Leopoldina - Uma Vida Pela Independência - Roselis Von Sass

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    Atrs de cada acontecimento est uma vontade superior! Uma sbia

    previso e uma conduo firme! No existem acasos.

    Roselis von Sass

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    DONA LEOPOLDINA,

    Primeira Imperatriz do Brasil

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    Primeira Parte

    Atravs da narrativa que passaremos a expor, todo esprito realmenteesclarecido poder verificar, em todos os seus pormenores, com que zelo

    uma pessoa preparada e guiada, quando tem misso especial a cumprirna Terra, dentro dos desgnios de Deus. Essa preparao, contudo, sob oponto de vista do cuidado e da prudncia, igual para todos. Difere apenasquanto espcie da preparao, orientando-se sempre exatamente deconformidade com a misso que a cada um compete realizar. O queverdadeiramente importa e decisivo em face da Luz a maneira pela qualcada um se desincumbe da misso que lhe foi outorgada. No caso daarquiduquesa austraca, sua misso terrenal era ser soberana, pois s como

    tal poderia dar cabal desempenho misso que lhe competia executar. Semque ela mesma nem os seus parentes mais prximos percebessem foi,desde criana, sendo preparada espiritual e terrenalmente para a missoque tinha a desempenhar.

    Aos doze anos de idade Leopoldina passou pela sua primeira experinciade natureza espiritual. Acordando, certa noite, viu junto da cama o vulto deuma pessoa envolvida por um vu. Tanto o vu como a vestimenta dessavisita eram resplandecentes, de cor azul-claro. O prprio dormitrio em

    que ela estava, dormitrio amplo de palcio, achava-se inteiramentetomado daquela magnfica luz azul-clara. Surpresa e sem medo, Leopoldinafirmou o olhar, vendo que o vulto retirava o vu da cabea e dirigia osmaravilhosos olhos para ela. A criana comeou a tremer e um grito dealegria escapou de seu peito. A viso noturna era a sua me, a saudosa me.Leopoldina teve mpetos de saltar da cama, a fim de se aproximar da me,mas esta, com ternura, pousou a mo sobre a cabea da menina, e aclaridade azul se desfez, voltando o quarto de novo escurido noturna.

    Leopoldina ps-se a chorar, tomada de grande amargura. No podia demodo algum compreender a razo de haverem dito a ela e a seus irmos,todos crianas, que a me tinha morrido e se encontrava na presena deJesus, no cu. Isso no era absolutamente verdade, uma vez que sua meestava viva, bonita e feliz.

    De manh, quando a governanta apareceu para acordar a menina, esta jse achava de p e recebeu a sua velha serva com a afirmativa de que a me

    ainda vivia. No estava no cu nem na gelidez da cripta. Todos, semexceo, haviam mentido para ela, porquanto a me, em pessoa, tinha

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    estado ali. Surpresa e confusa a governanta encarou a menina:

    A sua me est com Jesus, no cu, disse com firmeza. A seguirperguntou onde iriam todos parar, se princesinhas imperiais comeassem aacreditar em aparies de mortos. Percebendo Leopoldina que a

    governanta no acreditava mesmo, ps-se a chorar e mergulhou de talmodo num pranto inconsolvel, que a governanta achou melhor comunicaro fato ao imperador.

    O imperador tinha especial predileo por Leopoldina, mas quandoouviu do que se tratava, daquilo que a menina afirmava ter visto, ficouzangado. De uma feita j havia existido na famlia um caso desses, em queuma parenta moa afirmava estar vendo aparies de mortos. Foinecessrio um esforo imenso para impedir que essas vises imaginrias

    circulassem fora do palcio. Agora, vinha a sua prpria filha afirmando quehavia visto a me. Era demais! Porm, to rpida quanto veio, passou logo airritao do imperador, ao lembrar que talvez a primeira esposa, noconseguindo achar repouso na morte, houvesse realmente aparecido filha. Era como que um sinal pedindo missas para o repouso da sua alma.Certo que o imperador no era l to supersticioso quanto os seussditos, mas no ntimo temia muito tudo quanto se referisse morte e aosmortos. Quando mais tarde Leopoldina se apresentou em visita matinal, o

    pai serviu-se da oportunidade para explicar filha que s prprio debruxas e de tolos viver acreditando ter visto ou ouvido coisas que noexistem. Ora, ao rol das coisas que no existem, pertencem tambm osmortos. E por que foram, em outros tempos, queimadas vivas tantasmulheres, tantas jovens tidas como bruxas, seno pelo fato de afirmaremsaber coisas que o verdadeiro cristo no pode sustentar? Espantada,Leopoldina encarava seu venerado pai, dizendo que no tinha visto mortoalgum, mas to somente a sua querida me, que, bem viva, resplandeciacomo uma lmpada azul. Aborrecido, o imperador a interrompeu, dizendoque no estava disposto a cuidar desses disparates, sendo muito melhorque uma arquiduquesa da casa dos Habsburgos no mencionasse mais taisassuntos. Leopoldina tentou ainda convencer o pai de que ele, sem dvida,tinha razo, em se tratando de bruxas e de tolos, mas no caso dela

    Basta, minha filha! A governanta tomou Leopoldina pela mo eretirou-se com ela.

    Alguns dias depois, houve uma nova apario da me filha, mas dessa vez

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    sem vu, tendo a fronte cingida por um diadema refulgente, do qual pendiauma cruz sobre a testa. Encantada com a fulgurao, Leopoldina fixou osolhos sobre a joia, exclamando:

    Que diadema lindo tens, mame! Por que no me levas contigo? Leva-

    me daqui, em tua companhia, pois todos vivem a repetir que morreste eests no cu Num instante, trmula de alegria a menina sentiu que emrealidade estava sendo instada para seguir com a me, pois esta tomava-lhea mo e Leopoldina j se via flutuando no ar, para fora do palcio, ao ladoda me. O trajeto, porm, no foi muito longo, visto que logo depois, comgrande espanto de Leopoldina, ambas se achavam na cripta doscapuchinhos, junto dos sarcfagos dos Habsburgos. Sua me, erguendo amo, apontou para o seu prprio esquife.

    Leopoldina olhou atravs da tampa e viu uma fisionomia que de fatoparecia de pessoa morta. Pouca semelhana tinha com a sua me radiante,ali presente, sendo, apesar disso, a mesma me. Perturbada, a meninaolhou em torno de si. Sobre um dos esquifes achava-se agachado um velho,mergulhado em lamrias e que parecia no tomar conhecimento dosvisitantes ali presentes. Leopoldina tornou a olhar para a fisionomia damorta no esquife, mas sentiu outra vez o toque delicado da mo da sua meviva e, num abrir e fechar de olhos, j flutuavam ambas outra vez, espao

    afora, seguindo agora um caminho mais longo atravs de campinas e debosques banhados de sol. Junto de uma grande rvore, a viagem flutuantechegou ao fim, e Leopoldina notou que a me apontava para algo queparecia estar colado ao tronco. Olhando melhor, viu que era um casulo doqual comeava a sair uma borboleta. No demorou muito e a borboletaconseguiu sair totalmente, pousando ao lado do casulo.

    Nesse instante, Leopoldina percebeu que a me queria que ela

    observasse melhor o casulo vazio. Olhou, mas viu que no oferecia nada demais. Finalmente, sem ter noo de quanto tempo a ficara a contemplar oinvlucro, tornou-se consciente de que uma pessoa pode igualmente sairdo seu invlucro, como a borboleta. Cheia de alegria, olhou em torno de si,avistando largos campos floridos, rvores magnficas, s a me haviadesaparecido. Antes mesmo, porm, de tomar perfeito conhecimento deque se achava sozinha ali, comeou a flutuar outra vez e, como quearrebatada por vertiginoso redemoinho, partiu daquela radiosa paragem.

    Acordando na manh seguinte, Leopoldina foi rememorando, pouco apouco, a aventura da noite. Aliviada, respirou profundamente, j cnscia de

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    como pode acontecer de uma pessoa estar ao mesmo tempo morta e viva.To s a ideia de um cu que ela no compreendia bem ainda. Mas o quesabia, j era o bastante. Dessa feita, foi ao irmo Ferdinando, a quem elaestimava muito, que recorreu para confiar o seu segredo, segredo que tos os dois souberam enquanto viveram neste mundo.

    Mais uma vez ainda teve de entrar em choque com os adultos, alis,durante uma das suas muitas permanncias na Itlia. Leopoldina ouviucontar que havia morrido uma personalidade de larga projeo social e queos descendentes da mesma estavam inconsolveis com a perda desse entequerido. Ao ouvir isso, Leopoldina comeou a rir, dando mostras de grandealegria. Que gente tola ficar triste por isso, visto que a pessoa no morreu,mas apenas se arrastou para fora do casulo. Assustados com a atitude da

    menina, os circunstantes fitaram-na com olhos inquiridores, como queprocurando descobrir nela alguma tara hereditria. Felizmente uma tia dapequena, que ali estava presente, tomando-a carinhosamente pela mo,saiu com ela dali, para dar um passeio. No caminho, ps-se a tia a explicarque os seres humanos no se arrastam para fora do casulo, como a meninahavia dito, mas que no mximo podia-se dizer que eles se erguem dos seuscorpos, flutuando at o cu. Leopoldina achou muito bonita a explicao,no usando mais, da por diante, a expresso arrastar-se do casulo, mas

    sim as palavras erguer-se do corpo, quando se tratava de narrar a mortede algum.

    Uma terceira vez tornou a aparecer a mulher que em vida tinha sido a mede Leopoldina. Esse fato, porm, s aconteceu alguns anos depois, a saber,antes de Leopoldina embarcar para o Brasil, a fim de cumprir l a suamisso.

    Estou contigo e por ti espero, foi o sentido das palavras que Leopoldinaouviu quando a me lhe apareceu pela terceira vez. Foi uma visita muitobreve. Quando Leopoldina percebeu que estava sozinha no aposento,ajoelhou-se e chamou desesperadamente pela me. Teve repentinamente aimpresso de que nos olhos lindssimos da me vislumbrava certa tristeza.

    Me, exclamou, tenho medo

    Aps essas experincias espirituais, durante anos Leopoldina nada mais

    viu de extraterrenal. Somente pouco antes da sua partida para o Brasil que comeou a sentir de novo o dom da vidncia. A partir dessa fase da suavida, at a morte, disps da faculdade de ver as pessoas como de fato eram,

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    no como se mostravam no convvio com as demais. Foi possvel, assim, aLeopoldina, acumular muitas experincias. Se essas experincias forammuitas vezes dolorosas, eram necessrias como a ltima preparao para ocumprimento da sua misso no Juzo Final.

    Espiritualmente Leopoldina fora bem preparada, assim tambm no quetange sua educao terrenal, a qual, com relao poca, podia serconsiderada como modelar. Mais de uma vez teve por mestres pessoascapacitadas a guiar os pensamentos da criana e, mais tarde da jovem, parao lado de coisas referentes ao Brasil. Conquanto os professores assimprocedessem sem intenes, no obstante, cumpriam a seu modo oimportante papel que lhes competia. Dessa forma, quando Leopoldinacontava dez anos de idade, recebeu como preceptor um padre jesuta, o

    qual, atravs de longas narrativas que fazia de perseguies aos jesutas noBrasil, comeou a atrair a ateno da menina para esse pas. Alm disso, erao tal padre to versado em coisas atinentes ao Descobrimento do Brasil, ede tal modo sabia colorir as suas histrias, que at mesmo adultos ficavamembevecidos ao ouvirem-no falar.

    Uma das narrativas do padre que sempre queria ouvir novamente era ahistria da perseguio aos ndios no Brasil. Todas as vezes ela tornava aderramar lgrimas amargas, quando o assunto entrava no episdio da

    comovente perseguio aos ndios. Revoltada, perguntava por que ento opapa no dava ordens no sentido dos jesutas trabalharem na defesa dosndios.

    Sendo o papa infalvel, sabe melhor que ningum como os ndiosnecessitam de mximo apoio e como os jesutas ajudam de modo cristo.

    No tocante infalibilidade do papa, contudo, o padre habilmenteprocurava esgueirar-se. No podendo, porm, como de fato no podia

    deixar de dar uma resposta ao caso, embarafustava-se em divagaes,dizendo que a princesinha devia comear a pensar sobre a palavra deCristo. Nisso era preciso sempre levar em conta como difcil ser umverdadeiro cristo, pois o diabo tenta tambm um cristo quando menos seespera.

    Decorrendo nesse teor, as aulas de religio eram uma fonte decontentamento para a pequena Leopoldina, contentamento esse que na

    realidade tinha de durar bem pouco tempo, porque as ordens religiosas,movidas pelo cime, no permitiam que nenhuma delas gozasse dapredileo da casa imperial. Tendo isso em vista, eram mudados todos os

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    anos os preceptores, mas nenhum outro conseguiu despertar na meninatamanho interesse pelas coisas da religio, como aquele simples edespretensioso padre jesuta, vindo de Roma. O mais interessante, porm, que a menina, atravs das narrativas do padre, ficou conhecendo melhor aHistria do Brasil do que qualquer outra pessoa na ustria. E assim, aquase todos os novos professores de religio ela contava o que sabia daperseguio aos jesutas no Brasil.

    E por que eram eles perseguidos? Simplesmente porque pretendiamdar instruo aos pobres indgenas! Sorrindo, os professores escutavamessas inflamadas narrativas, sem, contudo, entrar em maiores indagaes,dado que a Ordem dos Jesutas no pertencia propriamente igreja crist,nem estava sujeita autoridade do papa.

    Ao atingir catorze anos de idade, Leopoldina teve a sua ateno novamentedespertada para as coisas do Brasil. Por esse tempo Leopoldina passou ater como professor de msica um italiano de nome Giovanni PasqualeGraziani. Esse italiano tinha vivido vrios anos no Brasil, vendo-se foradoa retornar Europa movido to s por dificuldades familiares. Atravsdesse personagem, Leopoldina ficou, ento, conhecendo o Brasil, agora sobum outro prisma. Mas um trao era comum entre o msico italiano e opadre jesuta, seu primeiro professor de religio: a maneira inflamada derelatar os fatos. Dessa maneira, Leopoldina escutava a histria da vida domsico no Brasil, como se estivesse presa leitura de um atraenteromance. Pois bem, Giovanni descrevia com tal riqueza de linguagem anatureza brasileira, terminando sempre por afirmar que se ali no era,pouco faltava para ser o paraso terrestre. E assim acontecia que, muitasvezes, professor e aluna perdiam de vista o tema da lio a estudar, quando

    se punham a conversar sobre coisas do BrasilUm terceiro professor, que, sem mesmo ter conscincia disso, estava

    destinado a preparar a jovem Leopoldina para a sua futura carreira, foi ojornalista e escritor dr. Gentz. Seu sistema de ensino no era l o que sediga muito regular, nem nada tinha a ver com religio, no obstante foi desuma importncia para a jovem princesa. O dr. Gentz havia sido nos seustempos de moo um ardoroso adepto das ideias da Revoluo Francesa, eveio a encontrar em Leopoldina uma atenta ouvinte.

    Assim, quando sustentava que todo povo tem de ser livre, ainda quetenha de conquistar a liberdade custa do seu prprio sangue, Leopoldina

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    o apoiava com toda a sinceridade. Que um povo deva ser livre, era coisasobre a qual no tinha a menor dvida, mas que para isso fosse precisoderramar sangue, isso no podia compreender. A histria dos povosensinada pelo dr. Gentz, essa, ento, era um hino de consagrao liberdade, sem distino de nacionalidade ou cor. O ilustrado professor,contudo, no era absolutamente um revolucionrio no sentido comum quese empresta ao termo. Tinha como coisa certa que reis e imperadoresgovernassem, desde que fossem verdadeiramente reis ou verdadeiramenteimperadores.

    Diante de ensinamentos tais, Leopoldina aprendeu que um povo podiaser livre, e no entanto seguir algum soberano.

    Dr. Gentz era um amigo de Metternich, pois este trouxera-o para a corte

    imperial da ustria. Essa amizade, porm, veio a sofrer profundo abalo nomomento em que o dr. Gentz percebeu que Metternich no apoiava aascenso de Leopoldina como regente do imprio da ustria. Era-lhe umempecilho. No ignorava, o dr. Gentz, que o imperador, no crculo de seusntimos, j manifestara o desejo de confiar sua filha Maria Leopoldina acorregncia do imprio, mas no ignorava, tambm, como era grande ainfluncia que Metternich de fato exercia sobre o nimo fraco doimperador. Tanto mais agora, no momento em que o monarca planejava

    casar-se pela quarta vez.

    Sabido era, igualmente, como Leopoldina manifestara de pblico o seudesagrado, chamando de diablico o sistema de espionagem usado porMetternich, sistema esse que s podia favorecer lacaios e camareiras dacorte.

    Nessas condies, o dr. Gentz tomou a si a tarefa de lentamente irpreparando o esprito da arquiduquesa quanto a um possvel casamento,

    nico meio com que Metternich podia contar para afast-la da ustria.

    O dr. Gentz, porm, no chegou a pr em prtica os seus planos em favorda jovem, uma vez que os acontecimentos se precipitaram: dom Joo VI reide Portugal e Brasil procurava oficialmente uma princesa para casar-secom seu filho, dom Pedro.

    Metternich fez o que pde para convencer o imperador das vantagens

    que adviriam da unio das duas casas reinantes atravs de tal casamento.Dessa vez, porm, ao contrrio do que era habitual, o velho monarca j nose mostrou to acessvel aos desejos do seu ministro. Urgia, antes de mais

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    nada, consultar a prpria arquiduquesa. E com essa resoluo firme doimperador, Metternich teve de se dar por satisfeito.

    A primeira notcia desse projeto de casamento chegou ao conhecimentode Leopoldina atravs da primeira dama da corte, de sua confiana, a

    condessa de Kyburg. Estarrecida, a jovem encarou a velha confidente,exclamando:

    Querem, ento, afastar-me da ustria; mas o que acontecer seningum se atreve a ir contra a poltica de Metternich?! As palavras deLeopoldina fizeram com que a condessa visse quo profundamente caro aoseu corao era o destino da sua ptria. Um outro motivo, porm, pesavaem seu nimo, para que no se afastasse da ustria: estava apaixonada porum capito da guarda de honra do imperador. Despercebido da intriga

    palaciana, desenvolvera-se o amor entre os dois jovens. To s a condessade Kyburg tinha conhecimento do fato.

    O capito era o conde Rudolf Waldeck, da velha nobreza austraca. Suaincumbncia consistia em acompanhar o imperador e a arquiduquesaLeopoldina em todos os passeios e excurses a cavalo, em companhia deoutros oficiais da guarda de honra.

    Leopoldina teve a sua ateno pela primeira vez voltada ao jovem conde,

    quando, numa cavalgada, tendo cado do cavalo, ele correu solcito paraergu-la do cho. O monarca, porm, indignado, repeliu a ajuda do capito.Auxiliou, ele mesmo, a filha a montar de novo, podendo ela, emboramachucada, retornar vagarosamente ao palcio.

    Chegando l, o prprio imperador carregou-a aos seus aposentosparticulares, e l lhe passou veemente descompostura pelo fato de elahaver estendido a mo ao conde quando este fez meno de ergu-la.Leopoldina, porm, no tinha a menor ideia de haver estendido a mo aquem quer que fosse. Ora, a irritao do imperador contribuiu para queLeopoldina comeasse a observar melhor o referido oficial. No tardoumuito a perceber que o rapaz empregava todos os recursos possveis parachegar perto dela.

    No entanto, somente dois meses depois, ambos, afinal, puderamconversar vontade, e isso no baile da corte, durante o Congresso de Viena.A partir da os dois passaram a encontrar-se com maior ou menor

    intervalo, numa pequena igreja, nas imediaes do pao. Nesses encontrosfurtivos o conde vinha encapuzado num velho capote militar de seu criadoe a arquiduquesa envolta em pesado manto negro, guarnecido de capuz,

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    pertencente a Kibi, dama da corte. Kibi, naturalmente, era a condessa deKyburg, a sua confidente, a qual, tambm, durante essas entrevistas ficavaatenta, montando guarda ali na igreja.

    Ora, bem sabiam os dois jovens que esses amores eram sem esperana.

    Chegaram mesmo a falar na possibilidade de uma fuga, emboraintimamente estivessem convictos de que para ambos no havia lugaralgum onde pudessem se refugiar. Alm disso, uma representante daestirpe dos Habsburgos jamais se empenharia no escndalo de uma fuga,como tambm um oficial da velha guarda fidalga dos Waldeck nunca o faria.

    Quando o imperador levou ao conhecimento da filha a proposta decasamento do trono portugus, Leopoldina declarou que preferia

    permanecer na ustria, ao lado dele e dos seus irmos, at que chegasse ahora oportuna dela assumir as rdeas da regncia. O imperador concordoucom isso. Notando Leopoldina, porm, de modo inequvoco, que o pai ficaracomo que constrangido ao ter de dar uma resposta negativa a Metternich,ponderou que, mesmo assim, no haveria necessidade dessa resposta sertransmitida imediatamente ao primeiro ministro. Mesmo porque noexistia urgncia na proposta de dom Joo VI.

    O imperador adivinhou, num relance, o verdadeiro sentido daargumentao da filha, percebendo ao mesmo tempo at que ponto estavaele entregue s mos de Metternich. Mas no se deixou ficar muito tempoentregue a essas tristes meditaes, dizendo para si mesmo que seMetternich era to regiamente pago pelos servios que prestava, nada maisnatural que se esforasse tambm para conseguir os seus fins.

    Leopoldina retirou-se da presena do pai com o corao cheio depreocupaes. Conhecia muito bem as fraquezas do pai e sabia o costume

    que tinha de forjar sempre uma interminvel srie de ponderaes,contanto que no sacrificasse a sua tranquilidade pessoal. E quem poderiagarantir que ele mesmo, afinal, no tomasse por conta prpria a resoluode aceitar a proposta de casamento? Lembrava-se da sua irm Maria Luiza,entregue s mos de Napoleo pelas traficncias ignbeis de Metternich.

    Leopoldina tinha apenas treze anos quando isso acontecera; estavaagora com vinte, todavia, malgrado o transcorrer do tempo, guardava ainda

    bem vivo nos ouvidos o amargurado pranto da sua desolada irm, assimcomo, tambm, no se esquecia das palavras cortantes da tia Carlota, aocomentar que as princesas, de certo modo, no passavam de meros

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    animais de reproduo, destinados a garantir sucessores ao trono, aopasso que aos homens, to s, era dado gozar a vida e tirar partido da suaposio.

    Leopoldina chorou amargamente. Sem dvida que estava disposta a

    renunciar s afeies pessoais, ao seu amor, mas quem cuidaria do seuirmo doente, dos outros irmos, e quem mais poderia, no futuro, oferecerresistncia s srdidas maquinaes de Metternich?

    Quando no dia seguinte apontou ali o padre seu confessor, umbeneditino, a quem ela costumava chamar de pai Ambrsio, a princesinhacontou-lhe do projeto de casamento, de Metternich, e tambm do seu amorpelo conde de Waldeck. Quanto ao projeto de casamento, o padre confessorsabia muito mais coisas a respeito do que ela, e at mesmo muito mais que

    o prprio imperador.Atravs do nncio papal, seu amigo, estava ciente de que Metternich j

    havia aceito o pedido. Sabia mais, sabia que o todo-poderoso Consalvi, quena organizao da Igreja desempenhava no Vaticano mais ou menos omesmo papel que Metternich na poltica, diferindo apenas deste por sermuito mais inteligente e menos vaidoso, era contra a aceitao do projetode casamento portugus. Assim, embora a Igreja agisse de comum acordo

    com Metternich, Consalvi, por certas e determinadas razes, desejava que aarquiduquesa Leopoldina assumisse as rdeas do governo austraco.

    No tocante aos amores pelo conde, Leopoldina recebeu da parte doconfessor a mais enrgica repulsa. Sustentava com toda a severidade queuma arquiduquesa da ustria no fora educada para vir a ser simplesesposa de um conde. Alm do mais, de um conde que em toda a Viena setornara conhecido pela sua vida leviana.

    Leopoldina encarou com firmeza o velho padre, que h trs anos vinhasendo seu confessor, o qual, embora s ocultas, havia lido para ela escritosde Paracelso e de Nostradamus, pois ele gostava muito de investigarantigas profecias. No entanto, a se mostrava que o mesmo doutrinadorpreferia apoiar uma situao falsa, contanto que no viesse a perturbar ocomodismo de velhos hbitos tradicionais

    Leopoldina perguntou ento ao seu confessor se este tambm tinhaachado certo o casamento da sua irm com Napoleo, porquanto ele, como

    toda a gente, bem havia de saber que Napoleo amava somente Josefina eos seus planos de guerra, fato esse que nenhuma corte europeia ignorava.

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    Diplomaticamente, padre Ambrsio respondeu que a Igreja no tinhanada a ver com aquele casamento. Leopoldina, contudo, no se deu porsatisfeita, e continuou perguntando se o casamento, diante de Deus, notinha muito mais valor quando feito por amor do que fundamentado emmotivos de Estado.

    Sem dvida que sim, respondeu padre Ambrsio, mas no justo,tambm, que se ponha em risco a organizao de um pas inteiro,embaraando-a to-s por causa de amor

    Mas, ponderou ainda Leopoldina, se solicitasse ao meu confessor asua interferncia no sentido de pedir a seu amigo, o nncio papal, quedemova Metternich de apoiar o projeto de casamento portugus?

    Isso est fora de cogitao, respondeu padre Ambrsio. A Igreja nose intromete em questes de Estado. Bem, Leopoldina sabia agora que nopodia contar com padre Ambrsio, estava s, inteiramente s. Seu destinoestava nas suas prprias mos.

    Metternich, efetivamente, j havia mandado transmitir o seuassentimento a Marialva. Dessa feita, porm, o imperador no se mostrouto fraco como a filha supunha. Mandou chamar o ministro sua presenapara comunicar-lhe que a arquiduquesa permaneceria na ustria, uma vez

    que a enfermidade do prncipe Ferdinando era certamente incurvel,tornando-se necessria a presena de Leopoldina no pas.

    A resposta de Metternich no se fez esperar: declarou que j havia dadoo seu consentimento para as negociaes, uma vez que o prprioimperador no decorrer da ltima conversao a respeito no havia ditoexpressamente no, ficando ele assim, como ministro responsvel, naimpossibilidade de retirar a palavra empenhada, sob pena de cair no maiscompleto ridculo, pelo que, desde j, pedia a Sua Majestade demisso docargo.

    Estupefato, o imperador encarou o ministro. De um lado, verdade,ficaria satisfeitssimo se pudesse ver-se livre de Metternich; por outro,estava s vsperas do seu quarto casamento, e no era hora oportuna de seaborrecer com complicaes de crises ministeriais. Diante disso, s lherestava dizer que competia exclusivamente a sua filha, a ltima palavra, seera ou no da sua vontade aceitar a mo do prncipe herdeiro do trono

    portugus. At l ficariam as coisas no p em que estavam.

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    O imperador no pde falar imediatamente com a filha, porquanto a suanoiva, Carolina Augusta, filha de Max da Baviera, chegara a Viena,acompanhada do seu squito. Alm disso, Leopoldina foi acometida de umleve estado febril, em consequncia da emoo que sofrera ao ver-se

    abandonada pelo padre confessor, sagaz homem de Estado, vestido desacerdote.

    Durante essa enfermidade, pondo-se a meditar, veio a reconhecer que,afinal, havia tomado uma atitude defensiva contra uma situao que narealidade no fora expressamente declarada. Pois o seu prprio pai no lhehavia autorizado, deixando nas suas mos deliberar como quisesse, sobre aaceitao ou no desse casamento? Algum, porventura, a estava forandoa se preocupar com o falado projeto do rei portugus? Est em minhas

    mos permanecer ou no, aqui, ponderava ela.Procurava por todos os meios possveis esquecer, afastar a ideia dos tais

    planos de casamento, mas era intil: o assunto a preocupava sem cessar.Ardendo em febre, revolvia-se certa noite na cama, quando comeou aouvir o estranho tanger de um sino. Procurava acalmar-se, tentandodescobrir de que igreja poderia vir aquele esquisito som.

    Enquanto meditava persistentemente dessa maneira, foi o dormitrio

    subitamente inundado por uma radiosa luz azul-clara, como queprenunciando o aparecimento da sua me. No foi, todavia, a me quesurgiu junto de sua cama, na fulgurao azul. Foi uma figura varonil, o vultogrande de um homem, vestido de branco. O que, antes de mais nada,porm, atraiu a ateno de Leopoldina foi um disco de ouro, do qualrefulgia o sinal de uma cruz. Essa joia estava, de algum modo, presa aopeito do estranho personagem.

    Ao defrontar-se com o mesmo, Leopoldina foi assaltada por umasensao de felicidade como nunca na vida, uma felicidade que no eradeste mundo. Sentiu-se, de um momento para outro, sob a mais perfeitaimpresso de segurana, de apoio, e a sua inquietao desfez-se em nada.Percebeu, afinal, que essa apario desejava comunicar-lhe algo. Cheia dereceptividade, ergueu os olhos para o rosto resplandecente daquelaesplndida apario.

    Enquanto ela assim olhava para cima, desvaneceu-se aos poucos o

    luminoso vulto, aparecendo no seu lugar uma espcie de globo terrestre,em que se destacavam dois pontos de grande luminosidade. Contemplandodemoradamente essa extraordinria viso, verificou que um dos pontos

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    representava o seu pas natal, a ustria, ao passo que o outro, situado bemdistante, era o Brasil. Esses dois pases se apresentavam ligados porintermdio de uma larga faixa de luz nas cores do arco-ris. Uma espcie deponte suspensa entre as duas naes.

    Repentinamente, Leopoldina teve conhecimento de que o caminho doseu destino, atravs dessa ponte, ia ter quela terra longnqua. Sem maisdemora, o globo desapareceu e o espaoso dormitrio do palcio ficou denovo imerso na escurido da noite.

    Depois dessa revelao, a paz retornou alma da jovem. Toda ainsegurana se desfez. O caminho do seu futuro lhe fora assim reveladopara que entrasse nele. Conquanto no soubesse dizer ainda qual a tarefa aser cumprida naquele pas distante, j sabia, porm, que uma incumbncia

    estava sua espera. Em vo, no lhe fora mostrado o globo terrestre. Forahonrada com uma misso.

    Quando ficou ciente desse fato, seus olhos se encheram de lgrimas euma orao de agradecimento ao Senhor do mundo preencheu a sua alma.Meu caminho, portanto, se estende atravs dos mares para um pasfluorescente! Diante dos seus olhos espirituais estendiam-se maravilhosasflorestas, cujas rvores, como um mar de flores, se curvavam ao sopro do

    vento. Era um quadro de uma beleza e de uma alegria to grandes, que noparecia ser deste mundo.

    Leopoldina olhou demoradamente para o brilho desse maravilhosomundo. Mas onde estavam os seus habitantes? E por que o seu caminholevava para esse pas distante? O que havia l?

    Auxilia o povo a libertar-se e prepara o pas para o tempo em que oSalvador vir para executar o Juzo sobre a Terra. Se assim o fizeres,cumprirs a misso que te foi confiada e a ti mesma te prepara paraaqueles tempos em que os mortos e os vivos estaro uns ao lado dosoutros, perante o trono do Juiz.

    Tremendo, Leopoldina estava deitada em seu leito. No sabia dizer deonde tinham vindo essas palavras. Quem as havia proferido? No se vianingum. Repetiu vrias vezes as palavras ouvidas, para que noesquecesse nenhuma delas. Se o Salvador vir para o Juzo, ento somentepoderia tratar-se do Juzo Final! Na Bblia se encontra uma exata descrio

    desse Juzo.Leopoldina ps-se a meditar longamente sobre tudo. Gostaria de confiar

  • 7/23/2019 Leopoldina - Uma Vida Pela Independncia - Roselis Von Sass

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    tudo a algum, mas o perigo de ser tachada de bruxa gravou-se nela comletras de fogo. Bruxas e loucos veem coisas que no existem, assim tinhafalado o pai, quando a querida me lhe tinha aparecido. O que, ento, nodiria ele agora?

    Quando Leopoldina no outro dia levou ao conhecimento do imperador asua resoluo de se casar com dom Pedro, a primeira impresso que o paiteve foi de profunda mgoa. A prpria Carolina Augusta da Baviera, quedentro de poucos dias ia se tornar a quarta esposa do imperador, mostrou-se desagradavelmente surpresa, pois, no curto espao de tempo em queestava em Viena, reconhecera imediatamente em Leopoldina uma alma deespcie igual, alegrando-se por ter na sua proximidade uma verdadeiraamiga. E, agora, Leopoldina queria abandonar a todos.

    O imperador perguntava sempre de novo filha por que tomara to derepente essa resoluo. Justamente agora, quando podiam libertar-se deMetternich e da sua nefasta poltica, Leopoldina falhava. Por que o Brasil?Pelo que tinha ouvido, uma proposta semelhante tinha vindo da Inglaterra,que pretendia igualmente uma princesa altura para o irmo mais moodo prncipe de Gales. Prefervel, sem dvida, seria um casamento naInglaterra que num pas to distante assim. Embora em princpio fossecontra a Inglaterra, contra seus amaldioados democratas e a sua esquisita

    religio, gostaria que sua filha fosse para l, j que queria casar-se.

    Contudo, Leopoldina ficou firme. S iria para o Brasil; casar-se-ia l, ouno casaria. Indignado o imperador olhava para a filha. Os dois irmos deLeopoldina notaram surpresos a irritao, ao entrarem no gabinete do pai.Quando, porm, ouviram que Leopoldina, de um momento para outro,tomara a firme resoluo de casar com o portugus, ficaram igualmentedecepcionados e irritados, como o pai.

    Por que o Brasil? perguntou Ferdinando. O Brasil politicamenteinsignificante, praticamente no existe. De mais a mais, um pas deescravos!

    Nessa altura formara-se ali um verdadeiro drama de famlia, at que oimperador, vendo Leopoldina romper em pranto, resolveu dar o caso porterminado.

    Mais tarde a notcia foi levada ao conhecimento de Metternich,

    comunicando que a arquiduquesa havia tomado a deliberao de aceitar aproposta de casamento da coroa portuguesa, e que Francisco Carlos, seuirmo mais moo, aos poucos deveria ser inteirado dos negcios de

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    governo.

    Metternich mal pde encobrir um sorriso de triunfo. Apresentoucumprimentos a Leopoldina, declarando que estava na plena convico deque a inteligncia da escolha tinha acertado o caminho. E logo mais, quando

    Metternich contou a Leonor, sua esposa, a deciso da arquiduquesa, amulher transbordou de satisfao. Sim, porque de agora em diante a suaposio na corte estava assegurada por muitos anos. Foi uma verdadeirafesta de alegria que o casal celebrou, com uma tal notcia. Metternich nodeixou sequer turvar sua alegria quando, no mesmo dia, o dr. Gentz lhe deua mo, dizendo:

    Eu dou os parabns ao Brasil e os meus psames ustria

    Leopoldina comeou imediatamente os preparativos. Doa-lheprofundamente ver que os irmos a encaravam como algum que os tivessetrado, contudo, no se deixava demover. Seu querido tio, o arquiduqueCarlos, irmo do seu pai, no ficara menos surpreso com a deciso dasobrinha, mas disse que uma princesa dos Habsburgos, onde quer que seencontre, sempre tem uma misso a cumprir. Se ela fosse para o Brasil,tinha de manter diante dos olhos que isso era o mesmo que ir para a linhade frente numa guerra, tanto mais que ela no sabia ainda se ia pisar em

    terra inimiga ou no.Bem sabia Leopoldina por que o tio assim falava. Lembrava-se da irm

    Maria Luiza, a qual tambm pelo casamento se vira colocada em linhainimiga.

    Darei para a tua proteo dois dos meus melhores ces, disse oarquiduque sorrindo. Realmente, pouco antes da partida de Leopoldina,deram entrada no pao dois belos ces dinamarqueses, chamados Custos eCustdia. Leopoldina, desde o primeiro momento, afeioou-se pelos ces,que na nova ptria muitas vezes a protegeriam.

    O povo de Viena mostrou-se descontente com o projetado casamento daprincesa, pensando, como

    natural, que pelas maquinaes da poltica de Metternich queLeopoldina se vira forada a dar esse passo. Somente quando o embaixadorde dom Joo VI, o marqus de Marialva, deu entrada em Viena com umagrande pompa, os vienenses se consolaram.

    Um embaixador que vinha com uma tal suntuosidade e brilho, de outrolugar no poderia vir, seno de um pas de fadas Ficariam muito

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    admirados se viessem a saber que os cofres do Brasil andavam to vazios,como os de Viena. No que o Brasil no possusse riquezas, riquezas essasque eram ciosamente guardadas pela rainha dona Carlota Joaquina e suaparentela espanhola Era, portanto, fortuna particular.

    Leopoldina pouco se importava se ia para um pas rico ou pobre. O seudestino era a terra longnqua. Alm do mais, no tinha noo do quesignificava riqueza ou pobreza, uma vez que sempre tinha tudo de quenecessitava.

    Logo depois da chegada de Marialva, Leopoldina comeou a aprender oportugus, sendo seu professor Hans von Bruchhausen. Bruchhausen eranatural do Rio Grande do Sul, desempenhando o papel de uma espcie de

    adido, que tinha vindo em companhia do embaixador brasileiro para austria. Atravs de Bruchhausen, Leopoldina comeou a ver o Brasil sobum novo ponto de vista. Contou-lhe o professor que as mulheres de lviviam fechadas nas suas casas, sem a mnima liberdade. Os homens, sim,eram os verdadeiros senhores.

    Leopoldina dificilmente podia formar uma ideia do que significava viverfechada em casa. Mesmo assim, prestava toda a ateno no que

    Bruchhausen dizia. Fora das aulas lia, com sofreguido, os escritos deAlexander von Humboldt e outros relatos concernentes Amrica do Sul.No queria ir tola e ignorante para o novo pas.

    Ao comunicar ao seu professor de pintura, Johann Buchberger, a notciado seu prximo enlace, ele manifestou desejo de acompanh-la, tendomesmo a ideia de levar consigo vrios naturalistas, pois onde, melhor queno Brasil, encontrariam eles campo aberto para as suas pesquisas?Leopoldina achou magnfica a lembrana de convidar naturalistas para

    virem ao Brasil e imediatamente tratou de falar com o pai a esse respeito.Este tambm achou boa a sugesto de Buchberger. Deu ordensimediatamente sobre o assunto, para que tudo se encaminhasse atravs deMetternich.

    Alm disso, ocorreu tambm a Leopoldina que poderia trazer imigranteseuropeus para o Brasil. Na ustria, como na Alemanha e Sua, tinhahavido, justamente por aquela poca, verdadeiros anos de fome, existindo

    muita gente que mal tinha comida uma vez por dia. Tambm esse plano foimais tarde executado, embora Leopoldina tivesse de passar por muitosdissabores, justamente por parte desses imigrantes. Uma boa parte deles

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    ficou muito admirada de que aqui no Brasil tivesse de trabalhar e, no incio,at duramente. Pensavam muitos que o Brasil era uma espcie de pas dasdelcias, onde bastava somente estender as mos para obter tudo quantoprecisassem. Sem esforo algum.

    Leopoldina encontrou-se ainda por duas vezes com o conde Waldeck napequena igreja. Ao tomar conhecimento da deciso de Leopoldina, Waldeckfoi tomado de violento acesso de clera, na certeza de que ningum maisque Metternich era o responsvel por essa malfadada ideia. Procurouconvenc-la, por todos os meios possveis, de que ela devia permanecer emViena. Por seu lado, ele tambm se comprometia a tratar da suatransferncia para qualquer ponto distante, nas fronteiras do pas.Contanto que ela no sasse da ustria. Mesmo porque, ningum sabia qual

    o destino do Brasil, comentando-se at que a prpria Inglaterra j estavapretendendo os direitos sobre esse pas.

    Foram, porm, inteis todas as splicas e palavras do conde. Leopoldinachorava desesperadamente por ter de se separar dele, mas no desistiu dasua resoluo. O conde Waldeck, completamente arrasado, deixou-se ficarali na igreja, quando Kibi, dama de honra de Leopoldina, veio busc-la pararetornarem ao palcio. E como poderia ser de outro modo? perguntavaele a si mesmo. O seu erro foi ter erguido os olhos para uma arquiduquesa,

    sabendo que essas so sempre sacrificadas por razes de Estado.

    Waldeck comeou a beber, tornando-se irritado e briguento, ao ver queLeopoldina de modo algum mudava o modo de pensar. Trs anos depois,ele morreu atravs da mo de seu melhor amigo. Achando-se emcompanhia de vrios outros oficiais, num restaurante, nas imediaes dasua guarnio, estavam j todos mais ou menos embriagados, quando umcapito, meio rindo e em tom de mofa, perguntou a Waldeck se j tinha

    ouvido falar que a Leopoldininha se havia juntado com apstolos daliberdade, para derrubar a monarquia no Brasil, naturalmente apoiada peloPedrinho

    A essas palavras o conde ergueu-se de um salto e arremessou ozombador ao cho. Temendo que o conde pudesse matar o outro, o amigo,tomando de uma baioneta, colocou-a contra o peito de Waldeck nummomento em que ele se aprumava. Waldeck, porm, pouca importncia deu ponta da arma. Arremeteu de novo contra o zombador e na violncia dos

    movimentos a baioneta penetrou em seu peito, morrendo ele quase queinstantaneamente. Mais tarde dizia-se que havia perdido a vida num duelo.

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    Nesse nterim Leopoldina foi procura do seu confessor, o padrebeneditino Ambrsio. Tambm este ficou atnito ao ouvir do casamento dasua penitente, recriminando a si mesmo, certo de que o amor em relao aoconde fora a causa decisiva dessa deliberao. Mas Leopoldina riu ao ver a

    cara do velho. Vou casar-me, sim, reverendo, disse ela, mas no penses que por

    razo de Estado

    No ento por razo de Estado? Por que ento? A ele, habitualmenteto loquaz, faltavam agora as palavras

    O nncio papal, que casualmente se achava em Viena, por sua vezencarou o padre, incrdulo e surpreso, quando este teve de dizer-lhe que

    no sabia por que a arquiduquesa tomara a surpreendente resoluo de irpara o Brasil. O nncio tambm pensou que Metternich estava por detrsdisso.

    O padre Ambrsio manteve correspondncia durante anos com a velhadama de honra, confidente de Leopoldina. E atravs dela ficava a par detudo quanto se passava no Brasil. Assim, ao saber do incrvel modo de vidade dom Pedro, enviou ao cardeal Consalvi uma carta na qual pediapermisso de vir para o Brasil, a fim de defender a princesa de dom Pedro.

    Como parecia que o prncipe no era um homem normal, seria bom queele viesse para ficar ao lado da sua penitente. O cardeal Consalvi, porm,indeferiu a pretenso do padre, alegando que persistia ainda a esperanade que a princesa retornasse ustria. Teve o padre de se dar porsatisfeito, embora com os seus botes continuasse sempre a chamar domPedro de portuguesinho sujo

    Em Viena foram feitas festas sobre festas. O contrato de casamento porparte da ustria foi assinado por Metternich e por parte do Brasil pelomarqus de Marialva. Uma semana antes de partir para o Brasil, teve aindaLeopoldina uma agradvel surpresa. Num envoltrio de papel,cuidadosamente amarrado, enviava-lhe Goethe uma poesia.

    Profundamente grata, Leopoldina reteve demoradamente nas mos apreciosa lembrana do poeta. Sua grande admirao por Goethe datava do

    dia em que, anos antes, o conhecera pessoalmente numa estao balneria,na Bomia. Lembrava-se ainda de todos os pormenores do encontro, dequanto ele dissera a ela e a sua madrasta a respeito da sua obra As

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    finidades Eletivas (Die Wahlverwandtschaften). Jamais vira algum seexpressar de modo to vivo e fascinante.

    Naquela ocasio, a madrasta andava passando mal de sade, sendoassim obrigada a permanecer frequentemente no recinto do parque

    balnerio, dando ensejo para que Leopoldina repetidas vezes ficassepasseando com Goethe no parque.

    Nunca, como ali, na sua vida, se sentira to orgulhosa pelo fato de Goethese dignar a vir falar com ela, a insignificante jovem. Durante o Congresso deViena, teve ainda, por duas vezes, a oportunidade de ver Goetheacompanhado dos seus dois amigos, Zelter e Eckermann.

    Agora, de repente, vinha sua lembrana uma conversa em que o poetafizera referncias a espritos da natureza (Naturgeistern). Ao passar juntode ambos uma velha duquesa, extremamente feia, Leopoldina recordavaainda de como Goethe, em voz baixa, lhe dissera que essa criaturacertamente seria uma das tais que noite sai pelos ares montada num paude vassoura

    Naquela ocasio, Leopoldina achou graa no caso e riu; agora, porm,pressentiu que Goethe deveria ter tido vivncias semelhantes s suas.Talvez ele tambm no quisesse falar disso. Mesmo porque, naquela

    ocasio, Goethe j era um dos homens mais discutidos da EuropaNo Brasil, Leopoldina por duas vezes ainda recebeu notcias dele. O

    poeta mandava-lhe lembranas. A primeira vez por intermdio de vonOynhausen, a segunda, por intermdio de Schaeffer. Este estavaencarregado por Leopoldina de procurar emigrantes na Europa,desempenhando todas as tarefas que se relacionassem com o caso, uma vezque ela, pessoalmente, j no dispunha mais de tempo para tal.

    Atravs de Oynhausen, Goethe mandou dizer a Leopoldina que nutriaprofunda simpatia pelo Brasil e que talvez um dia ainda pudesse fazer umaviagem para c. Leopoldina tinha certeza de que ele viria mesmo, se ela oconvidasse. Mas como ela poderia convidar algum? Dom Pedro andavadoente e era um libertino

    Estando ainda em Viena, Leopoldina, ao segurar nas mos a poesia deGoethe, nada suspeitava ainda da sua rdua misso de precisar viver aolado de um homem que, digamos, conscientemente cavou a sua prpria

    runa. Leopoldina regozijou-se profundamente com o presente recebido,principalmente pelo fato de Goethe no a ter esquecido.

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    Durante o perodo dos preparativos, Leopoldina andou to atarefada,que no lhe restou tempo para pensar no seu infeliz romance de amor.Sentia esse amor como uma ferida dolorosa na qual era melhor no tocar.Na tarde da vspera da sua partida, foi-lhe ainda oferecido um grandeconcerto pela banda do regimento. Leopoldina estava ali no crculo dosseus familiares e ouvia. Mas no conseguiu ficar at o fim. A dor daseparao subjugou-a de tal maneira, que mal pde conter as lgrimas.

    Apresentando escusas, recolheu-se aos seus aposentos. L chegando,ajoelhou-se no genuflexrio e chorou amargamente. Decorrido brevetempo, porm, aprumou-se, pedindo perdo a Deus por haver choradonuma conjuntura em que fora julgada digna de uma misso. A msica,todavia, penetrou-me de tal modo no corao, que fui compelida a chorar;

    no me abandones, meu Senhor!Leopoldina embarcou em Livorno, a bordo da nau capitnia Dom Joo VI.

    Todo um cortejo de carruagens acompanhou-a rumo Itlia. Em Livornoencontrou-se com a irm Maria Luiza, que vivia com o conde de Neippberg.Abraou Leopoldina e narrou-lhe alguns episdios da sua vida em comumcom Napoleo. Dentre muitas coisas disse que Leopoldina tinha ao menosum consolo: o de casar-se com um prncipe real. Pois Napoleo no passavade um corsrio, filho de corsrios, pelo que jamais havia de perdoar

    Metternich por t-la forado a esse casamento.

    Partiu-se dentro de mim algo que no sei exprimir, muito emborapresentemente eu seja feliz, disse Maria Luiza. E mais: se o teu Pedro acasotem amantes, lembra-te, ento, de minha condio, pois at mesmo duranteo sono Napoleo chamava por Josefina, lanando-me sempre no rosto que aminha funo era apenas a de garantir um herdeiro para o trono, e uma vezconseguido isso poderia ir-me embora.

    Horrorizada, Leopoldina ia escutando tudo o que a irm lhe contava.Bem sabia ela que Maria Luiza fora infeliz no casamento com Napoleo,mas que ele a houvesse maltratado, disso jamais tivera notcia.

    medida que Maria Luiza falava, Leopoldina ia se lembrando da mulherque fora o grande amor de Napoleo. Pois no teria ela, Josefina, tambmsofrido, quando, por razo de Estado, se viu obrigada a deixar Napoleo?Depois da irm haver se retirado do navio, Leopoldina ficou oprimida e

    amedrontada.Na viagem a bordo, sentia-se profundamente triste, sem atinar mesmo

    com os motivos que a levavam a isso. Saudades no eram, porque se sentia

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    inteiramente desligada dos seus. Livre de quaisquer laos afetivos seguiaao encontro do seu destino. Tinha a intuio de que estava perfeitamentepreparada para o lugar que deveria preencher.

    Falava quatro lnguas; certamente dentro em breve estaria conhecendo

    bem o idioma portugus. Tocava violino e piano. Msica e botnica eram assuas ocupaes prediletas, principalmente a botnica. Das suas viagens eexcurses trazia cestas cheias de plantas exticas que aproveitava parapintar. As paredes dos seus aposentos no pao viviam cheias de pinturas ede desenhos de histria natural. Teria sido com muito maior prazernaturalista do que princesa.

    Enquanto Leopoldina pensava na sua vida em Viena e na sua educao,tornou-se consciente de que iria ao encontro de uma vida dura. Apesar

    disso, no desejava recuar.Onde h sofrimentos, h tambm alegrias, consolou-se a si mesma

    O navio em que Leopoldina seguiu para o Brasil, vinha repleto depassageiros. Dom Joo enviou uma comitiva ao seu encontro, da qualfaziam parte dois mdicos: dr. Bernardino e dr. Mello Franco. Ambos j seachavam h muito tempo no Brasil e sentiam-se como que brasileiros. Dr.

    Mello Franco e senhora eram nascidos em Portugal, mas desejavam que osfilhos nascessem no Brasil. Da referida comitiva constavam tambm outroselementos que punham todo empenho em se dizer portugueses, tendo, porum ou outro motivo, a presuno de superioridade sobre os brasileirosnatos, ou sobre aqueles que se sentiam como que nascidos aqui.

    De conversas que ouviu dessas pessoas, Leopoldina percebeu logo queexistiam no Brasil duas faces ou, dizendo melhor, que se manifestava j

    uma ciso. Mais tarde, conhecendo de perto os referidos mdicos, confiou-lhes a sua observao. O dr. Mello Franco ps-se, ento, a descrever-lhepormenorizadamente toda a situao poltica do Brasil, no deixando detocar, tambm, na morte de um certo Jos da Silva Xavier. Este haviadesejado a liberdade para Minas Gerais, tendo pago com a vida o seu ideal,morrendo na forca. Pensativa, Leopoldina encarou os dois mdicos, aoterminarem os seus comentrios, inquirindo se havia muita gente no Brasildesejando a liberdade. Com certo receio os dois entreolharam-se e

    acenaram com a cabea afirmativamente, acrescentando que o nmerodesses tais j era muito maior do que se poderia supor.

    Isso muito natural, comentou com firmeza dona Leopoldina, todo

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    pas tem o direito de ser livre. Os dois mdicos acenaram de novo com acabea, em sinal de aprovao. Mas no pretendiam dizer mais nada Quepoderia uma princesa de Habsburgo compreender do imenso desejo deliberdade?

    No tardou muito, porm, e logo se evidenciou a ambos que elaefetivamente era a favor da libertao do Brasil de Portugal. Mais tarde,quando dona Leopoldina se empenhou de todo pelo movimento daIndependncia do Brasil, os dois mdicos rememoravam a conversa quehaviam tido com ela, a bordo.

    Dentre as centenas de passageiros havia tambm dois clrigos, deaparncia insignificante, que tinham entrado a bordo em Livorno. Essesdois clrigos no eram mais do que informantes secretos do cardeal

    Consalvi. Traziam a incumbncia de transmitir ao referido prncipe daIgreja tudo quanto se referisse vida particular da arquiduquesa e de domPedro.

    Fizeram entrega a um padre, no Rio de Janeiro, de um documento docardeal.

    Consalvi, por ocasio da partida de dona Leopoldina para o Brasil, jestava perfeitamente a par da vida de dom Pedro. No s disso, como

    estava muito bem informado da vida de toda famlia real portuguesa. Paraele era, portanto, apenas uma questo de tempo, o retorno de donaLeopoldina para a ustria. No tinha dona Leopoldina ainda aportado noRio, e j o cardeal Consalvi havia conversado com o papa, no sentido deuma possvel anulao do casamento de dona Leopoldina com dom Pedro.Diante do espanto do papa, Consalvi fez ver que dom Pedro de Braganaera um possesso, sendo de lamentar que a jovem princesa no tivesse sidodevidamente prevenida das condies de vida que teria de enfrentar. Alm

    do mais, nada de bom ela poderia esperar dessa Carlota e dos seus parentesespanhis. O papa, que estava habituado com o fato de o cardeal agirsempre da melhor maneira, disse apenas que era preciso dar tempo aotempo.

    Nesse nterim o navio capitnia Dom Joo passou ao largo de Lisboa,sem tocar no porto. Diante das perguntas de Leopoldina, o almirante daesquadra justificou o fato, alegando que um general ingls se achava

    precisamente em Lisboa com o nico fito de aprisionar a princesa austracacomo refm. Pelo menos assim diziam as instrues recebidas de Portugal.To s no Funchal que o navio capitnia e os navios de comboio lanaram

  • 7/23/2019 Leopoldina - Uma Vida Pela Independncia - Roselis Von Sass

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    ncora, descendo em terra dona Leopoldina e a sua comitiva, sendorecebida pelo governador e pelo bispo de Madeira.

    A recepo da chegada e as festas subsequentes foram to cordiais esinceras, que Leopoldina pde, pelo menos passageiramente, amenizar o

    triste estado de alma em que se achava. Ao despedir-se, foi ricamentepresenteada pelas mulheres da ilha. Uma senhora idosa, alis parente dogovernador, agradeceu em nome de todas a honrosa visita.

    a primeira vez, disse, que nos foi permitido tomar parte em umafesta em que se encontram homens. At agora os nossos maridoscompareciam sempre ss, ao passo que ns, como sempre, tnhamos deficar em casa, fechadas, por trs das portas e janelas.

    Leopoldina riu ao ouvir essas palavras, compreendendo, ento, por quemotivo as mulheres que ficara conhecendo lhe pediam, insistentemente,que ficasse com elas por mais alguns dias. Por mais que o desejasse, nopoderia faz-lo: a viagem para o Brasil era longa e ela apenas podiaprometer vir especialmente um dia visit-las, partindo do Brasil e emcompanhia do marido, o prncipe dom Pedro. Estando j a bordo e ao partirsob a salva de muitos tiros de despedida, s ento que Leopoldina selembrou de que um dia todas aquelas pessoas que ficara conhecendo

    viriam a ser seus sditos.Durante a longa viagem, Leopoldina dispunha de horas a fio para ficar

    sozinha. Essas eram, de algum modo, horas de aprendizagem. Foram sendoapresentados a ela, espiritualmente, grupos de pessoas que havia muitosmilnios tinham vivido no pas que ia ser a sua nova ptria. Leopoldinasentia-se verdadeiramente encantada pela expresso de beleza e defelicidade que parecia irradiar-se delas. Depois de semelhantes vises, nopodia compreender mais por que motivo as pessoas, que ento povoavam a

    Terra, eram to feias, at disformes, e por que tanta doena e tantosofrimento espalhados pelo mundo. De onde tinha vindo tudo isso?

    Seguidamente meditava sobre essas perguntas, sem, contudo, conseguiruma resposta. S muito mais tarde, quando j havia conhecido o sofrimentono Brasil, lhe apareceu de novo o esprito luminoso portador da insgniasolar, mostrando-lhe, em imagem, que o ser humano terreno havia setornado inimigo de Deus. A Terra inteira est povoada de inimigos da Luz.

    Fez-lhe ver ainda que era necessrio que ficasse conhecendo esses inimigose a sua espcie, pois no dia em que o Salvador viesse para o Juzo Final, osinimigos de Deus seriam a maioria. Multides de espritos humanos que

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    ainda se encontravam presos nos submundos teriam ainda de nascer naTerra para se julgarem a si mesmos

    Muitas vezes, no decorrer dos anos, Leopoldina teve revelaes sobre ovindouro julgamento do mundo. Mas foi to s depois de haver sentido na

    prpria carne a vileza dos seres humanos, que comeou a compreender anecessidade de um dia vir um julgamento punitivo. Aos poucos, Leopoldinafoi vendo que a vida humana no era to simples assim como lhe haviamensinado. Cu, inferno, purgatrio desses trs lugares sabia de tudo, masonde podia ser introduzida a reencarnao? Sim, era uma reencarnao, seseres humanos tivessem de voltar Terra, ainda mesmo que fosse para oJuzo Final. Um dia, certamente, ainda teria explicaes sobre isso, mesmoque tivesse um longo caminho a percorrer.

    Aproximava-se, finalmente, o dia da sua chegada ao Rio de Janeiro, dia 4de novembro de 1817. Pde, ento, Leopoldina contemplar o maismaravilhoso quadro da natureza que jamais lhe fora dado ver: a entrada daBaa de Guanabara.

    Na tarde da chegada vieram, do navio comboio So Sebastio, osnaturalistas austracos e o plenipotencirio com a sua comitiva, a fim deapresentar noiva saudaes de boas-vindas. Logo depois, encostou-se ao

    navio capitnia um iate, com ornamentos dourados, e Leopoldina viu, pelaprimeira vez, o homem ao lado de quem tinha de cumprir uma misso.

    Ao ver dom Pedro pela primeira vez, Leopoldina sentiu ao mesmo tempoatrao e repulsa. Com toda a energia teve de afastar de si a impresso demedo que tambm a dominou. Ele fora distinguido por Deus com umamisso, portanto s poderia ser bom

    Dom Joo, pai de dom Pedro, veio ao seu encontro com grande simpatia,bem como a irm mais velha de dom Pedro, Maria Teresa. Mas aodefrontar-se com a me de dom Pedro, Carlota Joaquina, Leopoldina sentiuum arrepio de horror. Carlota mostrava-se amvel para com ela, sorridentee acolhedora, mas todos podiam notar muito bem que somente com grandeesforo podia encobrir a averso que sentia pela estrangeira. Essa mesmadisfarada averso demostrava, tambm, a comitiva de Carlota.

    Depois do banquete em que havia tomado parte no navio, com a famliareal e vrias comitivas,

    Leopoldina viu-se de novo s na cabina. Ajoelhou-se e agradeceu a Deuspor t-la conduzido a um pas maravilhoso assim, reafirmando mais uma

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    vez que ficaria fiel no seu lugar, na felicidade ou infelicidade.

    Encerrada a prece, afastou-se dela a estranha impresso de medo que adominara durante o dia inteiro, e uma onda de confiana refluiu de novo noseu corao.

    A entrada, na manh seguinte, no Rio de Janeiro foi to brilhante, queLeopoldina no poderia ter desejado mais. Finda a cerimnia nupcial, nacapela do pao, fez-lhe o bispo a entrega de um pequeno estojo, com obraso do papa, artisticamente lavrado. O estojo continha um rosrio degrande valor, presente do Papa Pio VII. Depois de casados, dona Leopoldinaao lado de dom Pedro seguiram numa carruagem puxada por seis cavalosbrancos ornamentados com plumas de avestruz, em direo ao Palcio daQuinta da Boa Vista.

    E assim comeou a curta e agitada vida da princesa austraca MariaLeopoldina

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    Segunda Parte

    Quando Leopoldina, mais tarde, lembrava-se do seu casamento,desaparecia quase sempre o pomposo quadro das pessoas ricamente

    adornadas, e ela ouvia to somente as lindas melodias do rgo queacompanhava a cerimnia nupcial, o qual deu a esse ato, de certa maneira,um ar solene. Perguntando Leopoldina o nome do organista, respondeu-lhedom Joo chamar-se Marcos Portugal, e ter feito os seus estudos na Itlia.Ao comentrio de dona Leopoldina de estar surpresa de encontrar aqui umartista de to grande valor, dom Joo sorriu satisfeito, observando quemuitas e outras agradveis surpresas haveria ela de ter no Brasil. E ele teverazo.

    Nos nove anos de vida no Brasil, Leopoldina teve muitas surpresas, tantoagradveis como desagradveis, que delas poderiam entretecer-se trsvidas distintas, todas trs ricas de experincias e acontecimentos. Mas nofoi to somente a ela que aconteceu isso. Todas as pessoas que, de algummodo, naquela poca, estavam ligadas aos destinos do Brasil, a fim depoder cumprir uma misso na poca da vinda do Filho do Homem, tiveramuma vida cheia de vivncias.

    Mal haviam Leopoldina e dom Pedro iniciado a sua vida em comum, e jsurgiam, para provocar toda uma srie de complicaes, as pessoas que,como eles, tinham misso a cumprir na Terra. A diferena, porm, era que atarefa desses perturbadores no lhes fora conferida pela Luz, mas sim pelastrevas. Seus mestres eram os espritos cados que desde h muito dirigiampoderosamente todas aquelas pessoas que em algum tempo se entregaramindolentemente s influncias das trevas.

    Onde quer que, num dado ponto do globo, surgisse um grupo humano

    para cumprir uma misso segundo a vontade de Deus, desde logo, tambm,surgiam os bem adestrados emissrios de Lcifer, a fim de perturbar arealizao da obra. Tambm eles foram encarnados em tempo, a fim deretardar ou tornar impossvel o cumprimento da vontade de Deus. Apresena desses inimigos da Luz na Terra no seria em si to trgica, semuitas das pessoas ligadas Luz no se entregassem, elas mesmas, sedutora influncia desses inimigos de Deus, encarnados na Terra,tornando assim extremamente difcil s pessoas de boa vontade o

    cumprimento da sua misso.

    Apesar das muitas contrariedades que Leopoldina teve de suportar por

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    parte de Carlota Joaquina e da sua camarilha, o primeiro ano de casada comdom Pedro foi um ano feliz. Todas as boas qualidades que Pedro trazia emsi, logo se manifestaram, de sorte que Leopoldina pde perceberclaramente quo grandes coisas estava ele habilitado a realizar. Verificou,com satisfao, logo depois de casada, que dom Pedro no s acreditava napredio de sonhos, como em mil outros misteriosos eventos que os ndios,tratadores dos seus cavalos, lhe contavam. Ele mesmo, alm do que via emsonhos, percebia certas coisas que tinham conexo com um mundoextraterrenal, mas pedia encarecidamente a Leopoldina que notransmitisse esse fato a ningum, uma vez que os seus inimigos estavamsempre espreita do primeiro pretexto para levantar a suaincompatibilidade de acesso ao trono.

    Leopoldina, naturalmente, calou-se; ela tambm guardou silncio sobreas prprias vivncias espirituais. Dom Pedro pensava sempre que ela eramuito devota, nada sabendo, alm disso, sobre a sua vida interior. S muitomais tarde que Leopoldina veio a entender claramente o motivo por quejamais poderia fazer aluso a vises que recebia, suposto que os seusincansveis adversrios teriam com isso mais uma arma nas mos paracombat-la, como desejavam.

    Poucos meses depois do casamento do seu filho dom Pedro, dom Joo e

    sua filha, dona Maria Teresa, transferiram residncia para a Quinta da BoaVista.

    Carlota, porm, com o seu idolatrado filho Miguel e as suas filhas,ficaram no pao da cidade. Havia, por conseguinte, duas cortes no Rio. Notardou, e dom Joo percebeu que tinha na pessoa da sua nora uma boaauxiliar. Logo, tambm, fez com que todas as representaes diplomticas eartsticas, e os assuntos dos diversos grupos de imigrao passassem

    tambm para as mos dela. Os ministros, encarregados de resolver osnegcios relacionados imigrao, eram velhos cansados como ele prprio.E desde que no pertencessem ao grupo adversrio, isto , faco deCarlota Joaquina, rejubilar-se-iam ao encontrar, na jovem Leopoldina,algum que pudesse assumir essa desagradvel incumbncia.

    E que trabalho estafante! Com os imigrantes europeus Leopoldina nodecorrer dos anos s teve aborrecimentos e sofrimentos. Havia,naturalmente, entre eles pessoas agradecidas; muitos, porm, dos

    imigrantes, vinham na doce iluso de no precisar trabalhar aqui no Brasil.Achavam mesmo injusto ter de fazer fora para ganhar o po na sua nova

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    ptria, pelo menos nos primeiros tempos. Como toda pessoa ingrata, sviam os defeitos da terra e dos seus semelhantes, esquecidos por completode que na Europa haviam passado duros perodos de fome, e que na suaprpria terra viviam tambm a maldizer do governo e de toda a gente,como agora o faziam no pas que lhes oferecia acolhimento e vida.

    Grande alegria teve Leopoldina com a vinda dos artistas franceses quedom Joo havia chamado para o Brasil, no objetivo de fundarem aqui aEscola de Cincias, Artes e Ofcios. Nos primeiros tempos dom Joo e domPedro estavam sempre presentes quando os artistas Pradier, Taunay,Debret, Nicola e outros vinham ao palcio tratar das suas tarefas,apresentar propostas e sugestes. Frequentemente, porm, acontecia dedom Joo se sentir adoentado, a ponto de no mais suportar reunies

    muito demoradas: comia cada vez mais e engordava a olhos vistos.Dom Pedro, por sua vez, dava a entender claramente que as conversas

    sobre arte o entediavam, tanto mais que no conseguia acompanhar ofrancs falado rapidamente. Assim aconteceu de Leopoldina ficar logoconhecendo pessoalmente muitas personalidades, aumentando dia a dia assuas responsabilidades.

    Desde o comeo teve, assim, de assumir uma posio excepcional, dado

    que na poca no era costume mulheres tratarem o que quer que fosse comhomens. Pelo menos no Brasil e em Portugal. E se acontecia de CarlotaJoaquina tecer comentrios deprimentes sobre isso, dom Joo desde logo arepelia alegando que Leopoldina fora educada na corte da ustria e quesempre, acompanhando o pai, comparecia a todas as recepes e atividadesoficiais do pao.

    Leopoldina sentia-se feliz e agradecida em poder tomar parte ativa navida da nao. Alm disso, percebia que dom Joo andava cansado de ser

    rei. Quando, uma vez, lhe perguntou qual o seu ato de Estado queconsiderava mais importante, dom Joo respondeu prontamente que fora afundao da Biblioteca Nacional. A sua biblioteca particular, com todos oslivros e escritos, era digna de ser vista, e quando dom Joo se encontravaali, no meio dos livros, tinha-se de reconhecer que nele predominava maisum erudito do que um monarca. Fora tambm o prprio dom Joo queexps a Leopoldina a delicada situao do pas.

    Os nascidos aqui, disse, querem a sua independncia de Portugal,invocam os mesmos direitos que tm outros povos livres. Frequentementesurgem atritos entre portugueses e brasileiros. Os portugueses se sentem

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    senhores da terra e no perdem oportunidade de fazer sentir isso por todosos meios possveis aos naturais daqui.

    Dessas observaes de dom Joo e de algumas outras de dom Pedro,Leopoldina via que faltava apenas um impulso vindo de fora para tornar

    realidade esse anseio de emancipao. Leopoldina conversou com domPedro vrias vezes sobre o problema. Dom Pedro dava-lhe inteira razo,cnscio que estava de que todos os povos tm o direito suaautodestinao, contudo, no caso especial do Brasil, dizia, o nico que tinhaa palavra de ordem era o seu pai.

    Nesse meio tempo, Leopoldina j travara conhecimento com todas assenhoras representativas do pas. Vinham a passeio Quinta da Boa Vista,

    acompanhadas dos filhos e das respectivas pajens e comumente passavamali o dia. Assim, aconteceu de essas visitantes femininas ficarem logo a parde que a princesa imperial austraca via o movimento de emancipao dosbrasileiros como coisa natural e justa. Por incrvel que pudesse parecer,algo havia de verdade nisso, do contrrio que razo a princesa teria paramostrar-se to abertamente a favor do movimento de Independncia?

    Leopoldina deu luz, sem o menor embarao, a sua primognita, Maria

    da Glria. Sentiu-se entristecida ao saber que era menina e no menino.Dom Pedro, porm, objetou que ele gostava mais de meninas e ainda lhesrestava muito tempo para ter um herdeiro ao trono.

    Meses depois, estando j grvida do segundo filho, Leopoldina foi vtimado primeiro atentado contra a sua vida. Jos Presas, da comitiva de Carlota,descobrira um indivduo disposto a misturar veneno no refrescocostumeiro da princesa. Leopoldina conseguiu escapar com vida, mas acriana que trazia no ventre, pereceu. Os mdicos chegaram concluso de

    que fora efeito do veneno. O capelo da corte batizou a criana morta,dando-lhe o nome de Miguel.

    Leopoldina, recolhida ao leito, chorava:

    Por que razo haveria este menino de nascer morto? Qual o motivo dacamarilha de Carlota Joaquina odi-la tanto, a ponto de envenen-la? Nobastava, ento, que Carlota e os seus adeptos fizessem espalhar pelasparedes do Rio de Janeiro desenhos feios e escritos injuriosos contra a sua

    reputao, divulgados a torto e a direito?Nesses desenhos Leopoldina era representada de olhos esbugalhados, o

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    rosto inchado como uma bola, trazendo, alm de outros dizeres, que o povodevia expulsar a estrangeira do pas. Em outros cartazes Leopoldina erarepresentada saindo do mato, em companhia de vrios homens, com estecomentrio: A princesa real se diverte, ou ento, foi se divertir naescurido

    Desenhos e escritos desse tipo apareciam comumente, de manh,colados em rvores, cercas e casas. Nem dom Joo nem dom Pedro tinhamcomo coibir tais abusos. Bem sabiam eles de onde provinha tamanhaimundcie, mas por isso mesmo eram forados a calar. Dom Pedro tinhaacessos de ira to violentos, que lembravam a Leopoldina os ataquesepilticos do seu irmo, em Viena.

    Alm disso, dom Pedro vinha se transformando de um modo

    impressionante. Saa frequentemente a cavalo, em companhia de amigos, eficava dias e noites fora de casa. Retornando Quinta da Boa Vista, vinhaoprimido, plido e de mau humor. Percebia Leopoldina que, ao voltar nesseestado, sentia vergonha de encontrar-se com ela. De outras vezes chegavade madrugada, bbado, com os seus assim chamados amigos, promovendoenorme algazarra no parque do palcio. Nessas ocasies, ele e o bando debbados que vinha em sua companhia dirigiam-se para as estrebarias, ondedom Pedro ia procurar acomodao numa rede qualquer dos tratadores de

    cavalos, para s reaparecer tarde.

    Leopoldina ficava desesperada com isso. Quando o dr. Bernardinopercebeu que a princesa em vo procurava a causa daquela tristederrocada de dom Pedro, resolveu contar-lhe a verdade do que se passava.Assim, Leopoldina veio a saber que dom Pedro mal havia sado da infnciae j fora arrastado para a senda dos vcios. Mas s com isso os dedicadosamigos e amigas do prncipe no se davam por satisfeitos. No s o

    desviavam para os caminhos tortuosos da vida, como lutavam para mant-lo assim, insuflando que s seria verdadeiro homem, continuando assim, sevivesse rodeado de meretrizes

    Dona Leopoldina ficou estarrecida com o depoimento do mdico.Criana ainda? Mas quem, porventura, teria tido a coragem de corromperuma criana? E, por que isso? Por qu?

    Dom Pedro um prncipe real, comentou o dr. Bernardino, e teve, em

    criana ainda, dinheiro demais nas mosConquanto Leopoldina no pudesse fazer ideia perfeita dos ditos vcios,

    percebeu, contudo, claramente que dom Pedro caminhava para a sua

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    destruio certa. No podia compreender que tendo dom Pedro, comoacontecia com ela, recebido de Deus uma misso a cumprir, no houvessecontado com melhor proteo na infncia. E, mesmo agora, sabendo, comosabia, que futuramente teria srio papel a desempenhar como rei, noprocurava, contudo, combater os seus vcios?

    um fracalho que ama muito mais a si do que a Deus! Assustada,Leopoldina olhou em volta de si, no vendo quem poderia ter proferidoessa frase. Ningum se achava ali. Parecia que a voz tinha sado de dentrodela mesmo, e tinha toda a razo. S mesmo um fracalho no capaz dedominar as suas ms tendncias e os seus erros. Porm, no. No era assimque ela devia pensar. Devia lutar firmemente e ajud-lo a vencer, devendomesmo suplicar ao esprito branco, que sempre a assistia, que viesse em

    seu auxlio. E o auxlio veio, de fato, inesperadamente.Um belo dia apareceu o encarregado de negcios da ustria, o baro de

    Bieberstein, entregando a dona Leopoldina duas cartas. Numa delas elareconheceu logo o sinete do seu estimadssimo tio Carlos. Este lhecomunicava que o partido dos duques e dos prncipes da ustria exigiam asua volta para l. Assumiria imediatamente a regncia do trono, e teriaassegurada a coroa imperial. A posio de Metternich se tornava dia a diamais difcil, dada a suspeita geral de que ela tambm era uma das vtimas

    da sua desastrosa poltica. Na ustria estavam a par de tudo o queacontecia no Brasil. At do atentado contra a sua vida j se sabia. Nohesites um momento sequer mais, minha filha

    Leopoldina no pde continuar a leitura, as lgrimas turvavam os seusolhos. O baro de Bieberstein ficou tambm com os olhos marejados delgrimas. Conhecia Leopoldina desde o tempo em que era secretrio dachancelaria da corte, em Viena. Finalmente, conseguindo dominar a

    emoo, Leopoldina disps-se a ler a segunda carta, que era muito breve.Nela o cardeal Consalvi enviava bnos sua filha em Cristo e comunicavaque o Santo Padre, to logo ela retornasse ustria, anularia o seucasamento com dom Pedro de Bragana. A ustria espera pela volta da suaquerida filha, assim terminava a carta.

    Quando o dr. Mello Franco, alarmado por uma das camareiras, entrou nosalo de recepes, deparou com dona Leopoldina de joelhos, chorandoamargamente. Com olhar reprovador o mdico encarou o baro, como que

    inquirindo se o mesmo no percebia que dona Leopoldina se achava emadiantado estado de gravidez. Assustado, o baro ajudou o mdico a

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    levantar dona Leopoldina daquela posio.

    Nesse momento dom Pedro entrou tambm no salo, olhando espantadopara os trs.

    Num gesto resoluto ergueu dona Leopoldina e conduziu-a aos seus

    aposentos. Somente depois de ela estar deitada na cama, ele notou queLeopoldina segurava firmemente duas cartas. O que poderiam afinal conteressas duas cartas, que assim tivessem dado motivo a esse desesperadopranto? S muito a contragosto Leopoldina largou as duas cartas. DomPedro, tendo terminado a leitura, deixou-se ficar demoradamente emsilncio, beira da cama de Leopoldina. Depois comeou a falar mais parasi do que para ela ouvir:

    Eu sinto, ou melhor, tenho a certeza de que esto procurando meaniquilar! Afinal de contas por que motivo? To s para colocar Miguel emmeu lugar? No, no possvel; algo mais deve existir atrs disso tudo.Num repente, dom Pedro se ps de p, comeando a falar em altas vozes,quase aos gritos, que os conluiados em derrub-lo procuravam arrancar aprpria princesa da sua companhia, a nica pessoa quedesinteressadamente lhe era fiel. Isto dizendo, dom Pedro comeou a andaragitadamente de um lado para o outro no aposento, recriminando-se com

    as mais speras palavras. Leopoldina, porm, no ouvira nada disso, poishavia perdido os sentidos.

    Leopoldina, claro, no atendeu ao chamado do tio. Ao reler as ltimaslinhas da missiva em que lhe pedia que desse sem mais demora aBieberstein ordens no tocante sua partida, sentiu nitidamente, mais doque nunca, que de modo algum deveria abandonar o Brasil. Havia sidoenviada para esse pas e com os destinos desse pas estava ligada. Comoento agir agora contra o mesmo? Proceder dessa maneira seria uma

    traio em relao ao pas.

    Um ms depois Leopoldina dava luz outra criana. Era menino e recebeuna pia batismal o nome de Joo Carlos. Pouco tempo depois um novoatentado foi executado contra ela e contra o recm-nascido. Isso aconteceudurante a noite, quando, despertada por um rudo estranho, ao abrir osolhos deparou ali, em pleno quarto, com um negro medonho, de orelhas

    grandes. Percebeu que estava se orientando a quem primeiro atacar, se aela, se criana.

    De repente, sob a luz fraca da lamparina, viu que o preto segurava um

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    punhal, um punhal comprido que erguia, medida que se aproximava doleito do menino. Ao ver que o filho corria risco de morte, Leopoldinarecuperou a voz e gritou desesperadamente. Aos seus gritos, Cuca, robustoco dinamarqus, desandou a latir furiosamente e veio desabaladamentepara o palcio. Mal havia o oficial encarregado da guarda aberto a porta doaposento de dona Leopoldina, j o co se precipitara quarto adentro e nomesmo instante o negro jazia por terra.

    Decorrido um ms, estando Leopoldina de novo restabelecida da febreque a assaltara em consequncia daquela noite de horror, ficou sabendoque o negro, na mesma manh, depois do atentado, fora enforcado. Comomandatria do crime foi apontada uma dama da corte de Carlota Joaquina.Referida dama era tida na conta de amante de Jos Presas.

    Depois de tudo passado, Leopoldina tremia ao pensar no que teriaacontecido naquela noite, se no tivesse por acaso levado a criana paradormir com ela, no mesmo quarto Do tempo da sua enfermidade s selembrava agora que sentira um desejo imenso de morrer. Sentia-secansada, um cansao mortal. E para que continuar a viver?

    Por duas vezes tinham tentado assassin-la, haveria acaso algumajustificativa mais para que continuasse lutando? Percebia que aos poucos ia

    se desprendendo do corpo terreno e deslocando-se lentamente para algumlugar. No sentia mais dores, nem sofrimentos. Nem sabia mais quantotempo estava flutuando dessa maneira, quando o esquisito som de um sinoa obrigou a voltar. Esse sino! J uma vez, h quanto tempo, no tinha elaouvido esse som? Leopoldina lutava contra esse som despertador. Nodesejava ser de novo chamada para a vida

    Quando, ainda meio insegura, assim pensava, soou um bramido troantenos ouvidos, e ela viu como uma multido de pessoas, gritando e

    vociferando, se arrastava atravs de uma plancie desolada e poeirenta.Algumas dessas pessoas empunhavam grandes torres e paus, prestes aatirar e a ferir. Era horrvel o aspecto dessa multido enfurecida.Leopoldina queria fechar os olhos. Esse quadro de degradao humana erahorroroso.

    Repentinamente, porm, desfez-se essa multido vociferante e umsilncio envolveu tudo. Um vulto luminoso esboou-se, vulto que parecia

    ser a figura de um homem com a cabea coroada de espinhos. Curvado,esse homem se arrastava ao peso de uma cruz. Era Jesus: Leopoldinaassustou-se, ao passo que um vu nebuloso envolvia o ttrico quadro.

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    Somente se ouvia uma voz que parecia vir de longe:

    Os servos de Lcifer, com o assassnio do Filho de Deus, deram comeo sua luta final contra a Luz! Essa luta s ter fim quando a espada de Deus,o Juiz e Salvador, vier ao mundo como ser humano!

    Lcifer, na sua desmedida presuno, exigiu para si a posse da Terrainteira. Pelo assassnio do Filho de Deus, pretendeu provar que seu opoder sobre toda a Terra e que a sua exigncia tinha razo de ser.Contrrios aos planos de Lcifer e de seus servidores so, porm, todos osseres humanos que se acham ligados fora da Luz e que colaboram para asua ancoragem na Terra. Portanto, continua e no percas o nimo. Breve oSalvador vir!

    Continua e no percas o nimo! Essas palavras foram como que umblsamo sobre as suas feridas. Lgrimas ardentes corriam pelas faces deLeopoldina. Havia se mostrado desanimada e vacilante, no entanto outrorapronunciara com grandes palavras, um juramento

    Perdoa-me, Senhor! Nunca mais os meus insignificantes padecimentoshumanos me faro fraquejar. A ti, Senhor, sempre e eternamente hei deservir

    Ao erguer novamente os olhos, Leopoldina divisou, como que atravs de

    um vu, trs rostos que pairavam sobre ela e pareciam observ-laatentamente. Aos poucos foi reconhecendo as fisionomias. Eram o dr. MelloFranco, dr. Bernardino e o naturalista alemo, dr. Martius. Procurouerguer-se, mas sentiu receio: seria acaso tarde demais? No haviacorrespondido ao esforo curativo dos mdicos, porquanto era do seupropsito desprender-se da vida Porm, no! Era preciso que vivesse, docontrrio como haveria de ajudar a ancoragem da Luz? E no parecia,tambm, que o dr. Bernardino olhava reprovadoramente para ela?

    Depois de passar por essa enfermidade, Leopoldina sentia-se como quenascida de novo. Desaparecera por completo toda a sua insegurana. E erabom que assim fosse, porquanto os acontecimentos polticos traziam dia adia maiores aborrecimentos, exigindo dela e de dom Pedro a mais perfeitavigilncia. Com grande satisfao Leopoldina verificou que dom Pedro emtodos os momentos crticos dava-lhe ouvidos e seguia os seus conselhos.

    Nesse nterim, Leopoldina tambm ficara conhecendo o homem que maistarde haveria de figurar na Histria do Brasil como o Patriarca da

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    Independncia: Jos Bonifcio de Andrada e Silva. Um belo dia apareceu elena Quinta da Boa Vista acompanhado de seu amigo Guilherme vonEschwege e do seu irmo Martim Francisco, a fim de cumprimentarem osprncipes. Dom Pedro ficou satisfeitssimo com a visita, tanto mais que JosBonifcio j se tornara nome famoso na Europa inteira pelos seus trabalhoscientficos, escritos em alemo.

    Dona Leopoldina, ao ser saudada por Jos Bonifcio, viu brilhar sobre acabea dele uma grande estrela azul. Via-se tambm sobre as cabeas dosoutros dois uma estrela igual. Pessoas com estrelas azuis s podem sergente boa Leopoldina, contudo, no podia no momento dar maior atenoa esse fato, preocupada que estava em acompanhar a conversao doshomens, porquanto Jos Bonifcio acabava de dizer que o seu irmo,

    Antnio Carlos, se achava preso em Pernambuco, por motivos polticos. Afisionomia de dom Pedro se contraiu. Disse que, a seu modo de ver, paraum rebelde como Antnio Carlos, irmo de Jos Bonifcio, a priso eraainda o lugar melhor e mais seguro.

    Jos Bonifcio sacudiu a cabea em desaprovao a dom Pedro,contestando que, na sua opinio, era coisa perigosa para um Estado meteros seus patriotas na cadeia. Exaltado, dom Pedro retrucou que as atitudesdos chamados patriotas se chocavam com a vontade do soberano, o seu

    augusto pai.

    Mas, continuou Jos Bonifcio, foi o prprio pai de Vossa Alteza quemabriu as portas que podero conduzir o Brasil para o progresso e para aliberdade.

    Aborrecido, dom Pedro olhou para Leopoldina, e esta percebeu logo queele aguardava da parte dela a palavra salvadora que viesse pr fim desagradvel conversa. Diante disso, perguntou ela delicadamente, em

    alemo, a Jos Bonifcio, que que ele agora pretendia fazer, de volta aoBrasil. A esta pergunta, Jos Bonifcio encarou-a por alguns instantes,talvez no sabendo de pronto o que deveria responder, porm disse quedepois de prolongada ausncia, retornava ptria para cumprir umamisso, e que essa misso no era outra seno a libertao do Brasil, semderramamento de sangue.

    Dona Leopoldina ficou perplexa. Esse foi o sinal para o comeo. De

    repente ela sabia que tinha esperado todo o tempo por algo, e agora essaespera tinha terminado. Jos Bonifcio e todos os que estavam a seu ladocertamente haveriam de colaborar com ela e com dom Pedro na obteno

  • 7/23/2019 Leopoldina - Uma Vida Pela Independncia - Roselis Von Sass

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    da liberdade to desejada para o pas. E dom Pedro? Tambm ele nopoderia agir de modo diferente, pois a sua misso era a mesma que a dela.

    Quando Leopoldina viu que os visitantes aguardavam uma resposta, semmais demora disse que outro no era o ideal de dom Pedro e dela tambm,

    seno a grandeza e a liberdade do Brasil. A estas palavras Jos Bonifciocurvou-se respeitosamente, e sorridente agradeceu essa demonstrao debenevolncia da parte da princesa real, porquanto no eram palavrasvazias.

    Ao dizer essas palavras, encarou-a e sentiu como se a conhecesse delongo tempo.

    Dom Pedro j estava impaciente, pois entendia muito mal o alemo; porisso dona Leopoldina levantou-se, dizendo ao despedir-se que esperava detodos uma estreita colaborao para o bem do povo. Dom Pedro tambm sedespediu com palavras amveis. Depois das visitas terem sado, dom Pedrocomentou que os Andradas no passavam de meros revolucionrios, nosendo certo que ela apoiasse esse tipo de pessoas. Enfim, como JosBonifcio ia permanecer em So Paulo, no seria danoso no Rio de Janeiro.Com essas palavras, dom Pedro deu por encerrado o caso.

    A situao poltica em Portugal se tornava dia a dia mais trgica. O generalingls Beresford, que dominava Portugal, havia chegado ao Rio eapresentado exigncias descabidas a dom Joo. Mas teve de retornar aPortugal, furioso, sem nada ter conseguido. Nem bem havia chegado l,rompia uma revoluo no Porto e ao mesmo tempo formavam-se aqui noBrasil, sem restries, partidos de libertao. Por toda a parte faziam-sediscursos, e em duas lojas manicas do Rio discutiam-se abertamente asmedidas necessrias em prol da Independncia.

    Gonalves Ledo e Jos Bonifcio eram mestres graduados nessas lojas.Ambos trabalhavam, por enquanto, em estreita colaborao. Os dois jornaispublicados no Rio exigiam tambm, em longos editoriais, a libertao dodomnio ingls, pois o que era agora Portugal, seno uma colnia daInglaterra?

    A mquina tinha sido, portanto, posta em movimento. Dom Joo e osseus velhos ministros no estavam altura de enfrentar a intrincada

    situao. Num dia expediam-se decretos que logo no dia seguinte eramdeclarados sem efeito. Alm disso, de repente exigia-se em Portugal oretorno da famlia real, a toda pressa.

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    Dom Joo desejava que dom Pedro e dona Leopoldina regressassem comele, mas os dois se opuseram terminantemente ideia. Depois de muitomeditar, dom Joo tomou a resoluo de voltar, deixando dom Pedro edona Leopoldina como seus representantes no Brasil. Dom Pedro, nessa

    ocasio, desenvolvia uma grande atividade. Onde quer que surgissemconflitos entre brasileiros e portugueses, a sua simples presena dirimiaquestes.

    A despeito de tudo isso a monarquia oscilava. O advogado Macamboa,em nome do povo, exigia a deposio dos velhos ministros, ameaando comuma revoluo sangrenta. Finalmente, depois de rumorosas e agitadasreunies, deliberou dom Joo, em definitivo, o regresso da famlia real,ordenando que fossem tomadas imediatamente todas as providncias.

    O decreto respectivo, ou melhor, uma proclamao dirigida ao povo,tornava pblico que dom Joo retornava a Portugal, deixando o seu bem-amado filho como representante no Brasil. Nesse momento o povocomeou a sentir receio diante dos acontecimentos, exigindo que dom Joopermanecesse no pas. Pois, que esperanas poderia depositar em domPedro? O povo, sim, o povo ficaria sempre e cada vez mais entregue a simesmo, desde o momento em que o alcoviteiro Chalaa acenasse com

    novas meretrizesDe repente operou-se uma transformao radical: ningum mais falou

    em dom Joo ficar no Brasil. Jos Bonifcio com os dois irmos e um grupode amigos seus, aparecendo subitamente no Rio de Janeiro, procuravam detodo o modo acalmar o povo. Corria o boato de que dom Pedro e donaLeopoldina haviam se manifestado francamente a favor da Independnciado Brasil. Um apoio inesperado surgiu da parte do clero. Verdade que oclero no suportava dom Pedro, devido aos aborrecimentos que havia

    causado publicamente Igreja, em estado de embriaguez. Desconfiavamdele e tambm das suas mostras de arrependimento; entretanto, pareciaque dona Leopoldina o amava e alm de tudo era ela que apoiava aIndependncia. E quantas vezes clrigos brasileiros no se viram obrigadosa suportar calados a arrogncia de padres portugueses? Diante de tudoisso, muitos padres, nas igrejas, comeavam a fazer sermes bemmundanos, aos domingos.

    E o dia chegou. Foi a 26 de abril de 1821 por ocasio do embarque dedom Joo e famlia. Uma grande multido se acotovelava no cais, porm nose ouvia um pio de regozijo ou de reprovao. O povo se sentia desgostoso

  • 7/23/2019 Leopoldina - Uma Vida Pela Independncia - Roselis Von Sass

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    de dom Joo ter de voltar para Portugal; por outro lado havia ele prestadotantos benefcios ao Brasil, que ningum tinha coragem de recrimin-lopela situao. Mantinha-se, portanto, em rigoroso silncio, medida que asembarcaes iam deixando o porto. Quatro mil pessoas retornavam comdom Joo para Portugal. Carlota Joaquina exultava! E tudo quanto havia deouro, de joias, de preciosidades atulhava o bojo dos navios reais. Almdisso ela pretendia, em Portugal, bater-se pelos direitos de dom Miguelpela posse do trono.

    Leopoldina tambm triunfava de certa maneira. Estava finalmente livredos ataques de Carlota