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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM GUARULHOS (SP) EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DE UMA DAS VARAS MISTAS DO FORO DE GUARULHOS – 19ª SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República ao final assinado, vem, respeitosamente, com fundamento nos artigos 127, caput e 129, incisos II, III e IX, da Constituição Federal, no artigo 6º, inciso VII, da Lei Complementar nº 75/93, bem como nas Leis nº 7.347/85 (Ação Civil Pública) e nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), propor A Ç Ã O C I V I L P Ú B L I C A com pedido de tutela antecipada, em face da: UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de Direito Público, com endereço para citações na Avenida Paulista, nº 1804, 20º andar, São Paulo – SP pelos relevantes motivos a seguir aduzidos: Rua Candida Matos Silva 52, Jd Gumercinda, Guarulhos-SP – CEP: 07090-150 – Fone 6475-8150 1

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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DE UMA DAS VARAS

MISTAS DO FORO DE GUARULHOS – 19ª SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO

DE SÃO PAULO

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República ao final assinado, vem, respeitosamente, com fundamento nos artigos 127, caput e 129, incisos II, III e IX, da Constituição Federal, no artigo 6º, inciso VII, da Lei Complementar nº 75/93, bem como nas Leis nº 7.347/85 (Ação Civil Pública) e nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), propor

A Ç Ã O C I V I L P Ú B L I C A

com pedido de tutela antecipada, em face da:

UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de Direito Público, com endereço para citações na Avenida Paulista, nº 1804, 20º andar, São Paulo – SP

pelos relevantes motivos a seguir aduzidos:

Rua Candida Matos Silva 52, Jd Gumercinda, Guarulhos-SP – CEP: 07090-150 – Fone 6475-8150 1

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1. BREVE NARATIVA INICIAL

A presente ação civil pública objetiva fazer cumprir o Código de Defesa do Consumidor, que vem sendo desrespeitado em razão do uso indiscriminado de expressões estrangeiras nas relações de consumo, prática sabidamente disseminada em todo o território nacional. É fato que , inclusive para viabilizar a clareza e a honestidade nas relações de consumo, o CDC, em seu artigo 31, é enfático ao lecionar que “a oferta e a apresentação de produtos e serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem , entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores”

Todavia, em determinado momento de nossa história cultural, os fornecedores pátrios de produtos e serviços enxergaram “elegância” no fato de realizar anúncios de toda sorte em língua estrangeira e à margem de tradução. Pouco interessava se o consumidor estava apto ou não a digerir tais expressões alienígenas, pouco importava se o Código de defesa do Consumidor impunha limites a tal sorte de comunicação com o consumidor , pouco interessava ainda os comandos do artigo 13 da constituição . O interessante era entupir as vitrines e anúncios comerciais com toda sorte de expressão em língua estrangeira porque isso era, na visão de alguns, elegante, nobre, culto, ato demonstrativo de “bom gosto” .

Pois bem!!! Tal prática disseminou-se de maneira assustadora e o uso indiscriminado de expressões estrangeiras nas relações de consumo adentrou o campo da patologia, da ilegalidade, sem falar naquilo que um dos maiores e mais famosos especialistas em língua portuguesa classificou como “mau gosto” decorrente do uso de expressões estrangeiras de “nenhuma eficiência” (fato que será tratado em momento oportuno) . É fato , o legislador brasileiro, ao elaborar o Código de Defesa do Consumidor, exigiu que as informações e anúncios relativos a preços, condições de pagamento, qualidade, composição, riscos inerentes ao uso do produto, dentre outras informações explicitadas no artigo 31, viessem à vida em língua portuguesa. A lei é constitucional, inclusive com absoluto respaldo do artigo 13 da Constituição e, destarte, lei constitucional há que ser cumprida.

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Convém ainda ressaltar que a conduta do fornecedor consistente em comunicar-se exclusivamente em língua estrangeira com o consumidor, ao menos nas hipóteses do artigo 31 do CDC, além de agredir texto expresso de lei , é flagrantemente contrária ao espírito de nossa constituição pois trata-se de conduta antidemocrática e discriminatória . Isso porque, em primeiro lugar, exclui-se mais de 90% da população brasileira do direito de ao menos entender claramente aquilo que se escreve nas vitrines e anúncios de seu próprio país. Trata-se de verdadeira teratologia: Exclui-se o nativo do direito primário de compreender e se fazer compreendido em sua própria língua, em sua língua oficial, nos termos do artigo 13 da Constituição. Trata-se de mais uma forma de exclusão social, ou seja, exclusão até mesmo do direito básico de intelecção na língua nativa. Em consequência , o cidadão ordinário, mais humilde, é acometido por uma falsa sensação de ignorância, ou seja, sente-se torpe e culpado por não ser capaz de digerir informações que ele, aliás, não tem a menor obrigação de digerir. Impinge-se o estrangeirismo desmedido a uma nação que ainda tem, dentre suas principais preocupações, o combate ao analfabetismo, seja na sua forma pura e simples, seja na sua forma instrumental.

Em consequência do exposto, foi instaurado no MPF de Guarulhos o presente procedimento civil que nada tem de reacionário, nada tem de xenófobo. Muito pelo contrário, a presente iniciativa ministerial é dotada de equilíbrio e cautela, caminhando apenas no campo da objetividade, não sendo outra a razão pela qual a aprovação popular obtida pelo MPF na constância da instrução do presente procedimento ultrapassou o índice de 90% dos entrevistados e consultados (que, aliás, foram muitos) . Trata-se de procedimento amplamente democratizado, o que será minudenciado em momento oportuno.

É necessário esclarecer que o Parquet é ciente das noções de globalização, do empréstimo linguístico dela decorrente, etc,etc,etc. Não pretende aqui o Parquet ressuscitar expressões imperiais da língua, longe disto. Nem pretende ainda o Parquet disciplinar o uso da língua nas artes, naquilo que se fala no dia-a-dia, ou em qualquer outro ramo da vida na qual deva imperar a mais absoluta liberdade de expressão, seja ela de bom ou de mau gosto. Ação Civil Pública não é remédio para combater o mau gosto, mas sim ilegalidades. O mau gosto se lamenta, a ilegalidade se combate!!!.

Muito embora o pedido da presente ACP tenha sido alvo de um tópico específico, necessário desde já salientar ao menos os contornos gerais do objeto da presente ação para , de inopino, afastar qualquer sensação de que o Parquet possa eventualmente ser um nefelibata. A presente ACP caminha em um campo bastante objetivo. Visa ela forçar o cumprimento, em âmbito nacional, do artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor, proibindo-se assim que a comunicação e oferecimento de informações a que alude o artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor seja feita exclusivamente em língua estrangeira. Ressalte-se que não pretende o MPF nem mesmo proibir a comunicação com o consumidor em língua estrangeira. O que pretende o MPF é proibir, através de ACP, é que a comunicação com o consumidor, nas hipóteses do artigo 31 do CDC, seja feita exclusivamente em língua estrangeira .

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Posto assim, em resumo, o anseio ministerial é o de que toda informação prestada pelo fornecedor ao consumidor sobre características, qualidades, quantidade, composição, preço (aí incluídas informações sobre condições de pagamento e descontos), garantia, prazos de validade e origem de produtos e serviços , bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores seja feita em língua portuguesa, sob pena de multa. Caso o fornecedor entenda “elegante” a realização de tal sorte de anúncio em língua estrangeira, nada obsta que o faça, contanto que ofereça, em letras de mesmo destaque, a respectiva tradução para o idioma oficial do Brasil, ou seja, para a língua portuguesa. Tal regra deverá valer seja qual for o meio de imprensa utilizado para travar tal jaez de comunicação com o consumidor.

2. DA DEMOCRATIZAÇÃO DO PRESENTE PROCEDIMENTO

Conforme apregoado alhures, dispunha o Parquet, para ajuizar a presente ACP de termos claros, muito objetivos e irrefutáveis viventes no artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor. Mas, em determinado momento, acreditou o MPF que, dada a própria natureza da questão debatida, seria necessário democratizar o procedimento. Em outras palavras decidiu o MPF que somente bateria às portas do Judiciários após ter certeza de que agia em absoluta consonância com o anseio social. Não obstante a clareza do artigo 31 do CDC, preferiu o Parquet consultar a sociedade, inclusive em respeito às noções de titularidade do Poder Constituinte Originário que em linguagem laica poderia ser definido como poder tipicamente popular que a sociedade tem de escolher seus caminhos, seus próprios rumos, sua forma de organização, realidade descrita no § único do artigo 1.º da Constituição.

Destarte, buscou o Parquet democratizar ao máximo o presente procedimento, discutindo o tema com a sociedade, visando certificar-se de que contava com a aprovação do titular do poder constituinte originário, ou seja, do povo . Sendo assim, foram adotadas as seguintes iniciativas :

a) ENTREVISTAS (anexo 1) = Consumidores de Guarulhos e São Paulo foram entrevistados em lojas da região metropolitana de São Paulo e as respectivas entrevistas foram gravadas em áudio e vídeo = Dezenas de entrevistas foram realizadas e, nesta modalidade de captação de opinião popular, pôde-se constatar que o uso indiscriminado de estrangeirismos nas relações de consumo foi desaprovado por aproximadamente 92% das pessoas entrevistadas.

b) ENDEREÇO ELETRÔNICO (anexo 2) = O MPF criou um endereço eletrônico através do qual qualquer pessoa, do norte ao sul do Brasil, poderia contatar o MPF e emitir sua opinião sobre o tema ([email protected]) . Num curto espaço de tempo, o endereço eletrônico acima recebeu aproximadamente cento e vinte mensagens , todas ora juntadas (anexo 2) , que dividem-se entre pessoas favoráveis e pessoas contrárias à limitação do uso indiscriminado de estrangeirismos nas relações de consumo. Nesta forma de captação de vontade

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popular, a repulsa absoluta pelo uso indiscriminado de estrangeirismos nas relações de consumo foi externada por aproximadamente 85% das pessoas ouvidas via endereço eletrônico(98 mensagens) . Apenas 15% aproximadamente (20 mensagens) manifestaram opinião em sentido contrário e é válido salientar dentro desta minoria de 15% foram incluídas não só as pessoas favoráveis ao uso de estrangeirismos mas também aquelas que limitaram-se a afirmar que “não se incomodavam” com o uso desenfreado de estrangeirismos nas relações de consumo .

c) OITIVA DE PASQUALE CIPRO NETO – anexo 3 - (Popularmente conhecido como Professor Pasquale, apresentador do programa “Nossa Língua Portuguesa” – TV Cultura) = A instrução do presente procedimento não poderia passar à margem da oitiva de um renomado especialista em língua portuguesa, inclusive para que ao menos noções básicas sobre o empréstimo linguístico fossem colhidas. Desta forma, o Parquet realizou a oitiva de Pasquale Cipro Neto, popularmente conhecido como “Professor Pasquale”, profissional que ganhou projeção ao figurar como apresentador do programa de televisão “Nossa Língua Portuguesa” da TV Cultura (anexo 3) . Extremamente interessantes e frutíferas foram as lições deixadas pelo simpático Professor Pasquale ao MPF de Guarulhos por ocasião de sua oitiva. Ponderado, equilibrado, mas sem deixar de ser enfático e austero, o professor Pasquele deixou lições que merecem ser trazidas à baila.

Ensinou o professor Pasquale que, de fato, existe um fenômeno chamado empréstimo linguístico que é “a adoção de uma expressão estrangeira que vem a suprir uma lacuna existente na língua nacional e que se torne consagrada pelo uso, pela compreensão geral”

Pois bem! De plano é válido salientar que, como bem ensinou o Professor Pasquale em suas declarações ao MPF, o empréstimo linguístico é fenômeno que não se confunde com o uso patológico de expressões estrangeiras. Há uma linha que distingue o empréstimo linguístico da patologia que é justamente a capacidade da sociedade de entender e decifrar a expressão . Nesse sentido foi enfático o mestre ao lecionar, com expressões fortes que, todavia, “não pode caracterizar como empréstimo linguístico o que não se consagra pelo uso, como por exemplo a expressão ‘off’ utilizada pelas lojas; Que o Brasil, na condição de país periférico economicamente acaba sendo muito mais um importador do que um exportador de cultura, hábitos, produtos, etc e nessa enxurrada de coisas que vêm de fora, vem de tudo, coisa necessária e coisa desnecessária, coisa que enriquece e coisa que empobrece; Que há muita coisa que não entra em uso por mais que o ‘sistema’ faça força e dois exemplos disso são o ‘sale’ e o ‘off’ que são expressões de mau gosto e de nenhuma eficiência; Que o Estado não deve de maneira nenhuma nas questões relativas ao uso da língua, mas em se tratando de estrito respeito ao Código de Defesa do Consumidor, o declarante não vê problema que se exija a informação também em língua portuguesa.”

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d) AUDIÊNCIA PÚBLICA (anexo 4) = Para concluir a fase instrutória do presente procedimento foi realizada audiência pública no dia 18 de abril do corrente ano, destinada especificamente a debater o tema “a ilegalidade do uso indiscriminado de estrangeirismos nas relações de consumo – afronta ao artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor”

Referida audiência pública foi realizada no auditório do Ministério Público Federal em São Paulo com a presença de representantes de vários setores da sociedade. Estudantes (principalmente da escola pública), professores, magistrados , membros do Ministério Público, prefeitos, vereadores e representantes de entidades de defesa do consumidor fizeram-se presentes no auditório do MPF em São Paulo para debater o tema. A audiência foi gravada e a fita consta do anexo 4, juntamente com uma ata na qual consta um breve resumo de todo o acontecido.

O apoio à iniciativa do MPF veio de todos os setores da sociedade. Interessante destacar que, por haver na audiência pública a possibilidade de exposição e debates de idéias, os representantes dos mais variados setores da sociedade trouxeram à lume vários enfoques, circunstância que enriquece o debate. Alguns dos presentes salientaram o caráter discriminatório da comunicação feita com o consumidor exclusivamente em língua estrangeira . Isso porque, num país que ainda luta contra fenômenos como o analfabetismo e o analfabetismo instrumental, chega a ser sarcástico o comportamento consistente em comunicar-se com o consumidor exclusivamente em língua estrangeira . Mencionou-se ainda o caráter antidemocrático de tal conduta pois tal conduta (comunicar-se com o consumidor em língua alienígena) priva da capacidade de intelecção de um anúncio mais de 90% da população brasileira.

3. DO DIREITO

ARTIGO 31 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Transparece em todo o Código de Defesa do Consumidor a preocupação do legislador com a questão da informação. Preocupação justificada, já que a informação aos consumidores é condição basilar para o funcionamento do mercado.

“E a informação deve ser correta (verdadeira), clara (de fácil entendimento), precisa (sem prolixidade), ostensiva (de fácil percepção) e em língua portuguesa”1, nesse sentido dispondo claramente o art. 31, do Código de Defesa do Consumidor:

1 Ada Pellegrini Grinover, in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores

do Anteprojeto, 6ª edição – 1999, Forense, p. 241

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Art. 31 – A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

Conforme leciona a melhor doutrina, referido dispositivo cuida basicamente da informação pré-contratual, ao passo que a informação contratual vem regida pelos arts. 46 e 54, §§ 3º e 4º, do Código.

Segundo Ada Pellegrini Grinover2:

“E sem a informação adequada através da oferta, ‘a informação contratual corre o risco de chegar tarde demais’. É na fase pré-contratual que a decisão do consumidor é efetivamente tomada. Daí a importância de sua informação suficiente ainda nesse estágio.”

“ As informações prestadas devem ser apresentadas em língua portuguesa. Em alguns casos, quando absolutamente inexistente similar na nossa língua, o

fornecedor pode utilizar a palavra estrangeira, explicando-a, contudo, sempre que necessário.

O art. 31 citado está, assim, em obediência ao disposto no art.

6º do CDC, que estabelece os direitos básicos do consumidor, dentre eles:

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:(...)III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade,

2 ob. cit., p.240/242

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características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas impostas no fornecimento de produtos e serviços;

As penalidades administrativas para o caso de descumprimento do dever de informar ao consumidor sobre os dados essenciais dos produtos e serviços, nos exatos moldes do art. 31, ou seja, de maneira correta, clara, precisa, ostensiva e em língua portuguesa, estão previstas nos arts. 56 a 60, do CDC, variando desde a multa, apreensão do produto e suspensão temporária de atividade, por exemplo, até a imposição de contrapropaganda (art. 56).

E sem prejuízo da aplicação da sanção penal, uma vez que constitui crime fazer afirmação enganosa ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos e serviços (art. 66, do CDC).

A jurisprudência tem acompanhado a preocupação sufragada

pelo Código de Defesa do Consumidor com o direito à informação, sendo bastante

enfático nesse sentido o julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

PROCESSUAL CIVIL, CIVIL E CONSUMIDOR. SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÃO. DIREITO À INFORMAÇÃO. LIGAÇÕES TELEFÔNICAS. DISCRIMINAÇÃO NAS CONTAS. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. ELEMENTOS PRESENTES.I- Consoante o estabelecido na Lei nº 8.078/90, o direito à informação, decorrente do princípio da boa-fé objetiva, é direito básico do consumidor e consiste no direito deste à "informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem" (art. 6º, III, CDC), tendo-se claro que "A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de

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validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores" (art. 31). II- Considerado que entre fornecedores de serviços de telecomunicações e usuários estabelece-se uma relação de consumo, protegida constitucional (art. 5º, XXXII) e infraconstitucionalmente (CDC), aplicam-se-lhe tais princípios. Outrossim, a própria Lei nº 9.427/97, que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, estatui o direito do usuário "à informação adequada sobre as condições de prestação dos serviços, suas tarifas e preços" (art. 3º, IV), norma que só vai ao encontro do que se aplica às relações de consumo em geral. E, nesse diapasão, há plausibilidade na postulação que visa à discriminação, nas contas telefônicas, das informações acerca dos pulsos e minutos utilizados, a título de ligações locais para telefones fixos, detalhando a data da ligação, horário da ligação, duração da ligação e o telefone chamado.III- Por isso tudo, há que se reconhecer a presença de verossimilhança nas alegações trazidas pelo Ministério Público. O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, por sua vez, reside no caráter cativo dos contratos em questão, em que a lesão se reitera dia a dia mediante a omissão da fornecedora. É de ser mantida, portanto, a antecipação já deferida. Contudo, em face do decurso de mais de sete meses entre o início do prazo para a tomada de providências e o julgamento desta Turma, período em que suspensa a decisão agravada, exclui-se a aplicação de multa diária até a presente data e restabelece-se o prazo para cumprimento das determinações da decisão agravada, em 30 (trinta) dias, a contar, porém, da data da decisão desta Turma.(TRF 4ª Região, Agravo de Instrumento 20030410307723 – SC, 4ª Turma, Rel. Des. Fed. Edgard Alippmann Junior, DJU 24.03.2004, pg. 578)

Destarte, a legislação é expressa ao exigir o idioma nacional para que sejam transmitidas ao consumidor as necessárias informações sobre os produtos e serviços, submetendo os infratores a sanções penais, civis e administrativas.

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ARTIGO 13 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

“A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil” (art. 13, da CF/88), bem de todos, de caráter indisponível.

Poucos países apresentam unidade lingüística tão acentuada, a ponto do legislador elevá-la ao nível constitucional, em dispositivo específico.

Sobre o tema, leciona Celso Ribeiro Bastos:

“De forma surpreendente o Texto Constitucional resolveu tratar da definição da língua falada no Brasil. Dizemos surpreendente em razão da obviedade de a língua portuguesa ser o idioma oficial da República Federativa do Brasil. Certamente poucos países apresentam uma unidade de lingüística tão acentuada. No Brasil, de norte a sul, fala-se a mesma língua com mínimas variações de sotaque, que não chegam a configurar nem de longe dialetos locais.”3

A unidade lingüística no Brasil, por maior motivo, justifica e torna indispensável que a comunicação com os consumidores brasileiros seja feita em língua portuguesa, sob pena de se ter por enganosa e abusiva a informação.

Nas hipóteses em que haja de fato necessidade de utilização de outro idioma, como, por exemplo, quando não existir palavra similar no idioma nacional ou quando o produto for também destinado à exportação, a informação em língua estrangeira deve estar acompanhada da tradução, com igual ou maior destaque para a língua portuguesa, em estrita obediência ao Código de Defesa do Consumidor (art. 31).

4. DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

De acordo com o art. 127 da Constituição Federal de 1988, é o Ministério Público órgão indispensável à atividade jurisdicional do Estado, cabendo a

3 in Comentários à Constituição do Brasil, Saraiva, 1989, 2º vol., pg. 567

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ele zelar pela defesa da ordem jurídica, pelo regime democrático e pelos interesses sociais e individuais indisponíveis. No mesmo sentido o art. 129 da Carta Magna:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:(...)III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;”

O direito à informação, à dignidade e à observação dos princípios constitucionais relativos à cultura e à comunicação social são direitos difusos, de extrema relevância, cuja defesa o Ministério Público não pode se abster.

Nessa linha de defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais, compete ao Ministério Público da União promover a ação civil pública para a proteção dos direitos constitucionais (art. 6º, VII, “a”, da LC 75/93), dentre os quais se incluem os direitos do consumidor (art. 5º, XXXII e art. 170, V, da CF).

Prevê a Lei Complementar nº 75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e os estatutos dos diversos ramos do Ministério Público da União:

Art. 6º. Compete ao Ministério Público da União:(...)VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para:a) a proteção dos direitos constitucionais;b) a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor;d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos.

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Ademais, a legitimidade ativa do Ministério Público Federal para a demanda, a fim de apurar a responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao consumidor, encontra-se expressa na Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85):

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:(...)II – ao consumidor;”

Art. 5º. A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. (...)

Nesse sentido, pacífica a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, sendo desnecessárias maiores delongas:

(...) O Ministério Público está legitimado a promover ação civil pública ou coletiva, não apenas em defesa de direitos difusos ou coletivos de consumidores, mas também de seus direitos individuais homogêneos, quando a lesão deles, visualizada em sua dimensão coletiva, pode comprometer interesses sociais relevantes. Aplicação dos arts. 127 e 129, III, da Constituição Federal, e 81 e 82, I, do Código de Defesa do Consumidor. (...)

(STJ, Resp 417804, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 16.05.2005, p. 230)

5. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

A competência da Justiça Federal para processar e julgar a presente é inequívoca e decorre de vários fatores.

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Primeiro, porque a União é demandada. Integrando a União o pólo passivo, é certa a competência da justiça federal para julgamento do pedido deduzido na presente ACP, nos termos do art. 109, I, da CF/88. E a União é demandada porque é inequivocamente seu o dever administrativo de fiscalizar e fazer cumprir, inclusive através da imposição de sanções, as normas sobre publicidade e propaganda de produtos e serviços, nos exatos termos do artigo 55 e 55 § 1.º da lei 8078 (CDC). Foi claro e enfático o CDC ao enfatizar que a competência administrativa para fiscalizar o cumprimento das normas sobre publicidade e propaganda de produtos e serviços é comum entre União, Estados e Municípios. Existe, assim, solidariedade no dever de cumprimento da competência administrativa em questão. Sendo assim, qualquer destes entes federativos tem legitimidade para figurar no polo passivo de ACP deste jaez. São os termos da lei :

Art. 55 – A União, os Estados e o Distrito Federal, em caráter concorrente, nas suas respectivas áreas de atribuição administrativas, baixarão normas relativas à produção, industrialização, distribuição e consumo de produtos e serviços.

Art 55 § 1.º - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios fiscalizarão e controlarão a produção, industrialização, distribuição e publicidade de produtos e serviços e o mercado de consumo, no interesse da preservação da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem estar do consumidor...”

Nunca é demais relembrar que o Código de Defesa do Consumidor, ao estabelecer a competência administrativa comum entre União, Estados e Municípios no dever de fiscalização da publicidade e propaganda de produtos e serviços nada mais fez do que agir de maneira harmônica e sincronizada com a Constituição Federal que, no seu artigo 23 I, estabeleceu a competência comum entre União, Estados e Municípios no dever de observância de uma Constituição que, no seu artigo 170 V, estabeleceu a proteção ao consumidor como sendo um princípio geral da atividade econômica nacional.

Há ainda outra razão a justificar a competência federal no caso concreto , ou seja, o Ministério Público Federal é parte. A presença do Ministério Público Federal como parte autora já justifica a competência da Justiça Federal. Se o Parquet Federal está tão somente cumprindo uma atribuição prevista na Constituição Federal e em sua Lei Orgânica (exercer a defesa dos direitos constitucionais do consumidor), a ação judicial daí originada só pode ser proposta na Justiça Federal, nos termos do julgado abaixo:

PROCESSUAL – MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – PARTE – COMPETÊNCIA – JUSTIÇA FEDERALSe o Ministério Público Federal é parte, a Justiça Federal é competente para conhecer do processo.

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(CC nº 4.927-0-DF, DJU de 4/10/93, Rel. Min. Humberto Gomes Barros)

6 - DA COMPETÊNCIA DO FORO FEDERAL DE GUARULHOS

A presente ação visa combater um dano de âmbito nacional cujo trâmite processual é regulado pelas regras especiais trazidas pela Lei 7347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e pela Lei nº 8078/88 (Código de Defesa do Consumidor).

O artigo 2º da Lei 7347/85 reza que: “As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa”. O artigo 93, do Código de Defesa do Consumidor, também consagrou a regra de competência pelo local do dano, ressalvando expressamente as noções de competência próprias da Justiça Federal . Sendo assim, pacificou-se a jurisprudência do STJ , ou seja, a ressalva feita pelo CDC às noções de competência próprias da Justiça Federal excluem a regra de ajuizamento de ações civis de âmbito nacional somente no Distrito Federal. Ademais o entendimento do STJ é óbvio bem porque não existe magistrado federal que seja “mais federal” do que outro.

Destarte, como a lei 7347 reza que qualquer foro afetado pelo dano é competente para os trâmites da ACP e como o artigo 93 do CDC fez expressa ressalva às noções de competência da Justiça Federal, o entendimento do STJ é o de que qualquer foro federal afetado pelo dano de âmbito nacional terá competência para processar e julgar a ação civil pública correspondente. Nestes termos, o julgado abaixo...

“Em se tratando de ação civil coletiva para o combate de dano de âmbito nacional, a competência não é exclusiva do Distrito Federal.”(STJ, Conflito de Competência nº 26.842, Rel. p/ o Ac. Min. César Asfor Rocha, DJU 05.08.2002)

“Interpretando o art. 93, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, já se manifestou esta Corte no sentido de que não há exclusividade do foro do Distrito Federal para o julgamento de ação civil pública de âmbito nacional.”(STJ, Conflito de Competência nº 17.533, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU 30.10.2000)O mesmo entendimento é o que prevalece no TRF da 3.ª região

e o ponto de partida para fixação deste entendimento foi análise da competência territorial para julgar a chamada “ação civil pública do apagão”, cujo objeto era o de combater as regras de racionamento de energia elétrica impostas no segundo mandato do governo Fernando Henrique em razão de escassez provisória para abastecimento de energia em todo o país. Tratava-se inequivocamente de dano de

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âmbito nacional e a ação civil pública na qual foram questionadas as regras do racionamento foi ajuizada em Marília, interior de São Paulo. Discutiu-se assim se aquele foro teria competência para julgamento de uma ação civil pública de âmbito nacional e o entendimento do TRF, inclusive com base em precedentes do SJT e STF, foi afirmativo, fixando-se a competência do foro de Marília para o processamento e julgamento da ação. A partir de então repulularam inúmeros julgados no mesmo sentido...

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IPI. IN 67/98. AÇÚCARES REFINADO-AMORFO, DEMERARA, CRISTAL SUPERIOR, CRISTAL ESPECIAL, CRISTAL ESPECIAL EXTRA, REFINADO-GRANULADO E CRISTAL STANDARD. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÕES E REMESSA OFICIAL PROVIDOS EM PARTE.1. Em sede de ação civil pública em que é ré a União Federal e o dano é nacional, é razoável entender-se que o Juízo da Subseção Judiciária da Justiça Federal em Marília (SP) tem competência para processar e julgar o feito. Preliminar de incompetência do juízo que se rejeita. Inteligência do art. 109 da CF e 93 do CDC. Precedente do STF.” (Processo n.º 2000.61.11.004241-5 – AC 926461, TRF-3.ª Região, Relator Desembargador Nery Júnior, Terceira Turma, Data de julgamento 06/10/2004, publicação DJ 24/11/2004, seção 2, p. 225).

7- DA EFICÁCIA ERGA OMNES DA DECISÃO JUDICIAL PLEITEADA

Ainda, devido à amplitude nacional do dano ora noticiado, despiciendo mencionar sobre a necessidade de decisão única e uniforme contra a ré União Federal e, portanto, igual para todo o país, reconhecendo-se a ineficácia e inconstitucionalidade do art. 16 da Lei n.º 7.347, alterado pela Lei nº 9.494/97.

O legislador ordinário deu nova redação ao art. 16 da LACP (Lei da Ação Civil Pública), procurando restringir os efeitos da sentença aos “limites da competência territorial do órgão prolator”, mas tal resolução legislativa, como se verá a exaustão, é ineficaz e inconstitucional.

Restringir a amplitude dos efeitos da coisa julgada nas ações coletivas a uma pequena parcela (ocorridas dentro de determinado território) das relações entre autor (sociedade) e réu contraria frontalmente a política constitucional de defesa dos interesses e direitos difusos, além de ofender o princípio constitucional da universalidade da jurisdição e do acesso à justiça.

Traz-se à colação precedente jurisprudencial proferido em ACP proposta pelo Ministério Público Federal em defesa de consumidores, que

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desconsiderou a redação do art. 16 da Lei nº 7.347/85, concedendo alcance nacional à decisão liminar proferida4:

Entretanto, há que ser analisadas quais seriam as conseqüências da alteração legislativa engendrada pelo Poder Executivo por intermédio da Lei n. 9.494/97, que alterou o art. 16 da Lei n. 7.347/85, para limitar seu poder de ação aos limites de competência territorial do órgão prolator. (...)Não há dúvidas que, em certos casos, tal restrição aos limites objetivos da coisa julgada em ação civil pública traduz-se em flagrante retrocesso, especialmente quando se tem em mente que esse tipo de processo é essencial à manutenção da Democracia e do Estado-de-direito. Por outro lado, ele tem o condão de evitar que decisões conflitantes surjam ao redor desse país continental, invabilizando políticas públicas relevantes, tomadas ao centro do poder.(...)No caso em exame, entretanto, não me parece que esteja havendo abuso na concessão da liminar ora atacada. É preciso ter em mente que o interesse em jogo é indivisível, difuso, não sendo possível limitar os efeitos da coisa julgada a determinado território.Perceba-se que a portaria impugnada foi editada por autoridade com competência nacional e sua área de ação também pretende ser nacional. Por sua vez, o autor da demanda é o Ministério Público Federal, que é uma entidade una, cuja área de atuação, por sua vez, também abrange todo o território nacional.Assim, não me parece atender aos encômios da boa jurisdição exigir-se a propositura de tantas ações civis públicas quantas forem as subsidiárias da TELEBRAS.Isso posto, recebo o presente recurso em seu efeito meramente devolutivo.

A lei não pode impor vedações ou restrições à ação civil pública, cujos limites, como os do mandado de segurança5, decorrem exclusivamente do texto constitucional.

4 TRF-3R, AgIn nº 98.03.017990-0, 4ª T., J. Newton de Lucca

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Assim, se o dano ou a ameaça de dano a interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos tiver abrangência nacional, a decisão do juízo competente para reconhecer a causa em primeiro grau de jurisdição terá que ter a mesma amplitude, sob pena de se tornar ineficaz a prestação jurisdicional desses interesses e direitos nos termos pretendidos pela Constituição.

No mesmo sentido, sustentou Ada Pellegrini Grinover6 que:

Limitar a abrangência da coisa julgada nas ações civis públicas significa multiplicar demandas, o que, de um lado, contraria toda a filosofia dos processos coletivos, destinados justamente a resolver molecularmente os conflitos de interesses, ao invés de atomizá-los e pulverizá-los; e, de outro lado, contribui para a multiplicação de processos, a sobrecarregagem dos tribunais, exigindo múltiplas respostas jurisdicionais quando uma só poderia ser suficiente. No momento em que se o sistema brasileiro busca saídas até nos precedentes vinculantes, o menos que se pode dizer do esforço redutivo do Executivo é que vai na contramão da história.

A alteração introduzida pela Lei nº 9.494/97 na norma do art. 16 da Lei nº 7.347/85 fracassa também por restar, no sistema em que se insere, reduzida à ineficácia, como tão bem demonstram Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery:7

A MedProv 1570/97, art. 3º, que modificou a redação da LACP 16, para impor limitação territorial aos limites subjetivos da coisa julgada, não tem eficácia e não pode ser aplicada às ações coletivas. Confundiram-se os limites da coisa julgada “erga omnes”, isto é, quem são as pessoas atingidas pela autoridade da coisa julgada, com jurisdição e competência, que nada têm a ver com o tema. Pessoa divorciada em São Paulo é pessoa

5 Cf. Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, CPC Comentado, 3ª ed., nota (4) ao art. 12

da Lei nº 7.347/85, “Proibição legal de concessão de liminares pelo juiz”, p. 11496 in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 5ª ed.,

Forense Universitária, p. 7227 in CPC Comentado, 3ª ed., RT, p. 1157-8

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divorciada no Rio de Janeiro. Não se trata de discutir se os limites do juiz de São Paulo podem ou não ultrapassar seu território, atingindo o Rio de Janeiro, mas quem são as pessoas atingidas pela sentença paulista. O equívoco da MedProv 1570/97 demonstra que quem a redigiu não tem noção, mínima que seja, do sistema processual das ações coletivas. De outra parte, continuam em vigor os arts. 18 da LAP e 103 do CDC, que se aplicam às ações fundadas na LACP, por expressa disposição do CDC 90 e da LACP 21. Este é o segundo fundamento para a ineficácia do errado e inócuo art. 3º da MedProv 1570/97. Enquanto não modificados, também, os artigos 18 da LAP e 103 do CDC, o art. 16 da LACP não produzirá o efeito que o Presidente da República pretendeu impor. Foi negada liminar na ADIn ajuizada contra a MedProv 1570 3º, que modificou a redação da LACP 16 (STF, Pleno, ADIn 1576-1, relator Ministro Marco Aurélio, j. 16.4.1997, m.v., DJU 24.4.97, pág. 14914)8

Por fim, importante e recente decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região sufragou esse entendimento:

ADMINISTRATIVO. SERVIÇOS DO SUS. TABELAS DE REMUNERAÇÃO. ACRÉSCIMO DE 9,56%. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIMINAR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EFEITO SUSPENSIVO DENEGADO. AGRAVO REGIMENTAL.A modificação da redação do art. 16 da Lei nº 7.347/85 pela Lei nº 9.494/97, desacompanhada da alteração do art. 103 da Lei n.º 8.078/90, por parcial restou ineficaz, inexistindo por isso limitação territorial para a eficácia ‘erga omnes’ da decisão prolatada em ação civil pública, baseada quer na própria Lei nº 7.347/85, quer na Lei nº 8.078/90.Decisão recorrida que se mantém por ausência de razões que determinem sua reforma. (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.º 1999.04.01.091925-5/Rs, Relator Juiz Valdemar Capeletti).

8 A mencionada ADIn foi extinta por ausência de aditamento da inicial, em virtude da reedição da

Medida Provisória posteriormente transformada na Lei n. 9494/97

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Diante de todo o exposto, impõe-se o afastamento do limite territorial introduzido pela inconstitucional e ineficaz Lei nº 9.494/97 aos efeitos da coisa julgada nesta ação civil pública, projetando-se seus efeitos para beneficiar todos os consumidores da sociedade brasileira, afetados pela prática ilícita do “estrangeirismo” nas relações de consumo.

8 - DO PEDIDO

Vem pela presente requerer o MPF o puro e simples cumprimento da lei, ou seja, do artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor, sob pena de multa. Em outras palavras, requer o MPF que a União, através do Ministério que ela própria preferir fazer uso para cumprir a decisão judicial ora postulada, seja condenada a fiscalizar, em todo o território nacional (e sob pena de multa a ser fixada pelo juízo) , o cumprimento, pelos fornecedores de produtos ou serviços , dos comandos do artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor.

Deverá assim a União ser condenada a

fiscalizar, em território nacional, o efetivo oferecimento, pelos fornecedores, de informações, em língua portuguesa, sobre características, qualidades, quantidade, composição, preço (aí incluídas informações sobre condições de pagamento e descontos), garantia, prazos de validade e origem de

produtos e serviços , bem como sobre os riscos que apresentem à saúde e segurança dos consumidores. Em caso negativo, ou seja, em caso de oferecimento das informações acima em língua estrangeira, deverá ser imposta ao fornecedor de produtos ou serviços multa a ser fixada pelo juízo, ora sugerida em montante equivalente a dez mil reais. Em caso de reincidência, cada multa aplicada deverá ser de vinte mil reais. Caso acatado o pleito ministerial, requer-se ainda que o provimento jurisdicional respectivo ressalve a possibilidade de oferecimento das ofertas e informações acima em língua estrangeira, desde que haja, por parte do fornecedor, tradução da expressão, com letras do mesmo destaque, para a língua portuguesa.

O alcance das expressões fornecedores, produtos e serviços é justamente aquele oferecido pelo artigo 3.º do Código de Defesa do Consumidor, a saber :

Fornecedor = é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de

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produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Produto = é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

Serviço = é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

9 - DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

É certo que o prejuízo do consumidor decorrente do oferecimento, pelo fornecedor, de informações exclusivamente em língua estrangeira é imediato, presente. Suprime-se diariamente do nativo o direito básico de intelecção de informações comerciais em sua língua oficial, ao passo em que, em outra seara, resta mais do que evidente a verossimilhança das alegações invocadas na presente ACP, ação na qual, reitera-se, o Parquet nada mais postula senão o cumprimento de texto expresso de lei pelos fornecedores de produtos e serviços atuantes em solo nacional. Sendo assim, protesta o MPF pela antecipação dos efeitos da tutela, com arrimo no artigo 273 do CPC.

10 - DA EXECUÇÃO DA MULTA IMPOSTA

Requer o MPF que, acatado o pleito ministerial pelo juízo, seja expressamente consignada a ressalva de que as execuções das multas impostas em razão da não observância dos comandos do artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor por parte dos fornecedores de produtos ou serviços poderão ser realizadas no domicílio do fornecedor, junto ao juízo federal cível competente, inclusive com arrimo no artigo 578 CPC, aplicável à hipótese.

11 - Das provas

Faz uso o MPF das provas e elementos de convicção juntados aos autos, sempre prejuízo de outras em direito admissíveis.

12 - Do valor da causa

Atribui-se à causa o valor de mil reais (R$ 1.000,00) .

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Guarulhos, 21/08/2006.

MATHEUS BARALDI MAGNANIPROCURADOR DA REPÚBLICA

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