15
Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 26 – Dezembro de 2012 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478 18 Ligas isentas de chumbo para soldagem branda para aplicação em eletrônica: uma abordagem ambiental Lead-free solders for application in electronics: an environmental approach Um processo de junção utilizado a mais de 4800 anos que continua desafiando os pesquisadores da área RESUMO Este artigo trata de uma revisão dos conceitos importantes na soldagem branda para aplicação em eletrônica, utilizando ligas isentas de chumbo. São abordados conceitos relacionados ao molhamento e espalhamento destas ligas, o efeito da natureza do substrato sólido no molhamento, com a análise da substituição do chumbo por outros elementos de liga. A análise da toxidez do chumbo e destes elementos, bem como o efeito deles na saúde dos seres humanos, é apresentada à luz de regulamentações surgidas nos EUA e em outros países, como o controle de produtos contendo chumbo destinados a outros países não produtores deste tipo de sucata. Finalmente é apresentada uma análise do ciclo de vida de diferentes ligas contendo e isentas de chumbo, elaborado por Warburg, onde se pode concluir que muito trabalho deve ser feito para procurar uma liga isenta de chumbo que tenha um impacto ambiental menor, principalmente na fase de elaboração da pasta para a soldagem por ‘reflow’ de placas de circuitos integrados. PALAVRAS-CHAVE: ligas isentas de chumbo; soldagem branda; placas de circuito impresso; eletrônica. ABSTRACT This paper is a brief review of the important concepts in soldering for electronics, using lead-free alloys. Concepts related to the wetting and spreading of these alloys are discussed, together with the effect of the type of the solid substrate on liquid solder wetting, and with the analysis of the replacement of lead by other alloying elements. The analysis of the toxicity of lead and these other alloying elements, and their effect on human health, is presented in the light of emerging regulations in the U.S. and other countries, such as the control through international borders of lead- containing electronic products intended for other non-producing countries such scrap. Finally, it is presented a lifecycle analysis of different lead- containing and lead-free solders, prepared by Warburg, where one can conclude that much work must be done to look for a lead free alloy that has a lower impact in different impact categories, especially in the preparation of reflow soldering paste for printed circuit boards. KEYWORDS: lead-free solders, soldering; printed board; eletronics Sérgio Duarte Brandi Doutor em Engenharia Metalúrgica, Professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo São Paulo, SP, Brasil [email protected]

Ligas isentas de chumbo para soldagem branda para aplicação em

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Ligas isentas de chumbo para soldagem branda para aplicação em

Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 26 – Dezembro de 2012 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478

18

Ligas isentas de chumbo para soldagem branda para aplicação em eletrônica: uma abordagem ambiental

Lead-free solders for application in electronics: an environmental approach

Um processo de junção utilizado a mais de 4800 anos que continua desafiando os pesquisadores da área

RESUMO Este artigo trata de uma revisão dos conceitos importantes na soldagem branda para aplicação em eletrônica, utilizando ligas isentas de chumbo. São abordados conceitos relacionados ao molhamento e espalhamento destas ligas, o efeito da natureza do substrato sólido no molhamento, com a análise da substituição do chumbo por outros elementos de liga. A análise da toxidez do chumbo e destes elementos, bem como o efeito deles na saúde dos seres humanos, é apresentada à luz de regulamentações surgidas nos EUA e em outros países, como o controle de produtos contendo chumbo destinados a outros países não produtores deste tipo de sucata. Finalmente é apresentada uma análise do ciclo de vida de diferentes ligas contendo e isentas de chumbo, elaborado por Warburg, onde se pode concluir que muito trabalho deve ser feito para procurar uma liga isenta de chumbo que tenha um impacto ambiental menor, principalmente na fase de elaboração da pasta para a soldagem por ‘reflow’ de placas de circuitos integrados. PALAVRAS-CHAVE: ligas isentas de chumbo; soldagem branda; placas de circuito impresso; eletrônica. ABSTRACT This paper is a brief review of the important concepts in soldering for electronics, using lead-free alloys. Concepts related to the wetting and spreading of these alloys are discussed, together with the effect of the type of the solid substrate on liquid solder wetting, and with the analysis of the replacement of lead by other alloying elements. The analysis of the toxicity of lead and these other alloying elements, and their effect on human health, is presented in the light of emerging regulations in the U.S. and other countries, such as the control through international borders of lead-containing electronic products intended for other non-producing countries such scrap. Finally, it is presented a lifecycle analysis of different lead-containing and lead-free solders, prepared by Warburg, where one can conclude that much work must be done to look for a lead free alloy that has a lower impact in different impact categories, especially in the preparation of reflow soldering paste for printed circuit boards. KEYWORDS: lead-free solders, soldering; printed board; eletronics

Sérgio Duarte Brandi Doutor em Engenharia Metalúrgica, Professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo São Paulo, SP, Brasil [email protected]

Page 2: Ligas isentas de chumbo para soldagem branda para aplicação em

Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 26 – dezembro de 2012 19 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478

Figura 1 – Fotografia de um tubo com costura feito de chumbo, fabricado no antigo Império Romano entre 300 e 200 aC.

Costura do tubo

INTRODUÇÃO A soldagem branda é um processo de junção em baixa temperatura, geralmente menor que 450oC, quando comparado com outros processos de soldagem por fusão. As partes a serem unidas são preenchidas por capilaridade pelo metal de adição líquido, pela da folga entre as peças, sem que haja fusão do metal base. O metal de adição para ter temperatura de junção baixa possui em sua composição elementos de liga com baixo ponto de fusão, como: chumbo, estanho, índio, bismuto, cádmio entre outros. Muitos destes elementos causam contaminação de água e/ou solo, gerando problemas ambientais bastante complicados. Pela sua característica de promover a união em baixa temperatura de partes que não precisam fundir, a soldagem branda é uma tecnologia de junção bastante antiga [1-4]. Segundo alguns achados arqueológicos, os povos da Mesopotâmia no Vale do Ur, em particular os sumérios, utilizavam ligas a base de ouro para junção de peças ornamentais há cerca de 4800 anos atrás [1,3]. Existem hipóteses de que a junção utilizando chumbo, estanho ou ligas Pb-Sn datem do mesmo período. A primeira citação literária surgiu em 350 a.C., onde os

romanos utilizavam uma liga Pb-Sn para produzir tubos com costura de chumbo. A figura 1 mostra uma fotografia de um destes tubos, cuja função era transportar água para as residências e para as termas. A soldagem era realizada vazando-se uma liga de chumbo líquida na junção entre as duas bordas dobradas da chapa de chumbo. Estes tubos na época eram bastante valiosos e possuíam identificação do dono para evitar roubo. Segundo alguns autores, estes tubos de chumbo poderiam ser um dos responsáveis da queda do Império Romano, por produzirem uma série de doenças causadas pela contaminação da água pelo chumbo. Este processo de junção é bastante peculiar. Por um lado é um processo de junção milenar, por outro lado é bastante empregado para produzir equipamentos com tecnologia de ponta, principalmente quando envolvem controles feitos por circuitos eletrônicos e sensores. Ser milenar significa apresentar uma grande quantidade de experiência prática acumulada, que contrasta com o pouco conhecimento científico deste complexo processo de junção. A junção entre o antigo e o moderno torna este processo bastante desafiador do ponto de vista científico.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

A soldagem branda tem tido, ultimamente, um grande avanço, em particular, na indústria eletro-eletrônica e, em especial, na fabricação de equipamentos controlados por sistemas eletrônicos e/ou microcomputadores [5-7]. A fabricação destes equipamentos envolve um grande número de junções por soldagem branda dos componentes nas trilhas de cobre das placas de circuito impresso. Para se ter uma idéia, um microcomputador possui da ordem de 105 juntas. Um dos maiores desafios é produzir esta quantidade de juntas com a qualidade necessária. Por exemplo, problemas de contato elétrico, possivelmente devido a uma falha durante o processo de junção entre os componentes eletrônicos e as trilhas de cobre das placas de circuito impresso, podem comprometer o funcionamento do equipamento controlado por este circuito eletrônico. Para antecipar este problema durante a produção das placas de circuito impresso, deve-se controlar o molhamento e o espalhamento dos metais de adição líquidos, através de testes como o ensaio da gota séssil e a balança de molhamento [8-16].

Durante a soldagem branda

Page 3: Ligas isentas de chumbo para soldagem branda para aplicação em

Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 26 – dezembro de 2012 20 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478

Figura 2 – Esquema de uma gota de líquido sobre um sólido mostrando a diferença no número de coordenação no

líquido e no sólido. Os átomos azuis são do metal sólido e os amarelos do metal líquido

Figura 3 – Esquema mostrando as tensões superficiais (sólido/vapor (γSG), sólido/líquido (γSL) e líquido/vapor (γLV) ) na

linha de contato e o ângulo de contato de equilíbrio (θ).

coexistem basicamente três fases: a fase sólida (substrato), a fase líquida (liga para a soldagem branda) e o fluxo, que pode ser líquido ou gasoso. Cada uma destas fases, ou a combinação de duas, determinarão uma tensão superficial.

A tensão superficial é originada pela diferença no número de vizinhos mais próximos e natureza das interações entre espécies químicas. Assim, na soldagem branda, quando se tem um metal de adição líquido sobre a superfície de um sólido, têm-se três locais onde ocorre uma mudança brusca no número de coordenação: na transição entre o sólido e o líquido, entre o sólido e o fluxo (gás ou líquido) e entre o líquido e o fluxo (gás ou líquido). No ponto triplo existe a intersecção destas três interfaces, com suas respectivas energias. Dependendo da natureza delas e da interação físico-química entre os três estados da matéria, o

líquido pode molhar e, consequentemente, espalhar livremente, ou mesmo até de molhar após o espalhamento. A figura 2 mostra, esquematicamente, do ponto de vista atômico, uma gota de líquido sobre um sólido, circundado por um gás. Nesta figura, estão identificadas as diferenças no número de coordenação no interior e na superfície do líquido e no interior e na superfície do sólido.

Estas diferenças no número de coordenação podem gerar diferentes tipos de interfaces: sólido/vapor (gás); sólido/líquido; líquido/vapor (gás); sólido/sólido e líquido/líquido. Cada uma destas interfaces possui uma tensão superficial típica. A figura 3 mostra um desenho esquemático de uma gota de líquido sobre um sólido e as tensões superficiais na linha de contato (ponto triplo) bem como o ângulo de contato ‘θ’. Na linha de contato estão mostradas a tensão

superficial sólido/vapor (gás) (γSV), líquido/vapor (gás) (γLV) e sólido/líquido (γSL).

Para que ocorra o molhamento do substrato sólido pelo metal líquido é necessário determinar o ângulo de contato. Para tanto se utiliza o balanço das tensões superficiais na linha de contato, que em condições de equilíbrio termodinâmico, chega-se na equação de Young [17-19]:

LV

SLSV

γγγ

θ−

=cos [1]

onde: θ = ângulo de contato γSV = tensão superficial sólido/vapor (ou fluxo) γLV = tensão superficial líquido/vapor (ou fluxo) γSL = tensão superficial sólido/líquido

Page 4: Ligas isentas de chumbo para soldagem branda para aplicação em

Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 26 – dezembro de 2012 21 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478

Figura 4 – Critério molha/não molha baseado no valor do ângulo de contato

Figura 5 – Diagrama de Ellingham para alguns óxidos em função da temperatura

Elemento Óxido

Fusão

Ebulição

Sublimação

-300

-250

-200

-150

-100

-50

0

500 1000 1500 2000

Au2O3

2Ag2OCuO

2/3 Bi2O3

TiO2

2Cu2O2ZnO

PbO

2CdO

SiO2

SnO2

2FeO

2CaO

2NiO

2/3 Sb2O

2/3 Cr2O3

2MnO

2/3 Al2O3

Temperatura (oC)

∆Go (kcal)

Com base na equação [1], diz-se que um líquido molha um sólido quando o ângulo de contato de equilíbrio é menor que 90o. Caso este ângulo seja maior que 90o, o líquido não molha o sólido. A figura 4 apresenta este critério. Analisando-se a equação [1] e a figura 4 percebe-se que o molhamento pode ser melhorado através de um aumento na tensão superficial sólido/vapor ou uma diminuição da tensão superficial líquido/vapor. A redução do ângulo

de contato de equilíbrio promove também o espalhamento do líquido sobre o sólido. Quanto menor o ângulo de contato, maior a área coberta pelo líquido e, de uma maneira geral, melhor será o desempenho da junta soldada.

A tensão superficial sólido/vapor ( γSV) pode ser alterada pela mudança de substrato sólido ou da sua condição superficial. A utilização de fluxo (e/ou atmosfera protetora) atua como desoxidante superficial do substrato sólido,

removendo a camada de óxido. Desta maneira, o material do substrato sólido fica em contato direto com o metal de adição líquido, favorecendo a interação entre os dois e, consequentemente, o molhamento do sólido pelo líquido. Caso o óxido não seja removido, ele poderá impedir o contato direto do sólido com o líquido, dependendo da estabilidade do óxido e da natureza redutora do metal de adição líquido. Neste caso o molhamento poderá não ocorrer

Page 5: Ligas isentas de chumbo para soldagem branda para aplicação em

Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 26 – dezembro de 2012 22 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478

Figura 6 – Modelo da ação do fluxo na superfície do sólido e do metal de adição líquido [21]

como o desejado, gerando defeitos na junta, que afetarão o desempenho do equipamento. Uma maneira de avaliar este efeito é através do diagrama de Ellingham, que trata da estabilidade de óxidos em função da temperatura. A figura 5 apresenta o diagrama para alguns óxidos metálicos. Analisando-se a figura 5, percebe-se que, para uma dada temperatura, quanto menor a energia livre de formação do óxido, mais estável ele é. Por exemplo, comparando-se a energia de formação do óxido de cobre com a do óxido de zinco, nota-se que o óxido de zinco é mais estável que o óxido de cobre. Na prática, observa-se que o latão (liga Cu-Zn) é mais difícil de ser molhado que o cobre eletrolítico, supondo a mesma espessura de camada de óxido [20]. A tensão superficial líquido/vapor ( γLV) pode ser modificada pela utilização de fluxo e/ou atmosfera, que impedem a oxidação do metal de adição líquido, ou por alterações da composição química do metal de adição e/ou da temperatura de junção. A ação do fluxo, tanto na superfície do sólido como na do líquido, pode ser observada esquematicamente na figura 6.

Na figura 6 percebe-se a presença de dois tipos de óxidos, com origens e composições químicas diferentes, o óxido formado na superfície do sólido e o óxido formado na superfície do metal de adição líquido. O fluxo deve ser

capaz de destacar o óxido da superfície do sólido, por exemplo, por reações eletroquímicas na interface metal/óxido. Além disso, deve existir uma certa solubilidade destes óxidos no fluxo, para que o óxido sólido seja dissolvido no fluxo líquido, porém sem alterar significativamente a viscosidade do fluxo. Caso a viscosidade seja aumentada, o fluxo líquido poderá atuar como uma barreira que impedirá o molhamento e o espalhamento do líquido, dificultando o preenchimento da junta.

O fluxo e o seu resíduo devem ser removidos após o processo de junção, devido a sua elevada corrosividade. Na soldagem branda esta etapa de remoção dos resíduos do fluxo na junção causa uma dificuldade adicional. Nem sempre é possível limpar uma placa, principalmente se for empregado algum solvente líquido. Caso seja possível utilizar algum solvente líquido, cuidados adicionais devem ser tomados no descarte das soluções produzidas durante a limpeza. Caso não seja possível a remoção dos resíduos sólidos do fluxo, foram desenvolvidos fluxos “no clean”, que não necessitam de limpeza posterior à junção.

Na soldagem branda as temperaturas utilizadas são menores que na brasagem e, consequentemente, as substâncias que compõe o fluxo devem ser quimicamente ativas em temperaturas próximas da

temperatura de junção, isto é, em temperaturas mais baixas. No caso dos fluxos “no clean”, as substâncias químicas presentes geralmente volatilizam ou se decompõe facilmente com a temperatura. Desta maneira, a temperatura também atua na atividade química do fluxo. Caso a temperatura seja baixa, a capacidade de destacar e dissolver óxidos superficiais durante a junção é bastante reduzida. Da mesma maneira, temperaturas excessivas podem causar a degradação de substâncias que deveriam atuar na desoxidação das superfícies. Em ambos os casos o molhamento é afetado. Existe uma temperatura de junção ideal, nem muito baixa nem muito elevada, onde o fluxo tem suas funções potencializadas. A otimização de todas estas características na formulação do fluxo acaba por produzir um fluxo que produz um molhamento com ângulo de contato um pouco maior que fluxos com atividade química maior [20]. O fluxo pode atuar também como uma fonte de metais que serão depositados na superfície do sólido, modificando sua superfície e, consequentemente, alterando γSV favorecendo o seu molhamento. A literatura cita, por exemplo, sais à base de estanho no fluxo para produzir uma camada estanhada na superfície do sólido, favorecendo o molhamento e a junção do material. A tensão superficial líquido/vapor ( γLV) também pode

Page 6: Ligas isentas de chumbo para soldagem branda para aplicação em

Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 26 – dezembro de 2012 23 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478

ser alterada pela modificação da composição química do metal de adição líquido. Para estimar esta alteração devem-se fazer algumas considerações. Geralmente as ligas empregadas na soldagem branda são ligas com composições eutéticas, por terem temperaturas mais baixas e por serem ligas com maior fluidez. Além disso, deve existir uma certa solubilidade entre o metal base e o metal de adição, com ou sem a formação de fases intermetálicas na interface sólido/líquido. Os diagramas de fase entre os elementos de liga do metal base e do metal de adição que produzem um ângulo de contato menor que 90o, são os diagramas de fase isomorfos e eutéticos, com ou sem formação de fases intermetálicas. Outro fator determinante na modificação da tensão superficial líquido/vapor (γLV) é o efeito dos elementos de liga do metal de adição. Existem elementos que aumentam e outros que reduzem γLV, existem elementos que aumentam as propriedades mecânicas do metal de adição. O molhamento é favorecido pelos elementos de liga que reduzem a tensão superficial líquido/vapor e,

eventualmente, a tensão superficial sólido/líquido. A título de comparação são apresentadas na tabela 1 as tensões superficiais para diferentes metais puros em duas temperaturas, a de fusão do Bi (350oC) e do Sb (670oC). O desenvolvimento de uma nova adição para brasagem passa pela redução da tensão superficial líquido/vapor. Utilizando-se como exemplo o sistema Pb-Sn, uma das funções do chumbo é diminuir o γLV da liga Pb-Sn, favorecendo o molhamento e o espalhamento. Dos elementos apresentados na tabela 1, o Bi também possui função similar a do Pb para reduzir γLV no sistema Sn-Bi. O In teria um efeito no γLV muito próximo ao do Sn, porém produz ligas que podem ser utilizadas em temperaturas menores. A função do chumbo no sistema Pb-Sn é basicamente alterar a tensão superficial líquido/vapor (γLV) da liga, favorecendo o molhamento e o espalhamento destas ligas para soldagem branda. Qualquer elemento químico que venha a substituir o Pb deverá ter pelo menos a mesma função dele. Os critérios e características desejadas de ligas isentas de

chumbo são [23]: não devem ser tóxicas; serem produzidas em quantidades suficientes para suprir o mercado; ter boa condutividade elétrica e térmica; ter propriedades mecânicas (resistência mecânica; tenacidade; resistência à fadiga térmica e resistência à fluência) adequadas para a aplicação; possuírem molhamento suficiente para revestimentos metálicos como Cu, Ni, Ag, Au, Sn, etc.; ser economicamente viável; ter temperaturas de processo próxima da liga eutética Sn-Pb a fim de evitar efeitos deletérios da temperatura nos componentes eletrônicos e nas placas de circuitos impressos. A toxidez dos elementos de liga presentes nas adições para soldagem branda e também nos substratos das placas de circuitos impressos e nos terminais dos componentes pode ser observada na tabela 2. Nesta tabela estão mostrados somente a classificação da National Priority List de 2011. Das 847 substâncias classificadas pela toxidez, somente as 275 primeiras foram consideradas na Lista de Prioridade de Substâncias da ATSDR (Agency for Toxic Substances and Disease Registry).

Tabela 1 – Tensão superficial líquido/vapor para alguns elementos de liga das adições para soldagem branda [22]

Elemento químico Temperatura de

fusão

(oC)

dTd LVγ

(mN/moC)

γLV (mN/m)

350oC 670oC

Pb 327 -0,08 448 425

Sn 232 -0,08 541 517

In 156 -0,09 543 516

Bi 350 -0,07 350 330

Zn 420 -0,17 NA* 733

Cd 321 -0,11 587 555

Sb 670 -0,07 NA* 380

*temperatura abaixo do ponto de fusão do elemento

Page 7: Ligas isentas de chumbo para soldagem branda para aplicação em

Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 26 – dezembro de 2012 24 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478

Tabela 2 – Classificação da toxidez, em 2011, de alguns metais segundo a NPL (National Priority List) e a sua concentração na crosta terrestre [24]

Elemento

químico

Classificação de toxidez Concentração na crosta

terrestre (ppm)*

As 1º 1,8

Pb 2º 14

Hg 3º 0,085

Cd 7º 0,15

Ni 57º 84

Zn 78º 70

Cr 125º 102

Cu 140º 60

Mn 146º 950

Ag 217º 0,075

Sb 232º 0,2

Sn 307º 2,3

In 436º 0,25

Bi Não classificado entre 847

substâncias 0,0085

* http://www.webelements.com/periodicity/abundance_crust/

Tabela 3 – Distribuição do consumo de chumbo em função do tipo de produto [23].

Produto Consumo (%)

Baterias para veículos e motocicletas 80,81

Óxidos (para vidros, produtos cerâmicos, pigmentos,

produtos químicos) 4,78

Munições 4,69

Chapas de chumbo 1,79

Revestimento de cabos 1,40

Ligas fundidas 1,13

Lingotes de latão e bronze 0,72

Tubos e outros produtos extrudados 0,72

Metal de adição para soldagem branda (excluindo

aplicação em eletrônica) 0,70

Metal de adição para soldagem branda para aplicação

em eletrônica 0,49

Outros 2,77

Page 8: Ligas isentas de chumbo para soldagem branda para aplicação em

Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 26 – dezembro de 2012 25 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478

Do ponto de vista de toxidez, segundo esta classificação, deve-se tomar algum cuidado com os elementos de liga Pb, Cd; Ni; Zn; Cr; Cu; Mn; Ag e Sb, quando do desenvolvimento de uma adição isenta de chumbo, segundo esta classificação. É evidente que esta classificação não leva em conta a maior ou menor facilidade de um elemento químico em contaminar o solo e, consequentemente, os lençóis freáticos. Como o chumbo é o primeiro elemento de liga das adições para soldagem branda com toxidez mais elevada é importante conhecer o consumo deste elemento em diferentes produtos industriais. A tabela 3 mostra a distribuição de produtos que contém chumbo. É importante notar que 1,19% é a porcentagem relacionada com a soldagem branda com ligas a base de chumbo, e desta porcentagem, somente 0,49 é aplicada em eletrônica. O restante é aplicado na soldagem branda de radiadores de caminhão feitos de latão na soldagem de tubos de cobre para aquecimento. Apesar da utilização do metal de adição para aplicações em eletrônica terem uma porcentagem mais baixa, não deixa

de ter sua relevância devido aos baixos teores de chumbo admitidos na água potável. Em ambos os casos de aplicação, o fluxo utilizado na soldagem branda também é uma fonte de contaminação. A contaminação de chumbo no ser humano pode causar uma série de alterações na sua saúde. A tabela 4 mostra alguns dos efeitos do chumbo na saúde humana relacionados com a concentração dele no sangue. É importante salientar o efeito do chumbo no desenvolvimento cognitivo de crianças, chegando a reduzir até 5 pontos no seu QI (quociente de inteligência), para crianças até 1 ano. Esta redução no QI de crianças é motivo para controle do teor de chumbo no sangue de crianças nesta faixa de idade nos EUA. Foram produzidas diversas ligas isentas de chumbo, como mostra a tabela 5. Os elementos químicos empregados para substituir o chumbo são Bi, In, Ag, Zn, Sb e Cu. Estas ligas tem intervalo de solidificação próximo da liga 63Sn-37Pb. Isto significa que a temperatura para soldagem branda fica mantida dentro dos valores praticados para as ligas contendo chumbo. Em outras palavras, o

efeito do aquecimento na deterioração dos componentes eletrônicos praticamente não é alterado. Como foi mostrado anteriormente, estes elementos de liga atuam também para reduzir/aumentar a tensão superficial líquido/vapor (ou fluxo), controlando o molhamento e o espalhamento das adições líquidas. A eliminação do chumbo das ligas para soldagem branda através do desenvolvimento de novas ligas comerciais deve levar em conta também a toxidez destes outros elementos de liga. A tabela 6 mostra os limites de exposição definidos pelos EUA para alguns materiais que estão presentes nas ligas isentas de chumbo, segundo a OSHA (Occupational Safety and Health Administration).

Tabela 4 – Efeitos na saúde ou mudanças fisiológicas relacionadas com a concentração de chumbo no sangue [25]

Concentração no sangue (µg/dl)

Efeito na saúde Crianças Adultos

Redução do QI (1-4 pontos, média de 2,6)a 10-20 NA

Redução do QI (2-5 pontos, média de 3,5)a 20 NA

Aumento da pressão sanguínea sistólica (1,25 mmHg) NA 10-15b

Aumento da pressão sanguínea sistólica (2,50 mmHg) NA 15-20b

Aumento da pressão sanguínea sistólica (3,75 mmHg) NA Acima de 20b

Distúrbios gastrointestinais 60 NA

Anemia 70 80

Nefropatia 80 120

Encefalopatia 90 140

(a) Em crianças de 0 a 1 ano: (b) Em seres humanos com idade entre 20 e 79 anos; NA = não aplicável ou não existem dados disponíveis.

Page 9: Ligas isentas de chumbo para soldagem branda para aplicação em

Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 26 – dezembro de 2012 26 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478

Tabela 5 – Composição nominal de algumas ligas isentas de chumbo e o seu custo relativo comparado com a liga 63Sn-37Pb [23].

Liga Intervalo de

solidificação (oC)

Densidade

(g/cm3)

Custo

(US$/cm3)

Custo relativo

comparado com a

liga 63Sn-37Pb

63Sn-37Pb 183 8,80 0,046 1

42Sn-58Bi 139 8,75 0,067 1,45

77,2Sn-20In-2,8Ag 179-189 7,39 0,489 10,69

91Sn-9Zn 199 7,28 0,052 1,13

91,8Sn-3,4Ag-4,8Bi 208-215 7,53 0,104 2,27

90Sn-7,5Bi-2,5Ag 186-212 7,56 0,085 1,85

96,2Sn-2,5Ag-0,8Cu-0,5Sb 213-219 7,39 0,089 1,95

96,3Sn-3Ag-0,7Cu 217-218 7,42 0,096 2,11

95Sn-3,5Ag-1,5In 218 7,42 0,133 2,91

93,5Sn-3,5Ag-3Bi 216-220 7,45 0,097 2,12

96,5Sn-3,5Ag 221 7,19 0,142 3,11

99,3Sn-0,7Cu 227 7,31 0,056 1,23

95Sn-5Sb 232-240 7,28 0,054 1,17

Tabela 6 – Limites de exposição de algumas substâncias segundo a OSHA [26].

Substância Exposição permitida segundo a

OHSA (mg/m3)

Pó e fumos de óxido de zinco 5,0

Produtos inorgânicos de estanho 2,0

Pó de cobre 1,0

Antimônio e compostos 0,5

Fumos de cobre 0,1

Estanho 2,0

Estanho orgânico 0,1

Índio 0,1

Pó e fumos de prata 0,1

Compostos solúveis de prata 0,01

Chumbo inorgânico 0,05

Bismuto (como telureto não dopado com Se) 15

Cádmio 0,005

Page 10: Ligas isentas de chumbo para soldagem branda para aplicação em

Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 26 – dezembro de 2012 27 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478

Para determinar os limites de exposição de substâncias perigosas, apresentados na tabela 6, e que podem contaminar o meio ambiente, existe um procedimento utilizado nos EUA pela EPA (Environmental Protection Agency), denominado teste TCLP (Toxicity Characterisitic Leaching Procedure). Este teste tem o objetivo de identificar os contaminantes que estão presentes no lixiviado e suas respectivas concentrações. A liga Sn-Pb eutética era uma liga de uso tradicional em produtos eletrônicos. Como o chumbo é um elemento muito perigoso tanto para o meio ambiente como para a saúde dos seres humanos, as ligas isentas de chumbo foram desenvolvidas empregando elementos de liga que também são danosos ao meio ambiente e a saúde das pessoas. Diversas ligas contendo estanho, prata e obre foram produzidas, algumas contendo bismuto e índio, que ainda não possuem uma normatização quanto ao seu efeito na saúde e no meio ambiente. A

tabela 7 mostra os diferentes critérios apresentados além das concentrações máximas de contaminação na água, no sangue e os sintomas de intoxicação destes elementos. Mesmo que todas as indústrias de produtos eletrônicos na face da Terra substituam ligas contendo chumbo por ligas isentas de chumbo, a presença de cobre, níquel, antimônio e zinco, além de substâncias orgânicas utilizadas nos fluxo e nas pastas, podem ser bastante perigosos para a saúde humana e para a contaminação do meio ambiente [27]. Estudos realizados segundo os critérios de classificação de resíduos perigosos da Califórnia [28,29] mostram que ainda são necessários estudos para produção de ligas isentas de chumbo com uma toxidez potencial reduzida. Além de novas pesquisas para desenvolvimento de ligas para soldagem branda com menor toxidez é importante que se tenha uma política global, em particular nos países em desenvolvimento, que

possuem empresas caseiras de pequena escala. Nestes locais a exposição ao chumbo é mais problemática devido a falta, ou pouca, legislação pertinente ao tema [31]. Para tanto existe um movimento internacional de produtos contendo chumbo, a Convenção da Basiléia de controle dos movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos e sua eliminação, que congrega 175 países, porém somente os Estados Unidos, o Afeganistão e o Haiti assinaram o texto da convenção [31]. Dentre os tópicos tratados no texto, chama a atenção para a reciclagem e tratamentos próximos do local onde foi produzido o bem e a restrição à movimentação internacional destes resíduos para outros países. Foi realizado por Warburg [32] um estudo do ciclo de vida de diferentes ligas para soldagem branda, com ou sem adição de chumbo. Neste estudo não foi considerada a fase final, que engloba a reciclagem, a incineração e o tratamento dos resíduos. Diversos índices de impacto

0

100

200

300

400

500

600

700

800

63Sn

-37P

b

62Sn

-36P

b-2A

g

99,3

Sn-0

,7Cu

89Sn

-8Zn

-3Bi

42Sn

-58B

i

96Sn

-2,5

Ag-0

,5Cu

-1Bi

91,9

Sn-3

,3Ag

-4,8

Bi

96,5

Sn-3

,5Ag

93,5

Sn-3

,5Ag

-3Bi

95,5

Sn-3

,8Ag

-0,7

Cu

93,5

Sn-3

,8Cu

-0,7

Cu-2

Bi

Cons

umo

de e

nerg

ia p

rimár

ia (M

J/kg

)

Gás

Reflow

Fabricação da pasta parasoldagem branda

Figura 7 – Consumo de energia primária (elétrica e térmica) para diferentes adições para soldagem branda no

processo de soldagem por ‘reflow’ Warburg [32]

Page 11: Ligas isentas de chumbo para soldagem branda para aplicação em

Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 26 – dezembro de 2012 28 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478

Tabela 7 – Avaliação comparativa de normas Ambientais e de saúde ocupacional dos metais utilizados nas adições para soldagem branda [28].

Critério Pb Sn Ag Cu In Bi* Nível de exposição permitido em 8 h

segundo a WEEE** 15 mg/m3

2,0 (inorgânico), 0,1 (orgânico; 5 (fração

respirável) a – 15 (total de óxido de estanho na

pó) mg/m3h

0,01 mg/m3h 0,1 (fumo) - 1,0 (pó) mg/m3h 0,1 mg/m3h

5 (fração respirável) a – 15 (total no pó)

mg/m3h

Valor limite (mg/m3)*** 0,15 2,0 0,1 0,1 0,1

0,2 mg (Se)/m3 para seleneto de bismuto;

10 mg/m3 para telureto de bismuto

Concentração máxima de

contaminação na água

zero Não estabelecida por norma 0,1 mg/l 1,3 mg/l Não estabelecida

por norma Não estabelecida por

norma

Concentração prejudicial à saúde Crianças: concentração

no sangue de 10 mg/100g; Adultos: 40

mg/100g

Não estabelecida por norma

Dose oral de referência de 0,005

mg/kg/dia

Armazenamento no fígado: 500 mg/kg

Não estabelecida por norma;

utilização do In 111 no tratamento do

câncer

Não estabelecida por norma

Sintomas de intoxicação Desenvolvimento

cognitivo prejudicado para crianças;

hipertensão em adultos

Distúrbios no sistema imunológico; psicose

Argiria ou descoloração

permanente da pele; degeneração

de tecidos

Distúrbios gastro-intestinais; colapso dos rins e do fígado

Não estabelecida por norma

Hálito causado pelo telúrio; mal hálito e

estomatite; desagradável; mal

estar, náusea e depressão

* Como telureto de bismuto, não dopado ** Waste Electric and Eletronic Equipament (WEEE) ***ACGIH (American Conference of Government Industrial Hygienists

Page 12: Ligas isentas de chumbo para soldagem branda para aplicação em

Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 26 – dezembro de 2012 29 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

63Sn

-37P

b

62Sn

-36P

b-2A

g

99,3

Sn-0

,7Cu

89Sn

-8Zn

-3Bi

42Sn

-58B

i

96Sn

-2,5

Ag-0

,5Cu

-1Bi

91,9

Sn-3

,3Ag

-4,8

Bi

96,5

Sn-3

,5Ag

93,5

Sn-3

,5Ag

-3Bi

95,5

Sn-3

,8Ag

-0,7

Cu

93,5

Sn-3

,8Cu

-0,7

Cu-2

Bi

Aque

cim

ento

glo

bal p

oten

cial

(kg

equi

vale

ntes

de

CO2)

Gás

Reflow

Fabricação da pasta parasoldagem branda

Figura 8 – Potencial de aquecimento global (100 anos) causado principalmente por emissões de CO2 e CH4 no ar para

diferentes adições para soldagem branda no processo de soldagem por ‘reflow’ [32].

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

63Sn

-37P

b

62Sn

-36P

b-2A

g

99,3

Sn-0

,7Cu

89Sn

-8Zn

-3Bi

42Sn

-58B

i

96Sn

-2,5

Ag-0

,5Cu

-1Bi

91,9

Sn-3

,3Ag

-4,8

Bi

96,5

Sn-3

,5Ag

93,5

Sn-3

,5Ag

-3Bi

95,5

Sn-3

,8Ag

-0,7

Cu

93,5

Sn-3

,8Cu

-0,7

Cu-2

Bi

Toxi

dez h

uman

a po

tenc

ial

(kg

equi

vale

ntes

de

DCB)

Gás

Reflow

Fabricação da pasta parasoldagem branda

FIGURA 9 – Potencial de toxidez humana (em kg equivalentes de 1,4 diclorobenzeno (DCB) ), gerados pela emissão de

hidrocarbonetos cloretados e emissões de metais pesados) para diferentes adições para soldagem branda no processo de soldagem por ‘reflow’ [32].

Page 13: Ligas isentas de chumbo para soldagem branda para aplicação em

Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 26 – dezembro de 2012 30 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478

ambiente e de saúde ocupacional foram calculados nos principais insumos de soldagem por ‘reflow’ de produtos eletrônicos, englobando a produção do nitrogênio (como atmosfera protetora), a fabricação das pastas (metais de adição para a soldagem por reflow) desde os minérios até o produto final e finalmente o processo de soldagem de placas de circuito impresso por ‘reflow’. Na soldagem por ‘reflow’ foi admitida uma linha que produz 1000 placas de circuito impresso, cada uma com dois circuitos. Em cada circuito foram utilizadas 5 gramas de pasta para soldagem. Nestas condições são utilizadas 10 kg de pasta por dia. Os dados foram recalculados para 1 kg, a título de comparação. Os tipos de impactos empregados foram: utilização de energia primária; potencial de aquecimento global em 100 anos (emissão de CO2 e CH4 no ar); potencial de toxidez humana( kg equivalentes de 1,4 diclorobenzeno

(DCB) ) e acidificação potencial (emissão de SO2 e NOx). Conforme apresentado anteriormente, o processo de fabricação das pastas para soldagem branda de ligas isentas de chumbo apresenta todos os índices, mostrados nas figuras de 7 a 10, maiores que as ligas contendo chumbo, principalmente as ligas que contém prata. Apesar da falsa ideia de que as ligas contendo chumbo são uma alternativa viável, não se pode esquecer o efeito do chumbo como contaminante, o seu efeito na saúde humana e a sua facilidade de contaminação do solo e de lençóis freáticos, como mostram as tabelas 6 e 7. É interessante observar que o processo de soldagem por ‘reflow’ e a proteção gasosa do nitrogênio neste processo de junção, tem efeito muito menos impactante nos índices apresentados que a fabricação da pasta em si. COMENTÁRIOS FINAIS

As ligas Pb-Sn são bastante tradicionais na soldagem para aplicação em eletrônica e também para outras aplicações industriais. Estas ligas têm propriedades de molhamento e espalhamento em sólidos, como o cobre, realmente muito boas e adequadas para a indústria de produtos eletrônicos. Com o advento das normas ISO 14000, e outras normas regulando o problema da contaminação por chumbo, esta tradição foi ameaçada.

O chumbo é a segunda substância mais tóxica da natureza. As regulamentações americanas limitam a concentração de chumbo na água potável em zero mg/m3. Nos EUA, na CCE e no Japão existem programas que substituem ligas Pb-Sn por ligas isentas de chumbo (lead free solders). O caminho não é tão simples. Muitas das prováveis ligas substitutas são, pelo menos, ternárias ou quaternárias (por exemplo sistemas: Sn-3,5%Ag-5,0%Bi; Sn-3,5%Ag-0,7%Cu; Bi-42,0%Sn; Sn-2,5%Ag-0,8%Cu-

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

1,2

1,4

63Sn

-37P

b

62Sn

-36P

b-2A

g

99,3

Sn-0

,7Cu

89Sn

-8Zn

-3Bi

42Sn

-58B

i

96Sn

-2,5

Ag-0

,5Cu

-1Bi

91,9

Sn-3

,3Ag

-4,8

Bi

96,5

Sn-3

,5Ag

93,5

Sn-3

,5Ag

-3Bi

95,5

Sn-3

,8Ag

-0,7

Cu

93,5

Sn-3

,8Cu

-0,7

Cu-2

Bi

Acid

ifica

ção

Pote

ncia

l (k

g eq

uiva

lent

es d

e S0

2)

Gás

Reflow

Fabricação da pasta parasoldagem branda

Figura 10 – Acidificação potencial (em kg equivalentes de SO2, causada principalmente por emissões de SO2 e NOx) para

diferentes adições para soldagem branda no processo de soldagem por ‘reflow’ [32].

Page 14: Ligas isentas de chumbo para soldagem branda para aplicação em

Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 26 – dezembro de 2012 31 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478

0,5%Sb; Sn-0,7%Cu; Sn-3,5%Ag; Sn-8,0%Zn-3,0%Bi). A simplicidade da liga binária Pb-Sn está bem longe de ser substituída.

Uma grande dificuldade é encontrar ligas que tenham temperatura de junção próxima das ligas Pb-Sn, e com propriedades mecânicas, elétricas e térmicas similares a estas ligas.

Outra questão importante é o molhamento da liga. O mais provável substituto do Pb neste quesito, o bismuto, pode formar fases de baixo ponto de fusão com o estanho, fragilizando a junção, além de não se saber se o Bi é um elemento perigoso para a saúde humana e para o meio ambiente.

As ligas contendo Ag ou Sb também tem restrições devido a contaminação que podem causar na água potável. Na realidade, os substitutos do chumbo também podem produzir resíduos perigosos para a saúde humana e para o meio ambiente. A metalurgia da soldagem branda é fundamental para o projeto de ligas e fluxos para a soldagem branda. A substituição do Pb por outros elementos químicos deve ser analisado à luz do diagrama de Ellingham para se formular um fluxo que consiga dissolver os óxidos destes elementos na superfície do metal de adição líquido. Consequentemente, é importante também verificar o impacto causado pelos diferentes tipos de fluxos e solventes utilizados na produção de adições para aplicação na produção de produtos eletrônicos. O projeto de ligas para a soldagem branda também deve ser analisado em base do impacto ambiental das novas ligas, suas propriedades tanto no estado líquido como no estado sólido. A interação entre o líquido e o sólido também deve ser estudado, baseando-se nos diagramas de fase das ligas em desenvolvimento. O equacionamento e a otimização de todos estes aspectos ainda levarão algum tempo para se ter uma aplicação realmente segura,

barata e com pouco impacto ambiental e na saúde dos seres humanos. REFERÊNCIAS 1) Williams, H. S. – "A history of science – vol. I". IN: <http://www.worldwideschool.org/library/books/sci/history/ahistoryofsciencevolumei/chap35.html> , consultado em 08/03/2007. 2) "CAPILLARY ACTION." LoveToKnow 1911 Online Encyclopedia. © 2003, 2004 LoveToKnow. <http://www.1911encyclopedia.org/Capillary_action> , consultado em 07/03/2007. 3) Poggendorf, J.C. - Biographisch-literarisches Handwörterbuch der exakten Naturwissenschaften. Pogg. Ann. 101, pg. 551, 1857. Op. cit. ref. 2. 4) Grande Enciclopédia Larousse Cultural, Nova Cultural Ltda, pg. 5718, 1998. 5) Brandi, S.D.; Taniguchi, C. - "Soldagem branda: desafios na substituição do chumbo". Metal. e Mat., vol. 59, no. 533, pg. 274-280, 2003. 6) Capillo,C., Surface mount technology: materials, processes, and equipment, 1a ed. em inglês, New York, McGraw-Hill Publishing Company, 1990, p.147-157 7) Wassinsk, R.J.K., Soldering in electronics, 2a ed. em inglês, Bristol, Electrochemical 8) Martorano, K.M.; Martorano, M.A.; Brandi, S.D. – "Effects of solder bath temperature and substrate sheet thickness on the wetting balance curve". Boletim Técnico BT/PMT/0304, São Paulo (SP), ISSN 1413-2176, 2003. 9) Ishizuka, E.M.; Brandi, S.D. – "Caracterização de pastas de ligas

para soldagem branda em eletrônica". IN: Anais do XXVI Encontro Nacional de Tecnologia de Soldagem; Associação Brasileira de Soldagem (ABS); Curitiba, PR; 03 a 06/09/00; CT 30. 10) Ishizuka, E.; Gouvea, D., Brandi, S. D. – "Characterization of solder pastes used on surface mount technology". IN: "International Technical Symposium on Packaging and Assembling"; IMAPS-Brasil; São Paulo, SP, Brasil; 01 a 03/08/2001; pg. 64-75. 11) Lauricella, C. M; Xiaogang, S.; Brandi, S.D. – "A new approach to calculate liquid-vapor surface energy using sessile droplet test". Materials Science Forum, vol. 475-479, pg. 2761-2764, 2005. 12) Lauricella, C. M.- "Proposta de modelamento do perfil da gota obtido no ensaio da gota séssil"; Tese de Doutoramento, EPUSP, 194 pg., 2005. 13) Xiaogang, S.; Lauricella, C.M.; Brandi, S.D. – "Spreading dynamics of tin, bismuth and some lead free solder over copper substrate. Materials Science Forum, vol. 475-479, pg. 3879-3882, 2005. 14) Shang, X.; Lauricella, C. M.; Brandi, S. D. – "Espalhamento de estanho e algumas adições isentas de chumbo sobre cobre". IN: XXX Congresso Nacional de Soldagem (CONSOLDA); Associação Brasileira de Soldagem (ABS); rio de Janeiro, RJ; 13 a 15/09/2004. 15) MARTORANO, K.M. Molhamento e espalhamento de estanho e da liga 60%Sn-40%Pb sobre chapas de cobre e de ligas cobre-estanho. São Paulo, 2001. 175p. Tese (Doutorado), Escola Politécnica, Universidade de São Paulo. 16) Carreira Neto, M. Energias de superfície de ligas utilizadas por indústrias eletrônicas na soldagem

Page 15: Ligas isentas de chumbo para soldagem branda para aplicação em

Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 26 – dezembro de 2012 32 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478

branda. São Paulo, 2001. 143p. Tese (Doutorado), Escola Politécnica, Universidade de São Paulo. 17) "Young, Thomas." Encyclopædia Britannica. 2007. Encyclopædia Britannica Premium Service <http://www.britannica.com/eb/article?tocId=9078063>, consultado em 02 de maio de 2007. 18) Thomas Young (scientist) – Enciclopédia Wikipedia, 2006 http://en.wikipedia.org/wiki/Thomas_Young_%28scientist%29 , consultado em 05 de junho de 2007. 19) Laplace, P. S. – "Sur l'action capillaire". In: "Traité de mécanique céleste", suplemento ao 'X' livro, pg. 229-421, Paris, França, 1806. 20) Brandi, S.D.; Dragojevic, F. - “Influência da temperatura e natureza do fluxo no molhamento de Cu e Cu-Zn por ligas Pb-Sn”. IN: XXIII Encontro Nacional de Tecnologia de Soldagem; São Paulo, SP, 06 a 09/05 1997, pg 251-260. 21) BAILEY, G.L.J.; WATKINS, H.C. The flow of liquid metals on solid metal surfaces and its relation to soldering, brazing and hot-dip coating. Journal of the Institute of Metals, v.80, p.57-76, 1951/52. 22) Murr, L.E. – "Interfacial phenomena in metals and alloys", Addison-Wesley Pub. Co., EUA, pg.106-108, 1975. 23) Puttlitz, K.J; Stalter, K.A. (edit.) – “Handbook of lead-free solder technology for microelectronic assemblies”, Marcel Dekker Co. 143 pp., 2004. 24) The Priority List of Hazardous Substances That Will Be the Subject of Toxicological Profiles http://www.atsdr.cdc.gov/SPL/index.html , consultado em 21/12/2012. 25) Ogunseitan, O. A. – “Public health and environmental benefits

of adopting lead-free solder”. JOM, vol 59, no. 7, pp. 12-17, 2007. 26) Gensch, C-O; et alli (edit.) – “Adaptation to scientific and technical progress under directive 2002/95/EC”, ec.europa.eu/environment/waste/pdf/rohs_report.pdf , consultado em 19/12/2012. 27) Lincoln, J.D., et alli _ “Leaching Assessments of Hazardous Materials in Cellular Telephones,” Environmental Science & Technology, 41 (2007), pp. 2572–2578. 28) J.-D. Saphores et al., “Household Willingness to Recycle Electronic Waste: An Application to California,” Environment and Behavior, 38 (2006), pp. 183–208. 29) J.-D. Saphores et al., “California Households’ Willingness to Pay for “Green” Electronics,” Journal of Environmental Planning and Management, 50 (2007), pp. 113–133. 30) A.O.W. Leung et al., “Spatial Distribution of Polybrominated Diphenyl Ethers and Polychlorinated Dibenzo-p-dioxins and Dibenzofurans in Soil and Combusted Residue at Guiyu, An Electronic Waste Recycling Site in Southeast China,” Environmental Science & Technology, 41 (8) (2007), pp. 2730–2737. 31) “The Basel Convention on the Control of Transboundary Movements of Hazardous Wastes and their Disposal” (Chatelaine, Switzerland: United Nations Environment Program, 2002), www.basel.int/ . 32) Warburg, N. – IKP –Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade de Stuttgart, Alemanha]

Recebido em: ago/2012 Aprovado em: dez/2012