Lídia Domingues Peixoto Prado - A Politica Externa do Primeiro Governo do Lula 2003-2006

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

Ldia Domingues Peixoto Prado

A POLTICA EXTERNA DO PRIMEIRO GOVERNO LULA (2003-2006)Dissertao de mestrado apresentada ao Programa San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP), sob a orientao do Prof. Dr. Shiguenoli Miyamoto , como parte dos requisitos para obteno do ttulo de mestre em Relaes Internacionais, na rea de Poltica Externa Brasileira

Campinas, 2007

FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP

P882p

Prado, Ldia Domingues Peixoto A poltica externa do primeiro governo Lula (2003-2006) / Ldia Domingues Peixoto Prado. - - Campinas, SP : [s. n.], 2007.

Orientador: Shiguenoli Miyamoto. Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Cincias Humanas. 1. Silva, Luis Incio Lula da, 1945-. 2. Relaes internacionais. 3. Brasil Relaes exteriores. 4. Brasil Poltica e governo, 20032006. I. Miyamoto, Shiguenoli. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Cincias Humanas. III.Ttulo. (cn/ifch)

Ttulo em ingls: Lulas first foreign relations (2003-2006) Palavras chaves em ingls (keywords) : International relations Brazil Foreign relations Brazil Politics and government, 2003-2006

rea de Concentrao: Relaes Internacionais Titulao: Mestre em Relaes Internacionais Banca examinadora: Shiguenoli Miyamoto, Andrei Koerner, Paulo Csar Manduca

Data da defesa: 19-12-2007 Programa de Ps -Graduao: Relaes Internacionais

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RESUMO

A anlise da poltica externa do primeiro governo Lula (2003-2006) pode ser relacionada a trs fatores fundamentais: a ideologia partidria do Partido dos Trabalhadores - PT, o contexto internacional e a tradio diplomtica brasileira. Nesse sentido, o estudo das principais aes em mbito externo realizadas durante o perodo considera tais questes, com a finalidade no s de constatar a atuao do governo Lula no panorama internacional, como tambm os reais motivos que levaram a essa atuao. O objetivo da presente dissertao consiste em verificar se as diretrizes propostas pelo governante para a poltica exterior de seu primeiro mandato foram consolidadas, para, assim, indicar os motivos dos xitos e revezes da diplomacia petista. As intenes de Lula podem ser associadas s seguintes temticas: processos de integrao regional, instncias multilaterais e economia

internacional, j habituais nas escolhas diplomticas brasileiras. No entanto, a grande inovao do governo correspondeu imagem projetada do Brasil no sistema internacional, de pas capaz de exercer liderana, sejam nos foros multilaterais ou regionalmente. Tendo em vista que a principal finalidade da poltica externa de Lula foi a ampliao do espao brasileiro no cenrio internacional, com a conquista de melhor posicionamento diante das relaes de poder existentes entre os pases, pretendeu-se relacionar as preferncias do governante para as relaes internacionais de acordo com esse objetivo. Ainda que os resultados efetivos dav

diplomacia de Lula no tenham sido integralmente favorveis ao pas, as aes do Brasil no sistema internacional promoveram uma imagem mais atuante e enrgica diplomacia nacional.

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ABSTRACT

The analysis of the fo reign policy in the first Lulas government (2003-2006) can be related with three basic factors: the ideology of the Partido dos Trabalhadores - PT, the international context and the Brazilians traditional diplomacy. In this direction, the study of the most important actions in external scope during the designated period considers these questions, with the purpose not only to show the actions of the government Lula in the international system, but also the real reasons to have this type of performance. The objective of this work consists in verifying if the directions proposed by the government for the foreign policy in the first mandate had been consolidated, in order to indicate the reasons of the successes and failures of this diplomacy . Lulas intentions can be associated to these subjects: processes of regional integration; multilateral instances and international economy, already usual in the Brazilians diplomatic choices. However, the great innovation of the government was related to the projected image from Brazil in the international system, as a powerful country, capable to be a leader, in international instances or regionally. Knowing that the main purpose of Lulas foreign policy was the increasement of Brazilians space in the international scene, with a of better positioning on relationship of power existing between the countries, was intended to relate the preferences of the government for the international relations to the above-mentioned desire. Although the results of Lulas diplomacy have not been

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integrally favorable to the country, the Brazilians actions in the international system had promoted a better image to the national diplomacy.

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Ao meu amor, Daniel, o engenheiro mais politizado que eu j conheci.

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AGRADECIMENTOS

A finalizao desse trabalho simboliza a concretizao de mais uma etapa acadmica cumprida. O processo de desenvolvimento da dissertao

correspondeu a um momento de amadurecimento intelectual muito importante, e eu no poderia deixar de agradecer queles que, de alguma maneira, tornaram esse momento ainda mais especial.

Agradeo primeiramente Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo - FAPESP, pela bolsa concedida.

Gostaria de agradecer, em especial, ao meu orientador, Professor Shiguenoli Miyamoto, pela sua grande amizade e por ter acreditado no meu trabalho, desde a graduao, com a Iniciao Cientfica e a Monografia. Obrigada pelo apoio e pelos ensinamentos de longa data.

Agradeo tambm a todos os colegas do Programa de Ps-Graduao em Relaes Internacionais San Tiago Dantas, particularmente Giovana, Secretria do Programa, pela pacincia e a presteza em todos os momentos. Registro tambm minha gratido a todos os professores do Programa.

Ao Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, sobretudo Secretaria de Ps-Graduao, agradeo pelo auxlio e disposio.xi

Com especial ateno, destaco o agradecimento ao Professor Andrei Koerner e ao Professor Paulo Csar Souza Manduca, pelas contribuies especiais durante o exame de Qualificao. Sou imensamente grata s sugestes e crticas recebidas.

Finalmente, agradeo aos amigos que me auxiliaram nessa jornada, me dando apoio e carinho, sempre: Romis, Dilmara, Clara, Alim, Carolina e Incio, muito obrigada pelo companheirismo!

minha famlia, querida e amada, que sempre esteve presente, apesar da distncia. Pai, Me, Fbio, Cia, Vov, Vov, Tia Wilsa, Elisa, Vitor, Kwal...(ufa, muita gente!!!), o meu MUITO OBRIGADA no seria suficiente para agra decer todo o amor que vocs me do. Agradeo tambm Lume, que, com seu bom senso canino, apoiou e alegrou meus dias de estudo.

E, como no poderia deixar de ser, por ltimo gostaria de agradecer o carinho, o amor, a compreenso, a amizade, as faxinas e as roupas passadas... Daniel, esse trabalho dedicado a voc. Obviamente, os erros contidos nele no fazem parte do script, mas toda a dedicao j vale a pena. Todo o esforo se tornou mais simples com a sua ajuda.

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SUMRIO

RESUMO ................... ............................................................................................ v ABSTRACT ....................................................................................... ................... vii AGRADECIMENTOS ............................................................................................ xi SUMRIO ........................................................................................................... xi ii LISTA DE SIGLAS .................................................................... .......................... xv Introduo ............................................................................................................ 1 Apresentao do Tema de Pesquisa ................................................................ 10 Captulo 1 ............................................................................................................ 17 1.1 A diplomacia brasileira de Sarney a Fernando Henrique Cardoso: adaptaes nova realidade internacional ...................................................... 20 Captulo 2 ........................................................................................................... 41 2.1 A poltica externa de Lula e a manuteno dos ideais petistas: da campanha eleitoral ao governo .......................................................................................... 51 Captulo 3 ........................................................................................................... 59 3.1 Os setores prioritrios e as questes polmicas: a consolidao da diplomacia petista ............................................................................................. 66 3.1.1. Processos de integrao regional ..................................................... 67 3.1.2. Atuao nas instncias multilaterais .................................................. 76 3.1.3. Bilateralismo e desenvolvimento econmico ..................................... 81 Captulo 4 ........................................................................................................... 91 4.1 Resultados efetivos da poltica exterior de Lula ........................................ 97xiii

Consideraes finais ................................................. ...................................... 105 Bibliografia ....................................................................................................... 113

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LISTA DE SIGLASALCA - rea de Livre Comrcio das Amricas ALCSA - rea de Livre Comrcio Sul Americana BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento CASA - Comunidade Sul-Americana de Naes ECO 92 - nome dado Conferncia das Naes Unidas para o Meio ambiente e Desenvolvimento realizada em 1992 no Rio de Janeiro EUA - Estados Unidos da Amrica FARC - Foras Armadas Revolucionrias da Colmbia FHC - Fernando Henrique Cardoso FMI - Fundo Monetrio Internacional G-20 - Grupo de pases emergentes criado para combater os subsdios agrcolas da Rodada Doha da OMC. Composto pelos seguintes pases: frica do Sul, Argentina, Bolvia, Brasil, Chile, China, Cuba, Egito, Equador, Filipinas, Guatemala, ndia, Indonsia, Mxico, Nigria, Paquisto, Paraguai, Peru, Tailndia, Tanznia, Uruguai, Venezuela e Zimbbue. IBAS - Dilogo ndia, Brasil e frica do Sul (tambm conhecido como G-3) MERCOSUL - Mercado Comum do Sul MINUSTAH - Misso das Naes Unidas para a estabilizao no Haiti NAFTA - North America Free Trade Agreement OIT - Organizao Internacional do Trabalho OMC - Organizao Mundial do Comrcio

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ONU - Organizao das Naes Unidas PL - Partido Liberal PMDB - Partido do Movimento Democrtico Brasileiro PRN - Partido da Reconstruo Nacional PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira PT - Partido dos Trabalhadores TEC - Tarifa Externa Comum UIT - Unio Internacional de Telecomunicaes URSS - Unio das Repblicas Socialistas Soviticas

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Introduo

A anlise da poltica externa de um pas corresponde a uma das mais expressivas vertentes de estudo nas Relaes Internacionais. Juntamente com reas como a histria e teoria das Relaes Internacionais, questes de segurana internacional, temas de integrao regional e organizaes

multilaterais, o campo da poltica exterior compe a disciplina, e exige estudos pormenorizados. Para uma reflexo acadmica sobre poltica externa, faz-se necessria a introduo de termos relacionados ao tema, o que permite uma anlise plena e baseada nos princpios tericos apropriados. As terminologias utilizadas para compor um texto so determinadas de acordo com a escola de pensamento adotada como base. Nas Relaes Internacionais, as principais correntes de

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Introduo

estudo so o liberalismo, realismo, marxismo, teoria crtica, construtivismo e psmodernismo 1. Entre as abordagens supracitadas, o realismo, cujas premissas sero utilizadas para analisar o objeto de estudo da presente dissertao, corresponde a uma das mais clssicas e expoentes nos estudos de poltica externa. O surgimento da escola realista remonta s idias de TUCDIDES2, que narrou a guerra do Peloponeso (431a.C a 404 a.C), conflito blico envolvendo Esparta e Atenas. J no sculo XVI, os fundamentos da escola foram manifestados em MAQUIAVEL (1532)3, sendo aprimorados no sculo seguinte, com as idias de HOBBES (1651)4, e obtendo respaldo apropriado no clssico de MORGENTHAU (1948)5. Aps esse marco bibliogrfico, outras obras foram lanadas, envolvendo tambm outras correntes das Relaes Internacionais, e criando novas formas de anlise, como o neo-realismo. Entretanto, o realismo continua sendo, de fato, uma abordagem tradicional e muito utilizada no meio acadmico. A obra de TUCDIDES (465 a.C - 395 a.C) inaug ura a utilizao de aspectos realistas para narrar um conflito. A guerra de Peloponeso, que durou vinte anos, foi retratada com racionalidade pelo autor, o que foi considerado uma inovao poca, quando as obras possuam tom romntico e religioso. Tucdides

1

Para informaes sobre cada escola de pensamento, consultar MESSARI, Nizar & NOGUEIRA, Joo Pontes. Teoria das relaes internacionais - correntes e debates . Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.2 3

TUCDIDES. Histria da guerra do Peloponeso. Braslia: Editora Universidade de Braslia, 1982. MAQUIAVEL, Nicolau. O Prncipe. Rio de Janeiro: Editora Civilizao Brasileira, 1969.

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HOBBES, Thomas. Leviat - ou matria, forma e poder de um Estado eclesistico e civil. So Paulo: Editora Martin Claret, 2001.5

MORGENTHAU, Hans. A poltica entre as naes - a luta pelo poder e pela paz. Braslia: Editora Universidade de Braslia: Imprensa Oficial do Estado de So Paulo: Instituto de Pesquisa de Relaes Internacionais, 2003.

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Introduo

demonstrou o carter realista de sua obra ao narrar o conflito em termos de poder, isto , o autor caracterizou as relaes diplomticas como um campo onde os pases que tm poder comandam aqueles que no o possui, os quais, por sua vez, se subordinam, por temerem as conseqncias de uma eventual coliso. A partir da obra de MAQUIAVEL (1532), deu-se a separao, nas cincias humanas, entre a esfera poltica e preceitos morais (religiosos), at ento agregados. Surgiram, dessa forma, os fundamentos da poltica moderna, e a clebre citao maquiavlica de que os fins justificam os meios, essencial teoria realista, foi difundida a partir dos sculos subseqentes. Essa separao entre poltica e moral foi essencial para o estabelecimento da vertente realista nas Relaes Internacionais. A partir dessa viso, a poltica passou a ser tratada como um domnio prprio, independente de outros mbitos, como a religio, dando a ela, dessa forma, fundamentos especficos para caracterizar aes e escolhas, entre as q uais a diplomacia se enquadra. O autor subseqente cuja obra deve ser mencionada HOBBES (1651). Em seu Leviat, ele apresentou o Estado Moderno, que corresponderia ao ator fundamental do sistema internacional na perspectiva realista. O autor descreveu tambm o estado de natureza, isso , a sociedade na ausncia de um poder legtimo para controlar as tendncias egostas dos indivduos. Esse poder seria o Leviat. O panorama do estado de natureza hobbesiano foi retratado no paradigma realista, quando se caracteriza o cenrio global, onde os pases buscam a maximizao dos prprios interesses, o que gera anarquia, uma vez que no existe um poder supremo, acima do direito soberano dos Estados (um

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Introduo

Leviat), no sistema internacional. Nesse sentido, a descrio do cenrio global, de acordo com o paradigma realista, busca ilustrar a incessante disputa por interesses particulares (no caso, entre os pases) caracterstico de um sistema em que os atores agem com o intuito de maximizar poder e concretizar seus objeti vos. Outro autor expressivo CARR 6 (1939). Sua obra correspondeu a um marco terico importante, por esboar um debate entre as idias realistas e idealistas das Relaes Internacionais. No entanto, Carr pode ser considerado tanto realista quanto liberal7: existem preceitos de ambas as escolas em seu texto. O autor analisa quais seriam as causas do insucesso do Tratado de Versalhes (e o conseqente incio da Segunda Guerra Mundial) e, nesse sentido, sua contribuio realista est relacionada subordinao dos princpios diplomticos poltica. Porm, embora Carr tenha divulgado o realismo como escola das Relaes Internacionais, e apesar das contribuies de autores clssicos nos sculos XVI e XVII, foi somente na dcada de 1950 que essa vertente de fato se difundiu. O ciclo de maior prestgio de tal abordagem iniciou-se aps o fim da Segunda Guerra Mundial, vindo a persistir ainda hoje, nas diversas anlises de conjunturas, principalmente com outras roupagens, ao se relacionar a outras vertentes da disciplina, como j foi dito.

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CARR, Edward Hallett. Vinte anos de crise: 1919-1939. Uma introduo ao estudo das relaes internacionais. Braslia: Editora Universidade de Braslia, 2001.7

MESSARI, Nizar & NOGUEIRA, Joo Pontes. Teoria das relaes internacionais - correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, p. 32, 2005.

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Introduo

Anteriormente s duas grandes guerras do sculo XX, o realismo j se constitua em uma importante influncia no campo das Relaes Internacionais, vindo a ser substitudo pelo paradigma idealista (ou liberal) no entre-guerras, e retornando nas discusses da disciplina no perodo da Guerra Fria. A obra de MORGENTHAU (1948), A poltica entre as naes8, foi o marco da influncia realista nas cincias humanas. Ao redigir tal obra, o autor apresentou as principais caractersticas e os temas norteadores da abordagem, disseminando assim a concepo realista das Relaes Internacionais. Temas como os objetivos da diplomacia, o conceito de poder e de poltica externa foram explorados no livro, de carter histrico. A escola realista possui um grupo de premissas, as quais fundamentam e identificam tal abordagem. Essas caractersticas gerais esto presentes nos textos que utilizam o realismo como base terica, e podem ser determinadas da seguinte maneira:

a teoria realista

prope o estadocentrismo, isso ,

a centralidade do

Estado no sistema internacional, situando-o como principal ator do cenrio global. O Estado, nesse caso, soberano, e tem por objetivo mximo garantir sua sobrevivncia no sistema, atravs da maximizao de interesses, os quais so relacionados ampliao de poder: os realistas

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MORGENTHAU, Hans. A poltica entre as naes a luta pelo poder e pela paz. Braslia: Editora Universidade de Braslia: Imprensa Oficial do Estado de So Paulo: Instituto de Pesquisa de Relaes Internacionais, 2003.

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Introduo

consideram que o Estado um ator unitrio e racional, o que significa que o Estado age de maneira uniforme e homognea e em defesa do interesse nacional9;

os Estados, na teoria realista, definem seus interesses no sistema internacional em termos de poder (pode-se afirmar que os realistas consideram o poder como o elemento central da sua anlise das Relaes Internacionais10), de forma racional concepo racional das Relaes Internacionais. Tais interesses correspondem aos chamados interesses nacionais, os quais, para Morgenthau11, determinam as aes polticas dos pases;

o sistema internacional, de acordo com os realistas, anrquico e competitivo, uma vez que os Estados agem com o intuito de maximizar interesses particulares, que muitas vezes so concorrentes com os objetivos de outros. Apesar de existirem outras definies presentes na abordagem realista, elas

so alteradas, de acordo com a viso de cada autor. Entretanto, so essas as premissas peculiares da escola, as quais foram alistadas com o propsito de

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MESSARI, Nizar & NOGUEIRA, Joo Pontes. Teoria das relaes internacionais - correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, p. 25, 2005.10

MESSARI, Nizar & NOGUEIRA, Joo Pontes. Teoria das relaes internacionais - correntes e debates . Rio de Janeiro: Elsevier, p. 28, 2005.11

MORGENTHAU, Hans. A poltica entre as naes - a luta pelo poder e pela paz. Braslia: Editora Universidade de Braslia: Imprensa Oficial do Estado de So Paulo: Instituto de Pesquisa de Relaes Internacionais, p.18, 2003.

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Introduo

apontar a idia geral da teoria, de maneira elucidativa. Os autores considerados clssicos da literatura realista, nas Relaes Internacionais, possuem percepes prprias acerca dos diversos conceitos existentes. Tais conceitos realistas foram utilizados para estabelecer as suposies e hipteses da presente dissertao, uma vez que a base terica fundamental pesquisa cientfica, para corroborar os resultados prticos da mesma. Supondo que a anlise da poltica externa do primeiro mandato de Lula ainda no pode ser de fato completa (Lula foi reeleito em 2006 e parece dar continuidade sua atuao na esfera internacional), cabem s premissas tericas das Relaes Internacionais estabelecerem as explicaes para os resultados prticos da diplomacia brasileira do perodo. Assim, de acordo com o realismo, a poltica externa dos pases corresponde consolidao de seus interesses nacionais12, estabelecidos de acordo com princpios como: a proteo territorial (a questo da segurana); o resguardo da soberania e independncia; a concretizao de polticas econmicas (atravs do comrcio exterior); a busca por poder13 , dependendo de seu projeto nacional e de suas aspiraes, alm da assinatura de acordos bilaterais e/ou multilaterais com outros pases, organismos internacionais e blocos regionais.

12 Segundo STOESSINGER, a poltica exterior de uma nao a expresso de seu interesse nacional relativamente a outras naes. In STOESSINGER, John. O poder das naes. A poltica internacional de nosso tempo. So Paulo: Editora Cultrix, p. 48, 1978. 13 Entende-se por poder a capacidade que uma nao possui de influenciar e definir a conduta de outras naes e/ou os desdobramentos do cenrio internacional. Segundo STOESSINGER, poder a capacidade que uma nao tem de influir no comportamento de outras In STOESSINGER, John. O poder das naes. A poltica internacional de nosso tempo. So Paulo: Editora Cultrix, 1978. p. 48. Para outro ator realista, o poder corresponde capacidade de determinado Estado de alterar o status quo de outro Estado ou mesmo do sistema internacional como um todo. In MORGENTHAU, Hans. A poltica entre as naes - a luta pelo poder e pela paz. Braslia: Editora Universidade de Braslia: Imprensa Oficial do Estado de So Paulo: Instituto de Pesquisa de Relaes Internacionais, p. 49, 2003.

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Introduo

Os objetivos para a poltica externa so definidos em funo dos interesses nacionais e das conjunturas internacionais e so elaborados visando, por exemplo, atender aos interesses de aliados (para que haja um equilbrio de vontades nas polticas diplomticas) ou satisfazer os requisitos concernentes ao projeto governamental determinado. Os interesses nacionais e as conseqentes metas dos governantes para as relaes exteriores variam, portanto, de acordo com suas intenes: as aspiraes dos Estados no sistema internacional esto relacionadas a diversos objetivos, como a segurana internacional (integridade territorial); questes econmicas (maximizao de acordos econmicos com pases e/ou blocos regionais, por exemplo) e manuteno ou modificao do status quo das relaes de poder. No caso do Brasil, os governantes seguem certos parmetros tradicionais ao elegerem os objetivos do pas para a poltica externa. Entretanto, os propsitos especficos de cada governo so determinados de acordo com os contextos internacional e nacional, alm das reais possibilidades de efetivao dos mesmos no sistema internacional e, por esse motivo, podem ser diferentes. Outro fator de distino corresponde ideologia partidria do governante: no caso do atual governo brasileiro, o PT formulou sua poltica externa baseando-se tambm em ideais de esquerda, tpico de um partido de bases sociais. A poltica externa de um pas responsvel pela manuteno da independncia e segurana nacionais, alm da promoo de interesses no

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Introduo

sistema

internacional 14,

e

constitui

um

requisito

fundamental

para

o

desenvolvimento dos Estados em um cenrio globalizado e interdependente. fundamental aos governos estabelecerem sua poltica exterior de acordo com suas estratgias, visando o fortalecimento de alianas entre os mesmos, alm de acordos com organismos multilaterais e blocos regionais. Essas estratgias so constantemente modificadas, de acordo com os objetivos dos governantes, uma vez que em determinados momentos os objetivos da poltica externa podem ser mutveis, devido instabilidade internacional, comportando-se de forma agressiva ou no, em nome dos interesses do pas 15 (para adaptar-se conjuntura internacional vigente). Atravs da poltica externa, os pases estabelecem relaes de conflito e cooperao, que determinam seu papel no mundo, estabelecendo as diferenas de poder para com isso influenciar o sistema global. Dessa forma, estudar como determinado pas age no panorama internacional essencial para entender o governo em sua totalidade, medida que a poltica externa deve fazer parte de um amplo projeto nacional: atravs da anlise de suas aes diplomticas, verificado como o governo Lula agiu no sistema mundial. Aps a breve contextualizao terica do objeto de pesquisa, pode-se apresent -lo de modo mais especfico, avaliando, dessa forma, os objetivos do

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DEUTSCH, Karl. Anlise das relaes internacionais. Braslia: Editora Uni ersidade de Braslia, 1979, pp. 117. Para v Deutsch, a poltica externa dos pases visa a preservao da independncia e segurana nacionais, alm da promoo e proteo dos seus interesses econmicos.

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O governo Lula, por exemplo, adotou uma postura agressiva no sistema internacional, devido ao interesse de conquistar um papel mais influente no mundo.

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Introduo

presente trabalho. A anlise da poltica externa do primeiro governo Lula (20032006), comporta duas requisies: a especificao das intenes diplomticas do pas e os motivos pelos quais tais intuitos foram ou no alcanados. Assim, os limites e possibilidades do Brasil no sistema internacional contemporneo podem ser visualizados.

Apresentao do tema de pesquisaA anlise da poltica externa do governo Lula requer, alm de especificar-lhe as intenes, descobrir suas motivaes e por que determinados projetos no foram plenamente alcanadas, de acordo com as tendncias diplomticas atuais. Em discurso de posse, apresentado no Congresso Nacional, em Braslia, no dia 01 de Janeiro de 200316, Luiz Incio Lula da Silva props, para o mbito externo, alternativas baseadas no aumento de poder e influncia mund ial, com a ampliao da insero brasileira no cenrio internacional. Entre essas medidas constavam: a busca da vaga permanente no Conselho de Segurana da Organizao das Naes Unidas - ONU; a revitalizao do Mercado Comum do Sul - Mercosul; a aproximao econmico-comercial com mdias e grandes potncias, alm da atuao ativa do pas em negociaes com os Estados Unidos da Amrica - EUA e Unio Europia.

16

LULA DA SILVA, Luiz Incio. Discurso do presidente Lula. In: SESSO DE POSSE NO CONGRESSO NACIONAL. Braslia, 01/01/2003. Disponvel em: http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos/discurso_detalhe.asp?ID_DISCURSO=2029 Acesso em 04/12/2006.

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Introduo

O governo Lula sugeriu ainda a proximidade com pases semelhantes ao Brasil no que se refere ao nvel de desenvolvimento econmico e sua posio no sistema internacional. Esse aspecto foi definido por CERVO (2004)17 como um universalismo de ao: o governo desejava expandir a poltica exterior, estabelecendo alianas multilaterais com diferentes pases, com a inteno de ampliar as relaes entre o Brasil e pases em desenvolvimento, como frica do Sul, China, ndia, Sudeste Asitico e Oriente Mdio. Tal medida, proposta na consolidao da nova geografia comercial, correspondeu a um dos sustentculos do comrcio exterior brasileiro, durante o primeiro mandato de Lula. Outra questo da poltica externa brasileira no perodo analisado correspondeu ao ativismo internacional, com a participao de autoridades, como o Ministro Celso Luiz Nunes Amorim, o Secretrio-Geral Samuel Pinheiro Guimares Neto e o Assessor Marco Aurlio Garcia, em eventos que interessaram ao pas 18, em busca de novas alternativas diplomticas. Essa caracterstica pode ser avaliada como a intensa participao partidria na esfera internacional. bem verdade que, durante algum tempo, sobretudo no incio do governo, criou-se uma dubiedade sobre quem efetivamente coordenaria as Relaes Exteriores do Brasil. Essa questo deve ser ressaltada para indicar a intensa participao do governo em eventos internacionais.

17

CERVO, Amado Luiz. Os objetivos http://www.relnet.com.br/Arquivos/html/2004/A_7873.html Acesso em 27/04/2005.18

da

poltica

exterior

de

Lula.

Disponvel

em:

VILLA, Rafael Duarte. Poltica externa do governo Lula: continuidades e rupturas. Revista Adusp. So Paulo, p. 16, Maio 2005,.

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Introduo

A poltica externa de Lula correspondeu a um dos maiores esforos do governo, uma parte fundamental de um projeto maior de desenvolvimento nacional, como uma tentativa de superao da vulnerabilidade do pas no sistema internacional. Para o governo, as relaes diplomticas constituiriam uma maneira de inserir o Brasil no cenrio internacional e equilibrar as diferenas de poder existentes nesse ambiente, para, dessa forma, abarcar os objetivos de crescimento interno. De acordo com pro nunciamentos das autoridades brasileiras, a ao diplomtica do governo possuiu, tambm, carter humanista 19, o que conduziu a gestos como a tentativa de mobilizao de recursos financeiros, provenientes das grandes potncias, para a criao de um fundo para combater a fome e a misria nos pases em desenvolvimento 20. Esse ideal democrtico foi retratado pelo chanceler Celso Amorim:

O Brasil ter uma poltica externa voltada para o desenvolvimento e para a paz, que buscar reduzir o hiato entre naes ricas e pobres, promover o respeito da igualdade entre os povos e a democratizao efetiva do sistema internacional. Uma poltica externa que seja um elemento essencial do esforo de todos para melhorar as condies de vida do nosso povo, e que esteja

19

AMORIM, Celso. Conceitos e estratgias da diplomacia do governo Lula. Diplomacia, estratgica e poltica, ano 1, n. 1, p. 41, 2004.20

A criao de um Fundo internacional para o combate misria e fome nos pases em desenvolvimento citada no discurso de Lula. LULA DA SILVA, Luiz Incio. Discurso do presidente Lula. In: XXXIII FRUM ECONMICO MUNDIAL. Davos, Sua, 26/01/2003. Disponvel em http://www.mre.gov.br Acesso em 10/04/2005.

13

Introduo

embasada nos mesmos princpios ticos, humanistas e de justia social que estaro presentes em todas as aes do governo Lula.21

Essas questes, entre outras, como as alianas com potncias mdias; a investida nas negociaes internacionais dentro de instncias multilaterais (disputas na Organizao Mundial do Comrcio - OMC, com a formao do G2022); a busca pelo assento permanente no Conselho de Segurana da ONU; a tentativa de aumentar a influncia brasileira na Amrica do Sul (atravs da cooperao com pases sul-americanos e esforo na revitalizao do Mercosul, integrando a regio, para a liberalizao dos fluxos comerciais)23; e a insero global do pas em busca de posio mais ativa, sero analisadas na pesquisa, para se verificar a maneira como o governo Lula atuou no sistema internacional, alm dos fatores determinantes das prioridades de sua poltica externa. Esses temas sero estudados na presente dissertao, a fim de analisar como o governo se comportou no cenrio internacional, a partir de tais apostas

21

AMORIM, Celso. Discurso do embaixador Celso Amorim. In: TRANSMISSO DO CARGO DE MINISTRO DAS RELAES EXTERIORES. Braslia, 01/01/2003. Disponvel em: http://www.mre.gov.br Acesso em 10/04/2005.22

O G-20 um grupo criado para atuar nas disputas da OMC, composto por pases em desenvolvimento, com o objetivo de lutar pela extino dos subsdios internos e das subvenes s exportaes de produtos agrcolas, alm de um maior acesso aos mercados protecionistas das potncias mundiais.23

Essa investida significou, inclusive, o financiamento brasileiro de projetos dos pases latino-americanos, com a transferncia de recursos nacionais, como o BNDES, para essas naes. Outra atitude do governo, neste sentido, foram as intervenes polticas, como no caso da Colmbia e Venezuela, para solucionar, de forma pacfica, suas crises internas. Foram adotadas algumas diretrizes no sentido de ampliar o espao do Brasil no sistema mundial, como: fortalecer as relaes interestatais tanto com grandes potncias quanto com pases mdios; conferir maior representatividade em organismos internacionais e apostar na revitalizao do Mercosul, alm de possibilitar melhores negociaes com a ALCA, com a unio de interesses dos pases sul-americanos e a conseqente obteno de benefcios (o chamado acordo 4 + 1 Mercosul-EUA).

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Introduo

para a poltica externa. Nesse sentido, a poltica externa ser analisada no que diz respeito comparao entre os interesses do pas para a esfera internacional e os resultados obtidos, de acordo com as investidas diplomticas de Lula. Para um melhor aproveitamento terico do tema, o texto est disposto em quatro captulos: A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990; O Partido dos Trabalhadores e a poltica externa; A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questes polmicas e A realidade do sistema internacional e as possibilidades do Brasil: os resultados da poltica externa de Lula. O primeiro captulo contm uma breve reviso bibliogrfica da poltica externa brasileira, desde 1985, com o processo de redemocratizao da poltica nacional e o governo Jos Sarney, at 2001, quando o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso foi concludo, e Luiz Incio Lula da Silva eleito o novo governante. Atravs da anlise das principais contribuies diplomticas de cada governo, pode-se compreender a escolha de determinadas diretrizes na poltica exterior do pas. A opo pela continuidade dos propsitos, em alguns momentos, ou mesmo pela alterao dos desgnios diplomticos do governo anterior, influencia as possibilidades e aspiraes do governante subseqente. No segundo captulo elaborada a discusso a respeito da influncia do PT no estabelecimento das diretrizes adotadas pelo governo Lula na poltica externa. O Partido dos Trabalhadores, fundado na dcada de 1980 por militantes de esquerda, entre eles o prprio Lula, apresenta nos fundamentos partidrios uma ideologia prpria no que se refere maneira pela qual o Brasil deve se comportar

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Introduo

no cenrio global. Dessa forma, faz-se necessrio o exame da presena das diretrizes do PT nos objetivos diplomticos do governo como determinantes s escolhas para essa rea. O terceiro captulo apresenta os interesses nacionais do governo Lula, bem como um balano das pretenses brasileiras (principalmente as que geraram polmica) no mbito internacional e a concretizao das mesmas. Tal captulo aborda, igualmente, a discusso dos possveis motivos que podem ter prejudicado a consolidao de determinadas diretrizes diplomticas do governo. Finalmente, o captulo quatro avalia os resultados efetivos das aes brasileiras no sistema internacional, durante o primeiro mandato de Lula. Nesse sentido, destaca-se o debate sobre os fatores responsveis pela efetivao ou no dos objetivos propostos para o mbito internacional. Nas consideraes finais so estabelecidas as concluses da pesquisa, bem como as contribuies tericas da presente dissertao ao estudo da poltica externa do primeiro governo Lula.

Captulo 1

A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990A dcada de 1990 correspondeu a um marco temporal importante para a transformao do sistema internacional em geral e para os rumos da poltica externa brasileira em particular. O fim da Guerra Fria desarticulou a bipolaridade existente (entre EUA versus Unio das Repblicas Socialistas Soviticas - URSS) e possibilitou o rearranjo das relaes de poder. A bipolaridade caracterstica da Guerra Fria foi substituda por outro modelo de organizao do poder, que se caracterizou pela ausncia de plos especficos de hegemonia no sistema internacional. Na realidade, a potncia norte-americana foi fortalecida pela queda do socialismo como forma poltica antagnica ao

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Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

capitalismo e o encerramento da Guerra Fria, o que se manifestou na preeminncia da potncia no contexto internacional que eclodiu nesse processo de fragmentao do bipolarismo mundial. Ainda que a transformao do sistema internacional tenha se iniciado no sculo passado, as conseqncias so notadas ainda hoje, com a acelerao da interdependncia global e o processo de globalizao econmica. Nesse sentido, o Brasil, assim como outros pases emergentes, necessitou alterar a tnica de sua poltica exterior, a fim de buscar um papel mais relevante no cenrio global, j que durante a Guerra Fria se manteve marginalizado por no ter se alinhado a um dos plos de poder. Aliado a isso, o fim do Regime Militar no pas, vigente de 1964 a 1985, permitiu alteraes polticas que foram fundamentais ao desenvolvimento nacional, alm de promover um novo sentido poltica externa brasileira, que, a partir da dcada de 1990, precisou ser adaptada nova realidade do sistema internacional. O retorno dos governos democrticos no Brasil teve incio com o governo de Jos Sarney, a partir de 1985, e a readaptao poltica do pas foi estabelecida de acordo com os princpios neoliberais, numa tentativa de estabilizar a economia nacional (marcada pelas conseqncias negativas da dcada anterior dcada perdida) e ajust-la s necessidades advindas da globalizao (abertura econmica).

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Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

A poltica externa brasileira atravessou um perodo de adaptaes por dois fatores distintos: primeiramente, devido ao momento poltico nacional, com a transio do Regime Militar para a redemocratizao, estreada por Jos Sarney e a Nova Repblica. Alm disso, as mudanas acarretadas pelo processo

transitrio mundial tambm exigiram inovaes na conduo da poltica externa brasileira. A diplomacia brasileira foi alterada de forma mais enftica somente a partir do governo Collor (1990-1992). Por questes prticas, uma vez que se tratou de um perodo transitrio, a Nova Repblica deu continuidade, na medida do possvel, s diretrizes diplomticas adotadas durante o autoritarismo militar. Todavia, a partir da dcada de 1990 iniciou-se a implantao das polticas neoliberais no pas, o que alterou intensamente suas relaes econmicas e o comrcio exterior. O processo de redemocratizao brasileira teve incio com a vitria de Tancredo Neves (do Partido do Movimento Democrtico Brasileiro - PMDB) no colgio eleitoral em Janeiro de 1985. Entretanto, o Presidente eleito faleceu em 21 de Abril de 1985, sendo substitudo, assim, pelo seu vice, Jos Sarney (tambm do PMDB). Dessa forma Sarney tomou posse, exercendo o primeiro mandato aps a cessao do autoritarismo militar, entre 1985 e 1989. Os governos brasileiros subseqentes foram responsveis pela

transformao dos fundamentos da poltica externa do pas, que se tornou

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Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

universalista e recebeu outros propsitos condizentes com a nova realidade do Brasil no sistema internacional.

1.1 A diplomacia brasileira de Sarney a Fernando Henrique Cardoso: adaptaes nova realidade internacional

O governo que se seguiu aps o fim do Regime Militar inaugurou uma fase poltica importante no Brasil. A redemocratizao, aps trs dcadas de autoritarismo, foi recebida pela populao brasileira com esperana de melhores condies ao pas. O colgio eleitoral criado para promo ver as eleies de 1984 indicou Tancredo Neves para ocupar o cargo de presidncia da Repblica. Porm, a morte de Tancredo, em Abril de 1985, conferiu a posse de seu vice, Jos Sarney, para comandar o primeiro mandato democrtico, desde o Golpe Militar de 1964. Durante os cinco anos de governo Sarney (1985-1989), optou-se por conservar caractersticas, na esfera poltica, do perodo anterior, uma vez que se tratou de um perodo transitrio na poltica brasileira. A partir de Maro de 1985, o Brasil passou a vivenciar transformaes tanto internamente quanto no mbito internacional. No contexto interno, a maior alterao se deu na prpria transio de um regime autoritrio para a democracia: uma nova Constituio foi promulgada em

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Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

Outubro de 1988, o que demonstrou o esprito de mudanas (e ruptura com o passado) transferido sociedade nacional24. O Plano Cruzado, criado para tentar conter a inflao (com o congelamento dos preos) e estabilizar a economia do pas, correspondeu a um marco importante da poltica econmica brasileira. Ainda que Sarney tenha resgatado algumas caractersticas dos governos anteriores (j que a transio no seria possvel sem a manuteno de certos princpios, sobretudo polticos 25), a mudana da moeda brasileira (de Cruzeiro para o Cruzado), seguida de polticas econmicas de congelamento dos preos correspondeu a uma mudana importante para dar incio transformao econmica, to necessria ao pas. Entretanto, o Plano Cruzado, em vigor a partir de Fevereiro de 1986, no diminui u os elevados ndices inflacionrios: em termos prticos, no rompeu com a condio econmica nacional do perodo autoritrio. No ano seguinte, o Brasil decretou a moratria, o que disparou ainda mais a inflao, alargando a crise financeira. Em relao poltica externa, a situao do governo de Sarney tambm era delicada, posto que, no plano internacional, a crise da Guerra Fria pressionava as grandes potncias, as quais no se detinham nos problemas enfrentados pelos pases em desenvolvimento, que, por sua vez, sofriam com a fragilidade

24

CORRA, Luis Felipe de Seixas. A poltica externa de Jos Sarney, in ALBURQUERQUE, Jos Augusto Guilhon (org.). Sessenta anos de poltica externa brasileira (1930-1990), crescimento, modernizao e poltica externa. So Paulo: Cultura Editores Associados, p. 361, 1996.25

PEREIRA, Analcia Danilevicz. A poltica externa do governo Sarney. A Nova Repblica diante do reordenamento internacional (1985-1990). Porto Alegre: Editora da UFRGS, p. 94, 2003.

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Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

econmica. medida que o bilateralismo dava indcios de cessao, o neoliberalismo se tornava uma realidade necessria ao Brasil, para se adequar s condies do comrcio exterior e estabilizar a economia nacional. Para tanto, o governo Sarney, cujo Ministro das Relaes Exteriores foi Abreu Sodr, optou pela mudana gradativa das diretrizes da poltica externa brasileira, de forma a facilitar a maior insero do pas no cenrio global. O governante rompeu com o quadro vigente quando ampliou os laos diplomticos do Brasil para alm dos laos com os EUA: as relaes com a Amrica Latina, alm de pases como China e frica do Sul (dentro da Cooperao Sul-Sul)26, foram reformuladas, e o universalismo brasileiro fora novamente consolidado. A Argentina, principal parceiro regional do Brasil, tambm passara por transformaes internas, com a redemocratizao, o que aprofundou as relaes entre os dois pases, uma vez que, alm dos interesses em comum (ampliao do processo de integrao regional), o contexto interno era similar a ambos os governos (Sarney e Alfonsn). Como foi explicitado, a poltica externa de Sarney intensificou, alm da aproximao regional, o universalismo diplomtico, o que significou a transferncia do momento poltico interno para a esfera internacional: a diplomacia brasileira desse perodo enfatizou relaes com o maior nmero de pases possvel, o que no agradou, de certa forma, o governo norte-americano (de Ronald Reagan),

26

VIZENTINI, Paulo Fagundes. Relaes internacionais do Brasil- de Vargas a Lula. So Paulo: Fundao Perseu Abramo. Cap. 3: A crise do Projeto Nacional - a resistncia num contex to adverso (1979-1990), p. 70, 2003.

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Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

habituado ao alinhamento do Brasil aos seus interesses. Sarney elegeu um relacionamento com os EUA pautado no respeito mtuo e na garantia das diretrizes nacionais, porm iniciou o processo de abertura diplomtica, ao valorizar a ampliao de laos com outros pases. As diretrizes diplomticas adotadas durante o governo Sarney, portanto, estabeleceram por vezes a dicotomia entre a inovao e a continuidade ao perodo ditatorial. Tal caracterstica pode ser considerada peculiar ao momento poltico no qual o mandato estava inserido, de transformaes intensas no contexto interno. Somente no prosseguimento da redemocratizao, com o governo Collor, o Brasil consolidou de fato as mudanas necessrias, tanto em mbito nacional quanto diplomtico. Nas primeiras eleies diretas do Brasil desde 1961, ocorridas em 1989, o candidato Fernando Collor de Mello (do Partido da Reconstruo Nacional - PRN) saiu vitorioso nas urnas. O desejo maior da sociedade brasileira era eleger um governante capaz de estabilizar a economia do pas, passada a euforia da redemocratizao. A inflao galopante desestruturou a economia, e as conseqncias eram sentidas por toda a populao. Collor tinha como meta reorganizar o setor econmico brasileiro e modernizar o pas, consolidando no sistema internacional a imagem de um promissor mercado emergente. Para tanto, o governante introduziu na poltica

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Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

econmica as reformas neoliberais, atravs da sujeio aos dez pontos fundamentais do Consenso de Washington27:

disciplina fiscal: os altos e contnuos dficits fiscais contribuiriam para a inflao e fugas de capital. Nesse caso, pretendia-se fazer com que os pases latino-americanos tivessem maiores condies de administrarem as dvidas externas deles;

priorizao dos gastos pblicos: as polticas pblicas deveriam ser pontuais, de modo a diminuir o nus do Estado;

reforma tributria: a base de arrecadao tributria deveria ser ampla;

taxas

de

juros:

os

mercados

financeiros

domsticos

deveriam

determinar as taxas de juros do pas: taxas de juros reais e positivas desfavoreceriam fugas de capitais e aumentariam a poupana local);

busca e manuteno de taxas de cmbio competitivas: pases em desenvolvimento deveriam adotar uma taxa de cmbio competitiva que

27

BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de Washington: a viso neoliberal dos problemas latino-americanos. In Em defesa do interesse nacional: desinformao e alienao do patrimnio pblico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.

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Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

favorecesse as exportaes, tornando as mercadorias mais baratas no exterior;

abertura comercial: as tarifas seriam minimizadas e no deveriam incidir sobre bens intermedirios utilizados como insumos para as exportaes (liberalizao comercial e financeira ao mercado externo);

liberalizao

do

investimento

direto

estrangeiro:

investimentos

estrangeiros poderiam introduzir o capital e as tecnologias que faltavam no pas e deveriam, portanto, ser incentivados;

privatizao privatizadas;

das

empresas

estatais:

as

estatais

deveriam

ser

desregulao: a regulao excessiva poderia promover a corrupo e a discriminao contra as empresas menores com pouco acesso aos maiores escales da burocracia. Os governos precisariam, dessa forma, desregular a economia;

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Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

fortalecimento do direito de propriedade: os direitos deveriam ser aplicados (sistemas judicirios e leis frgeis reduziriam os incentivos para poupar e acumular riqueza).

As polticas neoliberais implementadas no Brasil tiveram como objetivo estabilizar a economia e encerrar o ciclo de crises inflacionrias, que perdurava desde a dcada de 1980. Atravs do Plano Collor, decretado desde o primeiro dia do mandato, o congelamento dos preos e o bloqueio das poupanas (o dinheiro circulante diminura sensivelmente) deveriam extinguir a inflao. Collor iniciou, juntamente com o seu plano, o processo de privatizaes de estatais, alm da abertura ao mercado internacional e liberalizao econmica. Nesse sentido, a poltica externa do governo teve que ser adequada s transformaes neoliberais, uma vez que se tornou via de acesso s polticas econmicas internas (relacionadas ao mercado externo). As mudanas nas diretrizes da poltica exterior do Brasil haviam sido anunciadas ainda no governo anterior, de Jos Sarney. As condies do cenrio internacional possibilitavam a insero mais ativa do pas no sistema global, o que fora utilizado pelo governante para tentar alterar a imagem do Brasil: de um pas terceiro-mundista, Collor almejava destacar a imagem do Brasil mundialmente. O seu primeiro Ministro das Relaes Exteriores, Francisco Rezek, optou pelo atrelamento diplomtico do pas aos interesses econmicos, tendo em vista a crise nacional e a necessidade de inserir o Brasil no comrcio internacional, em

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Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

constante transformao. Para tanto, elegeu o alinhamento aos EUA como a melhor opo para conquistar o novo mercado. Assim, os propsitos da poltica externa de Collor estiveram relacionados ao crescimento da economia nacional. A abertura econmica, apesar dos problemas que gerou, atraiu novos investidores e modernizou o campo industrial brasileiro, permitindo assim o prosseguimento das polticas de privatizaes e emprstimo de organismos de fomento, como o Fundo Monetrio Internacional - FMI e Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID. Nesse sentido, a chancelaria elegeu a ampliao das relaes (fundamentalmente comerciais) apenas com pases que trariam benefcios ao Brasil, uma vez que a liberalizao do mercado nacional era interessante apenas com parceiros em estgio de desenvolvimento econmico passvel de gerar saldos positivos economia brasileira 28. Com os EUA, principal incentivador da abertura do mercado nacional, o governo adotou uma poltica diplomtica favorvel aproximao entre os pases. Entretanto, devido s diferenas de interesses que persistiam entre os mesmos (o governo brasileiro no era favorvel s restries comerciais e medidas protecionistas adotadas pelos EUA), a convergncia de interesses de fato no existiu. Uma questo importante na poltica externa brasileira a partir da dcada de 1990 foi a crescente aproximao com os pases sul-americanos. Particularmente,

28

SENNES, Ricardo. As mudanas da poltica externa brasileira nos anos 80. Uma potncia mdia recm -industrializada. Porto Alegre: Editora da UFRGS, p. 124, 2003.

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Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

a partir da conduo da pasta das Relaes Exteriores de Collor por Celso Lafer, em Abril de 1992, a integrao regional se desenvolveu dada a tendncia provocada pela transformao do sistema internacional Ps-guerra Fria, com a criao de blocos econmicos, como o Tratado Norte-Americano de Livre Comrcio - NAFTA (entrou em vigor em 1994). A conseqncia da priorizao regional, no apenas pelo Brasil, como tambm pelos vizinhos latino-americanos, foi a criao do Mercosul: em 1991 foi assinado o Tratado de Assuno, estabelecendo a aliana comercial entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, que se concretizou na criao do bloco em 1995. Na realidade, a temtica da integrao regional e sub-regional (Mercosul) se consolidou como o eixo principal da poltica externa brasileira, a partir da dcada de 1990. As mudanas no cenrio mundial, trazidas pela reformulao do sistema, geraram a necessidade de atualizar a agenda internacional de acordo com o novo contexto. Alguns temas surgiram no debate internacional e foram introduzidos nas polticas exteriores dos pases: questes como a defesa dos direitos humanos, proteo do meio-ambiente e no-proliferao de armas nucleares passaram a ser discutidas em mbito global, principalmente nos foros dos organismos internacionais. O governo brasileiro investiu nas novas discusses em pauta no cenrio global, inserindo-os na agenda internacional do pas. Nesse sentido, Collor se destacou com a realizao da Conferncia das Naes Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - ECO-92, que ocorreu no Rio de Janeiro entre 03

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Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

a 14 de junho de 1992. Apesar da boa repercusso internacional concedida ao Brasil, a ECO-92 no obteve resultados concretos, o que fez da conferncia apenas uma denncia devastao ambiental29. Em suma, o breve governo Collor, que foi interrompido em 1992 pelo processo de impeachment, devido aos escndalos de corrupo aliado s crises desencadeadas pelo fracasso do Plano Collor, deu poltica externa brasileira um novo rumo, ao alterar as diretrizes diplomticas do pas para adequ-las s transformaes do sistema internacional e s aspiraes prprias do governante. Ainda que tenha constitudo um triste marco da poltica nacional, o mandato de Collor foi crucial para as mudanas de rumo no mbito diplomtico, causadas pela transio interna (retorno da democracia) e externa (fim da bipolaridade EUA versus URSS). Com a extino do governo Collor, o seu vice, Itamar Franco (PRN), assumiu a presidncia da Repblica em Dezembro de 1992. Apesar dos escndalos, Itamar no participava ativamente do mandato, visto que possua idias distintas do governante (no que se refere preferncia de Collor pelas polticas neoliberais30), e por esse motivo sua imagem no havia se desgastado perante a sociedade brasileira.

29

BATISTA, Paulo Nogueira. A poltica externa de Collor: modernizao ou retrocesso? Poltica Externa, ano 1, n. 4, p.117, Maro de 1993.30

VIZENTINI, Paulo Fagundes. Relaes internacionais do Brasil- de Vargas a Lula. So Paulo: Fundao Perseu Abramo. Cap. 4: Um gigante deriva - globalizao neoliberal, Mercosul e abandono do Projeto Nacional (1990-2004), p. 85, 2003.

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Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

Embora o novo governo tenha alterado algumas esferas de atuao governamental, as quais possuam elevado grau de personalismo durante o perodo governado por Collor, as propostas de liberalizao econmica, inseridas no Consenso de Washington, foram mantidas, assim como as privatizaes. Estrategicamente, o governo Itamar lanou, em 1994, o Plano Real, para conter a inflao galopante dos ltimos anos. Seu estabelecimento valorizou a moeda nacional, o que, juntamente com as polticas de liberalizao comercial, diminuiu a vulnerabilidade externa do pas (em troca de outros problemas). O plano econmico representou o grande marco do mandato de Itamar Franco, uma vez que suscitou resultados favorveis estabilizao monetria. Na poltica exterior, o governo Itamar no atuou em todas as esferas de atuao as quais Collor direcionou suas aes diplomticas, por questes de cunho prtico:

Frente a um quadro poltico domstico problemtico, o governo Itamar teve incio sem dar prioridade agenda externa, mostrando pouco interesse em dedicar-se a uma diplomacia presidencial. A poltica externa foi ento delegada a atores de reconhecido prestgio de fora ou de dentro da corporao diplomtica 31

Dessa forma, apesar de no priorizar a esfera internacional, o governo de Itamar Franco foi caracterizado, em relao poltica externa, por certa

31

HIRST, Mnica e PINHEIRO, Letcia. A Poltica Externa do Brasil em Dois Tempos. Revista Brasileira de Poltica Internacional , ano 38, n. 1, p. 10, 1995.

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Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

continuidade ao governo anterior, apesar do distanciamento da figura presidencial do cenrio internacional e a adoo de diretrizes prprias (de acordo com sua chancelaria). Durante o governo Itamar, o Ministrio das Relaes Exteriores foi ocupado por Fernando Henrique Cardoso (que permaneceu na chancelaria mas logo foi remanejado para o Ministrio da Fazenda) e por Celso Amorim. Deu-se prioridade a questes relacionadas aos novos temas da agenda internacional (direitos humanos; meio-ambiente; crtica proliferao nuclear e interveno a outros pases sem respeitar a soberania 32). Na realidade, a poltica exterior de Itamar Franco tinha como objetivo central a revitalizao da imagem do Brasil no cenrio internacional. Nesse sentido, o governo brasileiro participou ativamente dos foros e atividades de organizaes multilaterais, como a ONU e a OMC. No mbito das Naes Unidas, o Brasil reiterou, com maior intensidade, o interesse em participar do Conselho de Segurana como membro permanente, apoiando, dessa forma, as discusses sobre uma possvel reforma do rgo. Em relao atuao na OMC, o governo brasileiro tambm trabalhou de maneira intensa na Rodada Uruguai, para defender os interesses comerciais do pas (liberalizao do mercado dos pases desenvolvidos).

32

HIRST, Mnica e PINHEIRO, Letcia. A Poltica Externa do Brasil em Dois Tempos. Revista Brasileira de Poltica Internacional , ano 38, n. 1, p. 12, 1995.

32

Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

Com o Mercosul j consolidado, em 1994, a integrao regional passou a ser ainda mais prioritria na diplomacia nacional. A estratgica posio ocupada pelo Brasil no bloco regional proporcionou melhores condies comerciais ao pas, que passou a se esforar no sentido de consolidar a unio aduaneira da Amrica Latina, no mbito do Mercosul. O governo Itamar tambm promoveu a formao da rea de Livre-Comrcio Sul-Americana - ALCSA, como um plano de unio comercial que deveria ser concretizado em um prazo de dez anos 33. Apesar dos avanos, as relaes entre Brasil e Argentina foram abaladas entre os anos de governo Itamar, devido s diferenas de prioridades entre os pases: enquanto o Brasil apostava na integrao regional, o governo Menem permanecia focado no fortalecimento das relaes com os EUA, num contexto ps-Guerra Fria. Ainda assim, o Mercosul foi fortalecido, atravs da unio de foras (que ambos possuam) em mbito regional. Com o governo norte -americano, o principal aliado econmico do mercado brasileiro, as relaes foram, de fato, alteradas, como uma tentativa do governo de garantir maior autonomia ao Brasil no sistema internacional. A partir da gesto de Celso Amorim na chancelaria, os parmetros do multilateralismo foram retomados e o alinhamento aos interesses dos EUA foi minimizado, tendo em vista a necessidade de ampliar as relaes diplomticas brasileiras.

33

HIRST, Mnica e PINHEIRO, Letcia. A Poltica Externa do Brasil em Dois Tempos. Revista Brasileira de Poltica Internacional , ano 38, n. 1, p. 15, 1995.

33

Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

Assim sendo, a poltica externa do governo de Itamar Franco retomou algumas diretrizes do breve mandato anterior, de Collor. Outras questes, de cunho ideolgico, no foram endossadas, devido aos preceitos do novo governante e sua chancelaria. Com o fim do perodo governado por Itamar Franco, as eleies presidenciais de 1994 garantiram a vitria ao candidato Fernando Henrique Cardoso (Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB), que havia sido ministro no governo anterior. E, em 1998 o mesmo foi reeleito, estendendo o perodo de governo para oito anos. Durante os anos em que foi governante FHC prosseguiu com as idias neoliberais de Collor, para desenvolver o projeto econmico do Plano Real, articulado por ele (juntamente com a equipe do Ministrio da Fazenda) durante o governo anterior, de Itamar Franco. O sucesso do plano econmico e as conseqncias positivas que vinha acarretando ao Brasil desde 1994 contriburam para o apoio da sociedade brasileira adoo de medidas neoliberais, que, em um primeiro momento, estabilizaram a moeda nacional e conteve a inflao. Entretanto, j nos ltimos anos do primeiro governo de FHC, e principalmente durante o segundo mandato, o Plano Real no conseguiu manter os ndices positivos que havia conquistado durante sua fase inicial, e as implicaes negativas da adoo das medidas apregoadas pelo Consenso de Washington foram realadas.

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Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

O pas, durante o governo FHC, foi adaptado, atravs do Plano Real e das medidas neoliberais, s novas necessidades do sistema internacional, e a dinmica do comrcio exterior foi alterada para se ajustar velocidade das transformaes. Para pases em desenvolvimento, como o Brasil, o fenmeno da globalizao possibilitou maiores condies de acesso e participao no mercado global. Por outro lado, a interdependncia do mercado tornou a economia brasileira ainda mais dependente dos pases detentores de poder. Com o novo ordenamento do sistema internacional e a necessidade de desenvolvimento econmico pelas vias diplomticas (atravs do comrcio global), o governo brasileiro adotou um novo padro para a poltica exterior: a autonomia pela integrao34. O novo paradigma estabelecido pela diplomacia de FHC tinha como objetivo inserir o Brasil no sistema internacional globalizado (para acompanhar as transformaes mundiais), porm de uma maneira autnoma, valorizando o multilateralismo e diversificando os parceiros comerciais, de modo a conquistar novos mercados. Ao mesmo tempo, a integrao (regional ou global) foi priorizada, para possibilitar ao pas um papel mais ativo nos blocos econmicos e organismos internacionais. FHC tinha por objetivo introduzir o Brasil no cenrio mundial atravs da imagem de um global trader, isto , um pas relevante no mercado globalizado.

34

OLIVEIRA, Marcelo Fernandes de e VIGEVANI, Tullo. A poltica externa brasileira na era FHC: um exerccio da autonomia pela integrao. Tempo Social , So Paulo, ano 15, n. 2, p. 2, Novembro de 2003.

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Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

Para tanto, o governante instituiu como aspectos prioritrios da agenda externa brasileira, nos oito anos de mandato, aqueles que garantissem a autonomia do pas (porm sem isol -lo do mundo), alm de resultados favorveis ao crescimento econmico nacional e a ampliao da segurana nas articulaes com o sistema global. O governante, que havia sido Ministro das Relaes Exteriores no governo Itamar Franco, era figura conhecida no meio diplomtico. Juntamente com seus chanceleres Lui z Felipe Lampreia (1995 - 2000) e Celso Lafer (2001 - 2002), FHC conduziu as aes diplomticas brasileiras nos foros internacionais para os temas inseridos no sistema mundial a partir dos anos 1990: direitos humanos; democracia e questo ambiental, de modo a dar prosseguimento aos governos anteriores. Tais tpicos estiveram constantemente presentes nos discursos

presidenciais, e, juntamente com outras diretrizes, fizeram parte das prioridades da poltica externa brasileira entre os anos de 1995 a 2002. Entre os principais objetivos de FHC para o mbito internacional estavam: a integrao regional, atravs do aprofundamento do Mercosul (envolvimento

brasileiro nas discusses da agenda do bloco regional, que j estava consolidado); a diversificao e ampliao das relaes bilaterais do Brasil, tendo em vista o interesse nacional em angariar novas parcerias comerciais; e a participao intensa do pas nos foros das organizaes internacionais (em especial na OMC e

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Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

ONU esse ltimo com o objetivo de conquistar vaga permanente no seu Conselho de Segurana)35. Nesse sentido, o reconhecimento da Amrica do Sul como alvo prioritrio da diplomacia brasileira, realidade desde o governo Collor, foi agregado ao momento de maturidade vivenciado pelo Mercosul, o que trouxe a intensificao da importncia da integrao regional agenda brasileira. O bloco, j em pleno funcionamento, garantiu ao Brasil novas possibilidades comerciais e a perspectiva de participar da evoluo do sistema internacional (que se caracterizou pela consolidao dos blocos regionais). Para assegurar parcerias comerciais variadas, o governo FHC diversificou as relaes bilaterais, estabelecendo laos com pases como frica do Sul, China, ndia, Oriente Mdio e Rssia, alm dos pases sul-americanos, a Unio Europia e os EUA. Embora esses pases j fizessem parte da diplomacia brasileira, algumas alteraes foram realizadas, de acordo com a postura adotada pelo governante para o mbito internacional. Nesse sentido, destacaram-se as relaes com os EUA: apesar de possurem interesses divergentes, ambos os pases iniciaram um processo de maior entendimento, e centraram as discusses em torno da consolidao da rea de Livre -Comrcio das Amricas - ALCA, j que a credibilidade do Brasil perante o governo norte-americano havia se reestruturado.

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VIZENTINI, Paulo Fagundes. Relaes internacionais do Brasil- de Vargas a Lula. So Paulo: Fundao Perseu Abramo. Cap. 4: Um gigante deriva - globalizao neoliberal, Mercosul e abandono do Pr ojeto Nacional (1990-2004), p. 90, 2003.

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Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

Atravs da imagem de um pas autnomo e participante do sistema internacional, o governo brasileiro adaptou suas diretrizes para realizar a insero ativa do pas e, para tanto, elegeu os organismos multilaterais para manifestar seus interesses nacionais. No mbito da OMC, o Brasil se empenhou por melhores condies de mercado ao pas. Em 2001, teve incio a Rodada Doha, e o governo passou a negociar pela abertura dos mercados agrcolas, principalmente dos pases desenvolvidos, para possibilitar melhores condies para os pases em desenvolvimento, a maioria exportadores de produtos primrios. Em relao s Naes Unidas, a poltica exterior de FHC tinha como um dos objetivos ocupar uma vaga permanente no Conselho de Segurana. Assim, o governo definiu tal posio com argumentos relacionados dimenso territorial do pas (e sua populao) e condio de dcimo maior contribuinte da ONU36, deixando claro, nos discursos da chancelaria, o anseio pela reforma democrtica do organismo internacional. No entanto, embora a postura diplomtica do governo brasileiro tenha sido modificada, nos mandatos de FHC, essas questes arroladas no so inovadoras na agenda internacional do pas. De outro modo, um assunto importante foi introduzido pelo governante, no mbito da poltica externa: a questo da segurana internacional.

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VIZENTINI, Paulo Fagundes. Relaes internacionais do Brasil- de Vargas a Lula. So Paulo: Fundao Perseu Abramo, Cap. 4: Um gigante deriva - globalizao neoliberal, Mercosul e abandono do Projeto Nacional (1990-2004), p. 94., 2003.

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Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

Com os ataques terroristas ocorridos nos EUA em 11 de Setembro de 2001, a preocupao dos pases com a defesa nacional foi intensificada. Assim, inserida nos chamados novos temas erigidos no sistema internacional a partir dos anos 1990, a preocupao com o desarmamento e a campanha pela no-proliferao de artefatos nucleares aumentou significativamente. Durante o governo FHC essa questo foi priorizada, de modo a indicar o ponto de vista brasileiro frente aos conflitos internacionais. Durante os mandatos de FHC, a economia nacional foi estabilizada (fundamentalmente no primeiro mandato de FHC), embora de forma problemtica: as metas neoliberais provocaram a dependncia do comrcio internacional e a vinculao do crescimento econmico conquista de novos mercados. A poltica externa, atrelada ao desenvolvimento nacional, teve como objetivo principal a insero do Brasil no sistema internacional como global trader, inaugurando a imagem de um ator influente. Independentemente dos avanos concretos das diretrizes estabelecidas para o mbito internacional, os governos FHC estabeleceram um novo papel ao Brasil, o que esteve entre os propsitos brasileiros desde o governo Collor. Ao ser adequado s condies da globalizao econmica, o pas pde se alinhar ao mercado global. Entretanto, as conseqncias da economia liberal conduziram o cenrio poltico brasileiro ao descontentamento da populao e ao desejo de mudanas na esfera poltica, o que seria supostamente confirmado com a conquistada presidncia da Repblica por de Luiz Incio Lula da Silva, nas eleies de 2002.

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Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

Lula conseguiu a vitria ao derrotar o principal adversrio, o candidato Jos Serra, do PSDB, e se reelegeu em 2006. A partir de Janeiro de 2003, portanto, a presidncia do Brasil passou a ser ocupada por um governante de origem sindical, fundador de um partido de tradio de esquerda, o que alterou os rumos do pas, refletindo tambm na poltica externa. Os propsitos da diplomacia empregados pelo governo subseqente foram designados de acordo com a conjuntura internacional e os motes tradicionais da poltica externa, desde o governo Sarney (que inaugurou uma nova fase da poltica nacional, e por esse motivo foi eleito como marco histrico na presente dissertao) aos mandatos de FHC. Visto que o objetivo da pesquisa acadmica consiste em analisar a poltica exterior do primeiro mandato de Lula, a descrio dos governos anteriores, no que se refere s aes no mbito internacional, foi imperativa para uma melhor apreciao do tema. A partir do exame do perodo ps-Regime Militar, desde 1985, at o governo anterior ao de Lula, possvel relacionar certas escolhas diplomticas s atuaes precedentes, alm de apreender historicamente os limites e possibilidades do Brasil. Nos prximos captulos, a temtica da poltica externa de Lula ser explorada a fim de verificar as tradies petistas para a rea (e se elas foram mantidas durante o governo), bem como os campos prioritrios e as questes polmicas as quais o pas esteve envolvido. Atravs desse exame, pode-se constatar que as

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Captulo 1. A poltica externa brasileira e a redemocratizao: as transformaes da dcada de 1990

aes diplomticas tiveram a pretenso de fazer o Brasil angariar posio mais expressiva no sistema internacional.

Captulo 2

O Partido dos Trabalhadores e a poltica externaO Partido dos Trabalhadores, fundado no Brasil em 10 de Fevereiro de 1980 37 por militantes de esquerda, incluindo filsofos, estudiosos e representantes de movimentos sociais (como lderes sindicais), possui uma trajetria mpar na histria poltica brasileira. Criado como reao ao Regime Militar vigente no pas (a Ditadura Militar foi extinta em 1985), o PT corresponde ao principal partido de base de massa do pas. Suas aspiraes esto relacionadas, dessa forma, ao desenvolvimento nacional baseado nos valores democrticos e de defesa da classe trabalhadora. Nesse sentido, cabe ressaltar a expressiva afinidade do partido com os

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Para maiores informaes histricas sobre o partido, consultar http://www.pt.org.br Acesso em 27/10/2007

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Captulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a poltica externa

movimentos sindicais e sociais em geral, o que demonstra a preocupao com a manuteno das diretrizes do mesmo. No momento da criao do partido, seus ideais estavam pautados na defesa do socialismo como regime poltico, uma vez que a Ditadura Militar gerava problemas sociais e represso ao pensamento de esquerda. Porm, com o passar dos anos, o PT alterou a tnica dos seus discursos, para conquistar novos eleitores. Assim, ao longo do tempo a aspirao socialista foi substituda por ideais de maior aprovao popular. Logo na Reunio Nacional de fundao do PT, em Junho de 1980, as propostas polticas foram estabelecidas de acordo com cada rea de atuao do poder pblico: sade, educao e economia, entre outras. No que diz respeito s diretrizes petistas para a poltica externa, os dirigentes do partido criaram alguns itens cujos objetivos eram a consolidao de uma posio soberana do Brasil no cenrio mundial, o fim da internacionalizao da economia nacional (fim da dominao imperialista38), o no-alinhamento s potncias globais, (as quais dominariam e controlariam o sistema de acordo com seus interesses), e a defesa de uma poltica internacional de solidariedade entre

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PARTIDO DOS TRABALHADORES. Programa e Plano de ao. Documento aprovado na reunio de fundao do PT, p. 5, em 01 de Junho de 1980. Disponvel em http://www.ptgte.org.br/pt25anos Acesso em 09/03/2007.

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Captulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a poltica externa

os povos oprimidos e de respeito mtuo entre as naes, que aprofunde a cooperao e sirva paz mundial39. Em 1980, no documento aprovado na reunio de criao do PT, o partido exps as intenes para a esfera internacional:

O PT tomar posio sobre os grandes temas nacionais a partir da perspectiva daqueles que constroem a riqueza do Pas, defendendo uma linha de ao na qual o desenvolvimento nacional reflita os interesses dos trabalhadores e no os interesses do grande capital nacional e internacional. O PT combate a crescente dvida externa, ao mesmo tempo que submete a classe trabalhadora a uma explorao ainda mais desenfreada. Os trabalhadores brasileiros so os grandes prejudicados pela crescente dependncia externa, econmico-financeira, tecnolgica e cultural.40

Assim, logo na primeira declarao oficial do partido, a poltica externa brasileira foi elucidada sob uma tica prpria, e as diretrizes petistas para essa esfera j indicavam o tom ideolgico e a representatividade da classe trabalhadora. Nesse documento, o mbito internacional aparece como espao de comrcio desigual controlado pelas grandes potncias: para o PT, o combate entrada ilimitada do capital internacional no Brasil seria uma das apostas para o desenvolvimento nacional, sendo a poltica externa, assim como todas as esferas

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PARTIDO DOS TRABALHADORES. Programa e Plano de ao. Documento aprovado na reunio de fundao do PT, p. 4, em 01 de Junho de 1980. Disponvel em http://www.ptgte.org.br/pt25anos Acesso em 09/03/2007.40

PARTIDO DOS TRABALHADORES. Programa e Plano de ao. Documento aprovado na reunio de fundao do PT, p. 3, em 01 de Junho de 1980. Disponvel em http://www.ptgte.org.br/pt25anos Acesso em 09/03/2007.

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Captulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a poltica externa

de atuao poltica, responsvel por defender os interesses da classe trabalhadora. Entretanto, apenas em 1984, em registro que relata as concepes do partido para cada mbito governamental, a poltica externa passou a ter destaque nas teses partidrias. Nesse documento, em sub -item intitulado Questo Internacional, a ideologia socialista na diplomacia foi assim justificada:

Como partido poltico que aspira ao socialismo, o PT deve defender uma poltica internacional em favor dos interesses dos povos que lutam por sua libertao. Devemos recusar todas as formas de submisso do Pas dominao imperialista, como as que impem restries nas relaes internacionais. Uma poltica externa independente implica, hoje, a ampliao das relaes comerciais e diplomticas com os pases socialistas e do Terceiro Mundo. A luta do povo brasileiro inseparvel das lutas dos o utros povos latinoamericanos, pela semelhana das condies econmicas, histricas e culturais. Da nossa prioridade para o fortalecimento de laos com os movimentos de libertao latinoamericanos, que tm, hoje, como pontos principais a Nicargua, El Salvador e Cuba.41

A influncia de esquerda no partido se fundamentou atravs da defesa do socialismo e dos movimentos revolucionrios latino-americanos da dcada de 1980, por parte dos idelogos petistas. Dessa maneira, a poltica externa, que tambm influenciada por elementos conjunturais, serviu ao PT como espao de

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PARTIDO DOS TRABALHADORES. Teses para a atuao do PT. Documento aprovado no 3Encontro Nacional do PT, p. 8, em 08 de Abril de 1984. Disponvel em: http://www.ptgte.org.br/pt25anos Acesso em 09/03/2007.

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Captulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a poltica externa

denncia explorao capitalista das grandes potncias, em evidncia naquele momento. Por outro lado, o tom revolucionrio das perspectivas para a rea internacional gerou, somado s outras reas de atuao, o respaldo negativo da populao brasileira, como foi demonstrado nas eleies presidenciais de 1989, 1994 e 1998. Em 1989 foi redigido um texto contendo as bases do plano de ao de governo para as eleies daquele ano, quando o candidato petista sofreu a primeira derrota presidencial, e Fernando Collor de Mello se tornou presidente. Para as eleies de 1989, o PT lanou como propostas para a poltica externa o no-pagamento da dvida externa (considerada pelo partido ilegtima e impagvel 42), alm da conduo de uma diplomacia voltada para a ampliao do espao do Brasil no sistema internacional43 e o apoio ao socialismo em escala global. Tais diretrizes, equivalentes quelas descritas nas declaraes oficiais anteriores, continham intensa influncia de esquerda nas suas intenes, o que demonstrou a relao estreita com a vocao revolucionria do partido. Entretanto, a adoo de uma poltica internacional baseada no reconhecimento

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PARTIDO DOS TRABALHADORES, As bases do PAG [Plano de Ao do Governo] - Campanha 1989, p. 9. Disponvel em http://www.pt.org.br/pt25anos/anos80/documentos/89_as_bases_pag.pdf Acesso em 27/10/2007.43

De acordo com o documento, o governo do PT mobilizar esforos para que o Pas ocupe, no cenrio internacional, posio compatvel com sua real dimenso econmico-social, geogrfica, cultural. In PARTIDO DOS TRABALHADORES, As bases do PAG [Plano de Ao do Governo] - Campanha 1989, p. 19. Disponvel em http://www.pt.org.br/pt25anos/anos80/documentos/89_as_bases_pag.pdf Acesso em 27/10/2007.

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Captulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a poltica externa

das lutas latino-americanas contra o capitalismo desagradou maioria dos eleitores. De acordo com ALMEIDA, em 1989, em sua primeira disputa, a caracterstica do candidato Lula era sua identificao com a luta dos oprimidos da Amrica Latina44. No discurso oficial, Lula propunha uma

poltica externa independente e soberana, sem alinhamentos automticos, pautada pelos princpios de autodeterminao dos povos, no-ingerncia nos assuntos internos de outros pases e pelo estabelecimento de relaes com governos e naes em busca da cooperao base de plena igualdade de direitos e benefcios mtuos .45

Alm disso, sugeria a

poltica antiimperialista, prestando solidariedade irrestrita s lutas em defesa da autodeterminao e da soberania nacional, e a todos os movimentos em favor da luta dos trabalhadores pela democracia, pelo progresso social e pelo socialismo .46

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ALMEIDA, Paulo Roberto de. A poltica internacional do Partido dos Trabalhadores: da fundao do partido diplomacia do governo Lula. Sociologia e Poltica. Curitiba: UFPR, n 20, p. 2, Junho 2003.45

PARTIDO DOS TRABALHADORES, As bases do PAG [Plano de Ao do Governo] - Campanha 1989, p. 19. Disponvel em http://www.pt.org.br/pt25anos/anos80/documentos/89_as_bases_pag.pdf Acesso em 27/10/2007.46

PARTIDO DOS TRABALHADORES, As bases do PAG [Plano de Ao do Governo] - Campanha 1989, p. 19. http://www.pt.org.br/pt25anos/anos80/documentos/89_as_bases_pag.pdf Acesso em 27/10/2007.

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Captulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a poltica externa

O discurso do candidato petista para a rea diplomtica ilustrava o perfil do seu partido, ao defender ideais revolucionrios e pretender adotar uma poltica externa sem alianas com potncias mundiais (principalmente com os EUA, considerado um pas imperialista pelos petistas), alm de apoiar

incondicionalmente os pases socialistas. O discurso enrgico de Lula, no s para as aes diplomticas, pode ter prejudicado o candidato nas eleies de 1989: alm das manobras polticas para desgastar a imagem do lder sindical, realizadas pelos agentes de Fernando Collor de Melo, a populao temia a excluso do pas em relao ao resto do mundo, com a vitria de um governo de tradio de esquerda. De tal modo, em 1994 o tom da campanha eleitoral foi alterado, como tentativa de atrair a populao receosa dos objetivos revolucionrios do partido. Nessas eleies, o partido optou por excluir a luta pela implantao do regime socialista das pautas. O interesse de insero soberana do Brasil no mundo foi mantido, porm, o repdio s relaes desiguais no sistema internacional, controladas pelas potncias imperialistas foi substitudo pela aspirao de modificar as relaes de fora nesse sistema47. O programa de governo criado para as eleies de 1994 tambm destacava a nfase dada pelo PT ampliao da Cooperao Sul-Sul, isto , a aproximao econmica com pases mdios localizados, assim como o Brasil, no hemisfrio

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ALMEIDA, Paulo Roberto de. A poltica internacional do Partido dos Trabalhadores: da fundao do partido diplomacia do governo Lula. Sociologia e Poltica. Curitiba: UFPR, n 20, p. 4, Junho 2003.

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Captulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a poltica externa

sul: China, ndia, Rssia, frica do Sul, entre outros. Alm disso, o partido indicou como eixo da economia internacional do seu governo a ampliao das relaes com os pases vizinhos, em mbito regional, destacando a importncia do Mercosul. A plataforma de governo estabelecida pelo PT propunha

desenvolver uma poltica externa que buscar simultaneamente uma insero soberana do Brasil no mundo e a alterao das relaes de fora internacionais contribuindo para a construo de ordem mundial justa e democrtica .48

Nessas eleies, o candidato petista deu muita nfase rea diplomtica, relacionando-a ao projeto de desenvolvimento nacional para o fortalecimento democrtico do pas. Dessa forma, corroborou a mxima de que a poltica externa no pode ser separada da poltica interna, uma vez que ambas faziam parte de um projeto nacional amplo, e estavam interligadas. Em outro documento, para a campanha eleitoral daquele ano, o partido indicava como metas para a poltica externa brasileira

Faremos da soberania nacional um valor to caro quanto o da soberania popular. Buscaremos uma integrao soberana do Brasil no mundo para enfrentar as grandes transformaes polticas, econmicas e sociais hoje em curso.

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PARTIDO DOS TRABALHADORES, Bases do programa de governo. Documento aprovado no 9 Encontro Nacional do PT, em 01 de Maio de 1994. Disponvel em http://www.ptgte.org.br/pt25anos Acesso em 09/03/2007.

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Captulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a poltica externa

O Brasil afirmar sua vocao universal, em suas relaes internacionais, defender o meio ambiente e os direitos humanos, lutar pela democratizao das relaes internacionais, propugnar por uma reestruturao econmica internacional em proveito dos pases do Sul, na defesa do emprego e de uma cooperao cientfica e tecnolgica. O Brasil enfatizar as relaes com a Amrica Latina, em especial a Amrica do Sul, fortalecer polticas de integrao continental, dentre as quais o Mercosul reformulado, e far de sua poltica externa um componente essencial do seu projeto nacional de desenvolvimento .49

Apesar de mais concreto em todas as esferas de atuao poltica, o discurso petista de 1994 no agradou, mais uma vez, a populao brasileira, e o candidato Fernando Henrique Cardoso venceu as eleies. Em Maio de 1998, o diretrio lanou os propsitos para as eleies daquele ano, os quais continham as perspectivas para a poltica externa, entre outras temticas. Para essa rea, o partido colocou novamente a questo do resguardo da soberania brasileira e da necessidade de criao de uma ordem interna cional justa. Para a ampliao do papel do Brasil no mundo, o documento props maior atuao do pas nos organismos internacionais e a articulao da integrao regional, atravs do Mercosul. De acordo com o texto, a poltica externa do PT:

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PARTIDO DOS TRABALHADORES, Lula presidente - uma revoluo democrtica no Brasil. Documento aprovado no 9 Encontro Nacional do PT, p. 4, em 01 de Maio de 1994. Disponvel em

http://www.pt.org.br/pt25anos/anos90/documentos/94_revolucao_democratica_brasil.pdfAcesso em 09/03/2007.

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Captulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a poltica externa

...buscar d efinir as bases da construo do Brasil como Nao, a partir de uma presena soberana do Brasil no mundo, que orientar as bases de nossa poltica externa. Propugnamos por uma poltica de paz e de busca de construo de uma ordem econmica internacional justa e democrtica. Lutaremos pela reforma de organismos multinacionais, como a ONU [Organizao das Naes Unidas], FMI [Fundo Monetrio Internacional], BIRD [Banco de Reconstruo e Desenvolvimento], BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento], OMC [Organizao Mundial do Comrcio], hoje a servio do hegemonismo norte-americano. Nossa poltica externa privilegiar as relaes com a Amrica Latina e frica Meridional, alm de buscar uma articulao com pases como a China, ndia, Rssia e frica do Sul. Uma poltica mais ativa em relao Unio Europia permitir aproveitar as contradies desta com os Estados Unidos e abrir mais espaos internacionais. O princpio de reforamento da soberania nacional no se confunde com uma posio autrquica, de fecham ento para o mundo. Ao contrrio, para viabilizar nosso projeto nacional deveremos ter uma forte e ativa presena internacional, buscando alianas tticas e estratgicas capazes de alterar a correlao de foras atual, desfavorvel aos pases do sul.50

Outras questes foram debatidas nesse documento, como a recusa iniciativa norte -americana da criao da ALCA (por ferir a soberania brasileira, na viso dos petistas), e o apoio a Cuba (em sua luta contra o bloqueio econmico51). Tais propostas demonstrara m, mais uma vez, a tendncia de

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PARTIDO DOS TRABALHADORES. Diretrizes para o programa de governo. Documento aprovado no Encontro Extraordinrio, p. 4, em 24 de Maio de 1998. Disponvel em: http://www.ptgte.org.br/pt25anos Acesso em 09/03/2007.51

PARTIDO DOS TRABALHADORES. Diretrizes para o programa de governo. Documento aprovado no Encontro Extraordinrio, p. 5, em 24 de Maio de 1998. Disponvel em: http://www.ptgte.org.br/pt25anos Acesso em 09/03/2007.

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Captulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a poltica externa

esquerda do PT, mesmo que de uma maneira mais branda, numa espcie de denncia ao controle do sistema internacional pelas grandes potncias. Contudo, apesar das perceptveis mudanas do partido, no que se refere aos objetivos diplomticos, as eleies de 1998 foram vencidas pelo candidato Fernando Henrique Cardoso, que foi reeleito. Mas em 2002, o Brasil elegeu Lula para a presidncia, aps as consecutivas derrotas.

2.1 A poltica externa de Lula e a manuteno dos ideais petistas: da campanha eleitoral ao governo

Uma das figuras polticas mais significativas do PT o Presidente da Repblica, Luiz Incio Lula da Silva. A vida poltica de Lula 52sempre fora vinculada ao seu partido de origem: ele um dos seus fundadores, e atravs do mesmo iniciou sua carreira pblica. O pernambucano, que foi para So Paulo ainda criana em busca de melhores condies de vida, filiou-se em 1968 ao Sindicato dos Metalrgicos de So Bernardo do Campo e Diadema, para, em 1975, ser eleito Presidente da associao (e em 1978 ser reeleito). Assim, atravs da sindicncia, o atual governante do Brasil foi introduzido na esfera poltica, ao ser um dos criadores do principal partido de oposio do pas, o Partido dos Trabalhadores.

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Informaes disponveis em http://www.presidencia.gov.br/presidente/ Acesso em 29/01/2007.

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Captulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a poltica externa

A partir de 1982, Lula passou a disputar eleies no pas, primeiramente para o governo de So Paulo, sendo derrotado. J em 1986, foi eleito Deputado Federal, sempre pela legenda do PT. Em 1989, o lder sindical disputou, pela primeira vez, a presidncia, mas foi derrotado por Fernando Collor de Mello. Em 1994, Lula novamente foi candidato na eleio presidencial, sendo mais uma vez derrotado, dessa vez por Fernando Henrique Cardoso, que se reelegeu em 1998, vencendo novamente o candidato petista. Entretanto, nas eleies de 2002, o candidato Lula, que at ento era conhecido pelos discursos inflamados e enrgicos, deu novos rumos campanha, despontando-se com prdicas mais amenas. Dessa forma, conseguiu a vitria nas urnas, derrotando Jos Serra, do PSDB, o que se repetiu em 2006, com a reeleio (e a derrota de Geraldo Alckmin, tambm do PSDB). Em 2002, ano da vitria de Lula nas urnas, o PT estabeleceu as propostas para a poltica externa no programa governamental composto para as eleies daquele ano, o qual indicava uma ruptura com o passado poltico do pas. Nesse sentido, se props a inovao da poltica brasileira, com a alterao dos moldes governamentais estabelecidos na dcada de 1990. Para tanto, Lula assum