LIBRAS e LINGUA PORTUGUESA: A Configuração do texto escrito do aluno surdo na perspectiva do Bilinguismo

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    VERONICE BATISTA DOS SANTOS

    LIBRAS e LINGUA PORTUGUESA: A Configurao do

    texto escrito do aluno surdo na perspectiva do Bilinguismo

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

    CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS E SOCIAIS - CCHS

    CAMPO GRANDE

    2011

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    VERONICE BATISTA DOS SANTOS

    LIBRAS e LINGUA PORTUGUESA: A Configurao do

    texto escrito do aluno surdo na perspectiva do Bilinguismo

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

    CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS E SOCIAIS- CCHS

    CAMPO GRANDE

    2011

    Dissertao apresentada para obteno do ttulo de

    Mestre ao Programa de Ps-Graduao emEstudos de Linguagens da Universidade Federalde Mato Grosso do Sul, sob a orientao da Prof.Dr. Raimunda Madalena Araujo Maeda.

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    VERONICE BATISTA DOS SANTOS

    LIBRAS e LINGUA PORTUGUESA: A Configurao do

    texto escrito do aluno surdo na perspectiva do Bilinguismo

    COMISSO JULGADORA

    __________________________________________________________________

    Prof. Dr. Raimunda Madalena Arajo Maeda

    Orientadora

    __________________________________________________________________

    Prof. Dr. Maria Emilia Borges Daniel

    Membro TitularUFMS

    __________________________________________________________________

    Prof. Dr. Marilda Moraes Garcia Bruno

    Membro TitularUFGD

    Campo GrandeMS, maro de 2011

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    AGRADECIMENTOS

    minha orientadora, professora Dra Raimunda Madalena Araujo Maeda, por sua dedicao,ateno e exemplo de compromisso e responsabilidade, meus sinceros agradecimentos.

    professora Dra Maria Emilia Borges Daniel, cone de disciplina, humildade e sabedoria.

    professora Dra Eluiza Bortolotto Ghizzi, pela ateno e sugestes em minha qualificao.

    todos os professores do Mestrado em Estudos de Linguagens que foram capazes de dividir

    seu conhecimento com os alunos do programa.

    Prof Dra Marilda Moraes Garcia Bruno pela suas intervenes e sugestes que

    enriqueceram este trabalho.

    Escola Estadual Pedro Mendes Fontoura, Coxim-MS, que abriu suas portas para que eu

    pudesse realizar minhas observaes.

    Aos Diretores, professores e coordenadores que no mediram esforos para que eu pudesse

    realizar as entrevistas.

    s Tcnicas do Ncleo de Apoio Educao Especial NUESP- Prof Lgia David e Prof

    Maria Aparecida Spengler que me forneceram material terico e me concederam as

    entrevistas.

    Aos alunos surdos e suas famlias que me permitiram realizar esse trabalho de pesquisa.

    Ao meu esposo e filhos que sempre me apoiaram e compreenderam minha ausncia, enquanto

    eu caminhava em busca de novas realizaes.

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    A firme determinao em prosseguir dos que sabem a que meta chegar nunca ficou semresposta: Eles jamais deixaram de compartilhar a alegria do encontro...

    (Dicionrio Ilustrado Trilingue de LIBRAS)

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    RESUMO

    Neste estudo abordamos questes referentes ao ensino-aprendizagem do aluno surdo que tem

    a lngua de sinais como lngua materna e a lngua portuguesa como segunda lngua namodalidade escrita. Abordamos ainda o trabalho com o texto e, nessa perspectiva,investigamos situaes de aprendizagem desenvolvidas na sala de aula, com o objetivo deverificar se o ensino est ocorrendo dentro da proposta de uma educao bilingue para ossujeitos surdos. Enfocamos tambm a funo do professor de lngua portuguesa, no sentido deverificar de que forma ele interage com esse aluno e que papel desempenha na construo doconhecimento linguistico desse indivduo. Analisamos as questes de sala de aula eaprendizagem de segunda lngua ancorados na Linguistica Aplicada (LA), de acordo comMoita Lopes (2006), Signorini (1998) e Paschoal e Celani (1992). Na perspectiva de produoescrita, observamos como acontece o trabalho com o texto escrito, uma vez que nossosinformantes esto cursando os ltimos anos do ensino fundamental e ensino mdio. Portanto,

    acreditamos que j tenham desenvolvidas as habilidades na produo textual. Com o intuitode confirmar nossa hiptese, acerca da educao bilngue, coletamos textos produzidos poresses alunos e os analisamos a luz da Lingustica Textual (LT), tendo como referencial Adam(2008) Fvero & Koch(1988), Koch (1989),Koch & Travaglia (1989),Koch (1990), Koch(2002), Marcuschi(2008), Marcuschi (2010), que nos forneceram aportes tericos queconfirmaram a hiptese inicial de que o discurso produzido pelo aluno surdo, usurio daLibras, pode ser considerado um texto. Para essa anlise lanamos mo dos princpios detextualidade da LT que so: a coerncia, a intencionalidade, a aceitabilidade asituacionalidade e a informatividade. Este trabalho foi pautado na pesquisa qualitativa com:estudo documental, observaes nas salas de aula, entrevista com os diretores, coordenadorese professores de Lngua Portuguesa. Tambm foram entrevistados os familiares dos alunos

    que fizeram parte da pesquisa. Este trabalho teve incio no ano de 2009, quando selecionamos04 alunos surdos para participarem do projeto de pesquisa e, desde ento, observamos ecoletamos dados que nos permitiram comprovar que o contexto bilngue ainda no faz parteda realidade da sala de aula dos alunos pesquisados. Quanto aos textos escritos pelos alunossurdos, conclumos que so textos que possuem suas especificidades lingusticas, mas quecumprem com o objetivo de cada produtor, cabendo ao interlocutor a busca pelo sentido e acompreenso do texto. Assim, conseguimos responder s questes as quais nos propusemosinvestigar. Esses alunos estavam matriculados na Escola Estadual Pedro Mendes Fontoura,localizada no municpio de Coxim-MS, local onde foi realizado esse trabalho de pesquisa.

    Palavras-chave: Surdez, Bilinguismo, Linguagem.

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    ABSTRACT

    In this paper we discuss issues related to the teaching - learning of deaf student who has thesign language as it first language and Portuguese as a second language in the written form.Westill discuss the work with the text and, from this perspective; we studied learning situationsdeveloped in the classroom, with the aim of verifying if the teaching is occurring within the

    proposal of a bilingual education for the deaf subject.We also focus the function of thePortuguese teacher, in order to verify how he interacts with this student and its role in theconstruction of linguistic knowledge of this subject. We analyzed the issues of classroom andlearning of second language based in Applied Linguistics (AL), according to Moita Lopes(2006), Signorini (1998) and Pascoal and Celani (1992).From the perspective of writing

    production, we observed as the work with the written text happens, since our informants arefinishing elementary school and high school.Therefore, we believe they have already

    developed skills in text production. In order to confirm our hypothesis about bilingualeducation, we collected texts produced by these students and analyzed them based on TextualLinguistics (LT); we had as reference Adam ( 2008)Fvero & Koch (1988), Koch (1989),Koch & Travaglia (1989 ), Koch (1990), Koch (2002), Marcuschi (2008), Marcuschi (2010),they provided us with theoretical studies which confirmed the initial hypothesis that thespeech produced by deaf students, user of Brazilian Sign Language (LIBRAS), can beconsidered a text. This paper was guided by the qualitative research: a study of documents,classroom observations, interviews with directors, coordinators and teachers of Portuguese.Were also interviewed family members of the students who took part in the research. This

    paper began in 2009, when we selected 04 deaf students to participate in the research projectand since then we have been observing and collecting data that enabled us to demonstrate that

    the bilingual context is not yet part of the reality of the classroom of students surveyed. As forthe texts written by deaf students, we concluded that they are texts that have their specificlanguage, but they meet the goal of every producer, being the recipient to search for meaningand understanding of the text. Thus, we answered the questions which we set out toinvestigate. These students were enrolled in the State School Pedro Mendes Fontoura, locatedin the city of Coxim-MS, where this research project was conducted.

    Keywords: Deafness, Bilingualism, Language.

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    Lista de Ilustraes

    Figura 1. Cenas para elaborao de histria.......................................................................... 63

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    Listas de Tabelas

    Tabela 1. Tipos de Surdez. .................................................................................................... 52

    Tabela 2.

    Dados Gerais dos Alunos Surdos. ......................................................................... 54

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    Sumrio

    INTRODUO .......................................................................................................................... 1

    CAPTULO I: REFERENCIAL TERICO: REFLEXES E ABORDAGENS DASDIFERENAS LINGUISTICAS QUE PERMEIAM A EDUCAO DO SURDOBRASILEIRO. ............................................................................................................................ 5

    1. Histrico sobre a Lngua de Sinais ............................................................................... 52.

    Aquisio da Linguagem ............................................................................................ 19

    2.1. Desenvolvimento de Linguagem da Criana Surda na perspectiva bilngue ......... 243.

    A Lingustica Aplicada ............................................................................................... 28

    4. Lingustica Textual ..................................................................................................... 38CAPTULO II: METODOLOGIA DA PESQUISA ................................................................ 46

    1.

    Condies da Pesquisa ............................................................................................... 46

    1.2

    Tipos de Perdas Auditivas: ..................................................................................... 521.3

    Tipos de Surdez ...................................................................................................... 52

    2. Caractersticas dos Alunos Pesquisados ..................................................................... 542.1

    Textos Produzidos Pelos Alunos ............................................................................ 56

    CAPTULO III: RETEXTUALIZAES E ANLISES ....................................................... 661.

    Retextualizao .......................................................................................................... 66

    2.

    A Retextualizao do Texto Escrito do Aluno Surdo ................................................ 68

    2.1. Quadro I - Texto da Aluna A ..................................................................................... 71

    2.2.

    Quadro IITexto do Aluno B ............................................................................... 74

    2.3. Quadro IIITexto do Aluna C .............................................................................. 802.4.

    Quadro IVTexto do Aluno D ............................................................................. 84

    3.

    Anlises dos Textos Produzidos Pelos Alunos Surdos .............................................. 88

    3.1.

    Anlise do Texto IAluna A ................................................................................ 89

    3.2. Anlise do Texto IIAluno B ............................................................................... 923.3.

    Anlise do Texto IIIAluna C .............................................................................. 94

    4.4. Anlise do Texto IVAluno D ............................................................................. 97CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................. 100

    REFERNCIAS ..................................................................................................................... 106

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    INTRODUO

    No a surdez que define o destino das pessoas, mas o resultado do olhar da sociedadesobre a surdez.

    (Vigotsky)

    A realizao de um trabalho de pesquisa sobre o processo de ensino-aprendizagem do sujeito

    surdo , sem dvida, de suma importncia para a sociedade e, especialmente, para a

    comunidade escolar que tem esse aluno includo em sala de aula. Aparentemente, a incluso

    apenas mais uma dentre as vrias polticas pblicas do pas; mas, se formos analisar asdificuldades dos profissionais que lidam diariamente com alunos surdos includos em salas de

    aula regular, onde a maioria dos professores no tem o conhecimento da lngua brasileira de

    sinais, nem da metodologia de ensino de segunda lngua, chegamos concluso de que so

    necessrias aes mais eficazes para que a proposta do ensino para o aluno surdo seja pautada

    na observncia e no respeito pela diferena lingustica de cada um desses indivduos, ou seja,

    que se proponha um ensino centrado numa proposta bilngue QUADROS (1997)

    Bilinguismo uma proposta de ensino usada por escolas que se propem a tornar acessvel criana duas lnguas no contexto escolar.. Os estudos tm apontado para essa proposta como

    sendo a mais adequada para o ensino de crianas surdas, tendo em vista que considera a

    lngua de sinais como lngua natural e parte desse pressuposto para a lngua escrita.

    De acordo com Godfeld (1997, p.13) a partir da dcada de oitenta, comea a surgir uma nova

    viso em relao ao surdo e a lngua de sinas. Percebe-se a necessidade de valorizar esta

    lngua e a cultura, e no mistur-la com a lngua oral. As lnguas de sinais, a comunidade

    surda, seus valores e sua cultura passam a receber a ateno de diversos profissionais de

    diferentes reas, surgindo assim o bilinguismo, uma nova filosofia educacional para os surdos

    e a partir de ento o bilinguismo torna-se a base de ensino e aprendizagem.

    Para quem no convive com o dia a dia de um a sala de aula na qual se tem alunos com surdez

    pode at parecer exagero, mas uma situao real, onde o professor se sente incapaz ao

    trabalhar com um aluno usurio de uma lngua que ele no domina, uma vez que so duas

    lnguas distintas: a Lngua Brasileira de Sinais que visuoespacial, e a Lngua Portuguesa,que oral-auditiva. Quando falamos em surdos, no estamos nos referindo deficincia em

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    si, mas estamos falando de um indivduo que tem potencialidades cognitivas para a

    aprendizagem. O que o distingue dos demais alunos a lngua, pois estes so usurios de uma

    lngua diferente da utilizada pela maioria ouvinte cuja lngua, por pertencer a uma minoria

    lingustica, ao longo de sua histria foi oprimida e rechaada.

    Goldfeld (1997, p.11) afirma que desde o sculo dezoito o ponto mais polmico no tratamento

    com surdos sempre foi a utilizao da lngua de sinais e de acordo com a autora essa forma de

    comunicao despertou defensores e opositores e segundo a mesma, at o sculo dezenove as

    lnguas de sinais foram bastante utilizadas em todo o mundo, sendo que a partir dessa poca, a

    situao se modificou e a possibilidade de ensinar o surdo a falar, estimulada pelas novas

    tecnologias, levou alguns educadores a rejeitarem as lnguas de sinais, acreditando que aaquisio destas dificultaria o aprendizado a lngua oral 1por parte do surdo. Para a autora, at

    hoje ainda existem profissionais ligados filosofia oralista que mantm este tipo de

    pensamento.

    vlido destacar que, para ns que realizamos essa pesquisa, investir na oralizao do surdo

    no ruim, pois se h resqucio de audio essa prtica torna-se vlida; assim, importante

    que o surdo tenha atendimento com o fonoaudilogo com a finalidade de favorecer e ampliar

    a comunicao. No entanto, isso no impede que o surdo oralizado aprenda a lngua de sinais

    e a utilize. Este contexto identificado como Bimodalismo2. Mas, como verificamos, cada

    surdo reage de uma forma perante a surdez e a oralizao: alguns preferem o uso da lngua de

    sinais e no aceitam prteses nem acompanhamento fonoaudiolgico, enquanto outros

    utilizam a lngua de sinais e recebem acompanhamento para a oralizao. No entanto, o que

    fica claro a postura adotada pelos surdos politizados, pois nos congressos e encontros de

    surdos a maioria deles condena o implante coclear, o uso de prtese e os atendimentos

    fonoaudiolgicos, uma vez que o grupo considera que esse surdo esteja negando sua

    identidade e cultura surda.

    Atualmente, as pessoas comeam a ver a lngua de sinais no mais como uma lngua

    eminentemente gestual, desprovida de estrutura lingustica, isso graas aos vrios linguistas

    que se debruaram e estudaram os gestos e seus componentes e conseguiram provar que a

    Libras um sistema lingustico legtimo. Esses estudos contriburam para que a Libras fosse

    1Oralidade seria uma prtica social interativa para fins comunicativos que se apresenta sob variadas formas ougneros textuais fundados na realidade sonora .( MARCUSCHI, 2010,P.25).2Bimodalismo ou Bimodal: utilizao concomitante de lngua oral e de sinais da lngua de sinais.

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    amparada legalmente, tornando-se obrigatria a sua incluso no apenas em todos os cursos

    de Licenciatura, mas tambm optativa nos demais cursos de educao superior e na educao

    profissional. Assim, a Libras est sendo ensinada nas Universidades; isso significa que logo

    estaro sendo formados professores aptos a ensin-la, bem como a formao de intrpretes e,

    desse modo, conseguiremos evoluir, seja no campo dos estudos lingusticos, seja no contexto

    da diversidade lingustica.

    Atualmente podemos contar com uma literatura razovel e utiliz-las como fonte de pesquisa

    seja de carter histrico da educao do surdo, seja no campo lingustico, ensino da Lngua

    Portuguesa para surdos ou nos aspectos ticos e legais no trabalho com os alunos surdos. Os

    estudos sobre as lnguas de sinais que iniciaram com Stokoe por volta da dcada de 1960 e noBrasil com autores como; Quadros, Schimiedt, Karnopp, Strobel, Stumpf, Botelho, Silva,

    Almeida, Godfeld, Fernandes, Skliar, Gesser, Santana, Brochado, Klnia, Vilhalva, Albres,

    Salles, Faulstich, Carvalho, Ramos. O trabalho desses autores de grande importncia para

    que ns, pesquisadores possamos utiliz-los como aportes tericos em nossas pesquisas.

    Temos como objetivos nesta pesquisa verificar como se d a configurao do texto escrito do

    aluno surdo na perspectiva do bilinguismo, a partir da anlise de textos produzidos por esses

    sujeitos, temos como referencial terico as teorias lingusticas propostas pela Lingustica

    Textual, que nos fornece embasamento com a finalidade de averiguarmos se o discurso

    produzido por sujeitos com surdez pode ser considerado ou no um texto. Para tanto,

    investigamos as questes relacionadas ao ensino-aprendizagem no contexto da sala de aula,

    isto , verificamos de que forma est inserida na proposta pedaggica da escola a questo do

    bilinguismo, ou seja, o ensino da Libras como lngua materna (L1), e a Lngua Portuguesa

    como (L2).Para isso nos aportamos na Lingustica Aplicada, uma vez que essa disciplina trata

    do uso da linguagem dentro e fora do contexto escolar.

    Esta pesquisa est dividida em trs captulos. No primeiro captulo tratamos do atendimento

    criana com surdez; a seguir aborda-se a histria da lngua de sinais e sobre a educao de

    surdos, comeando com os pensamentos cultivados na antiguidade a respeito do indivduo

    surdo e as correntes filosficas utilizadas na educao desses sujeitos. Ainda no captulo I,

    discorremos sobre a aquisio da linguagem sob as abordagens tericas de Scarpa e outros

    estudiosos que contriburam para que hoje se pudesse comprovar teoricamente como se d

    esse processo de aquisio da linguagem. Enfocamos ainda, o desenvolvimento de linguagem

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    da criana surda na perspectiva bilingue, de modo a demonstrar que o processo de aquisio

    da lngua de sinais pela criana surda anlogo ao da aquisio da lngua portuguesa por

    crianas ouvintes. Por fim, apresentamos os aportes tericos que fundamentam a anlise dos

    textos produzidos pelos sujeitos surdos: a Lingustica Textual (LT), tomando-se os princpios

    de textualidade, a saber: a coerncia, a intencionalidade, a aceitabilidade, a situacionalidade e

    a informatividade; e, a Lingustica Aplicada (LA), que nos fornecer aportes tericos nas

    discusses de ensino-aprendizagem no contexto da sala de aula, onde h alunos com surdez

    inseridos.3

    No segundo captulo realizamos uma exposio da metodologia utilizada, com um breve

    relato sobre a pesquisa de campo no qual se relatam os procedimentos metodolgicosutilizados, que so: contato com diretores e coordenadores, observaes nas salas de aula,

    entrevista com as professoras, entrevista com as famlias, coleta de dados sobre os

    informantes, coleta dos textos escritos pelos alunos surdos e anlise do Projeto Poltico

    Pedaggico da escola onde est sendo realizada a pesquisa. Ainda, neste captulo, apresentam-

    se os textos produzidos pelos alunos surdos, que constituem o corpusda pesquisa.

    No terceiro captulo trabalhamos com a Retextualizao dos textos originais e a transcrio

    desses textos para a Libras, nos quais obedecendo as convenes da Libras, as transcries

    foram realizadas a partir do texto sinalizado pelo aluno. Apesar de a lngua de sinais j ter sua

    prpria escrita sign writing, essa ainda no conhecida pelos nossos pesquisandos. Dessa

    forma, a lngua de sinais utilizada apenas em sua forma gestual. Ainda nesse captulo

    realizamos as anlises dos textos a partir dos postulados de Koch (1994 e 2002), Marcuschi

    (1994), Beaugrande e Dresller (1978), Costa Val (1991) e Charolles (1978). Analisamos um

    texto de cada aluno, totalizando quatro anlises, as quais, como j dissemos, esto voltadas

    para os princpios da textualidade a coerncia, a intencionalidade, a aceitabilidade, a

    situacionalidade e a informatividade.

    Nesse contexto, tentamos responder as questes s quais a pesquisa se props: Como se d a

    configurao do texto escrito do aluno surdo na perspectiva do bilinguismo? E, essa produo

    pode ser considerada ou no como um texto?

    3Optamos em utilizar o termo inseridos ao invs de includos, pois o que verificamos que os surdos quefizeram parte dessa pesquisa esto inseridos em um grupo, enquanto a incluso lhes garantiria o acesso sua L1,como primeira lngua de instruo e no isso o que acontece.

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    CAPTULO I: REFERENCIAL TERICO: REFLEXES E

    ABORDAGENS DAS DIFERENAS LINGUISTICAS QUE

    PERMEIAM A EDUCAO DO SURDO BRASILEIRO.

    Assim como os pssaros tem asas, o homem tem lngua.George H. Lewes (1817-1878)

    1.

    Histrico sobre a Lngua de Sinais

    Este captulo aborda questes referentes Lngua de Sinais, que uma lngua que se distingue

    das lnguas orais por ser baseada numa forma visual-espacial e que ao invs de utilizar o

    aparelho fonador no ato de comunicao, o usurio dessa lngua utiliza as mos, o corpo e as

    expresses faciais para transmitir o discurso ao seu interlocutor. As questes referentes s

    lnguas de sinais no so modismos da atualidade, pelo contrrio, se nos reportarmos aos

    primrdios, podemos observar que estas questes tm sua origem na antiguidade e, pelo

    desconhecimento de suas caractersticas, era vista por muitos como um conjunto de gestos

    aleatrios ou mmicas. Quando partimos para um estudo mais elaborado percebemos que

    atualmente ainda existem pessoas que desconhecem a lngua de sinais e a cultura surda e, por

    esse motivo, ainda mantm a mesma concepo da antiguidade, onde a lngua de sinais e o

    surdo eram marginalizados e vistos como seres incapazes.

    Neste trabalho de pesquisa, nos propusemos a evidenciar a lngua de sinais partindo dos

    primrdios da humanidade atualidade, pois hoje a lngua de sinais conquistou sua alteridade

    e ocupa o seu devido lugar dentro da cincia da linguagem: a lingustica. De acordo com

    Quadros (2004) so vrios os linguistas e os estudos que tratam das lnguas de sinais, dentreeles a autora destaca os estudos que foram iniciados no Brasil pela pesquisadora Gladis Knak

    Rehfeldt (A lngua de sinais do Brasil, 1981).

    Destaca tambm artigos e pesquisas realizadas pela Linguista Lucinda Ferreira-Brito, que

    foram publicadas em forma de um livro em 1995 (Por uma gramtica das lnguas de sinais).

    Depois desses trabalhos, as pesquisas comearam a explorar diferentes aspectos da estrutura

    da lngua brasileira de sinais. Vale mencionar alguns exemplos, tais como Fernandez (1990),

    um trabalho de psicolingstica; Karnopp (1994) que estudou aspectos de aquisio de

    fonologia por crianas surdas de pais surdos; Felipe (1993) que prope uma tipologia de

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    verbos em lngua brasileira de sinais; os meus trabalhos: Quadros (1995) que apresenta uma

    anlise da distribuio dos pronomes na lngua brasileira de sinais e as repercusses desse

    aspecto na aquisio da linguagem de crianas surdas de pais surdos (publicado parcialmente

    em forma de livro em 1997 - Educao de surdos: a aquisio da linguagem) e Quadros

    (1999) que apresenta a estrutura da lngua brasileira de sinais. Tais pesquisas associadas s

    atividades dirigidas pela Federao Nacional de Educao e Integrao do Surdo (FENEIS)

    foram responsveis pelo reconhecimento da lngua brasileira de sinais como uma lngua de

    fato no Brasil.

    Como uma lngua percebida pelos olhos, a lngua brasileira de sinais apresenta algumas

    peculiaridades que so normalmente pouco conhecidas pelos profissionais. Perguntas sobre osnveis de anlises, tais como, a fonologia, a semntica, a morfologia e a sintaxe so muito

    comuns, uma vez que as lnguas de sinais so expressas sem som e no espao. Porm, as

    pesquisas de vrias lnguas de sinais, como a lngua de sinais americana e a lngua brasileira

    de sinais, mostraram que tais lnguas so muito complexas e apresentam todos os nveis de

    anlises da lingustica tradicional.

    A diferena bsica est no canal em que tais lnguas expressam-se para estruturar a lngua, um

    canal essencialmente visual. Stokoe et al. (1976), Bellugi e Klima (1979), Liddell (1980),

    Lillo-Martin (1986) so exemplos clssicos de pesquisas da lngua de sinais americana que

    trazem evidncias da existncia de todos os nveis de anlise dessa lngua. Karnopp (1994),

    Quadros (1995, 1999), Ferreira-Brito (1995) e Felipe (1993) so exemplos de pesquisas que

    evidenciam a complexidade da lngua brasileira de sinais. (QUADROS, 2004 p.19).

    Inicialmente, apresentamos o histrico das lnguas de sinais: o incio e sua disseminao pelos

    vrios pases; a oficializao da Lngua Brasileira de Sinais Libras, como lngua no Brasil.

    Mostramos como se apresenta a organizao do ensino para o aluno surdo enquanto aprendiz

    de uma segunda lngua na modalidade escrita. Posteriormente, apresentamos um panorama da

    Libras: no Brasil, no estado de Mato Grosso do Sul e no municpio de Coxim-MS, local de

    realizao da pesquisa.

    No item 2 deste captulo tratamos do desenvolvimento da linguagem e no item 2.1 tratamos

    do desenvolvimento da linguagem pela criana surda na perspectiva bilingue, mostrando aimportncia de o individuo surdo adquirir a Lngua Brasileira de Sinais o mais cedo possvel,

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    pois, Crianas que vo para a escola com uma lngua consolidada,tero possibilidades de

    desenvolver habilidades de leitura e escrita com muito mais consistncia. ( CUMMINS,

    2003 apud QUADROS, 2008, P.31).

    No item 3 apresentamos alguns aspectos da Linguistica Aplicada ( LA), que um dos aportes

    tericos que utilizamos uma vez que enfocamos questes relacionadas aquisio e uso da

    linguagem no contexto de ensino-aprendizagem na sala de aula.

    No item 4 apresentamos a Linguistica Textual que a teoria que nos fornece embasamento

    nas retextualizaes e anlises dos textos escritos pelos alunos surdos, cujo objetivo refutar

    ou confirmar a legitimidade do texto escrito do aluno surdo, aprendiz de L2..

    De acordo com Quadros & Karnopp (2004, p.30), as lnguas de sinais so consideradas

    lnguas naturais ou como um sistema lingustico e, por isso, compartilham uma srie de

    caractersticas que lhes atribuem carter especfico que as distinguem dos demais sistemas de

    comunicao.

    Neste contexto as autoras afirmam que essas lnguas so vistas pela lingustica como um

    sistema legtimo e no como um problema do surdo ou como uma patologia da linguagem,

    pois, de acordo com seus postulados, na dcada de 1960, Stokoe percebeu e comprovou que a

    lngua de sinais atendia a todos os critrios lingusticos de uma lngua genuna, tanto no lxico

    quanto na sintaxe e na capacidade de gerar uma quantidade infinita de sentenas. E foi o

    prprio Stokoe que observou que esses sinais no eram imagens, mas smbolos abstratos

    complexos. Assim, este autor foi o primeiro a identificar a estrutura dessas lnguas, a analisar

    os seus sinais, a dissec-los e a pesquisar suas partes constituintes.

    Alm disso, Saussure ([1916] 1995, p. 17 apud Karnopp e Quadros 2004 p.30), citando

    Whitney, discute a questo articulatrio-perceptual quando refere:

    [...] para Whitney, que considera a lngua uma instituio social da

    mesma espcie que todas as outras, por acaso e por simples razes

    de comodidade que nos servimos do aparelho vocal como instrumento

    da lngua; os homens poderiam tambm ter escolhido o gesto eempregar imagens visuais em lugar de imagens acsticas.

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    tambm so lnguas brasileiras caracterizando que o Brasil um pas multilingue

    (QUADROS 2008, p.27).

    O ensino da Lngua Brasileira de Sinais ocorre de acordo com a demanda de cada local. Nas

    capitais a oferta de curso maior, enquanto no interior depende do acordo poltico das

    autoridades ligadas educao em firmar convnio com o CAS10(Centro de Capacitao de

    Profissionais da Educao e de Atendimento s pessoas com surdez), que o rgo

    responsvel pela formao do instrutor, que posteriormente passa a ministrar o curso de

    Libras para ouvintes e outros surdos, obedecendo ao que est previsto na Lei da Libras, que

    o instrutor de preferncia seja surdo.

    Geralmente, as crianas surdas aprendem a Libras no atendimento junto ao AEE11, onde so

    atendidas no contra turno por professores especialistas (ouvintes), que tem o domnio da

    Libras; nesse contexto elas aprendem a Lngua Brasileira de Sinais e a Lngua Portuguesa na

    modalidade escrita. importante lembrar que os professores do atendimento especializado

    do suporte aos professores da sala regular que, na maioria das vezes, no conhecem as

    especificidades lingusticas do surdo, justamente por no conhecerem a lngua brasileira de

    sinais que a lngua materna do surdo brasileiro.

    Aos alunos surdos a Lei assegura a presena do profissional intrprete na sala regular, mas a

    maioria dos surdos no tem esse profissional, devido escassez deste no mercado de trabalho,

    uma vez que para atuar nos anos finais do ensino fundamental, no ensino mdio e no ensino

    superior exige-se que esse profissional tenha o Certificado de Proficincia em Libras -

    Prolibras(esse exame realizado anualmente), que emitido pelo MEC.

    Para interpretar na educao infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental necessrio

    que o professor/intrprete seja especialista em Educao Especial, domine a lngua brasileira

    de sinais e passe por uma avaliao do CAS.

    Ao aluno surdo que ainda no tem o domnio total da Libras, geralmente, filho de pais

    ouvintes que no conhecem e no sabem da importncia da aquisio dessa lngua para a

    criana, o Estado oferece o professor-mediador, que o profissional capacitado que

    10CAS - Centro de Capacitao de Profissionais da Educao e de Atendimento s pessoas com surdez. CampoGrande-MS.11AEE. Atendimento Educacional Especializado / Salas de Recursos Multifuncionais.

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    acompanha esse aluno na sala regular e passa a mediar o ensino em lngua portuguesa e

    introduzindo a Libras na vida dessa criana, ou seja, passa a trabalhar com as duas lnguas e,

    no contra turno, esse aluno atendido nas salas de recursos multifuncionais orientados por

    profissionais especializados.

    Observando a realidade do surdo, hoje, percebemos os avanos adquiridos por esses

    indivduos, pois, ao longo da histria da surdez os sujeitos surdos perpassaram por muitos

    caminhos diferenciados, que interferiram em seu desenvolvimento social, educacional,

    psicolgico, cognitivo e afetivo, repercutindo na construo de sua identidade e

    reconhecimento de sua cultura e no respeito pela diferena lingustica.

    As autoras Honora, Frizanco e Saruta (2009) fazem o seguinte relato sobre a histria da

    surdez na antiguidade : na Antiguidade a educao dos surdos variava de acordo com a

    concepo que se tinha deles. Para os gregos e romanos, em linhas gerais, o surdo no era

    considerado humano, pois a fala era resultado do pensamento. Logo quem no pensava no

    era humano, assim no tinham direito a testamentos, escolarizao e a freqentar os mesmos

    lugares que os ouvintes. At o sculo XII, os surdos eram privados at mesmo de se casarem.

    Na Idade Mdia, a igreja catlica teve papel fundamental na discriminao no que se refere s

    pessoas com deficincia, j que para ela o homem foi criado imagem e semelhana de

    Deus. Portanto, os que no se encaixavam neste padro eram postos margem, no sendo

    considerados humanos. Entretanto, isso incomodava a igreja, principalmente em relao s

    famlias abastadas.Nesta poca, a sociedade era dividida por feudos. Nos castelos, os nobres,

    para no dividir suas heranas, acabavam casando-se entre si, o que gerava grande nmero de

    surdos entre eles.

    Nessa poca ocorre a primeira tentativa de educao para os surdos, inicialmente de maneira

    preceptorial12. Ento os monges que estavam em clausura, e haviam feito o Voto do Silncio

    para no passar os conhecimentos adquiridos pelo contato com os livros sagrados, haviam

    criado uma linguagem gestual para que no ficassem totalmente incomunicveis. Esses

    monges foram convidados pela Igreja Catlica a se tornarem preceptores dos surdos.

    12Preceptor : aquele ou aquela que encarregado da educao e/ ou da instruo de uma criana ou de umjovem, geralmente na casa deste. (http: //Houaiss.uol.com.br/ busca. Jhtm)

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    A Igreja Catlica tinha grande influencia na vida de toda sociedade da poca, mas no podia

    prescindir dos que detinham o poder econmico. Portanto, a sua inteno consistia em instruir

    os surdos nobres para que o circulo no fosse rompido, possuindo uma lngua, eles poderiam

    participar dos ritos, dizer os sacramentos e, consequentemente, manter suas almas imortais.

    Alm disso, no perderiam suas posies e poderiam continuar ajudando a Santa Madre

    Igreja.

    No final da Idade Mdia os dados sobre a educao e a vida dos surdos tornaram-se mais

    disponveis. exatamente nesta poca que comeam a surgir os primeiros trabalhos no

    sentido de educar a criana surda e de integr-la* na sociedade.

    At o sculo XV, os surdosbem como outros deficientes- tornaram-se alvo da medicina e da

    religio catlica. A primeira estava mais interessada em suas pesquisas e a segunda em

    promover a caridade com pessoas to desafortunadas, pois para ela a doena representava a

    punio.

    Para Goldfeld (1997, p.24), na Antiguidade, a ideia que se fazia a respeito dos surdos no

    decorrer da histria, geralmente apresentava aspectos negativos, nessa poca eram vistos de

    forma mais variadas: com piedade e compaixo, como pessoas castigadas pelos deuses ou

    como pessoas enfeitiadas, e por isso, eram abandonados ou sacrificados. At mesmo na

    Bblia pode-se perceber uma posio negativa em relao surdez. A condio subumana

    dos mudos ser parte do cdigo mosaico e foi reforada pela exaltao bblica da voz e do

    ouvido como a nica e verdadeira maneira pela qual o homem e Deus podiam se falar (no

    princpio era o verbo) (SACKS, 1989, p.31).

    Para Machado e Toniolo (2004, p. 32), os primeiros relatos de Educao dos Surdos surgiram

    no sculo XVI, com o monge espanhol e beneditino Pedro Ponce de Len (1520-1584 ) que

    viveu em um monastrio na Espanha, em 1570 usava sinais rudimentares para se comunicar,

    pois havia feito voto do silencio, considerado o primeiro educador de surdos. Ponce de

    Leon desenvolveu uma metodologia de educao de surdos que inclua datilologia

    (representao das letras do alfabeto), escrita e oralizao, alm de ter criado uma escola de

    surdos. De acordo com Goldfeld (1997, p.31) a maior parte das metodologias baseadas nesse

    mtodo utiliza como embasamento terico lingustico o Gerativismo de Noam Chomsky.

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    Em Paris surgiu a primeira escola pblica para surdos, conhecida como Institute Royal ds

    Sourds-muets, fundada pelo Abade de LEpe (1712-1789). Esse professor utilizava a lngua

    verncula para o ensino da escrita, da leitura, do alfabeto manual, da linguagem de sinais e

    sinais metdicos. As autoras, Machado e Toniolo (2004) afirmam que, paralelamente a essa

    primeira busca educacional para os surdos franceses, na Alemanha, atravs de Samuel

    Heinicke (1723-1790), desenvolvia-se um trabalho oralista. Nos Estados Unidos, com os

    americanos Gallaudet e Clerc, professores de surdos do Instituto Nacional para Surdos-

    Mudos, (termo usado naquela poca), em 1917 foi fundado um asilo denominado Asilo

    Americano para a Educao e Instruo de Surdos e Mudos, onde se utilizava o ingls

    sinalizado e a ASL (Lngua Americana de Sinais), essa instituio tornou-se o Gallaudet

    University.

    Ao longo da histria da Educao dos indivduos com surdez surgiram vrias correntes

    filosficas que tentavam dar conta do ensinoaprendizagem dos surdos: Oralismo,

    Comunicao total e Bilinguismo. A corrente oralista atingiu seu pice em 1878, no I

    Congresso de Educao de Surdos, que aconteceu em Paris, quando se decidiu que a lngua de

    sinais seria utilizada apenas como suporte para a comunicao oral. Este pensamento tornou-

    se real no evento considerado um marco na histria do surdo o II Congresso em Milo em1888 (cujos participantes eram todos ouvintes)no qual se decidiu que s se deveria utilizar

    o mtodo oral para o ensino dos surdos. Rechaava-se, assim, a lngua de sinais. Esse mtodo

    tinha como objetivo desenvolver a oralidade, baseando-se no desenvolvimento lingustico da

    criana ouvinte. Desse modo, so realizados treinos da fala, articulao das palavras e leitura

    orofacial, cujo intuito integrar o surdo ao mundo dos ouvintes.

    A Comunicao Total (CT) surgiu na dcada de 60 nos EUA. Criada por uma professora, me

    de uma menina surda e, de acordo com Machado e Toniolo (2004, p. 3), esse tipo de

    comunicao viabilizou o uso de qualquer aparato ou combinao, permitindo o uso de

    gestos, oralizao, leitura orofacial, desenhos, linguagem escrita e o alfabeto dactilolgico.

    Godfeld (1997, p.29) afirma que, a partir da dcada de 1970, em alguns pases como Sucia e

    Inglaterra, percebeu-se que a lngua de sinais deveria ser utilizada independentemente da

    lngua oral, ou seja, em algumas situaes o surdo deve usar a lngua de sinais e, em outras, a

    lngua oral e no as duas concomitantemente como estava sendo feito. Surge ento a filosofia

    bilingue.

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    No Brasil a educao de surdos teve incio em 1855, com a chegada do francs Ernest Huet,

    trazido pelo imperador D. Pedro II, para iniciar um trabalho de educao de duas crianas

    surdas com bolsa de estudo pagas pelo governo, que trouxe o alfabeto manual e alguns sinais

    da Lngua Francesa de Sinais, da qual originou a Libras (Lngua Brasileira de Sinais). Em

    1857, foi fundado o Imperial Instituto dos Surdos e Mudos, atualmente Instituto Nacional de

    Educao de Surdos (INES), no Rio de Janeiro, que foi a primeira escola para meninos

    surdos, a qual usava a lngua de sinais com influncia francesa.

    Em 1911, no Brasil, o INES, seguindo a tendncia mundial, estabeleceu o Oralismo puro em

    todas as disciplinas. Mesmo assim, a lngua de sinais sobreviveu em sala de aula e, apesar das

    proibies, sempre foi utilizada pelos alunos nos ptios e corredores da escola (REIS, 1992).No fim da dcada de1970 chega ao Brasil a Comunicao Total, aps visita de Ivete

    Vasconcelos, educadora de surdos da Universidade de Gallaudet.

    Na dcada de 1980, comea no Brasil o bilinguismo, a partir das pesquisas da linguista

    Lucinda Ferreira Brito sobre a lngua de sinais. Em algumas regies brasileiras como Rio

    Grande do Sul, a Escola Concrdia, da cidade de Porto Alegre, foi a primeira escola brasileira

    a adotar a Comunicao Total. No incio da dcada de 1980 houve discusses a respeito da

    Comunicao Total, da qual participaram professores de vrias cidades de Porto Alegre; mas,

    foi em 1988, durante a IX Jornada Sul-Riograndense de Educadores de Deficientes da

    Audiocomunicao que se apresentou uma nova abordagem: o bilinguismo (MACHADO e

    TONIOLO, 2004, p. 34).

    Skliar (1999, p.7) define a proposta de educao bilngue para surdos como uma oposio

    aos discursos e s prticas clnicas hegemnicas caracterstica da educao e da

    escolarizao dos surdos nas ltimas dcadas como um reconhecimento poltico da surdez

    como diferena.

    De acordo com Goldfeld (1997, p.39) O bilinguismo tem como pressuposto bsico que o

    surdo deve ser bilngue, ou seja, deve adquirir como lngua materna a lngua brasileira de

    sinais, que considerada a lngua natural dos surdos e, como segunda lngua, a lngua oficial

    de seu pas, a lngua portuguesa.

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    Na esteira do bilinguismo, a autora afirma que os autores ligados a essa corrente percebem o

    surdo de forma bastante diferente dos autores oralista e da comunicao total. Para os

    bilinguistas, o surdo no precisa almejar uma vida semelhante do ouvinte, podendo aceitar e

    assumir sua surdez. A noo de que o surdo deve, a todo custo, tentar aprender a modalidade

    oral da lngua para poder se aproximar o mximo possvel do padro da normalidade,

    rejeitada por essa filosofia. Isso no significa que a aprendizagem da lngua oral no seja

    importante para o surdo, ao contrrio, esse aprendizado bastante desejado, mas no

    percebido como nico objetivo educacional do surdo nem como uma possibilidade de

    minimizar as diferenas causadas pela surdez.

    Em Mato Grosso do Sul, de acordo com Albres (2007, p.9) o emprego da Libras dataaproximadamente de 1951. Na capital, Campo Grande, no havia escolas especiais para

    surdos, pois a populao surda era reduzida. Ento, Thomaz Duarte de Aquino, pai de dois

    filhos surdos, encaminhou o filho mais velho, Jos Ipiranga de Aquino, ao Rio de Janeiro a

    fim de estudar no Imperial Instituto para Surdos-Mudos, onde cursou o ensino bsico e

    aprendeu a Lngua de Sinais e o ofcio de tipgrafo. Ao retornar, este trabalhou no jornal O

    mato-grossense at se aposentar. O pai, aps alguns anos, encaminhou o filho mais novo,

    Geraldo Torres de Aquino para estudar no Imperial Instituto para Surdos-Mudos e, com este,foram outras crianas surdas de Campo Grande, dentre eles Ademir Soares, Edgar e Joel

    Faraco. O Instituto funcionava em regime de internato, assim, as crianas passavam as frias

    em Campo Grande. Nesse perodo, eram encaminhadas orientaes para os pais referentes

    estimulao da linguagem e realizao das tarefas.

    Em 1957, o Imperial Instituto para Surdos-Mudos passa a denominar-se Instituto Nacional de

    Educao de SurdosINES, atravs da Lei n 3.198, de 06 de julho de 1957.

    Nas dcadas de1960 e 1970, em Campo Grande, a populao de surdos era reduzida, os

    rapazes surdos eram mais vistos, pois se encontravam todos os finais de tardes e noites na

    esquina da Rua 14 de julho com a Dom Aquino, para um pequeno lazer; todos se

    comunicavam por meio da lngua de sinais. Recordemos alguns nomes: Jos Ipiranga de

    Aquino, Joel Faraco, lvaro, Joo Bacha, Manoel Francisco, Mariano, Antonio, Nilton e

    Luglio. De acordo com Albres (2007, p.9) nesse espao dialgico que os surdos

    compartilhavam os sinais aprendidos no INES e os sinais caseiros produzidos no interior da

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    casa de cada um deles, objetivando a comunicao cotidiana com a funo de discutir as

    questes de trabalho, relacionamentos e lazer.

    Em 1981 foi criada a Diretoria de Educao Especial para subsidiar os servios de Educao

    Especial das instituies e ampliao dos servios de atendimento s pessoas com

    necessidades educativas especiais no Estado. Foram criados o CRAMPS Centro Regional

    de Assistncia Mdico-Psicopedaggica e Social e o CEADA Centro de Atendimento ao

    Deficiente da Audiocomunicao, criado pelo Decreto n 3546, de 17 de abril de 1986, que,

    funcionando em regime de internato, atendia a pessoas com surdez severa e profunda a partir

    dos primeiros meses de idade, na educao precoce, pr-escolar e primeiros anos do primeiro

    grau, contando para isso com avaliao social, pedaggica, audiolgica e fonoaudiolgica,sala de recursos e programas de competncia social, juntamente com oficinas do CIDEM

    Centro Integrado de Desenvolvimento do Menor.

    Historicamente, as Lnguas de Sinais foram concebidas como lnguas pobres, mas o grupo de

    surdos campo-grandense une-se na tentativa de preservar a lngua no Estado. Para isso, foi

    fundada a Associao de Surdos, no dia 06 de maro de 1982, com a denominao ADAMS

    Associao dos Deficientes Auditivos de Mato Grosso do Sul, com sede em Campo Grande,

    tendo como presidente Joel Faraco e vice- presidente Jos Ipiranga de Aquino, a partir do dia

    12 de abril de 1987, passa a ser denominada ASSUMS Associao dos Surdos de Mato

    Grosso do Sul. Albres (2007, p.12) chama a ateno para essa nova denominao, onde fica

    explcito que o surdo no quer ser visto como um deficiente, mas como um indivduo capaz,

    com uma lngua diferenciada, pois o termo deficiente carrega o estigma imposto a esses

    indivduos.

    A autora afirma que para os surdos sul-mato-grossenses o lxico foi construdo por duas vias:

    pelos ex- alunos do INES, que trouxeram toda a influncia da Lngua de Sinais Francesa

    (LSF) e, logo depois, pelos surdos viajantes que incorporam sinais usados em diversos lugares

    do pas; como tambm pelos livros (dicionrios) de lnguas de sinais, que cresceram com a

    proposta de comunicao total, influenciados pela Lngua de Sinais Americana (ASL), livros

    estes, de uso nas escolas de surdos, nas igrejas, que tinham o objetivo de evangelizao de

    surdos, e os prprios surdos ensinavam aos ouvintes interessados em aprender a se comunicar

    com eles.

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    os sistemas de ensino devero assegurar; currculos, mtodos, tcnicas e, recursos educativos

    e organizao especficos, para atender s suas necessidades. (LDB, 1996).

    Apesar de todos os movimentos apontarem para a incluso dos alunos na sala comum, nesse

    municpio esse evento aconteceu no ano de 2006, pois a classe especial foi extinta, passando a

    funcionar como sala de recursos. Todos os alunos foram matriculados no ensino regular.

    Acabava-se o perodo de educao segregada e iniciava-se a incluso do surdo em uma

    sala comum, onde o professor no sabia a LIBRAS e os alunos no tinham intrprete, nesse

    contexto estavam inseridos os alunos que hoje cursam 3, 4, 5 e 6 ano do ensino

    fundamental.

    Quanto Lngua Brasileira de Sinais, esta ressurge em 2005, com incio do curso de Libras

    que foi um curso bsico oferecido para a comunidade e ministrado por essa professora, vinda

    de So Paulo, que formou aproximadamente vinte e cinco pessoas dentre acadmicos,

    professores e familiares dos surdos que estivessem interessados em aprender a Lngua

    Brasileira de Sinais.

    Este foi o incio da histria da Libras em Coxim com fins pedaggicos, j que em 2003

    estava pautada em conotaes religiosas, depois foi evoluindo com as viagens dos primeiros

    alunos surdos a Campo Grande, Minas Gerais, Salvador, Rio de Janeiro, pois os surdos tm

    uma carteirinha que lhes permitem viajar sem que tenham de pagar pela passagem, e isso

    torna mais fcil o contato deles com surdos de outros lugares, o que bastante enriquecedor,

    pois alm de conhecerem novos lugares, ainda fazem contato com pessoas que utilizam a

    mesma lngua, ampliando assim o seu vocabulrio, pois,

    [...] mudando a lngua que se fala, muda-se todo um sistema de percepo. Seaceitarmos que a linguagem que organiza o pensamento (ou a conscincia) e que alinguagem significativa porque remete a um sistema de referencias e somente nestesistema seus recursos tem sentido, e se este sistema de referencias como propeCarlos G. Franchi, produto e processo do trabalho da linguagem que se constitui aomesmo tempo como lngua (conjunto de recursos expressivos) e como sistemaantropo-cultural de referencia, j que este processo se d, acontece no contextosociocultural, ento os estudos da linguagem, da lngua, do pensamento e da culturano podem distanciar-se, sob pena de excluir elementos que lhe so prprios econstitutivos (GERALDI, 2003, p. 79-80).

    Nessa perspectiva pode-se considerar que a Libras como L1 a identidade do surdo brasileiro

    e as pesquisas sobre as lnguas de sinais vm mostrando que essas lnguas so comparveis

    em complexidade e expressividade a quaisquer lnguas orais. Estas lnguas expressam ideias

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    sutis, complexas e abstratas. Os seus usurios podem discutir filosofia, literatura ou poltica,

    alm de esportes, trabalho e utiliz-la como funo esttica para fazer poesias, contar estrias,

    criar peas de teatro e humor.

    2. Aquisio da Linguagem

    A linguagem da criana sempre provocou especulaes diversas entre leigos ou estudiosos do

    assunto. Seja essa linguagem a manifestao imperfeita de ser incompleto, seja a expresso

    primitiva da palavra de Deus, o fato que relatos mais ou menos esparsos, porm constantes,

    tm sido registrados ao longo dos sculos e chegaram at ns (SCARPA, 2001, p.203).

    De acordo com essa autora, a aquisio da linguagem pelas suas indagaes, uma rea

    hbrida, heterognea ou multidisciplinar. Ela afirma que no meio do caminho entre teorias

    lingusticas e psicolgicas, tem sido tributria das indagaes advindas da psicologia (do

    comportamento, do desenvolvimento, cognitiva, entre outras tendncias) e da lingustica. No

    entanto, na contramo, as questes suscitadas pela aquisio da linguagem, bem como os

    problemas metodolgicos e tericos colocados pelos prprios dados aquisicionais tm, no

    raro, levado tanto a psicologia, (sobretudo cognitiva) como prpria lingustica, a repensarem

    seus mtodos e a se renovarem (SCARPA, 2001, p.205).

    De acordo com a pesquisadora, a rea recobre muitas subreas, cada uma formando um

    campo prprio de estudos, a saber:

    A) aquisio da lngua materna, tanto normal, quanto com desvios, recobrindo os

    componentes tradicionais dos estudos da linguagem, como fonologia, semntica e

    pragmtica, sintaxe e morfologia, aspectos comunicativos, interativos e discursivos daaquisio da lngua materna. Sob a gide de desvios, contam-se aquisio da linguagem em

    surdos, desvios articulatrios, retardos mentais e especficos da linguagem etc.;

    B) aquisio de segunda lngua quer como bilinguismo infantil ou cultural, quer na

    verificao dos processos pelos quais se d a aquisio de segunda lngua entre adultos e

    crianas, seja em situao formal escolar, seja informal de imerso lingustica;

    C) aquisio da escrita, letramento, processos de alfabetizao, relao entre fala e escrita,

    entre sujeito e a escrita nesse processo, etc. (SCARPA, 2001, p.205-206).

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    Quanto s abordagens tericas sobre aquisio da linguagem, essa autora elucida que estas

    surgiram no final da dcada de 1950, quando os estudos sobre processos e mecanismos de

    aquisio da linguagem, tomaram um grande impulso, isso a partir dos trabalhos do linguista

    Noam Chomsky. Naquela poca, o quadro cientfico era dominado pela corrente behaviorista

    ou ambientalista nas teorias da aprendizagem. A aprendizagem da linguagem seria fator de

    exposio ao meio e decorrente de mecanismos comportamentais como reforo, estmulo,

    resposta. Assim, aprender a lngua materna no seria diferente em essncia, da aquisio de

    outras habilidades e comportamentos como andar de bicicleta, danar, etc.

    Skinner (1957, apudScarpa, 2001, p. 206), psiclogo cujo trabalho foi o mais influente no

    behaviorismo, parte tanto de pressupostos metodolgicos (com nfase nas observaes demanifestaes comportamentais externas mensurveis da aprendizagem), quanto terico

    epistemolgico (com a premissa da inacessibilidade mente para se estudar o conhecimento,

    postura contrria mentalista e idealista nas cincias humanas), que propem, ento,

    enquadrar a linguagem (ou comportamento verbal) na sucesso e contingncia de mecanismo

    de estmulo - resposta - reforo, que explicam o condicionamento e que esto na base da

    estrutura do comportamento.

    Chomsky (apudScarpa, 2001, p. 206) adota uma postura inatista na considerao do processo

    por meio do qual o ser humano adquire a linguagem. Essa linguagem especfica da espcie,

    dotao gentica e no um conjunto de comportamentos verbais seria adquirido como

    resultado do desencadear de um dispositivo inato, inscrito na mente. Em 195913 tornou-se

    famosa a polmica criada pela publicao da resenha de autoria de Chomsky: comportamento

    verbal: nela o jovem linguista posiciona-se contra a viso ambientalista de aprendizagem da

    linguagem. Chomsky comea rejeitando a projeo das evidencias skinnerianas, provenientes

    de experimentos laboratoriais com animais para a linguagem humana.

    A autora exemplifica um dos argumentos bsicos de Chomsky que : num tempo bastante

    curto (mais ou menos dos 18 aos 24 meses) a criana que exposta normalmente a uma fala

    precria, fragmentada, cheias de frases truncadas ou incompletas, capaz de dominar um

    conjunto complexo de regras ou princpios bsicos que constituem a gramtica internalizada

    do falante.

    13A autora aconselha que os interessados se aprofundem melhor nesses trabalhos pioneiros que d uma passadade olhos em Skinner (1957) e em Chomsky (1959), segundo Scarpa, este ltimo contribuiu para lanar Chomskyno debate cientifico.

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    Scarpa (2001, p. 208) conclui que, no processo de aquisio da linguagem, a criana exposta

    a um input (conjunto de sentenas ouvidas no contexto), sendo o outputum sistema de regras

    para a linguagem do adulto, a gramtica de uma determinada lngua (L1). As colocaes

    inatistas de Chomsky suscitaram uma srie de estudos a partir dos anos 1960, que se

    concentraram, sobretudo, na chamada fase sinttica, onde a prioridade de anlise pendeu para

    o estudo da aquisio da gramtica da criana por volta do seu segundo ano de vida, quando a

    criana j comea a produzir enunciados de mais de uma palavra.

    Esses trabalhos foram criticados por duas vertentes tericas que, junto com os trabalhos

    gerativistas, tem norteado os estudos na rea. A ideia de que a aquisio e o desenvolvimento

    da linguagem so derivados do desenvolvimento do raciocnio na criana contesta aautonomia do chamado mecanismo de aquisio da linguagem ou da GU14como domnio do

    conhecimento lingustico. Em outras palavras, a aquisio da linguagem depende do

    desenvolvimento da inteligncia da criana.

    Perroni (1994 apud Santana 2007, p.57) estudou o desenvolvimento discursivo de duas

    crianas gmeas, um menino e uma menina, e identificou diferenas que no poderiam ser

    explicadas nem pela idade nem pelo ambiente social. No menino, predominava o discurso

    argumentativo/explicativo com abundancia de construes com por qus, algo ausente nos

    dados da menina, que apresentavam predominncia de discursos narrativos.

    Abaurre (1996), ao discutir o trabalho de Perroni, afirma que para explicar o diferente

    desenvolvimento linguistico dos gmeos, no tocante ao uso de gneros distintos do

    discurso,teria de se considerar a singularidade dos sujeitos e a sua maneira particular de

    interagir com a linguagem e com seus interlocutores.

    A abordagem Cognitista-Construtivista ou epigentica15 foi desenvolvida com base nos

    estudos do epistemlogo suo Jean Piaget, segundo o qual o aparecimento da linguagem se

    d na superao do estgio sensrio-motor por volta dos 18 meses. Nesse estgio de

    desenvolvimento cognitivo numa espcie de Revoluo Coperniciana usando as palavras do

    prprio Piaget (1979), d-se o desenvolvimento da funo simblica, por meio da qual um

    14GU. Gramtica Universal: Teoria Chomskyana de que a criana traz uma grande quantidade de informaessem que ningum lhe fornea.15Estas duas denominaes evocam a proposta de explicao da origem e do desenvolvimento das estruturas doconhecimento cognitivos pela interao entre ambiente e organismo.

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    significante (ou um sinal) pode representar um objeto significado, alm do desenvolvimento

    da representao, pela qual a experincia pode ser armazenada e recuperada. Essas duas

    funes esto ligadas concomitantemente e colaboram para a superao do que Piaget chama

    de egocentrismo radical, presente no perodo sensrio-motor, segundo o qual existe uma

    indiferenciao entre sujeito e objeto ao ponto que o primeiro no se conhece nem mesmo

    como fonte de suas aes. (SCARPA, 2001, p.210)

    Nesse contexto, a linguagem vista por Piaget como um sistema simblico de representao,

    contrapondo-se ao modelo inatista, a aquisio vista como resultado da interao entre o

    ambiente e o organismo, atravs de assimilaes e acomodaes responsveis pelo

    desenvolvimento da inteligncia em geral e no como resultado do desencadear de ummdulo ou um rgo especfico para a linguagem. Da se diz que a viso de Piaget sobre a

    linguagem no modularista.

    Ainda, de acordo com Scarpa (2001, p. 212), as pesquisas piagetianas floresceram nas

    dcadas de 1970 e 1980. As crticas ao modelo piagetiano, que criaram fora nesse perodo,

    basearam-se na interpretao de que Piaget avaliou mal e subestimou o papel do social e das

    outras pessoas no desenvolvimento da criana, pois um modelo interativo social se fazia

    necessrio para explicar o desenvolvimento nos primeiros dois anos; modelo esse que desse

    conta de como a criana e seu interlocutor exploram os fenmenos fsicos e sociais.

    A partir da que surgiram nas elaboraes ocidentais as propostas de Vygotsky, para melhor

    dar conta do alcance social da aquisio da linguagem. A grande influncia do psiclogo

    sovitico nos estudos de aquisio da linguagem surgiu a partir dos anos 1970, no bojo dos

    questionamentos ao inatismo chomskyano e como alternativa ao cognitivismo construtivista

    piagetiano. De orientao construtivista como Piaget, explica, porm o desenvolvimento da

    linguagem (e do pensamento) como tendo origens sociais, externas nas trocas comunicativas

    entre a criana e o adulto.

    Vygotsky (1984) parte do princpio de que os estudiosos separam o estudo da origem e

    desenvolvimento da fala do estudo da origem do pensamento prtico na criana. Em outras

    palavras, o estudo do uso dos instrumentos tem sido isolado do uso dos signos. Vygotsky

    prope o contrrio, fala e pensamento prtico devem ser estudados sob um mesmo prisma; eatribui atividade simblica, viabilizada pela fala, uma funo organizadora do pensamento:

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    com a ajuda da fala, a criana comea a controlar o ambiente e o prprio comportamento.

    Para o psiclogo, o processo de internalizao uma reconstruo interna de uma operao

    externa: mas diferentemente de Piaget, para a internalizao de uma operao deve concorrer

    a atividade mediada pelo outro, j que o sucesso da internalizao vai depender da reao de

    outras pessoas. Assim que, entre criana e ao com o mundo, existe a mediao atravs do

    outro. (SCARPA 2001, p.213).

    Diante de tantas informaes e indagaes sobre aquisio da linguagem Scarpa (2001, p.

    219), escreve a respeito da dificuldade em dominar uma segunda lngua em idade adulta,

    ainda mais em situao formal escolar. Nas palavras da autora, por mais brilhante e

    esforado que seja o aprendiz, [...] sempre fica na sua fala certas construes gramaticais mal-ajambradas, erros fossilizados, ou mais certamente um sotaque estranho aos ouvidos dos

    falantes nativos. Segundo Pinker (1994), o sucesso total em aprender uma segunda lngua em

    idade adulta, ainda mais em situao de sala de aula, existe, mas raro e depende de puro

    talento.

    No decorrer dessas discusses, Lenneberg (1967, apud Scarpa 2001, p.220) buscou bases

    biolgicas para argumentar em favor do perodo crtico para aquisio da linguagem:

    Entre dois e trs anos de idade, a linguagem emerge atravs da interao entrematurao e aprendizado pr-programado. Entre os trs anos de idade e aadolescncia, a possibilidade de aquisio primria da linguagem continua a ser boa;o individuo parece ser mais sensvel a estmulos durante este perodo e preservarcerta flexibilidade inata para a organizao de funes cerebrais para levar a cabo acomplexa integrao de subprocessos necessrios adequada elaborao da fala e dalinguagem. Depois da puberdade, a capacidade de auto-organizao e ajuste sdemandas psicolgicas do comportamento verbal declinam rapidamente. O crebrocomporta-se como se tivesse se fixado daquela maneira e as habilidades primrias ebsicas no adquiridas at ento geralmente permanecem deficientes at o fim da

    vida.

    Pinker (1994, apudScarpa 2001. p.221) afirma que a aquisio de uma linguagem normal

    garantida at a idade de seis anos, comprometida entre seis at pouco depois da puberdade, e

    rara da para frente. Este autor chega a especular que o perodo crtico se explica por

    mudanas maturacionais no crebro, tais como o declnio da taxa de metabolismo no crebro

    e do nmero de neurnios durante a idade escolar e da diminuio do metabolismo e do

    nmero de sinapses cerebrais na adolescncia.

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    Na literatura encontramos relatos de crianas que foram isoladas do contato humano durante a

    infncia. Algumas delas foram abandonadas pelos pais em florestas- as chamadas crianas

    selvagens como o caso e Kasper Huser, de Vitor (o menino selvagem de Aveyron), de Genie

    e de Isabelle.

    Quando trabalham a noo de idade crtica, vrios pesquisadores citam o caso de Genie, uma

    menina que foi privada de relacionamentos com qualquer pessoa at os 13anos. Genie

    aprendeu a falar, mas possua dificuldades na sintaxe e na fonologia. Para Newport (1990) e

    Newport e Johnson (1999), esse fato comprova a hiptese do perodo crtico, j que h um

    dficit de competncia linguistica, em particular na sintaxe para adquirir a linguagem aps a

    infncia (Santana 2007, p.59).

    De acordo com Scarpa, desde que nasce a criana j inserida num mundo simblico, em que

    a fala do outro a interpreta e lhe imprime significado. Por outro lado, segundo alguns

    trabalhos, com alguns dias de vida, a criana tem uma reao positiva aos sons da fala, que

    lhes so confortadores e gratificantes. A partir de algumas semanas de vida, a criana j

    consegue discriminar a fala de outros sons, rtmicos ou no. Com 3 a 4 meses de idade os

    bebs comeam a balbuciar sequncias de sons que se aproximam da fala humana. A

    frequncia do balbucio aumenta e este comea a ser cada vez mais padronizado at cerca de

    10 meses. O ritmo, a entonao, a intensidade, a durao da fala, que no incio so

    assistemticos, comeam a ser recorrentes e estruturados. E segue afirmando que,

    aparentemente, os sons que a criana balbucia no comeo so universais; os sons do balbucio

    inicial no so especficos de sua lngua materna. As crianas surdas conseguem balbuciar

    nesta fase, embora, depois disso, no acompanhem o desenvolvimento normal da criana

    ouvinte. Alguns trabalhos apontam para os processos dialgicos que se instauram j nessa

    fase. A contribuio da criana gestual e vocal; a do adulto, gestual e lingustica, atravs da

    ao e da ateno partilhadas (SCARPA, 2001, p.225).

    2.1. Desenvolvimento de Linguagem da Criana Surda na perspectiva bilngue

    Fernandes e Correia (2008, p.18), afirmam que a capacidade humana de significao se

    apresenta como uma competncia especfica para a operao, produo e decodificao dos

    signos, permitindo, atravs dessa faculdade, a produo dos significados. De acordo com osautores, esta constatao infere aquisio da lngua um lugar privilegiado no apenas no que

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    se refere ao processo de comunicao, mas tambm ao desenvolvimento cognitivo. Afirmam,

    ainda, que atravs da aquisio de um sistema simblico, como o da lngua, o ser humano

    descobre novas formas de pensamento, transformando sua concepo de mundo. Desse modo,

    torna-se bastante claro, segundo os autores, que propiciar pessoa surda a exposio a uma

    lngua seja oral ou gestual o mais cedo possvel, obedecendo s fases naturais de sua

    aquisio fundamental ao seu desenvolvimento social e cognitivo.

    Os autores insistem que apenas o domnio de uma lngua adquirida em sua totalidade e

    fluncia permite ao ser humano a captao dos signos, a produo de novos signos, da

    combinao entre novos signos e novos sentidos para o signo em jogo, no apenas no

    processo de comunicao como no processo cognitivo. Assim, admitir tais recursosinstrumentais em uma criana surda privada da Lngua Brasileira de Sinais como sua primeira

    lngua e apenas aprendiz da lngua portuguesa equivale a desconhecer os caminhos bsicos da

    aquisio de uma lngua e, consequentemente, priv-la de seu direito a ter a sua disposio os

    caminhos naturais a seu desenvolvimento.

    Para Quadros (1997, p.1), as pesquisas sobre a aquisio da linguagem avanaram muito a

    partir dos anos de 1960. Os estudos envolvendo a anlise do processo de aquisio de vrias

    crianas comearam a indicar a universalidade desse processo (Fletcher & Garman, 1986;

    Ingram, 1989; Slobim, 1986 apud Quadros, 1997). O estudo da Lngua de Sinais Americana

    ASL comeou exatamente neste mesmo perodo, atravs de uma descrio realizada por

    Willian Stokoe, publicada em 1965 pela primeira vez (Stokoe et alli, 1976). Esse trabalho

    representou uma revoluo social e lingustica; a partir dessa obra, vrias outras pesquisas

    foram publicadas apresentando perspectivas completamente diferentes do estatuto das lnguas

    de sinais.

    No Brasil, a Libras comeou a ser investigada na dcada de 1980 (FERREIRA-BRITO, 1986)

    e a aquisio da Libras nos anos 90 (KARNOPP,1994; QUADROS, 1995).

    Todos esses estudos concluram que o processo das crianas surdas adquirindo lngua de

    sinais ocorre em perodo anlogo aquisio da linguagem em crianas adquirindo uma

    lngua oral-auditiva. Assim sendo, mais uma vez, os estudos de aquisio da linguagem

    indicam universais lingusticos. O fato de o processo ser concretizado atravs de lnguasvisual-espacial, garantindo que a faculdade da linguagem se desenvolve em crianas surdas,

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    exige uma mudana nas formas como esse processo vem sendo tratado na educao de surdos

    (QUADROS, 1997, p. 2).

    Nas pesquisas realizadas pela fonoaudiloga Klnia (2008), sobre a aquisio da linguagem, a

    mesma afirma que dentro da proposta bilngue, a criana surda desenvolver a lngua de sinais

    como sua primeira lngua. Alm dessa autora, Quadros (1997), tambm partilha da assertiva

    de que esta anloga ao processo de aquisio das lnguas faladas, sendo subdividida nos

    perodos:

    a) Pr-lingustico: nos bebs surdos foram detectadas duas formas de balbucio manual: o

    balbucio silbico e a gesticulao. O primeiro apresenta combinaes que fazem parte dosistema fontico das lnguas de sinais, ao contrrio do segundo, que no apresenta

    organizao interna. As vocalizaes nos bebs surdos so interrompidas assim como as

    produes manuais nos bebs ouvintes, pois o inputfavorece o desenvolvimento de um dos

    modos de balbuciar;

    b)Estgio de um sinal:inicia por volta dos 12 meses e percorre um perodo at por volta dos

    dois anos. Quando a criana entra nesse estgio, o uso da apontao desaparece. Petitto (1987)

    sugeriu que parece ocorrer uma reorganizao bsica em que a criana muda o conceito da

    apontao inicialmente gestual (pr-lingustica) para visualiz-la como elemento do sistema

    gramatical da lngua de sinais (lingustico);

    c) Estgio das primeiras combinaes: ocorre por volta dos dois anos. Iniciam o uso do

    sistema pronominal, mas de forma inconsistente. De acordo com alguns autores a ordem

    usada pelas crianas surdas durante esse estgio substantivo-verbo (SV), Verbo-objeto (VO)

    ou ainda, num perodo subsequente, substantivo-verbo-objeto (SVO);

    d) Estgios das mltiplas combinaes: ocorre por volta dos 2 anos e meio a 3 anos, as

    crianas surdas apresentam a chamada exploso de vocabulrio. O domnio completo dos

    recursos morfolgicos da lngua totalmente adquirido por volta dos 5 anos. Dos 3 anos em

    diante, as crianas comeam a usar o sistema pronominal com referentes no presentes no

    contexto do discurso, mas ainda apresentam erros.

    De acordo com Goldfeld (1997, p. 53),

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    A linguagem possui, alm da funo comunicativa, a funo de constituir opensamento. O processo pelo qual a criana adquire a linguagem, segundoVygotsky, segue o sentido do exterior para o interior, do meio social para oindivduo. Esta viso compartilhada por Bakhtin, que afirma ser a linguagem, ossignos mediadores entre a ideologia e a conscincia.

    Esta afirmao tem grande relevncia para o estudo do desenvolvimento da criana, marcando

    a importncia das relaes sociais e lingusticas na constituio do indivduo e apontando o

    meio social como foco de anlise nos casos de atraso de linguagem em crianas. Trazendo

    essas afirmaes para o contexto do surdo, percebe-se que os problemas comunicativos e

    cognitivos da criana surda no tm origem na criana e sim no meio social em que ela est

    inserida, que frequentemente no adequado, ou seja, no utiliza uma lngua por meio da qual

    esta criana tenha condio de adquirir de forma espontnea a lngua de sinais (GOLDFELD,1997, p.53).

    A autora concorda com a afirmao de Karnopp (2005), quanto ao fato de que a lngua de

    sinais uma lngua natural, pois estudos da aquisio da linguagem revelam uma semelhana

    no processo de aquisio dos sinais comparados com a aquisio da fala nas lnguas orais.

    praticamente impossvel ao surdo falar de forma natural, tendo em vista o bloqueio sensorial

    em relao ao input lingustico sonoro que o circunda. Por outro lado, crianas surdas

    expostas lngua de sinais adquirem de forma natural tal lngua, da mesma forma que as

    crianas ouvintes de forma espontnea adquirem uma lngua oral. Elas comeam a produzir

    sinais, mais ou menos na mesma idade em que as crianas ouvintes comeam a falar, e

    atravessam os mesmos estgios de desenvolvimento lingustico das lnguas naturais. Portanto,

    se a lngua universal no sentido de que todos os seres humanos possuem a capacidade para

    adquirir uma lngua, no surpreendente que as lnguas de sinais se desenvolvam entre

    pessoas surdas.

    Considerando os aspectos universais das lnguas humanas, natural que surdos expostos s

    lnguas de sinais apresentem um paralelo em relao aos estgios de aquisio das lnguas

    orais. Crianas surdas inicialmente balbuciam com as mos, comeam ento a produzir

    enunciados com um nico sinal, enunciados de dois sinais e, em seguida, combinam sinais,

    formando sentenas simples (KLENIA, 2008, p.15).

    De acordo com Lacerda (2000, p. 90), a lngua de sinais permite o restabelecimento destacomunicao efetiva, que a base para todo o desenvolvimento da linguagem da criana. Em

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    verdade, com a lngua de sinais partimos daquilo que positivo na criana: sua capacidade de

    falar por meio de um modo visual; pelo reconhecimento desta capacidade que lhe ser

    dada a fala vocal. A ausncia dessa fala oral, no ser o ponto de partida para nossa ao

    educativa. Vemos a criana surda dentro daquilo que ela : um ser lingustico inteiramente e

    que pode satisfazer todos os seus desejos de sujeito falante por intermdio de um modo visual.

    O individuo bilngue , na verdade, um agente que usa e atualiza dois sistemas de linguagem.

    Desse modo, podemos entender a importncia da lngua de sinais como sistema simblico

    especfico para o indivduo surdo, que atravs de signos de natureza gestual, espacial e visual,

    melhor traduzem os processos de percepo e apreenso da experincia da criana surda,

    desprovida da capacidade de escutar os sons da linguagem verbal articulada e aprend-la deforma natural, ou melhor, atravs de processos de aquisio prprios a um ouvinte.

    3. A Lingustica Aplicada

    A Lingustica Aplicada (LA) constitui-se um dos aportes tericos no que se refere aos

    processos de aquisio de lnguas em contexto bilingue; ou seja, na esteira da LA tratamos do

    processo ensino-aprendizagem e das questes relacionadas utilizao da lngua materna (a

    Libras) na sala de aula, bem como se d o ensino-aprendizagem da L2. Este mediado pela

    L1 do surdo?

    Moita Lopes (1996, p. 20), conceitua a disciplina LA como uma cincia social, uma vez que

    seu foco volta-se para problemas de uso da linguagem enfrentados pelos participantes do

    discurso no contexto social, isto , usurios da linguagem (leitores, escritores falantes,

    ouvintes) dentro do meio ensino-aprendizagem e fora dele (por exemplo, em empresa, no

    consultrio mdico, etc.).

    Essas questes so importantes para nossa pesquisa medida que acompanhamos o trabalho

    desenvolvido na sala de aula e, com o conhecimento de como ocorre esse processo de ensino-

    aprendizagem, podemos, posteriormente, contribuir para que a escola veja o ensino de

    segunda lngua para surdos, no caso a lngua portuguesa, com responsabilidade e

    compromisso.

    De acordo com Freire (1999, p.26), atravs da educao que o surdo poder ter acesso a um

    avano social e profissional e, se a nica lngua utilizada na sua educao o portugus, tanto

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    na modalidade oral quanto escrita, ento este aprendiz j tem automaticamente bloqueados

    seus direitos como cidado brasileiro. Mas, segundo a autora, preciso ressaltar que a mesma

    no est tratando o aluno surdo como um bloco, ao contrrio, a heterogeneidade o trao

    marcante dessa realidade.

    Para Freire, uma coisa inegvel, este aprendiz tem sido desafiado a aprender contedos

    programticos em uma lngua, no caso o portugus, que ele na maioria dos casos no domina

    e o resultado tem sido invariavelmente o fracasso, a frustrao, o isolamento social e o

    abandono da escola por parte do aluno. Ressalta-se ainda que este no um problema apenas

    do aprendiz surdo, mas de outros grupos minoritrios e, comprovadamente, o problema s foi

    solucionado quando realisticamente a escola passou a levar em conta, no apenas os direitosdas comunidades afetadas, enquanto comunidades falantes de uma lngua materna, mas

    tambm a realidade das comunidades educacionais, enfatizando-se a questo da formao do

    corpo docente.

    importante destacar que a formao e a capacitao do professor so essenciais no trabalho

    de ensino de lnguas, pois como um profissional que no conhece as questes lingusticas da

    lngua brasileira de sinais pode ensinar uma segunda lngua, no caso dos surdos, o professor

    deve conhecer a estrutura da lngua brasileira de sinais da mesma forma que a da lngua

    portuguesa, uma vez que elas apresentam no que se referem estrutura das lnguas naturais,

    suas semelhanas e arbitrariedades. Apesar disso, comum chegarmos s escolas e nos

    depararmos com professores que esto mais inseguros que seus alunos surdos.

    Nas palavras de Lane (1992, p.103, apudFernandes 1999, p.76), a educao o campo de

    batalha onde as minorias lingusticas ganham ou perdem seus direitos, portanto, devemos

    estar atentos para que muitas vezes em nome da igualdade de oportunidades em desigualdades

    de condies, no estejamos fomentando a assimilao e a destruio das diferenas. Nesse

    sentido, continua a autora, defendemos a idia de que a interlngua16produzida pelos surdos

    no seja ignorada em seu processo de aprendizagem do portugus, mas sim considerada como

    parte de um percurso de aquisio de uma segunda lngua que tem no ponto de partida sua

    lngua natural.

    16Interlngua: o sistema de transio criado pelo indivduo ao longo de seu processo de assimilao de umalngua, ou seja, a linguagem produzida a partir do inicio do aprendizado at o aluno ter alcanado seu teto nalngua estrangeira. (SCHUTZ, R. Online, apudBrochado 2003, p.56)

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    Para John Steiner (1985, apud Castro 2004, p.150), o aprendiz de segunda lngua est, na

    verdade, aprendendo novas formas lingusticas, isto , formas de um novo cdigo lingustico

    para um antigo sistema de significados de sua lngua materna. Para o aprendiz o processo

    psicolgico de desenvolvimento da segunda lngua tem, ento, consequncias afetivas,

    cognitivas e sociais.

    normal que o aluno iniciante enfrente cognitivamente uma desorientao, pois o confronto

    entre as lnguas a serem aprendidas realmente complexode um lado uma lngua centrada

    na oralidade, do lado oposto outra lngua, no caso do surdo uma lngua visuoespacial, que a

    maioria das pessoas acha que so gestos, mmicas e que no conseguem se comunicar com

    estes sujeitos surdos e isso acaba por desnorte-los, contribuindo assim para que desistam daescola, talvez essa seja uma das razes para encontrarmos tantos surdos fora do contexto

    escolar.

    Para Quadros (2008, p.29), o fato de a lngua de sinais ser adquirida pelos surdos de forma

    assistemtica, ou seja, de forma espontnea diante do encontro surdo-surdo17 assim como

    acontece a aquisio de quaisquer outras lnguas por outros falantes de outros grupos sociais,

    caracteriza o processo de aquisio da linguagem em sua plenitude. Este fato tambm implica

    rever o processo de aquisio da lngua majoritria falada no pas, no caso do Brasil, da lngua

    portuguesa, uma vez que esta acontece por meio do ensino. A maioria dos surdos cresce em

    famlias de pais que falam e ouvem o portugus e no adquirem esta lngua (apesar de estarem

    imersos)18.

    Os prprios surdos reclamam da dificuldade de aprender a lngua portuguesa, pois eles tm

    conscincia de que as bocas das pessoas se movimentando expressam pensamentos e idias;

    mas, mesmo havendo tal percepo, no compreendem essa lngua. Em alguns casos passam

    por processos teraputicos intensos e chegam a adquirir a lngua portuguesa, mas de forma

    assistemtica e limitada (QUADROS, 2008, p.30).

    17Este encontro um elemento chave para o modo de produo cultural ou de identidade, pois implica umimpacto na vida interior, lembrando a centralidade da cultura na construo da subjetividade do sujeito surdona construo de identidade como pessoa e como agente pessoal (Miranda 2001 apud Quadros 2008, p.30)18Refere-se a estar junto, convivendo com falantes da lngua portuguesa, no caso do surdo ele no tem acessoreal lngua, por ser oral-auditiva, no h imerso no sentido de estar em contato sistemtico com a lngua, poresse motivo, os surdos no adquirem a lngua portuguesa simplesmente convivendo com pessoas falantes deportugus.

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    Para essa autora, as crianas surdas tem tido acesso Lngua Brasileira de Sinais tardiamente,

    pois as escolas no oportunizam o encontro adulto surdo e criana surda. Elas encontram os

    surdos adultos na fase da adolescncia, normalmente por acaso. Como diz Perlin (1998, p.54),

    este encontro representa o encontro com o mundo, pois:

    uma identidade subordinada com o semelhante surdo, como muitos surdosnarram. Ela se parece a um impara a questo de identidades cruzadas. Esse fato citado pelos surdos e particularmente sinalizado por uma mulher surda de 25 anos:aquilo no momento do meu encontro com os outros surdos era o igual que eu queria,tinha a comunicao que eu queria. Aquilo que identificavam eles identificavam amim tambm e fazia ser eu mesma igual. O encontro surdo-surdo essencial para aconstruo da identidade surda, como abrir o ba que guarda os adornos quefaltam ao personagem.

    A autora afirma que, este contexto bilngue completamente atpico de outros contextos

    bilngues estudados, uma vez que envolve modalidades de lnguas diferentes. Descobrir laos

    de tais cruzamentos e as fronteiras que so estabelecidas desafiador tanto para os surdos

    quanto para os ouvintes envolvidos. O Brasil, ao aderir a Declarao Mundial de Educao

    para Todos, em 1990, fez a opo pela construo de um sistema educacional inclusivo,

    reafirmando esse compromisso na Declarao de Salamanca (UNESCO, 1994) e,

    recentemente, com a participao efetiva no processo de construo da Conveno sobre os

    Direitos das Pessoas com Deficincia, coordenada pela ONU, em dezembro de 2006.

    O lanamento da Constituio Federal de 198819 significou um grande avano em termos

    educacionais no Brasil, pois respalda e prope avanos significativos para a educao escolar,

    elege a cidadania e a dignidade da pessoa humana. Somente esta Lei seria suficiente para que

    as instituies escolares passassem a repensar a educao como um direito inegvel a todos,

    independentemente de suas deficincias. Porm, em 1996 o Brasil passou a ter uma Lei

    exclusiva para educao que a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB, de1996), que no s garante o acesso e permanncia na escola, mas acrescenta que dever do

    Estado prover o acesso destes educando preferencialmente nas escolas pblicas. A partir desta

    interpretao legal possvel notar que estamos vivendo uma nova era educacional.

    19(art.1, incisos II e III) como um dos seus objetivos fundamentais: a promoo do bem de todos, sempre