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1 LEONARDO BOFF: ANTROPOLOGIA, ONTOLOGIA, COSMOLOGIA, ÉTICA E MÍSTICA Rodrigo Marcos de Jesus Pesquisador na área de Filosofia Brasileira, na PUC-Minas, sob a orientação do Prof. Dr. Paulo Margutti. [email protected] Nosso texto tem a seguinte pretensão: apresentar em linhas gerais e de forma esquemática o pensamento de Leonardo Boff através de cinco temáticas principais – antropologia, ontologia, cosmologia, ética e mística. Queremos traçar um amplo quadro dos principais pontos abordados por esse pensador, principalmente a partir de seus escritos posteriores a 1992 1 . O objetivo é fazer uma breve apresentação de L. Boff que incentive o leitor à leitura das fontes primárias e que funcione também como um “guia didático” para um estudo das questões analisadas. Aqui está omitida intencionalmente a abordagem teológica da obra de Leonardo. Essa omissão se justifica por dois motivos: 1) por o presente texto ser uma pesquisa voltada para a dimensão propriamente filosófica do pensamento de nosso autor; 2) por um desconhecimento mais minucioso, de nossa parte, da teologia de maneira geral e dessa em L. Boff. Mas como teologia e 1 Paulo Agostinho Nogueira Baptista analisa a mudança de paradigma em L. Boff após esta data. Cf. Diálogo e Ecologia. A teologia teoantropocósmica de Leonardo Boff. Reiteramos que aqui nos interessará o pensamento de L. Boff principalmente nos escritos posteriores a 1992, no entanto, quando necessário nos remeteremos a escritos anteriores.

LEONARDO BOFF: ANTROPOLOGIA, ONTOLOGIA, …ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/Boff.pdf · morte); a antropologia teológica (O destino do homem e do mundo ); a libertação e a teologia

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    LEONARDO BOFF: ANTROPOLOGIA, ONTOLOGIA, COSMOLOGIA, TICA E MSTICA

    Rodrigo Marcos de Jesus Pesquisador na rea de Filosofia Brasileira, na PUC-Minas,

    sob a orientao do Prof. Dr. Paulo Margutti. [email protected]

    Nosso texto tem a seguinte pretenso: apresentar em linhas gerais e de forma

    esquemtica o pensamento de Leonardo Boff atravs de cinco temticas principais

    antropologia, ontologia, cosmologia, tica e mstica. Queremos traar um amplo quadro

    dos principais pontos abordados por esse pensador, principalmente a partir de seus

    escritos posteriores a 19921. O objetivo fazer uma breve apresentao de L. Boff que

    incentive o leitor leitura das fontes primrias e que funcione tambm como um guia

    didtico para um estudo das questes analisadas. Aqui est omitida intencionalmente

    a abordagem teolgica da obra de Leonardo. Essa omisso se justifica por dois motivos:

    1) por o presente texto ser uma pesquisa voltada para a dimenso propriamente

    filosfica do pensamento de nosso autor; 2) por um desconhecimento mais minucioso,

    de nossa parte, da teologia de maneira geral e dessa em L. Boff. Mas como teologia e

    1 Paulo Agostinho Nogueira Baptista analisa a mudana de paradigma em L. Boff aps esta data. Cf. Dilogo e Ecologia. A teologia teoantropocsmica de Leonardo Boff. Reiteramos que aqui nos interessar o pensamento de L. Boff principalmente nos escritos posteriores a 1992, no entanto, quando necessrio nos remeteremos a escritos anteriores.

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    filosofia dialogam com grande proximidade no pensador haver algumas remisses a

    aspectos teolgicos, sem contanto, entrarmos em detalhes.

    Gostaramos de salientar que esta apresentao faz parte de nossa pesquisa junto

    ao grupo de Filosofia no Brasil vinculado ao departamento de Filosofia da UFMG,

    coordenado pelo prof. Paulo Margutti, e visa ser um apoio dentro de nossas limitaes

    ao fomento do estudo sobre o pensamento filosfico brasileiro na academia. E

    tratando-se de pensamento brasileiro, a excluso de seus quadros de um pensador como

    Leonardo Boff seria lamentvel e nos deixaria privados da obra de um dos maiores

    intelectuais brasileiros do sculo XX.

    A explanao seguir o seguinte esquema: 1) Vida e Obra; 2) Dimenses do ser

    humano: antropologia e ontologia; 3) Cosmologia; 4) tica; 5) Mstica; 6)

    Consideraes finais.

    1) Vida e Obra

    Leonardo Boff nasceu em 1938, na cidade de Concrdia-SC. Filho de pai

    intelectual e me analfabeta, ambos com profunda sensibilidade para com os pobres e a

    injustia social. As influncias paterna e materna so descritas por L. Boff: Do lado da

    me sou terra, gosto das cozinhas de todo o mundo, da natureza, do bel canto e das

    coisas diretas. Do lado do pai sou do cu, gosto da leitura, dos vos arrojados do

    pensamento, das diferenciaes dos conceitos2. A matriz familiar marcou-o com uma

    dupla religiosidade: a me com uma piedade rstica que cr em Deus e o v no meio

    das nuvens avermelhadas; o pai com uma religiosidade inquieta, questionadora do

    autoritarismo das instituies eclesisticas. Esses traos esto presentes na obra e na

    vida de Leonardo: no cultivo de uma espiritualidade, sentimento de re-ligao

    natureza, aos seres humanos, ao cosmos, a Deus, que vivida de modo simples pelos

    mais pobres, pelo campons, por exemplo, sem necessidade de intricadas especulaes

    tericas, e a crtica mordaz ao autoritarismo, s formas de opresso social, econmica,

    cultural, religiosa , que lhe valeu perseguies dentro e fora da Igreja.

    Leonardo formou-se em filosofia e teologia no Brasil e na Alemanha. Nos anos

    1970 regressou da Europa e chegando ao Brasil se deparou com a realidade de 2/3 da

    populao brasileira composta de excludos e pobres. Trabalhou como professor de

    teologia com os franciscanos em Petrpolis e nos meios pobres. Desse duplo trabalho

    com um p na academia e outro nas periferias ajudou a formular, juntamente com

    2 Uma caminhada humana e espiritual in BOFF, L., BETTO, Frei. Mstica e Espiritualidade. RJ: Rocco, 1999.

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    Gustavo Gutirrez (Peru), Juan Luis Segundo (Uruguai), Enrique Dussel (Argentina),

    Frei Betto, Dom Hlder Cmara, Rubem Alves (Brasil) e outros, uma corrente teolgica

    conhecida como teologia da libertao. Tal teologia foi alvo de perseguio por parte da

    Igreja institucional, pelos governos ditatoriais da Amrica Latina e pelo governo norte-

    americano.

    A perseguio da Igreja culminou com a condenao de L. Boff em 1984 e do

    seu livro Igreja: carisma e poder, que buscava aplicar as intuies originrias da

    teologia da libertao prtica interna da Igreja. Leonardo foi ento convidado a prestar

    esclarecimentos sobre seu livro Congregao para Doutrina da F, antigo Santo

    Ofcio, cujo prefeito na poca era o cardeal Joseph Ratzinger (atual papa Bento XVI).

    Como o prprio Leonardo afirma em entrevista revista Caros Amigos3, ele foi um

    bode expiatrio, seu processo junto Congregao foi smbolo de uma avalanche

    persecutria movida pelo Vaticano e apoiada pelos EUA contra a teologia da libertao

    e a CNBB (Confederao Nacional dos Bispos do Brasil). L. Boff foi condenado a 1

    ano de silncio obsequioso, destitudo de suas funes na Revista Eclesistica

    Brasileira, na editora Vozes, proibido de dar aulas, escrever e ministrar palestras.

    Aceitou a condenao e cumpriu a pena. Passados alguns anos, em 1992, novamente o

    Vaticano volta a persegui-lo e um novo silncio obsequioso -lhe imposto: nem

    mesmo poderia escrever ou dar aulas em um pas distante (em algum convento

    franciscano na sia, Filipinas ou Coria). Para preservar a liberdade, resolveu se

    autopromover ao estado leigo e abandonou a Igreja institucional.

    Leonardo foi ainda professor de tica, filosofia da religio e ecologia da UERJ.

    Tambm foi professor visitante das universidades de Harvard, Basel, Heidelberg.

    Assessora comunidades de base e movimentos populares. membro da Comisso da

    Carta da Terra. Em 2002, recebeu o prmio Nobel alternativo para a paz, em razo de

    seu compromisso com o direito dos pobres.

    A obra de L. Boff vastssima e compreende atualmente mais de 70 livros, sem

    mencionar artigos, prefcios e livros em co-autoria, cuja soma alcanaria mais de

    duzentos ttulos. To vasta quanto a obra a quantidade de temas abordados. No mbito

    teolgico4, podemos destacar: a cristologia (Jesus Cristo Libertador; O Evangelho do

    Cristo Csmico); a vida religiosa (Vida religiosa e secularizao); a mstica e a orao

    3Disponvel em: carosamigos.terra.com.br/outras_edicoes/grandes_entrev/boff2.asp. Acessado em: 26/4/2005. 4 Uma esquematizao mais completa pode ser encontrada na obra j citada de Baptista.

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    (Espiritualidade; Mstica e Espiritualidade em conjunto com Frei Betto; Francisco de

    Assis: ternura e vigor; A orao no mundo secular); a eclesiologia (Igreja: carisma e

    poder; O caminhar da Igreja com os oprimidos); a escatologia (Vida para alm da

    morte); a antropologia teolgica (O destino do homem e do mundo); a libertao e a

    teologia (Teologia do Cativeiro e da Libertao; Da libertao: o teolgico das

    libertaes scio-histricas junto com Clodovis Boff); a Trindade e o feminino (O

    rosto materno de Deus; Ave-Maria: o feminino e o Esprito Santo; A Trindade, a

    sociedade e a libertao); ecologia (Ecologia, Mundializao e Espiritualidade). No

    mbito filosfico, destacamos: a tica (Ethos Mundial; tica e Eco-espiritualidade;

    Saber Cuidar); a ecologia (Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres), a antropologia

    filosfica (A guia e a galinha; O despertar da guia); a globalizao e o Brasil (Nova

    Era: a civilizao planetria; Depois de 500 anos: Que Brasil queremos?); a ontologia

    e o feminino (Feminino e Masculino junto com Rose Marie Muraro). Essa

    esquematizao incompleta e visa apenas mostrar a amplido de temas e assuntos

    tratados por esse pensador brasileiro. A diviso entre os mbitos teolgico e filosfico

    possui certa artificialidade, porque muitas vezes as temticas teolgicas e filosficas

    esto presentes em uma mesma obra, como por exemplo, em Feminino e Masculino,

    Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres. Nossa diviso quer somente delimitar

    grosso modo as duas reas de conhecimento, a fim de facilitar ao leitor um primeiro

    contato. Quando formos tratar de cada tpico desta apresentao, iremos apontar as

    obras de referncia.

    Alm da amplitude, outro aspecto se destaca na obra e no pensamento de L.

    Boff: o ecletismo. Vrios so os autores mobilizados para a abordagem de inmeras

    questes. So grandes influncias e referncias autores e personagens, como: Francisco

    de Assis, Boaventura e Mestre Eckhart, na espiritualidade; Teilhard de Chardin, Duns

    Scoto e Karl Rahner, na teologia; Prigogine, Maturana, Einstein e Jung, na cincia;

    Marx e Heidegger, na filosofia; etc. O pensamento de Leonardo se utiliza de aspectos

    provenientes das mais variadas reas do conhecimento: sociologia, filosofia, biologia,

    fsica, qumica, ecologia, teologia, psicologia, etc.

    Uma ltima considerao de carter geral sobre a obra de Leonardo a sua no

    linearidade (no-sistematicidade), sua dinamicidade. Apresenta-se como um

    pensamento aberto a mudanas, inclusive de paradigmas, como demonstra Baptista em

    sua dissertao. Segundo esse autor, a obra de L. Boff teria sofrido uma mudana de

    paradigma nos incios dos anos 1990 at a data atual, em que o eixo estruturador sai da

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    eclesiologia e da cristologia e se desloca para a ecologia e Deus. A ecologia torna-se o

    novo paradigma no pensamento boffiano. sobretudo nessa mudana paradigmtica da

    ltima fase que basearemos nossa exposio.

    2) Dimenses do ser humano: antropologia e ontologia

    Elencamos duas dimenses que nos parecem fundamentais para uma viso

    global do pensamento de L. Boff: a antropologia e a ontologia. Antes de trat-las em

    pormenor, convm ressaltar um ponto que perpassa a vida e a obra do filsofo e

    telogo: a dimenso inclusiva (no-excludente), uma lgica que trabalha com

    dualidades mas no dualista e pode ser expressa pela conjuno e. Queremos dizer que

    Leonardo desenvolve um pensamento marcado por dualidades (transcendncia -

    imanncia, masculino feminino, etc.), sem no entanto cair no dualismo. As dualidades

    so dialetizadas, dialogantes, mas no so dicotomizadas. Ao contrrio, so

    interdependentes ou, at melhor, inter-retro-conectadas. Por isso podemos falar de uma

    lgica inclusiva, presente tambm na vida do autor (um p na academia e outro nos

    meios pobres). Alm disso, essa forma inclusiva de ser, dialogal, est presente no ser

    humano: A estrutura fundamental do humano consiste no e. Ser ele e mais o diferente

    dele com o qual comunica. Homem como varo e mulher, homem e mundo, homem-eu

    e o no-eu dentro de mim; homem-eu e tu; homem e sociedade etc.5 Ao falarmos do

    ser humano, temos que ter em mente a conjuno e, no o ou. Trabalhar incluindo e

    dialogando, no excluindo e dicotomizando dimenses.

    2.1) Antropologia

    Trs so as dimenses antropolgicas: imanncia, transcendncia e

    transparncia. Elas so como arqutipos, no sentido empregado por Jung, isto ,

    padres de comportamentos presentes no inconsciente coletivo, representado por

    smbolos e figuras.

    Para expressar a transcendncia e a imanncia Leonardo utiliza a metfora da

    guia e da galinha6. A guia representa a transcendncia e a galinha, a imanncia.

    Transcendncia toda nossa dimenso de abertura, de rompimento do j dado, do

    estabelecido, a criatividade, o sonho e a utopia, o lanar-se para alm da realidade que

    5 BOFF, L. Masculino e Feminino: o que ? Fragmentos de uma ontologia. In: Revista de Cultura Vozes, Petrpolis, v. 68, n. 9, nov. 1974, p. 682. 6 Um dos ttulos de seus livros.

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    nos confina, o voar acima daquilo que nos prende. Imanncia nossa dimenso de

    enraizamento, de cotidiano, das nossas tradies culturais, limitaes, o estar preso

    realidade, o ciscar da galinha. Ambas as dimenses Traduzem o dinamismo humano,

    enraizado por uma parte e sempre aberto por outra7. Elas se complementam. No h

    apenas imanncia ou somente transcendncia. Os arqutipos [imanncia e

    transcendncia] entram na construo das snteses que globalizam a existncia. O ser

    humano precisa unir enraizamento e abertura, luz e sombra, cu e terra, masculino e

    feminino8.

    Mas onde encontrar a sntese entre transcendncia e imanncia, a fim de no

    ficarmos cindidos e sim integrais? Em uma terceira dimenso, que no exclui as duas

    anteriores, porm as integra: a transparncia. Transparncia o termo que traduz a

    inter-retro-relao da imanncia com a transcendncia. A transparncia a

    transcendncia dentro da imanncia e a imanncia dentro da transcendncia9. Atravs

    da transparncia, a imanncia torna-se possibilidade de ir alm, de ser mais que

    enraizamento, e a transcendncia torna-se possibilidade do alm ser possvel,

    realizvel, enraizado, e no simples devaneio.

    A transparncia integra um dilogo autntico entre o eu-consciente e o eu-

    inconsciente, mais do que e diferente da sinceridade (que uma sintonia em nvel

    unicamente consciente). Pela autenticidade o ser e o fazer tornam-se leves, o humor,

    sem amargura, o desejo, sem obsesso, a palavra, sem segunda inteno.

    Se o smbolo da transcendncia a guia e da imanncia, a galinha, o arqutipo

    da transparncia Jesus. O Cristo um dos que representam de maneira exemplar a

    transparncia, graas encarnao. Essa torna o divino (transcendncia) visvel,

    concreto, e a humanidade (imanncia) difana, translcida, leve. A singularidade do

    cristianismo reside na transparncia mistrio do Cristo e no na transcendncia.

    Temos na transparncia a sntese, a coexistncia e interpenetrao entre

    imanncia e transcendncia. Frisemos novamente: no h dualismo nem supresso de

    uma ou outra dimenso, o que h so dimenses (transcendncia e imanncia), ambas

    vividas pelo ser humano e que encontram sua sntese, sua harmonizao, na

    transparncia.

    7 BOFF, L. A guia e a galinha: uma metfora da condio humana. Petrpolis: Vozes, 1998, p. 168. 8 BOFF, L. A guia e a galinha: uma metfora da condio humana. Petrpolis: Vozes, 1998, p. 168. 9 BOFF, L. A guia e a galinha: uma metfora da condio humana. Petrpolis: Vozes, 1998, p. 172.

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    Momentos h em que preciso redimensionar transcendncia e imanncia. s

    vezes elevando uma ou outra para atingir um equilbrio que nos torne transparentes,

    autnticos. Hoje, no processo de mundializao homogeneizadora, importa darmos

    asas guia que se esconde em cada um de ns. S ento encontraremos o equilbrio. A

    guia compreender a galinha e a galinha se associar ao vo da guia10. Nossos

    tempos se caracterizam por um proclamar do fim das utopias e um aceitar o visceral

    flagelo da Terra e dos prprios humanos por meio de um sistema ideolgico e

    econmico predatrio e devido ao crescente aumento do centramento de si expresso

    pelo crescimento do egosmo, do individualismo e das formas superficiais de

    relacionamento com o outro, tornando-o um objeto. Assim, faz-se necessrio valorizar

    mais a dimenso da transcendncia, alar o vo da guia, ousar sair de si, abrir-se ao

    outro (seres humanos, Terra, divindade).

    Caracterstica a ser mencionada da antropologia de L. Boff a percepo de que

    nenhuma antropologia tem condies de apresentar de modo fechado, concludo,

    acabado, o ser humano. A antropologia de certa forma uma antropognese. O ser

    humano assim como o cosmos est em permanente evoluo, o conhecimento que

    temos de ns mesmos tem carter limitado e necessariamente aberto. Estamos sempre

    em gnese, por fazer. Isso mais uma vez demonstra a dimenso transcendente do

    humano e nos abre as portas para a dimenso tica. No dilogo com aquilo que no

    ele, o homem se constri e se enriquece a si mesmo11.

    2.2) Ontologia

    Ao falarmos da ontologia, trabalharemos duas dimenses: masculino e

    feminino. Importa, primeiramente, definir a especificidade da reflexo ontolgica em

    face dessas duas dimenses. A reflexo ontolgica no dispe de mais dados que as

    cincias; nem tem acesso a um saber que se subtrai s cincias12. A cincia nos diz dos

    modos concretos como homem e mulher se realizam no mundo. Revela, mas no diz

    quem o ser humano de forma definitiva e total. Tal pergunta fica em aberto e sobre ela

    reflete a ontologia. Ela [ontologia] no se ope ao saber cientfico, nem possui um

    saber prprio. Tenta pensar o que est implcito no conhecimento cientfico e ousa

    10 BOFF, L. A guia e a galinha: uma metfora da condio humana. Petrpolis: Vozes, 1998, p. 172. 11 BOFF, L. Masculino e Feminino: o que ? Fragmentos de uma ontologia. In: Revista de Cultura Vozes, Petrpolis, v. 68, n. 9, nov. 1974, p. 682. Para maior aprofundamento da antropologia, indicamos: A guia e a galinha; O despertar da guia; Tempo de Transcendncia.

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    explicit-lo numa linguagem que lhe prpria13. A tarefa da ontologia fazer essa

    reflexo profunda, a partir da cincia, sobre o que o ser humano. Desse

    questionamento surge a compreenso de duas formas de ser: masculino e feminino.

    Masculino e feminino no so, em primeiro lugar, propriedades biolgicas,

    caractersticas fisiolgicas dos sexos (elas tambm, culturalmente, sero identificadas

    assim) mas traos profundos e dimenses ontolgicas de cada pessoa humana14. Ou

    seja, masculino no se identifica com homem e feminino com mulher, essas duas

    dimenses so princpios ontolgicos, [...] esto aqum das coisas; antes, do origem a

    elas15. Masculino e feminino esto presentes em cada ser humano (homem e mulher).

    A pura e simples assimilao masculino-homem, feminino-mulher acarretou distores

    e a subjugao da mulher pelo homem ao longo da histria, alm de privar cada pessoa

    de uma integrao harmoniosa de suas dimenses masculina e feminina. S na

    combinao de ambos aparece a vida em sua harmonia. No porque se dissolveram as

    tenses, seno porque se conseguiu uma sntese cheia de tenses que se sustenta, se

    renova e se aprofunda cada vez mais16. Masculino e feminino esto ambos presentes

    como expresso, forma de interveno no mundo (no homem e na mulher), aparecem

    numa estrutura dialtica, dialogal, constituem princpios estruturantes do ser humano.

    As cincias que nos auxiliam na reflexo ontolgica so entre outras a

    antropologia, a psicologia das profundezas, a exegese dos textos antigos e dos mitos, a

    sociologia dos gneros. Todas elas apresentam-nos manifestaes culturais dos modos

    de ser masculino e feminino. Em especial, a linguagem mitolgica uma fonte

    privilegiada de acesso quilo que significam tais dimenses. O mito representa de forma

    pitoresca a verdade surpreendida pela ontologia: a presena do masculino e do feminino

    tanto no homem quanto na mulher. A moderna biologia demonstra a intuio mtica ao

    falar da indeterminao sexual nos primeiros momentos da concepo e ao mostrar a

    identidade entre homem e mulher atravs dos 22 pares de cromossomas, sendo que

    apenas o 23 par instaura a diferena sexual (macho/fmea) dentro de uma profunda

    12 BOFF, L. Masculino e Feminino: o que ? Fragmentos de uma ontologia. In: Revista de Cultura Vozes, Petrpolis, v. 68, n. 9, nov. 1974, p. 679. 13 BOFF, L. Masculino e Feminino: o que ? Fragmentos de uma ontologia. In: Revista de Cultura Vozes, Petrpolis, v. 68, n. 9, nov. 1974, p. 679. 14BOFF, L. Masculino e Feminino: o que ? Fragmentos de uma ontologia. In: Revista de Cultura Vozes, Petrpolis, v. 68, n. 9, nov. 1974, p. 684. 15 Cf. BOFF, L., MURARO, Rose Marie. Feminino e Masculino. Uma nova conscincia para o encontro das diferenas. RJ: Sextante, 2005, p. 73. 16 BOFF, L. Masculino e Feminino: o que ? Fragmentos de uma ontologia. In: Revista de Cultura Vozes, Petrpolis, v. 68, n. 9, nov. 1974, p. 684.

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    unidade. Antes de definirmos as duas dimenses ontolgicas, precisamos fazer uma

    ponderao.

    A sexualidade no uma mera qualidade no ser humano, mas uma estrutura

    ontolgica. No algo que o ser humano tem, porm algo que ele . Pervade a

    existncia humana em todas as suas camadas. Ser homem ou mulher so maneiras

    diferentes de ser no mundo, que se relacionam reciprocamente: o homem e a mulher

    possuem tudo em si, mas so inacabados. Dois inteiros, mas inacabados e sempre se

    fazendo , se encontram na atrao mtua e na liberdade de entrega17. Poderia parecer

    que h neste ponto uma contradio, a saber: a sexualidade, sendo ontolgica, e como

    ser homem e ser mulher so modos diferenciados de ser no mundo, isso permitiria uma

    identificao entre masculino-homem e feminino-mulher, justamente aquilo que se

    queria negar.

    Percebamos bem, a postulao da sexualidade como ontolgica no invalida a

    concepo do masculino e feminino como princpios ontolgicos presentes no homem e

    na mulher. Pois no se trata aqui de uma compreenso das formas masculina e feminina

    como aspectos incompletos que, unidos (homem e mulher), formariam um todo

    completo e unificado (masculino e feminino). Descartamos j a compreenso de dois

    incompletos que juntos se fazem completos. Estimamos que a correta representao vai

    na seguinte direo: um dentro do outro, o feminino dentro do masculino e o masculino

    dentro do feminino18. A reciprocidade entre homem e mulher ocorre a partir de dentro.

    Explicitemos: homem e mulher possuem dentro de si tanto a dimenso masculina

    quanto a feminina19 e no dilogo (reciprocidade) entre ambos o homem acolhe a mulher

    a partir da mulher dentro de si e a mulher acolhe o homem a partir do homem dentro de

    si. Esse acolhimento e essa mtua troca so melhor expressos pelas categorias

    masculino e feminino e essas ajudam a esclarecer o que ser homem e o que ser

    mulher.

    No cabe neste texto refazer todo o percurso que nos permite chegar

    elaborao das dimenses ontolgicas (isso poder ser realizado ao se consultar a

    17 BOFF, L., MURARO, Rose Marie. Feminino e Masculino. Uma nova conscincia para o encontro das diferenas. RJ: Sextante, 2005, p. 64. 18 BOFF, L., MURARO, Rose Marie. Feminino e Masculino. Uma nova conscincia para o encontro das diferenas. RJ: Sextante, 2005, p. 71. 19 Para maiores detalhes dessa questo cf. BOFF, L., MURARO, Rose Marie. Feminino e Masculino. Uma nova conscincia para o encontro das diferenas. RJ: Sextante, 2005, cap. 5 A sexualidade como estrutura ontolgica do ser humano.

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    bibliografia do final desta temtica). Simplesmente conceituaremos o que sejam as duas

    categorias.

    A dimenso feminina se caracteriza como mistrio, profundidade, acolhida,

    complexidade, afeto, criatividade, vida, corpo, espiritualidade, receptividade,

    sentimento, terra, ternura, cuidado, esprito de fineza. O feminino constitui a fonte

    originria da vida, a conservao, o combate defensivo, o corao.

    A dimenso masculina expressa o tempo, a ordem, o poder, o trabalho, a

    exterioridade, a objetividade, a razo-instrumental, a diviso e compartimentao do

    conhecimento, o vigor, a agressividade, o esprito de geometria. O masculino representa

    a vida j formada e evoluda, o combate ofensivo, a conquista, a vontade de poder, a

    racionalidade imperativa.

    Notemos que no se fala de homem e mulher, mas de masculino e feminino. O

    ser humano apresenta-se com todas as caractersticas acima, independentemente de sua

    sexualidade. Entretanto, uma ou outra dimenso pode ser predominante em cada

    indivduo, apesar de no exclusiva.

    A exarcebao de um dos plos provoca distores. A tematizao

    desproporcional do masculino leva ao racionalismo frio, calculista e objetivista. o

    perigo da vontade de poder, que subjuga as chamadas minorias (mulher, negro, ndio,

    estrangeiro), promove o processo de colonizao atualmente globocolonizao ,

    expropria a natureza, forma a imagem de um deus punidor e castrador, reduz seres

    humanos a meros nmeros econmicos. O contrrio, a afirmao nica do feminino,

    leva ao irracionalismo incontido, passionalidade, ao subjetivismo, ao sentimentalismo.

    Vimos anteriormente a necessidade de harmonizar transcendncia e imanncia.

    Da mesma forma, para se evitar as patologias inerentes ao excesso da dimenso

    masculina, que podem ser resumidas para pensarmos na esfera tica no descuido

    para com a Terra e os seres humanos, levando a uma desumanizao, e ao excesso da

    dimenso feminina, representada pela obsesso por um perfeccionismo e que tem como

    conseqncia o sufocamento e a imobilizao, urge uma harmonizao entre as duas

    dimenses. S na combinao de ambos aparece a vida na sua dinmica, na sua ternura

    e no seu vigor20.

    Na atualidade, mister colocar em relevo a dimenso feminina. Isso tem

    ocorrido graas aos movimentos feministas, que colocam em xeque e desnudam as

    20 BOFF, L., MURARO, Rose Marie. Feminino e Masculino. Uma nova conscincia para o encontro das diferenas. RJ: Sextante, 2005, p. 78.

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    formas de opresso baseadas na diferena sexual, denunciam a cruel tradio patriarcal

    de dominao, e com isso ajudam a reelaborar um equilbrio entre masculino e

    feminino. Auxiliam na transformao das relaes sociais entre os gneros e na

    formulao de novas imagens da reciprocidade homem-mulher e da relao ser

    humano-divindade, em que passa a ser redescoberta a imagem de Deus como me,

    afeto, ternura, e no apenas a imagem consagrada e fossilizada de um Deus-Pai

    rigoroso, castigador e racionalista. O resgate do feminino importante ainda para a

    construo de uma nova tica, de uma nova relao humano-natureza, atravs da

    percepo da Terra como Gaia, Me. O feminino traz consigo uma nova lgica, capaz

    de pensar o complexo e de se guiar no s pelo Logos, mas inserir tambm o Eros,

    aquilo que Pascal denominava esprito de fineza. Resgatar o feminino dar relevncia a

    vtimas histricas da vontade de poder-dominao masculina: as mulheres, os pobres, os

    discriminados tnica e racialmente, a Terra. Mais abaixo veremos em detalhe a

    importncia do feminino para a tica21.

    3) Cosmologia

    A cosmologia adquire grande importncia no pensamento de Leonardo Boff,

    uma vez que permite um novo olhar sobre a realidade. Um novo olhar possibilita uma

    nova tica. A percepo da unidade do todo e da interligao de todos os seres evoca,

    como primeiro sentimento, o senso de fraternidade universal, a reverncia para com a

    criao e a com-paixo para com o lado sofredor da criao. Custa-nos tolerar a terra

    ferida e seus habitantes penalizados por aqueles que rompem egoisticamente o todo em

    benefcio de sua parte. Sentimos responsabilidade para com a totalidade dinmica mas

    harmnica. Todos tm direito de viver solidrios e sentir sua incluso num todo

    maior22. Faamos um breve desenho dessa nova cosmologia, mostrando como a

    ecologia a aparece e a relao da ecologia com a teologia da libertao.

    A cosmologia uma cartografia do universo, a imagem de mundo que uma

    sociedade faz para si prpria. Nessa imagem, vrios saberes so combinados. A nova

    cosmologia recebe contribuies da mecnica quntica, da nova biologia, da ecologia,

    21 Para a temtica analisada, pode-se consultar: Masculino e Feminino: o que ? Fragmentos de uma ontologia (artigo); O rosto materno de Deus; Ave-Maria. O feminino e o Esprito Santo; So Francisco: ternura e vigor; Feminino e Masculino. 22 BOFF,L. Refundao da dignidade humana a partir da nova cosmologia. In: Cadernos F e Poltica, Petrpolis, v. 7, 1992, p.52.

  • 12

    da psicologia transpessoal, da filosofia crtica23. Essa cosmologia tem uma peculiaridade

    em relao s outras cosmologias do nosso passado ocidental24. Apresenta um carter de

    cosmognese, caracterstica construda a partir da ecologia (vista como inter-retro-

    relacionamento de todas as coisas). O jogo, a dana, o teatro so os smbolos da

    cosmologia contempornea, pois representam a dinamicidade do universo. O ser

    humano ocupa um novo lugar nesse palco. Esbocemos a nova viso do universo.

    O universo mostra-se evolutivo, possui origem e passa por distintos momentos.

    H primeiramente o momento csmico, em que, de um caos generativo o universo se

    expande e se diversifica (15 bilhes de anos); segue-se o momento qumico, o da

    formao dos elementos fsico-qumicos que constituem todo o cosmos e todos os seres,

    no interior das grandes estrelas, gerando o nascimento dos planetas (10 bilhes); depois

    h o momento biolgico, do surgimento da vida atravs da auto-organizao e auto-

    criao da matria autopoiese (3,8 bilhes); em seguida, temos o momento

    antropolgico, um subcaptulo do biolgico, em que aparece a vida humana como

    complexificao evolutiva da matria, da vida (10 milhes); finalmente, surge o

    momento planetrio, em que o ser humano ocupa todos os espaos da Terra e modifica-

    os, redescobrindo sua ligao com o planeta, os demais seres, o cosmos (etapa atual).

    Todo esse processo revela uma rede de implicaes inter-retro-conectadas que

    possui algumas caractersticas: um sistema aberto (dinmico e orgnico), em que tudo

    se encontra em gnese, interdependncia e cooperao; uma evoluo no-linear e que

    se orienta na formao de ordens cada vez mais complexas; a adaptao e a troca de

    informaes presidindo as relaes mais do que a competio e a disputa. A realidade

    apresenta-se como um organismo vivo, no uma mquina. Neste organismo d-se o

    inter-retro-relacionamento de tudo com tudo. O ser humano, dentro desse processo,

    irrompe quando 99,98% da Terra j existia. Entretanto, revela uma particularidade, co-

    piloto da evoluo, pode intervir intencionalmente na natureza e, devido essa liberdade,

    um ser tico. O ser humano como co-responsvel pode trabalhar ajudando ou

    destruindo a Terra. Da se conclui que no se pode mais falar do humano sobre a Terra,

    a natureza e os demais seres, mas, ao invs, junto com, ao lado deles, pertencente a uma

    mesma histria e a um mesmo destino. Aps esse panorama, compreende-se a

    importncia da ecologia.

    23 De forma mais detalhada pode ser vista a contribuio desses saberes em BOFF, L. Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres. RJ: Sextante, 2004, cap. 2 Uma Cosmoviso Ecolgica: a narrativa atual. 24 Na cosmologia antiga, a figura ilustrativa a pirmide e na moderna, o relgio. Cf. referncia nota 22.

  • 13

    Podemos sinteticamente falar de quatro maneiras de entender ecologia. A

    primeira, a ecologia ambiental, que trata da relao entre ser humano e meio ambiente.

    A segunda, a ecologia social, que trata da relao entre os seres humanos dentro das

    relaes com o ambiente (por exemplo: a questo do acesso aos recursos naturais, a

    desigualdade scio-econmica). A terceira, a ecologia mental, que trata da natureza tal

    como representada no interior da mente sob forma de energias psquicas, smbolos,

    arqutipos e padres de comportamento.

    Todas essas trs maneiras so verdadeiras, mas mostram limites: esto na

    lgica da relao do ser humano sobre a natureza ou podem apenas apaziguar a tenso

    da relao humano-natureza. Elas deixam intocada a questo fundamental: o

    paradigma-dominao.

    Uma quarta forma chega ao cerne da questo: a ecologia radical, profunda ou

    integral. No invalida as outras, porm discerne a grande questo, a crise do paradigma-

    dominao, que se sustenta na premissa do progresso ilimitado, atingido por meio da

    explorao da natureza e das pessoas, pautado na lgica do sobre. Essa ltima maneira

    de percepo ecolgica proporciona uma nova lgica, a do junto natureza, aos seres e

    s pessoas, postulando um novo paradigma: o paradigma-cuidado (vislumbra-se um

    novo relacionamento para com o planeta e para com os outros humanos; uma nova

    tica).

    Ao se pensar na esteira da nova cosmologia, entende-se por que a ecologia seu

    novo paradigma. Ecologia a relao, inter-ao e dialogao de todas as coisas

    existentes (viventes ou no) entre si e com tudo o que existe, real ou potencial [...] A

    questo ecolgica remete a um novo nvel de conscincia mundial: a importncia da

    Terra como um todo, o bem comum como bem das pessoas, das sociedades e do

    conjunto dos seres da natureza, o risco apocalptico que pesa sobre todo criado25. A

    nova cosmologia e a ecologia lidam com o inter-retro-relacionamento de todas as

    coisas, transmitem uma nova tica da realidade. Com um novo olhar, propiciam o

    aparecimento de uma nova tica.

    Como dialogam ecologia e teologia da libertao? preciso entender essa

    imbricao, porque isso nos permite compreender a mudana de paradigma em L. Boff

    e como a causa da teologia da libertao a defesa do direito dos pobres no

    abandonada.

    25 BOFF, L Ecologia, Mundializao, Espiritualidade. SP: tica, 1993, p. 15.

  • 14

    Teologia da libertao e ecologia tm em comum as chagas provocadas por um

    mesmo agressor. A teologia da libertao sofre a chaga da pobreza e misria de milhes

    de excludos, que gritam por beleza, vida e liberdade. A ecologia, a chaga da agresso

    sistemtica Terra. Ambas aspiram libertao. A teologia da libertao, atravs dos

    pobres conscientizados e articulados com seus aliados contra a pobreza; a ecologia, por

    via de uma nova aliana do ser humano com a Terra, baseada na fraternidade/sororidade

    (no respeito ao outro e na percepo de que tudo e todos so integrantes de uma mesma

    histria e de uma mesma comunidade). So dois gritos por liberdade.

    Teologia da libertao e ecologia so vtimas de uma mesma lgica predatria: o

    paradigma-dominao, fundamentado na explorao, na busca a todo custo do lucro, da

    transformao de todas as coisas em mercadoria e da no-centralidade da pessoa e da

    natureza. Os gritos possuem uma mesma raiz e para que sejam curadas as chagas

    preciso uma libertao integral. A ecologia social estabelece um ponto de encontro

    entre a teologia da libertao e a ecologia, ao mostrar a necessidade de uma tica

    mnima (justia social) para que se tenha uma justia ecolgica (nova aliana com a

    Terra).

    A teologia da libertao, apesar de no ter nascido da preocupao com a Terra,

    mas com os pobres e explorados (o pobre econmico, o negro, o ndio, a mulher, as

    minorias), descobre uma nova dimenso do pobre a Terra e todos os demais seres .

    A centralidade no est mais no pobre socioeconmico, poltico, cultural, tnico,

    feminino [...] mas no grande pobre que a Terra [...]. Na opo original pelos pobres

    deve entrar, primeiramente, o grande pobre que a Terra e a humanidade, base que,

    garantida, possibilita ento colocar a questo do futuro dos pobres e condenados da

    Terra26.

    Para finalizar toda essa temtica de uma nova cosmologia, do paradigma

    ecolgico e de suas implicaes para a teologia da libertao, necessrio salientar a

    lgica que sustenta esse novo olhar. A lgica prpria compreenso da nova imagem da

    realidade a dialgica ou pericortica. Ela engloba e vai alm das demais lgicas

    (identidade, diferena, dialtica, complementariedade/reciprocidade), coloca tudo em

    dilogo em todas as direes e momentos (holismo), uma atitude a mais inclusiva

    possvel e menos produtora de vtimas. Representa a lgica mesma do universo em que

    26 BOFF, L. tica e Eco-espiritualidade. Campinas, SP: Verus Editora, 2003, cap. 4 Nova cosmologia e teologia da libertao, p. 44.

  • 15

    [...] tudo interage com tudo em todos os pontos e em todas as circunstncias27, em que

    h uma circularidade e uma incluso de todas as relaes e de todos os seres

    relacionados. Uma lgica mais complexa e por isso mais completa. Tal concepo est

    presente na relao entre as trs pessoas da Trindade Pai, Filho, Esprito Santo ,

    pericrese em linguagem teolgica. Graas a essa lgica, aprendemos que todas as

    prticas que ligam humanos e natureza, das ditas primitivas (magia, religiosa, xamnica,

    alquimia) at a cincia, revelam o dilogo entre o ser humano e o seu entorno e todas as

    prticas tm uma verdade a testemunhar28.

    4) tica

    Tivemos at o momento um novo olhar sobre o ser humano e o universo.

    Antropologia, ontologia e nova cosmologia expuseram dimenses novas, histricas e

    dialogantes. Esses olhares nos apontam para um novo agir, agora sob um paradigma

    diferente, o ecolgico. Explicitemos como se configura a nova tica engendrada por

    essa nova viso.

    Distingamos os termos tica e moral, para a questo ficar bem colocada. tica

    significa o conjunto de princpios e valores inspiradores que nos orientam, est

    ancorado em nossa humanidade e vlido para todos os seres humanos,

    independentemente de raa, gnero, nacionalidade, idade, etc. Retomando-se o sentido

    grego de ethos como morada, casa, a tica entendida existencialmente [...] como

    o modo de o ser humano habitar, como forma de organizar a vida em famlia29. Moral

    se refere ao conjunto de preceitos e normas concretas que organizam a vida de pessoas,

    comunidades e sociedades, varia de acordo com as tradies culturais. tica nica,

    morais so vrias. Leonardo Boff utiliza a seguinte metfora: a tica diz respeito nossa

    casa, nossa morada, j a moral tem a ver com as mltiplas maneiras de se organizar a

    casa, os muitos estilos gtico, neoclssico, barroco etc. . A tica trata da forma de

    preservarmos, cuidarmos de nossa casa comum, para que ela se torne habitvel, limpa,

    27 BOFF, L. Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres. RJ: Sextante, 2004, cap. 1 A Era Ecolgica, p. 44. 28 Condensamos a explicao a fim de ser possvel uma viso ampla. Maiores detalhes so encontrados em: tica e Eco-espiritualidade (cap. 4 Nova cosmologia e teologia da libertao ); Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres (em especial o cap. 1 A Era Ecolgica: a volta Terra como ptria/mtria comum, cap. 2 Uma Cosmoviso Ecolgica: a narrativa atual, cap. 5 Teologia da libertao e Ecologia: alternativa, confrontao ou complementariedade?); Ecologia, Mundializao, Espiritualidade (toda Primeira Parte); Refundao da dignidade humana a partir da nova cosmologia (artigo). 29 BOFF, L. tica e Eco-espiritualidade. Campinas, SP: Verus Editora, 2003, cap. 1 Que significa tica e moral?, p. 11.

  • 16

    um lugar saudvel e acolhedor. A moral dirige concretamente nosso modo de tornar a

    casa habitvel, mas os modos podem ser diversos, temporrios, contanto que no se v

    de encontro habitabilidade.

    Estamos numa nova fase que a cosmologia j explicitou , a planetria. Nossas

    aes devem ser pautadas com a conscincia de que o agir no apenas local, mas

    ganha dimenses globais. Uma tica global exige uma tica global. At o momento

    houve o predomnio das morais prprias de cada cultura e regio. Todas elas nasceram

    da reflexo sobre o ethos (tica), que universal. As morais no ficam invalidadas a

    partir do horizonte global porque determinam valores e condutas, embora sejam

    limitadas ao regional e cultural. Faz-se mister uma tica comum, um consenso mnimo

    no qual todos se possam encontrar. E, ao mesmo tempo, respeitar as maneiras diferentes

    como os povos organizam a tica [...]30. A tica e as morais devem servir vida,

    convivncia humana e preservao [...] da Terra31. Para garantir esse novo ethos,

    precisamos assumir a perspectiva da globalidade apresentada pela nova cosmologia: a

    inter-retro-conexo de todas as coisas e a Terra como planeta fsico, biosfera e

    humanidade, totalidade fsico-qumica, biolgica, socioantropolgica e espiritual, una e

    complexa nossa casa comum.

    Precisamos de uma tica mnima, com viso holstica (paradigma ecolgico),

    que integre e considere a dinmica e a interdependncia entre pobreza, degradao

    ambiental, injustia social, conflitos tnicos, poltica e crise espiritual. E as diversas

    morais, apesar de diferentes, precisam ter como referncia, como guia de organizao,

    essa base comum. Qual essa tica?

    A tica do cuidado esse consenso mnimo. O cuidado para com os pobres e o

    grande pobre, a Terra, surge como novo paradigma. Ao paradigma-dominao, vigente

    at o presente, responsvel pela expoliao da natureza e de 2/3 da humanidade, que se

    deixa conduzir pela idia de conquista e progresso ilimitado contrape-se, atravs do

    surgimento de um novo olhar, o paradigma-cuidado. O cuidado est presente na

    cosmognese e na biognese todo o encadeamento que possibilitou nossa existncia

    foi permeado de um singelo cuidado ; representa nossa atitude de respeito e

    preservao da Terra e de toda vida (incluindo a vida dos pobres); desvela as dimenses

    de preocupao e afeto para com o outro; instaura uma nova lgica das relaes, no

    30 BOFF, L. tica e Eco-espiritualidade. Campinas, SP: Verus Editora, 2003, cap. 1 Que significa tica e moral?, p. 13.

  • 17

    significa mais falar sobre mas a partir do cuidado, no um estar sobre as coisas, porm

    junto a elas.

    O mito do cuidado32 revela como o cuidado uma dimenso ontolgica do ser

    humano. E a histria do universo e da vida mostram como tudo foi se criando permeado

    por um fino cuidado, de modo que o universo no se expandisse demais ou se retrasse,

    devido um equilbrio delicado de suas foras constituidoras, e como a vida, para surgir,

    necessitou e necessita de um mnimo de cuidado para que se torne possvel.

    dessa tica do cuidado essencial que precisamos em nossos dias. O modo de

    ser cuidado se identifica com o modo de vida sustentvel, que supe [...] outra forma

    de conceber o futuro comum da Terra e da humanidade e, por isso, demanda uma

    verdadeira revoluo nas mentes e nos coraes, nos valores e nos hbitos, nas formas

    de produo e de relacionamento com a natureza33. Demanda uma nova maneira de ser

    do humano no mundo. Quais as caractersticas dessa nova forma de ser?

    O ser humano apresenta duas formas de ser no mundo: trabalho e cuidado. O

    modo de ser trabalho interventor, age sobre as coisas, modifica-as, cria um hbitat

    prprio, introduz novas realidades (edifcios, cidades etc.), plasma a si e natureza,

    exige objetividade, utilitrio, racional-intrumental. Com o trabalho abriu-se o

    caminho para vontade de poder e dominao sobre a natureza, as pessoas. A atitude de

    trabalho-poder corporifica o masculino, dimenso que compartimenta para conhecer e

    subjugar. O outro modo de ser no se ope ao trabalho, mas lhe confere nova

    tonalidade, v a natureza e as pessoas no como objeto para agir, intervir sobre, mas

    como sujeitos, valores e smbolos que remetem a uma Realidade fontal. O modo de ser

    cuidado expressa a inter-ao e comunho, um estar junto com. Guia-se pela lgica da

    complexidade e relacionalidade das coisas, por uma afetuosidade, um sentir-se re-ligado

    a tudo e a todos, pertencentes a uma mesma Totalidade. Essa atitude corporifica o

    feminino, d vazo ternura, ao pathos, ao esprito de fineza.

    O desafio combinar trabalho e cuidado. Eles no se opem, mas se compem.

    Limitam-se mutuamente e ao mesmo tempo se completam34. Juntos, formam a

    integralidade humana.

    31 BOFF, L. tica e Eco-espiritualidade. Campinas, SP: Verus Editora, 2003, cap. 1 Que significa tica e moral?, p. 14. 32 O mito e seu comentrio pormenorizado podem ser conferidos no livro BOFF, L. Saber Cuidar. tica do humano compaixo pela Terra. Petrpolis: Vozes, 1999. 33 BOFF, L. tica e Eco-espiritualidade. Campinas, SP: Verus Editora, 2003, p. 25. 34 BOFF, L. Saber Cuidar. tica do humano compaixo pela Terra. Petrpolis: Vozes, 1999, p. 97.

  • 18

    Percebe-se, portanto, a necessidade de resgate do feminino para a constituio de

    uma tica mnima. Isso se faz no s com a incorporao da mulher nos postos de

    reflexo e poder poltico de deciso, ou com a recuperao da imagem da Terra como

    Gaia, Grande-Me. A recuperao do feminino est ligada volta da centralidade do

    pathos, de uma tica do sentir. tica que no desconsidera o logos, mas toma o pathos

    como originrio. A nfase no est no logos, mas no pathos. No sentir-se parte de um

    todo ligado e re-ligado, envolvendo ser humano e natureza, humano e Deus.

    A Carta da Terra35 um exemplo de orientao, sob o novo paradigma-

    cuidado, de uma compreenso holstica da realidade. Seus princpios e valores ticos

    so representativos dessa nova conscincia, do novo olhar. Poderamos resumi-los

    transcrevendo os quatro pontos gerais da Carta: 1) Respeito e cuidado pela comunidade

    da vida; 2) Integridade ecolgica; 3) Justia social e econmica; 4) Democracia, no-

    violncia e paz. A Carta mostra as relaes entre ser humano e natureza, as imbricaes

    sociais e polticas dessa relao, v a Terra como uma totalidade, possui a conscincia

    da gravidade da atual situao, supera o conceito de desenvolvimento sustentvel

    agora na tica da sustentabilidade e lana luz para o estabelecimento de uma nova

    relao.

    Logo, o cuidado aparece como uma tica mnima e universal, capaz de criar um

    novo modo de ser do humano. O feminino, a ternura, a compaixo e o sentir so

    condies bsicas para a manifestao dessa nova tica. Ajudam a reequilibrar a

    dimenso exacerbada do masculino, do vigor, do trabalho, da racionalidade.

    Tentamos traar de maneira mais esquemtica possvel os principais pontos da

    tica em L. Boff. Muitos outros pontos e questes no foram tratados ou mereceriam

    maior detalhe. Mesmo assim esperamos ter conseguido uma exposio abrangente e

    clara36.

    5) Mstica

    Como pensar a mstica e a espiritualidade no contexto da nova cosmologia?

    Qual a importncia da mstica para a tica? H uma ligao entre a crise ecolgica e a

    mstica?

    35 A Carta da Terra em sua ntegra e seu comentrio por L. Boff podem ser vistos em tica e Eco-espiritualidade. Campinas, SP: Verus Editora, 2003, caps. 2 e 3. 36 Alm dos livros j citados anteriormente, gostaramos de indicar para essa temtica: Saber Cuidar; tica e Moral; Ethos Mundial; A voz do arco-ris.

  • 19

    Primeiro definamos o que significam mstica e espiritualidade.

    Espiritualidade o sentimento de re-ligao do ser humano com o cosmos e os outros

    seres, numa atitude que capta um fio condutor que perpassa todo o existente. Esse fio

    recebe inmeros nomes (Deus, Luz, Mistrio, Tao etc.). Mstica aquela forma de ser

    e de sentir que acolhe e interioriza experencialmente esse Mistrio sem nome [esse fio

    condutor] e permite que ele impregne toda a existncia37.

    Mstica e espiritualidade no fundo so a mesma coisa, pois so formas de sentir,

    perceber e viver o mistrio de maneira que nos notamos re-ligados ao Todo, sentindo-

    nos com as coisas e no sobre as coisas. Nesse ponto entrevemos a relao entre

    mstica/espiritualidade e nova cosmologia. Do novo olhar sobre a realidade nasce a

    percepo da inter-retro-conexo de tudo com tudo, da re-ligao entre todas as coisas.

    A cosmologia se avizinha da mstica/espiritualidade j que estas, a partir do corao, do

    sentimento, da percepo do grande organismo csmico perpassado por uma Realidade

    plena possuem a intuio do inter-retro-relacionamento de tudo com tudo desvendado

    pela cincia. Ambas, nova cosmologia e mstica/espiritualidade, participam da crtica ao

    mesmo paradigma o paradigma-dominao e revelam a crise do sentido fundamental

    de nosso sistema de vida, de nosso modelo de sociedade e de desenvolvimento que se

    apia no poder como dominao e na irresponsabilidade no trato com a natureza e as

    pessoas.

    verdade que a mstica tem origem em um contexto religioso ligado aos ritos de

    iniciao. Mas no constitui privilgio de alguns poucos iniciados. No sentido religioso

    de mstica todos podem ter acesso a essa experincia, desde que captem o outro lado das

    coisas e se sensibilizem diante do universo em sua grandiosidade, complexidade e

    harmonia e diante do outro. Para isso no so necessrios vises e fenmenos

    extraordinrios, basta ter a sensibilidade para perceber a sacramentalidade das coisas

    tal experincia pode ocorrer atravs de um sorriso de criana, de um rosto sofrido de um

    campons explorado, por exemplo.

    Entretanto, h um sentido de mstica que no invalida o sentido religioso,

    apenas desvela outra face da experincia do mistrio capaz de abarcar at mesmo os

    no-crentes. O sentido sociopoltico se relaciona com a tica e demonstra a importncia

    da mstica.

    37 BOFF, L. Ethos Mundial. Um consenso mnimo entre os humanos. RJ: Sextante, 2003, p. 102.

  • 20

    Para uma tica no se tornar endurecida e passar a ser um mero moralismo

    preciso uma mstica. Um conjunto de convices fortes, vises grandiosas e

    apaixonadas capazes de mobilizar as pessoas e os movimentos na esperana da

    mudana, apesar de todos os possveis fracassos, aquilo que d sentido a uma causa.

    A mstica , pois, o motor secreto de todo compromisso, aquele entusiasmo que anima

    permanentemente o militante, aquele fogo interior que alenta as pessoas na monotonia

    das tarefas cotidianas e, por fim, permite manter a soberania e a serenidade nos

    equvocos e nos fracassos. a mstica que nos faz antes aceitar uma derrota com honra

    que buscar uma vitria com vergonha, porque fruto da traio aos valores ticos e

    resultado das manipulaes e mentiras38.

    Nova cosmologia, tica e mstica se entrelaam. A tica nasce de um novo olhar

    (cosmologia), a nova viso se aproxima da mstica as duas tm a mesma percepo da

    Totalidade e criticam o paradigma-dominao. A mstica, por sua vez, impede que a

    tica se degenere num cdigo de preceitos.

    Um ltimo ponto deve ser analisado. Para L. Boff, a raiz ltima da crise

    ecolgica reside em um problema espiritual: a ruptura, promovida pelo ser humano, da

    re-ligao bsica com o universo e com o Criador, que a tradio crist denomina

    pecado original. Isso acontece com a instaurao do antropocentrismo, quando O ser

    humano, no af de assegurar a vida, sua reproduo [...]39 coloca tudo e todos em

    funo de si. A autocentrao rompe com a estrutura de ligao e re-ligao entre todas

    as coisas, porque o ser humano no aceita o processo evolucionrio, aberto, em

    transformao e que inclui a morte como integrante de uma totalidade maior. O medo

    da morte o desejo de imortalidade promove a ruptura e configura a atitude anti-

    ecolgica. Para ser sanada, tal crise demanda uma espiritualidade assentada numa nova

    viso (do inter-retro-relacionamento de tudo com tudo) e num sentimento de re-ligao

    do ser humano com a Terra e os outros seres. Essa espiritualidade testemunhada

    historicamente pelas tradies religiosas e espirituais permite perceber a integralidade

    da vida, a morte como fazendo parte do processo evolutivo. Abre-nos um horizonte de

    esperana em que vige uma profunda confraternizao e aliana entre o ser humano, a

    natureza e a divindade40.

    38 BOFF, L., BETTO, Frei. Mstica e Espiritualidade. RJ: Rocco, 1999, p. 25. 39 BOFF, L. Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres. RJ: Sextante, 2004, p. 120. 40 Pode-se aprofundar nesta temtica por meio dos seguintes textos (alguns j citados): Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres (cap. 3 A crise ecolgica: a perda da re-ligao e cap. 10 Ecoespiritualidade: sentir, amar e pensar como Terra); tica e Eco-espiritualidade (cap. 5 Eco-espiritualidade: ser e sentir-

  • 21

    6) Consideraes finais

    Procuramos mostrar panoramicamente os principais aspectos, sob um recorte

    filosfico, do pensamento de Leonardo Boff. Como a inteno era fazer uma

    apresentao curta e que servisse de incentivo leitura dos textos do prprio autor

    estudado e tambm de um guia didtico que auxiliasse na pesquisa de uma das cinco

    temticas abordadas, foi impossvel um maior aprofundamento das questes, alm de ter

    sido inevitvel deixar vrios pontos por tratar. Estimamos que, a despeito das inmeras

    lacunas e da extrema conciso, tenha sido possvel ao leitor obter um quadro geral do

    pensamento boffiano, estimulando-o a pensar sob uma nova tica e incentivando-o

    leitura das fontes primrias.

    A nosso ver, Leonardo Boff um dos pensadores brasileiros atuais mais

    interessantes e instigantes. As caractersticas de seu pensamento aberto, dialogante,

    plural so um instrumento precioso para se pensar e atuar no mundo hoje.

    Poderamos frisar, para finalizar, o seguinte ponto: as possibilidades para o

    pensamento e a ao. Os vrios temas apresentados por Leonardo nos oferecem um

    manancial de indagaes e apontam para possveis solues de problemas graves de

    nossa atual sociedade: ecologia, discriminao, educao para a paz, dilogo ecumnico

    etc. Trabalhar seu pensamento num horizonte que reflita a preocupao central com o

    outro (Terra, seres humanos), a construo e re-descoberta de outras imagens de Deus,

    capazes de colocar em dilogo crentes de vrias denominaes, crentes e no-crentes, a

    importncia da transparncia, categoria que pode nos mostrar facetas novas do mundo,

    dos sentimentos (como saudade e ternura), pode nos fornecer novos caminhos para a

    tica e a poltica, dimenses essenciais para nossa atual fase planetria. Numa poca

    tomada pelo imobilismo e pela falsa certeza do fim da histria, seu pensamento uma

    das luzes que podem orientar nossas idias e, principalmente, nossas prticas.

    Referncias bibliogrficas: BOFF, Leonardo. A guia e a galinha: uma metfora da condio humana. Petrpolis: Vozes, 1998. _____________. O despertar da guia. O dia-blico e o sim-blico na construo da realidade. Petrpolis: Vozes, 1998.

    se Terra); Ecologia, Mundializao, Espiritualidade (toda Terceira Parte); A voz do arco-ris (parte II: Resgate da mstica e da subjetividade); Mstica e Espiritualidade.

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    _____________. Tempo de Transcendncia. O ser humano como um projeto infinito. RJ: Sextante, 2000. _____________. O Rosto Materno de Deus. Ensaio interdisciplinar sobre o feminino e suas formas religiosas. Petrpolis: Vozes, 1986. _____________. Ave-Maria. O feminino e o Esprito Santo. Petrpolis: Vozes, 2003. _____________. So Francisco de Assis: Ternura e Vigor. Petrpolis: Vozes, 2002. _____________. tica e Eco-espiritualidade. Campinas, SP: Verus Editora, 2003. _____________. Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres. RJ: Sextante, 2004. _____________. Ecologia, Mundializao, Espiritualidade. SP: tica, 1993. _____________. Saber Cuidar. tica do humano compaixo pela Terra. Petrpolis: Vozes, 1999. _____________. tica e Moral: a busca dos fundamentos. Petrpolis: Vozes, 2004. _____________. Ethos Mundial. Um consenso mnimo entre os humanos. RJ: Sextante, 2003. _____________. A voz do arco-ris. Braslia: Letraviva, 2000. _____________. Refundao da dignidade humana a partir da nova cosmologia. In: Cadernos F e Poltica, Petrpolis, v.7, 1992, p. 53-59. _____________. Masculino e Feminino: o que ? Fragmentos de uma ontologia. In: Revista de Cultura Vozes, Petrpolis, v. 68, n. 9, nov. 1974, p. 677-690. _____________, BETTO, Frei. Mstica e Espiritualidade. RJ: Rocco, 1999. _____________,MURARO, Rose Marie. Feminino e Masculino. Uma nova conscincia para o encontro das diferenas. RJ: Sextante, 2005. BAPTISTA, Paulo Agostinho Nogueira. Dilogo e Ecologia. A teologia teoantropocsmica de Leonardo Boff, UFJF, 2001 (tese de mestrado em cincia da religio). JAIME, Jorge. Histria da Filosofia no Brasil. SP: Faculdades Salesianas/Petrpolis: Vozes, 1997. Sites: www.leonardoboff.com carosamigos.terra.com.br/outras_edicoes/grandes_entrev/boff2.asp