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Pós-Graduação em Direito Tributário Disciplina: Direito Internacional Tributário e Direito Penal Tributário LEITURA COMPLEMENTAR – AULA 1

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Pós-Graduação em Direito Tributário

Disciplina: Direito Internacional Tributário e Direito Penal Tributário

LEITURA COMPLEMENTAR – AULA 1

LEITURA OBRIGATÓRIA – AULA 1

NARLON GUTIERRE NOGUEIRA

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Capitulo I

PROPORÇÕES

PROPEDÊUTICAS

SUMÁRIO: 1. Conhecimento científico‟; 2. Delimitação do ob-

jeto e indicação do sistema de referência ; 2.1. Delimitação do

Objeto; 2.2 . Concepção do giro-linguístico; 2.3. Teoria Comu-

nicacional do Direito; 3. Semiótica como técnica de aproxima-

ção do Direito.

1. Conhecimento Científico

O conhecimento é a relação que leva a consciência cognoscente de um

sujeito à experiência do objeto1. A consciência, como tal, não existe se não se

apresentar sob alguma forma, dotada de conteúdo, produzida por um ato. As-

sim não se confundem os atos de consciência, as formas de consciência e os

conteúdos de consciência2. Uma coisa é conhecer, ato específico e histórico,

que se caracteriza como ato de consciência; outra é o conhecimento, resulta-

do desse ato, como forma de consciência; outra ainda, é o conteúdo conheci-

do, seu objeto, que se caracteriza como conteúdo de consciência e que pode

ser de diferentes espécies.

1 LOURIVAL VILANOVA. Sobre o conceito de direito, p. 16.

2 EDMUND HUSSERL, Investigações lógicas.

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A consciência se põe mediante intencionalidade e somente se realiza

como tal por meio de um objeto: o objeto de consciência. Nesse sentido, co-

nhecer é um ato intencional e direcionado. Sempre se conhece algo; sem ob-

jeto o conhecimento se esvai, não existe. Mas o próprio objeto do conheci-

mento tem sempre um lado subjetivo, apresenta-se como conteúdo de alguma

forma de consciência (percepção, reconstituição, imaginação, etc.), é um da-

do da consciência3. Messe sentido, sublinha LOURUVAL VILANOVA, todo

conhecimento importa um pré-conceito do objeto4

Primeiro passo para o conhecimento é a delimitação daquilo que se pre-

tende conhecer: o objeto-formal. A realidade é complexa: infinita e não de-

marcada, requer cortes que dão início e fim ao exercício da atividade con-

gnoscitiva5. O conhecimento redutor de complexidades6 e o cindir é desde o

início. A incisão ocorre mediante processo de abstração7, no qual se renunci-

am partes de um todo. E, embora isso importe a perda da totalidade, aduz es-

pecificidade ao conhecimento.

A ciência é uma construção conceptual8. Todo conhecimento científico

pressupõe uma demarcação rigorosa de seu objeto-formal. A delimitação é

feita sobre o objeto-material, mediante a eleição de critérios de separação,

que constituem o conceito e atribuem identidade ao objeito-formal. O objeto-

material já não é mais o dado-físico, ele é constituído pelo sujeito cognoscen-

te. Delimitar o objeto-formal importa um pré-conhecimento do dado-material;

3 Como ensina Paulo de Barros Carvalho (passim) “O mundo tem significado, porque a consciência

atribui este significado” 4 LOURIVAL VILANOVA afirma: “Não é possível o conhecimento da realidade social sem o conceito a

priori do social. Por artifício sofístico, pode-se argumentar que o sujeito vai ao objeto conhecer aquilo que, previamente, já sabe” (Sobre o conceito de direito, p.18) 5 Assim frisa LOURIVAL VILANOVA: “O objeto resulta de um corte epstemológico sobre a multiforme

realidade, que é um contínuo-heterogêneo”. (Analítica do dever ser, p.8) 6 PAULO DE BARROS CARVALHO, passim.

7 Nesse sentido LOURIVAL VILANOVA é enfático: “O universo é uma multiplicidade contínua: não é

uma multiplicidade homogênea. Seccionar um ponto é uma pura abstração”. (Causalidade e relação no direito, p. 40) 8 LOURIVAL VILANOVA, Sobre o conceito de direito, p. 4.

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esse pré-conhecimento do dado-material; esse pré-conhecimento é um ato de

consciência que tem como conteúdo o objeto-material9. Assim, o recorte não é

sobre o dado físico, é sobre a percepção do cientista, sobre o dado físico que

constitui o objeto-material.

A cultura condicionada o ser do conhecimento. Cada corte é um ato de

decisão daquele que se propõe a analisar o mundo que o cerca. Partem todos

os cortes da intencionalidade do cientista e são epistemológicos: não modifi-

cam, nem condicionam o objeito-material, apenas delimitam o campo sobre o

qual recairá a experiência cognoscente do sujeito. O objeto-material perma-

nece indecomponível, podendo servir de base para diferentes recortes, reali-

zados em razão da utilização de outros critérios de separação.

O real é irrepetível e a experiência é infinita e inesgotável10. Há várias

formas de ver e delimitar a mesma matéria11. O objeto-formal é infinito de co-

nhecimento. Seu conceito não capta sua totalidade material12, pois a lingua-

gem que o constitui nunca roca a realidade13. Há sempre a possibilidade de

falar novamente sobre o mesmo objeto-formal e cada uma destas possibilida-

des é um novo discurso.

9 EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI, com base nos ensinamentos de LOURIVAL VILAVONA,

leciona: “O conhecimento gnosiológico é reconstrutivo desse dado-material e constitutivo do objeto-material. É num segundo momento que o conhecimento científico efetua o corte epistemológico sobre aquele objeto-material, recolhendo desse corte o objeto formal. É neste sentido, que se diz que o conhecimento científico é constitutivo do objeto-formal. Em síntese, reiteramos: o conhecimento gnosiológico é reconstrutivo do dado-formal e construtivo do objeto-material, sobre o qual o conhecimento cientifico constitui, metodologicamente, o objeto-formal”. (Lançamento tributário, p. 29-30) 10

PAULO DE BARROS CARVALJO, Direito Tributário fundamentos jurídicos da incidência, p. 87. 11

Diz LOUTIVAL VILANOVA: “ O objeto-material uno multiparte-se em diversos objetos formais” . (Norma Jurídica – proposição jurídica a significação semiótica, p. 13). 12

Para LOUTIVAL VILANOVA “a realidade é sempre mais rica em determinação que o seu correspondente conceito, este mais pobre que a intuição dessa realidade. Da multiplicidade de coisas, fenômenos, propriedades, atributos, relações, o conceito escolhe alguns. Tem uma função seletiva em face do real. Em rigor, implica um ponto de vista, a partir do qual encerra o ser em sua inabordável heterogeneidade” (Sobre o conceito de direito, p. 7). 13

PAULO DE BARROS CARVALHO, passim.

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5

O conhecimento ocorre num universo linguístico e dentro de uma co-

munidade-do-discurso14. Requer linguagem, mediante a qual se fixam e se

comunicam as significações conceptuais (preposições). A linguagem é a for-

ma do conhecimento, condição para sua existência; sem linguagem não há

conhecimento. O conhecimento comum transparece na linguagem ordinária,

de uso diário das pessoas, é informal e não possui rigor terminológico. O co-

nhecimento científico se manifesta por meio de um discurso artificial, bem es-

truturado logicamente, que não admite ambiguidades, nem contradições entre

seus termos; traduz-se em linguagem rigorosa e precisa. Ambas têm função

descritiva em relação ao obejto-material e construtiva em relação ao objeto-

formal.

Todo objeto-formal comporta um modo de estar cognoscitivamente com

ele15. O modo de aproximação do cientista como o objeto denomina-se méto-

do. Método é o instrumento para o conhecimento cientifico. A delimitação do

objeto e a escolha do método funcionam como sistema de referência para

construção das preposições cientificas e sua possível refutação. Assim, a ca-

da ciência corresponde um, e somente um, objeto e um, e somente um, mé-

todo de investigação como suas técnicas especiais de focalizar o objeto16.

O objeto é plurifásico, inesgotável sob os diversos ângulos que apre-

senta, a escolha do método marca o caminho a seguir e detremina o ângulo

de observação do cientista. É ato subjetivo, assim como a experiência. Desta

forma, podemos dizer que a ciência é intra-subjetiva. Por mais que tenha neu-

tralidade como condição essencial e por mais identidade descritiva que pre-

tenda ter, expressa uma valoração que é marcada pelos limites culturais do

cientista. É um ponto de vista sobre o objeto.

14

LOURIVAL VILANOVA. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo, p. 38. 15

Idem, Idem, P. 43. 16

PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso de direito Tributário, p. 13.

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Mas. Do mesmo modo que se caracteriza como intra-subjetiva, é inter-

ssubjetiva no sentido de difundir as proposições do sujeito cognoscente pe-

rante o objeto. A inter-subjetividade da ciência pressupõe que o cientista pos-

sicilite a entrada no seu discurso e o encontro de suas ideias. Neste sentido, é

importante ao cientista a indicação do seu sistema de referência, o qual servi-

rá de alicerce para construção de suas proposições e de suporte para contes-

tação de suas conclusões17.

2. Delimitação do Objeto e Indicação do

Sistema de Referência

Vimos que toda ciência pressupõe a delimitação de seu objeto e a indi-

cação do sistema de referência adotado pelo cientista para observação deste.

Propomos com este trabalho uma investigação científica, por isso, a necessi-

dade de fixarmos desde logo a delimitação de nosso objeto e as premissas

utilizadas como suporte de nossas investigações.

2.1 Delimitação do Objeto

Objetivamos, com este trabalho, analisar e oferecer critérios científicos

para aplicação das normas penais tributárias por meio de um processo de co-

nhecimento, que levará nossa consciência cognoscente à experiência do di-

reito positivo, especialmente às legislações penais e tributárias.

17

PAULO DE BARROS CARVALHO, Direito tributário fundamentos jurídicos da incidência, p. 3.

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7

O direito é um realidade complexa e, por isso, objeto de diversos pontos

de vista cognoscente18, o que desde já requer um corte, em que desprezamos

o direito passado (não mais válido) e o direito futuro (que ainda não existe).

Não nos interessa a história (História do Direito), nem a afinidade social (So-

ciologia do Direito), nem como homem se relaciona co o direito (Antropologia

Cultural do Direito). O que nos interessa pe o direito posto (válido), mas isso

não quer dizer que desconsideramos a importância de todos estes enfoques,

apenas que escolhemos um deles.

Os estudos dogmáticos fotografam o direito, ignorando a sua história.

Toda análise é defasada no tempo, pois é um procedimento artificial da nossa

mente em relação ao mundo que nos cerca, que se modifica a cada instante.

Por isso, se não paralisamos o objeto, não conseguimos falar sobre ele.

LOURIVAL VILANOVA adverte que toda Ciência tem um grupo de con-

ceitos fundamentais, cuja amplitude cobre todo o território científico delimitado

por seu objeto forma. “E tem de haver um conceito primário, fundamento de

todos os demais conceitos. Esse conceito primário é fundamental tem função

de uma categoria do pensamento. De uma parte, delimita o campo de objetos

próprios da ciência, de outra, articula a multiplicidade dos conceitos numa co-

erente sistematização lógica. É o conceito fundamental que configura a esfera

de realidade, objeto de cada ciência” 19.

O conceito fundamental de cada Ciência funciona como um pressupos-

to do conhecimento, efetivamente delimita o objeto-formal. Assim, para as Ci-

ências Jurídicas o conceito de direito é um conceito fundamental. Cada Teoria

particular do direito tem por objeto normas específicas, são recortes sobre a

complexidade jurídica e, por serem seus objetos construídos da decomposi-

18

LOURIVAL VILANOVA, Sobre o conceito do direito, p. 32. 19

LOURIVAL VIANOVA, Sobre o conceito de direito, p. 10.

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ção analítica do direito, o conceito de direito é o principio fundamental de cada

uma delas.

O objeto-formal deste trabalho são as normas penais tributárias e todos

os enunciados prescritivos do direito posto (válido), relacionados direta, ou

indiretamente, com tais normas. É um recorte sobre outro recorte, que é direi-

to positivo. Por isso, para efetuá-lo, é preciso determinar o conceito de direito

adotado, já que os critérios de demarcação do corte serão estabelecidos so-

bre elementos característicos da nossa visão do direito.

2.2 Concepção do GIRO-LINGUÍSTICO

Nossa visão de direito está inserida o paradigma do giro-linguístico,

movimento filosófico que adota a linguagem como ponto de partida para o co-

nhecimento científico, construindo uma nova percepção para as ciências, que

se sobrepõe à filosofia da consciência20.

Na concepção da filosofia da consciência, a linguagem era vista como

instrumento entre sujeito cognoscente e objeto. A preocupação do cientista

era como a descoberta da essência do dado-fisíco, por isso, a verdade de

uma proposição científica era atribuída segundo sua correspondência com a

realidade observada21 e era absoluta, pois descrevia a natureza do objeto.

Com o giro-linguístico, a linguagem deixa de ser considerada como ins-

trumento que une sujeito e objeto e passa ser o próprio objeto. “Os objetos

não procedem o discurso, mas nascem com ele, nascem quando deles se fa-

20

Sobre o “giro-linguístico” consultar DARDO SCARVINO, La Filosofia Actual pensar sin certezas, p. 21-61; LENIO LUIS STRECK; Hermenêutica jurídica em crise, p. 145-209 e PAULO DE BARROS CARVALHO, O neopositivismo lógico e o círculo de viena, p.1-9. 21

JOHN HOSPERS, Introducción al analasis filosíficos,

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la, pois o discurso lhes dá significado” 22. Compreender não mais é a procura

da essência do objeto, mas a interpretação da linguagem que o constitui. Não

há mais uma verdade absoluta no discurso científico, pois o objeto importa

inúmeros pontos de vista23. O cientista não busca a verdadeira natureza do

objeto, busca descrevê-lo, e a verdade depende do seu posicionamento pe-

rante o objeto-material24. Uma proposição será verdadeira de acordo com as

premissas fixadas como base na experiência cientifica.25.

Nossa cultura vem com aquela expectativa de verdade de último reduto,

pregada pela filosofia da consciência. O giro-linguístico não nega a existência

de verdade, pois toda teoria é construída em nome de uma, mais não aceira a

verdade de último reduto. Seus adeptos trabalham com a verdade por coe-

rência, que depende das premissas adotadas na construção do raciocínio.

Existem várias formas de descrever um objeto, cada uma delas, por mais con-

traditórias que sejam, é considerada verdadeira se coerente com as premis-

sas fixadas pelo sujeito cognoscente no desenvolver de sua construção cientí-

fica. Assim, não haverá uma verdade absoluta, mas várias verdades, que

consideramos absolutas dentro de um sistema de referência.

22

PAULO DE BARROS CARVALHO, Sobre o “Objeto”, p. 1. 23

THOMAS KUHN, adotado a mudança de paradigma causada pela revolução linguística, rejeita a ideia de que possamos construir teorias verdadeiras ou mesmo cada vez mais próximas à verdade, pois a Ciência só tem acesso a um mundo interpretado por uma linguagem ou por paradigmas: nada podemos saber a respeito do mundo independentemente de nossas teorias (As estruturas das revoluções científicas, p. 121) IAPUD ADA JUDITH ALVES-MAZZOTTI e FERNANDO GEWANDSZNAJDER, O método nas ciências naturais e sociais, p. 26. 24

PAULO DE BARROS CARVALHO, ao dar um exemplo de EINSTEN, em que um lavrador e um viajante observam a mesma realidade de forma diferente, conclui: “Quando se afirma algo como verdadeiro, portanto, faz-se mister que indiquemos o modelo dentro do qual a proposição se aloja, visto que será diferente a resposta dada, em função das premissas que desencadeiam o raciocínio” (Direito tributário, fundamentos jurídicos na incidência, p. 3). 25

DARDO SCARVINO sustenta que “um enunciado é verdadeiro, em princípio, quando resulta em conformidade com uma interpretação estabelecida, aceira, instituída dentro de uma conformidade de pertinência (...) um enunciado verdadeiro não diz que uma coisa é senão o que pressupomos que é dentro de uma cultura particular. E este pressuposto, por sua vez, é um conjunto de enunciados de outro pressuposto”. (La Filosofia actual: pensar sin certezas, p.48)

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A verdade é uma característica da linguagem para autenticar sua re-

presentação com a realidade, existe somente em função da linguagem e é

construção linguística. Prova disse é que nunca qualquer objeto se insurgiu

contra uma teoria que o descreve26. A refutação científica é feita por outro

enunciado científico e só é admitida se há cosenso metodológico e aceitação

das premissas que sustentam a teoria refutada.

Dentro desta concepção do giro-linguístico, não buscamos uma verdade

absoluta sobre as normas penais tributarias, mesmo porque, para nós ela não

existe. Nossa proposta é a construção de uma teoria, que tem por objeto as

normas penais tributárias, de acordo com o nosso posicionamento perante o

direito. Certamente que, por adoção de paradigmas diversos, algumas propo-

sições serão divergentes das teorias já existentes e nossa intenção não é re-

frutá-las, mas sim expor um ponto de vista que contribua, cientificamente, pa-

ra o conhecimento das normas penais tributárias, já que quanto mais se fala

de um objeto, mais se conhece sobre ele.

2.3 Teoria comunicacional do Direito

O direito. Enquanto conjunto de normas jurídicas válidas, é um objeto

cultural. Os objetos culturais são aqueles construídos pelo homem para al-

cançar um fim determinado. O direito existe como instrumento27 de ordenação

da conduta humana. É criado a manipulação pelo homem com objetivo de

controlar condutas intersubjetivas. E o meio utilizado para atingir esta finalida-

de é a imposição de formas normativas ao comportamento. Essa imposição 26

Idem, idem, p. 12. 27

Neste sentido ALFREDO AGUSTO BECKER é enfático: “O Estado age com um instrumento: o Direito (a regra-jurídica); a natureza essencial do Direito é a natureza instrumental” (Teoria Geral do Direito Tributários, p. 63).

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ocorre mediante um processo comunicacional, sem o qual nada é possível

socialmente28.

Segundo ROMAM LAKOBSON, processo comunicacional é a transmis-

são, por um agente emissor, de mensagem, veiculada por um canal, para o

receptor, segundo um código comum e dentro de um contexto29. Na fenome-

nologia do direito o legislador30, num dado momento histórico e em determi-

nado espaço físico, emite uma mensagem ao destinatário (receptor), visando

à modificação da conduta desta, por meio da produção de um texto, construí-

do com base num código comum.

Processo comunicacional31

28

UMBERTO ECO, O signo, p. 12. 29

Linguística e comunicação, p.123. 30

Utilizamos o termo “legislador” em sentido amplo: “aquele que produz norma jurídica”. TERAK MOYSÉS MOUSSALLEM adverte que as normas jurídicas podem sem produzidas pelo Poder Legislativo, Poder Executivo, Poder Judiciário e pelo particular, ao classificar os veículos introdutores de normas em: (i) veículo introdutor-legislativo; (ii) veículo introdutor judiciário; (iii) veículo introdutor-executivo; (iv) veículo introdutor-particular (Fontes do direito tributário, p. 189). Nesse sentido o termo “legislador” pode ser utilizado em sentido escreito de “Poder Legislativo” ou em sentido amplo que abrange “todas as pessoas competentes para a instituição de norma jurídica”. 31

ULISSES INFANTE, Do texto ao texto, p. 214 (Editora Scipione, 6ª ed. São Paulo 2000).

Contexto

Emissor

Canal

Código

Mensagem Destinatário

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Emissor é aquele que produz o texto: no caso do direito, o legislador, destina-

tário é aquele a quem o texto é dirigido: para o direito, toda a sociedade; canal

é substrato de transmissão de mensagem, é o veículo introdutor do texto, em

seu sentido escrito32: no caso do direito, a lei é, a sentença, o ato administra-

tivo; código é o sistema de sinais que, por convenção, representam o mesmo

significado para emissor e destinatário: no direito brasileiro,é a língua portu-

guesa; mensagem é significação construída a partir da interpretação do texto,

está no conteúdo do texto; no caso do direito, é a norma jurídica; e contexto é

a situação em que se encontram os elementos do processo comunicacional,

são dados comuns ao emissor e ao receptor na situação cultural e psicológi-

ca33. Sem um destes elementos o direito não existe34,o que reforça nosso po-

sicionamento em adotar uma teoria comunicacional como paradigma de nos-

sas investigações.

Em última análise, “o direito é texto”35 em sentido amplo. O processo

comunicacional importa inúmeros recortes epistemológicos para o estudo do

direito. Se tomarmos como objeto o emissor da mensagem, teremos uma teo-

ria das fontes do direito, ou uma teoria política do direito. Se nosso enfoque

recair sobre o contexto, produziremos uma teoria histórica de direito. Se a

análise for dos destinatários, a contribuição científica será uma teoria socioló-

gica do direito. Se nossa observação recair no homem como manipulador do

32

PAULO DE BARROS CARVALHO faz distinção entre o texto em sentido amplo e texto em sendo escrito. „Surge logo uma distinção que há de ser feita: texto no sentido escrito e texto em acepção ampla. Stricto sensu, texto de restringe ao plano dos enunciados enquanto suportes de significações, de caráter eminentemente físico, expresso na sequência material do eixo sintagmático. Mas não há texto sem contexto”. (Direito tributário fundamentos jurídicos da incidência, p. 15). 33

Dicionário de Linguística. Editora Cultrix. 34

EROS ROBERTO GRAU é categórico: “Fato incontestável é o de que o direito é, fudamentalmente, comunicação, seja para ordenar situações de conflito, seja para instrumentalizar políticas. Daí a necessidade, inafastável, de penetrarmos ao nível linguístico na pratica das atividades próprias do profissional do direito”. (Ensaio sobre a interpretação/aplicação do direito, p. 195.) 35

GREGORIO RPBLES MORCHON, El derecho como texto: cuarto estudios de teoría comunicacional del derecho, p. 41.

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direito, teremos uma teoria antropológica do direito. Mas, uma teoria pura do

direito “quer única e exclusivamente conhecer seu próprio objeto”36 que, sob o

enfoque comunicacional, são os textos produzidos pelo legislador37. São eles

o instrumento utilizado pelo homem para ordenar condutas inter-subjetivas.

Aquele que almeja regulamentar qualquer conduta humana não tem ou-

tra possibilidade, a não ser a de produzir um texto. O Poder Legislativo, com o

intuito de tipificar determinada conduta como crime, produz uma lei. O Poder

Executivo, ao majorar a alíquota de um tributo, o faz por meio de decreto. O

juiz, ao aplicar a lei, o faz por meio da sentença. E o particular, ao regulamen-

tar uma compra e venda, produz um contrato. A constituição, os códigos, as

leis, os decretos, as portarias, os atos administrativos, os contratos as senten-

ças: são todos textos38. E, no caso do direito brasileiro, são textos escritos,

que atingem status de “textos jurídicos” quando publicados, ou seja, no mo-

mento em que se instaura o vínculo comunicacional.

Como texto, o direito é susceptível de análise assim como qualquer ou-

tro texto. Qualquer estudo que se pretenda do direito terá sempre como ponto

de partida textos39, que ao cientista caberá interpretar. Nesse sentido, a ciên-

cia do direito caracteriza-se como uma teoria hermenêutico-análitica40.

36

HANS KELSEN argumenta: “Quando a si própria se designa como “pura” teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e exclui deste conhecimento tudo quanto não pertença aos seu objeto, tudo quanto não possa, rigorosamente, determinar como elementos que lhe são estranhos. Esse é seu princípio metodológico fundamental” (Teoria Pura do Direito, p. 1) 37

No gráfico acima, demos tonalidade diferente aos elementos que representam o direito positivo no processo comunicacional. 38

GREGORIO ROBLES MORCHON sintetiza: “todo ordenamento jurídico é um grande texto unitário que se compõe de textos parciais”, (Teoria del derecho fundamentos de teoria comunicacional del derecho, p. 67). 39

PAULO DE BARROS CARVALHO, passim. 40

GREGORIO ROBLES MORCHO, El derecho como texto: cuatro estudios de teoría comuniacional del derecho, p. 17.

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2.4 Semiótica como técnica de aproximação do Direito

O direito é um conjunto de textos. Os textos são formados de frases e

as frases de palavras. As palavras são signos. O signo é uma relação triádica

entre suporte físico, significação e significado41. Suporte físico é o substrato

material, de natureza física; significação é a noção, ideia ou conceito que o

suporte suscita em nossa mente; e significado é o objeto que o suporte físico

representa.

Na produção dos textos jurídicos, a estruturação dos signos, para for-

mulação das frases, é um ato individual do emissor da mensagem42. Mas isso

não determina o conteúdo a ser interpretado pelo cientista do direito. O intér-

prete do direito não tem contato com o legislador para saber o que se passa

em sua mente, no momento da produção legislativa. Seu contato é com a fra-

se, enquanto suporte físico e é ele quem constrói seu conteúdo atribuído valo-

res ao substrato material43. Nesse sentido, ao realizar o processo hermenêuti-

co de construção do sentido das frases, não basta, para o cientista do direito,

a elucidação das palavras utilizadas pelo legislador, é importante que cons-

trua o sentido das frases dentro da intertextualidade do direito.44

41

Termologia do EDMUND HUSSEL in: investigações Lógicas. 42

JOAQUIM MATTOSO CÂMARA JR ressalta: “A frase é, em princípio, uma formulação pessoal, não é como o vocábulo, um dado permanente da língua”. (Princípios de Linguística Geral,). Utilizando-se da distinção feita por FERDINAND SUSSURE entre “língua” e “fala” – A língua é um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício da faculdade de se comunicar. A fala é um ato individual de seleção atualização da língua. (Curso de Linguística Geral, p. 26-27). 43

PAULO DE BARROS CARVALHO ensina que “interpretar é criar, produzir, elaborar sentido, diferentemente do que sempre proclamou a Hermenêutica tradicional, em que os conteúdos de significações dos textos legais eram procurados, buscados e encontrados mediante as chamadas técnicas interpretativas. Como se fora possível isolar o sentido originários e a intenção do editor da norma” (Curso de Direito Tributário, p. 94) 44

Por isso o método hermenêutico por excelência é o sistemático. (Idem, idem, p.100).

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A Semiótica45, ou Teoria dos Signos, distingue três planos na investiga-

ção dos sistemas sígnicos: sintático, que analisa as relações dos signos entre

si; semântico, que examina a relação dos signos com as realidades que eles

exprimem; e pragmático, que estuda a relação dos signos com seus usuários.

O direito, enquanto sistema sígnico que é, comporta estes três planos de in-

vestigação. O ângulo sintático conduz a uma análise conceitual, de elucidação

das palavras. E o enfoque pragmático verifica os problemas na aplicação do

direito.

Cada um desses planos caracteriza-se como um ponto de vista sobre o

objeto e investir sobre os três garante ao cientista uma completa investigação

sobre o direito.

Aurora Tomazini de Carvalho

Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina-PR (1999), é especialista

em Direito empresarial pela mesma Universidade (2001) e em Direito Tributário pelo Instituto

Brasileiro de Estudos Tributários (2002). Possui mestrado em Direito Tributário pela Pontifí-

cia Universidade Católica de São Paulo (2005). É doutora em Filosofia do Direito pela Ponti-

fícia Universidade Católica de São Paulo (2009).

Como citar este texto:

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Direito Penal Tributário (uma análise lógica, semântica e

jurisprudencial) São Paulo: Quartier Latin, 2009 p. 28-40. Material da 1ª aula da Disciplina

Direito Internacional Tributário e Direito Penal Tributário, ministrada no Curso de Especiali-

zação Telepresencial e Virtual de Direito Tributário – REDE LFG.

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“A Semiótica é a doutrina de todos os tipos possíveis de signos sobre a qual se funda a teoria dos métodos de investigação utilizados por uma inteligência científica” (LÚCIA SANTAELLA, A percepção uma teoria semiótica, p. 34).