerca do

trabalho pedagógico com as crianças e da responsabilidade do professor de

Educação Infantil: “[...] compreender, conhecer e reconhecer o jeito particular

das crianças serem e estarem no mundo [...] é o grande desafio da educação

infantil e de seus profissionais” (RCNEI, Vol. I). Sobre o assunto, a Proposta

Diretriz (2004) preceitua:

Para a superação deste desafio, o profissional da educação infantil, precisa de respaldos teóricos /metodológicos que sustentem sua prática pedagógica e o torne alguém capaz de compreender-se político e pedagogicamente com a realidade social, econômica e afetiva das crianças. (PDCMEI, 2004, p. 30).

Baseado nesses pressupostos, Kramer (2004) vem reafirmar que a

proposta pedagógica de uma escola vive em constante movimento, o que nos

permite estar em processo diário de discussões passíveis de construção.

Concordo com as palavras de Kuhlmann (1998) no sentido de que não é mais

preciso inventar a roda na educação, ela já foi inventada, agora é ir aparando

as arestas, num contínuo processo de construção e reconstrução de

significados e conceitos.

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4.5 – Vivenciando as Práticas Pedagógicas de Letramento, Leitura e

Escrita

Ao longo do tempo, muitas têm sido as discussões sobre as

concepções e práticas na educação. Em se tratando de Educação Infantil,

também foram inúmeros os olhares, e entre eles o de Kramer (2005), que

propõe enxergarmos a criança como dotada de capacidade de vivenciar

práticas enquanto sujeito ativo no processo educacional.

A prática que pode levar o professor a uma apropriação de seu fazer é aquela capaz de ir além das demandas imediatas do dia-a-dia para alcançar a condição de práxis: prática pensada, refletida. [...] no caso da educação infantil tem o desafio de trazer a criança, como sujeito histórico-cultural, [...]. (KRAMER, 2005, p.152 - 153).

Quando me propus discutir a prática pedagógica de uma educadora,

logo me reportei às atividades propostas por ela, àquilo que as crianças

fazem, do que gostam, as rotinas, enfim, a toda uma organização proposta

pela escola.

Com base nas observações, dispus-me a apresentar um quadro que

contemplasse a organização diária realizada pela professora Emília. De

antemão, esclareço que não foi uma tarefa fácil, em virtude de a professora

não seguir uma “rotina” estável, já que organização diária proposta por ela

não era linear, todos os dias havia uma condução diferenciada dos trabalhos.

Denomino esse quadro, exposto a seguir de Síntese das Atividades Gerais de

Organização Semanal.

Síntese das Atividades Gerais de Organização Semanal

1 Receber as crianças na porta da sala.

2 Conversar com os pais sempre que estes vierem trazer os filhos.

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3 Músicas: propostas na maioria das vezes pelas crianças.

4

Atividades de leitura propostas pela professora e pelas crianças: leitura de história, de jornal, de revista, de livros, do espaço da sala de aula, dos nomes das crianças, dos cartazes expostos, das atividades realizadas pelas crianças, do dia da semana, mês e ano, do relógio do tempo.

5

Narração de histórias: pela professora e pelas crianças. Utilizando livros de literatura infantil, fichas de leitura, gravuras e cartazes.

6 Socialização no pátio (entre as duas turmas).

7 Roda de conversa diária.

8 Filme, sempre numa ação coletiva de interação (juntamente com a outra turma).

9 Relatos de experiências vivenciadas pelas crianças.

10 Leitura de adivinhas, parlendas e poemas com rimas.

11 Interpretação e análise de textos e histórias “lidas” pela professora e pelas crianças.

12

Atividades de leitura e escrita: recorte, colagem, produção livre em pequenas, médias ou grandes dimensões, desenhos com giz branco ou colorido, no caderno,na lousa, no pátio ou em cartazes.

13

Atividades de pesquisa dirigida (uso de jornais, revistas e livros diversos, para pesquisar letras, palavras ou objetos sugeridos pela professora).

14 Ginástica de relaxamento, jogos em sala e no pátio, brincadeiras de faz-de-conta – interação.

15 Passeios pela comunidade e em locais de natureza diversa.

Decidi chamar a realização das atividades de organização e não rotina,

uma vez que esta última palavra remete, na maioria das vezes, a coisas não

mutáveis, inflexíveis, o que não era o caso desta sala. Não havia tempo

estipulado para essas atividades, e as crianças não eram obrigadas a

participar, todas, das mesmas atividades, num tempo proposto. A sugestão

das crianças na elaboração dos “combinados” diários era acatada, à medida

que a maioria concordasse. Também as atividades não eram as mesmas

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diariamente, todas as manhãs eram propostos novos “combinados”, uns

encaminhados pela professora e outros pelas crianças.

Com o intuito de ilustrar o cenário de atividades exposto acima,

apresento um recorte da fala da professora Emília, delineando seus fazeres e

experiências em sala de aula:

No meu dia-a-dia eu trabalho levando a música, a leitura, história ... e de uma forma bem espontânea [...]. As crianças cobram de mim a leitura de histórias. Eu ofereço vários tipos de texto, revistas, jornais, rótulos, então eu estou sempre oportunizando à criança a estar escrevendo, lendo e tendo esse contato com a leitura e escrita, então é a oportunidade. Fazemos leitura de calendário, dos numerais, de cores, da janelinha do tempo, na lousa com nome das crianças, da escola, quantidade... então essas são leituras que as crianças têm contato diariamente, sem falar das leituras de histórias ... o visual... então esse é meu trabalho que diariamente eu faço com as crianças. (Profa. Emília).

Vejo a importância de fazer, neste ponto, um relato sobre algumas

atividades que permeavam a sala de aula; destaco a relevância das

atividades orais, de leitura, escrita e desenho, realizadas pelas crianças, pois

eram atividades corriqueiras e significativas.

A leitura do espaço da sala de atividades era uma dinâmica diária e que

aparece nas figuras 03 e 04 a seguir:

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Fig. 03 - Leitura no espaço da sala auxiliado Fig. 04 - Crianças observando as ilustrações do alfabeto pela professora. exposto na sala.

Nessa dinâmica, com nuances diferentes, ora a professora fazia a

leitura de todos os cartazes e objetos da sala, ora as crianças eram

convidadas a realizar individualmente a leitura. Era uma atividade que elas

partilhavam com muito entusiasmo, pois estavam lendo, e ficava evidente que

tinham prazer em realizar. A participação de todos era bastante efetiva,

passava a idéia de ser a primeira vez que o faziam, no entanto era uma

atividade diária. As crianças que pouco falavam viam-se motivadas pelas

outras a participarem, a docente mantinha uma postura de incentivar a todos,

porém com respeito àqueles que limitavam sua participação.

Percebendo que a professora não fazia uso de cópias mimeografadas

nas atividades, perguntei na entrevista sobre o valor do mimeógrafo como

recurso para sua aula. Emília se mostrou indignada com o uso deste

instrumento na realização de atividades para as crianças:

Não, não gosto. Por que as crianças levarem prontas as atividades? Elas que têm que criar, têm que colocar todos os desejos, as vontades, os conhecimentos de mundo, conhecimentos familiares, o meio que elas vivem, elas vão colocar ali no papel, não é aquele material pronto e acabado, então eu abomino o mimeógrafo. (Profa. Emília).

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Com essa fala, fica evidente o quanto as produções livres e criadoras

das crianças possuíam um significado nas práticas diárias da professora.

Chego a essa colusão com base na entrevista realizada com Emília e na

observação, visto que nesta pude vivenciar tais experiências, a exemplo dos

desenhos e dos momentos individuais e coletivos de brincadeiras diversas.

Era interessante observar as crianças nas atividades que envolviam as

brincadeiras no pátio e sua autonomia relativa à escolha dos brinquedos e

brincadeiras, o que fazia parte desse fenômeno.

Fig. 05 – Crianças brincando no pátio da escola. Fig. 06 – Brincadeira com montagem por peças.

As figuras 05 e 06, demonstram a liberdade das crianças em brincarem

com os colegas e com os objetos que escolhessem para tal, dando

significado ao contexto em questão, conforme preceituam as idéias de

Kishimoto (2000) de que o prazer da interação está na correspondência entre

o significado e a ação. Neste sentido, o faz-de-conta e a interação são

peças-chave para o desenvolvimento da criança.

Situação semelhante ocorria na produção e reprodução de desenhos,

em que as crianças se sentiam livres para expressar suas idéias e trabalhar

com a linguagem artística.

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Fig. 07 - Desenho livre. Fig. 08 - Desenho livre

Foram muitas as experiências em que o desenho livre era a atividade

principal, como as apresentadas nas figuras 07 e 08 propostas pela

professora para que os pequenos desenhassem o que mais gostaram do

passeio à chácara do Tio Chico (descrito neste capítulo). Em meio a tanta

imaginação e vivências significativas, as crianças tiveram a oportunidade de

efetivar por meio dos desenhos, o que a memória havia registrado.

Figuras 09 e 10 - Representação do passeio realizado na chácara do Tio Chico.

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Na figura 09, Bradley desenhou o que mais gostou do passeio, que foi

a piscina; já Geovanna gostou da experiência com os macacos, e sua

tentativa de desenhá-los é apresentada na figura 10. Sobre a capacidade

representativa dos desenhos, manifestada na intenção de reproduzir algo,

verifiquei que a professora tinha papel importante na tarefa de desinibir as

crianças em relação às suas próprias produções. Ela as estimulava a produzir

e dava destaque às produções; sempre as levava para o varal de exposição

existente na sala, sem deixar de escrever o nome das crianças nos trabalhos,

no caso daquelas que ainda não dominavam tal escrita.

A atenção que a educadora dava aos rabiscos e traços que as crianças

produziam é uma postura a se ressaltar; pois esta tentava sempre dar

significado ao desenho e procurava estar à disposição das crianças mediando

e sendo sua “escriba”, identificando objetos e personagens desenhados por

elas. A atividade de desenhar às vezes era percebida pelas crianças como o

simples ato de rabiscar, porém as relações entre lápis e papel, giz e piso eram

constantemente estabelecidas através da representação nos desenhos, como

os demonstrados nas figuras 11, 12, 13 e 14 a seguir:

Fig. 11 - Desenho de giz, uma flor. Fig. 12 - Desenho de giz, um carro.

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Figuras 13 e 14 - Crianças no pátio da escola realizando desenhos de grande dimensão com giz colorido, após assistirem ao filme Pippi.

Nesses momentos era possível perceber que a atividade do desenho

livre proporcionava a essas crianças grande prazer e atendia à sua

necessidade de expressar seu conhecimento de mundo e suas emoções. A

professora acompanhava os alunos mediando as mais diversas formas de

expressão de suas idéias através do desenho.

Figuras 15 e 16 Crianças realizando desenho livre com giz colorido no pátio da escola após assistirem o filme Pippi. Atividade realizada com a mediação da professora.

Na atividade mostrada nas figuras 15 e 16 acima, as crianças estavam

no pátio e realizavam desenhos de grandes dimensões, com giz colorido. Os

traçados e gráficos se transformavam à medida que o pensamento evoluía, e

através da interação e de atividades de leitura e escrita as crianças permitiam

que essa ebulição de idéias viesse a ser representada em seus desenhos.

Essa era uma atividade da qual as crianças gostavam muito e que a

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professora proporcionava-lhes sempre após a narração de história, filme,

passeio ou outra atividade que lhes permitisse representar. Nas atividades de

desenho a professora não recorria a modelos prontos: tinha esta como uma

oportunidade para as crianças criarem e recriarem desenhos ligados a

conquistas internas próprias de suas representações. Nesse contexto de

produção não existia o feio e o bonito ou o certo e o errado, mas era um

momento de aprendizagem e isso era levado em conta pela docente.

No chão do pátio os pequenos podiam contar com um espaço

privilegiado, usando o giz colorido, de modo que saíam da folha de papel. O

desenho não era visto como uma maneira de passar o tempo, mas como uma

atividade mental da criança, capaz de representar sua cultura e seu nível de

desenvolvimento intelectual. As atividades de desenho propostas pela

professora Emília demonstravam que ela valorizava o desenho livre das

crianças como uma linguagem propulsora para a interação social, psíquica e

cultural das mesmas.

Momentos muito especiais na sala ocorriam nas atividades de

oralidade: instigadas pela professora, as crianças iam à frente para contar

histórias, cantar, representar ou apresentar seus trabalhos. Nessa atividade

elas divertiam bastante, pois contavam suas experiências, inventavam

histórias, e era um momento ímpar para estimular os mais tímidos e fazer fluir

a imaginação. Ao término da fase de observação, todos já se propunham vir à

frente para se expressar das mais diversas formas. Entendo serem de

fundamental importância atividades que valorizem a oralidade da criança,

considerando que esta ainda não possui o domínio da escrita e edifica seu

mundo na oralidade. As figuras abaixo representam as diversas atividades de

oralidade que se envolviam as crianças.

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Na figura 17 Geovanna conta aos colegas sobre seu passeio ao

zoológico da Universidade Federal de Mato Grosso – Cuiabá; ela é minuciosa

nos detalhes e todos ouvem atentamente o relato de sua experiência.

Fig. 17 - Narração do passeio realizado por Geovanna.

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Lica, conforme mostra a figura 18, vai à frente para cantar; a oralidade

com o uso do microfone é realizada freqüentemente com as crianças e

consiste em uma forma de estimulá-las nas atividades de ler, contar e cantar.

Fig. 18 - Criança realizando atividade oral, cantando a

música,Borboletinha.

Nas figuras 19 e 20, os meninos dramatizam a música A Natureza.

Cantavam e se expressavam através de gestos, com o uso do microfone e a

custo de muita diversão. Eram atividades que envolviam as crianças numa

dimensão lúdica e prazerosa, provocando entusiasmo, envolvimento e

satisfação, que as convidava a vir à frente, num processo de interação,

diversão e aprendizagem.

Figuras 19 e 20 - Os meninos vão à frente cantar e dramatizar, atividade realizada diariamente.

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Essas situações de se expressarem livremente permitem às crianças

criarem uma infinidade de manifestações e práticas significativas. Vejo ser a

oralidade uma atividade tão importante quanto a escrita, e a professora em

foco tem ancorado nas concepções sobre a mesma a importância do resgate

dessa atividade na Educação infantil. A oralidade antecede a escrita e,

portanto, a ela deve ser dada a devida importância na educação das crianças.

Por meio das atividades orais foram instauradas as condições para a

interação que potencializasse o estimulo à escrita; entretanto, acredito que

em virtude das interpretações equivocadas em relação à escrita na Educação

Infantil, a professora não se aprofundava por períodos prolongados em

atividades que exigissem das crianças o uso desta. Por outro lado, o diálogo e

a contextualização entre oralidade e escrita ocorriam nas práticas

pedagógicas diárias propostas pela docente, e nesse contexto a criança era

produtora de textos, principalmente do texto oral. Acredito na importância da

produção desses textos, inclusive por ser a linguagem oral uma das

responsáveis pela compreensão da linguagem escrita. Como afirma Cardoso

(2000, p. 258), “A narrativa oral na sala de aula revela a força da linguagem

[...]”. Este é um espaço fecundo de aprendizagens significativas e possíveis

de diversas linguagens.

Sobre a escrita foram diversas as cenas de experiências significativas

para as crianças, e momentos potenciais de escrita; entretanto, também

ficaram outros momentos nos quais a escrita passou a ser elemento

secundário, quando seria indispensável sua presença.

As práticas de escrita na sala observada foram muitas. Não estou me

referindo as escritas escolarizantes, à repetição de letras e sílabas, mas ao

direito das crianças de criarem suas produções, à relação de respeito que

aquele grupo de crianças e professora estabeleciam no decorrer dos dias, o

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que, sem dúvida nenhuma, foi conivente para o prazer das crianças ao

interagirem nas práticas de leitura e escrita .

Muito me chamou a atenção a maturidade da professora ao responder à

pergunta de como se efetivava a escrita das crianças dentro das diversas leituras

que são realizadas e já citadas anteriormente. A docente nos propiciou alguns

exemplos, sempre se reportando às aulas anteriores e recordando as

atividades realizadas, o desempenho e envolvimento de cada criança,

chegando a afirmar que algumas crianças faziam a leitura de livros e jornais,

outras já pediam ajuda por querer escrever tal palavra que identificaram na

revista e assim por diante. Seguem algumas declarações da professora:

Além de incentivar a elas escreverem, tem um andamento espontâneo, no coletivo, sem censurar o certo ou o errado. Traduzimos a escrita através de dramatizações, de desenhos com giz no chão, no caderno, em folhas, enfim, nos diversos espaços que tivermos para isso. Eu trabalho sempre incentivando as crianças, às vezes eles até chegam e pedem para eu desenhar para eles, daí eu digo, mas por quê? Você é tão inteligente, você é capaz eu tenho certeza que o seu vai sair mais bonito do que o que a professora vai fazer, daí ele faz, ele acredita, a partir desse comentário que você faz ele acredita no seu potencial. (Profa. Emília).

Presenciei na sala que a participação das crianças nas atividades de

leitura e escrita eram incentivadas pela professora, colocadas em cartazes ou

mesmo dramatizadas pelas crianças. As crianças trabalhavam a leitura e a

escrita, ora individualmente, ora coletivamente, usando suportes variados para

suas produções: cartazes, quadro de giz, o chão, o caderno, conforme

mostram as figuras nos 21 e 22, que reportam uma atividade de escrita. Na

figura 21, em momento de brincadeira no pátio, Geovanna dá pistas de que a

escrita já está incorporada em suas brincadeiras. Na figura 22 são as

atividades de recorte, colagem, elaboração e exposição de cartazes

construídos com letras e palavras que norteiam o trabalho coletivo.

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Fig.21 – Hora do recreio, as crianças tinham Fig. 22 - Atividade de recorte e colagem de liberdade de escolher com o que queriam brincar, palavras e letras já conhecidas pelas crianças. Geovanna escolheu o lápis e o papel.

Entrevistei uma das crianças sobre o que ela achava de ler e escrever

na escola, o que se transcreve a seguir.

[...]

E você gosta de ler? - Gosto ! Você lê de tudo ou tem alguma coisa que você não sabe ler? - Eu leio de tudo, mas não sei muito ler. Mas eu gosto de brincar com os livros. Você gosta de livros que têm muita letra ou que têm muito desenho? - Letra, muita letra. Mas gosto dos que têm desenho também, mas os que têm muita letra é mais legal. Já sabe escrever seu nome? - Ainda não ! (Geovanna)

Face a essas respostas, observei que essa criança, especificamente,

partilhava em casa de um ambiente de letramento, e na escola de Educação

Infantil a professora deve atuar como mediadora na aprendizagem da leitura e

escrita. Entre as experiências de escrita relatadas aqui, percebi que o maior

conflito das crianças estava no desejo de escrever seu nome, as figuras

abaixo refletem esse desejo.

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Figuras 23 e 24 – Crianças utilizando do espaço da lousa para realizar a escrita do nome; a professora mediava o processo.

Esse era um momento em que a professora conjuntamente com as

crianças realizava as hipóteses sobre a leitura e escrita; as crianças se

envolviam problematizando a escrita, na tentativa de solucionar as dúvidas

em relação a escrever o nome. A professora agia como mediadora do

processo, intervindo sempre que solicitada pelas crianças. A observação e

análise por parte da mesma ocorria não com o objetivo de classificar as

crianças em quem sabe mais ou menos, mas sim com o intuito de nortear as

práticas voltadas à leitura e escrita. Cheguei a essa conclusão baseada na

observação das práticas da educadora.

Pude observar que ela não recorria aos métodos tradicionais do

ensino da leitura e escrita, mas propiciava às crianças experiências

significativas com a linguagem oral e escrita, ampliando suas competências

de fala, escuta, leitura e escrita.

Criticando as atividades tradicionais e os métodos para o ensino da

leitura e escrita, Kramer (2004) assim conclui:

[...] eu diria que a decisão sobre métodos e técnicas a serem utilizados precisa levar em conta até que ponto eles favorecem essa compreensão, por parte das crianças, de que palavra escrita significa algo, texto escrito não é um conhecimento livresco, abstrato, mas, ao contrário, uma forma concreta de expressão e entendimento de objetos, sentimentos e

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pensamentos reais. A escolha de como se ensina deve estar, então, relacionada à compreensão de como a criança aprende e também ao entendimento de que na prática da alfabetização há pessoas (professores e alunos, adultos ou crianças) que são criadores de cultura e que são criados na cultura. (KRAMER, 2004, p. 100).

Sobre a escrita na Educação Infantil, Vygotsky (apud Faria e Mello,

2005, p. 26) chama a atenção para as representações da escrita que se

efetivam na escola: “Ensinamos às crianças a traçar as letras e a formar

palavras com elas, mas não ensinamos a linguagem escrita”.

Neste sentido, Mello (2005) considera que,

[...] a escrita representa a fala, que, por sua vez, representa a realidade. Por isso, a escrita é uma representação de segunda ordem.[...]. Para Vygotsky, a aquisição da escrita resulta de um longo processo de desenvolvimento das funções superiores do comportamento infantil que o autor chama de pré-história da linguagem escrita. Esta história – que é, na verdade, a história das formas de expressão da criança – é constituída por ligações em geral não perceptíveis à simples observação e começa com a escrita no ar, com o gesto da criança ao qual nós, adultos, atribuímos um significado. Entre o gesto e o signo escrito dois elementos se interpõem: o desenho e o faz-de-conta. (MELLO, 2005, p. 26 - 27).

A respeito de a professora focalizada na pesquisa compreender,

instigar e valorizar as práticas de escrita que se efetivavam no coletivo entre

as crianças, foi possível evidenciar diariamente, na observação e também na

fala da mesma, atividades dessa natureza. Uma de suas respostas assegura

que:

O desenho, a produção oral é uma das que eu mais utilizo, a interpretação livremente [...] Assim eles comentam, depois eu instigo eles a colocarem na folha, no caderno, com giz na lousa, onde eles vão colocar ali todos os conhecimentos que eles adquiriram no momento em que foi contada a história ou a música. Isso não só através da história, mas a música, assistir um filme e assim vai sucessivamente. Jamais a gente trabalha sem que eles produzam. (Profa. Emília).

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Como se evidenciou, foram muitas as situações de oralidade, no

entanto, a escrita às vezes assumia lugar secundário, talvez devido às

interpretações que se fazem da escolarização da Educação Infantil, das

críticas a algumas práticas pedagógicas e aos equívocos de concepções.

Mesmo tendo a professora dedicado maior atenção às atividades orais, vi sua

preocupação em todos os momentos em que as crianças adentravam no

caminho da escrita. Imagino que, diante de tantas práticas significativas, ao

término do ano letivo as crianças estivessem próximas de serem as autoras

de seus próprios textos.

Dessa maneira, é possível afirmar que a professora, ao permitir às

crianças que se apropriassem das várias linguagens, oferecia a elas a

oportunidade de elevar seu nível de letramento.

4.6 – Audição de Rádio como Conhecimento da Realidade

Um novo tempo exige novas práticas pedagógicas, pois numa

sociedade letrada, as crianças estão expostas todo o tempo aos signos

escritos, antes mesmo de seu ingresso na escola.

Além disso, segundo Kramer (2005), a criança é um,

[...] sujeito histórico e social, capaz de expressar idéias e sentimentos e de assumir sua condição de sujeito inventivo, com o poder de virar pelo avesso a ordem natural (ou naturalizada?) das coisas. (KRAMER, 2005, p. 133).

Na observação, pude partilhar das mesmas idéias, pois todos os dias

vimos as crianças mexendo com nossos conceitos e exigindo de nós

professores mudanças nas concepções e práticas pedagógicas.

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O relato a seguir, consistiu em um momento da prática da educadora

que me causou interesse e muito prazer ao partilhar dessa experiência.

Primeiramente, a professora aguçou meu interesse sobre o assunto na

entrevista, quando contou que havia levado o rádio até a sala para ouvir com

as crianças:

Eu levei o rádio para a sala, e eu levei o rádio com a proposta de as crianças ouvirem os acontecimentos de nossa cidade. Era um programa de noticiário, e eles acharam muito estranho e diferente [...] mas assim sempre tinha dois ou três que não se envolviam e ficavam fazendo outras atividades sem achar interessante. Os demais já se prenderam, chegaram a ficar até com a cabecinha bem próxima ao rádio. E o objetivo foi mesmo levar o que estava acontecendo em nossa cidade. Foi logo no início do ano e eles acharam algo diferente porque até mesmo em casa eles não tinham o hábito de ouvir, então o objetivo foi atingido; as crianças estavam eufóricas, pois foi no início do ano[...] logo nos primeiros dias, trabalhava a questão do silêncio, do ouvir[...] então foi assim muito bom, mesmo, foi uma experiência muito boa, mesmo. (Profa. Emília).

É sabido que o rádio é um dos meios de comunicação de grande

alcance, porém não é muito difundido no meio das crianças, pois estas

costumam ser atraídas pelas imagens, a exemplo da televisão; entretanto,

nessa escola o rádio era o diferente, que permeou as aulas da professora.

Para mim foi uma surpresa ter em uma sala de aula de Educação Infantil um

enfoque nas notícias do rádio. Este é considerado um dos mais significativos

meios de comunicação do século passado, no entanto, como se afirmou, não

é o preferido da maioria das crianças. Mas é muito gratificante poder relatar e

discutir uma experiência tão significativa, que envolve situações de leitura,

sentido, reflexões e muita curiosidade.

Antes de vivenciar essa experiência, havia entrevistado as crianças e,

como já tinha ouvido da professora sobre a experiência com o rádio, perguntei

a algumas delas o que achavam de ouvir o rádio na sala de aula. As

respostas foram várias:

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Eu gosto de ouvir o rádio, a gente fica sabendo das notícias, o que mais gosto no rádio são das músicas, das histórias que eles contam e de ouvir minha mãe e meu pai, porque eles trabalham no rádio. (Geovanna) É legal ouvir rádio, mas gosto de ouvir música, e se você ligar lá eles colocam a música que você pedir. É legal! Mas todo dia enjoa, não ouço todo dia, não. (Vitória) Eu não gosto de jornal nem de rádio. Ouvir rádio é chato. Minha mãe fica o tempo todo com o rádio ligado, eu não gosto. Gosto mesmo é de brincar e ver televisão. (Bradley)

Passados alguns dias da entrevista, a professora proporcionou

novamente a atividade de audição de programa no rádio. E lá estavam as

crianças atentas às notícias; o programa que elas ouviam era noticiário local,

sendo que o locutor narrava fatos cotidianos ocorridos na cidade. O rádio foi

colocado sobre uma cadeira, no centro da sala, e as crianças ficaram em

círculo, sentadas no chão, pois queriam ficar bem próximas ao aparelho,

sendo que alguns chegavam até a encostar o ouvido neste. As fotos, a seguir,

demonstram o fato descrito, a interação que ocorria nessa atividade e a

expressividade do rosto das crianças. Surpreendeu-me a atenção que estas

davam às notícias narradas e ao tempo em que ficaram concentradas em

ouvir as notícias, o que, de fato, era uma atividade significativa para elas.

Figuras 25 e 26 – A roda do rádio, audição de rádio na sala de aula.

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O assunto em questão era o noticiário local, e a notícia que estava em

pauta era sobre as queimadas que ocorriam nas redondezas de nosso

município, mais especificamente na Aldeia Tadarimana, onde vivem os índios

tadarimanas. Havia uma especulação divulgada pela mídia de que os

responsáveis pelas queimadas seriam os próprios índios, e isso gerou certo

desconforto na cidade; os alunos índios começaram a ser discriminados nas

escolas, enfim, havia um clima de inquietação por parte de toda a sociedade,

em virtude da péssima qualidade do ar, que estava causando muitas doenças

respiratórias.

As crianças já haviam discutido anteriormente a importância do ar em

nossas vidas, pois quase todos os dias, durante o mês de agosto, elas

reclamavam de dor de garganta, ardência nos olhos, afirmavam que havia

alguém doente na família, enfim, muito foi discutido sobre a questão do meio

ambiente e especialmente do ar.

E o assunto do noticiário, naquele dia, era exatamente o incêndio que

devastava a aldeia; portanto, estavam todos muito atentos para entender do

que se tratava a notícia, e o que teria o rádio de informação nova a somar

com o conhecimento já adquirido em relação ao assunto. As crianças ouviam

atentamente a notícia, que falava da situação difícil que enfrentavam os índios

e na oportunidade o locutor defendia que estes eram vítimas do incêndio e

que não seriam eles os responsáveis pelo fogo, conforme noticiavam os

meios de comunicação local. Foi dito que as autoridades da aldeia estavam

na cidade para discutir com as autoridades do município a ajuda para

solucionar o problema, em virtude de os índios já estarem com muito prejuízo

material e muitos com doenças respiratórias.

Após ouvirem a notícia, alguns duvidavam que os índios não fossem

culpados, outros ficaram com pena deles, dando margem para muitos

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questionamentos e uma ampla discussão em sala. Vimos ser este um

momento de grande aprendizado, abrindo-se um leque de possibilidades para

se trabalhar com a linguagem oral e escrita.

Dentre tantas possibilidades de se trabalhar com o rádio, quero aqui

destacar a prática interativa que o rádio promove: muitas são as

possibilidades de estabelecer o diálogo com o radialista, e esta seria uma

experiência ímpar para as crianças. Acredito que a comunicação através

desse meio deve ser voltada para a transformação e, assim, nessa

experiência as crianças poderiam se utilizar do espaço aberto para reivindicar

melhorias para sua escola e comunidade. Desta forma, elas estariam se

utilizando desse meio de comunicação no intuito de contribuir para a

transformação das condições de vida de todos.

A ação dialógica é função indispensável da linguagem, e as crianças

precisam necessariamente partilhar dessa experiência para reduzir as

distâncias que há entre elas e outras pessoas, permitindo que elas

desenvolvam a reflexão que deve ocorrer no ato de ouvir, a fala

questionadora e a capacidade criativa de transmissão de significados. O uso

do rádio possibilita transformar o ambiente da escola, re-significando as

relações existentes nesse espaço interativo e carregado de intenção.

Após alguns dias da atividade com o rádio as crianças partilharam de

momentos de leitura do jornal local A Tribuna, do qual foram distribuídos

vários exemplares, de dias diferentes, para que as crianças fizessem a leitura

dos mesmos e dissessem o que mais chamou a atenção. Em uma mesa onde

estavam sentadas três crianças, elas começaram a interessar-se pelo mesmo

jornal, pois haviam visto uma foto que chamou sua atenção. A foto era do

prefeito, alguns índios e policiais; as crianças não se contiveram e pediram à

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professora que lesse para elas, pois, na atividade de ouvir o rádio, a imagem

que construíram do prefeito e dos índios havia ficado em suas lembranças.

As crianças estabeleceram uma relação entre a notícia de rádio, que

informava sobre a vinda dos índios à cidade para falarem com as autoridades

locais a respeito do fogo que consumia suas terras, e as imagens do jornal no

qual fizeram a leitura. O código escrito e a audição estavam sendo

referenciados pelas crianças num contexto de letramento e de práticas

pedagógicas significativas.

Naquele momento não foi intencional a ação da professora em trabalhar

as notícias do rádio e o texto escrito dos jornais, porém as crianças trouxeram

para a sala uma aula que possibilitou à educadora articular as duas situações

de comunicação, o auditivo e a escrita.

As imagens e o texto escrito das notícias dos jornais permitem às

crianças, por meio da linguagem verbal e não-verbal, realizar percepções

sobre o cotidiano e desenvolver as habilidades do uso da língua.

Figuras 27 e 28 – Leitura de jornal e intervenção da professora quando solicitada pelas crianças.

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E as crianças enveredavam pelo mundo das letras, dando significados

aos fatos e objetos vistos por elas, em uma prática pautada em princípios de

letramento, leitura e escrita. (figuras nos 27 e 28).

Essa experiência apresenta um elemento relevante, tendo o rádio como

instrumento educativo na escola da infância. A professora se propunha ouvir

com as crianças o noticiário local, sempre no intuito de articular a notícia

escrita com a falada. Quando indaguei às crianças sobre o que achavam de

ouvir o rádio na escola, apenas uma disse não gostar, porém justificou. Não

gosto de ouvir o rádio porque em casa minha mãe vive com o rádio ligado!

(Bradley). Entretanto, em meio ao que não se interessou por ouvir o rádio,

que não me aterei aqui a causa, a maioria das crianças se interessava pela

atividade, denominada A roda do rádio.

Entendo que a identidade da escola e mais precisamente das aulas se

constitui com espaços como este, de aprendizagens plenas significado e

prazer. Nessa escola, especificamente, o espaço a ser trilhado pela vivência

do conhecimento, no caso, através do rádio, já começou e, nesse contexto, a

professora era a grande incentivadora de tal prática.

Pude ver que o uso do rádio em sala proporciona às crianças o saber

ouvir o outro. Ao utilizar na Educação Infantil esses dois meios de

comunicação, o rádio e o jornal, a professora ampliou as possibilidades de

linguagens, da leitura e da escrita. Essa experiência comprovou que as

crianças participaram, de forma dinâmica, de um evento de letramento, o que

necessita ser constante na escola da infância. Conhecer diferentes suportes

de texto é fundamental para que se constitua um ambiente que dê

possibilidades de desenvolvimento cada vez maior do nível de letramento das

crianças. Essa oferta de oportunidades de usufruir da diversidade textual,

certamente, ampliará o acesso ao mundo letrado.

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4.7 – Leitura de Histórias para a Formação da Criança Leitora

Sobre a Literatura Infantil, a leitura e a escrita, Gnerre (1985) acentua

com propriedade a importância e indissociabilidade destas, no processo de

aquisição da escrita na infância.

Contar estórias na infância é sem dúvida um modo muito eficaz de introduzir as crianças ao mundo da escrita e da leitura. [...] Ao contrário, as crianças que não tiverem tal oportunidade, terão um trabalho muito árduo para dominar a escrita e a leitura apenas com as explicações e atividades que a escola lhes proporciona na alfabetização. (GNERRE, 1985, p. 25).

A observação da autora é oportuna, pois a história conduz as crianças

ao caminho das letras, e conseqüentemente, do letramento. A nossa história,

enquanto homem, sempre foi ladeada pelo ato de contar histórias, pois ouvir

histórias agrega, une, convoca as pessoas a partilhar momentos de ouvir e

viver novos sonhos. E, em se tratando de escrita, a história é sem dúvida o

caminho mais suave e prazeroso para que as crianças adentrem no mundo

da escrita e da leitura.

Sobre o ato de contar histórias na Educação Infantil, Valdez e Costa

(2007) lembram que,

[...] contar histórias na Educação Infantil contribui com a formação global da criança. Tal prática, além de favorecer a relação afetiva da criança com o livro, desde a mais tenra idade, proporciona momentos de prazer, desperta a curiosidade, criatividade, fantasia e a imaginação. (VALDEZ e COSTA, 2007, p. 172).

Foi essa relação entre as histórias contadas e o livro que pude observar

no dia-a-dia da sala de aula. Ao entrevistar as crianças, foram muitas as

referências que fizeram aos livros e às histórias contadas pela professora:

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Você lê aqui na escola? Você brinca de leitura? - A professora que fala pra gente de leitura. E você gosta que ela leia para você ou não ? - Gosto. Ela conta histórias para vocês? - Conta. E que histórias ela conta? - Qualquer uma que a gente querer ela conta. (Vitória) Você gosta de ouvir história? - Gosto. A professora conta uma historinha do Piu piu que dá carinho... aí quando derrama chocolate nele a gente vai ter que tirar a roupinha dele... A sua professora conta história pra vocês sempre? - Conta ! Ela tava acabando de contar uma história aí você foi me chamar. Qual a história que você mais gosta de ouvir? - Da Barbie ! Eu não canso de ouvir ! (Geovanna) Você gosta de ouvir história? - Gosto. E livro de história, você gosta de ler? - Gosto !!! Livro de história eu gosto. E quais livros de história que você mais gosta, são aqueles que têm muita letra ou muito desenho? - Gosto daquele que minha professora tem, com figura. (Augusto)

Foram muitos os momentos de leitura que observei na sala, porém a

hora da história era algo mágico. Esses momentos eram inerentes à prática

pedagógica dessa professora e das crianças, o que se vê nas fotos a seguir.

Fig. 29 – Leitura de história pelas crianças. Fig. 30 – Leitura de história pelas crianças.

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Fig. 31 – Roda da história no pátio, professora narrando a história, A formiga e o Grilo.

Quando indagada sobre a disponibilidade de livros na escola, a

professora não aceitava ser essa a justificativa para não se ler para as

crianças, pois afirmava serem muitas as possibilidades de leitura de histórias

a serem contadas e lidas para elas.

Não temos biblioteca, mas temos livros de história, poucos, mas temos. As crianças trazem de casa também... praticamente assim todos os dias as crianças trazem um livro de história de casa para que eu conte aqui. Então esse contato é contínuo. As crianças trazem livros de casa. Além do meu planejamento, eu planejo de duas a três histórias por semana, eles trazem e pedem mais histórias e, neste momento, eu conto... No outro dia eu peço que contem a história que trouxeram, eles vão contar, já que conhecem. O pai e a mãe já contaram em casa para eles... então, vão querer contar para seus colegas. (Profa. Emília).

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Atrevo-me aqui a fazer uma analogia entre a professora e a

personagem Dona Benta, de Monteiro Lobato, que aparece no relato a seguir.

O mesmo ocorre em um momento de nossa história, por volta de 1930, em

que a escassez de livros de literatura infantil no Brasil era fato que intrigava

os leitores da época.

– Coitada de vovó! – disse um dia Narizinho. De tanto contar histórias ficou que nem um bagaço de caju [...] Era pura verdade aquilo. Tão verdade que a boa senhora teve de escrever a um livreiro de São Paulo pedindo que lhe mandasse quanto livro fosse aparecendo. O livreiro assim fez. Mandou um e depois outro e depois outro e por fim mandou Pinóquio. – Viva! – exclamou Pedrinho quando o correio entregou o pacote. Vou vê-lo para mim só. Debaixo da jaboticabeira. – Alto lá! – interveio dona Benta. Quem vai ler o Pinóquio para que todos ouçam, sou eu, e só lerei três capítulos por dia, de modo que o livro dure e nosso prazer se prolongue. [...] A moda de dona Benta de ler era boa. Lia, “diferente” dos livros. Como quase todos os livros para crianças que há no Brasil são muito sem graça, cheios de termos do tempo da onça ou só usados em Portugal, a boa velha ia traduzindo aquele português de defunto em língua do Brasil de hoje. (LOBATO apud SOARES, G., 2002, p.140).

A professora entrevistada, falou sobre a importância que ela via em ler

e contar história e entendia as duas coisas como distintas e imprescindíveis

na Educação Infantil:

Na verdade, eu leio, eu conto, dou a oportunidade para que a criança conte também a história, e ele tem esse contato de uma forma bastante natural. Nós temos aqui na escola um livro, um único livro vivo onde a criança ajuda o personagem do livro de história. Então é um livro que você apaixona e ele fica em contato, eu peço... (diz o nome de uma criança) por favor, vem me ajudar... então elas viajam, elas deliram, elas entram nesse conto. Então eu conto, eu leio e dou a eles a possibilidade de contar e recontar esse momento da história. (Profa. Emília).

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Fig. 32 – Momento de euforia causado pela Fig. 33 - Atividade de leitura e ao fundo exposição de presença do livro vivo. cartaz realizado pelas crianças.

A figura 32 demonstra a educadora tentando contar a história e a

euforia das crianças em ver o livro e ouvir a história Durma bem, Penélope.

Na figura 33 o cartaz exposto ao fundo demonstra a representação coletiva

das crianças sobre a história. Durma bem, Penélope. Conforme relato da

professora, é o livro de que eles mais gostam, por se tratar de um livro vivo21.

Percebi, na atividade de observação, que a participação das crianças é

muito efetiva na hora da história. Elas recontam, opinam e relacionam as

histórias ouvidas com suas próprias experiências.

Fig. 34 – Leitura de histórias pelas crianças.

21 O livro vivo dá vida aos personagens, estes se movem à medida que as páginas são manuseadas, e muitos livros desse tipo possuem som, dando aos personagens a condição de surpreender o leitor.

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Fig. 35 – Atividade oral, narração de histórias realizadas pelas crianças.

Sobre o aspecto visual e a qualidade dos livros, a professora tem

clareza dos elementos fundamentais para que as crianças se encantem pelas

histórias, pois explora as gravuras, além das onomatopéias, dos espaços e

ambientes que o livro possibilita.

Lajolo e Zilberman (2003) acreditam que a literatura infantil desperta a

sensibilidade e a imaginação da criança, pois ao afirmam que,

[...] se o caráter infantil de uma obra talvez não se defina necessariamente por seus elementos internos, à medida que os livros para crianças foram se multiplicando, eles passaram a ostentar certas feições que, pela freqüência com que se fazem presentes, parecem desenhar uma segunda natureza da obra infantil. É o caso, por exemplo, da ilustração. Se a literatura infantil se destina a crianças e se se acredita na qualidade dos desenhos como elemento a mais para reforçar a história e a atração que o livro pode exercer sobre os pequenos leitores, fica patente a importância da ilustração nas obras a eles dirigidas. (LAJOLO e ZILBERMAN, 2003, p.12).

O trabalho pedagógico na Educação Infantil com a literatura mobiliza na

criança, por meio do texto e do contexto da história, o desenvolvimento da

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imaginação, do conhecimento de mundo e de si mesma, abrangendo tanto a

linguagem pictória quanto a verbal.

Segundo Turchi (2004), as várias linguagens ou códigos do texto

literário para crianças conduzem a outros campos do conhecimento, pois o

espaço plural desse tipo de texto movimenta o imaginário, estabelecendo

pontes entre a literatura e a psicologia, a literatura e a educação, a literatura e

as artes visuais, a música, entre outros.

As fábulas, os contos, as lendas, o relato de aventuras proporcionam

por meio do texto o, “alargamento dos horizontes” (Zilberman, 1994, p.24), o

que os remete à sua função formadora.

Ainda sobre o encantamento da história e o despertar da leitura,

Perrone e Lara (2002), observam:

Como é gostoso e importante para a formação da criança ouvir histórias. Ao contá-las instigamos a curiosidade e o desejo de “quero mais”, expresso pelas crianças no “conta outra vez”, são esses sentimentos que nos movem para conhecer e aprender as coisas que estão no mundo, e, sabendo-as registradas em livros, certamente iremos recorrer a eles, nos tornando, assim, leitores por desejo e motivação. (PERRONE e LARA, 2002, p. 123).

Fig. 36 – Em criança em momento de leitura de

História.

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Fig. 37 – Professora conta a história, Chapeuzinho Vermelho.

Na figura 37 a professora conta a história e apresenta as ilustrações.

Pode se perceber que cada criança permanece em seu lugar junto à mesa. O

ideal, no momento da narração de histórias, seria que a docente organizasse

um espaço menos formal, no qual a criança ficasse mais à vontade. A sala

observada oferecia a possibilidade de organização de um local que fosse

preparado para esse momento, apesar de possuir um espaço bem aquém do

recomendado nas Diretrizes Nacionais.

A organização das crianças em um local agradável, no qual elas

possam ficar à vontade, sem uma postura rígida, contribui para a

expressividade, para que se manifestem corporal e verbalmente

demonstrando assim as idéias, os sentimentos e sensações decorrentes do

contexto da história contada pela professora.

Admito que muitas podem ser as dificuldades em relação aos suportes

para a narração de histórias, no entanto ouvir histórias e sentir a emoção da

fantasia e do encantamento é um direito da criança. É preciso manter viva a

prática da leitura e narração de histórias, mesmo sem livros; como

argumentava a professora Emília, não ter livro não é desculpa para não se ler

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para as crianças. A ausência do livro será determinante para outras ações,

mas, se não houver livros para contar histórias, há que se produzir fichas de

histórias como as apresentadas nas figuras que se seguem.

Figuras 38 e 39 – Crianças manuseando as histórias confeccionadas pela professora.

O fato de não haver livros de história em quantidade que atendesse à

demanda das crianças exigiu da professora que recorresse a outros meios,

elaborando materiais para que a imaginação e o encantamento chegassem

até elas através de histórias elaboradas por ela. Dessa forma, a professora

manteve viva a prática da leitura de histórias em sua sala de aula. Fica posto

seu compromisso e suas concepções acerca da importância de se ler para as

crianças, mesmo tendo que se valer muitas vezes de empréstimo, de

montagem de material ilustrativo, de cartazes e, principalmente, de sua

curiosidade, pois essa, em sala de Educação Infantil, não pode faltar.

Nesse universo de encantamento proporcionado pela literatura infantil,

há outros meios para se contar história às crianças, os quais as escolas da

infância não podem desmerecer, como a dramatização e o teatro de

fantoches. Estes são subsídios que acabam por dar vida à história contada e

levam as crianças a participar efetivamente da mesma. É preciso que os

professores de Educação Infantil se desprendam, às vezes, do viés da

didática em seus fazeres; no caso da literatura, esta deve ser efetivada pelo

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simples fato de proporcionar às crianças o prazer de adentrarem a outros

mundos que não sejam o mundo real em que vivem.

4.8 – Histórias como Recurso Disciplinar

Perguntei à Emília quais histórias ela mais contava às crianças e o

porquê disso. Se era por gostar ou por ser solicitada pelas crianças. Deixei a

professora à vontade para responder, sem qualquer tipo de interferência de

minha parte,

Há somente um livro vivo na escola e esse é o que eles mais gostam, a história é Durma bem, Penélope. As outras que conto são Chapeuzinho Vermelho, João e Maria, A Cigarra e a Formiga, então são essas as histórias que eles mais solicitam. Trabalhamos de acordo com nossa realidade e com nosso planejamento e, principalmente, as histórias que vêm trazer um exemplo de vida, histórias que vão acrescentar algo. (Profa. Emília).

No depoimento da professora fica a evidência do cunho moralizante /

doutrinário que às vezes permeia os momentos de história. Outro fato que

reflete esse propósito é o relatado abaixo, também extraído da entrevista

realizada com a professora. Perguntei se, ao longo desses anos em que ela

trabalha como professora de Educação Infantil, havia algum fato que tivesse

marcado sua experiência a ponto de influenciar sua prática pedagógica, e a

resposta que obtive foi a seguinte:

Recentemente aconteceu um fato que eu gostaria de relatar. Eu estava com o meu plano pronto e acabado para executar na minha aula e chegou uma aluna por nome de Vitória, que é uma aluna muito participativa, e ela chegou com um presente e pediu que eu abrisse esse presente. Ela já havia visto esse presente e pediu que eu abrisse a caixa, e olhar, e ler para os colegas, e foi assim muito emocionante, porque era uma Bíblia, e nessa Bíblia veio uma dedicatória que ela pediu que eu lesse para os colegas, e eu li e ela pediu que eu lesse toda

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a Bíblia, e eu falei pra ela o seguinte, a professora hoje não consegue ler toda a Bíblia, mas a professora vai ler um capítulo e um versículo. Dei uma aula maravilhosa, onde entrou a natureza e sociedade, falei dos valores da família, a importância da amizade, a importância de presentear os nossos amigos. Então essa foi uma experiência que valeu a pena. Se eu não fosse essa professora que tivesse em busca, não daria abertura a minha aluna. Eu sou assim, eu dou abertura para as crianças participarem, deixo que elas falem para os colegas o que eles têm vontade de partilhar.(Profa. Emília).

Sobre o uso da literatura infantil para disciplinar, Oliveira (2005) ressalta

que a utilização do livro deve ser determinada pela criança não pelo

professor:

[...] o livro infantil precisa ser agradável ao olhar, ter um texto que seduza o leitor, e oferecer conhecimento sem, no entanto, ter que necessariamente ser objeto de ensino. Se a Literatura Infantil pode ensinar, é a própria criança que em seu desenvolvimento irá apreendendo isso, a partir, também, do seu interesse pessoal.(OLIVEIRA,A., 2005, p. 126).

Ainda sobre o uso da literatura infantil para a instrução, doutrinação, a

autora considera que a literatura infantil, nesse caso, perde sua identidade de

encantar. Neste sentido, Oliveira (2005) esclarece essa perspectiva

equivocada.

A Literatura não é veículo para instrução moral ou cívica, mas sua atuação está no impacto indiscriminado da própria vida, e dessa maneira educa com ela, com altos e baixos, luzes e sombras. [...] Doutrinação e fruição não caminham juntas, porque doutrinar é dar sentido unilateral ao discurso, enquanto a fruição do texto possibilita maior liberdade de pensamento. (OLIVEIRA, A., 2005, p. 127).

Os livros de literatura infantil devem ser bem escolhidos pela

professora, de forma a conquistar as crianças e remetê-las a esse universo e

às maravilhas que este reserva a seus leitores. É esse o sentimento que as

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histórias precisam causar nas crianças, não com o intuito de ensinar as

virtudes necessárias à boa formação, às quais são concepções que

prevaleciam na educação das crianças nos séculos XVIII e XIX, quando nas

escolas era introduzida a leitura dos livros voltada à moralização e instrução

das crianças. Os ideais das histórias que eram contadas às crianças desse

tempo eram de combate à mentira, à preguiça e à desobediência.

A transmissão da moral através das fábulas ainda é, nos dias atuais, o

principal viés utilizado pela escola para educar as crianças de acordo com o

que os adultos esperam delas. Esse cunho pedagógico que é dado ao ato de

contar histórias requer um olhar mais atento pois eles podem e devem dar

outros valores à literatura infantil, como permitir que através das histórias a

criança conheça e estabeleça uma relação com o mundo, com o

encantamento e com a fantasia; acredito ser este o valor dos livros e das

histórias.

4.9 – Interação, Coletividade e o Uso Social da Escrita para o Letramento

Considerando que aprendemos nas interações e crescemos na

coletividade, quer queiramos ou não, encontramos dificuldade em socializar e

partilhar as nossas idéias com o outro. Vivenciei uma experiência de

socialização e interação entre a professora observada e uma colega de

trabalho e as crianças que não poderia deixar de explorar aqui. Perguntei à

professora Emília como se dava a relação pedagógica entre ela e a

professora da outra turma. Emília descreveu a situação com as seguintes

palavras:

Ela vem, convida, eu vou, convido e as crianças embarcam nessa ... Nosso trabalho, resumindo, é maravilhoso. Dessa forma, duas vezes na semana nós estamos reunidas eu, ela e

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as crianças. Nós damos a oportunidade às crianças de relatarem seu final de semana, relatar o dia anterior e, ali, sempre os alunos dela junto com meus alunos. Então esse contato é maravilhoso porque aí a gente consegue passar para as crianças também esse contato, essa amizade e esse respeito.(Profa. Emília).

Durante as observações, surgiu um momento da prática pedagógica de

ambas. Quis saber com Emília como se dava a organização desse trabalho

conjunto, e ela respondeu: “Eu tenho uma organização, um dia é história,

outro dia é um bilhete, às vezes eu e a professora Mair trocamos bilhetes para

eu ler o bilhete dela para a minha turma e vice-versa”. (Profa. Emília)

Insisti em saber mais sobre o uso dos bilhetes como forma de trabalhar

com a leitura e escrita com as crianças e de incentivar suas produções. Tinha

também a intenção de compreender de que concepção estava imbuída essa

prática. E Emília explicou:

Ela escreve o bilhete... pedindo um objeto, e aí eles estão tão curiosos e perguntam logo: Tia que bilhete é esse? Quem escreveu? Eu digo: Calma ! E todos ficam sentados e eu vou ler. Olha, a professora Mair está pedindo a tesoura da tia emprestada, e daí eles sabem que essa é uma forma de comunicação e linguagem também. (Profa. Emília).

Vi então, o movimento coletivo desde o planejamento entre ambas, a

discussão das atividades propostas, das brincadeiras, do projeto. Visualizei

uma situação de cumplicidade que estava posta nas práticas pedagógicas

das professoras e nas atividades vivenciadas pelas crianças.

Outro momento de interação entre as duas, era a hora do filme, que

ocorria sempre às sextas-feiras. A escola não dispunha de DVDs (filmes);

então, para que esses momentos ocorressem de fato, era preciso contar com

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a ajuda das crianças e das professoras, pois os filmes eram trazidos ora por

estas ora por aquelas.

Figuras 40 e 41 – Crianças assistindo ao filme Pippi, atividade realizada pelas duas turmas.

As figuras 40 e 41 demonstram as crianças das duas turmas assistindo

ao filme Pippi. O filme era interessante e provocava a concentração e o

interesse das crianças, que se mostravam bastante à vontade para assisti-lo.

Ao término do filme, as crianças são instigadas pelas professoras a

discutirem sobre ele, seus personagens, do que mais gostaram, do que não

gostaram; enfim, fazem uma interpretação oral em relação ao filme. As

crianças interagem nas respostas, cada uma quer falar algo, a palavra é

passada a todas para expressarem e falarem o que quiserem sobre o filme.

Após ampla discussão as crianças vão para o pátio, onde são estimuladas

pelas professoras a desenharem, no chão, com giz colorido, os personagens

do filme e a criarem novos personagens.

Neste cenário de interação e coletividade a professora Emília traz mais

um relato, que também tive oportunidade de observar na prática:

Eu seleciono os textos a partir da conversa, da rodinha da novidade. Esse é um dos momentos que as crianças podem falar de seus anseios, seus problemas e diante daquele momento ali é que nós vamos estar selecionando esse material, os textos. Eu deixo a criança falar, é daí que eu vou em busca da minha pesquisa. São eles que dão as pistas pra

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eu fazer a seleção dos textos que serão utilizados. (Profa. Emília).

A figura 42 ilustra esse momento de ouvir as crianças, pois

considerá-las em seus anseios, seus sonhos e suas leituras de mundo é

importante, e compreende um currículo vivo e dialético.

Fig. 42 – Roda de conversa.

Essa ação educativa foi e é significativa dentro deste contexto histórico-

social, e vejo que através dela essa professora e as crianças estão re-

significando a linguagem, a escrita e a leitura.

Percebi que o espaço da sala é um ambiente propício à aquisição da

leitura e da escrita, pois nele estão expostas as produções das crianças e os

recursos pedagógicos por meio dos quais a professora provoca a

aprendizagem das mais diversas formas de linguagem.

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4.10 – Uma Experiência com a Natureza

No dia 15/09/2007, um sábado, as professoras dos dois turnos

(matutino e vespertino) e aproximadamente 50 crianças da EMEI Mateus

Vinícius Bráz, realizaram um passeio rumo à Chácara do Tio Chico. Esta

proposta era parte integrante do Projeto Meio Ambiente, que contemplava

discussões em torno da poluição dos rios, preservação das matas e animais.

O objetivo do passeio era proporcionar às crianças situações reais de contato

com essa diversidade de elementos que compõem a natureza.

A escolha da Chácara do Tio Chico se deu pelo fato de esta oferecer os

elementos que as professoras trabalharam com as crianças e ainda por duas

outras particularidades. Uma delas é o Rio Arareau22, um dos rios da região

que passa pelas terras do sítio. As professoras queriam que as crianças

fossem a uma das margens deste para observar e identificar se ele

apresentava sinais de poluição ou não. A outra particularidade provocou mais

encantamento nas crianças: o fato de na mata que circunda o sítio haver uma

grande quantidade de macacos, e conhecer estes animais de perto foi o

momento “mágico” do passeio, como apresento nos relatos que se seguem.

Após decidir o local, o próximo passo seria pedir autorização aos pais e

solicitar da Secretaria Municipal de Educação o ônibus para transportar as

crianças. As professoras tiveram então que enfrentar o primeiro obstáculo,

pois estavam temerosas em relação ao número de crianças (nessa escola há

96 crianças matriculadas); caso todas fossem, teriam 06 adultos para

acompanhá-las (04 professoras, a coordenadora pedagógica e eu). Após

discutirem, definiram os critérios, que seriam aproximadamente 50 crianças e

que iriam as crianças com 05 anos completos ou próximas de completar, por

fim, passaram pelo terceiro crivo, que era a autorização dos pais. Como já era 22 O Rio Arareau corta o perímetro urbano da cidade, é afluente do Rio Vermelho e um dos mais comprometidos da região, do ponto de vista ambiental.

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esperado, algumas mães não autorizaram os filhos a ir, portanto, chegou-se

ao número de crianças para o passeio. Descrevo, a seguir, a experiência das

crianças na chácara do Tio Chico.

4.10.1 – A viagem de ônibus

Foi uma festa o embarque, a liberdade sentida ao se despedir dos pais,

que por sua vez faziam muitas recomendações e se mostravam aflitos, a

acomodação de todos nas poltronas, a emoção de fazer o passeio de ônibus,

para muitos pela primeira vez. Víamos ali mais de cinqüenta rostos

sorridentes e ansiosos. A alegria era geral, o percurso foi à base de música e

muita descontração. Perguntas como: É longe? Quanto tempo mais demora a

chegar? e alguns alertas como: Estamos com fome! Foram pistas que eram

dadas pelas crianças como parte de sua ansiedade. A emoção está registrada

nas figuras nos 43 e 44, a seguir.

Figuras 43 e 44 – A viagem de ônibus, entusiasmo e empolgação entre crianças e professoras.

Em virtude de a escola se localizar no centro, muitas voltas foram dadas

no perímetro urbano, e as crianças iam reconhecendo os lugares: Minha avó

mora nessa rua. Minha mãe trabalha aqui. Passo nessa rua quando vou à

escola. A igreja que eu vou é bem ali.

No caminho até chegar à chácara as surpresas não tardavam a

aparecer. A que mais chamou a atenção foi o encontro entre dois bois, que

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deduzimos estarem disputando um lugar no pasto, conforme a hipótese

levantada por nossos pequenos pesquisadores (figuras nos 45 e 46).

Figuras 45 e 46 – Região rural, pasto com gado ao fundo.

Em meio a tantas surpresas e novidades continuávamos a viagem, e mais uma

vez as crianças avistaram um bezerro preto e um burro marrom, que logo também

viraram alvos de perguntas. Por que estão sozinhos? Quem é o dono? Ele é bravo?

Ele está triste? Foram alguns dos questionamentos levantados pelas crianças. Mais

hipóteses sobre estes animais surgiram em meio às dúvidas: Será que é um burro

ou um cavalo? Macho ou fêmea? Ele tem família? Irmão? Enfim, as professoras

precisariam de tempo e muito estudo para dar conta das respostas, que a pedido

deveriam ser imediatas. Entretanto, elas se desdobravam para aguçar a

curiosidade das crianças e na medida das possibilidades responder às perguntas.

Figuras 47 e 48 – Região rural, bezerro e burro no pasto.

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Continuamos nossa viagem e, finalmente, avistamos uma placa: a julgar

pelas letras que a compunham, as crianças foram logo criando hipóteses e a

dedução que ali era a Chácara do Tio Chico e estavam corretas, pois nos

aproximávamos da chácara e a placa era o aviso; o momento está expresso

na figura no 49.

Fig. 49 – Chegada à chácara do Tio Chico.

A essa altura a euforia era contagiante e tomava conta de todos.

Queríamos chegar logo e conferir o que nos aguardava.

4.10.2 – A interação com a natureza

Finalmente chegamos e começou então um trabalho que exigia muita

organização e responsabilidade por parte de todos.

Figuras 50 e 51 – Desembarque do ônibus chegando na chácara.

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As crianças desciam do ônibus (figuras nos 50 e 51) e já se deparavam

com algumas surpresas: a primeira delas eram os cachorros e a necessidade

de prendê-los, depois uma piscina (figura no 52) que as convidava para um

banho; porém nosso tempo ali era curto, pois tínhamos horário para voltar e

não poderíamos perder o foco de nossa visita.

Fig. 52 – Organizando as crianças para o lanche.

Hora do lanche e de fazer alguns “combinados”. As professoras

conduziam as crianças para um espaço aberto, ao lado da piscina e pediam

às crianças que fossem se sentando em círculo para terem uma conversa e

fazerem o lanche antes de irem para o campo, conforme registram as figuras

nos 53 e 54 abaixo.

Figuras 53 e 54 – Hora do lanche.

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Após combinar os passos para a visita, estabelecer alguns limites e

fazer algumas ressalvas, as crianças começaram a partilhar o lanche. Esse

também foi um momento muito especial, em que elas dividiam e socializavam

o lanche que trouxeram, em clima de descontração e expectativa para todos,

crianças e adultos. O motorista, seu Elísio, senhor simpático, paciente,

cauteloso e curioso, nos acompanhou e pôde partilhar conosco dessa

experiência.

4.10.3 – A visita aos macacos

Começávamos a nos organizar para ver os macacos. As professoras

pediram às crianças que entregassem ao caseiro da chácara as bananas que

trouxeram de casa para estes animais, pois ele iria ao local colocá-las e todos

poderiam acompanhá-lo. Fomos para o local, percebi que as professoras

estavam um pouco tensas, porque não tinham certeza se os macacos viriam

até o lugar onde as bananas estavam sendo postas e, ao mesmo tempo,

ficavam apreensivas em não frustrar as expectativas das crianças.

Ali, aguardávamos pelos tão esperados habitantes da mata e fomos

avisados de sua chegada. Antes de vê-los já ouvíamos o som que eles

produziam, algo semelhante a risos e cochichos ao mesmo tempo. As

crianças já se mostravam apreensivas e assustadas, pois aquela era uma

cena inédita em suas vidas – e na nossa também. Estávamos a postos com

filmadora, máquinas fotográficas e olhos, estes bem arregalados. O

inesperado aconteceu, pois os macacos, animais inteligentes, provavelmente

perceberam que havia uma grande movimentação de pessoas estranhas,

ficaram ariscos e não se aproximavam. As professoras, então, sugeriram às

crianças para se afastarem e fazerem silêncio, na tentativa de obter sucesso;

não demorou muito a aparecer o primeiro macaco e depois o segundo.

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Figuras 55 e 56 – Os primeiros macacos a aparecer.

E o terceiro e o quarto também chegaram, a festa era geral, dos macacos

por comerem tantas bananas e das crianças por verem o espetáculo que os

animais da mata ofereciam a elas, registrado nas figuras de nos 55, 56, 57 e

58.

Figuras 57 e 58 – Os próximos a surgir por entre as árvores.

Crianças e adultos, todos estávamos perplexos diante de tamanha

beleza e liberdade. Enfim, uma família inteira de macacos apareceu por lá,

inclusive um bebê macaco; estavam famintos e eufóricos com o banquete de

bananas.

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Figuras 59 e 60 – Mais alguns que surgiram por entre as árvores

Em meio a essa imagem de extrema beleza e ousadia era indescritível a

expressão das crianças diante de tanta graça e encantamento, registrada nas

figuras nos 61 e 62 a seguir.

Figuras 61 e 62 – Expressão das crianças ao ver os macacos nas árvores.

A exibição encantadora dos macacos às crianças e professoras ia

causando uma ebulição de perguntas entre todos: Por que eles moram ali?

Por que gostam de bananas? Como conseguem subir nas árvores e pular de

galho em galho tão rápido? Quem os levou para aquele local? O homem

mata os macacos? É proibido matar ou não? O que acontece com quem

maltrata os macacos? Quem cuida deles? E quando eles forem embora,

quem vai dar comida a eles? Eles se casam? Como têm filhos? (entendo que

esta pergunta surgiu em virtude de haver um bebê macaco)

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4.10.4 – O rio Arareau

Fomos para a segunda proposta do dia, a visita ao Rio Arareau.

Caminhamos por uma trilha até chegarmos ao rio, as professoras desceram

as crianças por um pequeno barranco, e logo avistamos a beleza do rio, que

naquela altura e talvez, por estar em terras particulares, não sofria com a

ação do homem.

O pedido para tomar banho no rio foi imediato, porém as professoras

logo explicaram que o rio era fundo e que seria perigoso elas adentrarem sem

os pais. Aceitaram o argumento, mesmo porque os pais já haviam

recomendado a elas que não adentrassem o rio, entretanto havia uma parte

em que a água apenas cobria os pés e, claro, elas não perderam a

oportunidade de se assentarem ali e brincarem com a água, momento

registrado na figura a seguir no 63 .

Fig. 63 – Crianças e professoras em visita ao rio Arareau.

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As crianças permaneceram ali e brincaram na água, viram que estava

fria e também fizeram muitas perguntas em relação ao rio: Onde ele nascia?

Tem bicho nele? Tem peixe? Enfim, foram muitas as situações reais e

potenciais de aprendizagem. A água do rio estava límpida e a margem bem

protegida, e neste sentido houve mais uma razão para discutir e pesquisar

sobre sua importância para as espécies que ali habitam.

Era hora de deixarmos o rio correr por seu leito tranquilamente; saímos

do rio e no caminho era impossível não notar a natureza à nossa volta.

Passamos por uma planta que chamamos primavera, que na oportunidade

estava florida e fizemos mais uma parada para o registro, conforme figura no

64 abaixo.

Fig. 64 – Flora: a beleza da primavera atrai todos.

A sensibilidade das crianças para tudo que estava à nossa volta era

algo impressionante! Os ponteiros do relógio nos avisavam que nosso

passeio estava quase chegando ao fim.

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4.10.5 – A volta

Já era hora de começar a organizar a volta (figura no 65) e nos despedir

dos macacos, do rio, das plantas, da piscina e da mata, elementos que

compunham o cenário da Chácara do Tio Chico. As indagações continuavam

a surgir, e a cada passo dado ouvíamos referência a mais uma novidade

encontrada. Nos despedimos e as professoras já estavam com o propósito de

voltar com as outras crianças que não tiveram a oportunidade de partilhar

desse momento que fez parte de um currículo vivo e significativo.

Figura 65 – Pose para a despedida.

Vimos ser esta uma rica experiência para abordagem por outras áreas

do conhecimento, como ciências, mostrando para as crianças os elementos

da natureza tão devastada e perseguida pelo homem, a água, a fauna e a

flora, pois tais elementos fizeram parte de uma vivência curricular palpável e

significativa.

O imprevisto pegou carona em nosso passeio: quando o motorista,

senhor Elísio, fazia o contorno para pegarmos a estrada, encalhamos na

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areia. As professoras, já temendo o atraso, sugeriram que todos descessem,

para que o ônibus ficasse mais leve e pudesse talvez se soltar do “abraço” da

areia. Parte das crianças desceu e se abancou em um balanço embaixo de

uma mangueira, enquanto os outros torciam pelo desatolamento do ônibus.

Passados alguns minutos já estava tudo resolvido para seguirmos em

frente, levando conosco o cansaço e a vontade de chegar à escola, pois

tínhamos muito a contar.

A experiência vivenciada em poucas horas desse dia poderia ser

abordada no restante do ano, que ainda assim, por sua tamanha relevância,

não daria por finda a discussão. O conhecimento adquirido pelas crianças foi

pauta de muitas vivências, pois o local havia sido transformado em um locus

de pesquisa e aprendizagem jamais imaginado por nenhum de nós ali

presentes.

Com mais essa vivência, vimos ser o professor o mediador e nunca o

tutor do conhecimento; portanto, será seu papel reviver nas crianças as

lembranças daquilo que viram e articular estas num movimento de interação e

troca de conhecimentos. Conhecimentos não apenas da paisagem, mas da

Geografia, da História, da Língua Portuguesa, da Arte e da Matemática, sem

perder a crença de que todas essas áreas devem ser articuladas para discutir

de forma humanizadora o conhecimento de mundo e de vivências.

Posteriormente ao passeio, voltei para a sala, pois queria ver e ouvir o

que as crianças tinham a contar, perguntar, relembrar e acrescentar às

experiências vividas. A professora deu início à aula cantando com as

crianças, e estas pediram a ela para cantar a música Respeitar o mundo. Foi

sugerido pela docente que todos viessem para a frente compor o coral, e

assim foi feito.

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Após cantar, a professora começou a atividade oral, com as crianças

contando sobre o que realizaram no fim de semana; nessa atividade todos

falavam, iam à frente quando desejavam e contavam suas vivências. As

crianças que haviam participado do passeio à chácara do Tio Chico queriam

falar sobre tudo que tinham visto, e a professora mediava o processo,

oportunizando a todos relatarem suas experiências. Posteriormente, ela

sugeriu uma atividade de desenho na qual as crianças registrassem a

experiência vivenciada durante o passeio. A docente identificava os desenhos

produzidos, que iam sendo colocados no mural expositivo, e passou à

atividade seguinte, que foi a leitura de jornal.

Eu aguardava pelo momento em que ela faria os questionamentos com

as crianças sobre o que acharam do passeio, do que gostaram e não

gostaram, o que mais chamou sua atenção; enfim, seriam muitas as questões

que deveriam surgir. Entretanto, o repertório de perguntas e respostas

pareceu superficial, em oposição a importância que, imaginava, seria dada às

experiências partilhadas no passeio.

Evidentemente, uma experiência como aquela não poderia ser limitada

às figuras, pois as crianças deveriam suscitar o que fora significativo a elas

em termos de conhecimento. No entanto, é papel do professor ater-se à

proposta pedagógica da escola, para relacionar todo o conhecimento vivido a

tal proposta. Esta, por sua vez, nunca deve estar pronta, pois, se ela é um

caminhar, temos que tê-la sempre em construção, e para que se efetive de

fato é preciso seguir as crianças, ouvi-las e direcionar o nosso trabalho para o

caminho que elas possam trilhar coletivamente.

As áreas do conhecimento, especialmente a linguagem e

expressividade, a identidade e cultura, o ambiente natural e a lógica

matemática, deveriam ser exploradas de forma interdisciplinar, pois o

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contexto favorecia atividades a partir da vivência de todos que partilharam

dessa experiência.

Para os momentos que seguiram essa discussão, necessariamente

deveriam ser elaborados roteiros, para não se correr o risco de deixar

nenhuma experiência sem questionamentos. Para tanto, o caderno de

anotações deveria estar à mão do professor pesquisador desde o momento

da entrada no ônibus, a fim de não sermos traídos pela memória. Nesse

caderno, apontamentos sobre o tema e os questionamentos das crianças

seriam anotados para posteriormente serem trabalhados em sala de aula. As

falas das crianças, as indagações e relatos deveriam ser todos anotados, pois

o planejamento para as aulas futuras seria feito baseado nas curiosidades

levantadas pelas crianças.

Tentei aqui me aproximar um pouco do que Barbosa (2007) chama de

coisário (um lugar imaginário onde se guardam os conhecimentos adquiridos,

uma caixa de ferramentas intelectuais). Imaginei que as crianças que

participaram do passeio estivessem com seus coisários abarrotados de

informações novas e precisavam criar referências significativas a partir delas.

Pensei sobre o que as crianças fazem quando estão com seus coisários bem

cheios, e cheguei à conclusão de que a resposta seria um Por quê. É

exatamente o que supus, o por quê, tão utilizado pelas crianças, surge

através das hipóteses que elas começam a levantar sobre determinado

assunto, e a partir das respostas aparecem novas perguntas, pois esse

coisário é infinito.

Todos nós temos nosso coisário, que está em eterno conflito, pois as

incertezas acabam por trazer mais indagações e requerem de nós recuperar o

que há de perdido nele, considerando que o conhecimento não se dá de

forma isolada, e que as informações ancoram-se umas nas outras em busca

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de novos significados. E assim deve fazer o professor, sempre recorrer à sua

caixa de ferramentas e consultá-la quando necessário.

Portanto, a escola somente será um locus efetivo de educação se for

capaz de se tornar um espaço aberto de contradições, de questionamentos,

de socialização, de interação e eminentemente multicultural, onde seja

possível se estabelecer uma relação particular com o saber.

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Para Não Concluir

Findo a análise dos pontos propostos aqui, após analisar e estudar

sobre as concepções e práticas pedagógicas de uma professora de Educação

Infantil. Optei aqui pelo intróito “para não concluir”, em virtude da dimensão e

complexidade dos estudos acerca das crianças pequenas e com pretensão de

não findar a discussão dos pontos postulados nesse trabalho, uma vez que ao

término dessa pesquisa, imagino haver muitas outras a iniciar e em

andamento nessa área, que possui um vasto campo a ser investigado.

Atenho-me com cuidado nesta discussão, para não fazer uma análise

prematura, no entanto, não será difícil destacar alguns pontos essenciais da

discussão em pauta.

Diante da complexidade dos estudos postulados sobre as culturas

infantis nos espaços das escolas da infância e das inquietações iniciais que

motivaram o presente estudo, foi possível conhecer através das vivências do

coletivo infantil e das práticas pedagógicas da professora, o processo de

escolarização percorrido pelas crianças, mais especificamente o processo de

leitura, escrita e letramento nessa turma de Educação Infantil.

Considerei para fazer parte da investigação, as linguagens infantis

articuladas às atividades de leitura e escrita, as experiências vividas pelas

crianças no coletivo infantil e, as concepções e práticas da professora que

interagiam com esse coletivo. Procurei pautar o diálogo estabelecido na

pesquisa com a professora e as crianças na concepção de que não se

transmite conhecimento na Educação Infantil, pois este nível de ensino se

compõe por todas as dimensões humanas e, não apenas a dimensão

cognitiva. Considerando que ler e escrever está intrínseco às ações humanas,

portanto, esta ação também está compreendida no currículo da educação

Infantil, no entanto, não se constitui o eixo curricular principal, pois este deverá

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estar pautado na vivência da infância, no sentido de permitir às crianças

exercer a infância em todas as suas dimensões, e romper com as práticas que

escolarizam a Educação Infantil.

Buscando refletir sobre a escolarização posta na Educação Infantil,

considerando o cenário nacional e a experiência na escola em que realizei a

pesquisa, foi necessário me apropriar da literatura a respeito do tema, realizar

análise das entrevistas e observação da prática pedagógica da professora em

questão e articulá-las a outros fazeres, para poder compreender as

concepções e práticas abordadas nessa pesquisa. Os instrumentos citados

acima permitiram compreender, que não se rompe imediatamente com

concepções, como se estas já não servissem mais, considerando que

vivemos em constante processo de construção, e que as práticas fazem parte

das experiências adquiridas nos fazeres diários e, sejam bons ou não, foram

construídos ao longo de uma vida e com certeza não serão descartados por

simplesmente os professores ouvirem dizer que já não compreendem nossas

crianças. Percebi que as mudanças vêm ocorrendo, mesmo que a passos

lentos e, que os professores estão dispostos a mudar, a aprender e a

solucionar suas inquietações, por mais conflituoso que isso possa parecer às

vezes.

Vejo que a própria história em que se constituiu a educação das

crianças seja a responsável pelo processo escolarizante na Educação Infantil.

Pois, a integração da Educação Infantil ao sistema de ensino foi o início do

rompimento com as amarras do assistencialismo, impostas por um longo

período em que a criança era vista como um ser que necessitava de cuidados

– alimentação, sono, banho, roupas e outros artefatos de assistência que

conseqüentemente fazem parte da educação das crianças –; contudo, essa

passagem possibilitou muitas mudanças como, a exigência de formação

específica para a docência daqueles que atuam com as crianças e a

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indissociabilidade entre a educação e o cuidado, os quais foram avanços a

considerar.

Entretanto, a idéia de educar as crianças exigiu do sistema um modelo

educacional que inicialmente foi pautado nos princípios escolarizantes do

Ensino Fundamental e, que vivenciamos ainda na atualidade. Compreendo

que os professores têm problemas urgentes a serem resolvidos, em virtude de

estarem inseridos num contexto de práticas escolarizantes, pautadas na

preocupação de preparar as crianças para outra etapa. Nesse contexto está

posto mais um equívoco sobre o papel das escolas da infância, que se

preocupam em prepará-las para aprender os conteúdos sistematizados,

desconsiderando a singularidade de viver a infância.

Educar para a emancipação é uma das árduas tarefas da escola da

infância e, para tanto, o professor deverá protagonizar com as crianças uma

educação para emancipação. Considerando esta realidade, não será possível

construir uma escola democrática com princípios emancipatórios, sem

estabelecer uma relação de interação que respeite as vivências das crianças.

A concepção de educação tradicional deverá dar lugar a uma concepção no

mínimo interacionista.

A professora investigada nesse trabalho demonstra através de suas

práticas pedagógicas, estar numa transição entre o tido como tradicional e o

sócio-construtivista, pois apresenta situações reais de práticas que permitem

construir conhecimentos e não apenas estão voltadas ao ato de ensinar e

aprender, concepção esta já ultrapassada principalmente na Educação

Infantil, onde as múltiplas linguagens infantis têm papel importante para

desmistificar a alfabetização neste nível da Educação Básica, uma vez que é

preciso alfabetizar nas diversas linguagens e não tão somente no ato de ler e

escrever.

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Parto do pressuposto de que a construção do conhecimento é diária e

pautada em ações que exigem a mudança de comportamento, e ser professor

da infância consiste em reconfigurar a cada dia uma nova cena, pois as

crianças são mister em inovar e propor novas linguagens ao que

aparentemente já está acabado. Apesar de a professora observada romper

com muitas das amarras impostas pela escola obrigatória, como o movimento

de preparação para a leitura e a escrita e, com a cobrança dos pais para que

as crianças dominem essas linguagens, ela ainda se atém a algumas práticas

que primam em alfabetizar e atua num cenário carregado de linguagem oral e

escrita, onde a relação com a linguagem da música, da pintura, da dança, do

desenho em diversas dimensões e categorias, da interpretação e

representação, da história contada e “inventada”, da multimídia, do teatro, da

mímica, dos gestos, do cinema, dentre uma infindável relação com as mais

diversas linguagens postas e propostas pelas crianças, todas essas

linguagens acabam tomando um espaço secundário, em detrimento da

importância dada à linguagem escrita e a leitura.

Faço aqui uma reflexão acerca da importância de se estudar e conhecer

sobre a cultura oral, pois o conhecimento acerca desta permitirá o trabalho

com outras linguagens, pois há linguagens desprovidas da palavra escrita. E

esta é uma discussão a ser feita pelos professores de Educação Infantil, no

intuito e compreenderem que há outras práticas a serem propostas e

consideradas no coletivo infantil, não tão somente a da leitura e escrita.

Faço essa afirmação a partir da experiência de observar as crianças,

que demonstravam estar, todos os dias, em processo de ebulição constante a

favor do conhecimento! Após observá-las pude compreender a que Barbosa

(2007), se reportava ao referir-se ao coisário das crianças, pois este não se

farta nunca. A criança está a postos a todo momento para acrescentar um

pouco mais nas idéias do adulto, e este por sua vez precisa usar de suas

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habilidades para ouvir e trabalhar a resiliência no tocante ao que falam, ou

melhor dizendo, a todas as linguagens infantis.

Nos estudos aqui postulados, foram realizadas análises de alguns

temas em relação à prática observada, das quais dei maior ênfase à proposta

pedagógica da escola; à formação continuada da professora, com especial

atenção à oferecida pela Secretaria Municipal de Educação; à organização

diária na sala de atividades; aos instrumentos que nortearam a prática

pedagógica da professora, RCNEI e Diretriz Curricular Municipal para a

Educação Infantil; aos desenhos; às brincadeiras; à produção espontânea das

crianças; às linguagens, oral, escrita, gestual, cantada, dentre as mais

variadas formas; ao rádio e ao jornal como veículos vivos de linguagem; aos

livros e histórias que disputaram a atenção particular pela leitura e escrita das

crianças; e por último à experiência com a natureza viva, proporcionada pela

visita à chácara do Tio Chico. Estes foram os temas de análise que me

permitiram fazer as reflexões pontuadas neste trabalho.

Ao iniciar a pesquisa propus-me a responder algumas questões,

acredito que após a observação, interlocução com os teóricos e análise do

material utilizado será possível fazê-lo, ou instigar ainda mais para a reflexão

no campo dos estudos sobre a educação das crianças. Inicialmente pretendia

conhecer os fazeres que se constituíam naquele espaço do coletivo infantil e

compreender de que forma a professora se apropriava de suas concepções

para estar propondo às crianças a leitura e a escrita. Através da observação,

percebi que as práticas significativas permeavam todo o espaço da escola,

apesar de perceber que a professora por diversas vezes se rendia à

preocupação de escolarizar, ou seja, as linguagens infantis davam lugar em

alguns momentos à necessidade da escrita sistematizada na forma escolar.

Entretanto, havia coerência entre o proposto nas atividades de escrita, estas

não se pautavam nas atividades mimeografadas, repetitivas e de pontilhados,

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mas davam lugar às produções livres individuais e coletivas e às leituras dos

espaços e das coisas.

Quando me propus a conhecer as práticas de leitura e escrita, imaginei

estar adentrando num terreno arenoso de muitas ambigüidades, no entanto,

percebi que as práticas de leitura e escrita partiam de uma necessidade diária

das crianças para se comunicar umas com as outras, e dessa forma, estavam

articuladas ao coletivo infantil. Foram muitas as leituras realizadas, as quais

classificarei aqui de categorias de leitura, abordadas pela professora. A ação

diária da professora permeava as práticas de leitura. Era leitura de jornal, no

qual as crianças estabeleciam algumas relações com os fatos do cotidiano,

leitura do espaço da escola e do bairro, de revistas, rótulos, cartazes e

receitas, dentre as inúmeras inferências das crianças que possibilitavam

outras leituras além das previstas pela professora. O material utilizado pela

professora para as atividades de leitura, eram em sua maioria confeccionado

por ela, como as fichas de leitura as quais eram ilustradas e figuras

organizadas em categorias de animais domésticos e silvestres, aves, répteis,

carnívoros e herbívoros, mamíferos e ovíparos, enfim uma dimensão de

categorias eram propostas para as leituras e conseqüentemente hipóteses a

serem levantadas.

Sobre a literatura infantil, muitas foram as formas de interação, pois a

professora abria as diversas possibilidades ao coletivo infantil para momentos

de apreciação das histórias e estórias , práticas pautadas nas experiências

pessoais de cada criança, que contavam seus “causos” e “liam” os livros para

outras crianças. Outro recurso utilizado pela professora, era a seqüência de

história, este material consistia em gravuras coladas em fichas para que as

crianças fizessem a leitura e organizassem a história. Estes estavam à

disposição das crianças para essa interação de linguagens, as quais eram

dialogadas em ações coletivas.

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Evidenciei que as práticas de escrita estavam articuladas às atividades

de leitura, e as mais utilizadas pelas crianças eram os desenhos de pequenas

e grandes dimensões. Essa prática permitia às crianças efetivar a tão

sonhada escrita, nessa ação a professora assumia o caráter de escriba dos

diversos “autores”, pois era procurada para dar nome aos objetos construídos

pelas crianças e algumas vezes para “desenhar” as letras nas histórias

ilustradas por elas.

Ainda sobre as práticas de escrita propostas às crianças pela

professora, entendo ser importante o caráter lúdico dado à ação de escrever,

outro fator importante era a espontaneidade para essa ação, que na maioria

das vezes partiam das crianças o interesse por trilhar o caminho das letras.

No entanto, vejo a escrita como mais uma das representações de linguagem

e não a única a ser considerada no espaço da Educação Infantil. Sua

importância é inegável, porém, não deverá ocupar espaço de maior relevância

em detrimento das outras linguagens que permeiam a comunicação entre os

sujeitos, independentes de serem crianças ou adultos.

Pelos fazeres da professora foi possível conceituar que suas práticas

partilhavam do contexto de letramento, pois pautavam nas leituras de mundo

que as crianças traziam consigo. Por meio da linguagem oral essas

experiências infantis eram trazidas para o espaço da escola, no qual, eram

abordadas várias dimensões, a exemplo a dimensão lúdica intrínseca à

infância e das vivências, trazendo para uma discussão coletiva e de muitas

inferências por parte de todos. Afinal em se tratando de experiências

vivenciadas cada sujeito possui a sua e considerando que a criança com sua

dimensão criativa e “inventiva” tem muito a contribuir com as outras crianças

através dos espaços de trocas de experiências.

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Os pontos discutidos acima, sobre leitura, escrita, letramento, literatura

infantil, experiências infantis, oralidade, coletivo e linguagens infantis, deram

voz inicial a esse trabalho. Entendia que eram questões que careciam ser

investigadas na busca de justificar a não escolarização na Educação Infantil,

a não preparação para o Ensino Fundamental e a não alfabetização precoce,

que ocorre quando as crianças começam a ser alfabetizadas na Educação

Infantil. O espaço da escola da infância configura a interação coletiva, as

múltiplas linguagens infantis, as relações com outras crianças, adultos e o

meio social, as experiências a serem realizadas através da troca e construção

de conhecimento, dentre outros caminhos postulados pela própria criança.

Tive como questão central para a pesquisa, conhecer como a

professora interagia com as crianças na prática de leitura e escrita,

dispensando relevante atenção às relações que se estabeleciam entre o

coletivo infantil e a professora. Acredito que a resposta a esta questão ficou

posta no quarto capítulo, onde trago para análise alguns temas oriundos da

observação e que permitiram uma reflexão acerca desse coletivo. No entanto,

gostaria de destacar a postura da professora diante das práticas efetivadas,

pois esta permitiu às crianças que fossem participantes ativas no processo de

construção do conhecimento, dando voz a elas para que pudessem entrelaçar

o caminho da linguagem às dimensões lúdica, social, psicológica e cognitiva.

Nessa discussão, em particular sobre as práticas de leitura e escrita na

Educação Infantil, centrei-me na perspectiva do letramento, e através desta

apresentei algumas proposituras acerca da postura do professor de Educação

Infantil. Não se trata de conceituar como certa ou errada determinada prática

pedagógica, ou de ensinar aqui o que realizar com as crianças, mas de

oportunizar um novo olhar aos fazeres na escola da infância. Trata-se de

possibilitar alguns caminhos que apontem para uma educação diferente, que

prime por suprir as necessidades da criança e não esteja subordinada ao

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fazer repetitivo, mas a uma prática autônoma, capaz de produzir

conhecimento, em uma escola democrática e rumo a educação para a

emancipação.

Certamente, as ações de intervenção através de pesquisa, como a

realizada nesta escola, mais especificamente com essa turma, contribuem de

modo favorável para a divulgação e reflexão das práticas acerca da Educação

Infantil. Neste sentido, considero de fundamental importância os estudos na

área da infância, pois estes permitirão outros olhares sobre os fazeres dos

professores da infância, como também maiores possibilidades de se

estabelecer uma relação transformadora, capaz de edificar uma escola da

infância que respeite as múltiplas linguagens infantis.

E no mais, que nossas crianças possam exercer seu papel diante da

imensidão de coisas que lhes são postas pelos adultos e possam ver, fazer,

descobrir e experimentar sua própria infância. Como diz Chico Buarque, ao se

expressar sobre a infância e suas relações com o espaço ideal para ela:

Deve ter alamedas verdes

a cidade dos meus amores

e os pintores e os vendedores

as senhoras e o senhores

e os guardas e os inspetores

fossem somente crianças !

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