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LER E ESCREVER - … partituras, sons, gestos, corpos em movimento, mapas, gráficos, símbolos, o mundo enfim. Ele poderá contribuir no desenvolvimento da capacidade de interpretar

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2PROPOSTA PEDAGÓGICA

LER E ESCREVER: COMPROMISSO DA ESCOLA

APRESENTAÇÃO

A série Ler e escrever: compromisso da escola, a ser apresentada de

12 a 16 de agosto no Programa Salto para o Futuro, da TV Escola, é composta

por cinco programas dedicados a refletir sobre a leitura e a escrita como

aprendizagem a ser promovida por todos os professores, e não exclusivamente

pelo professor de Língua Portuguesa.

Em que consiste o ler e o escrever nas diferentes áreas do currículo

escolar? Com o intuito de discutir e aprofundar este tema, a equipe de

professores do Núcleo de Integração Universidade & Escola, da Pró-Reitoria

de Extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, elaborou o livro

Ler e escrever: compromisso de todas as áreas, publicado em 1998 pela

Editora da Universidade/UFRGS. O livro já se encontra em sua 4ª edição e

é nele que se inspiram os programas dessa série.

A série tem por objetivo dar ênfase à reflexão sobre a leitura e a escrita

como compromisso de toda a escola, desde a biblioteca, a aula de Português

e todas as demais áreas/disciplinas do currículo escolar. É sempre bom

lembrar que o compromisso de toda a escola em ensinar a ler e escrever

constitui condição indispensável à formação do estudante e ao exercício da

cidadania. Por isso, as diferentes áreas de conhecimento, agrupadas

aleatoriamente, procurarão, de acordo com a programação apresentada a

seguir, refletir a respeito do ler e do escrever como questões específicas do

seu fazer, como forma de ensinar a pensar e como possibilidade de

estabelecer relações interdisciplinares que certamente enriquecerão a prática

pedagógica

3PROPOSTA PEDAGÓGICA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

JUSTIFICATIVA

Ensinar a ler e a escrever são tarefas da escola, desafio indispensável

para todas as áreas/disciplinas escolares, uma vez que ler e escrever são os

meios básicos para o desenvolvimento da capacidade de aprender e

constituem competências para a formação do estudante, responsabilidade

maior da escola.

Ensinar é dar condições ao estudante para que se aproprie do

conhecimento historicamente construído e se insira nessa construção como

produtor de conhecimentos. Ensinar é ensinar a ler para que se torne

capaz dessa apropriação, pois o conhecimento acumulado está, em grande

parte, escrito em livros, revistas, jornais, relatórios, arquivos. Ensinar é

também ensinar a escrever, porque a produção de conhecimento se expressa,

no mais das vezes, por escrito.

Numa primeira instância, ler e escrever é alfabetizar, levar o aluno ao

domínio do código escrito. E é sempre bom levar em conta o que nos dizem

as atuais pesquisas sobre o processo de alfabetização. Ao alfabetizar-se, o

aluno não está apenas transpondo a língua que já fala para um outro código,

mas está aprendendo uma outra língua, a língua escrita, isto porque a

língua que falamos não é a mesma que escrevemos, havendo, assim,

aprendizagens específicas que devem ser consideradas por nós, professores.

A escola vem se constituindo como espaço privilegiado para a

aprendizagem e o desenvolvimento da leitura e da escrita, já que é nela que

se dá o encontro decisivo da criança com o ler e o escrever. Para muitas

crianças de nosso país, a escola é o único lugar onde há livros, ou a sala de

aula o lugar onde os alunos não estão voltados apenas para a televisão.

Assim, cabe a ela a tarefa de levar o aluno a ler e escrever, a atrever-se a

persistir nesta aprendizagem entre ensaio e erro, a construir suas próprias

hipóteses a respeito do sentido do ele lê e do que escreve, a assumir pontos

de vista próprios para escrever a respeito do que vê, inclusive na TV, do que

sente, do que viveu, do que leu nos diversos suportes que existem, do que

ouviu em aula e do que vê no mundo, promovendo em seus textos um

diálogo entre vida e escola, mediado pelo professor, um leitor mais experiente.

É na escola que a própria TV pode ser vista de uma forma não apenas

lúdica, mas também crítica. É na escola que se pode promover, por meio da

leitura, as diferentes aprendizagens de cada área de conhecimento e do

mundo. Não é, portanto, uma tarefa simples e, no entanto, possui um

4PROPOSTA PEDAGÓGICA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

grandioso alcance na vida de todo e qualquer estudante: crianças, jovens e

adultos.

Sem estudantes vivenciando oportunidades sistemáticas de leitura,

escrevendo e dialogando, a escola correrá o risco de restringir-se à

reprodução. Essa, aliás, é uma prática que cada vez mais tem sido rejeitada:

as atividades de leitura e escrita, nas diversas modalidades, transformadas

em ritual burocrático, no qual o estudante lê sem poder discutir, lê sem

compreender, responde questionários mecanicamente e escreve textos

buscando simplesmente concordar com o professor ou a professora. O que

se deseja é que estudantes, e também professores, possam constituir-se

como leitores e produtores de textos. Professores e alunos leitores são

capazes de produzir a sua escrita, a sua comunicação no mundo, são a

chave de qualquer possibilidade de mudança nas práticas tradicionais e

repetitivas de leitura e escrita. Para isso, todos os professores, não só o de

Português, mas também os de Geografia, Matemática, História, Música,

Ciências, Educação Física, Língua Estrangeira, Literatura, Arte, precisam

assumir seu papel de mediadores de leitura e escrita.

Mais importante que reter a informação obtida pela leitura tradicional

dos muitos textos, nas muitas áreas que compõem o currículo escolar, as

atividades de leitura e escrita devem proporcionar aos alunos condições

para que possam, de uma forma permanente e autônoma, localizar novas

informações pela leitura do mundo, e expressá-las, escrevendo para e no

mundo. Assim, leitura e escrita constituem-se como competências não

apenas de uso, mas igualmente de compreensão da vida em sociedade.

O professor é aquele que apresenta as diferentes possibilidades de

leitura: tudo e mais um pouco! Livros, poemas, notícias, receitas, paisagens,

imagens, partituras, sons, gestos, corpos em movimento, mapas, gráficos,

símbolos, o mundo enfim. Ele poderá contribuir no desenvolvimento da

capacidade de interpretar e estabelecer significados dos diferentes textos,

criando e promovendo variadas experiências, situações novas, que levem a

uma utilização diversificada do ler/escrever. Isso tornará possível a formação

de uma geração de leitores capazes de dominar as múltiplas formas de

linguagem e de reconhecer os variados e inovadores recursos tecnológicos,

disponíveis para a comunicação humana no dia a dia.

Ler e escrever são tarefas na escola, privilegiadamente em cada sala

de aula, mas também no pátio, na biblioteca, no refeitório, enfim a escola

5PROPOSTA PEDAGÓGICA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

vista como espaço de estímulo às diferentes relações com a leitura. A

biblioteca passa a ser concebida como lugar em que se estimula a circulação

e a transferência da informação, que favorece a convivência dos diferentes

segmentos da comunidade escolar, pertencendo, portanto, a todos os

usuários e, ao mesmo tempo, não sendo propriedade de uns ou de outros.

E por que privilegiadamente a sala de aula é o lugar de leitura e de

escrita? Porque a sala de aula é o lugar onde o professor ensina, onde ele

mostra, por sua presença e atuação, a importância da leitura: ele traz os

livros, apresenta-os, quer que todos escolham o que vão ler, fica sabendo do

interesse que se vai formando em cada um, faz sugestões, discute e

aprofunda os assuntos, responde perguntas e lê com os alunos. A biblioteca

é o lugar de outra vivência. Na biblioteca, o aluno, explora o seu acervo,

expande seus interesses: descobre que existem múltiplos materiais para

leitura, livros de todo o tipo e sobre todos os assuntos, ou concentra-se em

uma leitura de aprofundamento de um determinado interesse, estimulado

pela leitura em sala de aula. A sala de aula é o lugar de criação de vínculo

com a leitura, de inserção do aluno na tradição do conhecimento. A biblioteca

é o lugar do cultivo pessoal desse vínculo.

Ao lado da atividade de leitura orientada pelo gosto, pelo prazer de

atribuir sentido a um texto, cada professor, na aula de sua respectiva área

(ou dois ou mais professores em trabalho integrado) promoverá a leitura de

textos que que devem ser aprofundados e todos poderão vivenciar o

encantamento da descoberta dos muitos sentidos em textos decisivos para

o conhecimento produzido pela humanidade. Esta inserção do aluno no

universo da cultura letrada desenvolve a habilidade de dialogar com os textos

lidos, através da capacidade de ler em profundidade e interpretar textos

significativos para a formação de sua cidadania, cultura e sensibilidade.

Será importante, assim, que cada professor em sua sala de aula vincule

– através da produção escrita – conteúdos e/ou conceitos específicos da

área em que atua com a vida de seus alunos, solicitando-lhes que escrevam

sobre aspectos de suas vivências socioculturais, propondo que esses textos

sejam lidos para os colegas e discutidos em sala de aula. Cada professor

lerá esses textos com interesse, pelo que querem expressar e não apenas

para corrigir o Português ou verificar o acerto de suas respostas. Orientará

a reescrita dos textos, sempre que necessário, para que digam com mais

clareza e mais riqueza o que querem dizer.

6PROPOSTA PEDAGÓGICA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

Ler e escrever, portanto, implicam redimensionar as práticas e os

espaços escolares. Isto leva a uma reflexão sobre a relação pessoal com o

desenvolvimento da leitura e da escrita na sala de aula e, no limite, propõe

o desencadeamento de novos modos de ser e fazer o ler e o escrever na

escola: a formação de cidadãos e cidadãs para um mundo em permanente

mudança nas suas escritas, e cada vez mais exigente quanto à qualidade da

leitura.

A provocação que está lançada é que o tema ler e escrever, como tarefa

de todas as áreas, motive um olhar e um refletir sobre a ação do professor e

da escola em seu conjunto, sobre seus compromissos. Esperamos que o

tema venha a abrir perspectivas para que, na escola, um pergunte ao outro

sobre o que pensa ser ler e escrever em sua área; que desperte o interagir

orientando para uma formação mais ampla, completa e dinâmica; que seja

viável encaminhar ações interdisciplinares possíveis e desejáveis. E ainda,

que entre colegas professores possa se estabelecer um diálogo constante a

respeito das atividades de ler e escrever, isto é, sobre a atividade de ensinar,

oportunidade de construir sentido e produzir conhecimento.

ESTES SÃO OS TEMAS QUE SERÃO APRESENTADOS NA SÉRIE:

PGM 1 � PARA ALÉM DA AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA

O principal papel da escola já não é mais o de mera transmissão de infor-

mações. Hoje, exige-se que ela desenvolva a capacidade de aprender o que

subentende o domínio da leitura e da escrita. Este programa pretende apon-

tar dificuldades históricas de aprendizagem da leitura e da escrita da Lín-

gua Portuguesa e salientar que a leitura e a escrita podem ser práticas

construídas com a participação das diferentes áreas e nos diferentes espa-

ços da escola. Tal construção se dá pela participação do professor, criação

de espaços coletivos para a ação comum e pela utilização de multiplicidade

de linguagens e de novos códigos.

PGM 2 � HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA

Ler e escrever são competências imprescindíveis nas aulas de História, Litera-

tura e Língua Estrangeira, seja pela interpretação e (re)-escrita de um texto do

livro didático ou fornecido pelo professor, seja por um outro documento.

O programa discute as alegadas dificuldades dos alunos para interpretar tex-

tos, imagens e mensagens, os objetos de trabalho mais freqüentes nas aulas

7PROPOSTA PEDAGÓGICA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

dessas disciplinas. Aponta ainda as aprendizagens de leitura e escrita que

competem a todos os professores de História, Língua Estrangeira e Literatura.

PGM 3 � EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA

Estas áreas/disciplinas, que parecem ter poucos aspectos em comum a

respeito da leitura e da escrita, constroem conhecimentos com diferentes

textos e códigos, com o corpo em movimento, com símbolos, com notações

musicais, e estabelecem conexões entre si e com outras áreas do currículo

escolar. O programa enfatiza a importância de todo professor trabalhar com

a leitura e a escrita, conhecer minimamente o que é particular da lingua-

gem na sua área e, a partir daí, buscar possíveis articulações, ampliando o

repertório dos alunos.

PGM 4 � ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS

O domínio de diferentes códigos e linguagens, que permitam a interação do

sujeito com múltiplas paisagens e grupos sociais, é um diferencial na edu-

cação e na própria constituição da cidadania. Neste sentido, a educação

contemporânea destaca a essencialidade da leitura e da escrita como capa-

cidades para interpretar e compreender as diversas manifestações

socioculturais, no contexto identitário dos sujeitos. Ler e escrever não se

instituem como meros instrumentais de codificação e decodificação dos sig-

nos alfabéticos, mas são inseridos num universo mais amplo de possibilida-

des e ultrapassam a tradição escolar das Ciências, da Geografia e da Arte,

vinculada à descrição repetitiva do texto/imagem ou às atividades do fazer

gráfico/plástico. O programa privilegia a leitura da imagem, um texto

comumente presente nestas três áreas.

PGM 5 � PROFESSOR: LEITOR E FORMADOR DE LEITORES

O papel da escola em relação ao ler e ao escrever alterou-se nos últimos

tempos, exigindo do educador a compreensão do contexto do mundo con-

temporâneo, onde a palavra escrita amplia os modos de atingir a população,

e exige de todos competências para agir com autonomia e criticidade frente

a ela ou impõe-lhes uma atitude massificada e acrítica. Relacionando o ler/

escrever à condição de poder pensar, interagir a partir do lido e ser capaz

de dizer a sua palavra e o seu tempo por escrito, o presente programa

valoriza o papel autoral de professores e alunos, capaz de dar um novo

significado ao ensinar e ao aprender.

8PROPOSTA PEDAGÓGICA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

BIBLIOGRAFIA

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1994.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se comple-tam. São Paulo: Cortez, 1993.

GNERRE, Maurizzio. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes,

1995.

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Ed. 34, 1996.

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TEBEROSKI, Ana; TOLCHINSKI, Liliana. Além da alfabetização. São Paulo:

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ZILBERMAN, Regina (Org.). Leitura em crise na escola. 7ed. Porto Alegre:

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ZILBERMAN, Regina; LAJOLO, Marisa. A formação da leitura no Brasil. São

Paulo: Ática, 1996.

ZILBERMAN, Regina; SILVA, Ezequiel Theodoro da (Org.). Leitura: perspecti-vas interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1995.

9BOLETIM

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

PGM 1 � PARA ALÉM DA AULA DE LÍNGUA PORTUGUESALER E ESCREVER NÃO SÓ NA AULA DE PORTUGUÊS

EQUIPE DO NÚCLEO DE INTEGRAÇÃO UNIVERSIDADE ESCOLA, DAPRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO DA UFRGS – NIUE/UFRGS*

Se lembrarmos que os livros que os

inconfidentes de Minas Gerais tinham

em casa fizeram parte das provas que le-

varam à sua condenação, que ler foi uma

atividade criminosa no Brasil até o co-

meço do século XIX e que o povo brasi-

leiro só entrou para a escola há menos

de cinqüenta anos, poderemos entender

por que nos deixamos, até hoje, estig-

matizar como criaturas incapazes de

aprender a escrever corretamente uma

língua tão difícil como o Português.

Entenderemos a razão de nossa cren-

ça a respeito de nossa incapacidade para

falarmos corretamente o Português, se

considerarmos as condições em que his-

toricamente aprendemos a falar Portu-

guês. Nossos primeiros colonizadores –

marinheiros, soldados e condenados por-

tugueses analfabetos que vieram levar

pau-brasil e o que mais foram capazes

de carregar – tiveram de aprender a lín-

gua dos índios para deles obterem in-

formações indispensáveis à sua sobrevi-

vência. Os filhos que tiveram com as ín-

dias aprenderam a falar a língua da mãe

muito antes de ter necessidade de falar

a língua dos seus pais colonizadores. Os

escravos trazidos de várias regiões da

África, falantes de várias línguas diferen-

tes, foram misturados propositadamen-

te nas fazendas e acabaram obrigados a

aprender a falar Português até pra po-

derem falar entre eles. Ou seja, durante

os mais de quatrocentos e cinqüenta

anos em que não esteve na escola, o povo

brasileiro teve de aprender a falar Por-

tuguês falando Português com quem não

sabia falar o Português castiço das elites

lusitanas.

Se levarmos em conta que a univer-

sidade no Brasil é um fenômeno do sé-

culo XX e que a ciência da linguagem só

se implantou em nossas universidades

há menos de cinqüenta anos, podemos

entender por que só muito recentemen-

te os lingüistas brasileiros passaram a

recusar os tradicionais mitos a respeito

10BOLETIM � PGM 1 - PARA ALÉM DA AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

de nossa relação com a língua e colocar

algumas fundamentais perguntas: que

língua falamos, afinal? É mesmo verda-

de que todos no Brasil falamos a mesma

língua? Que relações estabelecemos en-

tre nossa fala e nossa escrita? Como se

constituiu historicamente nossa relação

com a língua escrita? Por que a literatu-

ra brasileira se constituiu também a par-

tir de um conflito lingüístico? Por que

não nos ensinamos a aprender e a ensi-

nar Português ao longo dos últimos qui-

nhentos anos?

Os estudos sobre nossa língua fala-

da, levados a efeito por vários pesquisa-

dores, entre eles um grande grupo de

lingüistas de todo o Brasil reunidos no

Projeto de Gramática do Português Fa-

lado, estão mostrando não só que há

uma grande variação lingüística (geográ-

fica e social) interna no País – ao contrá-

rio do que sempre disse o mito da uni-

dade lingüística brasileira –, mas tam-

bém que a língua que falamos difere

muito da língua falada em Portugal, a

que deu origem ao Português escrito. Em

vista disso, hoje podemos dizer que fala-

mos uma língua e temos de aprender a

ler e escrever em outra língua.

Esse novo saber que a ciência da lin-

guagem nos proporciona faz duas revela-

ções de transcendental importância a

nosso respeito: a primeira que nós, de

fato, falamos muito mal o Português, não

porque sejamos incompetentes como

sempre tentaram nos fazer crer, mas por-

que falamos – muito bem, tão bem quan-

to qualquer outro povo do mundo – uma

outra língua, parecida com o Português,

com a qual somos capazes de dar conta

de nossas necessidades expressivas. A

segunda é que nós falamos uma língua

apenas parecida com o Português e, por

razões de política cultural, temos de

aprender a ler e escrever em Português.

Essas revelações são importantes por-

que, em primeiro lugar, podemos deixar

de culparmos a nós mesmos por não ter-

mos aprendido a ler e escrever direito na

escola, pois a escola tentou ensinar-nos

a ler e escrever em Português como se

fôssemos falantes de uma língua cujas

frases têm sujeito e predicado, em que

os pronomes pessoais mudam de forma

conforme a função sintática que exercem

na frase, com desinências verbais pró-

prias para as segundas e as terceiras pes-

soas, em que os futuros são simples, em

que o adjetivo concorda com o substanti-

vo. Como a língua que falamos não tem

nada disso, agora podemos pôr a culpa

na escola, que não nos ensinou direito e

nos culpou por não termos aprendido. Em

segundo lugar, porque podemos, agora,

começar a pensar num modo mais ade-

quado de ensinar a ler e escrever nessa

língua que não falamos, nessa língua ape-

nas parecida com a língua que falamos,

nessa língua estrangeira. Como já sabe-

mos que, para aprender língua estran-

geira, precisamos adquirir familiaridade

com ela, sabemos também que só vamos

aprender a ler e escrever em Português

se praticarmos bastante a leitura e a es-

11BOLETIM � PGM 1 - PARA ALÉM DA AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

crita em Português. Onde? Só tem um

lugar: na escola.

Ensinar a ler

Trata-se de exercitar a leitura para

praticar, numa primeira instância, a

decodificação da escrita, adestrando o

olho para enxergar mais do que uma le-

tra de cada vez, mais do que apenas uma

palavra, para entender os processos de

construção das palavras (os radicais, os

afixos, as desinências), para enxergar as

discrepâncias que caracterizam a ortogra-

fia, para atribuir significado a expressões,

a metáforas, para familiarizar-se com a

sintaxe da língua escrita (a concordância

verbal e nominal, as formas e os tempos

verbais, o uso das preposições, as con-

junções e outros nexos), para entender o

significado dos sinais de pontuação, o das

letras maiúsculas e o das minúsculas, o

das margens do texto, para construir um

repertório de enredos, de personagens,

de raciocínios, de argumentos, de linhas

de tempo, de conceitos que caracterizam

as áreas de conhecimento, para, enfim,

movimentar-se com desenvoltura no

mundo da escrita. Esta leitura de forma-

ção de leitor tem por objetivo desenvolver

no aluno a familiaridade com a língua

escrita através da leitura de todo o tipo

de texto, numa quantidade tal que o faça

gostar de ler e de perceber a importância

da leitura para sua vida pessoal e social,

transformando-a num hábito capaz de

satisfazer esse gosto e essa necessidade.

E como os professores trabalhariam

com esses livros? Ensinando a ler, co-

meçando por colocar os alunos na mais

adequada postura para ler: sentados em

silêncio; administrando a escolha dos li-

vros, conversando com o aluno que soli-

citar uma orientação a respeito do as-

sunto do livro, incentivando-o a olhar no

dicionário alguma palavra-chave para o

entendimento do texto, ajudando o alu-

no a usar o dicionário, fornecendo-lhe

indicações bibliográficas nas quais po-

deria procurar mais informações a res-

peito de um assunto que lhe despertou

um interesse mais forte, estimulando

esse interesse, incentivando-o a falar aos

colegas a respeito do que está lendo, a

trocar impressões com os colegas a res-

peito de leituras comuns.

E por que em sala de aula e não na

biblioteca? Porque a sala de aula é o lu-

gar onde o professor ensina, onde ele

mostra, por sua presença e sua atuação,

a importância da leitura: ele traz os li-

vros, apresenta os livros, quer que todos

escolham o que vão ler, ele fica sabendo

do interesse que vai formando-se para

cada um, faz sugestões, discute os as-

suntos, responde perguntas, aprofunda

o assunto, ele lê com seus alunos. A bi-

blioteca é o lugar de outra magia: lá está

o tesouro inesgotável do conhecimento

construído historicamente pela humani-

dade. Na biblioteca, o aluno, exploran-

do o seu acervo, vai expandir seus inte-

resses: vai descobrir que existem enci-

clopédias, mapas, atlas, manuais, revis-

tas, livros de todo o tipo e sobre todos os

12BOLETIM � PGM 1 - PARA ALÉM DA AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

assuntos, ou vai concentrar-se numa lei-

tura de aprofundamento de um deter-

minado interesse criado na leitura em

sala de aula. A sala de aula é lugar da

criação de um vínculo com a leitura, pela

inserção do aluno na tradição do conhe-

cimento. A biblioteca é o lugar do culti-

vo pessoal desse vínculo; lá se processa

o amadurecimento intelectual.

Ao lado dessa atividade de leitura ori-

entada pelo gosto, pelo prazer de atri-

buir sentido a um texto, cada professor

na aula de sua respectiva disciplina (ou

dois ou mais professores em trabalho

multidisciplinar) vai promover leituras de

aprofundamento de textos: agora todos

vão viver o encantamento da descoberta

coletiva dos muitos sentidos historica-

mente reconhecidos em um texto deci-

sivo para o conhecimento produzido pela

humanidade. Esta leitura de inserção do

aluno no universo da cultura letrada tem

por objetivo desenvolver a habilidade de

dialogar com os textos lidos pelo desen-

volvimento de sua capacidade de ler em

profundidade e de interpretar textos sig-

nificativos para a formação de sua cida-

dania, cultura e sensibilidade.

Ler é produzir sentido: o leitor atri-

bui ao texto que tem diante de si o sen-

tido que lhe é acessível. Assim, o aluno

de 5ª série, que acabou de ler o Soneto

da Fidelidade, chama a professora para

expressar sua admiração: gostou muito

da comparação do amor com fogo na ga-

solina: aqui, ‘sora, posto que é chama.

Cabe ao professor, então, ensinar ao alu-

no que, posto que é uma construção da

língua escrita, busca expressar uma re-

lação tal que liga um efeito à sua esquer-

da com uma causa à sua direita, uma

expressão da mesma família do porque.

O professor vai dizer que a leitura cor-

rente do poema interpreta não que “seja

imortal posto que é chama”, como o amor

“não é imortal, porque é como uma cha-

ma, que pode se apagar”. Vai dizer tam-

bém que na comparação do amor com

fogo na gasolina, o sentido que o aluno

construiu, com os meios expressivos a

que tinha acesso, é uma metáfora muito

expressiva, a partir da qual ele pode pro-

duzir o seu próprio poema a respeito do

mesmo tema.

É um direito de cidadania do aluno

ter acesso aos meios expressivos

construídos historicamente pelos falan-

tes e escritores da Língua Portuguesa,

para se tornar capaz de ler e compreen-

der todo e qualquer texto já escrito nessa

língua. Ensinar a ler é levar o aluno a

reconhecer a necessidade de aprender a

ler tudo o que já foi escrito, desde o le-

treiro do ônibus e os nomes das ruas, dos

bancos, das casas comerciais, leituras

fundamentais para a sua sobrevivência e

orientação numa civilização construída a

partir da língua escrita; ler o jornal, que

vai relacioná-lo minimamente com o mun-

do lá fora; ler os poemas, que vão dar

concretude, qualificar e expandir os limi-

tes de seus sentimentos; ler narrativas,

que vão organizar sua relação com a com-

plexidade da vida social, ler as leis e os

13BOLETIM � PGM 1 - PARA ALÉM DA AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

regulamentos que regem a sua cidada-

nia, ler os ensaios que apelam à sua

racionalidade e a desenvolvem.

Ensinar a ler é também dar acesso

aos meios expressivos necessários para

que o aluno leia não apenas os seus con-

temporâneos, dialogando com eles den-

tro de um universo comum de questões,

problemas e descobertas, mas também

os antigos, até com os fundadores da lín-

gua para que ele possa perceber que a

Língua Portuguesa que ele lê é produto

do trabalho de homens como ele que a

tornaram capaz de expressar o que pre-

cisaram que ela expressasse.

Desse modo, assim como, numa pri-

meira instância, ensinar a ler é alfabeti-

zar, levar o aluno ao domínio do código

escrito, ensinar a ler continua sendo le-

var o aluno ao domínio de códigos mais

elaborados e mais especializados. A

quem cabe ensinar o significado corren-

te de posto quê? Em princípio, costuma-

se atribuir tarefas desse tipo ao profes-

sor de Português, mas qualquer profes-

sor, de qualquer disciplina, é, pelo me-

nos também em princípio, um leitor da

Língua Portuguesa e, como tal, pode fa-

zer uma tal ponte entre o significado

construído pelo aluno e o significado cor-

rente da expressão. E o princípio mais

saudável para reger essa tarefa é a sabe-

doria relativa de cada um: vamos combi-

nar que não é feio nem constrangedor

ignorar o significado de alguma palavra

ou expressão, nem mesmo para os pro-

fessores de Português. Vamos combinar

que é muito mais útil para professores e

alunos que todos acabem achando na-

tural procurar resolver as próprias dúvi-

das em dicionários, enciclopédias, ma-

nuais, guias ortográficos, dicionários

especializados. Vamos combinar que feio

e inútil (e muito mais trabalhoso) é es-

tigmatizar a ignorância alheia e escon-

der a própria.

Ensinar a escrever

O mesmo para a escrita: se nós, pro-

fessores de todas as disciplinas, propor-

cionarmos a nossos alunos muitas e

muitas oportunidades para que escrevam

muito para dizer coisas significativas para

leitores a quem desejam informar, con-

vencer, persuadir, comover, eles vão aca-

bar descobrindo que escrever não é aque-

la trabalheira inútil de preencher vinte

e cinco linhas, de copiar livro didático e

pedaços de enciclopédia. Eles vão aca-

bar descobrindo que são capazes de es-

crever para dizerem a sua palavra, para

falar deles, de sua gente, para contar a

sua história, para falar de suas necessi-

dades, de seus anseios, de seus proje-

tos e vão acabar descobrindo, por causa

disso, que são gente, que têm o que di-

zer, que têm história, que têm necessi-

dades, desejos, que têm direito a satis-

fazer suas necessidades, a fazer proje-

tos, que podem aspirar a uma vida me-

lhor, enfim.

Por isso, cada professor em sua sala

de aula, vai vincular – através da produ-

ção escrita – conteúdos específicos das

14BOLETIM � PGM 1 - PARA ALÉM DA AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

disciplinas com a vida de seus alunos,

solicitando-lhes que escrevam sobre as-

pectos de suas vidas e vai propor que

esses textos sejam lidos para os colegas

e discutidos em sala de aula. E cada pro-

fessor vai ler esses textos com interesse

pelo que dizem e não apenas para corri-

gir o Português ou verificar o acerto de

suas respostas. Vai orientar a reescrita

desses textos para que digam com mais

clareza e mais precisão o que querem

dizer. E vai mandar ler um poema, uma

notícia, um conto, uma reportagem, um

artigo, um livro que diga coisas interes-

santes a respeito de um tema suscitado

nas discussões desses textos. E vai

aprofundar essa leitura com os alunos e

pedir que voltem ao assunto para incor-

porar os dados novos trazidos por essa

leitura, dando continuidade à discussão.

Para ensinar a escrever é preciso,

para começar, que o professor queira

saber o que o aluno tem a dizer sobre o

assunto a respeito do qual pediu que ele

escrevesse e acredite que ele realmente

tem alguma coisa a dizer. Para acreditar

que o aluno tem algo a dizer é preciso

que o professor perceba-se como alguém

que tem algo a dizer, isto é, o texto es-

crito pelo professor é pré-requisito para

que o aluno escreva o seu texto. O pro-

fessor só pode provar a seus alunos que

escrever faz sentido se conseguir mos-

trar-lhes que, tal como ler, escrever é

produzir sentido, que o autor do texto é

o primeiro leitor a ser atingido pelos efei-

tos de sentido provocados por seu esfor-

ço de mobilização dos recursos expres-

sivos historicamente construídos na lín-

gua para pôr uma certa ordem na vida e

no mundo.

A seguir, é importante que o profes-

sor constitua, na sala de aula, o público

para os textos de seus alunos e os po-

nha sistematicamente em discussão. É

preciso reverter a tradicional crença de

que somos todos incapazes de escrever,

substituindo-a pela convicção natural de

que somos todos capazes de escrever

para descobrirmos o que somos capazes

de dizer a respeito do assunto de que

estamos tratando. Essa capacidade bro-

ta do trabalho de escrever (e não de uma

inspiração iluminada) e do diálogo do

texto resultante desse trabalho com os

seus leitores, e esse diálogo só faz senti-

do se for para subsidiar uma ou mais

reescritas do texto com a finalidade de

construir a respeito do assunto a clare-

za possível neste momento histórico pelo

qual passa o autor do texto.

Finalmente, é necessário que o pro-

fessor seja professor e examine esses

textos para orientar minuciosamente as

reescritas que vão qualificá-los. Orien-

tar a reescrita não é apenas adequar o

conteúdo às verdades estabelecidas da

ciência nem a forma do texto ao modo

consagrado de escrever nessa área de

conhecimento; é principalmente levar o

autor do texto a repensar a pertinência

dos dados com que está lidando, a coe-

rência da tese que apresenta, a adequa-

ção entre dados e tese, a perceber lacu-

15BOLETIM � PGM 1 - PARA ALÉM DA AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

nas nas informações de que dispõe e a

perguntar-se para que vai servir o que

está escrevendo.

Assim como salientamos a respeito da

leitura, também no que se refere à escrita

podemos falar a respeito de duas escritas.

Há uma escrita privada, como, por exem-

plo, a carta, que se dirige a um único des-

tinatário e só a ele interessa, e o diário,

que se dirige ao próprio autor, em diálogo

interior objetivado consigo mesmo. É bom

que a escola apresente os alunos a essas

práticas históricas de escrita e que os in-

centive a praticá-las, não só porque nin-

guém mais o fará, mas também porque

são excelentes exercícios para desenvol-

ver a habilidade de escrever, pois envol-

vem uma prática de escrita muito próxi-

ma das práticas da língua falada.

Há uma escrita pública, que se diri-

ge ao leitor, isto é, tanto àqueles que o

autor tinha em mente ao escrever quan-

to a qualquer um que resolver botar um

olho curioso no texto. O texto público é

o texto da escola: não se trata de apenas

incentivar o aluno a escrevê-lo, mas de

tomar isto como a mais legítima tarefa

escolar. Dentro da escrita pública, é pre-

ciso também distinguir dois tipos de tex-

to: os que servem à leitura, expressando

a compreensão do texto lido, como o es-

quema, o resumo, a paráfrase, a rese-

nha e o texto que expressa a produção

de conhecimento, basicamente a narra-

ção e a dissertação. É preciso trabalhar

com esses dois tipos de texto sem con-

fundir as suas finalidades.

A escola insere o aluno no contexto

de diálogo da cultura, um diálogo que

se dá por escrito; por isso, ensinar o alu-

no a escrever para que ele possa partici-

par nesse diálogo é tarefa de toda a es-

cola. E para que ele possa participar des-

se diálogo na condição de produtor de

conhecimento, nenhuma das disciplinas

da escola pode adotar o resumo, a pará-

frase, o esquema, a anotação como seu

texto preferencial: nenhuma disciplina

pode privilegiar formas textuais em de-

trimento da escrita para exercitar o en-

tendimento e produzir sentido.

Se aceitarmos que o texto que mais

adequadamente expressa a cultura con-

temporânea, científica e tecnológica é a

dissertação, o gênero mais amplo sob o

qual se abrigam os artigos, os ensaios,

as teses que expressam e divulgam os

avanços do conhecimento (não por aca-

so o texto que as autoridades educacio-

nais já definiram como o texto obrigató-

rio da bagagem do candidato a estudan-

te universitário), esse é o mais forte mo-

tivo para que todas as disciplinas envol-

vam-se no processo de criar condições

para que os estudantes se habilitem a

praticar a produção de textos dissertati-

vos que não se limitem, tal como vêm

mostrando as redações de vestibular, a

meramente reproduzir lugares-comuns.

E para criar no aluno uma atitude

dialógica com relação ao próprio texto,

o professor de qualquer área/discipli-

na pode começar por refletir sobre a qua-

lidade dialógica do próprio texto; isto

16BOLETIM � PGM 1 - PARA ALÉM DA AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

quer dizer que ensinar a escrever para

produzir conhecimento envolve apren-

der a escrever para produzir conheci-

mento. A licenciatura que cursou não

ensinou o professor a fazer isso? Todo

mundo sabe que o conhecimento avan-

ça justamente porque somos capazes de

aprender muito mais do que nos ensi-

naram e que ninguém é educado para

viver a época em que vive. A tarefa do

professor nesta época em que as infor-

mações estão de muitas maneiras ao

alcance do todos já não é exatamente a

de fornecer essas informações: é ensi-

nar o aluno a organizá-las de modo que

façam sentido.

Ensinar a escrever é uma tarefa de

uma escola disposta a olhar para frente

e não para a repetição do passado que

nos trouxe à escola que temos hoje: tra-

balhar com o texto implica trabalhar com

a incerteza e com o erro e não com a

resposta certa, porque escrever é produ-

zir e não reproduzir velhas certezas, pois

certezas nos deixam no mesmo lugar: é

o erro que nos leva na direção do novo.

Referência bibliográfica

NEVES, Iara C. B. et alli.(Orgs.) Ler e es-crever: compromisso de todas asáreas. Porto Alegre: Ed da Universi-

dade/UFRGS, 1998.

17BOLETIM

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

PGM 2 - HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURALER E ESCREVER EM HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA

EQUIPE DO NÚCLEO DE INTEGRAÇÃO UNIVERSIDADE ESCOLA, DAPRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO DA UFRGS - NIUE/UFRGS

Ler e escrever são competências im-

prescindíveis nas aulas de História, Li-

teratura e Língua Estrangeira. Muitas

vezes, os professores dizem isso de ou-

tro modo: dizem que interpretar é a ha-

bilidade básica dessas áreas/disciplinas,

seja a interpretação de um texto do livro

didático ou fornecido pelo professor, seja

de um documento de época, como uma

carta ou uma lei, seja a interpretação de

uma narrativa de ficção, seja um texto

que informa sobre aspectos da cultura

da língua estrangeira estudada.

Quando eles constatam que os alunos

têm dificuldades para interpretar, o que

querem dizer? Sob a idéia de interpreta-

ção, os professores indicam que os alunos

precisam “saber ler e escrever muito bem”,

pois textos, imagens e mensagens são o

objeto de trabalho mais freqüente nas au-

las dessas áreas/disciplinas. Muito pouco

a escola avançará na resolução das dificul-

dades de interpretação dos estudantes se

seus professores apenas insistirem em se

queixar com freqüência ao professor de

Português, dizendo que seus alunos não

sabem ler e escrever corretamente. Há

aprendizagens de leitura e escrita que com-

petem a todos os professores.

Como dizia Paulo Freire (2001), a lei-

tura da palavra se abre como possibili-

dade de leitura do mundo, espécie de

“palavramundo”. Como vivemos numa

civilização logocêntrica, isto é, que se vale

da razão para explicar os acontecimen-

tos, então a leitura é também condição

para compreender o modo de funciona-

mento do domínio da palavra escrita,

acesso que implica a possibilidade de

exercício da cidadania, de humanidade

plena, de democracia.

Lembremos com Foucambert (1994)

que a leitura/escrita é instrumento que

torna possível operações intelectuais

particulares, ou seja, um modo de pen-

samento voltado para a teoria e para a

abstração e não apenas preso ao con-

creto e ao imediato.

18BOLETIM � PGM 2 - HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

Ler e escrever em História

Os professores de História têm uma

tarefa decisiva na aprendizagem da lei-

tura e da escrita: ler e escrever o mun-

do, no mundo, no tempo em que vive-

mos, no tempo que já passou. Além dis-

so, o que torna esta tarefa mais comple-

xa, o professor deve ensinar com vistas à

construção de um tipo particular de co-

nhecimento: o conhecimento social.

A História é uma determinada leitura

da ação humana no tempo, a partir do uso

de instrumentos, procedimentos, informa-

ções, fontes que orientam e validam a pro-

dução do conhecimento histórico. Cartas,

documentos oficiais, jornais, mapas, diá-

rios, leis, processos judiciais, livros são

registros do social, que se constituem no

tempo e possuem uma história.

O modo como a História ensinou a

ler/escrever é, por si só, um documento

importante da História. Já houve tempo

em que se aprendia História pela trans-

missão oral, pelo diálogo entre as gera-

ções, em que a narrativa era muito valo-

rizada, ou ainda a História era ensinada

através das comemorações cívicas e do

culto aos personagens heróicos. Na es-

cola, a História era vista como a recons-

tituição da verdade do que aconteceu no

passado, e deveria ser aprendida identi-

camente por todos os estudantes. A ver-

dade do passado era encontrada nos es-

critos dos historiadores que estavam nos

manuais de História. Os alunos podiam

ter acesso às narrativas dos historiado-

res de duas formas: a) pela exposição oral

do professor de História, que aprendia

essa verdade do passado nos livros e re-

latava em aula o que realmente tinha

acontecido; b) os alunos tinham de ler

nos manuais de História a narrativa dos

historiadores. A leitura do texto históri-

co, assim como a escrita que reprodu-

zisse fielmente tal texto, era o que valia.

De outra parte e por conseqüência, o

exercício escolar se assentava nas técni-

cas de memorização: de fatos, de datas,

de personagens, de seqüências cronoló-

gicas. E a melhor atividade? Era o ques-

tionário, que é uma espécie de exercício

de leitura e escrita, mesmo que se cons-

titua em uma escrita-cópia idêntica ao

manual escolar.

Mas as técnicas de memorização na

escola se aprimoraram e foram substi-

tuídas por proposições do método intui-

tivo. Para aprender, não bastava memo-

rizar, apenas pela declamação literal do

lido, mas era também necessário esta-

belecer um certo número de associações:

de um texto com um mapa, do conteúdo

com uma gravura/paisagem, de um per-

sonagem com sua figura emblemática,

como é o caso da figura de Tiradentes.

As imagens passaram a ser recursos para

motivar e ilustrar os conteúdos ou para

concretizar as noções abstratas, facilitan-

do as aprendizagens.

Atualmente, já podemos optar por

um outro paradigma de conhecimento

histórico-social, pois sabemos que pro-

duzir conhecimento histórico é produ-

zir, a partir de problematizações do pre-

19BOLETIM � PGM 2 - HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

sente e das pistas que nos restam do

passado, leituras e escritas possíveis des-

se passado. Em vista disso, há espaço

para que os alunos produzam narrativas

a partir da leitura de pistas/documen-

tos, registrando por escrito argumentos

que fundamentem suas interpretações

do passado, isto é, produzam um discur-

so histórico.

Para desempenharmos com sucesso

nossa tarefa docente, é preciso oportuni-

zar a leitura de documentação variada e

da iconografia, pois elas permitem a cons-

trução do conhecimento social e propici-

am a possibilidade de estabelecer rela-

ções entre textos de diferentes lingua-

gens: um documento escrito com uma

imagem, por exemplo, uma pintura so-

bre a Inquisição e um fragmento de um

processo inquisitorial da Santa Sé; uma

imagem com um texto sonoro ou uma foto

de indígenas no início do século em ritu-

al religioso e a audição de um mantra de

ritual de xamanismo indígena.

Para isso, é preciso aprender a ler, a

compreender e a escrever de diferentes

tipos de textos e linguagens, buscando

reconhecer suas características no tem-

po em que foram produzidas, tornando-

as o centro das aulas de História. Pela

compreensão, se estabelece o diálogo

com o outro que está distante no tempo

e que não será entendido se nos servir-

mos apenas das lentes do presente. Ler

seus vestígios, inserir sua linguagem,

usos e costumes em seu próprio tempo

é deixar que ele se nos apresente, é

aprender sobre nossas diferenças, o que

é também nos conhecermos melhor.

Podemos, assim, exercitar a leitura

e a escrita interrogando e registrando, a

partir de diferentes documentos: Onde

surge o documento? Quem é seu autor?

Em que condições foi produzido? Para

quem? Enfim, qual a visão de mundo que

registra e quer transmitir ao leitor? Qual

a linguagem que utiliza? Por que algu-

mas expressões não são mais usadas,

mas foram tão significativas num outro

tempo?

Tanto a leitura quanto a crítica, ou

ainda a decifração de documentos e ima-

gens em História, supõem a aquisição

de um vocabulário histórico específico

que o professor utiliza para ensinar con-

ceitos, que são as ferramentas de que

dispomos para compreender.

Quanto à leitura, é preciso destacar

que, nas aulas de História, além dos

momentos para leitura individual e si-

lenciosa de textos ou documentos, é im-

portante praticar a leitura em voz alta,

especialmente simulando/encenando

cenas históricas. Além disso, muito se

pode aprender a partir da leitura das

ilustrações de livros de diferentes épo-

cas, o que transforma o livro em docu-

mento de época.

É possível ler, nos livros didáticos

antigos, retratos e textos, investigar os

laços entre cultura e poder, entre ima-

gem e poder, registrando as investiga-

ções em novos textos escritos com as lei-

turas possíveis.

20BOLETIM � PGM 2 - HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

Aprender a escrita de um texto his-

tórico implica, retomando o que foi dito,

explicitar e utilizar conceitos específicos,

exercitar um estilo narrativo, comparar

diferentes tempos (hoje/ontem), argu-

mentar, analisar e posicionar-se, descre-

ver cenários histórico-sociais, elaborar

textos biográficos, organizar linhas de

tempo comentadas.

Lembremos sempre que a história e

sua aprendizagem oportunizam uma

cultura de participação, pois interagimos

com a História como sujeitos de um tem-

po, de uma sociedade, de uma política.

Em conseqüência, no ensino de Histó-

ria, os conteúdos abordados são insepa-

ráveis do modo de ensinar. O professor

de História ensina também uma atitude

perante o mundo, o que supõe que pode

também ensinar o rigor crítico, o gosto

pela leitura, a emoção da narrativa e a

descoberta respeitosa do outro do pas-

sado, como modo de nos conhecermos e

respeitarmos nossas diferenças e seme-

lhanças.

O fascínio pela leitura de biografias

pode suscitar o desejo da escrita autobio-

gráfica, a leitura crítica de discursos po-

líticos pode motivar a escrita de

contrapontos e réplicas, sugerindo as

outras possibilidades de um processo

histórico que transcorreu; a leitura de

uma narrativa pode inspirar o registro

escrito de uma vivência significativa, para

que ela não se perca no tempo. Desse

modo, saímos da condição de especta-

dores estáticos e assumimos, estudan-

tes e professores, a escrita da História,

em seu mais pleno sentido de autoria e

protagonismo.

Ler e escrever em Língua Estrangeira

Algumas questões sobre a leitura e

a escrita em Língua Estrangeira na cul-

tura da escola, especialmente quando

buscamos contemplar as diferentes ne-

cessidades/expectativas dos alunos, são

ainda bastante recorrentes entre os edu-

cadores de línguas, ou seja: Que tipo de

pessoa queremos formar? Somente lei-

tores e escritores ou leitores-autores e es-

critores-autores em uma segunda língua?

Ou ainda, parafraseando Moita Lopes

(1995), buscamos transformar o aluno

em sujeito de um discurso em Língua

Estrangeira, engajado no mundo social

em sua volta? Por fim, o papel da Língua

Estrangeira é viabilizar que o aluno faça

um melhor sentido do seu dia-a-dia na

sua cultura de origem – como uma efi-

caz ferramenta/instrumento sociocultu-

ral – ou é também, propiciar que desen-

volva uma percepção positiva da cultura

do outro? Estas questões dizem respeito

ao compromisso social da escola, que é

ensinar a ler e a escrever enquanto pro-

cessos de construção de significados, de

despertar vozes através de uma segun-

da língua, da cultura do outro.

O diálogo entre o eu e o outro come-

ça a se estabelecer a partir da experiên-

cia intercultural, quando os educadores

de línguas possibilitam que seus alunos

transitem entre duas ou mais culturas

21BOLETIM � PGM 2 - HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

distintas, buscando melhor entender

suas próprias raízes culturais. Ao mes-

mo tempo, reforçam sua auto-imagem e

superam a “invisibilidade” ao serem es-

timulados na sua habilidade de

alternância de códigos culturais (cultu-

ral code switch) sem que venham a per-

der ou afetar sua própria identidade, os

seus próprios referenciais culturais

(Irvine, 1998). Conhecer outra cultura

contribui para um melhor entendimen-

to da própria cultura. À medida que ob-

servamos o papel que uma cultura es-

trangeira desempenha na formação de

ações, crenças e opiniões, melhor enten-

demos como nossa própria cultura in-

fluencia nossas atitudes e valores. Apre-

ciar a diversidade cultural nos auxilia a

superar crenças, pré-julgamentos e es-

tereótipos que, com freqüência, influen-

ciam nossa percepção como membros de

outras culturas. Relacionamentos pes-

soais, interação verbal, comunicação não-

verbal, valores da família, valores do tra-

balho, etiqueta social, percepção do tem-

po, atividades de lazer e pontos de vista

de ética e estética, todos oferecem opor-

tunidades desafiadoras de descoberta

A leitura em uma segunda língua/

língua estrangeira não deve ser entendi-

da como uma atividade passiva de

decodificação de vocabulário ou de idéias

específicas (o mito do “só entendo o tex-

to se posso traduzi-lo palavra por pala-

vra e se me torno bilíngüe na cultura-

alvo”), mas como um processo dinâmico

de desenvolvimento e implementação de

estratégias como: inferência, autopredi-

ção, autoquestionamento, nas quais cada

leitor irá imprimir um significado ao tex-

to, baseado nas suas expectativas e

vivências e no seu conhecimento prévio

sobre o assunto. O que se busca é um

leitor intercultural, crítico e imaginati-

vo. Para Grigoletto (1992, p.42) uma lei-

tura mais eficiente em Língua Estran-

geira deve incluir discussões sobre pos-

síveis sentidos do que se lê mais as ten-

tativas de persuasão do autor. O diálogo

do leitor com o autor, prossegue a auto-

ra, se estabelece a partir de elementos

que introduzem a opinião do autor, as

... razões que levaram o autor a dizer o

que disse do modo como disse. Para

Orlandi (Orlandi, 1988, citada por

Grigoletto, 1992), o autor, inserido num

contexto sociocultural específico, num

momento histórico determinado, tem

como objetivo comunicar algo a um lei-

tor. Daí a inclusão de perguntas do tipo:

“Quem está falando? Por quê? Que tipo

de canal está utilizando? Em que mo-

mento histórico? A partir de qual ideo-

logia?” É a incorporação da visão

discursiva da leitura, onde cada leitura

é única e o sentido é criado a cada leitu-

ra. É a voz da autoria dos alunos, leito-

res-autores em Língua Estrangeira, que

se expressa na construção de sentidos a

partir de um determinado momento po-

lítico, histórico e social.

Sylwester (1995, p.105) afirma que

... ser humano é ser contador de histó-

rias... e que, do ponto de vista neuronal,

22BOLETIM � PGM 2 - HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

faz parte da natureza biológica e ambien-

tal do cérebro humano o contar histórias.

Perguntar a uma criança qual é a idéia

central do texto/história (o que se de-

nomina de gist da história) é uma for-

ma de começamos a incorporar o esque-

ma narrativo (narrative [story] schema) às

nossas estruturas cognitivas desde os

nossos primeiros contatos com as estóri-

as da nossa infância (Dias,1996). Por

conseguinte, saber ler (em uma concep-

ção ampla de leitura, que vai desde o

não-verbal até a palavra escrita em uma

segunda língua) e saber escrever são fer-

ramentas socioculturais fundamentais

que possibilitam ao aluno ser um conta-

dor de estórias, principalmente quando

transita entre duas culturas. Por isso, é

importante incorporar o componente

emocional ao processo de compreensão

de leitura, bem como o componente de

leitura crítica, a fim de que nossos alu-

nos se tornem agentes do processo de

ler e de construir sentidos e sejam esti-

mulados a desenvolverem um projeto

próprio de leitura.

Da mesma forma que a leitura, a es-

crita em Língua Estrangeira deve ser en-

tendida de forma processual, possibilitan-

do ao aluno a expressão de sua individu-

alidade, o desenvolvimento do seu estilo,

através de diferentes tipos de discursos

escritos. A questão afetiva se traduz pela

necessidade que o aluno tem de se fazer

entender claramente pelo leitor, numa

língua-alvo que não é a sua, vinculada ao

desejo de sair-se bem na aprendizagem

desse novo idioma. Por outro lado, a ques-

tão comunicativa em textos escritos, por

exemplo, remete a atitudes de intencio-

nalidade que devem ser trabalhadas com

o aluno, como é o caso da persuasão.

Citelli (1988) sugere que, em estágios

mais elementares, seja trabalhada a pro-

dução de textos em que a persuasão é

bastante óbvia, como é o caso da propa-

ganda ou da opinião sobre algo. Em um

estágio intermediário, seria interessante

insistir na produção de textos neutros,

ou descritivos (textos para jornais, textos

de instruções), para, se possível, chegar-

se a um estágio avançado no qual predo-

mine uma aparente ausência do sujeito

produtor do discurso.

O desafio está em propor um con-

texto real para que os alunos escrevam

sobre a sua rotina diária, ao invés da es-

crita como reforço de estruturas grama-

ticais. Despertar a motivação, o gosto pela

auto-expressão escrita, na comunicação

ou no diálogo que se estabelece com o

outro – o leitor do texto escrito – signifi-

ca conscientizar o aluno de que uma boa

escrita sempre necessitará de prepara-

ção/planejamento e feedback (esse úl-

timo será do professor ou de outro alu-

no como leitor crítico). Por parte dos pro-

fessores leitores de textos, o desafio é

superar a tentação de marcar erros an-

tes de terem lido o trabalho para enten-

der a mensagem nele contida.

A construção da voz na leitura e na

escrita em Língua Estrangeira está rela-

cionada aos aspectos processuais, discur-

23BOLETIM � PGM 2 - HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

sivos e holísticos que estas duas habili-

dades abarcam. Através do ler e do es-

crever, espera-se que o aluno contem-

ple suas necessidades cognitivas, comu-

nicativas e afetivas como ser sócio-histó-

rico e intercultural. Múltiplas vozes e

múltiplas leituras farão parte de seu

trânsito em diferentes culturas. É neces-

sário, porém, que se invista na visão de

que aprender uma outra língua é privi-

legiar os verdadeiros momentos de de-

senvolvimento de estratégias, de cons-

trução e desconstrução de sentidos no

diálogo entre leitor nativo e escritor es-

trangeiro.

Ler e escrever em Literatura

As escolas brasileiras têm buscado

renovar suas práticas, incorporando ao

seu fazer conteúdos e estratégias de

aprendizagem que capacitem os estu-

dantes à vida em sociedade, à valoriza-

ção da experiência subjetiva e à ativida-

de produtiva. Atuam para viabilizar a re-

alização de quatro premissas básicas,

apontadas pela UNESCO como eixos es-

truturais da educação na sociedade con-

temporânea: aprender a ser, aprender a

fazer, aprender a conhecer e aprender a

aprender.

Estes eixos requerem também dos

professores uma mudança de paradig-

mas pois, como adultos de referência

para os estudantes, precisam antes se

comprometer com tais premissas, assu-

mindo o fazer docente como uma tarefa

política e coerente, de compromisso com

a qualidade da vida na escola e em seu

entorno.

Nesse contexto, é importante abrir

perspectivas para que o ler e o escrever

favoreçam a promoção do saber, preser-

vem a identidade sócio-histórica dos

educandos e de sua comunidade e pro-

movam a inter-relação entre todos os

sujeitos envolvidos no processo

educativo. A Literatura, por não se cons-

tituir em uma disciplina na maior parte

das escolas de Ensino Básico, guarda em

si a possibilidade de atravessar todas as

demais áreas como documento que ex-

pressa, social e culturalmente, a organi-

zação do ser humano e de suas experi-

ências.

O objeto de estudo da Literatura é

um universo rico de significados – as

obras literárias de todas as épocas e na-

cionalidades, patrimônio cultural da

humanidade. Por isso, ao ler Literatura

e escrever a partir dela, o estudante a-

prende a ler e escrever a existência hu-

mana, atribuindo-lhe sentido, indepen-

dentemente de seu conteúdo e forma in-

dividual. Ela manifesta, através de cada

escritor, em cada obra ou em cada ato

de leitura, múltiplas significações e di-

versas ordens de significados mas, aci-

ma de tudo, possui uma supersignifica-

ção. Tal fenômeno possibilita que seja

vista como algo que acontece, que é fato,

não é estático, está em permanente pro-

cesso.

A comunicação artística supõe três

elementos fundamentais: autor, obra e

24BOLETIM � PGM 2 - HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

público, indissoluvelmente ligados em

seus papéis sociais, como nos ensina

Antonio Candido (1976). A atividade do

artista estimula a diferenciação de gru-

pos; a criação de obras modifica os re-

cursos de comunicação expressiva; as

obras delimitam e organizam o público.

Há um jogo permanente de relação en-

tre os três: o público dá sentido e reali-

dade à obra, é o espelho onde o autor

verifica a sua imagem refletida, atuando

então como um elo entre autor e obra.

Se considerarmos a formação de um

público leitor de Literatura, a escola sur-

ge, entre outras instituições, como ele-

mento vital para a sua qualificação: é de

sua competência ensinar a ler Literatu-

ra, atribuindo ao texto significados rela-

cionados à sua capacidade de proble-

matizar, contextualizar, refletir enfim

sobre as questões tematizadas pela obra.

Nesse contexto, é possível deduzir que

a mediação do professor é fundamental,

pois dele poderá depender a interação do

estudante com a obra, condição de de-

senvolvimento da comunicação.

Ler e produzir textos a partir da Li-

teratura é, de acordo com Eglê Franchi

(1987) um trabalho de construção de sig-

nificado e atribuição de sentidos, medi-

ante a utilização de elementos lingüísti-

cos, mas também de reconhecimento de

atividades culturais que englobam, en-

tre outros pontos, a perspectiva de onde

se enuncia e a intencionalidade das for-

mas escolhidas.

A Literatura veicula uma concepção

de linguagem que vincula texto e contex-

to. Por isso ela é forma viva de

contextualização de conhecimentos, e

pode ser, caso esteja fora do universo de

experiência do leitor, uma forma de afas-

tamento radical do que precisa ser com-

preendido, pois ele não partilhará do sen-

tido do texto. Diferentemente de um tex-

to informativo ou científico, a opacidade

da linguagem e sua multissignificação, ca-

racterísticas da leitura literária, propõem

uma relação dinâmica com o leitor, cons-

tituem seus interlocutores a cada texto,

podendo haver ou não negociação dos

sentidos, o que possibilita que se amplie

o espaço de abordagem/aprendizagem da

Literatura para as demais disciplinas,

além das aulas de Português.

Em decorrência, a leitura literária é

também uma forma eficiente de vincular

o ensino e a realidade, e a escola que a

valoriza forma alunos aptos a pensar, en-

tender o mundo ao seu redor, aplicando

conhecimentos adquiridos na escola.

Entre outros aspectos, a leitura lite-

rária colabora para o desenvolvimento de

uma cultura do pensar, prepara os alu-

nos para a resolução de problemas, para

a tomada de decisões e os predispõe a

manterem-se motivados para um apren-

dizado contínuo.

Uma obra literária pode apresentar

recuos no tempo, uma cronologia psico-

lógica, ser construída num terreno me-

tafórico, o que poderá levar a incompre-

ensões e demandará a presença de me-

diador. Em muitos contextos, a Arte, a

25BOLETIM � PGM 2 - HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

História e as demais áreas disciplinares

são aliadas para dar condições ao aluno

de se tornar um intérprete da obra lida,

de atualizar o contexto e apresentar as

relações de intertexto, possibilitando

uma leitura compreensiva e de atribui-

ção de sentidos.

Ler é um dos processos mais ricos

que temos para desenvolver a percepção

da vida e o reconhecimento do outro.

Através da leitura literária, adquirimos

conhecimento e saberes objetivos mas,

principalmente, ocupamos nossa capa-

cidade de pensar e sentir. Por esse mo-

tivo, a leitura literária tem a potenciali-

dade de, sozinha ou agregada às demais

áreas de conhecimento, mobilizar o es-

tudante a ampliar o seu horizonte de ex-

pectativas, conforme Iser (1996) prepa-

rando-o para ser um sujeito autônomo,

fazer de seu entorno social um espaço

de convivência respeitosa e solidária, co-

nhecer sua história, suas origens e sua

cultura e aprender a valorizar as mani-

festações simbólicas do ser humano, seu

mundo imaginário e as formas de

interlocução que ele pratica.

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terária. São Paulo: Nacional, 1976.

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26BOLETIM

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

PGM 3 - EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA

LER E ESCREVER EM EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA

EQUIPE DO NÚCLEO DE INTEGRAÇÃO UNIVERSIDADE ESCOLA, DAPRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO DA UFRGS - NIUE/UFRGS

Para um olhar desavisado, estas áre-

as disciplinares não parecem ter muito

em comum para discutir a respeito da lei-

tura e da escrita, a não ser no interior de

sua própria área de conhecimento, fican-

do cada uma delas envolvida especifica-

mente com seu universo conceitual. En-

tretanto, uma análise mais atenta evi-

dencia as relações que elas constroem

com diferentes textos, diferentes códigos,

na medida em que a leitura e a escrita

apresentam-se sob múltiplas formas. A

observação de atividades pedagógicas de-

senvolvidas nestas áreas indica, ainda, as

conexões que podem estabelecer entre si

e com outras áreas do currículo escolar

através da produção de conhecimento.

Isto é possível quando o professor é ca-

paz de mediar situações novas de apren-

dizagem, isto é, situações que fujam das

práticas tradicionais e compartimentadas

de ação na escola.

Quem está fora da escola vê, em ge-

ral, estas três áreas como tendo fazeres

pedagógicos muito afastados, reconhe-

cendo meramente que uma área traba-

lha com o corpo, outra com a mente e a

terceira com as notas que elevam o espí-

rito. É uma forma muito simplista e

generalizadora de conceber o trabalho

que nelas se realiza. Talvez esta errônea

compreensão, freqüente mesmo entre

colegas, decorra do escasso diálogo en-

tre as áreas do currículo, o que ainda é

tão comum na prática escolar, em que

pesem os esforços de transformação que

partem de diferentes lugares: dos cen-

tros de pesquisa, dos órgãos de governo

ou, especialmente, do desejo das pró-

prias comunidades escolares em rever e

transformar seu trabalho.

É uma forma de pensar que também

está atrelada a uma concepção de currí-

culo marcada pela indesejada hierarquia

entre as áreas, pela idéia de “matérias”

mais importantes, capazes de orientar

ou mesmo liderar a trajetória de ensino

ao qual o aluno se submete. Não se vê,

27BOLETIM � PGM 3 - EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

assim, o processo de construção do co-

nhecimento como decorrente do conjun-

to das ações e oportunidades de apren-

der promovidas na escola, no qual todos

se envolvem e participam.

Este entendimento que reparte o

aluno em corpo (Educação Física), men-

te (Matemática) e espírito (Arte/Música),

entregando cada pedaço a um professor

para que, num passe de mágica, ao tér-

mino de um período letivo, ele se recom-

ponha e se apresente como um todo do-

tado dos conhecimentos estabelecidos

segundo objetivos de um utópico plano

pedagógico, tem a ver ainda com a for-

ma como o professor compreende seu

papel na escola e como articula sua pro-

posta de trabalho ao projeto da escola.

Quando tantos que estão fora da es-

cola percebem estas três áreas como pou-

co comprometidas com a leitura e com a

escrita – e de resto, também o trabalho

das demais – razão deve existir para que

isto ocorra. Muito provavelmente nestas

salas de aula encontraremos professores

que vêem seus alunos como aprendizes

de ginastas, de matemáticos ou de can-

tores, preocupados em performances es-

peciais e desconsiderando suas particu-

laridades e expectativas. Via de regra, são

também professores que pouco promo-

vem a leitura e a escrita em suas áreas,

que as vêem como compromisso do pro-

fessor de Português e que, trabalhando

com seus próprios códigos de leitura e

de escrita, com seus textos específicos,

não os estão compreendendo como tex-

tos. Relegam, assim, a possibilidade de,

através da exploração de seus próprios

materiais – de suas linguagens particu-

lares -, ampliar e aprofundar os conteú-

dos selecionados e sistematizados na

escola, bem como aqueles que, autono-

mamente, o aluno irá construindo fora

da escola.

Compreender que a leitura e a escri-

ta são tarefas comuns a todas as áreas,

portanto tarefa a ser realizada nas aulas

de Educação Física, Matemática e Músi-

ca, é o passo inicial para que o pleno

domínio da leitura e da escrita, como

meios para o desenvolvimento da capa-

cidade de aprender se concretize, con-

forme objetivo explícito no artigo 32 da

Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional. No entanto, não basta esta

compreensão. É importante e necessá-

rio que o professor, para trabalhar com

a leitura e a escrita, conheça minima-

mente as suas leituras e as suas escri-

tas, isto é, o que é particular como lin-

guagem na sua área, e, sobretudo, que

se assuma como alguém que lê e que

escreve em Educação Física, em Mate-

mática e em Música.

Com estas preocupações, tentamos

apontar sucintamente algumas especifici-

dades da leitura e da escrita destas áreas,

de forma que cada leitor dê significado

ao texto a partir de suas experiências

como professor.

Ler e escrever em Educação Física

Cada um de nós aprende primeira-

28BOLETIM � PGM 3 - EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

mente a se movimentar, a situar-se no

ambiente e a explorá-lo. Esta explora-

ção se inscreve num processo de leitura

do mundo, isto é, de reconhecimento e

identificação com o entorno imediato.

Em seguida, tomamos consciência de um

corpo que existe – o nosso –, que se ex-

pressa (escreve) pelos gestos e pela

oralidade, que tem limites e potencia-

lidades.

Cabe assinalar que a fala (bem como

a escrita) não é fruto de um mero acúmu-

lo de informações que, como produtos

armazenados, retornem ao meio através

de sons reconhecíveis. O que nos dife-

rencia de grande parte dos restantes dos

seres vivos é a capacidade de processa-

mento transformacional das informa-

ções (Pinker:1997).

Quando se aprende a falar, não se

aprende a linguagem através da

memorização de frases padronizadas,

mas pela compreensão das regras para

a criação de uma declaração com signifi-

cado. Toda vez que se fala, literalmente

cria-se significados. Ao poder comunicar

e partilhar suas experiências com outro,

podemos tomar um distanciamento des-

ta realidade para melhor observá-la,

compreendê-la e enriquecer-se com a

diferença perceptiva do outro. No mo-

mento em que, através da fala, o ser hu-

mano estabeleceu um processo comu-

nicativo, ele começou a reconhecer dife-

renças entre ele mesmo e o outro. Estas

representam um salto qualitativo em sua

leitura de mundo e de si próprio. Quan-

do os professores percebem as relações

possíveis e necessárias com a leitura e a

escrita conseguem avançar na reorga-

nização da área e da escola.

Na Educação Física, é comum que o

professor oriente seu trabalho conside-

rando o aluno como máquina, capaz de

rendimentos cada vez mais altos. O alu-

no responde e até produz alguns resul-

tados esperados, mas ele é muito mais

do que isto. Se o professor de Educação

Física trabalhar apenas com o compo-

nente de saúde do corpo e desconsiderar

os aspectos cognitivos e subjetivos na

construção do movimento – a principal

linguagem em nossa área –, estará

desconsiderando a capacidade de

aprender de seus alunos e construir abs-

trações. E, afinal, se a leitura e a escrita

também fazem parte de um processo de

comunicação que acontece entre sujei-

tos que interagem mediante a inter-re-

lação de seus corpos, a Educação Física

tem muito a ver com tudo isto. Nenhu-

ma mensagem de um indivíduo chega a

outro senão através da concretização me-

diada pelo seu corpo (Humphrey:1995).

Tome-se, por exemplo, o fato de que,

hoje, qualquer indivíduo pode enviar

mensagens para qualquer parte do mun-

do, utilizando-se de um computador.

Entretanto, para que a idéia seja re-

passada, ela precisa ser mediada pelo cor-

po, seja através dos dedos que tocam o

teclado, seja através da voz. Como no pas-

sado, e mesmo que atualmente possamos

dispor de recursos muito variados de co-

29BOLETIM � PGM 3 - EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

municação, é clara a importância do cor-

po e de seus movimentos para que a co-

municação se estabeleça. A escrita per-

mite multiplicar as experiências que se

deseja ver vivenciadas por outros.

À medida que o professor consegue

resgatar a expressão dos alunos sobre

sua relação com o corpo e o corpo em

movimento, incentivando-os a ler sobre

este tema, a (re)-escrever os movimen-

tos, experimentando novas possibilida-

des de agir, ele estará incluindo sua área

no contexto de um currículo que pensa

o aluno em sua totalidade. Se na aula

de Educação Física o aluno é estimula-

do a produzir textos sobre as suas expe-

riências nesta área, a realizar saídas de

campo para observar diferentes situações

de movimento, a analisar a importância

da rotina do exercício físico, a redigir re-

latórios, a criar murais, painéis, a pro-

duzir filmes, a fazer estatísticas sobre o

próprio grupo, a construir tabelas e grá-

ficos, dando espaço e significado a con-

teúdos e linguagens de outras áreas, se-

guramente os conteúdos da área esta-

rão sendo trabalhados através de estra-

tégias mais significativas e que consoli-

darão aprendizagens mais duradouras.

Dessas aulas, não restará a memó-

ria exclusiva de movimento desconectado

da realidade, de um professor que en-

trega uma bola ao aluno e que toma para

si um apito com o qual controla o grupo.

Ler e escrever em Matemática

Se a aula de Educação Física não

perturba rotineiramente o aluno, não

gera lembranças angustiantes, a sim-

ples palavra “matemática” é capaz de

desencadear em nós sentimentos con-

traditórios, desde o horror até o entusi-

asmo. Assim, ao resgatar as crenças e as

concepções em torno da Matemática que

está presente em todos nós, resultará a

visão de uma linguagem simbólica, ex-

pressa com notações formais, definida de

forma abstrata e de difícil compreensão.

A Matemática, associada à idéia de

ciência, tem sido entendida como uma en-

tidade que habita uma esfera superior. Em

decorrência, poucos podem compreendê-

la, seja por sua complexidade, pelo rigor

lógico associado e por sua linguagem

quase hermética, apesar de ela estar pre-

sente em nossas ações cotidianas. Esta

visão distorcida é reforçada pelo modo

como a Matemática vem sendo trabalha-

da nas escolas.

De uma forma geral, ela é ensinada

sem a preocupação de estabelecer vín-

culos com a realidade e o cotidiano do

aluno. Como enfatiza D’Ambrosio (1993),

não encontraremos, no cotidiano dos

povos e de suas culturas, atividades que

não envolvam alguma forma de Matemá-

tica, embora o autor não esteja falando

necessariamente daquela Matemática

que está nos currículos escolares. Para

que possamos manifestar nossas idéias

ou constituir mentalmente aspectos e fe-

nômenos da nossa realidade, para de-

pois então abstraí-los e transformá-los

em idéias, é necessário usar um prodi-

30BOLETIM � PGM 3 - EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

gioso artifício: uma variedade de elemen-

tos de comunicação chamados símbolos.

Aprender Matemática é, em grande

parte, aprender e utilizar suas diferen-

tes linguagens – aritmética, geométrica,

algébrica, gráfica, entre outras. Na atu-

alidade, as linguagens matemáticas es-

tão presentes em quase todas as áreas

do conhecimento. Por isso, o fato de

dominá-las passa a se constituir um sa-

ber necessário.

Assim, através da leitura e da escrita,

somos capazes de nos comunicar num pro-

cesso histórico-social e universal, rompen-

do fronteiras geográficas e temporais. Mas

isso não é tudo. Para Danyluk (1991),

ler e escrever não dizem respeito unica-

mente à nossa língua materna. Temos

que compreender todas as formas hu-

manas de interpretar, explicar e anali-

sar o mundo. A Matemática tem sido

uma dessa formas: tem seus códigos e

suas linguagens; tem um sistema de co-

municação e de representação da reali-

dade construído ao longo de sua histó-

ria. Ainda segundo o mesmo autor, é fun-

damental compreender o sentido do fe-

nômeno da alfabetização Matemática. Ser

alfabetizado em Matemática é entender

o que se lê e escreve a respeito das pri-

meiras noções de aritmética, geometria e

lógica, sem perder a dimensão social e

cultural desse processo: a busca do sig-

nificado do ato de ler e de escrever, pre-

sentes na prática cotidiana do ensino e

da aprendizagem da Matemática.

Temos ensinado Matemática de ma-

neira a não privilegiar a linguagem em

suas diferentes expressões – oral, escri-

ta, visual – mas enfatizando fundamen-

talmente os códigos escritos. Esse pro-

cedimento pode ser creditado à metodo-

logia utilizada no ensino, a qual não tem

possibilitado o desenvolvimento da lin-

guagem em todos os seus aspectos, nem

a formação de conceitos, já que utiliza

um vocabulário básico limitado, restritivo

e específico. Esta tem sido, quem sabe,

uma das causas da distância entre a Ma-

temática ensinada na escola e a realida-

de matemática vivenciada pelo nosso alu-

no.

Frente a essa discussão, torna-se ne-

cessário resgatar, na prática pedagógi-

ca, a proposição de tarefas matemáticas

envolvendo as diferentes expressões da

linguagem no desenvolvimento dos con-

ceitos, noções e do próprio pensamento.

Todavia, a linguagem matemática e sua

compreensão sem tropeços somente se-

rão possíveis na medida em que a lín-

gua materna for utilizada de maneira

adequada, já que a informação matemá-

tica, na maioria dos casos, nos chega

mediante a linguagem oral ou gráfica.

Ler e escrever em Música

Se dirigirmos nosso olhar para a área

de Música, podemos ver que as coisas aqui

não são muito diferentes. Quando pensa-

mos no tema “notação musical”, as primei-

ras imagens podem ser aquelas de símbo-

los incompreensíveis, destinados a alguns

poucos iluminados ou talentosos, enfim,

31BOLETIM � PGM 3 - EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

uma coisa de outro mundo, para grandes

artistas. É comum as pessoas dizerem: Eu

sou musical, mas não sei ler música. Existe

uma outra variante dessa idéia que é: Eu

não sei nada de música. Duvidando que

alguém não saiba nada de música, ouve-

se a seguinte resposta: Eu não conheço

aquelas bolinhas. Ou seja, eu não sei ler

música, logo, não sei música. É preciso

desconstruir essa representação de saber

música que, de uma forma negativa, tem

contribuído para que muitos desistam de

aprender música. Assim, a leitura e escri-

ta musical têm sido usadas muito mais

como instrumento de exclusão do que de

acesso a um novo código. Outro ponto que

não devemos nos esquecer: muitas tradi-

ções musicais neste planeta são aprendi-

das e transmitidas oralmente, e isso é vá-

lido também para o nosso país.

Existem diferentes maneiras de

vivenciar a música. Dançar, ouvir, apre-

ciar, recordar, ver imagens, se emocio-

nar ou relembrar fatos são algumas des-

sas formas. A experiência de ouvir mú-

sica é talvez a mais democrática: todos

podemos exercê-la, se não com os ouvi-

dos, pelo menos com o corpo e aqui se

estabelece uma interessante possibilida-

de de trabalhar com a área de Educação

Física. Todos ouvimos música diariamen-

te e de diversos modos, com diferentes

intenções, mesmo que não saibamos ler

e escrever música. Da mesma forma, po-

demos tocar um instrumento ou cantar

sem, necessariamente, utilizarmos a lei-

tura e a escrita. Ou seja, existem outros

procedimentos, não menos complexos,

que levam à aprendizagem musical,

como, por exemplo, em tradições musi-

cais transmitidas oralmente.

Como toda escrita, a notação musi-

cal é um sistema de representação con-

vencional. Embora não seja tão antiga

como a escrita alfabética e a dos algaris-

mos, ela sofre também transformações

ao longo da história. Existem hipóteses

de que alguns dos primeiros traços dei-

xados há, pelo menos, 30 mil anos a.C.

possam se referir a atividades rítmicas

ou melódicas (Sinclair:1990). A história

da grafia musical está, portanto, intima-

mente ligada à dos sistemas de notação.

De maneira semelhante à escrita al-

fabética e numérica, a escrita musical

utiliza símbolos que foram se modifican-

do com o passar do tempo: das repre-

sentações simbólicas, isto é, o uso de

símbolos ou desenhos associados a um

fato do mundo exterior, até a escrita tra-

dicional - que hoje conhecemos, o siste-

ma de cinco linhas denominado de pau-

ta ou pentagrama -, o trajeto foi longo.

Existe muita controvérsia a respeito

do fato de a leitura e a escrita musical

serem temas de estudo na escola de En-

sino Fundamental. A discussão remete

a uma questão anterior sobre os objeti-

vos do ensino de música em escolas não

específicas. Muitos defendem que, para

formar ouvintes críticos e conscientes,

não seria necessária a leitura musical,

ou seja, esta leitura seria destinada ape-

nas àqueles que querem aprender um

32BOLETIM � PGM 3 - EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

instrumento, em ensino individual ou

em pequenos grupos.

Acreditamos ser possível e conveni-

ente trabalhar os fundamentos básicos

da leitura e escrita musical na escola

fundamental. É claro que, para ler e es-

crever música, é necessário um certo

aprendizado. Mas, como afirma Reverdy

(1997, p.45), esta aprendizagem não é

mais penosa do que aquela por que pas-

sam as crianças quando estão aprenden-

do a ler em sua própria língua. Para que

se realize uma aprendizagem efetiva, a

metodologia a ser utilizada deve partir

da experiência musical cotidiana dos alu-

nos e o programa deve se orientar em

duas perguntas básicas:

1. Que música esses sinais gráficos

representam?

2. Como decifrá-los?

Se ouvir música é pressuposto para

ler música, a recíproca, não é verdadei-

ra, uma vez que ler música é um modo

de ouvir música. Por isso, não tem sen-

tido uma leitura musical que seja abs-

traída de seu conteúdo sonoro-musical.

Quem ensina a ler notas musicais com

giz e lápis, sem observar uma seqüência

de procedimentos metodológicos e sem

a experiência sonora, ignora que conhe-

cer apenas as notas não leva a uma edu-

cação musical. A idéia de alfabetização

musical desvinculada da prática tem con-

tribuído para que muitos alunos desis-

tam de aprender música, tanto em esco-

las específicas como em escolas do ensi-

no fundamental, muito embora esses

alunos continuem com a capacidade para

desfrutar da música em geral.

Conclusão

A abordagem dada à leitura e à es-

crita pelas diferentes áreas aqui trata-

das é ilustrativa da importância de ler e

escrever na escola. Através dessa ativi-

dade, estaremos oportunizando aos es-

tudantes condições mais qualificadas de

que eles se assumam como sujeitos do

processo de aprendizagem que fazem do

e sobre o mundo, adquirindo condições

de, autônoma e permanentemente, lo-

calizar novas informações, ampliar suas

formas de interação com seu próprio cor-

po, expressar seus saberes, objetivar

suas intuições, lendo e escrevendo com

autoria para o mundo.

À medida que toda a escola compro-

meter-se efetivamente com essas práticas,

ela constituirá um espaço de mediação de

leituras e escritas significativas, promoto-

ras do crescimento pessoal e social de cada

aluno, pela ampliação e aprofundamento

dos conceitos que possibilitam a inter-

mediação com a realidade.

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34BOLETIM

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

PGM 4 - ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS

LER E ESCREVER A IMAGEM EM ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS

EQUIPE DO NÚCLEO DE INTEGRAÇÃO UNIVERSIDADE ESCOLA, DAPRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO DA UFRGS - NIUE/UFRGS

O domínio de diferentes códigos e

linguagens, que permitam a interação do

estudante com múltiplas paisagens e

grupos sociais, é um diferencial na edu-

cação e na própria constituição da cida-

dania. Neste sentido, a educação con-

temporânea destaca a essencialidade da

leitura e da escrita como capacidades

para interpretar e compreender as di-

versas manifestações socioculturais, no

contexto identitário dos sujeitos.

Esta é uma meta a ser alcançada pe-

las diferentes áreas do conhecimento, atra-

vés da expansão do conceito de leitura e

de escrita, ao transgredir o senso comum

dos conhecimentos escolares. Tal expan-

são deriva da compreensão de que ler e

escrever não se instituem como meros ins-

trumentais de codificação e decodificação

dos signos alfabéticos, mas são inseridos

num universo mais amplo de possibilida-

des onde, como afirma Freire (1993), ...a

leitura do mundo precede a leitura da pa-

lavra, e a leitura desta implica a continui-

dade daquela. Decorre desta compreen-

são a possibilidade de abordar neste texto

o que significa ler e escrever em áreas do

conhecimento que, usualmente, não têm

sequer a leitura e a escrita da língua ma-

terna como sua especificidade: Arte, Ci-

ências e Geografia.

A tradição escolar das Ciências e da

Geografia, por exemplo, vincula-se à des-

crição repetitiva do texto e da imagem;

as aulas de Arte permanecem como “ati-

vidades do fazer gráfico/plástico” de cri-

anças e adolescentes, dominantemente

afastadas da produção da arte no mun-

do, isto é, excluindo os estudantes da

experiência com a arte produzida, “da

leitura do mundo da arte”. Soma-se a

este afastamento, a contínua exclusão

das imagens das mídias presentes na

realidade como repertório a ser conside-

rado, bem como a produção plástica de

grupos sociais territorialmente afastados,

socialmente excluídos ou desconsidera-

dos, minoritários ou dominados.

35BOLETIM � PGM 4- ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

Torna-se urgente pensar sobre o que

é ensinar para alunos que nasceram e

que vivem na “época das incertezas”, num

mundo em constante transformação. É

preciso que nós, professoras e professo-

res de diferentes áreas do currículo esco-

lar, pensemos sobre o que é ler e escre-

ver hoje. De que leitura e que escrita fa-

lamos? Que textos podem ser lidos e/ou

escritos nas diferentes áreas do conheci-

mento? O que entendemos por texto?

Usualmente realizamos a leitura de tex-

tos publicados em revistas e jornais sobre

assuntos variados, que envolvem o ambi-

ente, a saúde, notícias sobre a “descober-

ta” de uma substância nova, por exemplo,

na área das Ciências. Na área da Geografia

são leituras de textos que tratam de ocu-

pações e disputas territoriais, crises eco-

nômicas e culturais, desastres ambientais.

Em relação às aulas de Arte, até muito re-

centemente a leitura restringia-se, quan-

do existia, a aspectos vinculados à história

da arte, uma vez que o domínio desta área

era caracterizado pelas práticas do ateliê.

A leitura dos textos e dos livros didáti-

cos é a fonte para a resolução de um ques-

tionário, para estudar para a prova ou para

a pesquisa e realização de um trabalho

escolar. Tais textos, utilizados como fon-

tes de informação, podem ser pensados a

partir do que Larrosa (1999, p. 177), em

seu livro Pedagogia Profana diz:

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Na leitura da lição não se busca o que o

texto sabe, mas o que o texto pensa. Ou

seja, o que o texto leva a pensar. Por

isso, depois da leitura, o importante não

é que nós saibamos do texto o que nós

pensamos do texto, mas o que – com o

texto, ou contra o texto ou a partir do

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

texto – nós sejamos capazes de pensar.

Os textos, portanto, podem ser utili-

zados para que alunos e alunas e nós

mesmos possamos pensar/falar/escre-

ver sobre o sentido daquilo que produ-

zem. Mas é possível lermos de um outro

jeito? É possível ler o que as imagens

que compõem o livro nos permitem pen-

sar e escrever, considerando a imagem

como um texto indispensável para a lei-

tura nas diferentes áreas, no caso pre-

sente Ciências, Geografia e Arte?

Nos últimos vinte anos, o conceito de

leitura vem sendo crescentemente usado

em Arte, Ciências e Geografia, no sentido

que também imagens e não apenas pala-

vras podem ser lidas e, conseqüentemen-

te, consideradas “um texto”. Não restringir

a leitura à palavra evidencia a expansão do

conceito, das linguagens e das finalidades,

envolvendo todas as leituras e escritas que

um indivíduo faz durante sua vida, tal como

Paulo Freire enfatizou em sua obra.

Ler e escrever em Arte

Desde o final da década de 80, o con-

ceito de leitura vem sendo incorporado

ao ensino da Arte através da dissemina-

ção das idéias de Ana Mae Barbosa, apre-

sentadas sob a denominação de “aborda-

36BOLETIM � PGM 4- ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

gem triangular”. Esta abordagem funda-

menta-se na concepção de que a arte não

é somente expressão, mas é conhecimen-

to e seu ensino, conseqüentemente, exi-

ge mais do que a exclusiva prática de ate-

liê. Exige a articulação de três eixos – a

produção, a leitura e a contextualização

– que correspondem às relações que as

pessoas estabelecem com a arte na reali-

dade: produzir, apreciar e julgar suas

qualidades e entender o lugar que a pro-

dução artística ocupa em diferentes tem-

pos e espaços ao longo da história.

Autores como Robert Ott, Abigail

Hausen, Parsons, Ragans e Saunders1 tra-

taram da leitura de obras de arte, mas o

mais conhecido no Brasil é Edmund

Feldman, que também entende a leitura em

arte como “um processo de compreensão”.

De acordo com Feldman, as crianças

pequenas consideram que as imagens são

para serem olhadas e não podem ser li-

das, ou seja, texto e imagem são diferen-

tes e apenas o primeiro permite o ato da

leitura. Entretanto os artistas, os críticos

de arte e os publicitários, que comparti-

lham o cotidiano com a imagem, reali-

zam constantemente e conscientemente

leituras destes objetos.

A leitura da imagem é uma atividade

simbólica que supõe compreensão, apre-

ensão de informações, seletividade e re-

construção da imagem/objeto, com a

mesma importância da produção artísti-

ca na construção do conhecimento por-

que possibilita interpretar as imagens.

Não significa decifrar, mas decompor-re-

compor para apreender a imagem como

fonte de conhecimento, de informação,

de explicitação de idéias e conceitos.

Quatro estágios ou etapas, não

evolutivos mas simultâneos, são propostos

por Feldman para a leitura da imagem.

O estágio da descrição envolve uma

listagem de tudo o que se vê na obra –

imagem/objeto – por meio de uma ob-

servação atenta e objetiva dos elemen-

tos que a compõem. Inclui a identifica-

ção do trabalho, quem o produziu, local,

época, linguagem e material utilizado,

dimensão. Não inclui expressões de pon-

to de vista: harmonioso, elegante, bem

sucedido, inadequado, sutil...

Tomando por exemplo a conhecida

obra de Portinari, “Os retirantes”, Kerwald

(1998) assim organiza este estágio:

1 Uma bibliografia a respeito destes autores pode ser encontrada nos livros de AnaMae Barbosa presentes na bibliografiadeste texto.

37BOLETIM � PGM 4- ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

“O que você vê nesta imagem? Quan-

tas pessoas? Que outros elementos? Que

cores você vê? Que texturas estão pre-

sentes”?

O estágio da análise busca as rela-

ções criadas entre os elementos formais

e princípios compositivos da imagem,

como elas se relacionam, se influenci-

am, estão dispostas: volume x espaço,

figura x fundo, claro x escuro, as dife-

rentes combinações visuais criadas. Se-

guindo a proposição de Kehrwald (1998),

é possível aguçar o olho do aluno atra-

vés das perguntas: “Você identifica mo-

vimento na obra”? Há uma figura cen-

tral? Há algum elemento de desequilí-

brio? Como é o tratamento da cor em

relação às formas? Tem contraste, volu-

me? Como é o fundo?

O estágio da interpretação busca en-

contrar o significado da imagem pela atri-

buição de sentido ao que foi observado

anteriormente, organizando as observa-

ções de modo significativo ao relacionar

idéias que explicitam sensações e senti-

mentos vividos diante de uma imagem.

Na obra de Portinari, a imaginação

poderia ser “estimulada” por perguntas

como: Que sentimentos “Os retirantes”

motivaram? A realidade expressa na obra

é a mesma de hoje? Que semelhanças e

diferenças são possíveis de identificar no

ontem da obra e no hoje? O que podería-

mos fazer para mudar a situação atual?

A arte pode ajudar?” – propõe a autora.

Para Feldman, este estágio é o mais

difícil, o mais criativo e o mais gratifican-

te, sendo fundamental a tentativa de in-

terpretar, mesmo que provisoriamente,

sem uma completa conexão com os fatos

visuais. Isto poderá ser alterado posteri-

ormente, buscando suporte na experiên-

cia artística, no conhecimento da histó-

ria da arte, nos contextos da produção.

O estágio do julgamento envolve a

decisão acerca da qualidade de uma ima-

gem, uma das questões centrais da crí-

tica de arte e que nem sempre é

consensual entre as autoridades. O jul-

gamento da excelência de um trabalho

requer o conhecimento dos fundamen-

tos que críticos experientes expõem a

respeito de certas obras.

Este estágio, em relação à obra to-

mada como exemplo, poderia ser moti-

vado com um diálogo que considerasse:

“Você acha que a obra é importante? Por

quê? Por que Portinari a pintou? Por que

as pessoas querem ter obras de arte?

Elas são importantes? Que outras obras

ou objetos você conhece que têm algo

semelhante com a obra de Portinari?”

Esta leitura da obra de Portinari per-

mite estabelecer relações com outros tex-

tos de linguagens diferentes, mas que

abordam semelhante temática. As fotogra-

fias de Sebastião Salgado, igualmente co-

nhecidas, são um exemplo desta possibi-

lidade, bem como as músicas antológicas

de Luiz Gonzaga, buscando desmistificar

a “figura indolente do nordestino” diante

da riqueza “doada” pelos sulistas.

Nesse contexto, a leitura é tratada

como um modo de questionamento, de

38BOLETIM � PGM 4- ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

investigação, que estrutura as situações

de sala de aula de maneira a tornar os

estudantes conscientes da natureza dos

problemas apresentados nos trabalhos de

arte, oportunizando-os a pensar sobre

certos conceitos, habilidades, atitudes e

hábitos, e a adquirir informações que fa-

zem a arte significativa na nossa vida.

O ensino da Arte que valoriza e cen-

traliza o ler e escrever em múltiplas lin-

guagens tem apresentado experiências

valiosas que consideram como objeto de

leitura as mais variadas produções cultu-

rais de diversos grupos sociais em dife-

rentes tempos e lugares. A partir da leitu-

ra e conseqüente compreensão ampla des-

tas imagens/objetos, as interpretações

pessoais são “escritas”, isto é, expressas

através da linguagem da poesia, da foto-

grafia, da escultura, da estamparia, da pin-

tura, da papelagem, da música, da dança.

Esta leitura/escrita inclui a compreensão

de aspectos que ultrapassam o conheci-

mento e a produção da Arte, relacionan-

do-a com aspectos da vida que extrapolam

fronteiras disciplinares preestabelecidas.

Ler e escrever em Geografia

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Em todo o momento de atividade mental

acontece em nós um duplo fenômeno de

percepção: ao mesmo tempo que temos

a consciência dum estado de alma, te-

mos diante de nós, impressionando-nos

os sentidos que estão virados para o ex-

terior, uma paisagem qualquer, entenden-

do por paisagem, para a conveniência

de frases, tudo o que forma o mundo

exterior num determinado momento da

nossa percepção.(Fernando Pessoa: O

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

cancioneiro)

A imagem descrita por Pessoa nos

ajudará a pensar o ler e escrever em

Geografia. Desejamos desafiar a prática

da Educação a partir da leitura da ima-

gem - analisar/produzir sentido para a

paisagem2, interagir com textos escritos

em língua materna sobre os temas en-

volvidos (na imagem) e escrever a partir

destas operações.

A questão agrária no Brasil, por exem-

plo, é tema que as aulas de Geografia não

podem esquecer. Infelizmente o assunto é

trabalhado de uma forma “higienizada”, isto

é, “objetivada” por dados “neutros” – mate-

máticos e estatísticos entre outros. Este re-

curso de objetivação também é muito utili-

zado na escola nos conhecimentos de Quí-

mica, Física e Biologia. A Geografia tem,

tradicionalmente, privilegiado, em sala de

aula, entender o mundo como algo sem

paixão. A realidade da população é expres-

sa em números, tabelas e pirâmides. Os

países e suas divisões internas, continen-

tes e blocos regionais são transformados

em dados (pilhas de informações), que dis-

tanciam alunos e alunas do pensar/imagi-

2 Conceito aqui defendido a partir de COSGROVE (1998) no artigo A geografia está em toda parte: cultura e simbolismonas paisagens humanas.

39BOLETIM � PGM 4- ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

nar pessoas diferentes vivendo nestes es-

paços. Rir, sofrer, amar, interpretar, julgar

e sonhar não são ações incluídas no estu-

do dos grupos sociais e seus espaços geo-

gráficos, abordados na sala de aula.

No entanto, o poeta Fernando Pes-

soa nos lembra que o espaço do mundo

convive com “um estado de alma”. Ser

negro e pobre no Brasil é olhar o mun-

do e viver em parte dele da mesma for-

ma que um branco de classe média?

Quantas perguntas como essas podemos

fazer quanto ao imenso universo que te-

mos na sala de aula, formado por meni-

nos/as; católicos/as carismáticos/as,

umbandistas, crentes, cardecistas, tra-

balhadores/as rurais, operários/as,

biscateiros/as, punk’s, hip-hops, serta-

nejos, enfim, muitos adjetivos, muitas

formas de ser nos espaços, de fazer es-

paços e de olhar espaços? Os “adjetivos”

são explicados por valores de ser no(s)

mundo(s), o “estado de alma”, nas pala-

vras do poeta. Nesse sentido, a expres-

são do poeta poderia ser interpretada

pela prática pedagógica como formas (va-

lores/subjetividades) de viver/ver e/ou

(re)construir o(s) espaço(s)3.

Assim, falar da Europa pode significar

muitas Europas, considerando quem está

em sala de aula e quais subjetividades es-

tão presentes nestes estudantes, vistos

como pessoas que vivem esses valores. Por

que sempre o país da Copa do Mundo do

momento tem significado especial para

alunos e alunas que acompanham a com-

petição? A prática tão usual de tematizar

as áreas do conhecimento no mês da Copa

a partir do próprio evento e do país onde

ele ocorre, é indicativa da necessidade de

os professores de Geografia levarem em

consideração os valores/subjetividades

(“estado de alma”) dos alunos em suas prá-

ticas pedagógicas cotidianas.

Entre as propostas pedagógicas em

debate atualmente, que problematizam

“tradições” escolares como a do exemplo

acima, cabe ressaltar a posição de alguns

educadores que defendem a atuação do

professor como intelectual. Essa atuação

pode ser exemplificada em atividades de

aula envolvendo a leitura de paisagens

em imagens de jornal. O/a professor/a

poderá explorar com os estudantes os

diferentes elementos que constituem

uma imagem, as relações entre os ato-

res sociais com o lugar ou a cena da ima-

gem, mostrando que, muitas vezes, os

atores fazem parte da paisagem, exami-

nar a postura e seus corpos, o significa-

do e seus gestos e o que representam.

Trata-se de aproximar a geografia esco-

lar ao exercício de entender as paisagens

como possuidoras de significados sim-

bólicos, como resultantes de apropria-

ções, criações e transformações. Nas pa-

3 Banidas da geografia estão as paixões inconvenientes, às vezes assustadoramente poderosas da ação humana, entreelas as morais, patrióticas, religiosas, sexuais e políticas.� (COSGROVE, 1998)

40BOLETIM � PGM 4- ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

lavras de Cosgrove (1998) as paisagens

aguardam decodificações. Imagens são

“instrumentos” para provocar alunos e

alunas a lerem e escreverem sobre os

múltiplos significados das paisagens sim-

bólicas, isto é, ler e escrever o mundo

também nos seus “estados de alma”.

Ler e escrever em Ciências

Diante das idéias apresentadas an-

teriormente, destacam-se duas práticas

de leitura/escrita no ensino de Ciências.

A primeira delas diz respeito à aná-

lise (leitura) de um livro didático. Ao in-

vés da prática convencional de uma lei-

tura dos conteúdos ali explicitados, é

possível realizar a leitura das represen-

tações de homem e de mulher ali conti-

das. Tomando por exemplo os “exercí-

cios de revisão” de um livro, usualmente

adotado na 8ª série do Ensino Funda-

mental, vê-se o seguinte enunciado:

“Numa manhã de sol, Aline encontra-se

com a beleza de uma rosa vermelha. A

rosa parece vermelha porque: ...” e se-

guem-se quatro alternativas possíveis. Os

demais exercícios, quando apresentam

ações realizadas por seres humanos, fa-

lam “um caminhoneiro traçou o seguin-

te plano...”, “um homem puxa com uma

corda uma massa de 20 kg..., “um atle-

ta, de 60 kg, no salto com vara....” O único

exercício que traz uma mulher como exe-

cutora de uma ação a coloca num cená-

rio “romântico”, junto a uma rosa ver-

melha, numa manhã de sol; mulheres e

flores... “uma flor para outra flor”, expres-

são muitas vezes dita por um homem

quando oferece uma flor a uma mulher...;

“numa mulher não se bate nem com

uma flor”, expressão popular que se

posiciona em relação à violência pratica-

da contra as mulheres. Mulheres e flo-

res, nos ditos populares e também nos

livros didáticos são imagens engessadas

por determinados estereótipos. Da mes-

ma forma, é possível ler o modo como

pessoas brancas e negras ou a natureza

são representadas nos livros didáticos.

Outra prática com possibilidade de lei-

tura diz respeito à análise crítica de tex-

tos publicitários, contendo apenas ima-

gem, apenas texto ou ainda imagem e tex-

to escrito, buscando ver o que eles nos

ensinam a respeito do ambiente natural.

Para tanto, é preciso admitir que a publi-

cidade ensina às pessoas o que elas de-

vem querer, de que precisam, o que de-

vem ter, desejar, pensar e fazer para se-

rem felizes e bem sucedidas e, freqüen-

temente, utilizam a ciência, ou a idéia que

temos a respeito do que é ciência, para

garantir a confiabilidade dos produtos ofe-

recidos. Por exemplo, propagandas de sa-

bão em pó costumam apresentar a ima-

gem de um cientista e/ou o nome de uma

substância química como forma de atri-

buir confiabilidade ao produto.

Concluindo

Na perspectiva contemporânea da

educação, as diferentes manifestações da

cultura são elementos obrigatórios para

a proposição dos currículos escolares, pois

41BOLETIM � PGM 4- ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

representam relevantes e ricos aspectos

da realidade histórica, cultural e social.

O conhecimento desta realidade exige a

ultrapassagem do sentido de leitura e es-

crita usual, oportunizando formação para

a participação política dos sujeitos pela

construção da consciência de mundo e

de identidade. Assim, a leitura/escrita

que imperiosamente deve ser fortalecida

no espaço escolar, inclui diversas lingua-

gens e códigos, as imagens entre eles,

sejam elas da arte ou da cultura de mas-

sa. Esta última constitui uma alternativa

de ampliação das possibilidades de inter-

pretação e compreensão da realidade, em

diferentes tempos e espaços. Represen-

ta, ainda, uma possibilidade para a cons-

trução da consciência, diante da avassala-

dora capacidade de fomentar a total in-

consciência do público de sua própria ma-

nipulação, estimulada permanentemen-

te através do apelo instantâneo da indús-

tria cultural, na qual poderosos grupos

nacionais e transnacionais impõem ideo-

logias e modelos para atender a seus es-

pecíficos interesses.

Auxiliar os alunos e alunas a perce-

ber e negociar as complexidades destas

influências é compromisso de todas as

áreas do conhecimento.

A expansão da leitura/escrita para

outros textos além dos textos convenci-

onais, implica reconhecer a existência

de uma variedade extraordinária de pos-

sibilidades, incluindo uma multiplicida-

de de linguagens, objetos artísticos, ima-

gens e imaginários, produzidos por to-

das as culturas no passado e no presen-

te. Exige, igualmente, uma aproximação

a este universo, desprovida de idéias,

conceitos e preferências (pré)-concebidas

e/ou oficiais, com o objetivo de apreen-

der seus significados e o efeito que exer-

cem sobre as nossas concepções a res-

peito de nós mesmos e dos outros.

Autores como Barbosa (1996; 1997),

Efland (1998), e Hernández (2000), sus-

tentam que a construção da realidade,

objetivo da educação, tem o propósito de

contribuir para o entendimento dos dife-

rentes panoramas sociais e culturais ha-

bitados por diferentes indivíduos. A per-

cepção humana que o indivíduo tem de

si próprio permanecerá incompleta, en-

tretanto, se não pudermos entender que

cada um de nós é o outro de um outro,

assegura Efland (1998). Assim, o conhe-

cimento e o entendimento da cultura e

da realidade, nossa e do outro, são dese-

jáveis e possíveis através das múltiplas

leituras e escritas que objetivam superar

limites e restrições, concorrendo para um

mundo mais justo e solidário.

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te: C/Arte, 1997.

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São Paulo: Cortez, 1997.

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42BOLETIM � PGM 4- ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

e ROSENDAHL, Z. Paisagem, tempoe cultura. Rio de Janeiro: UERJ. 1998.

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EFLAND, A. Arte e cognição: teoria daaprendizagem para uma época pós-moderna. São. Paulo: SESC, 1998.

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danças, piruetas e mascaradas. Belo

Horizonte: Autêntica, 2000.

43BOLETIM

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

PGM 5 � PROFESSOR: LEITOR E FORMADOR DE LEITORES

LEITURA E ESCRITA COMPETÊNCIA DE TODAS AS ÁREAS:O PROFESSOR COMO LEITOR E FORMADOR DE LEITORES

ANA MARIZA RIBEIRO FILIPOUSKI*

Teorias do ler e do escrever: o papel

do ensino

As pesquisas que se desenvolveram

no século XX, no âmbito do ler e do es-

crever, indicam mudança do papel da

escola e, conseqüentemente, da ação

docente frente ao ler e escrever. A socio-

logia da leitura, as teorias relativas ao

efeito da leitura e da emancipação do

leitor e sua responsabilidade na cons-

trução autoral do estudante1 ampliam,

inicialmente, o significado de ler. Em

conseqüência, aprende-se que, muito

antes de lerem a palavra escrita, os alu-

nos já mantêm uma relação ativa com

vários objetos portadores de texto, tais

como a propaganda do sabão em pó, o

rótulo do achocolatado, a apresentação

do show da animadora infantil, as mar-

cas e modelos dos carros. Ainda muito

pequenas, as crianças aprendem “a le-

tra do nome”, por exemplo, embora elas

próprias não admitam que já lêem. Os

estudos do construtivismo dão destaque

aos saberes já construídos dos aprendi-

zes, os quais são valorizados como parte

do processo de alfabetização e dão con-

sistência ao que Vygotsky chama de pré-

história da leitura da linguagem escrita.

Em conseqüência, sabe-se que as cri-

anças, jovens e adultos em situação de

escolarização lêem mais do que a escola

propõe, pois a revista, as propagandas

da tevê, o anúncio de outdoors, o endere-

çamento da correspondência, carregam

textos consigo e são capazes de orientar

* Professora da Equipe do Núcleo de Integração Universidade Escola, da Pró-Reitoria de Extensão da UFRGS - NIUE/UFRGS.

1 Vários estudos teóricos no Brasil tratam dessa questão. Na bibliografia ao final desse texto, é possível encontrar algunsdos autores que apresentam o estado da arte dessas áreas de investigação e mostram como elas repercutem no ensinoda leitura e da escrita no país.

44BOLETIM � PGM 5 - PROFESSOR: LEITOR E FORMADOR DE LEITORES

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

quanto a atitudes, escolhas e preferên-

cias, adquirindo valor no espaço social,

o que é de imediato percebido pelo es-

tudante.

Altera-se assim a função da educa-

ção formal e impõe-se a necessidade de

formar professores para uma sociedade

impregnada de palavra escrita. A demo-

cratização da leitura e dos seus supor-

tes é verificável à consideração de que

diferentes classes sociais têm acesso a

um jornal popular, vêem televisão, lêem

a oração dos cultos religiosos, poemas

nos ônibus, em camisetas, recebem pro-

pagandas nas calçadas. Tal democrati-

zação auxilia o domínio do código e su-

pre uma função inicialmente desempe-

nhada pela escola. Cabe então ao pro-

fessor, mais do que alfabetizar, realizar

o letramento de seus alunos, isto é,

habilitá-los a exercer amplamente a con-

dição que decorre do fato de terem-se

apropriado da leitura e da escrita. Face

à pluralidade de estímulos escritos, o

professor precisa instrumentalizar o es-

tudante a explorar as diferentes possi-

bilidades de dialogar com os textos, o que

implica utilizar a palavra lida/escrita para

refletir e interagir com diferentes práti-

cas sociais de cultura, entre as quais se

insere a leitura. Em virtude das inúme-

ras oportunidades de ler e escrever que

as crianças que convivem em ambientes

letrados possuem, a escola vê reduzida

a importância tradicionalmente a ela

atribuída de alfabetizadora, iniciadora no

mundo do ler e escrever. Já as crianças

que não partilham da leitura como valor

de seu grupo social demandam uma atu-

ação mais incisiva, que as insira num

mundo em que elas possam atribuir sig-

nificado ao ler e ao escrever, compreen-

dendo a função emancipatória que tal

domínio propicia.

Isso indica que ler e escrever – ativi-

dades simbólicas específicas, a partir das

quais as mensagens são produzidas e in-

terpretadas – adquirem significados di-

ferentes entre crianças com experiênci-

as culturais diversas. Portanto, ler e es-

crever, como práticas sociais, estão con-

dicionadas ao repertório dos leitores/

escritores, e lê melhor quem lê entre lei-

tores, pois este possui mais intimidade

com os diferentes tipos de texto, uma vez

que já ouviu ler mais vezes; sobre a ma-

neira de ler, pois entre as histórias que

ouviu, muitas foram lidas; já aprendeu

o valor da palavra escrita. Em conse-

qüência, a maneira como as famílias se

relacionam com a língua escrita pode

condicionar a relação que as crianças

terão com os textos: se a leitura está na

receita da cozinha, no livro de oração,

no estudo, no lazer ou no trabalho, cer-

tamente ler e escrever parecerão ter mais

sentido na escola. Se, ao contrário, a

palavra escrita/lida estiver restrita à pre-

sença de situações repressivas ou

disciplinadoras (o cartaz que pede silên-

cio nos hospitais, o “Mantenham-se em

fila!” dos Postos de saúde ou o auto

infracional recebido por pais e/ou ir-

mãos), bem diferente será a inferência

45BOLETIM � PGM 5 - PROFESSOR: LEITOR E FORMADOR DE LEITORES

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

D A E S C O L A

infantil. Nesse caso, haverá descontinui-

dade entre a vida – movida pela oralidade

em todas as suas manifestações (as pre-

gações religiosas, a música, a televisão)

e a escola. Em conseqüência, ela terá

muito maior dificuldade de inferir signi-

ficados à palavra escrita.

Compreender esta situação, em toda

a sua complexidade, é condição indispen-

sável para uma atuação docente respon-

sável e comprometida. Através dela, a co-

municação e o conhecimento tornam-se

motivo de cooperação entre alunos e com

o professor e, todos juntos, podem orga-

nizar uma comunidade de compreensão

próxima. Nela, o professor deixa de ser

um transmissor de informações e passa

a disponibilizar meios e modos de parti-

cipação, propõe e orienta projetos de tra-

balho, acompanha e estimula os grupos

e oportuniza-lhes diferentes formas de

interação e prática cultural.

Ler e produzir textos: tarefa de

professor

Logo, tanto como seus alunos, é pre-

ciso que o professor se torne sujeito do

mundo da leitura e da escrita, que orga-

nize registros que acompanham o pro-

cesso de construção do conhecimento de

seu grupo, busque textos que compo-

nham a pluralidade de práticas sociais

de leitura, preocupe-se com a preserva-

ção da memória dos grupos sociais com

os quais interage, isto é, constitua-se,

antes de tudo, em leitor e autor da sua

prática pedagógica.

Nem sempre as instituições forma-

doras de professores têm o posiciona-

mento político e as condições pessoais e

materiais para implementar todas as pré-

condições de formação docente neces-

sárias à escola brasileira contemporânea.

Igualmente, face à mudança de

paradigmas da educação que têm orien-

tado as novas práticas, há um grande

contingente de professores que são cha-

mados a assumir atitudes e compromis-

sos para os quais não foram formados. É

justamente nesse momento que se pode

avaliar o quanto a leitura e a escrita efe-

tivamente preparam os indivíduos para

uma atuação comprometida com o seu

contexto: apesar das difíceis condições

de trabalho e de vida dos professores, é

notória a freqüência como eles têm par-

ticipado de cursos de educação continu-

ada, onde buscam se atualizar e refletir

sobre sua prática. Somente através de

uma intervenção crítica sobre as ques-

tões que são discutidas nesses espaços

de formação, de reflexão sobre o seu fa-

zer, o professor é capaz de reconhecer

que, para uma escola constituída de di-

versidade a respeito dos usos da leitura

e da escrita, é importante intervir a par-

tir da consideração dessas diferenças, e

apresentar oportunidades em que todos

possam aprender.

Ao abordar o uso social da escrita, o

professor possibilitará o delineamento de

situações em que todos atribuam senti-

do ao conhecimento do sistema da lín-

gua escrita, o que ainda não acontece

46BOLETIM � PGM 5 - PROFESSOR: LEITOR E FORMADOR DE LEITORES

LER E ESCREVER : COMPROMISSO

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na escola brasileira. Por isso, aqueles

estudantes que aprenderam antes o va-

lor dessa prática social constroem mais

facilmente o conhecimento novo (e, num

contexto de escola tradicional, comu-

mente logo aprendem que as coisas que

a escola ensina são “para a escola”, não

para a vida, a qual continuará a andar

adiante da escola, ensinando-lhes, a par-

tir do ler/escrever em suportes cada vez

mais variados e ágeis, conhecimentos

mais ricos e interessantes). E os que vão

à escola para aí fazerem estas aprendi-

zagens não encontram um ambiente que

os promova pelo acompanhamento e

construção de novos saberes a partir da

valorização do que já sabem: tornam-se,

conseqüentemente, alunos-problema,

com aprendizagens deficitárias, conde-

nados a desconhecerem o uso social da

linguagem e da escrita. Por outros cami-

nhos, também concluem que ler e es-

crever servem para a escola e na escola,

para a produção escolar, para agradar

ao professor, já que o lido e o escrito não

têm sentido extramuros. Inferem, erro-

neamente, que a língua escrita é coisa

pronta e acabada, que não pode perten-

cer jamais ao aprendiz, e que seu papel

é reproduzi-la passivamente, sem qual-

quer envolvimento crítico ou afetivo. Nes-

se aspecto, entendem o ler restrito à de-

cifração, oralização do escrito, e o escre-

ver, à decodificação passiva de sinais. Não

lhes atribuem, o que seria certo, valores

cognitivos, que requerem sujeitos envol-

vidos na obtenção de significados, com-

preensão e interpretação de conteúdos,

produção de sentidos.

A conseqüência mais comum é uma

relação de atrito entre os que aprendem

e a escola, especialmente em relação ao

ler e escrever. Para transformá-la, é im-

prescindível que os professores aprendam

que, mais do que instrumento para trans-

mitir conhecimentos, ler e escrever to-

mam a língua como objeto social. Assim,

o professor precisa facilitar a interação

com a língua escrita e apresentá-la como

desafio cognitivo, com significado para a

vida dos alunos, a partir do qual possam

progredir no conhecimento do que está

escrito, dizer sua palavra e formular hi-

póteses de interação com o que já sabem

e com as outras áreas do conhecimento.

A tarefa da escola e de todos os edu-

cadores que nela atuam é aumentar o

repertório dos aprendizes, facilitar a

aprendizagem, gerar condições e ambi-

ente para o estabelecimento de articu-

lação entre informações e conexões múl-

tiplas, análises e sínteses. É ensinar que

ler e escrever promovem socialmente,

dão acesso à cultura e ao conhecimen-

to, são um modo de relacionar o que se

faz na escola com o que existe fora dela.

Nesse sentido, desenvolvem-se através

de responsabilidade compartilhada en-

tre professor e aluno, em que o primeiro

atua como guia, apoio, mediador de cul-

tura e o segundo como sujeito ativo da

aprendizagem.

Em conseqüência, a sala de aula tor-

na-se lugar de pensar, de reflexão com-

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LER E ESCREVER : COMPROMISSO

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partilhada, de participação e diálogo. Cons-

titui-se em ambiente de aprendizagem,

que gera e possibilita múltiplas situações

de leitura e escrita como atividades rele-

vantes e comprometidas. O professor par-

te das experiências e conhecimentos dos

alunos e oferece atividades significativas,

favorecedoras da compreensão do que está

sendo feito através do estabelecimento de

relações entre a escola e o meio social.

Ao atribuir novo significado ao ler e

ao escrever, a escola assume uma atitu-

de educativa digna de professores que

querem ser reconhecidos como produ-

tores de cidadania, que favorecem, às

jovens gerações, possibilidades efetivas

de compreensão e transformação da sua

realidade social e pessoal. Torna-se en-

tão um centro irradiador de pensamen-

tos, ocupa o ponto principal de um pro-

cesso compreensivo que orienta os alu-

nos frente a uma sociedade plural, de

diferenças, em permanente mudança,

nem sempre para melhor.

Nesse contexto, a escola – atualmente

recriminada pela artificialização do senti-

do que dá ao ler e escrever, característica

da crise de leitura e escrita que contami-

na todo o sentido da educação – transfor-

mar-se-á em espaço de reflexão, análise,

crítica, capacitando toda a comunidade

escolar para buscar alternativas compar-

tilhadas e solidárias para suas vidas.

Nessa escola, em grande parte ainda

por ser construída, todas as instâncias

de escolarização da leitura2, reunirão ou-

tras alternativas para o ler e o escrever: a

biblioteca não será mais um espaço que

simboliza o lugar do livro (o qual, às ve-

zes, nem está lá), guardado por funcio-

nário não habilitado, que regula (fre-

qüentemente condicionado por sua saú-

de, presença na escola e disponibilidade

horária) o que, quando e como ler. Ao con-

trário, promoverá diferentes formas de so-

cialização do ler, oportunizando aos

aprendizes de leitores que – a partir de

sua leitura de mundo – estabeleçam, atra-

vés da orientação segura dos professores,

sólidos caminhos em direção de maior

complexidade dessa experiência.

Também porque será mediada por

professores leitores e escritores em to-

das as áreas – o que, é necessário reco-

nhecer, não é o caso de grande parte

dos sistemas educativos hoje3 – tratará

2 As instâncias de escolarização da leitura presentes na escola são a biblioteca escolar, a leitura de estudo de livros emgeral, determinadas e orientadas pelos professores, e a leitura e estudo de textos. Dentre elas, destaca-se o livro didáticocomo suporte mais usual, o qual recorta o texto de seu contexto original de leitura, artificializa-o, �escolariza-o�,apresenta-o em um contexto de circulação forjado pela intenção didática.

3 Ana Maria Machado, em entrevista concedida à Revista Educação de abril de 2002, é enfática ao criticar a condiçãonão leitora dos professores. Diz ela: Gente que não gosta de ler não pode ensinar a ler. É igual a um instrutor denatação que não gosta de nadar, e por isso tenta ensinar os alunos do lado de fora da piscina. Eu questiono aformação do leitor. Quantos livros de literatura não-obrigatória um professor lê por ano? Se o professor lê, não temcomo não passar isso para o aluno. Quem gosta de ler está sempre falando de livro, recomendando leituras paraoutras pessoas, é algo que contagia e flui naturalmente.

48BOLETIM � PGM 5 - PROFESSOR: LEITOR E FORMADOR DE LEITORES

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de ampliar e qualificar as formas de aces-

so dos jovens aos diferentes textos, esti-

mulando-os a assumirem-se como pro-

dutores de conhecimentos, capazes de,

oralmente ou por escrito, verbalizarem

seu prazer de ler e/ou suas aprendiza-

gens a partir do lido. Nesse espaço, a

leitura de fragmentos descontextualiza-

dos será banida, a adaptação de textos a

suportes didáticos – como o livro didáti-

co – será progressivamente reduzida, ha-

verá mais textos dos alunos, de jornais e

revistas atuais, da literatura contempo-

rânea e das artes em geral, apresenta-

dos através da palavra escrita ou de ou-

tros suportes portadores de sentido.

Então as práticas de leitura e escrita

serão valorizadas pela escola, assimilar-

se-ão às que ocorrem no contexto social,

colaborarão para a formação de um leitor

crítico e uma escola que ensinará a pen-

sar, a mais genuína função do ler e do

escrever, capaz de transformar e oferecer

condições de cidadania e responsabilida-

de social a todos os que participam dela.

Referências

CHARTIER, Roger. A aventura do livro:

do leitor ao navegador. São Paulo:

Editora UNESP/Imprensa oficial do

Estado, 1999.

EVANGELISTA, Aracy; BRANDÃO, Heliana;

MACHADO, M. Zélia. A escolariza-ção da leitura literária. Belo Hori-

zonte: Autêntica, 1999.

PEREZ, Francisco & GARCIA, Joaquin. En-sinar ou aprender a ler e a escre-ver? Porto Alegre: Artmed Editora,

2001.

ZILBERMAN, Regina. Fim do livro, fimdos leitores? São Paulo: Editora

SENAC São Paulo, 2001.

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D A E S C O L A

Presidente da RepúblicaFernando Henrique Cardoso

Ministro da EducaçãoPaulo Renato Souza

Secretário de Educação a DistânciaPedro Paulo Poppovic

e.mail: [email protected] de 2002

Home page: www.tvebrasil.com.br/salto

MECSecretaria de Educação a Distância

Programa TV Escola – Salto para o Futuro

Diretora do Departamento dePolítica de Educação a DistânciaCarmen Moreira de Castro Neves

Coordenadora-Geral dePlanejamento eDesenvolvimento de Educação aDistânciaTânia Maria Magalhães Castro

Diretor de Produção eDivulgaçãode Programas EducativosAntonio Augusto Silva

Coordenadora-Geral de MaterialDidático-PedagógicoVera Maria Arantes

Supervisora PedagógicaRosa Helena Mendonça

Coordenadoras de Utilização eAvaliaçãoMônica Mufarrej e Leila AttaAbrahão

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Consultoria PedagógicaNIUE - UFRGS

Coordenação da equipeAna Mariza Ribeiro Filipouski

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Profª. Ana Mariza Ribeiro FilipouskiProfª. Angela Rolla

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Profª. Jusamara Vieira SouzaProfª. Maria Cecília de A. R. TorresProfª. Maria da Graça Gomes Paiva

Profª. Maria StephanouProfª. Neiva Otero Schäffer

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