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FACULDADE ALFREDO NASSER INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO CURSO DE HISTÓRIA LIBERDADE ROMANA: Afonso Henriques e a formação do reino de Portugal - século XII José Augusto de Faria Pereira APARECIDA DE GOIÂNIA 2010

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FACULDADE ALFREDO NASSER

INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO

CURSO DE HISTÓRIA

LIBERDADE ROMANA: Afonso Henriques

e a formação do reino de Portugal - século XII

José Augusto de Faria Pereira

APARECIDA DE GOIÂNIA

2010

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JOSÉ AUGUSTO DE FARIA PEREIRA

LIBERDADE ROMANA: Afonso Henriques

e a formação do reino de Portugal - século XII

Artigo apresentado ao Instituto Superior de Educação da

Faculdade Alfredo Nasser, sob orientação do prof. Dr.

Ademir Luiz da Silva, como parte dos requisitos para

conclusão do curso de licenciatura em História.

APARECIDA DE GOIÂNIA

2010

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FOLHA DE AVALIAÇÃO DA PRODUÇÃO DO TRABALHO

LIBERDADE ROMANA: Afonso Henriques

e a formação do reino de Portugal - século XII

Aparecida de Goiânia........ de ............................... de 2010

EXAMINADORES

Orientador: Prof. Dr. Ademir Luiz da Silva Nota:___ / ___

Primeiro examinador – Prof. (a)............................................................................Nota:___ /___

Segundo examinador – Prof.(a) .......................................................................... Nota:___ /___

___________________________________________________________________________

Média parcial – Avaliação da produção do Trabalho: ____ / ____

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LIBERDADE ROMANA: Afonso Henriques

e a formação do reino de Portugal - século XII

José Augusto de Faria Pereira1

INTRODUÇÃO

O artigo buscou apresentar o histórico do processo de formação e autonomia do

condado portucalense junto ao reino de Leão e Castela. Onde no início do século XII, o rei de

Leão Afonso VI doa a sua filha D. Tereza o condado portucalense. Esta juntamente com D.

Henriques, seu marido, passa a comandar o condado português.

No processo de formação de Portugal e sua posterior autonomia política

administrativa, D. Afonso Henriques foi uma das figuras mais importantes, pois com suas

estratégias militares e diplomáticas, ele consegue concretizar a ruptura política do condado

portucalense junto a Leão e Castela.

A batalha de São Mamede no qual D. Afonso Henriques derrota sua mãe D. Tereza e

assume o comando do território português, é um marco nas ambições da sociedade portuguesa

em si libertas da vassalagem junto a Afonso VII de Castela: esta juntamente com a batalha de

Ourique onde o exército português e seu comandante D. Afonso Henriques derrotam os

mulçumanos, se tornaram fatos importantes no processo de autonomia de Portugal.

O processo de autonomia política do condado portucalense possui em seu contexto

histórico toda uma religiosidade que cerca os fatos que envolveram este objetivo e seu

comandante D. Afonso Henrique. Foi em conjunto com a religião que a autonomia política de

Portugal iniciou-se. Pois foi a vassalagem de D. Afonso Henriques prestada ao Papa

Inocêncio II, pedido da liberdade romana em uma carta em dezembro de 1143 que

concretizou o sonho D. Afonso Henriques e também foi o início da autonomia administrativa

e política de Portugal.

1 DA OCUPAÇÃO ROMANA A FORMAÇÃO DO CONDADO PORTUCALENSE

Para compreender o processo de formação de Portugal, deve-se considerar o vasto

período que a antecede. Período este que envolve desde a conquista da Península Ibérica pelos

1 José Augusto de Faria Pereira é acadêmico do curso de licenciatura em História na Faculdade Alfredo Nasser.

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romanos, passando pela chegada dos bárbaros até às invasões e conquistas muçulmanas neste

território.

As primeiras tropas romanas desembarcaram na Península Ibérica por volta do ano de

219 a. C., e, neste período, Roma estava em guerra com Cartago que, por sua vez, recrutava

na península a maior parte do seu exército e boa parte de seus recursos econômicos vinha dos

recursos naturais da Espanha. Roma venceu a guerra contra Cartago e, consequentemente

assumiu o domínio político sobre a península. Contudo, isso não significa que não houvessem

conflitos entre romanos e nativos, mas, no decorrer do tempo, o Império Romano adquiriu

total domínio sobre a província.

A vitória e o controle de Roma sobre a península, levou a uma profunda mudança nos

hábitos e costumes dos nativos da região. As técnicas de trabalho, as formas de organização

social se transformaram completamente e o latim foi introduzido como idioma oficial.

Contudo, o Império entra em crise, fato esse que possibilitou a conquista da península ibérica

pelos bárbaros logo nas primeiras invasões, pois, a população não tinha razões para resistir a

esse domínio e, com isso, em 411 d.C., a península ibérica já estava sob o controle total dos

bárbaros. O governo suevo na província foi de 411 a 585 d.C.

Em 516 d.C., chegaram na península os visigodos, não como invasores, mas como

aliados do povo romano para expulsar os bárbaros. Venceram com facilidade os

alanos e os vândalos, mas com os suevos tiveram uma longa guerra que só terminou

em 585 d.C. (SARAIVA, 1979, p. 15)

A monarquia visigótica durou até 711 d.C., e, neste período, aconteceram várias

transformações sociais decisivas que esclarecem as origens da sociedade medieval

portuguesa. Os novos governantes não tinham uma cultura nem uma capacidade empresarial e

administrativa que superasse a dos romanos. Sua organização social era voltada para a guerra,

fato esse que fez com que houvesse certo declínio e uma crise na península, o que a deixou

vulnerável às futuras invasões àrabes.

No final do século VII, a Península Ibérica passava por um momento de crise e estava

inserida no contexto geral de declínio do ocidente europeu. Tudo isso conduzia a sociedade

ibérica para um ambiente pré-feudal interrompido somente pela invasão muçulmana que

tomou a maior parte do território hispânico.

Entre os séculos VII e meados do século VIII, os árabes conseguiram criar um império

que se estendia desde a China até os Pirineus. Após a morte do profeta Maomé, seus

sucessores, os “califas” pacificaram a península arábica e depois deram início ao processo de

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difusão do Islã. Eles conquistaram a Síria, Pérsia, Palestina e Egito e, a partir desses

territórios, partem em direção à África e Europa.

De acordo com Andrade Filho (1997, p.15), a maneira breve como se desmantelou o

reino visigótico da hispãnia se tornou legendária. De um lado, deve-se entendê-la pelo avanço

do estado de decomposição em que se encontravam suas estruturas, pois, havia uma

monarquia eletiva que, embora enfraquecida, era disputada freneticamente pela aristocracia

do reino, em virtude dos benefícios patrimoniais que dela se pudesse auferir. Era uma

sociedade cada vez mais bipolarizada com a contínua ampliação do fosso entre poderosos e

humildes. Estes últimos, sofriam com a dominação demasiadamente opressiva e, não

hesitaram em colaborar com os invasores, diante da possibilidade de um regime mais brando.

Nesse período, segundo o autor, diversas pragas afetavam os campos, a moeda se

desvalorizava e o comércio externo declinava rapidamente. Os rigores legislativos, com os

quais se pretendia conter a desagregação, emperravam no descontentamento dos diversos

setores afetados e na ineficiência dos mecanismos que deveriam executá-los. O acirramento

de medidas anti-judaicas que, dentre outras razões, também pretendiam desviar as atenções

dos problemas internos, teve como desenlace o decisivo apoio da comunidade perseguida às

tropas invasoras.

As invasões tiveram início em 711 d.C., e, em 976 d.C., toda a península Ibérica já

estava sob o controle muçulmano. Estes exploravam com muita inteligência a situação do

reino visigótico, pois, estabeleceu com os mesmos, acordos e rendições vantajosas aos

vencidos. A situação dos vencidos passou a variar de acordo com a submissão sofrida, ou

seja, se haviam resistido ou não à invasão mulçumana. Em outras regiões não houve a

imposição da religião dos conquistadores aos vencidos. Cristãos e Judeus, reconhecidos pelo

Corão como estando dentre os “homens do livro”, não sofriam pressões para uma conversão

imediata. Poderiam continuar professando suas religiões, mas sujeitos ao pagamento de

impostos especiais.

Para quem quisesse se converter ao Islã, havia a vantagem de passarem a desfrutar do

mesmo status de um muçulmano de nascimento. Daí o elevado número de conversões,

especialmente nos meios rurais e entre a população humilde (ANDRADE FILHO, 1997, p.

16).

Ainda de acordo com esse autor, entre os anos de 716 e 756 d.C., tem-se o período

“Moçarabe” caracterizado por um conjunto de conflitos étnicos-tribais. O território da

península logo se tornou escasso devido aos acordos com os nativos e, as próprias tribos

árabes entravam em conflitos entre si, acirrando a disputa por territórios. Apesar disso, neste

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período houve o fortalecimento da ocupação com o controle das vias de comunicação e o

estabelecimento de guarnições em lugares estratégicos, assim como o início da criação de um

governo e administração com capital em Cordada.

Em 756 d.C., inicia-se a época do emirado, quando Abderrmã I, fugindo dos

Abassidas consegue controlar o Al Andaluz e proclama-se emir (comandante). Os primeiros

anos desse novo período são de consolidação, pois, as conspirações árabes e berberes são

todas sufocadas. O exército é reorganizado e mercenários berberes e escravos são recrutados

pelo governo. A partir de então, o Estado começa a sofrer um processo de orientação. A

política externa efetuou, neste período, campanhas periódicas contra os cristãos no norte e os

recursos daí retirados contribuíram para aliviar as despesas estatais.

O periodo mais estável da sociedade hespano-muçulmano acontece durante o Califado

de Cordova que tem início em 926 d.C., e vai até o ano de 1031 d.C., fazendo desse período, o

momento de grande prosperidade econômica. O exército de mercenários e escravos servem ao

califa enquanto cristãos, clientes e outros povos, vão ocupando cargos no governo.

Empreende-se nesse período, várias campanhas contra os reinos cristãos do norte e, dali

retiram tributos. Entretanto, a aparente tranquilidade e prosperidade foi o que derrubou o

califado, pois, foram os elementos que o formaram, dentre eles, o exército de mercenários, o

peso das estruturas estatais e os estrangeiros que aceleraram seu declínio.

A unidade califal se desfaz e se divide em pequenos e ágeis reinos chamados Taifas

que se organizaram com base nas afinidades de origens. Essa fragilidade deu aos cristãos, a

primeira chance de reconquistar os territórios perdidos, fazendo com que alguns Taifas

recorressem aos almoravidas no norte da África.

Em 1086 d.C., os cristãos são detidos e, pouco a pouco, os muçulmanos reunificam

sob o seu poder, a península, dando início à época almoravida (1090-1145 d.C.), cujo período

se caracteriza pela euforia econômica, onde novos senhores promovem a fulga dos cristãos do

seu território. Contudo, eles se deixam seduzir pela civilização andaluza. Ortodoxia e

corrupção se contrapõem e, a antiga aristocracia cristã se rebela. A partir deste momento, o

Islã perde suas forças e não consegue mais recuperar sua ofensividade.

A rapidez, audácia e facilidade que caracterizam a conquista da península pelos

muçulmanos contrastou cotidianamente com a demorada e difícil articulação entre

os próprios vencedores e destes com os vencidos. A persistência dos elementos

étnico-tribais sempre impõs duros obstáculos à estruturação político-social

(ANDRADE FILHO, 1997, p. 21)

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A península Ibérica, em sua imensa maioria, estava sob o domínio de Castela e Leão,

que exercia controle sobre o vasto território. Pela existência de regiões muito distantes do

governo central, era comum muitas delas buscarem sua autonomia política e administrativa.

E, por meio dessas circunstâncias, nasce o condado Portucalense, através da doação feita pelo

rei Afonso VI a uma de suas filhas no ano de 1095 d.C.

Segundo Saraiva (1979, p. 24), talvez tenha sido para evitar a excessiva tendência para

a autonomia dessas longínquas regiões de seu reino, que Afonso VI decidiu, em 1095 d.C.,

reunir em um só, os vários condados da zona ocidental e confiar o governo à pessoas de sua

própria família, no caso, sua filha ilegítima, Dona Tereza, além de um cavaleiro francês com

quem ela havia há pouco se casado, Dom Henriques de Borgonha. Dessa forma, nasceu o

condado Portucalense, antecessor da monarquia portuguesa.

Pintura século XIII Fig 1. Afonso Henriques

A nova condessa, filha do rei, aspirava naturalmente reinar. O marido, imbuído das

idéias do Feudalismo francês, fez tudo o que pôde para romper os laços da sua tênue

vassalagem em relação ao rei de Leão.

Ao assumir o comando do condado, Dona Tereza e Dom Henriques passaram a

ambicionar a autonomia do condado e, para isso, eles não mediram esforços, pois, logo

fizeram um pacto sucessório com seu primo Raimundo, no qual, com a morte do rei Afonso

VI, Dom Henriques apoiaria na sucessão ao trono do reino de Castela e, em troca, receberia a

cidade de Toledo e seu território. Essa parceria deu errado, pois, ocorre a morte prematura de

Raimundo e, Dom Henriques procurou sempre ampliar sua autonomia no condado. Tirou

proveito das circunstâncias favoráveis para se tornar independente do reino de Castela. Seja

pelos poderes que ele possuía para comandar ou pelas dificuldades de comunicação, além das

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constantes guerras entre cristãos e mouros. O certo é que ele fez tudo para conseguir a

autonomia administrativa do condado portucalense.

A morte do rei Afonso VI fez com que Dom Henriques buscasse com mais veemência

a independência do condado e procurasse expandi-lo. Enquanto o rei Afonso VI vivia, Dom

Henriques, mesmo buscando a autonomia do condado, sempre respeitou a vassalagem para

com seu sogro. Contudo, com a morte do mesmo, ele viu a chance de realizar seus desejos. D.

Henriques deu um importante passo para a consolidação da autonomia do condado, mas,

morreu sem realizar este sonho. Com sua morte, o governo do condado passou para as mãos

de sua esposa Dona Tereza, pois, o legítimo herdeiro do trono, Afonso Henriques, ainda era

muito criança.

2 AFONSO HENRIQUES

Afonso Henriques, o propulsor da monarquia portuguesa, nasceu por volta do ano de

1109 d.C., na cidade de Guimarães. Filho de pai francês e mãe leonesa, ele possuía uma

ascendência notável. Era neto do imperador Leão e Castela, tendo ainda como descendência, a

linha de Hugo dos Capetos, que dominou a época medieval francesa.

Veio a rainha (D.Tereza) a parir um filho grande e famoso, que não podia ser mais

(bela) criatura, salvo que nasceu com as pernas que pelo parecer dos médicos e de

todos julgavam que nunca poderiam ser são delas.

(...) Tanto que D. Egas Moniz soube que a rainha parira cavalgou às pressas, e veio a

Guimarães, onde o conde D. Henrique estava e, pediu-lhe por mercê que lhe desse o

filho, que lhe nascera para poder criar, como lhe tinha prometido.

O conde respondeu-lhe que não quisesse tomar para tal encargo, porque o filho que

Deus lhe dera nascera, pelos seus pecados tolhidos, de maneira que todos

acreditavam que nunca vingaria, nem vivia a ser homem. D. Egas, quando isto

ouviu, sofreu muito e disse:

- Senhor, antes cuido eu que por meus pecados aconteceu isto. Mas, já que a Deus

aprouve de ser esse o meu destino, dai-me mesmo assim o vosso filho, seja qual for

o seu estado.

E o conde, embora tivesse grande relutância, pelo, que a D. Egas Moniz queria, de o

encarregas de semelhante tarefa, por causa do aleijão da criança, contado deu-lhe

para lhe ser agradável.

E quando D. Egas deitado uma noite dormindo, tendo já o menino cinco anos,

apareceu-lhe Nossa Senhora e disse:

- D. Egas, dormes?

Ele, acordando com esta visão e voz, respondeu:

- Senhora, quem sois vós?

Ela disse:

- Eu sou a Virgem Maria, que te mando que vás, a um tal lugar (dando-lhe logo os

sinai dele) e faz aí cavar, e acharás lá uma igreja, que noutro tempo foi começada em

meu nome, é uma imagem minha. Faz reconstruir a igreja e a imagem feita a minha

honra, e isto feito, farás ai vigilia, pondo o menino que crias sobre o altar; e sabe que

se curará, e será são de todo. E não trabalhemos menos, de aí em diante, a criá-lo

bem e guardá-lo como fazes, porque o meu filho quer por ele destruir muitos

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inimigos da fé.

Desaparecido esta visão, ficou D. Egas Moniz muito consolado e alegre, como

vassalo que são e verdadeiro amor amava o seu senhor e suas coisas.

E assim foi manhã, levantou-se logo e foi com muita gente àquele lugar que lhe fora

dito; e mandado de cavar achou aquela igreja e imagem, pondo em obra todas as

coisas que Nossa Senhora lhe mandara, à qual aprouve, por sua santa piedade, logo

que o menino foi posto sobre o seu altar, ser logo curado e são das pernas, sem

nenhum aleijão, como se nunca tivesse tido nada.

Vendo D. Egas este tamanho prazer e milagre, deu muitos louvores a Deus e à

Nossa Senhora sua mãe, criando e guardando de ai em diante, com muito maior

cuidado, o menino, de quem sempre foi aio “(...) e por causa desse milagre, foi

depois feito nesta igreja, com muita devoção o mosteiro de cárquere” (GALVÃO

apud AMARAL, 2000, p. 20-22)

D. Egas Moniz foi quem cuidou da educação do jovem príncipe desde muito pequeno.

Era um importante nobre portucalense, pois, além de ser um homem rico e poderoso, era

também um cavaleiro capaz de reunir algumas centenas de homens para combater os

inimigos. Era dotado de uma formação moral excelente e poderia dar ao jovem príncipe

Afonso Henrique, uma boa educação física, militar e moral que, foram de suma importância

para o caráter do futuro rei.

Afonso Henriques passou os primeiros anos de sua mocidade sob a influência de D.

Egas Moniz e do poderoso Arcebispo de Braga, D. Paio Mendes. Estes, procuraram manter

Afonso Henriques com relações políticas e pessoais com toda a pobreza portucalense. D.

Afonso Henriques foi educado por D. Egas Moniz e sua esposa D. Tereza Afonso que lhes

ensinaram o galáico-português, latim e noções da fé católica, ensinando-o a rezar a Deus e à

virgem Maria. Ainda o instruíram nas artes marciais, a marcha, a equitação, esgrima, manejo

da lança, da corda, do arco e flecha e da luta corporal.

O Infante D. Afonso Henriques passou um curto tempo com seus pais, pois, seu pai

faleceu quando ele tinha apenas três anos de idade e sua mãe andava muito ocupada com a

política. Ele passou sua infância vivendo feliz de despreocupações, contudo, na adolescência,

foi desenvolvido com ele um processo de politização.

De acordo com Amaral (2000, p. 29-30), no ano de 1120 d.C., com onze anos de

idade, Afonso Henriques começou a entender o que se passava no condado. Muito disso, em

virtude do fato de sua mãe ter se esquecido da morte de seu pai tornando-se amante de vários

componentes da família Trava, uma importante família da Galiza. Essa união trouxe para o

comando do condado, Fernão Peres de Trava e toda a sua influência galega, o que deixou a

nobreza portucalense intrigada. Outro fator importante, foi a conduta de D. Tereza que

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contrariava a doutrina católica e, ela não se importando com isso, entrou em choque contra a

Igreja.

Os comentários de D. Paio Mendes influenciava cada vez mais Afonso Henriques

contra sua mãe. O que mais enraiveceu a nobreza portucalense foi o fato de Fernão tentar

unificar o condado portucalense e galiza em um só território. Para isso, ele afastou a nobreza

portucalense da administração do condade e a substituiu por famílias tradicionais galegas.

Com isso, deu início à revolta do clero e da nobreza contra a hegemonia galega. Tudo isso

para que houvesse uma rápida preparação do infante D. Afonso Henriques para assumir o

mais rápido possível, as responsabilidades que o esperavam.

Afonso Henriques foi um bom aluno, pois, aprendeu todos os ensinamentos

religiosos e também a preparação física e política que Egas Moniz e D. Paio

Mendes o ensinaram. Aos doze anos foi escolhido pela nobreza minhota para

defender seus interesses, aos dezoito já mandava em todos – e até desautorizou seu

preceptor Egas Moniz. Parafraseado Camões D. Afonso Henriques tinha nascido

para mandar, mais do que para ser mandado (AMARAL, 2000, p. 32)

Em 1125 d.C., com dezesseis anos, D. Afonso Henriques se arma cavaleiro na catedral

de zamora no dia de pentecostes. Ele propiciou, se armou, retirando do altar as armas

militares e colocando-as sobre seu próprio corpo. Esse fato fez com que D. Afonso Henriques

se integrasse na categoria militar dos adultos, podendo combater em batalha. Passou a dispõr

do seu próprio cavalo e a comandar grupos de cavaleiros – vilãos e peões. O ato solene do

infante, o qual se tornou cavaleiro, à maneira dos reis foi um desafio à autoridade.de D Fernao

e D Tereza .

Pintura século XIII Fig 2. Afonso Henriques

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Em 1127 d. C., D. Afonso Henriques e sua mãe rompem totalmente, pois, o infante

assume o comando político-militar do norte do Douro, e D. Tereza as terras entre o Douro e o

mondego. As duas cortes vão conspirar uma contra a outra e, aos dezoito anos de idade, D.

Afonso Henriques, pela primeira vez, torna-se o comandante, não recebendo ordens de

ninguém. Ao seu lado, estão todos os barões portucalenses que tinham sido excluídos por

Fernão Peres do comando administrativo do condado. Agora com o poder nas mãos e apoiado

por muitos líderes portucalenses, Afonso Henriques parte para o ataque contra a mãe e o

padrasto. De início, ele ataca e toma os dois castelos importantes de sua mãe: Neiva e Feira e,

ainda utiliza os mesmos para atacar outros territórios de sua mãe. Com grande poderio militar

e disciplina, as tropas do príncipe atemorizam e as hostes de D. Tereza pedem tréguas. Em

março de 1128 d.C., há uma tentativa de acordo em Vila Nova de Paiva, mas as negociações

foram em vão e o caminho para a batalha campal é eminente.

3 A BATALHA DE SÃO MAMEDE

O marco do início do processo de independência do condado foi a batalha de S.

Mamede, pois, nessa batalha, o príncipe D. Afonso Henriques toma o poder de todos os

territórios do condado portucalense. O importante dessa batalha foi a vitória do infante que

deu a ele a capacidade e a coragem para lutar contra outro inimigo mais forte, o rei de Leão e

Castela. Essa batalha foi travada em 24 de junho de 1128 d.C., e as tropas lusitanas de D.

Tereza se juntaram com a galega de Fernão Peres no norte de Guimarães para atacarem

Coimbra, onde estava D. Henriques e seu exército. A tropa de D. Afonso Henriques era mais

numerosa e representativa, pois, abrangia quase cem por cento da nobreza portucalense e a

tropa de D.Tereza era pouco numerosa sendo apoiada apenas por parte da nobreza galega.

Embora, do ponto de vista militar e social, S. Mamede tinha sido muito mais uma

batalha entre a nobreza portucalense e a nobreza galega. Na verdade, do ponto de vista

político e jurídico, ela saldou-se por uma vitória clara do príncipe D. Afonso Henriques contra

a rainha D. Tereza (AMARAL, 2000, p. 48).

A batalha foi bravamente pelejada, e o príncipe D.Afonso lançado do campo

destratado. E indo ele assim, a uma légua de Guimarães, encontrou-se com D. Egas

Monez, seu aio que o vinha ajudar e estar com ele na batalha. E, quando Dr. Egas o

viu disse:

- Que é isto, senhor? Como vende vós assim?

Respondeu o príncipe:

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- Venho muito destratado, porque venceu o meu padrasto e minha mãe, que estava

com ele.

Disse então D. Egas:

- Não fizestes bem nem com razão, dardes a batalha sem mim. Mas tornou lá, e eu

convosco, e espero em Deus que hoje prendamos vosso padrasto e vossa mãe.

Recolhei a vós toda a vossa gente que vem fugindo, e voltemos a pelejar.

E, tornaram então outra vez a batalha, e venceram-na: e o príncipe prende ali o

padrasto e a mãe.

O príncipe D.Afonso pôs então sua mãe em ferros. E ela vendo-se assim presa,

disse:

- D. Afonso, meu filho, prendeste-me e deserdaste-me da terra e honra que me

deixou meu pai, e afastas-me de meu marido. A Deus peço que preso sejais vós,

assim como me vejo agora. E porque persiste em ferro as minhas pernas, que vos

ajudaram a trazer e a criar com muitas dores do meu ventre e fora dele, com ferros

sejam as vossas pernas quebradas, e para a Deus que assim seja.

E depois aconteceu a este príncipe, D. Afonso, sendo já rei, que se lhe quebrou uma

perna ao sair pela porta de Badajoz, e foi preso de El rei D.Fernando de Leão (...):

“e todos dizem que lhe aconteceu pela maldição que lhe lançou sua mãe”

(GALVÃO apud AMARAL, 2000, p. 47-48)

As tropas de D. Tereza foram vencidas por D. Afonso Henriques e foi expulsa

juntamente com seu marido do condado. Enfim, o condado portucalense estava livre da

influência da hegemonia galega. A data dessa coincidiu com o dia de São João Batista, assim

sendo, o cronista de Santa Cruz aproveitou essa coincidência com a festa religiosa para

colocar esse acontecimento no nível das intervenções divinas.

São João Batista foi o anunciador de Cristo e, por este fato e a batalha ter ocorrido no

dia do santo referido, a vitória de D. Afonso Henriques fez com que o povo acreditasse que o

infante era o anunciador de um novo reinado. Por este fato, se iniciou o mito que cerca a

trajetória de D. Afonso Henriques como comandante supremo do condado portucalense até

sua posterior independência territorial e administrativa junto ao rei de Leão e Castela.

4 BATALHA DE OURIQUE

Após a batalha de São Mamede, o jovem Afonso Henriques começou a governar o

condado portucalense no ano de 1128. A partir de então, ele começou a se comportar como

um soberano independente, não querendo mais se submeter a vassalagem junto ao rei de

Leão. Desde que assumiu o comando do condado, a vida de Afonso Henriques passou a ser

uma constante luta em prol da defesa e ampliação do território português.

Entre os anos de 1130 e 1137, ele se encontrou combatendo na Galiza até a vitória na

Batalha de Arneja contra os condes Rodrigo Vela e Fernando Perez, o que causou a retirada

desordenada das tropas galegas do território portucalense. Enquanto combatia a Galiza, Dom

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Afonso Henriques obteve um revês, pois, no sul, os muçulmanos se tornaram bastante

ameaçadores. Eles tomaram o castelo de Leiria e derrotaram os portugueses em Tomar.

Para enfrentar os muçulmanos, o infante assinou com o rei Afonso VII um tratado de

paz que ficou conhecido como a Paz de Tui em julho de 1137. O exército português partiu de

Coimbra onde ficava a Corte portuguesa e dirigiu-se para o sul derrotando os muçulmanos na

famosa batalha de Ourique em 25 de julho de 1139. Essa batalha tornou-se famosa por vários

motivos religiosos. Ela foi travada no dia de Santiago, apóstolo que era conhecido na época

como “o mato mouros” e, seu túmulo na cidade de Santiago de Compostela era o local onde

havia as maiores peregrinações da cristandade medieval.

Outro fator que tornou a batalha famosa foi a visão de D. Henriques, na qual ele

sonhou com Cristo crucificado lhe dizendo palavras de incitamento. E, ainda a resolução de se

colocar na bandeira portuguesa os trinta dinheiros de Judas nas cinco quinas, o que

simbolizariam as chagas de Cristo.

Quando foi finda a tarde, depois que o príncipe fez pôr as guardas no seu arraial, o

eremita que estava na eunícia que acima dissemos, veio até ele e disse-lhe:

- Príncipe D. Afonso, Deus te manda por mim dizer que, pela grande vontade e

desejo que tens de o servir, quer que tu sejas ledo e esforçado: ele te fará amanhã

vencer. El Rei Ismar e todos os seus grandes poderes. E mais, te manda por mim

dizer que quando ouvires tocar uma campanhia que está na eremida, deves sair fora

e lhe te aparecerá no céu, assim como disse:

- O bom senhor Deus, todo poderoso, a quem todas as criaturas obedecem, sujeitar

a teu poder e querer, a ti só conheço, e agradeço (...) mandares-me prometer tão

grande coisa como esta. E tu, Senhor, saber que por te servir passo muita fadiga e

trabalho contra estes seus inimigos, com os quais, por serem contra ti, eu não quero

paz nem quero tê-los como amigos. E desde que isto disse, com outras palavras

muito a devotar, encomendou-se a Deus e à Virgem gloriosa, sua mãe. Então

encostou-se e adormeceu. E qundo foi uma meia hora antes da manhã, tocou a

campanhia como o eremita dissera, e o príncipe saiu fora da sua tenda e, segundo

ele mesmo disse e deu testemunho em sua história, viu nosso Senhor em cruz, na

maneira que lhe dissera o eremito. E adorou-o muito devotamente com lágrimas de

grande prazer (...) dizendo:

- Senhor, aos hereges é que é preciso apareceres, pois eu sem nenhuma dúvida creio

e espero em ti firmemente.

(...) Neste aparecimento foi o príncipe D.Afonso certificado por Deus de sempre

Portugal haver de ser conservado em reino. (...) tudo é para crer que nosso Senhor

queria e faria o príncipe tão virtuoso, sobre quem fundara reino e reis tão virtuosos

para o seu serviço e de santa fé católica. (DUARTE GALVÃO apud AMARAL,

2000, p. 76-77)

A Batalha de Ourique foi a pedra angular da monarquia portuguesa, pois vitória

espetacular contra um exército mais numeroso deixou o exército em delírio. Dizem os

relatores que, nesta batalha foram derrotados cinco reis mouros e os exércitos sarracenos

d´África e da Espanha. E, no auge da vitória Afonso Henriques foi aclamado rei de Portugal.

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As principais consequências desta batalha foram de ordem moral, pois, com as armas

nas mãos, o exército português deu uma grande lição nos sarracenos. Com isso, houve um

revigoramento da auto estima dos portucalenses. Isso devido às condições humilhantes em

que o rei Afonso submeteu ao infante Afonso Henriques, devido aos reveses de Leria e

Tomas. No lugar do conflito foi construído um eremitério com uma igreja no local da visão

do infante. Esta, foi demolida e depois reconstruída pelo rei V Sebastião, onde foi esculpido

um arco, narrando a história de Ourique.

Segurmanete, a batalha de ourique teve para a história portuguesa uma grande

importância. Convém evidenciar que pela primeira vez os portugueses ousaram

atravessar o Tejo, penetrando em regiões onde raramente cristãos pensariam em pôr

os pres. É legítimo pensar que a vitória desse empreendimento deixou o exército

suficientemente entusiasmado a ponto de aclamar Afonso Henrique rei. Quanto ao

prestígio conquistado parece não haver dúvida. Carl Edmann chama a atenção para

o fato de que nos ano de 1139 e 1140, o título de rei aparece nos diplomas de

Afonso Henrique. Até julho de 1139 só aparecem títulos de infans e de

Portugatesuim princeps, a única execeção surge em um diploma dirigido ao

mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, datado de março de 1139, onde pode-se ler

Portugalesium rex. Após abril de 1140, o título de rei dos portugueses aparecia

seguidamente (RIBEIRO, 1997, p. 68)

A vitória na batalha de Ourique de a Afonso Henriques, a possibilidade de continuar a

luta contra os muçulmanos, isso devido à fragilidade política dos árabes na península Ibérica.

Os árabes estavam divididos em pequenos estados rivais e que se envolveram em lutas

constantes entre si.

Afonso Henriques soube aproveitar a oportunidade para mais conquistas. O rei usou

sua prática de guerra mais inteligente, pois, saiu de Coimbra à noite com um pequeno grupo

de homens armados e ficou escondido até que os defensores da cidade de Santarém

dormissem e escalou os muros. Aproveitando-se do pânico da cidade, ele se apoderou dela.

Depois da conquista de Santarém, Afonso Henriques foi à luta contra Lisboa. Esta era

uma cidade rodeada de fortes muros, e o assalto solicitava forças navais para isolar a cidade

pelo lado do rio Tejo.

Como Afonso Henriques não possuía forças navais, ele exerceu outra de suas

características, além de militar brilhante também era um astuto diplomata. Juntamente com o

Bispo do porto, convenceu os exércitos cruzados a se juntar a ele na luta contra os mouros.

Com a decisão de que os saques da cidade de Lisboa ficassem com os cruzados. O ataque à

cidade durou cerca de vinte semanas até que a cidade caiu em poder dos cristãos. Afonso

Henrique cumpriu sua promessa e deixou os cruzados saquearam a cidade e ainda lhes deu

algumas terras.

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Com as conquistas de Santarém e Lisboa por Afonso Henriques, várias cidades

preferiram se entregar pacificamente aos portugueses do que serem saqueados pelos cruzados,

entre elas: Alequer, Óbidas, Alamada, Sintra, Sesimbra, Palmela. Depois da batalha de

Ourique, o infante Afonso Henrique passa a utilizar o título de rei. Em vários documentos,

nos anos de 1139 e 1140, ele é descrito como rei:

- Documento de outubro de 1139: Rex Alphonsus... Portugalensuim rex;

- Documento de fevereiro de 1140: Rex Alponsus, portugalensium princeps.

Fig III. Brasão real de Afonso Henriques

Contudo, esse título não queria dizer que Portugal já fosse um país independente, pois,

o título de rei era usado nesta época também para designar chefes de condados e ducados

dependentes de um imperador.

5 A BUSCA PELO RECONHECIMENTO DO REINO DE PORTUGAL

Após vencer a batalha de Ourique, D. Afonso Henriques saiu determinado a obter o

reconhecimento de sua soberania junto ao Imperador de Leão e Castela. Para isso, D. Afonso

reuniu seus exércitos e invadiu a galiza e cercou e tomou Tui em agosto de 1140.

O Imperador Afonso VII não gostou da quebra do acordo de paz de Tui e invadiu a

galeza e retomou vários territórios que haviam sido conquistados pelos portugueses. O

confronto entre o exército leones e o exército português aconteceu junto ao Arcos de

Valdevez, onde as forças portuguesas sairam vitoriosas. O conde Radimiro foi preso pelos

portugueses no primeiro combate e, isso fez com que fosse realizado um torneio entre os

cavaleiros de ambos os lados. Esse conflito foi mais favorável ainda para D. Afonso

Henrique, pois, vários nobres leoneses foram presos entre eles, o irmão do Imperador Afonso

VII, Fernando Furtado e o cunhado de Afonso Henriques, Bermudo Peres de Trava.

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Foi tal o prestígio das tropas portuguesas e do seu chefe, D. Afonso Henriques, e tal

o desânimo que se apoderou dos leoneses – sobretudo, com a detenção de quatro

prisioneiros de guerra de grande nomeada - , que o próprio Imperador Afonso VII,

através do arcebispo de Brava, pediu tréguas aos portugueses, que não fosse a

guerrilha crescente desembocar numa grande batalha geral, que cada vez mais se

tornava interminável (AMARAL, 2000, p. 92)

Os dois primos ajustaram um cessar fogo que durou alguns anos. Para Afonso

Henrique, a tática agressiva deu certo. A guerra conduziu a paz e ao reconhecimento

diplomático. Em 1140, os muçulmanos voltaram a atacar o território português tomou o

castelo de Leiria e matou parte da população e prende alcaide português, D. Paio Gutere e

partiu para a Beira interior. Isso fez com que D. Afonso Henriques atravessasse o rio Douro e

desbratasse em dois encontros os mouros no fim de 1141.

Com as vitórias, D. Afonso Henriques tinha condições de concretizar seus desejos,

pois, tinha o apoio político e militar dos barões portucalenses, do povo, da Igreja e, ainda

possuía uma grande capacidade de liderança. Isso revelou que D. Afonso Henrique era um rei

com paixão e projetos.

A paz que havia sido prometida em Valdevez, em setembro de 1141, veio a ser

negociada e concluída em Zamora nos dias 4 e 5 de outubro de 1143. Neste período foi

realizado um Concílio provincial dos bispos hispânicos em Valladolid, sob a direção do

Cardeal romano Guido de Vico, a mando do papa Inocêncio II. Este, juntamente com o

Imperador Afonso VII e o rei Afonso Henriques, se dirigiram para a cidade de Zamora para

negociarem a paz. Guido de Vico foi o mediador da Conferência que foi concluída com um

acordo amigável, onde os dois lados prometeram ficar sempre em paz e concórdia.

Fig. IV. Bandeira de Afonso Henriques

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No acordo entre os dois, ficou decidido que: o Imperador de Leão reconhecia a partir

deste momento, D. Afonso Henriques como rei. Este, por outro lado, devolveu a Afonso VII,

o senhorio de Astorga, considerando-se por este fato, vassalo do Imperador. O que Afonso

Henriques pretendia era a independência do condado portucalense e o tratado de Zamora não

deu essa a ele. O título de rei não era o suficiente e ainda a concessão de Astorga para Afonso

VII, o mantinha como vassalo do Imperador de Castela e Leão.

Para Amaral (2000, p. 46), “ora, a verdade é que não só a subordinação através de

Astorga impedia a independência de Portugal, mas também o reconhecimento do título de rei

não equivalia ao reconhecimento do país”. Para Afonso VII, não era absurdo conceder o título

de rei a D. Afonso Henriques, pois, isto lhe daria mais prestígio. Seria mais um rei na sua

alçada, já que o Império de Leão e Castela já contava com mais dois reis vassalados de

Navarra e Aragão.

Foi aqui, sem dúvida, que D. Afonso Henrique compreendeu que a política de stop

and go até aí seguida para com seu primo Afonso VII (guerrilha – acordo de paz –

guerrilha – acordo de paz – guerrilha) não levaria a nada. Por duas razões: primeiro,

porque Portugal não tinha força militar suficiente para impor uma derrota global a

Leão; segundo, porque Afonso VII não podia e nem queria reconhecer a

independência de Portugal, que era contrária a seus interesses e ao direito público

leonês (AMARAL, 2000, p. 98)

Ficou bem claro para o rei português e seus conselheiros que para conseguirem obter a

independència de Portugal, era preciso seguir um plano internacional, ou seja, aumentar as

relações com a Santa Sé. Com isso, Afonso Henriques deixa de se interessar por Leão e se

volta para Roma. Após dois meses do tratado de Zamora, ele viola os acordos estabelecidos

com Afonso VII. No dia 13 de dezembro de 1143, D. Afonso Henriques escreve uma carta ao

Papa, pois, somente colocando o trono português nas mãos do pontifício romano, o reino de

Afonso Henriques estaria forte e seguro.

Desde a Idade Média, era frequente um reino ou convento, a diocese requerer ao papa,

a chamada “Liberdade Romana”. Esta, consistia em que o mosteiro ou diocese do reino em

que era concedida, ficasseo isento dos poderes civis ou eclesiásticos do lugar a que antes

estava sujeito, reconhecendo no futuro, só a autoridade do romano pontífice ou dos seus

legados.

Foi nessa possibilidade, que os conselheiros de D. Afonso Henriques e D. João

Peculiar, o novo arcebispo de Braga – amigo pessoal do infante – pensaram, pois, para

conseguir a independência de Portugal, somente a Liberdade Romana poderia concretizar. O

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plano foi concebido e arquitetado em apenas dois meses. Do dia 5 de outubro, a data da

Conferência de Zamora, ao dia 13 de dezembro, data da carta enviada ao Papa.

Fig. V. Página da Crônica de Afonso Henriques

Foi a carta Claves Regni (as chaves do reino), de 13 de dezembro de 1143, pela qual

D. Afonso Henriques – que se intitula como Afonso, por graça de Deus, rei de Portugal –

decide enfeudar o reino de Portugal à Santa Sé, afirmando nomeadamente ao Papa Inocêncio

que declara constituir a sua terra como censual de S. Pedro e da Santa Igreja, com o tributo

anual de quatro onças de ouro, censo que deverão pagar também aos seus sucessores;

declarava-se verdadeiro soldado de S. Pedro e do Pontífice Romano, que torna o que respeite

à dignidade e honra dessa terra, afirmando que pretende nunca mais ser obrigado a admitir

nela o poder de qualquer senhorio eclesiástico ou secular, senão o da Santa Sé e dos seus

legados (AMARAL, 2000, p. 100).

A carta foi escrita por D. Afonso Henriques, rei dos portugueses, e confirmadas pelos

bispos D. João Peculiar, arcebispo de Braga, D. Bernardo, bispo de Coimbra e D. Pedro, bispo

do Porto. Essa carta contém três elementos essenciais. A prestação de vassalagem ao Papa,

promessa de pagamento de uma certa quantidade de ouro anual e o pedido de proteção direta

da Santa Sé, especialmente para não admitir mais nas terras portuguesas o poder de qualquer

senhorio eclesiástico ou secular. A intenção do rei Afonso Henriques de concretizar uma

ruptura definitiva em relação ao Imperador de Leão e Castela era clara a violação do acordo

concedido na Conferência de Zamora. Por isso, este momento foi um dos mais decisivos para

a Independência de Portugal.

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Quem respondeu à carta do rei de Portugal foi o Papa Lúcio II após as mortes seguidas

dos Papas Inocênco II e Alestino II, no dia 1 de maio de 1144, através da Devotionem Tuan.

O Papa aceita a vassalagem de D. Afonso Henriques, mesmo não respondendo como o infante

queria, ainda assim, aceita a vassalagem à Santa Sé e também teve que colocar em prática,

seus respectivos deveres.

Mas, por outro lado, seria inadequado ignorar que Lúcio II aceite a vassalagem de

D. Afonso Henrique e, em troca, promete-lhe a proteção especial de S. Pedro – não

apenas nos assuntos espirituais (proteção das almas), mas também nos temporais

(proteção dos corpos) e não só contra as tentações do pecado (defesa dos inimigos

invencíveis), mas também contra os perigos da vida política e militar (defesa dos

inimigos visíveis) (AMARAL, 2000, p. 103)

Afonso VII reagiu contra os interesses do rei português e enviou ao Papa um protesto

político e eclesiástico, no qual se queixava de que o Pontífice estivesse lhe diminuindo o

senhorio e a dignidade, além de estar quebrando os foros da monarquia aceitando alguma

coisa de Afonso Henrique, e com isso, os direitos da coroa leonesa estavam sendo lesados.

Quem respondeu Afonso VII foi o Papa Eugêno III, onde dá ao Imperador, total

razão na parte eclesiástica e se caracteriza pela ambiguidade e astúcia na parte

política. Com essa resposta, Afonso VII não voltou a reagir, pois, o triunfo

diplomático junto ao Pontífice romano fora de D. Afonso Henriques. Pois, a

Liberddade Romana foi concedida a Portugal de forma perpétua. Em face das

circunstâncias, Afonso VII resignou-se diante do fato consumado da separação de

Portugal da monrquia leonesa; ao menos não nos restam monumentos

(documentos) e nenhuma outra tentativa do Imperador para recobrar a mínima

autoridade direta nesta parte da Espanha (isto é, em Portugal) (AMARAL, 2000, p.

105).

Em razão da persistência e lucidez do separatismo de Afonso Henrique, Afonso VII

foi cedendo aos poucos e, por fim, acabou aceitando a independência de Portugal sem fazer

nenhum outro protesto à Roma e, tampouco fez ameaças à Portugal.

Em uma carta régia de Afonso VII em 1 de dezembro de 1556, na cidade de Palencia,

o Imperador leonês confirma a divisão de certas propriedades entre o arcebispado e o cabido

de Tui. Neste documento, são referenciadas terras entre o norte e o sul do rio Nino. O mesmo

foi feito com o consentimento de D. Afonso Henriques como vassalo e cooperador. Isso

comprova o estado de soberania em que se encontrava D. Afonso Henrique.

Aos 35 anos, D. Afonso Henriques realizou seu primeiro e grande projeto político,

pois, conseguira conquistar a independência de Portugal. Este foi o primeiro passo para a

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soberania de Portugal, contudo, a luta para definir as fronteiras do país continuou por muitos

anos.

Iniciou-se neste período, a primeira dinastia portuguesa: a dinastia dos afonsinos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O resultado da pesquisa demonstra que o processo de formação e autonomia do reino

português obteve em sua trajetória muitas dificuldades, mas também depois de mutia luta e

disposição de D. Afonso Henriques este objetivo se tornou realidade.

Destaca-se neste período as batalhas de São Mamede e Ourique, onde os interesses de

D. Afonso Henriques e dos portugueses são adquiridos através de vitórias em ambas. Mais

que isso, a vitória nessas batalhas foram marcos neste processo de autonomia política de

Portugal.

É interessante analisar que neste processo de autonomia política, as vitórias em

batalhas não foram suficientes para concretizar esse objetivo, isto devido a conjuntura política

e religiosa da época. A autonomia só foi conseguida através da prestação de vassalagem a

Santa Sé e o pedido da Liberdade Romana. Quando a Santa Sé aceitou a vassalagem, também

aceitou os deveres desta. E assim teve início o reino de Portugal independente.

Portanto, o objetivo principal do artigo verificou-se que o processo de formação de

Portugal tem em D. Afonso Henriques seu maior populoso e ainda neste processo de

autonomia administrativa foram as ações dele que concretizaram os objetivos. Então a figura

de D. Afonso Henriques foi de suma importância para concretizar a autonomia política de

Portugal.

REFERÊNCIAS

AMARAL, Diogo Freitas. Afonso Henriques Biografia. Braga: Círculo de Leitores, 2000.

ANDRADE E FILHO, Ruy. Os Mulçumanos na Península Ibérica. Ruy Andrade Filho. 3ª

Ed. São paulo: contexto, 1997.

Fonte das figuras: http://hgp-recursos.blogspot.com/2008/03/o-condado-portucalense.html

Acesso em: 5 nov. 2010.

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GIORDANI, Mario Curtis. História do mundo feudal. Petrópolis, RJ: Vozes, 1984.

RIBEIRO, Maria Eurydice de Barros. A origem mítica da monarquia portuguesa. In:

BARROS (org.) A vida na Idade Média. Brasília: UnB, 1997. p. 61 - 74.

SARAIVA, José Hermano. Pequenas Histórias das grandes nações. Portugal. São Paulo:

Círculo do Livro, 1979.