2PROPOSTA PEDAGÓGICA
LER E ESCREVER: COMPROMISSO DA ESCOLA
APRESENTAÇÃO
A série Ler e escrever: compromisso da escola, a ser apresentada de
12 a 16 de agosto no Programa Salto para o Futuro, da TV Escola, é composta
por cinco programas dedicados a refletir sobre a leitura e a escrita como
aprendizagem a ser promovida por todos os professores, e não exclusivamente
pelo professor de Língua Portuguesa.
Em que consiste o ler e o escrever nas diferentes áreas do currículo
escolar? Com o intuito de discutir e aprofundar este tema, a equipe de
professores do Núcleo de Integração Universidade & Escola, da Pró-Reitoria
de Extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, elaborou o livro
Ler e escrever: compromisso de todas as áreas, publicado em 1998 pela
Editora da Universidade/UFRGS. O livro já se encontra em sua 4ª edição e
é nele que se inspiram os programas dessa série.
A série tem por objetivo dar ênfase à reflexão sobre a leitura e a escrita
como compromisso de toda a escola, desde a biblioteca, a aula de Português
e todas as demais áreas/disciplinas do currículo escolar. É sempre bom
lembrar que o compromisso de toda a escola em ensinar a ler e escrever
constitui condição indispensável à formação do estudante e ao exercício da
cidadania. Por isso, as diferentes áreas de conhecimento, agrupadas
aleatoriamente, procurarão, de acordo com a programação apresentada a
seguir, refletir a respeito do ler e do escrever como questões específicas do
seu fazer, como forma de ensinar a pensar e como possibilidade de
estabelecer relações interdisciplinares que certamente enriquecerão a prática
pedagógica
3PROPOSTA PEDAGÓGICA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
JUSTIFICATIVA
Ensinar a ler e a escrever são tarefas da escola, desafio indispensável
para todas as áreas/disciplinas escolares, uma vez que ler e escrever são os
meios básicos para o desenvolvimento da capacidade de aprender e
constituem competências para a formação do estudante, responsabilidade
maior da escola.
Ensinar é dar condições ao estudante para que se aproprie do
conhecimento historicamente construído e se insira nessa construção como
produtor de conhecimentos. Ensinar é ensinar a ler para que se torne
capaz dessa apropriação, pois o conhecimento acumulado está, em grande
parte, escrito em livros, revistas, jornais, relatórios, arquivos. Ensinar é
também ensinar a escrever, porque a produção de conhecimento se expressa,
no mais das vezes, por escrito.
Numa primeira instância, ler e escrever é alfabetizar, levar o aluno ao
domínio do código escrito. E é sempre bom levar em conta o que nos dizem
as atuais pesquisas sobre o processo de alfabetização. Ao alfabetizar-se, o
aluno não está apenas transpondo a língua que já fala para um outro código,
mas está aprendendo uma outra língua, a língua escrita, isto porque a
língua que falamos não é a mesma que escrevemos, havendo, assim,
aprendizagens específicas que devem ser consideradas por nós, professores.
A escola vem se constituindo como espaço privilegiado para a
aprendizagem e o desenvolvimento da leitura e da escrita, já que é nela que
se dá o encontro decisivo da criança com o ler e o escrever. Para muitas
crianças de nosso país, a escola é o único lugar onde há livros, ou a sala de
aula o lugar onde os alunos não estão voltados apenas para a televisão.
Assim, cabe a ela a tarefa de levar o aluno a ler e escrever, a atrever-se a
persistir nesta aprendizagem entre ensaio e erro, a construir suas próprias
hipóteses a respeito do sentido do ele lê e do que escreve, a assumir pontos
de vista próprios para escrever a respeito do que vê, inclusive na TV, do que
sente, do que viveu, do que leu nos diversos suportes que existem, do que
ouviu em aula e do que vê no mundo, promovendo em seus textos um
diálogo entre vida e escola, mediado pelo professor, um leitor mais experiente.
É na escola que a própria TV pode ser vista de uma forma não apenas
lúdica, mas também crítica. É na escola que se pode promover, por meio da
leitura, as diferentes aprendizagens de cada área de conhecimento e do
mundo. Não é, portanto, uma tarefa simples e, no entanto, possui um
4PROPOSTA PEDAGÓGICA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
grandioso alcance na vida de todo e qualquer estudante: crianças, jovens e
adultos.
Sem estudantes vivenciando oportunidades sistemáticas de leitura,
escrevendo e dialogando, a escola correrá o risco de restringir-se à
reprodução. Essa, aliás, é uma prática que cada vez mais tem sido rejeitada:
as atividades de leitura e escrita, nas diversas modalidades, transformadas
em ritual burocrático, no qual o estudante lê sem poder discutir, lê sem
compreender, responde questionários mecanicamente e escreve textos
buscando simplesmente concordar com o professor ou a professora. O que
se deseja é que estudantes, e também professores, possam constituir-se
como leitores e produtores de textos. Professores e alunos leitores são
capazes de produzir a sua escrita, a sua comunicação no mundo, são a
chave de qualquer possibilidade de mudança nas práticas tradicionais e
repetitivas de leitura e escrita. Para isso, todos os professores, não só o de
Português, mas também os de Geografia, Matemática, História, Música,
Ciências, Educação Física, Língua Estrangeira, Literatura, Arte, precisam
assumir seu papel de mediadores de leitura e escrita.
Mais importante que reter a informação obtida pela leitura tradicional
dos muitos textos, nas muitas áreas que compõem o currículo escolar, as
atividades de leitura e escrita devem proporcionar aos alunos condições
para que possam, de uma forma permanente e autônoma, localizar novas
informações pela leitura do mundo, e expressá-las, escrevendo para e no
mundo. Assim, leitura e escrita constituem-se como competências não
apenas de uso, mas igualmente de compreensão da vida em sociedade.
O professor é aquele que apresenta as diferentes possibilidades de
leitura: tudo e mais um pouco! Livros, poemas, notícias, receitas, paisagens,
imagens, partituras, sons, gestos, corpos em movimento, mapas, gráficos,
símbolos, o mundo enfim. Ele poderá contribuir no desenvolvimento da
capacidade de interpretar e estabelecer significados dos diferentes textos,
criando e promovendo variadas experiências, situações novas, que levem a
uma utilização diversificada do ler/escrever. Isso tornará possível a formação
de uma geração de leitores capazes de dominar as múltiplas formas de
linguagem e de reconhecer os variados e inovadores recursos tecnológicos,
disponíveis para a comunicação humana no dia a dia.
Ler e escrever são tarefas na escola, privilegiadamente em cada sala
de aula, mas também no pátio, na biblioteca, no refeitório, enfim a escola
5PROPOSTA PEDAGÓGICA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
vista como espaço de estímulo às diferentes relações com a leitura. A
biblioteca passa a ser concebida como lugar em que se estimula a circulação
e a transferência da informação, que favorece a convivência dos diferentes
segmentos da comunidade escolar, pertencendo, portanto, a todos os
usuários e, ao mesmo tempo, não sendo propriedade de uns ou de outros.
E por que privilegiadamente a sala de aula é o lugar de leitura e de
escrita? Porque a sala de aula é o lugar onde o professor ensina, onde ele
mostra, por sua presença e atuação, a importância da leitura: ele traz os
livros, apresenta-os, quer que todos escolham o que vão ler, fica sabendo do
interesse que se vai formando em cada um, faz sugestões, discute e
aprofunda os assuntos, responde perguntas e lê com os alunos. A biblioteca
é o lugar de outra vivência. Na biblioteca, o aluno, explora o seu acervo,
expande seus interesses: descobre que existem múltiplos materiais para
leitura, livros de todo o tipo e sobre todos os assuntos, ou concentra-se em
uma leitura de aprofundamento de um determinado interesse, estimulado
pela leitura em sala de aula. A sala de aula é o lugar de criação de vínculo
com a leitura, de inserção do aluno na tradição do conhecimento. A biblioteca
é o lugar do cultivo pessoal desse vínculo.
Ao lado da atividade de leitura orientada pelo gosto, pelo prazer de
atribuir sentido a um texto, cada professor, na aula de sua respectiva área
(ou dois ou mais professores em trabalho integrado) promoverá a leitura de
textos que que devem ser aprofundados e todos poderão vivenciar o
encantamento da descoberta dos muitos sentidos em textos decisivos para
o conhecimento produzido pela humanidade. Esta inserção do aluno no
universo da cultura letrada desenvolve a habilidade de dialogar com os textos
lidos, através da capacidade de ler em profundidade e interpretar textos
significativos para a formação de sua cidadania, cultura e sensibilidade.
Será importante, assim, que cada professor em sua sala de aula vincule
– através da produção escrita – conteúdos e/ou conceitos específicos da
área em que atua com a vida de seus alunos, solicitando-lhes que escrevam
sobre aspectos de suas vivências socioculturais, propondo que esses textos
sejam lidos para os colegas e discutidos em sala de aula. Cada professor
lerá esses textos com interesse, pelo que querem expressar e não apenas
para corrigir o Português ou verificar o acerto de suas respostas. Orientará
a reescrita dos textos, sempre que necessário, para que digam com mais
clareza e mais riqueza o que querem dizer.
6PROPOSTA PEDAGÓGICA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
Ler e escrever, portanto, implicam redimensionar as práticas e os
espaços escolares. Isto leva a uma reflexão sobre a relação pessoal com o
desenvolvimento da leitura e da escrita na sala de aula e, no limite, propõe
o desencadeamento de novos modos de ser e fazer o ler e o escrever na
escola: a formação de cidadãos e cidadãs para um mundo em permanente
mudança nas suas escritas, e cada vez mais exigente quanto à qualidade da
leitura.
A provocação que está lançada é que o tema ler e escrever, como tarefa
de todas as áreas, motive um olhar e um refletir sobre a ação do professor e
da escola em seu conjunto, sobre seus compromissos. Esperamos que o
tema venha a abrir perspectivas para que, na escola, um pergunte ao outro
sobre o que pensa ser ler e escrever em sua área; que desperte o interagir
orientando para uma formação mais ampla, completa e dinâmica; que seja
viável encaminhar ações interdisciplinares possíveis e desejáveis. E ainda,
que entre colegas professores possa se estabelecer um diálogo constante a
respeito das atividades de ler e escrever, isto é, sobre a atividade de ensinar,
oportunidade de construir sentido e produzir conhecimento.
ESTES SÃO OS TEMAS QUE SERÃO APRESENTADOS NA SÉRIE:
PGM 1 � PARA ALÉM DA AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA
O principal papel da escola já não é mais o de mera transmissão de infor-
mações. Hoje, exige-se que ela desenvolva a capacidade de aprender o que
subentende o domínio da leitura e da escrita. Este programa pretende apon-
tar dificuldades históricas de aprendizagem da leitura e da escrita da Lín-
gua Portuguesa e salientar que a leitura e a escrita podem ser práticas
construídas com a participação das diferentes áreas e nos diferentes espa-
ços da escola. Tal construção se dá pela participação do professor, criação
de espaços coletivos para a ação comum e pela utilização de multiplicidade
de linguagens e de novos códigos.
PGM 2 � HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA
Ler e escrever são competências imprescindíveis nas aulas de História, Litera-
tura e Língua Estrangeira, seja pela interpretação e (re)-escrita de um texto do
livro didático ou fornecido pelo professor, seja por um outro documento.
O programa discute as alegadas dificuldades dos alunos para interpretar tex-
tos, imagens e mensagens, os objetos de trabalho mais freqüentes nas aulas
7PROPOSTA PEDAGÓGICA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
dessas disciplinas. Aponta ainda as aprendizagens de leitura e escrita que
competem a todos os professores de História, Língua Estrangeira e Literatura.
PGM 3 � EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA
Estas áreas/disciplinas, que parecem ter poucos aspectos em comum a
respeito da leitura e da escrita, constroem conhecimentos com diferentes
textos e códigos, com o corpo em movimento, com símbolos, com notações
musicais, e estabelecem conexões entre si e com outras áreas do currículo
escolar. O programa enfatiza a importância de todo professor trabalhar com
a leitura e a escrita, conhecer minimamente o que é particular da lingua-
gem na sua área e, a partir daí, buscar possíveis articulações, ampliando o
repertório dos alunos.
PGM 4 � ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS
O domínio de diferentes códigos e linguagens, que permitam a interação do
sujeito com múltiplas paisagens e grupos sociais, é um diferencial na edu-
cação e na própria constituição da cidadania. Neste sentido, a educação
contemporânea destaca a essencialidade da leitura e da escrita como capa-
cidades para interpretar e compreender as diversas manifestações
socioculturais, no contexto identitário dos sujeitos. Ler e escrever não se
instituem como meros instrumentais de codificação e decodificação dos sig-
nos alfabéticos, mas são inseridos num universo mais amplo de possibilida-
des e ultrapassam a tradição escolar das Ciências, da Geografia e da Arte,
vinculada à descrição repetitiva do texto/imagem ou às atividades do fazer
gráfico/plástico. O programa privilegia a leitura da imagem, um texto
comumente presente nestas três áreas.
PGM 5 � PROFESSOR: LEITOR E FORMADOR DE LEITORES
O papel da escola em relação ao ler e ao escrever alterou-se nos últimos
tempos, exigindo do educador a compreensão do contexto do mundo con-
temporâneo, onde a palavra escrita amplia os modos de atingir a população,
e exige de todos competências para agir com autonomia e criticidade frente
a ela ou impõe-lhes uma atitude massificada e acrítica. Relacionando o ler/
escrever à condição de poder pensar, interagir a partir do lido e ser capaz
de dizer a sua palavra e o seu tempo por escrito, o presente programa
valoriza o papel autoral de professores e alunos, capaz de dar um novo
significado ao ensinar e ao aprender.
8PROPOSTA PEDAGÓGICA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
BIBLIOGRAFIA
BORDINI, Maria da Glória; AGUIAR, Vera Teixeira de. Literatura: a formação
do leitor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Parâmetros Curriculares Nacio-nais. Brasília: 1997-1998.
FOUCAMBERT, Jean. A leitura em questão. Porto Alegre: Artes Médicas,
1994.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se comple-tam. São Paulo: Cortez, 1993.
GNERRE, Maurizzio. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes,
1995.
ISER, Wofgang. O ato da leitura. uma teoria do efeito estético. São Paulo:
Ed. 34, 1996.
LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo:
Ática, 1996.
MARTINS, Maria H. O que é leitura. 10 ed. São Paulo: Brasiliense, 1988.
NEVES, Iara C. B. et alli.(Orgs.) Ler e escrever: compromisso de todas asáreas. Porto Alegre: Ed da Universidade/UFRGS, 1998.
OLSON, D. R.; TORRANCE, N. Cultura escrita e Oralidade. São Paulo: Ática,
1995.
SOARES, Magda. Linguagem e escola. São Paulo: Ática, 1986.
TEBEROSKI, Ana; TOLCHINSKI, Liliana. Além da alfabetização. São Paulo:
Ática, 1996.
ZILBERMAN, Regina (Org.). Leitura em crise na escola. 7ed. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1982.
ZILBERMAN, Regina; LAJOLO, Marisa. A formação da leitura no Brasil. São
Paulo: Ática, 1996.
ZILBERMAN, Regina; SILVA, Ezequiel Theodoro da (Org.). Leitura: perspecti-vas interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1995.
9BOLETIM
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
PGM 1 � PARA ALÉM DA AULA DE LÍNGUA PORTUGUESALER E ESCREVER NÃO SÓ NA AULA DE PORTUGUÊS
EQUIPE DO NÚCLEO DE INTEGRAÇÃO UNIVERSIDADE ESCOLA, DAPRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO DA UFRGS – NIUE/UFRGS*
Se lembrarmos que os livros que os
inconfidentes de Minas Gerais tinham
em casa fizeram parte das provas que le-
varam à sua condenação, que ler foi uma
atividade criminosa no Brasil até o co-
meço do século XIX e que o povo brasi-
leiro só entrou para a escola há menos
de cinqüenta anos, poderemos entender
por que nos deixamos, até hoje, estig-
matizar como criaturas incapazes de
aprender a escrever corretamente uma
língua tão difícil como o Português.
Entenderemos a razão de nossa cren-
ça a respeito de nossa incapacidade para
falarmos corretamente o Português, se
considerarmos as condições em que his-
toricamente aprendemos a falar Portu-
guês. Nossos primeiros colonizadores –
marinheiros, soldados e condenados por-
tugueses analfabetos que vieram levar
pau-brasil e o que mais foram capazes
de carregar – tiveram de aprender a lín-
gua dos índios para deles obterem in-
formações indispensáveis à sua sobrevi-
vência. Os filhos que tiveram com as ín-
dias aprenderam a falar a língua da mãe
muito antes de ter necessidade de falar
a língua dos seus pais colonizadores. Os
escravos trazidos de várias regiões da
África, falantes de várias línguas diferen-
tes, foram misturados propositadamen-
te nas fazendas e acabaram obrigados a
aprender a falar Português até pra po-
derem falar entre eles. Ou seja, durante
os mais de quatrocentos e cinqüenta
anos em que não esteve na escola, o povo
brasileiro teve de aprender a falar Por-
tuguês falando Português com quem não
sabia falar o Português castiço das elites
lusitanas.
Se levarmos em conta que a univer-
sidade no Brasil é um fenômeno do sé-
culo XX e que a ciência da linguagem só
se implantou em nossas universidades
há menos de cinqüenta anos, podemos
entender por que só muito recentemen-
te os lingüistas brasileiros passaram a
recusar os tradicionais mitos a respeito
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
10BOLETIM � PGM 1 - PARA ALÉM DA AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
de nossa relação com a língua e colocar
algumas fundamentais perguntas: que
língua falamos, afinal? É mesmo verda-
de que todos no Brasil falamos a mesma
língua? Que relações estabelecemos en-
tre nossa fala e nossa escrita? Como se
constituiu historicamente nossa relação
com a língua escrita? Por que a literatu-
ra brasileira se constituiu também a par-
tir de um conflito lingüístico? Por que
não nos ensinamos a aprender e a ensi-
nar Português ao longo dos últimos qui-
nhentos anos?
Os estudos sobre nossa língua fala-
da, levados a efeito por vários pesquisa-
dores, entre eles um grande grupo de
lingüistas de todo o Brasil reunidos no
Projeto de Gramática do Português Fa-
lado, estão mostrando não só que há
uma grande variação lingüística (geográ-
fica e social) interna no País – ao contrá-
rio do que sempre disse o mito da uni-
dade lingüística brasileira –, mas tam-
bém que a língua que falamos difere
muito da língua falada em Portugal, a
que deu origem ao Português escrito. Em
vista disso, hoje podemos dizer que fala-
mos uma língua e temos de aprender a
ler e escrever em outra língua.
Esse novo saber que a ciência da lin-
guagem nos proporciona faz duas revela-
ções de transcendental importância a
nosso respeito: a primeira que nós, de
fato, falamos muito mal o Português, não
porque sejamos incompetentes como
sempre tentaram nos fazer crer, mas por-
que falamos – muito bem, tão bem quan-
to qualquer outro povo do mundo – uma
outra língua, parecida com o Português,
com a qual somos capazes de dar conta
de nossas necessidades expressivas. A
segunda é que nós falamos uma língua
apenas parecida com o Português e, por
razões de política cultural, temos de
aprender a ler e escrever em Português.
Essas revelações são importantes por-
que, em primeiro lugar, podemos deixar
de culparmos a nós mesmos por não ter-
mos aprendido a ler e escrever direito na
escola, pois a escola tentou ensinar-nos
a ler e escrever em Português como se
fôssemos falantes de uma língua cujas
frases têm sujeito e predicado, em que
os pronomes pessoais mudam de forma
conforme a função sintática que exercem
na frase, com desinências verbais pró-
prias para as segundas e as terceiras pes-
soas, em que os futuros são simples, em
que o adjetivo concorda com o substanti-
vo. Como a língua que falamos não tem
nada disso, agora podemos pôr a culpa
na escola, que não nos ensinou direito e
nos culpou por não termos aprendido. Em
segundo lugar, porque podemos, agora,
começar a pensar num modo mais ade-
quado de ensinar a ler e escrever nessa
língua que não falamos, nessa língua ape-
nas parecida com a língua que falamos,
nessa língua estrangeira. Como já sabe-
mos que, para aprender língua estran-
geira, precisamos adquirir familiaridade
com ela, sabemos também que só vamos
aprender a ler e escrever em Português
se praticarmos bastante a leitura e a es-
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
11BOLETIM � PGM 1 - PARA ALÉM DA AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
crita em Português. Onde? Só tem um
lugar: na escola.
Ensinar a ler
Trata-se de exercitar a leitura para
praticar, numa primeira instância, a
decodificação da escrita, adestrando o
olho para enxergar mais do que uma le-
tra de cada vez, mais do que apenas uma
palavra, para entender os processos de
construção das palavras (os radicais, os
afixos, as desinências), para enxergar as
discrepâncias que caracterizam a ortogra-
fia, para atribuir significado a expressões,
a metáforas, para familiarizar-se com a
sintaxe da língua escrita (a concordância
verbal e nominal, as formas e os tempos
verbais, o uso das preposições, as con-
junções e outros nexos), para entender o
significado dos sinais de pontuação, o das
letras maiúsculas e o das minúsculas, o
das margens do texto, para construir um
repertório de enredos, de personagens,
de raciocínios, de argumentos, de linhas
de tempo, de conceitos que caracterizam
as áreas de conhecimento, para, enfim,
movimentar-se com desenvoltura no
mundo da escrita. Esta leitura de forma-
ção de leitor tem por objetivo desenvolver
no aluno a familiaridade com a língua
escrita através da leitura de todo o tipo
de texto, numa quantidade tal que o faça
gostar de ler e de perceber a importância
da leitura para sua vida pessoal e social,
transformando-a num hábito capaz de
satisfazer esse gosto e essa necessidade.
E como os professores trabalhariam
com esses livros? Ensinando a ler, co-
meçando por colocar os alunos na mais
adequada postura para ler: sentados em
silêncio; administrando a escolha dos li-
vros, conversando com o aluno que soli-
citar uma orientação a respeito do as-
sunto do livro, incentivando-o a olhar no
dicionário alguma palavra-chave para o
entendimento do texto, ajudando o alu-
no a usar o dicionário, fornecendo-lhe
indicações bibliográficas nas quais po-
deria procurar mais informações a res-
peito de um assunto que lhe despertou
um interesse mais forte, estimulando
esse interesse, incentivando-o a falar aos
colegas a respeito do que está lendo, a
trocar impressões com os colegas a res-
peito de leituras comuns.
E por que em sala de aula e não na
biblioteca? Porque a sala de aula é o lu-
gar onde o professor ensina, onde ele
mostra, por sua presença e sua atuação,
a importância da leitura: ele traz os li-
vros, apresenta os livros, quer que todos
escolham o que vão ler, ele fica sabendo
do interesse que vai formando-se para
cada um, faz sugestões, discute os as-
suntos, responde perguntas, aprofunda
o assunto, ele lê com seus alunos. A bi-
blioteca é o lugar de outra magia: lá está
o tesouro inesgotável do conhecimento
construído historicamente pela humani-
dade. Na biblioteca, o aluno, exploran-
do o seu acervo, vai expandir seus inte-
resses: vai descobrir que existem enci-
clopédias, mapas, atlas, manuais, revis-
tas, livros de todo o tipo e sobre todos os
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
12BOLETIM � PGM 1 - PARA ALÉM DA AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
assuntos, ou vai concentrar-se numa lei-
tura de aprofundamento de um deter-
minado interesse criado na leitura em
sala de aula. A sala de aula é lugar da
criação de um vínculo com a leitura, pela
inserção do aluno na tradição do conhe-
cimento. A biblioteca é o lugar do culti-
vo pessoal desse vínculo; lá se processa
o amadurecimento intelectual.
Ao lado dessa atividade de leitura ori-
entada pelo gosto, pelo prazer de atri-
buir sentido a um texto, cada professor
na aula de sua respectiva disciplina (ou
dois ou mais professores em trabalho
multidisciplinar) vai promover leituras de
aprofundamento de textos: agora todos
vão viver o encantamento da descoberta
coletiva dos muitos sentidos historica-
mente reconhecidos em um texto deci-
sivo para o conhecimento produzido pela
humanidade. Esta leitura de inserção do
aluno no universo da cultura letrada tem
por objetivo desenvolver a habilidade de
dialogar com os textos lidos pelo desen-
volvimento de sua capacidade de ler em
profundidade e de interpretar textos sig-
nificativos para a formação de sua cida-
dania, cultura e sensibilidade.
Ler é produzir sentido: o leitor atri-
bui ao texto que tem diante de si o sen-
tido que lhe é acessível. Assim, o aluno
de 5ª série, que acabou de ler o Soneto
da Fidelidade, chama a professora para
expressar sua admiração: gostou muito
da comparação do amor com fogo na ga-
solina: aqui, ‘sora, posto que é chama.
Cabe ao professor, então, ensinar ao alu-
no que, posto que é uma construção da
língua escrita, busca expressar uma re-
lação tal que liga um efeito à sua esquer-
da com uma causa à sua direita, uma
expressão da mesma família do porque.
O professor vai dizer que a leitura cor-
rente do poema interpreta não que “seja
imortal posto que é chama”, como o amor
“não é imortal, porque é como uma cha-
ma, que pode se apagar”. Vai dizer tam-
bém que na comparação do amor com
fogo na gasolina, o sentido que o aluno
construiu, com os meios expressivos a
que tinha acesso, é uma metáfora muito
expressiva, a partir da qual ele pode pro-
duzir o seu próprio poema a respeito do
mesmo tema.
É um direito de cidadania do aluno
ter acesso aos meios expressivos
construídos historicamente pelos falan-
tes e escritores da Língua Portuguesa,
para se tornar capaz de ler e compreen-
der todo e qualquer texto já escrito nessa
língua. Ensinar a ler é levar o aluno a
reconhecer a necessidade de aprender a
ler tudo o que já foi escrito, desde o le-
treiro do ônibus e os nomes das ruas, dos
bancos, das casas comerciais, leituras
fundamentais para a sua sobrevivência e
orientação numa civilização construída a
partir da língua escrita; ler o jornal, que
vai relacioná-lo minimamente com o mun-
do lá fora; ler os poemas, que vão dar
concretude, qualificar e expandir os limi-
tes de seus sentimentos; ler narrativas,
que vão organizar sua relação com a com-
plexidade da vida social, ler as leis e os
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
13BOLETIM � PGM 1 - PARA ALÉM DA AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
regulamentos que regem a sua cidada-
nia, ler os ensaios que apelam à sua
racionalidade e a desenvolvem.
Ensinar a ler é também dar acesso
aos meios expressivos necessários para
que o aluno leia não apenas os seus con-
temporâneos, dialogando com eles den-
tro de um universo comum de questões,
problemas e descobertas, mas também
os antigos, até com os fundadores da lín-
gua para que ele possa perceber que a
Língua Portuguesa que ele lê é produto
do trabalho de homens como ele que a
tornaram capaz de expressar o que pre-
cisaram que ela expressasse.
Desse modo, assim como, numa pri-
meira instância, ensinar a ler é alfabeti-
zar, levar o aluno ao domínio do código
escrito, ensinar a ler continua sendo le-
var o aluno ao domínio de códigos mais
elaborados e mais especializados. A
quem cabe ensinar o significado corren-
te de posto quê? Em princípio, costuma-
se atribuir tarefas desse tipo ao profes-
sor de Português, mas qualquer profes-
sor, de qualquer disciplina, é, pelo me-
nos também em princípio, um leitor da
Língua Portuguesa e, como tal, pode fa-
zer uma tal ponte entre o significado
construído pelo aluno e o significado cor-
rente da expressão. E o princípio mais
saudável para reger essa tarefa é a sabe-
doria relativa de cada um: vamos combi-
nar que não é feio nem constrangedor
ignorar o significado de alguma palavra
ou expressão, nem mesmo para os pro-
fessores de Português. Vamos combinar
que é muito mais útil para professores e
alunos que todos acabem achando na-
tural procurar resolver as próprias dúvi-
das em dicionários, enciclopédias, ma-
nuais, guias ortográficos, dicionários
especializados. Vamos combinar que feio
e inútil (e muito mais trabalhoso) é es-
tigmatizar a ignorância alheia e escon-
der a própria.
Ensinar a escrever
O mesmo para a escrita: se nós, pro-
fessores de todas as disciplinas, propor-
cionarmos a nossos alunos muitas e
muitas oportunidades para que escrevam
muito para dizer coisas significativas para
leitores a quem desejam informar, con-
vencer, persuadir, comover, eles vão aca-
bar descobrindo que escrever não é aque-
la trabalheira inútil de preencher vinte
e cinco linhas, de copiar livro didático e
pedaços de enciclopédia. Eles vão aca-
bar descobrindo que são capazes de es-
crever para dizerem a sua palavra, para
falar deles, de sua gente, para contar a
sua história, para falar de suas necessi-
dades, de seus anseios, de seus proje-
tos e vão acabar descobrindo, por causa
disso, que são gente, que têm o que di-
zer, que têm história, que têm necessi-
dades, desejos, que têm direito a satis-
fazer suas necessidades, a fazer proje-
tos, que podem aspirar a uma vida me-
lhor, enfim.
Por isso, cada professor em sua sala
de aula, vai vincular – através da produ-
ção escrita – conteúdos específicos das
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
14BOLETIM � PGM 1 - PARA ALÉM DA AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
disciplinas com a vida de seus alunos,
solicitando-lhes que escrevam sobre as-
pectos de suas vidas e vai propor que
esses textos sejam lidos para os colegas
e discutidos em sala de aula. E cada pro-
fessor vai ler esses textos com interesse
pelo que dizem e não apenas para corri-
gir o Português ou verificar o acerto de
suas respostas. Vai orientar a reescrita
desses textos para que digam com mais
clareza e mais precisão o que querem
dizer. E vai mandar ler um poema, uma
notícia, um conto, uma reportagem, um
artigo, um livro que diga coisas interes-
santes a respeito de um tema suscitado
nas discussões desses textos. E vai
aprofundar essa leitura com os alunos e
pedir que voltem ao assunto para incor-
porar os dados novos trazidos por essa
leitura, dando continuidade à discussão.
Para ensinar a escrever é preciso,
para começar, que o professor queira
saber o que o aluno tem a dizer sobre o
assunto a respeito do qual pediu que ele
escrevesse e acredite que ele realmente
tem alguma coisa a dizer. Para acreditar
que o aluno tem algo a dizer é preciso
que o professor perceba-se como alguém
que tem algo a dizer, isto é, o texto es-
crito pelo professor é pré-requisito para
que o aluno escreva o seu texto. O pro-
fessor só pode provar a seus alunos que
escrever faz sentido se conseguir mos-
trar-lhes que, tal como ler, escrever é
produzir sentido, que o autor do texto é
o primeiro leitor a ser atingido pelos efei-
tos de sentido provocados por seu esfor-
ço de mobilização dos recursos expres-
sivos historicamente construídos na lín-
gua para pôr uma certa ordem na vida e
no mundo.
A seguir, é importante que o profes-
sor constitua, na sala de aula, o público
para os textos de seus alunos e os po-
nha sistematicamente em discussão. É
preciso reverter a tradicional crença de
que somos todos incapazes de escrever,
substituindo-a pela convicção natural de
que somos todos capazes de escrever
para descobrirmos o que somos capazes
de dizer a respeito do assunto de que
estamos tratando. Essa capacidade bro-
ta do trabalho de escrever (e não de uma
inspiração iluminada) e do diálogo do
texto resultante desse trabalho com os
seus leitores, e esse diálogo só faz senti-
do se for para subsidiar uma ou mais
reescritas do texto com a finalidade de
construir a respeito do assunto a clare-
za possível neste momento histórico pelo
qual passa o autor do texto.
Finalmente, é necessário que o pro-
fessor seja professor e examine esses
textos para orientar minuciosamente as
reescritas que vão qualificá-los. Orien-
tar a reescrita não é apenas adequar o
conteúdo às verdades estabelecidas da
ciência nem a forma do texto ao modo
consagrado de escrever nessa área de
conhecimento; é principalmente levar o
autor do texto a repensar a pertinência
dos dados com que está lidando, a coe-
rência da tese que apresenta, a adequa-
ção entre dados e tese, a perceber lacu-
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
15BOLETIM � PGM 1 - PARA ALÉM DA AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
nas nas informações de que dispõe e a
perguntar-se para que vai servir o que
está escrevendo.
Assim como salientamos a respeito da
leitura, também no que se refere à escrita
podemos falar a respeito de duas escritas.
Há uma escrita privada, como, por exem-
plo, a carta, que se dirige a um único des-
tinatário e só a ele interessa, e o diário,
que se dirige ao próprio autor, em diálogo
interior objetivado consigo mesmo. É bom
que a escola apresente os alunos a essas
práticas históricas de escrita e que os in-
centive a praticá-las, não só porque nin-
guém mais o fará, mas também porque
são excelentes exercícios para desenvol-
ver a habilidade de escrever, pois envol-
vem uma prática de escrita muito próxi-
ma das práticas da língua falada.
Há uma escrita pública, que se diri-
ge ao leitor, isto é, tanto àqueles que o
autor tinha em mente ao escrever quan-
to a qualquer um que resolver botar um
olho curioso no texto. O texto público é
o texto da escola: não se trata de apenas
incentivar o aluno a escrevê-lo, mas de
tomar isto como a mais legítima tarefa
escolar. Dentro da escrita pública, é pre-
ciso também distinguir dois tipos de tex-
to: os que servem à leitura, expressando
a compreensão do texto lido, como o es-
quema, o resumo, a paráfrase, a rese-
nha e o texto que expressa a produção
de conhecimento, basicamente a narra-
ção e a dissertação. É preciso trabalhar
com esses dois tipos de texto sem con-
fundir as suas finalidades.
A escola insere o aluno no contexto
de diálogo da cultura, um diálogo que
se dá por escrito; por isso, ensinar o alu-
no a escrever para que ele possa partici-
par nesse diálogo é tarefa de toda a es-
cola. E para que ele possa participar des-
se diálogo na condição de produtor de
conhecimento, nenhuma das disciplinas
da escola pode adotar o resumo, a pará-
frase, o esquema, a anotação como seu
texto preferencial: nenhuma disciplina
pode privilegiar formas textuais em de-
trimento da escrita para exercitar o en-
tendimento e produzir sentido.
Se aceitarmos que o texto que mais
adequadamente expressa a cultura con-
temporânea, científica e tecnológica é a
dissertação, o gênero mais amplo sob o
qual se abrigam os artigos, os ensaios,
as teses que expressam e divulgam os
avanços do conhecimento (não por aca-
so o texto que as autoridades educacio-
nais já definiram como o texto obrigató-
rio da bagagem do candidato a estudan-
te universitário), esse é o mais forte mo-
tivo para que todas as disciplinas envol-
vam-se no processo de criar condições
para que os estudantes se habilitem a
praticar a produção de textos dissertati-
vos que não se limitem, tal como vêm
mostrando as redações de vestibular, a
meramente reproduzir lugares-comuns.
E para criar no aluno uma atitude
dialógica com relação ao próprio texto,
o professor de qualquer área/discipli-
na pode começar por refletir sobre a qua-
lidade dialógica do próprio texto; isto
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
16BOLETIM � PGM 1 - PARA ALÉM DA AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
quer dizer que ensinar a escrever para
produzir conhecimento envolve apren-
der a escrever para produzir conheci-
mento. A licenciatura que cursou não
ensinou o professor a fazer isso? Todo
mundo sabe que o conhecimento avan-
ça justamente porque somos capazes de
aprender muito mais do que nos ensi-
naram e que ninguém é educado para
viver a época em que vive. A tarefa do
professor nesta época em que as infor-
mações estão de muitas maneiras ao
alcance do todos já não é exatamente a
de fornecer essas informações: é ensi-
nar o aluno a organizá-las de modo que
façam sentido.
Ensinar a escrever é uma tarefa de
uma escola disposta a olhar para frente
e não para a repetição do passado que
nos trouxe à escola que temos hoje: tra-
balhar com o texto implica trabalhar com
a incerteza e com o erro e não com a
resposta certa, porque escrever é produ-
zir e não reproduzir velhas certezas, pois
certezas nos deixam no mesmo lugar: é
o erro que nos leva na direção do novo.
Referência bibliográfica
NEVES, Iara C. B. et alli.(Orgs.) Ler e es-crever: compromisso de todas asáreas. Porto Alegre: Ed da Universi-
dade/UFRGS, 1998.
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
17BOLETIM
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
PGM 2 - HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURALER E ESCREVER EM HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA
EQUIPE DO NÚCLEO DE INTEGRAÇÃO UNIVERSIDADE ESCOLA, DAPRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO DA UFRGS - NIUE/UFRGS
Ler e escrever são competências im-
prescindíveis nas aulas de História, Li-
teratura e Língua Estrangeira. Muitas
vezes, os professores dizem isso de ou-
tro modo: dizem que interpretar é a ha-
bilidade básica dessas áreas/disciplinas,
seja a interpretação de um texto do livro
didático ou fornecido pelo professor, seja
de um documento de época, como uma
carta ou uma lei, seja a interpretação de
uma narrativa de ficção, seja um texto
que informa sobre aspectos da cultura
da língua estrangeira estudada.
Quando eles constatam que os alunos
têm dificuldades para interpretar, o que
querem dizer? Sob a idéia de interpreta-
ção, os professores indicam que os alunos
precisam “saber ler e escrever muito bem”,
pois textos, imagens e mensagens são o
objeto de trabalho mais freqüente nas au-
las dessas áreas/disciplinas. Muito pouco
a escola avançará na resolução das dificul-
dades de interpretação dos estudantes se
seus professores apenas insistirem em se
queixar com freqüência ao professor de
Português, dizendo que seus alunos não
sabem ler e escrever corretamente. Há
aprendizagens de leitura e escrita que com-
petem a todos os professores.
Como dizia Paulo Freire (2001), a lei-
tura da palavra se abre como possibili-
dade de leitura do mundo, espécie de
“palavramundo”. Como vivemos numa
civilização logocêntrica, isto é, que se vale
da razão para explicar os acontecimen-
tos, então a leitura é também condição
para compreender o modo de funciona-
mento do domínio da palavra escrita,
acesso que implica a possibilidade de
exercício da cidadania, de humanidade
plena, de democracia.
Lembremos com Foucambert (1994)
que a leitura/escrita é instrumento que
torna possível operações intelectuais
particulares, ou seja, um modo de pen-
samento voltado para a teoria e para a
abstração e não apenas preso ao con-
creto e ao imediato.
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
18BOLETIM � PGM 2 - HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
Ler e escrever em História
Os professores de História têm uma
tarefa decisiva na aprendizagem da lei-
tura e da escrita: ler e escrever o mun-
do, no mundo, no tempo em que vive-
mos, no tempo que já passou. Além dis-
so, o que torna esta tarefa mais comple-
xa, o professor deve ensinar com vistas à
construção de um tipo particular de co-
nhecimento: o conhecimento social.
A História é uma determinada leitura
da ação humana no tempo, a partir do uso
de instrumentos, procedimentos, informa-
ções, fontes que orientam e validam a pro-
dução do conhecimento histórico. Cartas,
documentos oficiais, jornais, mapas, diá-
rios, leis, processos judiciais, livros são
registros do social, que se constituem no
tempo e possuem uma história.
O modo como a História ensinou a
ler/escrever é, por si só, um documento
importante da História. Já houve tempo
em que se aprendia História pela trans-
missão oral, pelo diálogo entre as gera-
ções, em que a narrativa era muito valo-
rizada, ou ainda a História era ensinada
através das comemorações cívicas e do
culto aos personagens heróicos. Na es-
cola, a História era vista como a recons-
tituição da verdade do que aconteceu no
passado, e deveria ser aprendida identi-
camente por todos os estudantes. A ver-
dade do passado era encontrada nos es-
critos dos historiadores que estavam nos
manuais de História. Os alunos podiam
ter acesso às narrativas dos historiado-
res de duas formas: a) pela exposição oral
do professor de História, que aprendia
essa verdade do passado nos livros e re-
latava em aula o que realmente tinha
acontecido; b) os alunos tinham de ler
nos manuais de História a narrativa dos
historiadores. A leitura do texto históri-
co, assim como a escrita que reprodu-
zisse fielmente tal texto, era o que valia.
De outra parte e por conseqüência, o
exercício escolar se assentava nas técni-
cas de memorização: de fatos, de datas,
de personagens, de seqüências cronoló-
gicas. E a melhor atividade? Era o ques-
tionário, que é uma espécie de exercício
de leitura e escrita, mesmo que se cons-
titua em uma escrita-cópia idêntica ao
manual escolar.
Mas as técnicas de memorização na
escola se aprimoraram e foram substi-
tuídas por proposições do método intui-
tivo. Para aprender, não bastava memo-
rizar, apenas pela declamação literal do
lido, mas era também necessário esta-
belecer um certo número de associações:
de um texto com um mapa, do conteúdo
com uma gravura/paisagem, de um per-
sonagem com sua figura emblemática,
como é o caso da figura de Tiradentes.
As imagens passaram a ser recursos para
motivar e ilustrar os conteúdos ou para
concretizar as noções abstratas, facilitan-
do as aprendizagens.
Atualmente, já podemos optar por
um outro paradigma de conhecimento
histórico-social, pois sabemos que pro-
duzir conhecimento histórico é produ-
zir, a partir de problematizações do pre-
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
19BOLETIM � PGM 2 - HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
sente e das pistas que nos restam do
passado, leituras e escritas possíveis des-
se passado. Em vista disso, há espaço
para que os alunos produzam narrativas
a partir da leitura de pistas/documen-
tos, registrando por escrito argumentos
que fundamentem suas interpretações
do passado, isto é, produzam um discur-
so histórico.
Para desempenharmos com sucesso
nossa tarefa docente, é preciso oportuni-
zar a leitura de documentação variada e
da iconografia, pois elas permitem a cons-
trução do conhecimento social e propici-
am a possibilidade de estabelecer rela-
ções entre textos de diferentes lingua-
gens: um documento escrito com uma
imagem, por exemplo, uma pintura so-
bre a Inquisição e um fragmento de um
processo inquisitorial da Santa Sé; uma
imagem com um texto sonoro ou uma foto
de indígenas no início do século em ritu-
al religioso e a audição de um mantra de
ritual de xamanismo indígena.
Para isso, é preciso aprender a ler, a
compreender e a escrever de diferentes
tipos de textos e linguagens, buscando
reconhecer suas características no tem-
po em que foram produzidas, tornando-
as o centro das aulas de História. Pela
compreensão, se estabelece o diálogo
com o outro que está distante no tempo
e que não será entendido se nos servir-
mos apenas das lentes do presente. Ler
seus vestígios, inserir sua linguagem,
usos e costumes em seu próprio tempo
é deixar que ele se nos apresente, é
aprender sobre nossas diferenças, o que
é também nos conhecermos melhor.
Podemos, assim, exercitar a leitura
e a escrita interrogando e registrando, a
partir de diferentes documentos: Onde
surge o documento? Quem é seu autor?
Em que condições foi produzido? Para
quem? Enfim, qual a visão de mundo que
registra e quer transmitir ao leitor? Qual
a linguagem que utiliza? Por que algu-
mas expressões não são mais usadas,
mas foram tão significativas num outro
tempo?
Tanto a leitura quanto a crítica, ou
ainda a decifração de documentos e ima-
gens em História, supõem a aquisição
de um vocabulário histórico específico
que o professor utiliza para ensinar con-
ceitos, que são as ferramentas de que
dispomos para compreender.
Quanto à leitura, é preciso destacar
que, nas aulas de História, além dos
momentos para leitura individual e si-
lenciosa de textos ou documentos, é im-
portante praticar a leitura em voz alta,
especialmente simulando/encenando
cenas históricas. Além disso, muito se
pode aprender a partir da leitura das
ilustrações de livros de diferentes épo-
cas, o que transforma o livro em docu-
mento de época.
É possível ler, nos livros didáticos
antigos, retratos e textos, investigar os
laços entre cultura e poder, entre ima-
gem e poder, registrando as investiga-
ções em novos textos escritos com as lei-
turas possíveis.
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
20BOLETIM � PGM 2 - HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
Aprender a escrita de um texto his-
tórico implica, retomando o que foi dito,
explicitar e utilizar conceitos específicos,
exercitar um estilo narrativo, comparar
diferentes tempos (hoje/ontem), argu-
mentar, analisar e posicionar-se, descre-
ver cenários histórico-sociais, elaborar
textos biográficos, organizar linhas de
tempo comentadas.
Lembremos sempre que a história e
sua aprendizagem oportunizam uma
cultura de participação, pois interagimos
com a História como sujeitos de um tem-
po, de uma sociedade, de uma política.
Em conseqüência, no ensino de Histó-
ria, os conteúdos abordados são insepa-
ráveis do modo de ensinar. O professor
de História ensina também uma atitude
perante o mundo, o que supõe que pode
também ensinar o rigor crítico, o gosto
pela leitura, a emoção da narrativa e a
descoberta respeitosa do outro do pas-
sado, como modo de nos conhecermos e
respeitarmos nossas diferenças e seme-
lhanças.
O fascínio pela leitura de biografias
pode suscitar o desejo da escrita autobio-
gráfica, a leitura crítica de discursos po-
líticos pode motivar a escrita de
contrapontos e réplicas, sugerindo as
outras possibilidades de um processo
histórico que transcorreu; a leitura de
uma narrativa pode inspirar o registro
escrito de uma vivência significativa, para
que ela não se perca no tempo. Desse
modo, saímos da condição de especta-
dores estáticos e assumimos, estudan-
tes e professores, a escrita da História,
em seu mais pleno sentido de autoria e
protagonismo.
Ler e escrever em Língua Estrangeira
Algumas questões sobre a leitura e
a escrita em Língua Estrangeira na cul-
tura da escola, especialmente quando
buscamos contemplar as diferentes ne-
cessidades/expectativas dos alunos, são
ainda bastante recorrentes entre os edu-
cadores de línguas, ou seja: Que tipo de
pessoa queremos formar? Somente lei-
tores e escritores ou leitores-autores e es-
critores-autores em uma segunda língua?
Ou ainda, parafraseando Moita Lopes
(1995), buscamos transformar o aluno
em sujeito de um discurso em Língua
Estrangeira, engajado no mundo social
em sua volta? Por fim, o papel da Língua
Estrangeira é viabilizar que o aluno faça
um melhor sentido do seu dia-a-dia na
sua cultura de origem – como uma efi-
caz ferramenta/instrumento sociocultu-
ral – ou é também, propiciar que desen-
volva uma percepção positiva da cultura
do outro? Estas questões dizem respeito
ao compromisso social da escola, que é
ensinar a ler e a escrever enquanto pro-
cessos de construção de significados, de
despertar vozes através de uma segun-
da língua, da cultura do outro.
O diálogo entre o eu e o outro come-
ça a se estabelecer a partir da experiên-
cia intercultural, quando os educadores
de línguas possibilitam que seus alunos
transitem entre duas ou mais culturas
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
21BOLETIM � PGM 2 - HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
distintas, buscando melhor entender
suas próprias raízes culturais. Ao mes-
mo tempo, reforçam sua auto-imagem e
superam a “invisibilidade” ao serem es-
timulados na sua habilidade de
alternância de códigos culturais (cultu-
ral code switch) sem que venham a per-
der ou afetar sua própria identidade, os
seus próprios referenciais culturais
(Irvine, 1998). Conhecer outra cultura
contribui para um melhor entendimen-
to da própria cultura. À medida que ob-
servamos o papel que uma cultura es-
trangeira desempenha na formação de
ações, crenças e opiniões, melhor enten-
demos como nossa própria cultura in-
fluencia nossas atitudes e valores. Apre-
ciar a diversidade cultural nos auxilia a
superar crenças, pré-julgamentos e es-
tereótipos que, com freqüência, influen-
ciam nossa percepção como membros de
outras culturas. Relacionamentos pes-
soais, interação verbal, comunicação não-
verbal, valores da família, valores do tra-
balho, etiqueta social, percepção do tem-
po, atividades de lazer e pontos de vista
de ética e estética, todos oferecem opor-
tunidades desafiadoras de descoberta
A leitura em uma segunda língua/
língua estrangeira não deve ser entendi-
da como uma atividade passiva de
decodificação de vocabulário ou de idéias
específicas (o mito do “só entendo o tex-
to se posso traduzi-lo palavra por pala-
vra e se me torno bilíngüe na cultura-
alvo”), mas como um processo dinâmico
de desenvolvimento e implementação de
estratégias como: inferência, autopredi-
ção, autoquestionamento, nas quais cada
leitor irá imprimir um significado ao tex-
to, baseado nas suas expectativas e
vivências e no seu conhecimento prévio
sobre o assunto. O que se busca é um
leitor intercultural, crítico e imaginati-
vo. Para Grigoletto (1992, p.42) uma lei-
tura mais eficiente em Língua Estran-
geira deve incluir discussões sobre pos-
síveis sentidos do que se lê mais as ten-
tativas de persuasão do autor. O diálogo
do leitor com o autor, prossegue a auto-
ra, se estabelece a partir de elementos
que introduzem a opinião do autor, as
... razões que levaram o autor a dizer o
que disse do modo como disse. Para
Orlandi (Orlandi, 1988, citada por
Grigoletto, 1992), o autor, inserido num
contexto sociocultural específico, num
momento histórico determinado, tem
como objetivo comunicar algo a um lei-
tor. Daí a inclusão de perguntas do tipo:
“Quem está falando? Por quê? Que tipo
de canal está utilizando? Em que mo-
mento histórico? A partir de qual ideo-
logia?” É a incorporação da visão
discursiva da leitura, onde cada leitura
é única e o sentido é criado a cada leitu-
ra. É a voz da autoria dos alunos, leito-
res-autores em Língua Estrangeira, que
se expressa na construção de sentidos a
partir de um determinado momento po-
lítico, histórico e social.
Sylwester (1995, p.105) afirma que
... ser humano é ser contador de histó-
rias... e que, do ponto de vista neuronal,
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
22BOLETIM � PGM 2 - HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
faz parte da natureza biológica e ambien-
tal do cérebro humano o contar histórias.
Perguntar a uma criança qual é a idéia
central do texto/história (o que se de-
nomina de gist da história) é uma for-
ma de começamos a incorporar o esque-
ma narrativo (narrative [story] schema) às
nossas estruturas cognitivas desde os
nossos primeiros contatos com as estóri-
as da nossa infância (Dias,1996). Por
conseguinte, saber ler (em uma concep-
ção ampla de leitura, que vai desde o
não-verbal até a palavra escrita em uma
segunda língua) e saber escrever são fer-
ramentas socioculturais fundamentais
que possibilitam ao aluno ser um conta-
dor de estórias, principalmente quando
transita entre duas culturas. Por isso, é
importante incorporar o componente
emocional ao processo de compreensão
de leitura, bem como o componente de
leitura crítica, a fim de que nossos alu-
nos se tornem agentes do processo de
ler e de construir sentidos e sejam esti-
mulados a desenvolverem um projeto
próprio de leitura.
Da mesma forma que a leitura, a es-
crita em Língua Estrangeira deve ser en-
tendida de forma processual, possibilitan-
do ao aluno a expressão de sua individu-
alidade, o desenvolvimento do seu estilo,
através de diferentes tipos de discursos
escritos. A questão afetiva se traduz pela
necessidade que o aluno tem de se fazer
entender claramente pelo leitor, numa
língua-alvo que não é a sua, vinculada ao
desejo de sair-se bem na aprendizagem
desse novo idioma. Por outro lado, a ques-
tão comunicativa em textos escritos, por
exemplo, remete a atitudes de intencio-
nalidade que devem ser trabalhadas com
o aluno, como é o caso da persuasão.
Citelli (1988) sugere que, em estágios
mais elementares, seja trabalhada a pro-
dução de textos em que a persuasão é
bastante óbvia, como é o caso da propa-
ganda ou da opinião sobre algo. Em um
estágio intermediário, seria interessante
insistir na produção de textos neutros,
ou descritivos (textos para jornais, textos
de instruções), para, se possível, chegar-
se a um estágio avançado no qual predo-
mine uma aparente ausência do sujeito
produtor do discurso.
O desafio está em propor um con-
texto real para que os alunos escrevam
sobre a sua rotina diária, ao invés da es-
crita como reforço de estruturas grama-
ticais. Despertar a motivação, o gosto pela
auto-expressão escrita, na comunicação
ou no diálogo que se estabelece com o
outro – o leitor do texto escrito – signifi-
ca conscientizar o aluno de que uma boa
escrita sempre necessitará de prepara-
ção/planejamento e feedback (esse úl-
timo será do professor ou de outro alu-
no como leitor crítico). Por parte dos pro-
fessores leitores de textos, o desafio é
superar a tentação de marcar erros an-
tes de terem lido o trabalho para enten-
der a mensagem nele contida.
A construção da voz na leitura e na
escrita em Língua Estrangeira está rela-
cionada aos aspectos processuais, discur-
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
23BOLETIM � PGM 2 - HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
sivos e holísticos que estas duas habili-
dades abarcam. Através do ler e do es-
crever, espera-se que o aluno contem-
ple suas necessidades cognitivas, comu-
nicativas e afetivas como ser sócio-histó-
rico e intercultural. Múltiplas vozes e
múltiplas leituras farão parte de seu
trânsito em diferentes culturas. É neces-
sário, porém, que se invista na visão de
que aprender uma outra língua é privi-
legiar os verdadeiros momentos de de-
senvolvimento de estratégias, de cons-
trução e desconstrução de sentidos no
diálogo entre leitor nativo e escritor es-
trangeiro.
Ler e escrever em Literatura
As escolas brasileiras têm buscado
renovar suas práticas, incorporando ao
seu fazer conteúdos e estratégias de
aprendizagem que capacitem os estu-
dantes à vida em sociedade, à valoriza-
ção da experiência subjetiva e à ativida-
de produtiva. Atuam para viabilizar a re-
alização de quatro premissas básicas,
apontadas pela UNESCO como eixos es-
truturais da educação na sociedade con-
temporânea: aprender a ser, aprender a
fazer, aprender a conhecer e aprender a
aprender.
Estes eixos requerem também dos
professores uma mudança de paradig-
mas pois, como adultos de referência
para os estudantes, precisam antes se
comprometer com tais premissas, assu-
mindo o fazer docente como uma tarefa
política e coerente, de compromisso com
a qualidade da vida na escola e em seu
entorno.
Nesse contexto, é importante abrir
perspectivas para que o ler e o escrever
favoreçam a promoção do saber, preser-
vem a identidade sócio-histórica dos
educandos e de sua comunidade e pro-
movam a inter-relação entre todos os
sujeitos envolvidos no processo
educativo. A Literatura, por não se cons-
tituir em uma disciplina na maior parte
das escolas de Ensino Básico, guarda em
si a possibilidade de atravessar todas as
demais áreas como documento que ex-
pressa, social e culturalmente, a organi-
zação do ser humano e de suas experi-
ências.
O objeto de estudo da Literatura é
um universo rico de significados – as
obras literárias de todas as épocas e na-
cionalidades, patrimônio cultural da
humanidade. Por isso, ao ler Literatura
e escrever a partir dela, o estudante a-
prende a ler e escrever a existência hu-
mana, atribuindo-lhe sentido, indepen-
dentemente de seu conteúdo e forma in-
dividual. Ela manifesta, através de cada
escritor, em cada obra ou em cada ato
de leitura, múltiplas significações e di-
versas ordens de significados mas, aci-
ma de tudo, possui uma supersignifica-
ção. Tal fenômeno possibilita que seja
vista como algo que acontece, que é fato,
não é estático, está em permanente pro-
cesso.
A comunicação artística supõe três
elementos fundamentais: autor, obra e
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
24BOLETIM � PGM 2 - HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
público, indissoluvelmente ligados em
seus papéis sociais, como nos ensina
Antonio Candido (1976). A atividade do
artista estimula a diferenciação de gru-
pos; a criação de obras modifica os re-
cursos de comunicação expressiva; as
obras delimitam e organizam o público.
Há um jogo permanente de relação en-
tre os três: o público dá sentido e reali-
dade à obra, é o espelho onde o autor
verifica a sua imagem refletida, atuando
então como um elo entre autor e obra.
Se considerarmos a formação de um
público leitor de Literatura, a escola sur-
ge, entre outras instituições, como ele-
mento vital para a sua qualificação: é de
sua competência ensinar a ler Literatu-
ra, atribuindo ao texto significados rela-
cionados à sua capacidade de proble-
matizar, contextualizar, refletir enfim
sobre as questões tematizadas pela obra.
Nesse contexto, é possível deduzir que
a mediação do professor é fundamental,
pois dele poderá depender a interação do
estudante com a obra, condição de de-
senvolvimento da comunicação.
Ler e produzir textos a partir da Li-
teratura é, de acordo com Eglê Franchi
(1987) um trabalho de construção de sig-
nificado e atribuição de sentidos, medi-
ante a utilização de elementos lingüísti-
cos, mas também de reconhecimento de
atividades culturais que englobam, en-
tre outros pontos, a perspectiva de onde
se enuncia e a intencionalidade das for-
mas escolhidas.
A Literatura veicula uma concepção
de linguagem que vincula texto e contex-
to. Por isso ela é forma viva de
contextualização de conhecimentos, e
pode ser, caso esteja fora do universo de
experiência do leitor, uma forma de afas-
tamento radical do que precisa ser com-
preendido, pois ele não partilhará do sen-
tido do texto. Diferentemente de um tex-
to informativo ou científico, a opacidade
da linguagem e sua multissignificação, ca-
racterísticas da leitura literária, propõem
uma relação dinâmica com o leitor, cons-
tituem seus interlocutores a cada texto,
podendo haver ou não negociação dos
sentidos, o que possibilita que se amplie
o espaço de abordagem/aprendizagem da
Literatura para as demais disciplinas,
além das aulas de Português.
Em decorrência, a leitura literária é
também uma forma eficiente de vincular
o ensino e a realidade, e a escola que a
valoriza forma alunos aptos a pensar, en-
tender o mundo ao seu redor, aplicando
conhecimentos adquiridos na escola.
Entre outros aspectos, a leitura lite-
rária colabora para o desenvolvimento de
uma cultura do pensar, prepara os alu-
nos para a resolução de problemas, para
a tomada de decisões e os predispõe a
manterem-se motivados para um apren-
dizado contínuo.
Uma obra literária pode apresentar
recuos no tempo, uma cronologia psico-
lógica, ser construída num terreno me-
tafórico, o que poderá levar a incompre-
ensões e demandará a presença de me-
diador. Em muitos contextos, a Arte, a
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
25BOLETIM � PGM 2 - HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
História e as demais áreas disciplinares
são aliadas para dar condições ao aluno
de se tornar um intérprete da obra lida,
de atualizar o contexto e apresentar as
relações de intertexto, possibilitando
uma leitura compreensiva e de atribui-
ção de sentidos.
Ler é um dos processos mais ricos
que temos para desenvolver a percepção
da vida e o reconhecimento do outro.
Através da leitura literária, adquirimos
conhecimento e saberes objetivos mas,
principalmente, ocupamos nossa capa-
cidade de pensar e sentir. Por esse mo-
tivo, a leitura literária tem a potenciali-
dade de, sozinha ou agregada às demais
áreas de conhecimento, mobilizar o es-
tudante a ampliar o seu horizonte de ex-
pectativas, conforme Iser (1996) prepa-
rando-o para ser um sujeito autônomo,
fazer de seu entorno social um espaço
de convivência respeitosa e solidária, co-
nhecer sua história, suas origens e sua
cultura e aprender a valorizar as mani-
festações simbólicas do ser humano, seu
mundo imaginário e as formas de
interlocução que ele pratica.
Referências bibliográficas
CANDIDO, Antonio. Literatura e socie-dade: estudos de teoria e história li-
terária. São Paulo: Nacional, 1976.
CITELLI, A. Linguagem e persuasão. São
Paulo: Ática,1988.
DIAS, Reinildes. A incorporação de estra-
tégias ao ensino e aprendizagem de
leitura em inglês como língua estran-
geira. In PAIVA, Vera Lúcia Menezes
de Oliveira (Org). Ensino da línguainglesa: reflexões e experiências.
Campinas: Pontes, 1996. p 199-210.
FOUCAMBERT, Jean. A leitura em ques-tão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
FRANCHI, Eglê. A redação na escola. São
Paulo: Martins Fontes, 1987.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia.São Paulo: Paz e Terra, 2001. 19ª ed.
GRIGOLETTO, Marisa. Ensino de leitura
em língua estrangeira: o que mais
pode ser feito? In: Contexturas: En-
sino Crítico de Língua Inglesa. São
Paulo: Associação dos Professores de
Língua Inglesa do Estado de São Pau-
lo, n. 1, p.41-46, 1992.
IRVINE, Jaqueline Jordan. The cultural
context of teaching and learning:
implications for teacher educators.
Porto Alegre: Seminário A questão
(inter) cultural no ensino e na apren-
dizagem: desafios para professores de
línguas (materna e estrangeiras).
NAP-RS/UFRGS. 1988. Dupl.
ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma
teoria do efeito estético. São Paulo:
Ed.34, 1996.
MOITA LOPES, L.P. Comunicação pessoal.Rio de Janeiro: 11 de outubro de 1995.
NEVES, Iara C. B. et alli.(Orgs.) Ler e es-crever: compromisso de todas as áre-
as. Porto Alegre: Ed da Universida-
de/UFRGS, 1998.
SYLWESTER, Robert. A celebration ofneurons: an educator´s guide to the
human brain. Alexandria: VA: ASCD,
1995.
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
26BOLETIM
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
PGM 3 - EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA
LER E ESCREVER EM EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA
EQUIPE DO NÚCLEO DE INTEGRAÇÃO UNIVERSIDADE ESCOLA, DAPRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO DA UFRGS - NIUE/UFRGS
Para um olhar desavisado, estas áre-
as disciplinares não parecem ter muito
em comum para discutir a respeito da lei-
tura e da escrita, a não ser no interior de
sua própria área de conhecimento, fican-
do cada uma delas envolvida especifica-
mente com seu universo conceitual. En-
tretanto, uma análise mais atenta evi-
dencia as relações que elas constroem
com diferentes textos, diferentes códigos,
na medida em que a leitura e a escrita
apresentam-se sob múltiplas formas. A
observação de atividades pedagógicas de-
senvolvidas nestas áreas indica, ainda, as
conexões que podem estabelecer entre si
e com outras áreas do currículo escolar
através da produção de conhecimento.
Isto é possível quando o professor é ca-
paz de mediar situações novas de apren-
dizagem, isto é, situações que fujam das
práticas tradicionais e compartimentadas
de ação na escola.
Quem está fora da escola vê, em ge-
ral, estas três áreas como tendo fazeres
pedagógicos muito afastados, reconhe-
cendo meramente que uma área traba-
lha com o corpo, outra com a mente e a
terceira com as notas que elevam o espí-
rito. É uma forma muito simplista e
generalizadora de conceber o trabalho
que nelas se realiza. Talvez esta errônea
compreensão, freqüente mesmo entre
colegas, decorra do escasso diálogo en-
tre as áreas do currículo, o que ainda é
tão comum na prática escolar, em que
pesem os esforços de transformação que
partem de diferentes lugares: dos cen-
tros de pesquisa, dos órgãos de governo
ou, especialmente, do desejo das pró-
prias comunidades escolares em rever e
transformar seu trabalho.
É uma forma de pensar que também
está atrelada a uma concepção de currí-
culo marcada pela indesejada hierarquia
entre as áreas, pela idéia de “matérias”
mais importantes, capazes de orientar
ou mesmo liderar a trajetória de ensino
ao qual o aluno se submete. Não se vê,
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
27BOLETIM � PGM 3 - EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
assim, o processo de construção do co-
nhecimento como decorrente do conjun-
to das ações e oportunidades de apren-
der promovidas na escola, no qual todos
se envolvem e participam.
Este entendimento que reparte o
aluno em corpo (Educação Física), men-
te (Matemática) e espírito (Arte/Música),
entregando cada pedaço a um professor
para que, num passe de mágica, ao tér-
mino de um período letivo, ele se recom-
ponha e se apresente como um todo do-
tado dos conhecimentos estabelecidos
segundo objetivos de um utópico plano
pedagógico, tem a ver ainda com a for-
ma como o professor compreende seu
papel na escola e como articula sua pro-
posta de trabalho ao projeto da escola.
Quando tantos que estão fora da es-
cola percebem estas três áreas como pou-
co comprometidas com a leitura e com a
escrita – e de resto, também o trabalho
das demais – razão deve existir para que
isto ocorra. Muito provavelmente nestas
salas de aula encontraremos professores
que vêem seus alunos como aprendizes
de ginastas, de matemáticos ou de can-
tores, preocupados em performances es-
peciais e desconsiderando suas particu-
laridades e expectativas. Via de regra, são
também professores que pouco promo-
vem a leitura e a escrita em suas áreas,
que as vêem como compromisso do pro-
fessor de Português e que, trabalhando
com seus próprios códigos de leitura e
de escrita, com seus textos específicos,
não os estão compreendendo como tex-
tos. Relegam, assim, a possibilidade de,
através da exploração de seus próprios
materiais – de suas linguagens particu-
lares -, ampliar e aprofundar os conteú-
dos selecionados e sistematizados na
escola, bem como aqueles que, autono-
mamente, o aluno irá construindo fora
da escola.
Compreender que a leitura e a escri-
ta são tarefas comuns a todas as áreas,
portanto tarefa a ser realizada nas aulas
de Educação Física, Matemática e Músi-
ca, é o passo inicial para que o pleno
domínio da leitura e da escrita, como
meios para o desenvolvimento da capa-
cidade de aprender se concretize, con-
forme objetivo explícito no artigo 32 da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. No entanto, não basta esta
compreensão. É importante e necessá-
rio que o professor, para trabalhar com
a leitura e a escrita, conheça minima-
mente as suas leituras e as suas escri-
tas, isto é, o que é particular como lin-
guagem na sua área, e, sobretudo, que
se assuma como alguém que lê e que
escreve em Educação Física, em Mate-
mática e em Música.
Com estas preocupações, tentamos
apontar sucintamente algumas especifici-
dades da leitura e da escrita destas áreas,
de forma que cada leitor dê significado
ao texto a partir de suas experiências
como professor.
Ler e escrever em Educação Física
Cada um de nós aprende primeira-
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
28BOLETIM � PGM 3 - EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
mente a se movimentar, a situar-se no
ambiente e a explorá-lo. Esta explora-
ção se inscreve num processo de leitura
do mundo, isto é, de reconhecimento e
identificação com o entorno imediato.
Em seguida, tomamos consciência de um
corpo que existe – o nosso –, que se ex-
pressa (escreve) pelos gestos e pela
oralidade, que tem limites e potencia-
lidades.
Cabe assinalar que a fala (bem como
a escrita) não é fruto de um mero acúmu-
lo de informações que, como produtos
armazenados, retornem ao meio através
de sons reconhecíveis. O que nos dife-
rencia de grande parte dos restantes dos
seres vivos é a capacidade de processa-
mento transformacional das informa-
ções (Pinker:1997).
Quando se aprende a falar, não se
aprende a linguagem através da
memorização de frases padronizadas,
mas pela compreensão das regras para
a criação de uma declaração com signifi-
cado. Toda vez que se fala, literalmente
cria-se significados. Ao poder comunicar
e partilhar suas experiências com outro,
podemos tomar um distanciamento des-
ta realidade para melhor observá-la,
compreendê-la e enriquecer-se com a
diferença perceptiva do outro. No mo-
mento em que, através da fala, o ser hu-
mano estabeleceu um processo comu-
nicativo, ele começou a reconhecer dife-
renças entre ele mesmo e o outro. Estas
representam um salto qualitativo em sua
leitura de mundo e de si próprio. Quan-
do os professores percebem as relações
possíveis e necessárias com a leitura e a
escrita conseguem avançar na reorga-
nização da área e da escola.
Na Educação Física, é comum que o
professor oriente seu trabalho conside-
rando o aluno como máquina, capaz de
rendimentos cada vez mais altos. O alu-
no responde e até produz alguns resul-
tados esperados, mas ele é muito mais
do que isto. Se o professor de Educação
Física trabalhar apenas com o compo-
nente de saúde do corpo e desconsiderar
os aspectos cognitivos e subjetivos na
construção do movimento – a principal
linguagem em nossa área –, estará
desconsiderando a capacidade de
aprender de seus alunos e construir abs-
trações. E, afinal, se a leitura e a escrita
também fazem parte de um processo de
comunicação que acontece entre sujei-
tos que interagem mediante a inter-re-
lação de seus corpos, a Educação Física
tem muito a ver com tudo isto. Nenhu-
ma mensagem de um indivíduo chega a
outro senão através da concretização me-
diada pelo seu corpo (Humphrey:1995).
Tome-se, por exemplo, o fato de que,
hoje, qualquer indivíduo pode enviar
mensagens para qualquer parte do mun-
do, utilizando-se de um computador.
Entretanto, para que a idéia seja re-
passada, ela precisa ser mediada pelo cor-
po, seja através dos dedos que tocam o
teclado, seja através da voz. Como no pas-
sado, e mesmo que atualmente possamos
dispor de recursos muito variados de co-
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
29BOLETIM � PGM 3 - EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
municação, é clara a importância do cor-
po e de seus movimentos para que a co-
municação se estabeleça. A escrita per-
mite multiplicar as experiências que se
deseja ver vivenciadas por outros.
À medida que o professor consegue
resgatar a expressão dos alunos sobre
sua relação com o corpo e o corpo em
movimento, incentivando-os a ler sobre
este tema, a (re)-escrever os movimen-
tos, experimentando novas possibilida-
des de agir, ele estará incluindo sua área
no contexto de um currículo que pensa
o aluno em sua totalidade. Se na aula
de Educação Física o aluno é estimula-
do a produzir textos sobre as suas expe-
riências nesta área, a realizar saídas de
campo para observar diferentes situações
de movimento, a analisar a importância
da rotina do exercício físico, a redigir re-
latórios, a criar murais, painéis, a pro-
duzir filmes, a fazer estatísticas sobre o
próprio grupo, a construir tabelas e grá-
ficos, dando espaço e significado a con-
teúdos e linguagens de outras áreas, se-
guramente os conteúdos da área esta-
rão sendo trabalhados através de estra-
tégias mais significativas e que consoli-
darão aprendizagens mais duradouras.
Dessas aulas, não restará a memó-
ria exclusiva de movimento desconectado
da realidade, de um professor que en-
trega uma bola ao aluno e que toma para
si um apito com o qual controla o grupo.
Ler e escrever em Matemática
Se a aula de Educação Física não
perturba rotineiramente o aluno, não
gera lembranças angustiantes, a sim-
ples palavra “matemática” é capaz de
desencadear em nós sentimentos con-
traditórios, desde o horror até o entusi-
asmo. Assim, ao resgatar as crenças e as
concepções em torno da Matemática que
está presente em todos nós, resultará a
visão de uma linguagem simbólica, ex-
pressa com notações formais, definida de
forma abstrata e de difícil compreensão.
A Matemática, associada à idéia de
ciência, tem sido entendida como uma en-
tidade que habita uma esfera superior. Em
decorrência, poucos podem compreendê-
la, seja por sua complexidade, pelo rigor
lógico associado e por sua linguagem
quase hermética, apesar de ela estar pre-
sente em nossas ações cotidianas. Esta
visão distorcida é reforçada pelo modo
como a Matemática vem sendo trabalha-
da nas escolas.
De uma forma geral, ela é ensinada
sem a preocupação de estabelecer vín-
culos com a realidade e o cotidiano do
aluno. Como enfatiza D’Ambrosio (1993),
não encontraremos, no cotidiano dos
povos e de suas culturas, atividades que
não envolvam alguma forma de Matemá-
tica, embora o autor não esteja falando
necessariamente daquela Matemática
que está nos currículos escolares. Para
que possamos manifestar nossas idéias
ou constituir mentalmente aspectos e fe-
nômenos da nossa realidade, para de-
pois então abstraí-los e transformá-los
em idéias, é necessário usar um prodi-
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
30BOLETIM � PGM 3 - EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
gioso artifício: uma variedade de elemen-
tos de comunicação chamados símbolos.
Aprender Matemática é, em grande
parte, aprender e utilizar suas diferen-
tes linguagens – aritmética, geométrica,
algébrica, gráfica, entre outras. Na atu-
alidade, as linguagens matemáticas es-
tão presentes em quase todas as áreas
do conhecimento. Por isso, o fato de
dominá-las passa a se constituir um sa-
ber necessário.
Assim, através da leitura e da escrita,
somos capazes de nos comunicar num pro-
cesso histórico-social e universal, rompen-
do fronteiras geográficas e temporais. Mas
isso não é tudo. Para Danyluk (1991),
ler e escrever não dizem respeito unica-
mente à nossa língua materna. Temos
que compreender todas as formas hu-
manas de interpretar, explicar e anali-
sar o mundo. A Matemática tem sido
uma dessa formas: tem seus códigos e
suas linguagens; tem um sistema de co-
municação e de representação da reali-
dade construído ao longo de sua histó-
ria. Ainda segundo o mesmo autor, é fun-
damental compreender o sentido do fe-
nômeno da alfabetização Matemática. Ser
alfabetizado em Matemática é entender
o que se lê e escreve a respeito das pri-
meiras noções de aritmética, geometria e
lógica, sem perder a dimensão social e
cultural desse processo: a busca do sig-
nificado do ato de ler e de escrever, pre-
sentes na prática cotidiana do ensino e
da aprendizagem da Matemática.
Temos ensinado Matemática de ma-
neira a não privilegiar a linguagem em
suas diferentes expressões – oral, escri-
ta, visual – mas enfatizando fundamen-
talmente os códigos escritos. Esse pro-
cedimento pode ser creditado à metodo-
logia utilizada no ensino, a qual não tem
possibilitado o desenvolvimento da lin-
guagem em todos os seus aspectos, nem
a formação de conceitos, já que utiliza
um vocabulário básico limitado, restritivo
e específico. Esta tem sido, quem sabe,
uma das causas da distância entre a Ma-
temática ensinada na escola e a realida-
de matemática vivenciada pelo nosso alu-
no.
Frente a essa discussão, torna-se ne-
cessário resgatar, na prática pedagógi-
ca, a proposição de tarefas matemáticas
envolvendo as diferentes expressões da
linguagem no desenvolvimento dos con-
ceitos, noções e do próprio pensamento.
Todavia, a linguagem matemática e sua
compreensão sem tropeços somente se-
rão possíveis na medida em que a lín-
gua materna for utilizada de maneira
adequada, já que a informação matemá-
tica, na maioria dos casos, nos chega
mediante a linguagem oral ou gráfica.
Ler e escrever em Música
Se dirigirmos nosso olhar para a área
de Música, podemos ver que as coisas aqui
não são muito diferentes. Quando pensa-
mos no tema “notação musical”, as primei-
ras imagens podem ser aquelas de símbo-
los incompreensíveis, destinados a alguns
poucos iluminados ou talentosos, enfim,
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
31BOLETIM � PGM 3 - EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
uma coisa de outro mundo, para grandes
artistas. É comum as pessoas dizerem: Eu
sou musical, mas não sei ler música. Existe
uma outra variante dessa idéia que é: Eu
não sei nada de música. Duvidando que
alguém não saiba nada de música, ouve-
se a seguinte resposta: Eu não conheço
aquelas bolinhas. Ou seja, eu não sei ler
música, logo, não sei música. É preciso
desconstruir essa representação de saber
música que, de uma forma negativa, tem
contribuído para que muitos desistam de
aprender música. Assim, a leitura e escri-
ta musical têm sido usadas muito mais
como instrumento de exclusão do que de
acesso a um novo código. Outro ponto que
não devemos nos esquecer: muitas tradi-
ções musicais neste planeta são aprendi-
das e transmitidas oralmente, e isso é vá-
lido também para o nosso país.
Existem diferentes maneiras de
vivenciar a música. Dançar, ouvir, apre-
ciar, recordar, ver imagens, se emocio-
nar ou relembrar fatos são algumas des-
sas formas. A experiência de ouvir mú-
sica é talvez a mais democrática: todos
podemos exercê-la, se não com os ouvi-
dos, pelo menos com o corpo e aqui se
estabelece uma interessante possibilida-
de de trabalhar com a área de Educação
Física. Todos ouvimos música diariamen-
te e de diversos modos, com diferentes
intenções, mesmo que não saibamos ler
e escrever música. Da mesma forma, po-
demos tocar um instrumento ou cantar
sem, necessariamente, utilizarmos a lei-
tura e a escrita. Ou seja, existem outros
procedimentos, não menos complexos,
que levam à aprendizagem musical,
como, por exemplo, em tradições musi-
cais transmitidas oralmente.
Como toda escrita, a notação musi-
cal é um sistema de representação con-
vencional. Embora não seja tão antiga
como a escrita alfabética e a dos algaris-
mos, ela sofre também transformações
ao longo da história. Existem hipóteses
de que alguns dos primeiros traços dei-
xados há, pelo menos, 30 mil anos a.C.
possam se referir a atividades rítmicas
ou melódicas (Sinclair:1990). A história
da grafia musical está, portanto, intima-
mente ligada à dos sistemas de notação.
De maneira semelhante à escrita al-
fabética e numérica, a escrita musical
utiliza símbolos que foram se modifican-
do com o passar do tempo: das repre-
sentações simbólicas, isto é, o uso de
símbolos ou desenhos associados a um
fato do mundo exterior, até a escrita tra-
dicional - que hoje conhecemos, o siste-
ma de cinco linhas denominado de pau-
ta ou pentagrama -, o trajeto foi longo.
Existe muita controvérsia a respeito
do fato de a leitura e a escrita musical
serem temas de estudo na escola de En-
sino Fundamental. A discussão remete
a uma questão anterior sobre os objeti-
vos do ensino de música em escolas não
específicas. Muitos defendem que, para
formar ouvintes críticos e conscientes,
não seria necessária a leitura musical,
ou seja, esta leitura seria destinada ape-
nas àqueles que querem aprender um
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
32BOLETIM � PGM 3 - EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
instrumento, em ensino individual ou
em pequenos grupos.
Acreditamos ser possível e conveni-
ente trabalhar os fundamentos básicos
da leitura e escrita musical na escola
fundamental. É claro que, para ler e es-
crever música, é necessário um certo
aprendizado. Mas, como afirma Reverdy
(1997, p.45), esta aprendizagem não é
mais penosa do que aquela por que pas-
sam as crianças quando estão aprenden-
do a ler em sua própria língua. Para que
se realize uma aprendizagem efetiva, a
metodologia a ser utilizada deve partir
da experiência musical cotidiana dos alu-
nos e o programa deve se orientar em
duas perguntas básicas:
1. Que música esses sinais gráficos
representam?
2. Como decifrá-los?
Se ouvir música é pressuposto para
ler música, a recíproca, não é verdadei-
ra, uma vez que ler música é um modo
de ouvir música. Por isso, não tem sen-
tido uma leitura musical que seja abs-
traída de seu conteúdo sonoro-musical.
Quem ensina a ler notas musicais com
giz e lápis, sem observar uma seqüência
de procedimentos metodológicos e sem
a experiência sonora, ignora que conhe-
cer apenas as notas não leva a uma edu-
cação musical. A idéia de alfabetização
musical desvinculada da prática tem con-
tribuído para que muitos alunos desis-
tam de aprender música, tanto em esco-
las específicas como em escolas do ensi-
no fundamental, muito embora esses
alunos continuem com a capacidade para
desfrutar da música em geral.
Conclusão
A abordagem dada à leitura e à es-
crita pelas diferentes áreas aqui trata-
das é ilustrativa da importância de ler e
escrever na escola. Através dessa ativi-
dade, estaremos oportunizando aos es-
tudantes condições mais qualificadas de
que eles se assumam como sujeitos do
processo de aprendizagem que fazem do
e sobre o mundo, adquirindo condições
de, autônoma e permanentemente, lo-
calizar novas informações, ampliar suas
formas de interação com seu próprio cor-
po, expressar seus saberes, objetivar
suas intuições, lendo e escrevendo com
autoria para o mundo.
À medida que toda a escola compro-
meter-se efetivamente com essas práticas,
ela constituirá um espaço de mediação de
leituras e escritas significativas, promoto-
ras do crescimento pessoal e social de cada
aluno, pela ampliação e aprofundamento
dos conceitos que possibilitam a inter-
mediação com a realidade.
Referências bibliográficas
D’AMBROSIO, U. Educação matemática:uma visão do estado da arte. Proposi-
ções. São Paulo: v. 4, n. 1, mar. 1993.
DANYLUK, O. S. O cotidiano da vida es-colar. Passo Fundo: Ed. UPF, 1989.
HUMPHREY, N. Uma história da mente.
São Paulo: Campus, 1995.
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
33BOLETIM � PGM 3 - EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
PINKER, A. Fundamentos da neurociên-cia. São Paulo: Print Hall do Brasil,
1997.
REVERDY, M. O solfejo e a harmonia. In:
MASSIN, J; MASSIN, B. História da mú-
sica ocidental. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1997, p. 45-62.
SINCLAIR, H. (org). A produção de nota-ções na criança. São Paulo: Cortez,
1990.
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
34BOLETIM
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
PGM 4 - ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS
LER E ESCREVER A IMAGEM EM ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS
EQUIPE DO NÚCLEO DE INTEGRAÇÃO UNIVERSIDADE ESCOLA, DAPRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO DA UFRGS - NIUE/UFRGS
O domínio de diferentes códigos e
linguagens, que permitam a interação do
estudante com múltiplas paisagens e
grupos sociais, é um diferencial na edu-
cação e na própria constituição da cida-
dania. Neste sentido, a educação con-
temporânea destaca a essencialidade da
leitura e da escrita como capacidades
para interpretar e compreender as di-
versas manifestações socioculturais, no
contexto identitário dos sujeitos.
Esta é uma meta a ser alcançada pe-
las diferentes áreas do conhecimento, atra-
vés da expansão do conceito de leitura e
de escrita, ao transgredir o senso comum
dos conhecimentos escolares. Tal expan-
são deriva da compreensão de que ler e
escrever não se instituem como meros ins-
trumentais de codificação e decodificação
dos signos alfabéticos, mas são inseridos
num universo mais amplo de possibilida-
des onde, como afirma Freire (1993), ...a
leitura do mundo precede a leitura da pa-
lavra, e a leitura desta implica a continui-
dade daquela. Decorre desta compreen-
são a possibilidade de abordar neste texto
o que significa ler e escrever em áreas do
conhecimento que, usualmente, não têm
sequer a leitura e a escrita da língua ma-
terna como sua especificidade: Arte, Ci-
ências e Geografia.
A tradição escolar das Ciências e da
Geografia, por exemplo, vincula-se à des-
crição repetitiva do texto e da imagem;
as aulas de Arte permanecem como “ati-
vidades do fazer gráfico/plástico” de cri-
anças e adolescentes, dominantemente
afastadas da produção da arte no mun-
do, isto é, excluindo os estudantes da
experiência com a arte produzida, “da
leitura do mundo da arte”. Soma-se a
este afastamento, a contínua exclusão
das imagens das mídias presentes na
realidade como repertório a ser conside-
rado, bem como a produção plástica de
grupos sociais territorialmente afastados,
socialmente excluídos ou desconsidera-
dos, minoritários ou dominados.
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
35BOLETIM � PGM 4- ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
Torna-se urgente pensar sobre o que
é ensinar para alunos que nasceram e
que vivem na “época das incertezas”, num
mundo em constante transformação. É
preciso que nós, professoras e professo-
res de diferentes áreas do currículo esco-
lar, pensemos sobre o que é ler e escre-
ver hoje. De que leitura e que escrita fa-
lamos? Que textos podem ser lidos e/ou
escritos nas diferentes áreas do conheci-
mento? O que entendemos por texto?
Usualmente realizamos a leitura de tex-
tos publicados em revistas e jornais sobre
assuntos variados, que envolvem o ambi-
ente, a saúde, notícias sobre a “descober-
ta” de uma substância nova, por exemplo,
na área das Ciências. Na área da Geografia
são leituras de textos que tratam de ocu-
pações e disputas territoriais, crises eco-
nômicas e culturais, desastres ambientais.
Em relação às aulas de Arte, até muito re-
centemente a leitura restringia-se, quan-
do existia, a aspectos vinculados à história
da arte, uma vez que o domínio desta área
era caracterizado pelas práticas do ateliê.
A leitura dos textos e dos livros didáti-
cos é a fonte para a resolução de um ques-
tionário, para estudar para a prova ou para
a pesquisa e realização de um trabalho
escolar. Tais textos, utilizados como fon-
tes de informação, podem ser pensados a
partir do que Larrosa (1999, p. 177), em
seu livro Pedagogia Profana diz:
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Na leitura da lição não se busca o que o
texto sabe, mas o que o texto pensa. Ou
seja, o que o texto leva a pensar. Por
isso, depois da leitura, o importante não
é que nós saibamos do texto o que nós
pensamos do texto, mas o que – com o
texto, ou contra o texto ou a partir do
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
texto – nós sejamos capazes de pensar.
Os textos, portanto, podem ser utili-
zados para que alunos e alunas e nós
mesmos possamos pensar/falar/escre-
ver sobre o sentido daquilo que produ-
zem. Mas é possível lermos de um outro
jeito? É possível ler o que as imagens
que compõem o livro nos permitem pen-
sar e escrever, considerando a imagem
como um texto indispensável para a lei-
tura nas diferentes áreas, no caso pre-
sente Ciências, Geografia e Arte?
Nos últimos vinte anos, o conceito de
leitura vem sendo crescentemente usado
em Arte, Ciências e Geografia, no sentido
que também imagens e não apenas pala-
vras podem ser lidas e, conseqüentemen-
te, consideradas “um texto”. Não restringir
a leitura à palavra evidencia a expansão do
conceito, das linguagens e das finalidades,
envolvendo todas as leituras e escritas que
um indivíduo faz durante sua vida, tal como
Paulo Freire enfatizou em sua obra.
Ler e escrever em Arte
Desde o final da década de 80, o con-
ceito de leitura vem sendo incorporado
ao ensino da Arte através da dissemina-
ção das idéias de Ana Mae Barbosa, apre-
sentadas sob a denominação de “aborda-
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
36BOLETIM � PGM 4- ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
gem triangular”. Esta abordagem funda-
menta-se na concepção de que a arte não
é somente expressão, mas é conhecimen-
to e seu ensino, conseqüentemente, exi-
ge mais do que a exclusiva prática de ate-
liê. Exige a articulação de três eixos – a
produção, a leitura e a contextualização
– que correspondem às relações que as
pessoas estabelecem com a arte na reali-
dade: produzir, apreciar e julgar suas
qualidades e entender o lugar que a pro-
dução artística ocupa em diferentes tem-
pos e espaços ao longo da história.
Autores como Robert Ott, Abigail
Hausen, Parsons, Ragans e Saunders1 tra-
taram da leitura de obras de arte, mas o
mais conhecido no Brasil é Edmund
Feldman, que também entende a leitura em
arte como “um processo de compreensão”.
De acordo com Feldman, as crianças
pequenas consideram que as imagens são
para serem olhadas e não podem ser li-
das, ou seja, texto e imagem são diferen-
tes e apenas o primeiro permite o ato da
leitura. Entretanto os artistas, os críticos
de arte e os publicitários, que comparti-
lham o cotidiano com a imagem, reali-
zam constantemente e conscientemente
leituras destes objetos.
A leitura da imagem é uma atividade
simbólica que supõe compreensão, apre-
ensão de informações, seletividade e re-
construção da imagem/objeto, com a
mesma importância da produção artísti-
ca na construção do conhecimento por-
que possibilita interpretar as imagens.
Não significa decifrar, mas decompor-re-
compor para apreender a imagem como
fonte de conhecimento, de informação,
de explicitação de idéias e conceitos.
Quatro estágios ou etapas, não
evolutivos mas simultâneos, são propostos
por Feldman para a leitura da imagem.
O estágio da descrição envolve uma
listagem de tudo o que se vê na obra –
imagem/objeto – por meio de uma ob-
servação atenta e objetiva dos elemen-
tos que a compõem. Inclui a identifica-
ção do trabalho, quem o produziu, local,
época, linguagem e material utilizado,
dimensão. Não inclui expressões de pon-
to de vista: harmonioso, elegante, bem
sucedido, inadequado, sutil...
Tomando por exemplo a conhecida
obra de Portinari, “Os retirantes”, Kerwald
(1998) assim organiza este estágio:
1 Uma bibliografia a respeito destes autores pode ser encontrada nos livros de AnaMae Barbosa presentes na bibliografiadeste texto.
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
37BOLETIM � PGM 4- ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
“O que você vê nesta imagem? Quan-
tas pessoas? Que outros elementos? Que
cores você vê? Que texturas estão pre-
sentes”?
O estágio da análise busca as rela-
ções criadas entre os elementos formais
e princípios compositivos da imagem,
como elas se relacionam, se influenci-
am, estão dispostas: volume x espaço,
figura x fundo, claro x escuro, as dife-
rentes combinações visuais criadas. Se-
guindo a proposição de Kehrwald (1998),
é possível aguçar o olho do aluno atra-
vés das perguntas: “Você identifica mo-
vimento na obra”? Há uma figura cen-
tral? Há algum elemento de desequilí-
brio? Como é o tratamento da cor em
relação às formas? Tem contraste, volu-
me? Como é o fundo?
O estágio da interpretação busca en-
contrar o significado da imagem pela atri-
buição de sentido ao que foi observado
anteriormente, organizando as observa-
ções de modo significativo ao relacionar
idéias que explicitam sensações e senti-
mentos vividos diante de uma imagem.
Na obra de Portinari, a imaginação
poderia ser “estimulada” por perguntas
como: Que sentimentos “Os retirantes”
motivaram? A realidade expressa na obra
é a mesma de hoje? Que semelhanças e
diferenças são possíveis de identificar no
ontem da obra e no hoje? O que podería-
mos fazer para mudar a situação atual?
A arte pode ajudar?” – propõe a autora.
Para Feldman, este estágio é o mais
difícil, o mais criativo e o mais gratifican-
te, sendo fundamental a tentativa de in-
terpretar, mesmo que provisoriamente,
sem uma completa conexão com os fatos
visuais. Isto poderá ser alterado posteri-
ormente, buscando suporte na experiên-
cia artística, no conhecimento da histó-
ria da arte, nos contextos da produção.
O estágio do julgamento envolve a
decisão acerca da qualidade de uma ima-
gem, uma das questões centrais da crí-
tica de arte e que nem sempre é
consensual entre as autoridades. O jul-
gamento da excelência de um trabalho
requer o conhecimento dos fundamen-
tos que críticos experientes expõem a
respeito de certas obras.
Este estágio, em relação à obra to-
mada como exemplo, poderia ser moti-
vado com um diálogo que considerasse:
“Você acha que a obra é importante? Por
quê? Por que Portinari a pintou? Por que
as pessoas querem ter obras de arte?
Elas são importantes? Que outras obras
ou objetos você conhece que têm algo
semelhante com a obra de Portinari?”
Esta leitura da obra de Portinari per-
mite estabelecer relações com outros tex-
tos de linguagens diferentes, mas que
abordam semelhante temática. As fotogra-
fias de Sebastião Salgado, igualmente co-
nhecidas, são um exemplo desta possibi-
lidade, bem como as músicas antológicas
de Luiz Gonzaga, buscando desmistificar
a “figura indolente do nordestino” diante
da riqueza “doada” pelos sulistas.
Nesse contexto, a leitura é tratada
como um modo de questionamento, de
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
38BOLETIM � PGM 4- ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
investigação, que estrutura as situações
de sala de aula de maneira a tornar os
estudantes conscientes da natureza dos
problemas apresentados nos trabalhos de
arte, oportunizando-os a pensar sobre
certos conceitos, habilidades, atitudes e
hábitos, e a adquirir informações que fa-
zem a arte significativa na nossa vida.
O ensino da Arte que valoriza e cen-
traliza o ler e escrever em múltiplas lin-
guagens tem apresentado experiências
valiosas que consideram como objeto de
leitura as mais variadas produções cultu-
rais de diversos grupos sociais em dife-
rentes tempos e lugares. A partir da leitu-
ra e conseqüente compreensão ampla des-
tas imagens/objetos, as interpretações
pessoais são “escritas”, isto é, expressas
através da linguagem da poesia, da foto-
grafia, da escultura, da estamparia, da pin-
tura, da papelagem, da música, da dança.
Esta leitura/escrita inclui a compreensão
de aspectos que ultrapassam o conheci-
mento e a produção da Arte, relacionan-
do-a com aspectos da vida que extrapolam
fronteiras disciplinares preestabelecidas.
Ler e escrever em Geografia
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Em todo o momento de atividade mental
acontece em nós um duplo fenômeno de
percepção: ao mesmo tempo que temos
a consciência dum estado de alma, te-
mos diante de nós, impressionando-nos
os sentidos que estão virados para o ex-
terior, uma paisagem qualquer, entenden-
do por paisagem, para a conveniência
de frases, tudo o que forma o mundo
exterior num determinado momento da
nossa percepção.(Fernando Pessoa: O
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
cancioneiro)
A imagem descrita por Pessoa nos
ajudará a pensar o ler e escrever em
Geografia. Desejamos desafiar a prática
da Educação a partir da leitura da ima-
gem - analisar/produzir sentido para a
paisagem2, interagir com textos escritos
em língua materna sobre os temas en-
volvidos (na imagem) e escrever a partir
destas operações.
A questão agrária no Brasil, por exem-
plo, é tema que as aulas de Geografia não
podem esquecer. Infelizmente o assunto é
trabalhado de uma forma “higienizada”, isto
é, “objetivada” por dados “neutros” – mate-
máticos e estatísticos entre outros. Este re-
curso de objetivação também é muito utili-
zado na escola nos conhecimentos de Quí-
mica, Física e Biologia. A Geografia tem,
tradicionalmente, privilegiado, em sala de
aula, entender o mundo como algo sem
paixão. A realidade da população é expres-
sa em números, tabelas e pirâmides. Os
países e suas divisões internas, continen-
tes e blocos regionais são transformados
em dados (pilhas de informações), que dis-
tanciam alunos e alunas do pensar/imagi-
2 Conceito aqui defendido a partir de COSGROVE (1998) no artigo A geografia está em toda parte: cultura e simbolismonas paisagens humanas.
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
39BOLETIM � PGM 4- ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
nar pessoas diferentes vivendo nestes es-
paços. Rir, sofrer, amar, interpretar, julgar
e sonhar não são ações incluídas no estu-
do dos grupos sociais e seus espaços geo-
gráficos, abordados na sala de aula.
No entanto, o poeta Fernando Pes-
soa nos lembra que o espaço do mundo
convive com “um estado de alma”. Ser
negro e pobre no Brasil é olhar o mun-
do e viver em parte dele da mesma for-
ma que um branco de classe média?
Quantas perguntas como essas podemos
fazer quanto ao imenso universo que te-
mos na sala de aula, formado por meni-
nos/as; católicos/as carismáticos/as,
umbandistas, crentes, cardecistas, tra-
balhadores/as rurais, operários/as,
biscateiros/as, punk’s, hip-hops, serta-
nejos, enfim, muitos adjetivos, muitas
formas de ser nos espaços, de fazer es-
paços e de olhar espaços? Os “adjetivos”
são explicados por valores de ser no(s)
mundo(s), o “estado de alma”, nas pala-
vras do poeta. Nesse sentido, a expres-
são do poeta poderia ser interpretada
pela prática pedagógica como formas (va-
lores/subjetividades) de viver/ver e/ou
(re)construir o(s) espaço(s)3.
Assim, falar da Europa pode significar
muitas Europas, considerando quem está
em sala de aula e quais subjetividades es-
tão presentes nestes estudantes, vistos
como pessoas que vivem esses valores. Por
que sempre o país da Copa do Mundo do
momento tem significado especial para
alunos e alunas que acompanham a com-
petição? A prática tão usual de tematizar
as áreas do conhecimento no mês da Copa
a partir do próprio evento e do país onde
ele ocorre, é indicativa da necessidade de
os professores de Geografia levarem em
consideração os valores/subjetividades
(“estado de alma”) dos alunos em suas prá-
ticas pedagógicas cotidianas.
Entre as propostas pedagógicas em
debate atualmente, que problematizam
“tradições” escolares como a do exemplo
acima, cabe ressaltar a posição de alguns
educadores que defendem a atuação do
professor como intelectual. Essa atuação
pode ser exemplificada em atividades de
aula envolvendo a leitura de paisagens
em imagens de jornal. O/a professor/a
poderá explorar com os estudantes os
diferentes elementos que constituem
uma imagem, as relações entre os ato-
res sociais com o lugar ou a cena da ima-
gem, mostrando que, muitas vezes, os
atores fazem parte da paisagem, exami-
nar a postura e seus corpos, o significa-
do e seus gestos e o que representam.
Trata-se de aproximar a geografia esco-
lar ao exercício de entender as paisagens
como possuidoras de significados sim-
bólicos, como resultantes de apropria-
ções, criações e transformações. Nas pa-
3 Banidas da geografia estão as paixões inconvenientes, às vezes assustadoramente poderosas da ação humana, entreelas as morais, patrióticas, religiosas, sexuais e políticas.� (COSGROVE, 1998)
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
40BOLETIM � PGM 4- ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
lavras de Cosgrove (1998) as paisagens
aguardam decodificações. Imagens são
“instrumentos” para provocar alunos e
alunas a lerem e escreverem sobre os
múltiplos significados das paisagens sim-
bólicas, isto é, ler e escrever o mundo
também nos seus “estados de alma”.
Ler e escrever em Ciências
Diante das idéias apresentadas an-
teriormente, destacam-se duas práticas
de leitura/escrita no ensino de Ciências.
A primeira delas diz respeito à aná-
lise (leitura) de um livro didático. Ao in-
vés da prática convencional de uma lei-
tura dos conteúdos ali explicitados, é
possível realizar a leitura das represen-
tações de homem e de mulher ali conti-
das. Tomando por exemplo os “exercí-
cios de revisão” de um livro, usualmente
adotado na 8ª série do Ensino Funda-
mental, vê-se o seguinte enunciado:
“Numa manhã de sol, Aline encontra-se
com a beleza de uma rosa vermelha. A
rosa parece vermelha porque: ...” e se-
guem-se quatro alternativas possíveis. Os
demais exercícios, quando apresentam
ações realizadas por seres humanos, fa-
lam “um caminhoneiro traçou o seguin-
te plano...”, “um homem puxa com uma
corda uma massa de 20 kg..., “um atle-
ta, de 60 kg, no salto com vara....” O único
exercício que traz uma mulher como exe-
cutora de uma ação a coloca num cená-
rio “romântico”, junto a uma rosa ver-
melha, numa manhã de sol; mulheres e
flores... “uma flor para outra flor”, expres-
são muitas vezes dita por um homem
quando oferece uma flor a uma mulher...;
“numa mulher não se bate nem com
uma flor”, expressão popular que se
posiciona em relação à violência pratica-
da contra as mulheres. Mulheres e flo-
res, nos ditos populares e também nos
livros didáticos são imagens engessadas
por determinados estereótipos. Da mes-
ma forma, é possível ler o modo como
pessoas brancas e negras ou a natureza
são representadas nos livros didáticos.
Outra prática com possibilidade de lei-
tura diz respeito à análise crítica de tex-
tos publicitários, contendo apenas ima-
gem, apenas texto ou ainda imagem e tex-
to escrito, buscando ver o que eles nos
ensinam a respeito do ambiente natural.
Para tanto, é preciso admitir que a publi-
cidade ensina às pessoas o que elas de-
vem querer, de que precisam, o que de-
vem ter, desejar, pensar e fazer para se-
rem felizes e bem sucedidas e, freqüen-
temente, utilizam a ciência, ou a idéia que
temos a respeito do que é ciência, para
garantir a confiabilidade dos produtos ofe-
recidos. Por exemplo, propagandas de sa-
bão em pó costumam apresentar a ima-
gem de um cientista e/ou o nome de uma
substância química como forma de atri-
buir confiabilidade ao produto.
Concluindo
Na perspectiva contemporânea da
educação, as diferentes manifestações da
cultura são elementos obrigatórios para
a proposição dos currículos escolares, pois
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
41BOLETIM � PGM 4- ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
representam relevantes e ricos aspectos
da realidade histórica, cultural e social.
O conhecimento desta realidade exige a
ultrapassagem do sentido de leitura e es-
crita usual, oportunizando formação para
a participação política dos sujeitos pela
construção da consciência de mundo e
de identidade. Assim, a leitura/escrita
que imperiosamente deve ser fortalecida
no espaço escolar, inclui diversas lingua-
gens e códigos, as imagens entre eles,
sejam elas da arte ou da cultura de mas-
sa. Esta última constitui uma alternativa
de ampliação das possibilidades de inter-
pretação e compreensão da realidade, em
diferentes tempos e espaços. Represen-
ta, ainda, uma possibilidade para a cons-
trução da consciência, diante da avassala-
dora capacidade de fomentar a total in-
consciência do público de sua própria ma-
nipulação, estimulada permanentemen-
te através do apelo instantâneo da indús-
tria cultural, na qual poderosos grupos
nacionais e transnacionais impõem ideo-
logias e modelos para atender a seus es-
pecíficos interesses.
Auxiliar os alunos e alunas a perce-
ber e negociar as complexidades destas
influências é compromisso de todas as
áreas do conhecimento.
A expansão da leitura/escrita para
outros textos além dos textos convenci-
onais, implica reconhecer a existência
de uma variedade extraordinária de pos-
sibilidades, incluindo uma multiplicida-
de de linguagens, objetos artísticos, ima-
gens e imaginários, produzidos por to-
das as culturas no passado e no presen-
te. Exige, igualmente, uma aproximação
a este universo, desprovida de idéias,
conceitos e preferências (pré)-concebidas
e/ou oficiais, com o objetivo de apreen-
der seus significados e o efeito que exer-
cem sobre as nossas concepções a res-
peito de nós mesmos e dos outros.
Autores como Barbosa (1996; 1997),
Efland (1998), e Hernández (2000), sus-
tentam que a construção da realidade,
objetivo da educação, tem o propósito de
contribuir para o entendimento dos dife-
rentes panoramas sociais e culturais ha-
bitados por diferentes indivíduos. A per-
cepção humana que o indivíduo tem de
si próprio permanecerá incompleta, en-
tretanto, se não pudermos entender que
cada um de nós é o outro de um outro,
assegura Efland (1998). Assim, o conhe-
cimento e o entendimento da cultura e
da realidade, nossa e do outro, são dese-
jáveis e possíveis através das múltiplas
leituras e escritas que objetivam superar
limites e restrições, concorrendo para um
mundo mais justo e solidário.
Referências bibliográficas
BARBOSA, Ana.M. A imagem no ensinoda arte. São Paulo: Perspectiva,1991.
______. Tópicos utópicos. Belo Horizon-
te: C/Arte, 1997.
______. Arte-Educação: leitura no subsolo.
São Paulo: Cortez, 1997.
COSGROVE, Denis. A geografia está em
toda parte: cultura e simbolismo nas
paisagens humanas. In: CORRÊA, R.
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
42BOLETIM � PGM 4- ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
e ROSENDAHL, Z. Paisagem, tempoe cultura. Rio de Janeiro: UERJ. 1998.
p. 92 - 122
EFLAND, A. Arte e cognição: teoria daaprendizagem para uma época pós-moderna. São. Paulo: SESC, 1998.
FREIRE, Paulo. A importância do ato deler: em três artigos que se comple-
tam. São Paulo: Cortez, 1993.
HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura visual,
mudança educativa e projeto de tra-balho. Porto Alegre: Artes Médicas,
2000.
KERWALD, Isabel P. Ler e escrever em ar-
tes visuais. In: NEVES, Iara C. B. et
alli.(Orgs.) Ler e escrever: compromis-
so de todas as áreas. Porto Alegre: Ed
da Universidade/UFRGS, 1998.
LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana:
danças, piruetas e mascaradas. Belo
Horizonte: Autêntica, 2000.
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
43BOLETIM
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
PGM 5 � PROFESSOR: LEITOR E FORMADOR DE LEITORES
LEITURA E ESCRITA COMPETÊNCIA DE TODAS AS ÁREAS:O PROFESSOR COMO LEITOR E FORMADOR DE LEITORES
ANA MARIZA RIBEIRO FILIPOUSKI*
Teorias do ler e do escrever: o papel
do ensino
As pesquisas que se desenvolveram
no século XX, no âmbito do ler e do es-
crever, indicam mudança do papel da
escola e, conseqüentemente, da ação
docente frente ao ler e escrever. A socio-
logia da leitura, as teorias relativas ao
efeito da leitura e da emancipação do
leitor e sua responsabilidade na cons-
trução autoral do estudante1 ampliam,
inicialmente, o significado de ler. Em
conseqüência, aprende-se que, muito
antes de lerem a palavra escrita, os alu-
nos já mantêm uma relação ativa com
vários objetos portadores de texto, tais
como a propaganda do sabão em pó, o
rótulo do achocolatado, a apresentação
do show da animadora infantil, as mar-
cas e modelos dos carros. Ainda muito
pequenas, as crianças aprendem “a le-
tra do nome”, por exemplo, embora elas
próprias não admitam que já lêem. Os
estudos do construtivismo dão destaque
aos saberes já construídos dos aprendi-
zes, os quais são valorizados como parte
do processo de alfabetização e dão con-
sistência ao que Vygotsky chama de pré-
história da leitura da linguagem escrita.
Em conseqüência, sabe-se que as cri-
anças, jovens e adultos em situação de
escolarização lêem mais do que a escola
propõe, pois a revista, as propagandas
da tevê, o anúncio de outdoors, o endere-
çamento da correspondência, carregam
textos consigo e são capazes de orientar
* Professora da Equipe do Núcleo de Integração Universidade Escola, da Pró-Reitoria de Extensão da UFRGS - NIUE/UFRGS.
1 Vários estudos teóricos no Brasil tratam dessa questão. Na bibliografia ao final desse texto, é possível encontrar algunsdos autores que apresentam o estado da arte dessas áreas de investigação e mostram como elas repercutem no ensinoda leitura e da escrita no país.
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
44BOLETIM � PGM 5 - PROFESSOR: LEITOR E FORMADOR DE LEITORES
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
quanto a atitudes, escolhas e preferên-
cias, adquirindo valor no espaço social,
o que é de imediato percebido pelo es-
tudante.
Altera-se assim a função da educa-
ção formal e impõe-se a necessidade de
formar professores para uma sociedade
impregnada de palavra escrita. A demo-
cratização da leitura e dos seus supor-
tes é verificável à consideração de que
diferentes classes sociais têm acesso a
um jornal popular, vêem televisão, lêem
a oração dos cultos religiosos, poemas
nos ônibus, em camisetas, recebem pro-
pagandas nas calçadas. Tal democrati-
zação auxilia o domínio do código e su-
pre uma função inicialmente desempe-
nhada pela escola. Cabe então ao pro-
fessor, mais do que alfabetizar, realizar
o letramento de seus alunos, isto é,
habilitá-los a exercer amplamente a con-
dição que decorre do fato de terem-se
apropriado da leitura e da escrita. Face
à pluralidade de estímulos escritos, o
professor precisa instrumentalizar o es-
tudante a explorar as diferentes possi-
bilidades de dialogar com os textos, o que
implica utilizar a palavra lida/escrita para
refletir e interagir com diferentes práti-
cas sociais de cultura, entre as quais se
insere a leitura. Em virtude das inúme-
ras oportunidades de ler e escrever que
as crianças que convivem em ambientes
letrados possuem, a escola vê reduzida
a importância tradicionalmente a ela
atribuída de alfabetizadora, iniciadora no
mundo do ler e escrever. Já as crianças
que não partilham da leitura como valor
de seu grupo social demandam uma atu-
ação mais incisiva, que as insira num
mundo em que elas possam atribuir sig-
nificado ao ler e ao escrever, compreen-
dendo a função emancipatória que tal
domínio propicia.
Isso indica que ler e escrever – ativi-
dades simbólicas específicas, a partir das
quais as mensagens são produzidas e in-
terpretadas – adquirem significados di-
ferentes entre crianças com experiênci-
as culturais diversas. Portanto, ler e es-
crever, como práticas sociais, estão con-
dicionadas ao repertório dos leitores/
escritores, e lê melhor quem lê entre lei-
tores, pois este possui mais intimidade
com os diferentes tipos de texto, uma vez
que já ouviu ler mais vezes; sobre a ma-
neira de ler, pois entre as histórias que
ouviu, muitas foram lidas; já aprendeu
o valor da palavra escrita. Em conse-
qüência, a maneira como as famílias se
relacionam com a língua escrita pode
condicionar a relação que as crianças
terão com os textos: se a leitura está na
receita da cozinha, no livro de oração,
no estudo, no lazer ou no trabalho, cer-
tamente ler e escrever parecerão ter mais
sentido na escola. Se, ao contrário, a
palavra escrita/lida estiver restrita à pre-
sença de situações repressivas ou
disciplinadoras (o cartaz que pede silên-
cio nos hospitais, o “Mantenham-se em
fila!” dos Postos de saúde ou o auto
infracional recebido por pais e/ou ir-
mãos), bem diferente será a inferência
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
45BOLETIM � PGM 5 - PROFESSOR: LEITOR E FORMADOR DE LEITORES
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
infantil. Nesse caso, haverá descontinui-
dade entre a vida – movida pela oralidade
em todas as suas manifestações (as pre-
gações religiosas, a música, a televisão)
e a escola. Em conseqüência, ela terá
muito maior dificuldade de inferir signi-
ficados à palavra escrita.
Compreender esta situação, em toda
a sua complexidade, é condição indispen-
sável para uma atuação docente respon-
sável e comprometida. Através dela, a co-
municação e o conhecimento tornam-se
motivo de cooperação entre alunos e com
o professor e, todos juntos, podem orga-
nizar uma comunidade de compreensão
próxima. Nela, o professor deixa de ser
um transmissor de informações e passa
a disponibilizar meios e modos de parti-
cipação, propõe e orienta projetos de tra-
balho, acompanha e estimula os grupos
e oportuniza-lhes diferentes formas de
interação e prática cultural.
Ler e produzir textos: tarefa de
professor
Logo, tanto como seus alunos, é pre-
ciso que o professor se torne sujeito do
mundo da leitura e da escrita, que orga-
nize registros que acompanham o pro-
cesso de construção do conhecimento de
seu grupo, busque textos que compo-
nham a pluralidade de práticas sociais
de leitura, preocupe-se com a preserva-
ção da memória dos grupos sociais com
os quais interage, isto é, constitua-se,
antes de tudo, em leitor e autor da sua
prática pedagógica.
Nem sempre as instituições forma-
doras de professores têm o posiciona-
mento político e as condições pessoais e
materiais para implementar todas as pré-
condições de formação docente neces-
sárias à escola brasileira contemporânea.
Igualmente, face à mudança de
paradigmas da educação que têm orien-
tado as novas práticas, há um grande
contingente de professores que são cha-
mados a assumir atitudes e compromis-
sos para os quais não foram formados. É
justamente nesse momento que se pode
avaliar o quanto a leitura e a escrita efe-
tivamente preparam os indivíduos para
uma atuação comprometida com o seu
contexto: apesar das difíceis condições
de trabalho e de vida dos professores, é
notória a freqüência como eles têm par-
ticipado de cursos de educação continu-
ada, onde buscam se atualizar e refletir
sobre sua prática. Somente através de
uma intervenção crítica sobre as ques-
tões que são discutidas nesses espaços
de formação, de reflexão sobre o seu fa-
zer, o professor é capaz de reconhecer
que, para uma escola constituída de di-
versidade a respeito dos usos da leitura
e da escrita, é importante intervir a par-
tir da consideração dessas diferenças, e
apresentar oportunidades em que todos
possam aprender.
Ao abordar o uso social da escrita, o
professor possibilitará o delineamento de
situações em que todos atribuam senti-
do ao conhecimento do sistema da lín-
gua escrita, o que ainda não acontece
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
46BOLETIM � PGM 5 - PROFESSOR: LEITOR E FORMADOR DE LEITORES
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
na escola brasileira. Por isso, aqueles
estudantes que aprenderam antes o va-
lor dessa prática social constroem mais
facilmente o conhecimento novo (e, num
contexto de escola tradicional, comu-
mente logo aprendem que as coisas que
a escola ensina são “para a escola”, não
para a vida, a qual continuará a andar
adiante da escola, ensinando-lhes, a par-
tir do ler/escrever em suportes cada vez
mais variados e ágeis, conhecimentos
mais ricos e interessantes). E os que vão
à escola para aí fazerem estas aprendi-
zagens não encontram um ambiente que
os promova pelo acompanhamento e
construção de novos saberes a partir da
valorização do que já sabem: tornam-se,
conseqüentemente, alunos-problema,
com aprendizagens deficitárias, conde-
nados a desconhecerem o uso social da
linguagem e da escrita. Por outros cami-
nhos, também concluem que ler e es-
crever servem para a escola e na escola,
para a produção escolar, para agradar
ao professor, já que o lido e o escrito não
têm sentido extramuros. Inferem, erro-
neamente, que a língua escrita é coisa
pronta e acabada, que não pode perten-
cer jamais ao aprendiz, e que seu papel
é reproduzi-la passivamente, sem qual-
quer envolvimento crítico ou afetivo. Nes-
se aspecto, entendem o ler restrito à de-
cifração, oralização do escrito, e o escre-
ver, à decodificação passiva de sinais. Não
lhes atribuem, o que seria certo, valores
cognitivos, que requerem sujeitos envol-
vidos na obtenção de significados, com-
preensão e interpretação de conteúdos,
produção de sentidos.
A conseqüência mais comum é uma
relação de atrito entre os que aprendem
e a escola, especialmente em relação ao
ler e escrever. Para transformá-la, é im-
prescindível que os professores aprendam
que, mais do que instrumento para trans-
mitir conhecimentos, ler e escrever to-
mam a língua como objeto social. Assim,
o professor precisa facilitar a interação
com a língua escrita e apresentá-la como
desafio cognitivo, com significado para a
vida dos alunos, a partir do qual possam
progredir no conhecimento do que está
escrito, dizer sua palavra e formular hi-
póteses de interação com o que já sabem
e com as outras áreas do conhecimento.
A tarefa da escola e de todos os edu-
cadores que nela atuam é aumentar o
repertório dos aprendizes, facilitar a
aprendizagem, gerar condições e ambi-
ente para o estabelecimento de articu-
lação entre informações e conexões múl-
tiplas, análises e sínteses. É ensinar que
ler e escrever promovem socialmente,
dão acesso à cultura e ao conhecimen-
to, são um modo de relacionar o que se
faz na escola com o que existe fora dela.
Nesse sentido, desenvolvem-se através
de responsabilidade compartilhada en-
tre professor e aluno, em que o primeiro
atua como guia, apoio, mediador de cul-
tura e o segundo como sujeito ativo da
aprendizagem.
Em conseqüência, a sala de aula tor-
na-se lugar de pensar, de reflexão com-
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
47BOLETIM � PGM 5 - PROFESSOR: LEITOR E FORMADOR DE LEITORES
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
partilhada, de participação e diálogo. Cons-
titui-se em ambiente de aprendizagem,
que gera e possibilita múltiplas situações
de leitura e escrita como atividades rele-
vantes e comprometidas. O professor par-
te das experiências e conhecimentos dos
alunos e oferece atividades significativas,
favorecedoras da compreensão do que está
sendo feito através do estabelecimento de
relações entre a escola e o meio social.
Ao atribuir novo significado ao ler e
ao escrever, a escola assume uma atitu-
de educativa digna de professores que
querem ser reconhecidos como produ-
tores de cidadania, que favorecem, às
jovens gerações, possibilidades efetivas
de compreensão e transformação da sua
realidade social e pessoal. Torna-se en-
tão um centro irradiador de pensamen-
tos, ocupa o ponto principal de um pro-
cesso compreensivo que orienta os alu-
nos frente a uma sociedade plural, de
diferenças, em permanente mudança,
nem sempre para melhor.
Nesse contexto, a escola – atualmente
recriminada pela artificialização do senti-
do que dá ao ler e escrever, característica
da crise de leitura e escrita que contami-
na todo o sentido da educação – transfor-
mar-se-á em espaço de reflexão, análise,
crítica, capacitando toda a comunidade
escolar para buscar alternativas compar-
tilhadas e solidárias para suas vidas.
Nessa escola, em grande parte ainda
por ser construída, todas as instâncias
de escolarização da leitura2, reunirão ou-
tras alternativas para o ler e o escrever: a
biblioteca não será mais um espaço que
simboliza o lugar do livro (o qual, às ve-
zes, nem está lá), guardado por funcio-
nário não habilitado, que regula (fre-
qüentemente condicionado por sua saú-
de, presença na escola e disponibilidade
horária) o que, quando e como ler. Ao con-
trário, promoverá diferentes formas de so-
cialização do ler, oportunizando aos
aprendizes de leitores que – a partir de
sua leitura de mundo – estabeleçam, atra-
vés da orientação segura dos professores,
sólidos caminhos em direção de maior
complexidade dessa experiência.
Também porque será mediada por
professores leitores e escritores em to-
das as áreas – o que, é necessário reco-
nhecer, não é o caso de grande parte
dos sistemas educativos hoje3 – tratará
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
2 As instâncias de escolarização da leitura presentes na escola são a biblioteca escolar, a leitura de estudo de livros emgeral, determinadas e orientadas pelos professores, e a leitura e estudo de textos. Dentre elas, destaca-se o livro didáticocomo suporte mais usual, o qual recorta o texto de seu contexto original de leitura, artificializa-o, �escolariza-o�,apresenta-o em um contexto de circulação forjado pela intenção didática.
3 Ana Maria Machado, em entrevista concedida à Revista Educação de abril de 2002, é enfática ao criticar a condiçãonão leitora dos professores. Diz ela: Gente que não gosta de ler não pode ensinar a ler. É igual a um instrutor denatação que não gosta de nadar, e por isso tenta ensinar os alunos do lado de fora da piscina. Eu questiono aformação do leitor. Quantos livros de literatura não-obrigatória um professor lê por ano? Se o professor lê, não temcomo não passar isso para o aluno. Quem gosta de ler está sempre falando de livro, recomendando leituras paraoutras pessoas, é algo que contagia e flui naturalmente.
48BOLETIM � PGM 5 - PROFESSOR: LEITOR E FORMADOR DE LEITORES
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
de ampliar e qualificar as formas de aces-
so dos jovens aos diferentes textos, esti-
mulando-os a assumirem-se como pro-
dutores de conhecimentos, capazes de,
oralmente ou por escrito, verbalizarem
seu prazer de ler e/ou suas aprendiza-
gens a partir do lido. Nesse espaço, a
leitura de fragmentos descontextualiza-
dos será banida, a adaptação de textos a
suportes didáticos – como o livro didáti-
co – será progressivamente reduzida, ha-
verá mais textos dos alunos, de jornais e
revistas atuais, da literatura contempo-
rânea e das artes em geral, apresenta-
dos através da palavra escrita ou de ou-
tros suportes portadores de sentido.
Então as práticas de leitura e escrita
serão valorizadas pela escola, assimilar-
se-ão às que ocorrem no contexto social,
colaborarão para a formação de um leitor
crítico e uma escola que ensinará a pen-
sar, a mais genuína função do ler e do
escrever, capaz de transformar e oferecer
condições de cidadania e responsabilida-
de social a todos os que participam dela.
Referências
CHARTIER, Roger. A aventura do livro:
do leitor ao navegador. São Paulo:
Editora UNESP/Imprensa oficial do
Estado, 1999.
EVANGELISTA, Aracy; BRANDÃO, Heliana;
MACHADO, M. Zélia. A escolariza-ção da leitura literária. Belo Hori-
zonte: Autêntica, 1999.
PEREZ, Francisco & GARCIA, Joaquin. En-sinar ou aprender a ler e a escre-ver? Porto Alegre: Artmed Editora,
2001.
ZILBERMAN, Regina. Fim do livro, fimdos leitores? São Paulo: Editora
SENAC São Paulo, 2001.
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
49BOLETIM
LER E ESCREVER : COMPROMISSO
D A E S C O L A
Presidente da RepúblicaFernando Henrique Cardoso
Ministro da EducaçãoPaulo Renato Souza
Secretário de Educação a DistânciaPedro Paulo Poppovic
e.mail: [email protected] de 2002
Home page: www.tvebrasil.com.br/salto
MECSecretaria de Educação a Distância
Programa TV Escola – Salto para o Futuro
Diretora do Departamento dePolítica de Educação a DistânciaCarmen Moreira de Castro Neves
Coordenadora-Geral dePlanejamento eDesenvolvimento de Educação aDistânciaTânia Maria Magalhães Castro
Diretor de Produção eDivulgaçãode Programas EducativosAntonio Augusto Silva
Coordenadora-Geral de MaterialDidático-PedagógicoVera Maria Arantes
Supervisora PedagógicaRosa Helena Mendonça
Coordenadoras de Utilização eAvaliaçãoMônica Mufarrej e Leila AttaAbrahão
Copidesque e RevisãoMagda Frediani Martins
Programadora VisualNorma Massa
Consultoria PedagógicaNIUE - UFRGS
Coordenação da equipeAna Mariza Ribeiro Filipouski
Maria StephanouNeiva Otero Schäffer
Equipe do Núcleo de Integração Universidade Escola da Pró-Reitoria deExtensão da UFRGS, responsável pela série
Profª. Ana Mariza Ribeiro FilipouskiProfª. Angela Rolla
Prof. Clézio José dos S.GonçalvesProfª. Elizabeth Militisky Aguiar
Profª. Elaine Beatriz Ferreira DulacProfª. Eroni Kern Schercher
Prof. Guilherme Reichwald Jr.Profª. Iara Conceição Bitencourt Neves
Profª. Jusamara Vieira SouzaProfª. Maria Cecília de A. R. TorresProfª. Maria da Graça Gomes Paiva
Profª. Maria StephanouProfª. Neiva Otero Schäffer
Prof. Paulo Coimbra GuedesProfª. Renita Klüsener
Recommended