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QD 07 - Área Especial 01 Cruzeiro Velho (61) 3964-8624 / 3233-2527 www.adcruz.org/ebd Presidente: Pastor João Adair Ferreira Dirigente e Consultor Doutrinário: Pastor Argileu Martins da Silva Superintendente: Presbítero Jorge Luiz Rodrigues Barbosa Lição 12 20 de Março de 2011 Paulo, o náufrago em Malta Texto Áureo "Mas em todas estas coisas so-mos mais do que vencedores, por aquele que nos amou". Rm 8.37 Verdade Aplicada A vontade de Deus sempre pre-valecerá, ainda que pensemos que tudo chegou ao fim. Objetivos da Lição Demonstrar que realmente todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus; Se estivermos verdadeira-mente em Jesus Cristo em tudo que nos sobrevenha de perse-guição e tribulação, seremos mais que vencedores; Mostrar que quando temos uma grande promessa de Deus, jamais devemos dela esquecer mas crer sem olhar as circunstâncias, para que elas possam se cumprir to-talmente em nossas vidas. Textos de Referência At 27.20 E, não aparecendo, havia já muitos dias, nem sol nem estrelas, e caindo sobre nós uma não pequena tempes-tade, fugiu-nos toda a esperan-ça de nos salvarmos. At 27.21 Havendo já muito que se não comia, então, Paulo, pondo-se em pé no meio deles, disse: Fora, na verdade, razo-ável, ó varões, ter-me ouvido a mim e não partir de Creta, e assim evitariam este incômodo e esta perdição. At 27.22 Mas, agora, vos admoesto a que tenhais bom ânimo, porque não se perderá a vida de nenhum de vós, mas somente o navio. At 27.23 Porque, esta mesma noite, o anjo de Deus, de quem eu sou e a quem sirvo, esteve comigo. O Naufrágio de Paulo Atos 27 e 28 "Já aprendi a contentar-me com o que tenho". Assim escreveu Paulo aos filipenses (Fp 4.11). Ele aprendeu a obter vitória sobre as circunstâncias, ao invés de ser vítima de-las. Qual era o segredo deste grande poder espiritual? "Posso todas as coisas naquele [Cristo] que me fortalece" (Fp 4.13). Este trecho bíblico é mais um exemplo de que Paulo não falava de uma teoria. Referia-se à longa experiência de sua vida à altura desta doutrina. Deus estava com o apóstolo, portanto, nada podia estar contra ele. A Viagem Tempestuosa (At 27) Paulo, acompanhado por Lucas (o escritor da narrativa bíblica) e Aristarco, começou a longa viagem. Todos os prisioneiros estavam a cargo de Júlio, um centurião roma-no. Os apóstolos foram tratados com

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(61) 3964-8624 / 3233-2527 www.adcruz.org/ebd

Presidente: Pastor João Adair Ferreira Dirigente e Consultor Doutrinário: Pastor Argileu Martins da Silva Superintendente: Presbítero Jorge Luiz Rodrigues Barbosa

Lição 12 20 de Março de 2011 Paulo, o náufrago em Malta Texto Áureo "Mas em todas estas coisas so-mos mais do que vencedores, por aquele que nos amou". Rm 8.37 Verdade Aplicada A vontade de Deus sempre pre-valecerá, ainda que pensemos que tudo chegou ao fim. Objetivos da Lição ► Demonstrar que realmente todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus; ► Se estivermos verdadeira-mente em Jesus Cristo em tudo que nos sobrevenha de perse-guição e tribulação, seremos mais que vencedores; ► Mostrar que quando temos uma grande promessa de Deus, jamais devemos dela esquecer mas crer sem olhar as circunstâncias, para que elas possam se cumprir to-talmente em nossas vidas. Textos de Referência At 27.20 E, não aparecendo, havia já muitos dias, nem sol nem estrelas, e caindo sobre nós uma não pequena tempes-tade, fugiu-nos toda a esperan-ça de nos salvarmos. At 27.21 Havendo já muito que se não comia, então, Paulo, pondo-se em pé no meio deles, disse: Fora, na verdade, razo-ável, ó varões, ter-me ouvido a mim e não partir de Creta, e assim evitariam este incômodo e esta perdição. At 27.22 Mas, agora, vos admoesto a que tenhais bom ânimo, porque não se perderá a vida de nenhum de vós, mas somente o navio. At 27.23 Porque, esta mesma noite, o anjo de Deus, de quem eu sou e a quem sirvo, esteve comigo. O Naufrágio de Paulo Atos 27 e 28 "Já aprendi a contentar-me com o que tenho". Assim escreveu Paulo aos filipenses (Fp 4.11). Ele aprendeu a obter vitória sobre as circunstâncias, ao invés de ser vítima de-las. Qual era o segredo deste grande poder espiritual? "Posso todas as coisas naquele [Cristo] que me fortalece" (Fp 4.13). Este trecho bíblico é mais um exemplo de que Paulo não falava de uma teoria. Referia-se à longa experiência de sua vida à altura desta doutrina. Deus estava com o apóstolo, portanto, nada podia estar contra ele. A Viagem Tempestuosa (At 27) Paulo, acompanhado por Lucas (o escritor da narrativa bíblica) e Aristarco, começou a longa viagem. Todos os prisioneiros estavam a cargo de Júlio, um centurião roma-no. Os apóstolos foram tratados com

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cortesia e amizade desde o início. Quando chegaram em Creta, em Bons Por-tos, já iniciava o tempo do inverno. Isto trazia grandes perigos para a navegação em alto mar. Procuravam um porto melhor, Fenice, também em Creta. Paulo viu (por certo em visão) o perigo de avançarem. Apesar dos avisos do após-tolo, os oficiais do navio e do exército resolveram prosse-guir. Na curta viagem para o porto seguinte, o navio foi violentamente atacado por um vento de inverno. O navio foi impelido para as proximidades do outro lado do Medi-terrâneo. Enfrentou uma tempestade de 15 dias. A experi-ência era como um símbolo do que Paulo vivia desde que foi preso em Jerusalém. Navegava num mar tempestuoso de aflições já há dois anos! Deus, porém, estava ao seu lado nessa tempestade como em todas as demais. Compa-rar Atos 23.11 com 27.22-23. Não havia perigo de Paulo sofrer dano em qualquer tempestade. A vontade de Deus era que testificasse em Roma. Em meio à tempestade reconhecemos o controle de Deus, segundo seu propósito, sobre todas as circunstânci-as. Isto significa bênçãos para os que estão dentro do pro-pósito divino. Do ponto de vista humano, Paulo era um prisioneiro no navio. Para Deus, o apóstolo era o capitão, e os demais, prisioneiros (27.21-26,30,31-34). A situação tornou-se desesperadora. Tanto o capitão como o centurião viram-se incapazes de fazer qualquer coisa. Paulo, então, levantou-se, não como prisioneiro ou passageiro amedrontado, mas como profeta do Deus Altíssimo. Avisou a todos a bordo que um anjo de Deus lhe apareceu, dizendo: "Pau-lo, não temas; importa que sejas apresentado a César, e eis que Deus te deu todos quantos navegam contigo". O ho-mem que anda segundo a vontade de Deus domina todas as circunstâncias e se impõe em qualquer situação. A experiência de Paulo na tempestade, dentro da von-tade de Deus, contrasta com a de Jonas, que estava em desobediência. Comparando as duas, notamos: Paulo viaja-va para cumprir sua sagrada vocação. Jonas fugia da cha-mada que recebeu. Este se escondeu e dormiu durante a tempestade. Aquele dirigia as operações e encorajava os passageiros. A presença de Jonas no navio era a causa da tempestade. O navio em que Paulo viajava seria preserva-do de todo dano se os tripulantes respeitassem seu aviso (At 27.9,10). Jonas foi forçado a dar testemunho acerca de Deus (Jn 1.8,9). Paulo, com boa vontade e coragem, falou acerca da sua visão e do seu Deus. A presença de Jonas no navio ameaçava a vida dos gentios. A presença de Paulo era uma garantia para a vida dos seus companheiros de viagem. O navio em que Jonas viajava recebeu alívio quan-do ele foi jogado no mar. A conservação de Paulo salvou a tripulação do navio no qual era prisioneiro. Há muita diferença em atravessar uma tempestade dentro e fora da vontade de Deus! Paulo, andando segundo o querer de Deus, em comunhão com Ele, tornou-se bênção para todos quantos atravessavam o perigo com ele. O navio, finalmente, encalhou na praia de Malta, perto da Itália, onde começou a ser despedaçado pelas ondas. Os soldados queriam matar os prisioneiros para evitar que fugissem. Era um costume romano. A mão de Deus, po-rém, estava com o seu mensageiro. Júlio foi impulsionado a poupar a vida de todos. Nenhum poder, nos céus ou na terra, acabaria com Paulo enquanto Deus tivesse um plano especial para sua vida. Ele pregaria o Evangelho em Roma. Conforme Paulo anunciou, todos escaparam ilesos para a terra. Ficaram na ilha durante o inverno, um período de três meses. Mais uma vez foi manifestada a presença de Deus através de Paulo. Primeiro, foi protegido contra os efeitos da mordida de uma víbora. Segundo, ele foi vaso de bênçãos para os habitantes. Muitas pessoas na ilha receberam a cura divina através de seu ministério. A Chegada em Segurança (At 28) Passou o período do ano durante o qual surgiam as tem-pestades. Paulo e seus companheiros embarcaram num navio de transporte de trigo. Os detalhes destes capítulos (27 e 28) comprovam que uma testemunha ocular (Lucas) esteve presente a cada passo. Paulo foi encorajado com uma descoberta: Deus coloca servos nos lugares mais inesperados. Em cada porto onde o navio tocava na Itália, e depois, ao longo do caminho para Roma, havia cristãos que vinham saudá-lo, ajudá-lo e encorajá-lo (28.11-15).

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O prisioneiro judeu seguia ao longo das estradas, para Roma. Talvez despertasse olhares de zombaria enquanto passava. Os cristãos que o acompanhavam, no entanto, sabiam que andavam ao lado do embaixador de Cristo. Um embaixador em cadeias (Ef 6.20; 2 Co 5.20). Paulo nunca disse que era prisioneiro do Império Romano. Não! Chamava-se "prisioneiro de Jesus Cristo" (Fm 1). Dizia com isso que estava preso à vontade de Deus. Cumpria o plano de Deus para sua vida e sua obra. E, também, que todas as coisas cooperam para o bem. Humanamente, a detenção de Paulo parecia um grande golpe contra o Cristianismo. As viagens missionárias fo-ram interrompidas. Deus, no entanto, na sua soberania, trans-formou tudo em bênçãos para o mundo inteiro (Fp 1.12). Como isso contribuiu para o progresso do Evangelho? Paulo foi assim preservado das ciladas assassinas dos judeus. Houve oportunidade para descanso, muita oração e medi-tação após as árduas labutas. Várias epístolas surgiram como fruto do cativeiro: Filipenses, Colossenses, Efésios e Filemon. Paulo teve a oportunidade sem igual de testificar diante de guardas romanos, de forma contínua. Acorrentados a ele, não podiam escapar! As trocas de guardas eram frequentes. Os que passavam um período com Paulo comen-tavam seus ensinamentos nas casernas e tabernas da cidade de Roma. Sendo membros do grupo de guarda-costas dos governadores, semeavam a nova religião nas cortes e pa-lácios do mundo civilizado. Paulo não visitava as igre-jas. Todavia, muitos obreiros e interessados vinham a ele para obter inspiração e orientação, de modo profun-do e particular. Ensinamentos Práticos 1. Considere atentamente o conselho dos santificados. "Mas o centurião cria mais no piloto e no mestre, do que no que dizia Paulo" (27.11). Em 1902, um terremoto des-truiu Saint-Pierre, capital da Martinica, e 30.000 pessoas morreram. Uma comissão científica havia examinado o vulcão que ali existia, e concluíra não haver mais perigo. Certas pessoas, porém, tinham a convicção espiritual de que um castigo cairia sobre aquela cidade tão libertina. Queriam licença para ir embora. O governador confiou no relatório científico, e não deu crédito a tais pessoas. O resultado foi uma tragédia. Há muitos anos, o mundo está confiando totalmente nas ciências. O progresso humano está planejado nas linhas da biologia, sociologia, engenharia etc. Os pregadores têm sido considerados visionários sem valor prático. O povo em geral confia mais em conclusões de peritos nas ciências do que nas advertências dos homens de visão espiritual. Porém, tem sido comprovado que a ciência, divorciada do temor a Deus, pode destruir sociedades e civilizações inteiras. A civilização moderna ainda reconhecerá que nunca deveria ter desprezado o antigo Cristianismo bíblico. 2. O perigo da suposição. "E, soprando o vento sul brandamente, lhes pareceu terem já o que desejavam". Paulo advertiu que o navio não devia se arriscar fora do porto. As circunstâncias externas, no entanto, fizeram os responsá-veis pelo navio supor que tudo iria bem. As suposições traem muita gente! O pecador "supõe" que o castigo não virá, principalmente quando seu vento sopra brandamente. Maria e José viajaram "supondo" que Jesus estava com eles. Acabaram sofrendo três dias de angústias. E, também, descobriram que seu filho já estava fora de alcance dos seus entendimentos. Nós, por indife-rença espiritual, perdemos a comunhão com o Senhor "su-pondo" que somos bons cristãos. O povo de Listra, "su-pondo" que Paulo havia morrido apedrejado, jogou-o no monturo. A atuação de Paulo, no entanto, continua bem viva. A sociedade moderna continua o apedrejamento "supondo" que a espiritualidade foi extirpada e jogada para longe. Não conhecem o poder ressurreto da religião de Cristo. 3. A cilada dos ventos suaves. A vida humana passa por mudanças de clima assim como o oceano. Às vezes senti-mos frio diante dos ventos gelados. Ou podem estar so-prando brisas suaves. Mas, justamente quando tudo vai bem, surgem repentinas tempestades! Doenças, decepções, lutas e tentações não marcam entrevistas de antemão! E estes acontecimentos testam a profundidade da nossa experiên-cia religiosa.

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O vento suave da prosperidade é mais perigoso do que os tempestuosos. Eles dão um falso senso de suficiência própria e, imperceptivelmente, afastam a pessoa de sua dependência de Deus. Daí surge uma crise que revela todas as suas fraquezas espirituais. Estamos desfrutando de bom tempo em nossa vida? Graças a Deus por isso! Todavia, dediquemo-nos àquilo que fortalece nossa espiritualidade enquanto é possível. Afinal, nosso barco pode ser testado por uma tempestade quando menos esperamos (Mt 7.24-29). 4. Oração e ação. Paulo orava muito. E trabalhava com a orientação, ânimo e amor que obtinha de seus momentos de oração. Recebeu uma visão da parte de Deus sobre a preservação daquelas vidas. Isto o animou a fazer sua par-te: ajudou a esvaziar o navio da carga e da armação. Tam-bém encorajou todos a comerem e se prepararem. Impediu a fuga dos marinheiros, e, em terra firme, foi enérgico em alimentar uma fogueira com gravetos. 5. A crítica construtiva. "Fora, na verdade, razoável, ó varões, ter-me ouvido a mim e não partir de Creta, e assim evitariam este incômodo e esta perdição". O apóstolo, po-rém, não se limitou a dizer o que deveriam ter feito. Passou a dar instruções sobre como enfrentar a situação surgida (vv. 21-26). Certo provérbio de uma tribo africana manda "tirar a criança da água antes de dar palmadas nela". E fácil repreender as pessoas pelo que fizeram de errado. É mais construtivo, no entanto, ensinar como sair do proble-ma e nunca mais cair nele. Se fracassarmos como cristãos e recorrermos a Deus, pedindo sabedoria, Ele nos dará o que é preciso. E não nos "lança em rosto" (Tg 1.5). 6. Passando por escuros. Há momentos na vida em que, espiritualmente falando, passamos por tempos sem "sol nem estrelas" (27.20). Ou seja, um período de trevas espirituais. As causas são várias: esgotamento físico, a não utilização dos meios da graça, opressão por espíritos malignos ou provação da fé. Seja qual for a causa, podemos ter ânimo: o sol da espiritualidade voltará a brilhar. Mesmo não sen-tindo o calor espiritual, podemos continuar obedecendo a Deus. E não devemos nos queixar a outros da nossa falta de disposição. Acima de tudo, precisamos repudiar qual-quer tipo de pecado. E estarmos prontos para tudo o que Deus deseja de nós. O texto de 27.20 também pode ser aplicado às condi-ções políticas internacionais. Em períodos de crise mundi-al, a fé do cristão o deixa triunfante em meio ao desespero. O futuro pertence a Cristo e aos seus seguidores. A hora mais escura será justamente antes da aurora eterna. 7. O ministério de animar os outros. "Mas agora vos admoesto a que tenhais bom ânimo..." Assim atuava Paulo ao ver pessoas desanimadas e amedrontadas em meio a batalha da vida. Este ministério de encorajamento é muito necessário na vida moderna, com todas as tensões mentais e nervosas que ela traz. Alguns sabem encobrir suas tristezas com um sorriso cortês. Mas é surpreendente descobrir quantas delas precisam urgentemente de uma palavra de encorajamento. Eis alguns exemplos de onde se pode aplicar o ministé-rio de encorajamento: 7.1. Há aqueles que são acanhados e sem confiança. Possuem talentos, mas não os empregam para o bem de todos. Acham-se inferiorizados, inúteis. Tais pessoas se abrirão como flores com alguns raios do sol do encorajamento. 7.2. Há os que trabalham "atrás do palco". Fazem o serviço construtivo mas silencioso, enquanto outros ganham a popularidade e os aplausos. Há a mãe que silenciosamen-te cria seus filhos para Deus. Há a esposa do pregador que, lá em casa, ora em prol da obra. E, na vida diária, abre mão de muitas coisas para não sobrecarregar o orçamento pastoral. Algumas das pessoas mais nobres do mundo inteiro não ganham fama nem publicidade. Tais pessoas necessi-tam de encorajamento. Precisam saber que o serviço cris-tão não se mede pela glória dos homens. É medido pela fidelidade ao próprio Jesus. 7.3. Há os que se sentem velhos, inúteis e até um fardo para os outros. O serviço cristão, porém, não é medido em forças físicas como já foi visto em varias ajudas da ebdareiabranca. Os mais velhos têm um

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caráter nobre e maduro, desenvolvido por longos anos de obediência a Cristo em todas as circunstâncias. E, também, acumularam meditações na Palavra de Deus. Na verdade são uma gran-de riqueza para dar conteúdo às personalidades mais jo-vens onde existe vigor sem maturidade. 7.4. Há obreiros desanimados por acharem que ninguém aprecia seus esforços. Uma palavra de apreciação, dando valor à obra, pode tirar um obreiro da depressão. Pode deixá-lo radiante e jubiloso no seu serviço cristão. As palavras de encorajamento só terão efeito se forem sinceras. Oremos para que o Espírito Santo nos inspire. Então, verdadeiramente apreciaremos o valor de nossos companheiros na fé e teremos amor por nossos vizinhos. 8. A soberania de Cristo. "Deus, de quem eu sou, e a quem sirvo..." Paulo, antes um fariseu independente e autossuficiente, gosta de dizer, como cristão, que Jesus o com-prara e que já não pertencia a si mesmo. A vida cristã é simples: basta reconhecer na prática, e nas atividades e palavras, que Jesus é o Senhor. Ele nos comprou na cruz. "E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que por eles morreu e ressus-citou" (2 Co 5.15). Se Jesus é nosso Salvador, também deve ser reconheci-do como Mestre. Se não está sendo Senhor de tudo em nossa vida, não é nosso Senhor de modo algum. Não po-demos servi-lo sem primeiro pertencermos a Ele. 9. "Ilumine o cantinho onde você está". "Deus te deu todos quantos navegam contigo". Não podemos escolher todas as situações em nossa vida. Assim como Paulo, Deus pode consentir que fiquemos em lugares difíceis. A finali-dade é nos transformar em bênçãos para outros. Para pes-soas que, de outra forma, nunca teríamos conhecido. Pode-mos lastimar o fato de morarmos ou trabalharmos no meio de ímpios. Mas este problema pode ser transformado em oportunidade. 10. Âncoras da alma. "Lançaram da popa quatro ânco-ras, desejando que viesse o dia". As tempestades da vida nos submetem a tremendas sobrecargas. Em tais ocasiões, precisamos de realidades espirituais sólidas, como âncoras para a alma. Nas tribulações e tentações, quais são as gran-des âncoras da alma? "Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade, estas três..." (1 Co 13.13). A fé se firma nas promessas de Deus. A esperança firma a alma com visões da expectativa futura. O amor nos leva a deixar de lado nossas próprias preocupações e ir ao encontro dos outros. A estas realidades podemos aplicar as palavras de 27.31: "Se vestes não ficarem no navio, não poderei salvar-vos". Não importa quão grande sejam as tempestades, as grandes realidades eternas segurarão nossa alma. Bibliografia M. Pearlman O Naufrágio na Viagem para Roma At 27.1-28.10 Paulo Viaja para Roma (At 27:1-12) Como peça literária, esta história descritiva da viagem e naufrágio nos mostram Lucas no ápice, sendo um clássico de sua espécie na literatura antiga. Lucas tem sido acusado de inventar essa história, ou de pelo menos haver adaptado um conto já existente, para seus propósitos pessoais. Todavia, James Smith há muito tempo demonstrou que a precisão da narrativa, em termos de geografia, condições atmosféricas e arte de navegação é de tal ordem que não poderia ser outra coisa senão o registro de uma viagem real (p. xxxii), enquanto o emprego da primeira pessoa é indicativo genuíno de que a viagem foi feita na companhia do próprio autor. O prazer do viajante em relatar aventuras, e o fato de as histórias a respeito de naufrágios serem coisa da moda nos dias de Lucas, seriam suficientes para explicar a extensão da narrativa. Todavia, a estas sugestões poderíamos acrescentar mais uma, a de que Lucas tinha em mente a crença popular segundo a qual o mar se vinga dos perversos (cp. 28:4) e que, por isso, Lucas teve um prazer especial ao contar uma história de livramento. Mas é possível, ainda, que Lucas estivesse criando um paralelismo com o relato do evangelho (veja 19:21-41), e que ele houvesse narrado a história pormenorizadamente como correspondendo à história da morte e ressurreição de Jesus (usando a tempestade e a segurança de

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Malta). Entretanto, seja qual for o motivo propulsor de Lucas, deixou-nos ele uma história maravilhosa da "misericórdia que nos acompanha", sem a qual Paulo jamais teria chegado a Roma. 27:1 Se Festo houvesse chegado à Judéia no começo do verão do ano em que tomou posse (digamos, no ano 59 d.C), talvez Paulo tenha sido colocado a bordo do navio no fim do verão ou no outono desse mesmo ano. Observe-se que se reinicia o relato na primeira pessoa do plural (ocorre pela última vez em 21:18), e a inclusão um tanto displicente que Lucas faz de si próprio na decisão das autoridades romanas de enviar os prisioneiros a Roma. Esta decisão não dizia respeito só a Paulo, embora o grego de Lucas possa estar fazendo distinção entre o apóstolo e os demais (num sentido muito estrito, a palavra significa "outros de natureza diferente"; teriam já sido condenados? ). Os prisioneiros foram colocados sob a guarda de uma escolta comandada por um centurião chamado Júlio, da corte augusta (NIV traz "do Regimento Imperial"). Essa escolta tem sido identificada como a Corte I Augusta, um regimento que, segundo inscrições, esteve na Síria após o ano 6 d.C, e na Batanéia (Basã, a leste da Galiléia) no tempo de Herodes Agripa II (cerca de 50-100 d.C). É possível que um destacamento dessa corte se houvesse aquartelado na Cesaréia. As obrigações atribuídas a Júlio normalmente cabiam aos centuriões. 27:2 A rota mais usada para ir a Roma passava por Alexandria, mas nessa ocasião Júlio conseguiu passagens para seus homens num navio de Adramítio, que estava prestes a navegar em demanda dos portos da costa da Ásia. Num desses portos tinham certeza de encontrar um navio de partida para Roma ou, em não havendo nenhum, descobririam meios em Adramítio de chegar à Grécia, atravessá-la e chegar assim à Itália. Adramítio era metrópole da região da Mísia, na província da Ásia, situada no golfo que lhe dera o nome. Lucas acrescenta que Aristarco, macedônio, de Tessalônica, estava com eles. Havia sido um dos delegados que acompanharam Paulo a Jerusalém (20:4; cp. 19:29), que talvez agora estivesse regressando à Macedônia, intencionando despedir-se de Paulo e Lucas em algum ponto da viagem. Por outro lado, ele é mencionado em Colossenses 4:10 e em Filemon 24 como tendo estado com Paulo em Roma. É possível, portanto, que ele houvesse acompanhado os irmãos nessa viagem, embora não seja men-cionado mais em Atos. Ramsay pensa que Aristarco e Lucas devem ter-se considerado "escravos" de Paulo, a fim de poder permanecer com o apóstolo (Paul, p. 316). Todavia, este navio não era militar, para transporte de tropas, não havendo razão para supormos que esses dois com-panheiros não houvessem comprado suas passagens como viajantes normais. Ehrhardt (p. 124) toma literalmente a descrição que Paulo faz de Aristarco em Colossenses 4:10, como quem "está preso comigo", e supõe que tenha sido remetido a Roma, com Paulo, para julgamento. 27:3 O primeiro porto a que chegaram foi Sidom, a mais de cem quilômetros de Cesaréia e a cerca de quarenta quilômetros ao norte de Tiro. Embora já houvesse visto melhores dias, esta antiga cidade ainda florescia sob o domínio romano. Tinha agora uma (pequena) comunidade cristã (cp. 11:19), evidentemente conhecida de Paulo desde tempos anteriores (11:30; 12:25; 15:3), e o centurião permitiu a esses crentes que visitassem Paulo na praia, concessão habitual; poderíamos aceitar a sugestão de que o grego deveria ser traduzido "permitiu que seus amigos o visitassem" a bordo (Ver os amigos: é tradução literal, que poderia ser designação de cristãos, como em 3 Jo 14. Esse termo era usado por outros grupos no primeiro século, mas seu uso pelos cristãos, se tivesse esse sentido, pode derivar do hábito de Jesus de chamar seus discípulos de amigos (cp. Lc 12:4; Jo 11:11; 15:13ss.). Mas o artigo definido no grego com frequência é empregado no sentido possessivo, que parece dar-nos a interpretação mais natural aqui — "seus amigos".). Seja como for, aos crentes sidônios foi permitido que cuidassem dele — talvez com alimentos e outras ofertas para a viagem. Caso Paulo fosse à praia, é evidente que iria escoltado. 27:4-5 O navio se fez ao mar de novo, navegando para leste e depois para o norte de Chipre, a fim de evitar os ventos de oeste e de noroeste do verão e início do outono. Dois anos antes esses ventos ajudaram Paulo a atravessar bem, até o lado oposto (21:2s.). Mantendo-se próximos da costa, tiravam vantagem dos ventos praianos e da corrente que vai para o oeste. Assim foi que o navio navegou devagar ao longo da costa da Cilícia e da Panfília, até chegar a Mirra, na Lícia (v. 5). De acordo com o

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texto ocidental, esta parte da viagem demorou quinze dias, o que seria razoável (cp. Luciano, Navigium 7). Mirra situava-se no rio Andraco, a cerca de cinco quilômetros do mar. Seu porto chamava-se Andriaca, mas o uso comum incluía o porto de Mirra, como Lucas faz aqui. Sob os romanos, quando Lícia era uma província separada, Mirra era sua capital. 27:6 Aqui o centurião encontrou um navio de Alexandria com destino à Itália, e para ele mandou transferir os prisioneiros. Lucas não menciona o tipo de navio, mas o fato de ele ter saído do Egito a caminho da Itália, e que sua carga era trigo (v. 38, mas cp. v. 18), indica que pertencia a uma frota de navios de cereais a serviço do governo. Nada há a estranhar que um navio assim estivesse em Mirra. Por causa da direção dos ventos contrários (veja v. 4), os navios de cereais egípcios regularmente seguiam essa rota a fim de obter espaço marítimo e aproveitar os ventos direcionados para o ocidente. 27:7-8 Parece que de fato os ventos contrários sopravam quando o navio saiu de Mirra. Foi, portanto, com dificuldade que tomaram o rumo do oeste, devagar, até chegarem a certo ponto defronte de Cnido. No quarto século a.C. esta cidade, que anteriormente situava-se mais longe, a leste, na península de Cnido, havia sido fundada de novo na ponta ocidental do promontório (o ponto mais longínquo a sudoeste da Ásia Menor). Além desse ponto eles não usufruiriam mais a proteção da terra, nem a ajuda dos ventos e correntes marítimas locais. Poderiam ter parado em Cnido a fim de aguardar condições melhores, mas decidiram continuar, confiantes em que chegariam à Itália antes do término da estação propícia às viagens marítimas. O vento de fato impediu-os de chegar direto à ilha de Cítera, ao norte de Creta, como talvez houvessem desejado. O único rumo era, então, o sul, antes que o vento noroeste soprasse, e velejar a sota-vento de Creta (v. 7). Assim foi que o navio rodeou o cabo Salmone, um promontório na face oriental da ilha (Cabo Sídero? ) e, a seguir, retomou o rumo do oeste com dificuldade, até chegar a um lugar chamado Bons Portos, na costa centro-sul de Creta, a três quilômetros a leste do cabo de Matala (v. 8). Este ancoradouro (conhecido ainda por esse nome) abre-se para o leste e sudeste, parcialmente protegido por várias ilhotas. Tal ancoradou-ro lhes teria servido de abrigo durante algum tempo, visto que a oeste do cabo de Matala ergue-se o continente ao norte, e assim eles estariam de novo expostos ao vento noroeste. Todavia, no inverno o lugar chamado Bons Portos de modo algum faz jus ao nome. Na melhor das hipóteses teria sido inconveniente; na pior delas, perigoso, visto que os ventos de leste e noroeste nessa estação sopram diretamente na baía. Lucas acres-centa que Bons Portos ficava perto da cidade de Laséia, que foi identificada numas ruínas a oito quilômetros de distância, a leste (pode ter sido a Lasos, mencionada por Plínio, Natural History 4.59; ocorre que nem Laséia nem Bons Portos são mencionados na literatura antiga). 27:9 Aqui lançaram âncoras durante muito tempo à espera de condições atmosféricas melhores. Quanto mais esperavam, mais perigo-so ficava prosseguir viagem, porque já era quase fim de ano. Entre os antigos, a estação perigosa para a navegação estendia-se de setembro a começos de novembro (cp. Vegetius, De re Militari 4.39; Hesíodo, Works andDays 619); depois, só se faziam as viagens mais urgentes em mar aberto, cessando as demais, até a primavera. Todavia, o dia da expiação já havia passado, e esse fato teria levado Lucas e Paulo a observar o jejum que marcava aquele dia para os judeus (O jejum: Têm sido feitas tentativas no sentido de identificar esse jejum com outros eventos. Parece haver pouca dúvida, entretanto, de que se trata do jejum judaico associado ao dia da expiação. Paulo usualmente marcava o tempo pelo calendário judaico [p.e., 1 Co 16:8], e poderíamos esperar que Lucas fizesse o mesmo, visto estar escrevendo [assim acreditamos] numa época em que os hábitos cristãos ainda eram em grande parte derivados do judaísmo, isto é, na segunda metade do primeiro século.). O dia da expiação caía no décimo dia de Tisri, o sétimo mês do ano judaico, correspondente em parte a setembro e outubro. Visto que o calendário judaico baseava-se na lua, a posição do mês variava de ano para ano, mas em 59 d.C. a data do jejum teria sido 5 de outubro, e como essa data já havia passado estavam avançados no mês de outubro com pouquíssimo tempo disponível para a navegação em segurança.

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27:10 Houve alguma discussão, portanto, quanto a se deveriam enfrentar o inverno em Bons Portos, ou tentar encontrar um lugar melhor onde fundear. Paulo apresentou sua contribuição ao debate advertindo as autoridades a que permanecessem onde estavam. Suas palavras, vejo que a viagem será desastrosa poderiam indicar um prenuncio dado por Deus (cp. vv. 21-26), mas não é preciso que as interpretemos como sendo mais do que simples prenuncio ditado pela experiência. Paulo era um viajante experimentado (cp. 2 Co 11:25), sendo por essa razão, sem dúvida, que se lhe pediu a opinião, ou se nada lhe foi pedido, pelo menos foi levada em consideração. Não fica bem claro se ele fazia parte do grupo de discussão, ou se fez que sua opinião fosse ouvida através do centurião. O caso é que sua opinião deveria ter sido acatada. Porém o caso não se tornou tão mau como ele havia esperado, não havendo perda de vidas. 27:11 Lucas nos dá a impressão de que a decisão final ficou com o centurião; os comentaristas têm suposto que assim teria sido porque o navio estava a serviço do governo. Todavia, Lucas poderia estar dizendo apenas que o centurião atendeu à opinião dos marinheiros, cuja opinião afinal ficou valendo. Outras considerações teriam sido feitas, além das condições atmosféricas, como a dificuldade para abastecer o navio em Bons Portos, havendo apenas uma pequenina cidade a oito quilômetros de distância (veja o v. 8). Quais teriam sido as posições relativas aos dois marinheiros mencionados neste versículo, não ficou bem claro. Um deles poderia ter sido o dono (como dizem NIV e ECA), mas a palavra não denota necessariamente a posição de proprietário; ele poderia ter sido o capitão, e o outro, o piloto, ou navegador. 27:12 Finalmente decidiu-se que deveriam tentar chegar a Fênice. Algumas informações dadas por Strabo (Geography 10.4) e Ptolemeu (Geography 3.17) parecem indicar que Fênice ficava no cabo Mouros, no sul de Creta, em que Lutro é o único porto de segurança; isso se enquadra bem na descrição dada por esses autores. Aqui uma península lança-se na direção do sul, com um braço que se estende para o leste, formando um porto totalmente protegido ao norte, a oeste e ao sul. Uma única dificuldade permanece na descrição que Lucas faz desse porto com Fênice, que é a seguinte: a descrição de Lucas faz o porto ficar de face para o nordeste e para o sueste, e se enquadra melhor com a baía voltada para o oeste, até hoje conhecida como Fineca através da península, desde o porto de Lutro. Os comentaristas modernos têm encontrado dificuldade em aceitar Fineca como a Fênice desta narrativa, por ser um porto muito mais pobre do que Lutro. Mas exames recentes da área sugerem que houve mudanças no contorno do litoral, desde que Lucas escreveu Atos. A baía ocidental já foi bem protegida, mas fenômenos naturais (terremotos) alteraram a topografia e cobriram uma enseada que se abria para o noroeste nos tempos clássicos. Ainda há uma enseada que se abre para o sudoeste e, considerando que os ventos de inverno vêm do nordeste e do leste, qualquer dessas enseadas ofereceriam abrigo razoável a um navio. Entretanto, esse mesmo vento contra o qual buscavam proteção removeria esse abrigo deles e levaria o navio à destruição. A Tempestade (At 27:13-26) 27:13 Havendo uma brisa soprando do sul, eles alimentavam grandes esperanças de alcançar o ancoradouro mais desejável de Fênice, a cerca de sessenta e quatro quilômetros a oeste. De início tudo correu bem, embora Lucas nos dê a impressão de que o cabo Matala só tenha sido alcançado depois de alguns momentos de muita tensão. A forma enfática pela qual ele inicia a declaração de que navegavam "mais de perto" (do que o desejável) ao longo da costa de Creta, implica a dúvida momentânea por parte deles quanto a serem capazes de safar-se. 27:14-15 Mas a seguir, ao atravessar as águas do golfo de Messara, entre o cabo Matala e Fênice, o vento de súbito virou. Um pé-de-vento, chamado euro-aquilão (gr. typhonikos, cp. nossa palavra "tufão") [Euro-aquilão: é palavra grega, eurakylon, que parece ser uma formação híbrida do grego euros, vento de leste, e do latim aquilo, vento do norte e, presumivelmente significa "vento do nordeste". Os gregos tinham um nome adequado para esse vento, kaikias, mas o latim não tinha um nome equivalente, pelo que os marinheiros romanos, na falta de um termo específico, aparentemente cunharam essa palavra. Ela está grafada numa inscrição latina (veja C. J. Hemer, "Euraquilo and Melita", JTS 26 [1975], pp. 101-11).]— desencadeou-se do lado da ilha — eis uma descrição gráfica de um fenômeno comum nas águas de Creta (J. Smith, p. 102). Os navios antigos eram incapazes de enfrentar o mar aberto, nem mesmo navegar contra o vento, como um iate moderno o faz (Sendo o navio arrebatado, e não podendo navegar

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contra o vento: Lucas emprega linguagem gráfica a fim de descrever esse desastre. Primeira-mente, ele se refere ao navio como tendo sido "arrebatado pela força do vento", e por isso puxado para longe; em segundo lugar, fala do navio como "incapaz de encarar o vento, olho a olho" [não aparece em ECA]. Era costume pintar olhos na proa dos navios, e a expressão de Lucas pode ter derivado daí, embora fosse também um termo de uso comum na vida cotidiana.). Com esse vento soprando sobre eles, vindo das montanhas de Creta, não tinham outra opção senão disparar adiante, pelo que se viram empurrados para o sul. 27:16 Assim foi que chegaram à proteção de uma ilhota chamada Clauda (em alguns textos, Cauda), a moderna Gavdos, a cerca de trinta e sete quilômetros do cabo Metala. Sob a proteção temporária dessa ilhota a tripulação fez os preparativos possíveis para enfrentar a tempestade. Um barco ("batel"[Pequeno barco]) que estava sendo rebocado à popa foi levantado e colocado a bordo (cp. v. 17). Por essa altura devia estar inundado, e teria sido difícil içá-lo. O emprego da primeira pessoa do plural, usaram de todos os meios, pode significar que o próprio Lucas foi obrigado a trabalhar fisicamente, e teria escrito estas palavras com algum ressenti-mento pelo grande esforço dispendido. Que isto com certeza deve ter acontecido percebe-se pela reversão à terceira pessoa do plural, no versículo seguinte, que descreve a operação mais difícil de cingir o navio, tarefa que só a tripulação sabia realizar. 27:17 A vela principal talvez ainda se mantivesse no lugar até agora, mas a tensão dessa enorme vela sob um vendaval teria sido superior à capacidade de resistência do casco do navio. O madeirame teria empenado e o barco soçobrado, não fosse o abrigo de Clauda. Aqui, eles passaram cordas por baixo da embarcação, cingindo o navio (Usaram de todos os meios, cingindo o navio: como indicamos acima, no texto grego a expressão "cingir" sugere que se empregou o processo conhecido por "amarração". Há outras sugestões segundo as quais as cordas foram amarradas longitudinalmente ao redor do casco, por fora, ou atravessando o navio, por dentro do casco, ou longitudinalmente acima do navio, da proa à popa, para evitar o abaulamento — que a quilha do navio se arrebentasse. "Cingidores", segundo se sabe, eram dispositivos do equipamento náutico grego para navios de guerra, mas não se sabe como eram usados.). No grego temos "com o uso de ajudas" — sem dúvida uma referência ao equipa-mento ("os aparelhos"), como blocos e talhas. A operação efetuada chama-se literalmente "cingir o navio", dando a impressão de que cordas teriam sido passadas verticalmente ao redor do barco, num processo denominado "amarração". A única dificuldade com que nos defrontamos é saber como conseguiram fazê-lo sob tais condições. Normalmente a "amarração" era executada estando o navio na praia. Vários comentaris-tas chegaram à conclusão de que essa operação simplesmente não poderia ter sido feita, e apresentam outras sugestões, todas as quais presumem, entretanto, que o verbo adquiriu um sentido bem mais amplo. No todo, é melhor presumir que o verbo tenha sido usado com seu significado original, total, e que os marinheiros dominavam a técnica de "amarrar" o navio até mesmo numa tempestade em pleno mar. Eles enfrentavam dois perigos: primeiro, que as ondas gigantescas pudessem emborcar o navio, ou esmagar sua estrutura, pelo que os marinheiros fizeram a "amarração"; segundo, que fossem arrastados para Sirte, nome grego de dois golfos rasos na costa da África. O maior desses, Sirte Maior (o golfo de Sidra), a oeste de Cirenaica, é o lugar mencionado neste versículo. Os marinheiros lhe temiam as águas rasas, cheias de rochas traiçoeiras e bancos de areia, e embora o perigo ainda estivesse a cerca de seiscentos e quarenta quilômetros de distância, estes homens do mar não queriam arriscar nada. Diz-nos Lucas que eles "arriaram os aparelhos" (assim diz o grego), que seria sua forma de mencionar a grande verga, que suporta a vela principal, embora várias outras sugestões tenham sido apresentadas, que vão desde o lançamento da âncora (NIV) até toda a aparelhagem náutica pesada. É evidente que precisavam de algumas velas, pois de outra forma o navio ficaria inteiramente à mercê dos ventos e das ondas. O objetivo dos marinheiros não era apenas navegar bem devagar, mas controlar o rumo. Os barcos romanos com frequência carregavam uma vela de proa, como este navio parece carre-gar, e essa teria sido suficiente para mantê-lo na direção do oeste e do norte, longe dos perigos da costa africana. Assim foi que o navio se viu arrastado, e eles se deixaram levar — não totalmente impotentes, mas fazendo o quanto lhes era possível naquela situação desesperadora.

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27:18-19 No dia seguinte, arrastado agora pela tempestade para longe do abrigo de Clauda, começaram a aliviar o navio, atirando ao mar aparentemente a carga do convés (cp. v. 38; Jn 1:5). No dia seguinte, lançaram ao mar a armação do navio (v. 19) — talvez qualquer coisa móvel que estivesse no convés. Alguns têm incluído aqui a bagagem dos passageiros, mas nesse caso esperaríamos o adjetivo possessivo "nossa", e não armação do navio. Todavia, pode ser correto acrescentar algum equipamento para uso dos passageiros, como camas, mesas, utensílios de mesa e coisas semelhantes. O comentário que os marinheiros fizeram tudo isso com as próprias mãos nos parece estranho, visto que de nenhum outro modo poderiam tê-lo feito, a menos que se intencione estabelecer um contraste entre o transe penoso atual e o equipamento padrão disponível num porto, para manuseio de cargas e aparelhagem. Há um texto (variante) do v. 19 que diz: "nós lançamos" em vez de "[eles] lançaram" que salienta o comentário sobre se o próprio Lucas estaria (de novo) envolvido em trabalho braçal. Tal redação, contudo, não tem boa aceitação. 27:20 O pior de tudo era a incerteza sobre onde estavam. Havia já muitos dias, nem sol nem estrelas apareceram, pelo que estavam privados de todos os meios de calcular sua posição, ou até mesmo de determinar com alguma precisão a direção do navio (é claro que não dispunham de bússola). A medida que os dias passavam desvanecia-se toda a esperança de livramento ("fugiu-nos toda a esperança de nos salvarmos", imperfeito passivo). Tanto os passageiros como os tripulan-tes caíram no desânimo. 27:21-22 Quando a má situação chegou ao auge, havendo eles estado muito tempo sem comer (v. 21) — o que não era incomum naqueles dias numa tempestade marítima, pelo fato de o alimento estragar-se, ou pela impossibilidade de cozinhá-lo, Paulo dirigiu-se às pessoas do navio. Não era a primeira vez que enfrentava os perigos de uma tempestade (2 Co 11:25), e baseado em sua experiência passada e fé presente, ele tinha palavras de encorajamento para todos — não antes, porém, de permitir-se lembrá-los de que, Senhores, devíeis, na verdade, ter-me ouvido a mim e não ter partido de Creta (v. 1). "Essa característica da natureza humana, sempre disposta a provar que tinha razão, é um sinal da fidelidade de Lucas; ele não se esquece do homem no apóstolo" (Rackham, p. 497). Há um pouco de ironia na expressão paulina. O grego refere-se àquelas pessoas "ganhando" esta "perda". Entretanto, ele lhes assegurou que ninguém perderia a vida (contraria-mente à predição anterior, v. 10); só o navio é que se perderia. 27:23-24 Paulo acrescenta umas explicações. Durante a noite o anjo de Deus, de quem eu sou e a quem sirvo, havia dado a Paulo a certeza de livramento (cp. Jn 1:9). A luz da promessa de 23:11, Paulo poderia de alguma forma sobreviver à tempestade, embora a depressão com frequência traga dúvidas, e nenhuma razão tenhamos para excluir Paulo do desânimo que havia tomado conta de todos (v. 20). Seja como for, no que concerne a Paulo, a visão angélica lhe confirmou a promessa de que ele daria testemunho em Roma. Mas foi-lhe também dito que Deus "lhe fizera um favor" (Deus te deu todos os que... esse é o sentido do verbo grego no tempo perfeito) ao poupar as vidas das pessoas que estavam com ele. (Seria essa a resposta a suas orações em prol daquele povo? 27:25-26 As últimas palavras de Paulo foram um testemunho. O apóstolo exorta o pessoal do navio a ter bom ânimo, porque se podia confiar em Deus (v. 25). Eles não se perderiam no mar, contudo é necessário irmos dar numa ilha (v. 26). Este pormenor pode ter sido uma parte da revelação divina, e Paulo poderia estar falando profeticamente, como também poderia ser sua própria dedução, tirada da certeza de que todos sobreviveriam embora o navio se perdesse. O Naufrágio (At 27:27-44) 27:27 Por volta da meia-noite na décima quarta noite após terem saído de Bons Portos (alguns dizem de Clauda) os marinheiros detectaram sinais de terra próxima. É possível que tenham ouvido as ondas quebrando-se na praia, sugestão que tem o apoio do Codex Vaticanus que, em vez de "estavam próximos de terra" (como diz a maioria dos textos) traz "ressoando". A tradição, como regra, para procurar identifi-car um local bíblico, é inconfiável. Neste caso, todavia, temos todas as razões para achar que os navegantes chegaram, conforme diz a tradição, à baía de São Paulo, na ilha de Malta. Se assim foi, o navio teria passado dentro de um raio de quatrocentos metros de Ponto Koura, a leste dessa

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baía e, embora a terra aqui seja demasiado baixa para ser vista numa noite escura e tempestuosa, as ondas que se quebram podem ser ouvidas a alguma distância. Tanto o lugar como o tempo exigido para alcançar essa baía (uma distância de 475 milhas marítimas a partir de Bons Portos) parecem confirmados pelos cálculos de Smith. Presumindo-se a direção do vento (ENE) e a velocidade média de derivação de um navio grande costeando a estibordo (aproximadamente um pouco mais de três quilômetros por hora), concluiu ele que "um navio, fazendo-se ao mar ao entardecer... ao redor da meia-noite do décimo-quarto dia estaria a menos de cinco quilômetros da entrada da baía de São Paulo" (pp. 120-24) [Sendo nós ainda impelidos: a tradução deste verbo diapherein admite muitas acepções, visto que se supõe que "foram arrastados para diante e para trás" (RV, cp. AV), como que inteiramente fora de controle, ou que teria mantido um curso firme. Favorecendo esta última acepção, vemos que em Atos a força usual do prefixo dia expressa um movimento contínuo para a frente, avançando sobre um espaço amplo. No Adriático, lit, "na Ádria": Adriático é o nome moderno desse mar, entre a Itália e os Bálcãs, mas nos tempos antigos era nome de uma região maior, abrangendo Malta, Itália, Grécia e Creta (cp. Ptolomeu, Geography 3.4 e 14ss.; Josefo, Lífe 13-16).]. 27-28 As suspeitas dos marinheiros se confirmaram quando eles lançaram a sonda e acharam vinte braças (trinta e cinco metros) de profundidade. Estas correspondem bem às medidas tomadas no Ponto Koura, próximo da baía de São Paulo. O homem que lançava a sonda estaria gritando as medidas, de tal forma que Lucas e o timoneiro podiam ouvi-las. 27:29 A proximidade de terra exigia medidas de segurança, pelo que lançaram da popa quatro âncoras para evitar que dessem de encontro às rochas, e ficaram aguardando o amanhecer. Tais âncoras eram relativamente leves, segundo os padrões modernos, por isto esse número (quatro) era necessário. Lançar âncoras da popa não era comum, mas lançá-las da proa teria feito o navio girar pela força do vento e, sem saber a que distância da praia estavam, os marinheiros teriam ficado em dúvida quanto a se poderiam fazê-lo voltar à posição normal, e fazê-lo fundear pela manhã. 27:30 Mas a tripulação, ou pelo menos alguns tripulantes — não sabemos quantos homens compunham a tripulação, nem o tamanho do barco — não teve calma para esperar o amanhecer. Para eles, que "cada um cuidasse de si próprio", e fingindo que eram necessárias mais algumas âncoras da proa para ajudar a estabilizar o navio, e que precisavam lançá-las na extremidade do cabo em vez de atirá-las do convés, colocaram o bote na água a fim de escapar. O que pretendiam fazer na escuridão da noite, numa praia desconhecida, parece-nos o cúmulo da imprudência, sendo isto tudo que se poderia dizer a respeito. Qualquer pessoa ajuizada teria considerado o próprio navio, muito maior, bem mais seguro, pelo menos até o amanhecer. Por outro lado, é possível que desejassem sinceramente lançar mais âncoras, e que a intenção deles havia sido mal interpretada pelos passageiros. 27:31-32 Seja como for, Paulo apelou para o instinto de autopreservação dos marinheiros (não podereis salvar-vos, v. 31), e insistiu em que os homens ficassem a bordo. O centurião reagiu imediatamente — talvez tenha exagerado na reação — e fez que seus soldados cortassem as cordas que prendiam o barco. O resultado foi que o barco, que poderia ser útil quando todos finalmente viessem a abandonar o navio, se perdeu, mas o fato importante é que os marinheiros foram retidos (na suposição de que pretendiam fugir), e puderam ajudar a colocar o barco mais perto da praia, pois de outra forma os passageiros poderiam estar condenados à morte. Por toda a narrativa verifica-se um lindo equilíbrio entre a certeza do cuidado de Deus quanto à segurança de todos, e os esforços das pessoas para assegurá-la. Observe a autoridade com que Paulo (veja sua vida em ajuda ebdareiabranca) agiu nesta situação, e também nos demais versículos. 27:33-34 Estando amanhecendo agora, Paulo exortava a todos a que comessem alguma coisa (v. 33). O tempo todo haviam sido acos-sados pelo vento terrível, e atirados de lá para cá pelas ondas, desde Creta a este lugar (cp. Ef 4:14), sem comer (v. 33). Diz o grego literal-mente, "nada haviam tomado". Nos navios da época não havia mesas postas, nem garçons para servir as refeições. A pessoa que quisesse comer deveria ir buscar a comida na cozinha do navio. Assim, é possível que Paulo quisesse dizer que as pessoas não haviam ido buscar suas rações regulares — ou porque haviam perdido o apetite completamente, ou porque a cozinha não pudera funcionar durante a tempestade. Talvez as pessoas

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houvessem subsistido com algum alimento que tinham à mão, ou simplesmente haviam jejuado o tempo todo. Fosse como fosse, Paulo agora exortava a todos a que comessem. Iriam precisar de toda a sua energia, se quisessem chegar à praia. O apóstolo era um homem de fé prática (veja os vv. 31s.). De novo ele lhes assegurou que estariam salvos, empregando agora o que deveria ser um provérbio na época, nem um cabelo cairá da cabeça de qualquer de vós (v. 34; cp. 1 Sm 14:45; 2 Sm 14:11, RSV; 1 Rs 1:52; Mt 10:30; Lc 21:18). 27:35-36 Paulo acrescenta a essa exortação seu próprio exemplo; ao tomar um pouco de pão, deu graças a Deus (v. 35), partiu-o e pôs-se a comê-lo. O fato de o apóstolo haver dado graças a Deus talvez indique apenas o costume judeu e cristão de dar "graças" às refeições, e essa teria sido uma refeição comum. Entretanto, a descrição é tão parecida com várias outras descrições de refeições presididas por Jesus, e de modo especial aquela Última Ceia (cp. Lc 9:16; 22:19; 24:30), que às vezes há quem diga que esta refeição foi "um ritual da comunhão" para dois ou três cristãos a bordo. Isto pode ser questionado, mas a ação de Paulo produziu o efeito desejado: Todos cobraram ânimo, e se puseram também a comer (v. 36). 27:37 Lucas dá o número de pessoas a bordo: duzentas e setenta e seis. Isto às vezes surpreende os modernos leitores, levando-os a aceitar o número mais modesto de setenta e seis, que se encontra em alguns textos. Todavia, o número maior não apresenta maiores dificuldades. Muitos navios cerealistas alexandrinos de fato eram enormes. Josefo, que também havia naufragado um dia nessas águas (mar Adriático; veja a nota sobre o v. 27), foi um passageiro dentre outras seiscentas pessoas, mais ou menos, a bordo de um navio (Life 3). Lucas talvez houvesse mencionado esse número, nessa conjuntura, porque a distribuição de víveres lhe havia chamado a atenção. Mas a maravilha real é que todos se salvaram. No caso de Josefo, apenas oitenta das seiscentas pessoas sobreviveram. abnegado 27:38 Depois começaram (talvez só a tripulação) a aliviar o navio, alijando o trigo ao mar. Outras cargas já haviam sido atiradas à água (v. 18), mas o trigo havia sido preservado até agora, em parte como lastro e em parte na esperança, talvez, de poder ser salvo. O trigo sempre havia sido muito caro em Roma. O propósito daqueles homens era tornar o navio mais leve (carregado, ficaria mais seis metros dentro da água), e assim poder aproximar-se mais da praia. 27:39 Quando finalmente havia luz suficiente, nem assim os mari-nheiros puderam reconhecer o lugar onde estavam, mas o que mais importava no momento foi que viram uma enseada com uma praia. É possível que houvessem frequentemente aportado em Malta (cp. 28:1), mas a baía de São Paulo é muito longe do principal porto, e não podia ser reconhecida por alguma característica distinta. O tempo imperfeito dá-nos o sentido de "tentaram reconhecer o lugar... mas não puderam". Em 28:1 temos o mesmo verbo, mas no tempo aoristo, indicando que houve pronto reconhecimento ao desembarcar. 27:40 Na esperança de fundear o navio na areia (sendo seu objetivo salvar as pessoas, não o navio), os marinheiros lançaram âncoras da popa e soltaram também as amarras do leme —dois remos, um de cada lado. Tais remos haviam sido levantados acima da água e amarrados, estando o navio preso pelas âncoras. Ao mesmo tempo, a vela da proa (o significado da palavra grega é duvidoso, mas este seria seu sentido aqui; veja o v. 17), que havia sido arriada antes do anoitecer, foi içada de novo para dar direção ao navio e, assim, dirigiram-se à praia. 27:41 Mas o navio deu num banco de areia (lit., "lugar de dois mares"), onde ficou encalhado. Tendo vento forte por trás, não havia jeito de safá-lo dali, especialmente pelo fato de a baía de São Paulo ter "um fundo de lodo, sobreposto em argila dura, em que a parte dianteira, ou a proa, teria batido com força, enquanto a popa ficara exposta à fúria das ondas"(Ramsay, Paul, p. 341). Smith sugere que isto aconteceu no canal, a não mais que duzentos e cinquenta metros entre a ilhota de Salmoneta e o continente. Este estreito poderia ser descrito apropriadamente "lugar onde dois mares se encontram", porque une o mar dentro da baía com o mar ao longe. Um local mais comumente aceito, entretanto, é o banco de areia chamado São Paulo, que fica à entrada da baía, o qual era mais elevado em tempos antigos. O choque da proa contra o fundo do mar, mais os impactos das ondas, teriam despedaçado a popa. Na verdade, alguns textos omitem a referência às ondas, e assim dão esse sentido ao versículo. O tempo imperfeito podia levar a esta interpretação: "começou a arrebentar-se".

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27:42-44 Estando o navio condenado, os soldados eram de opinião que todos os prisioneiros fossem mortos antes que algum dentre eles escapasse e eles fossem responsabilizados (cp. 12:19; 16:27). Todavia, querendo salvar a Paulo, o centurião estorvou-lhes este intento (v. 43) —a palavra "salvar" significa conduzir em segurança no meio do perigo. Portanto, ele deu ordens para que todos procurassem chegar à praia da melhor maneira que pudessem — os que soubessem nadar, que partissem imediatamente. Paulo poderia estar incluído aqui, visto ter sobrevivido a três naufrágios e ter passado uma noite no mar (2 Co 11:25). Os que não soubessem nadar deveriam agarrar-se a tábuas e outros em destroços do navio (v. 44). A última frase todavia poderia ser traduzida assim: "às costas dos membros da tripulação". Assim foi que desta ou daquela maneira todos chegaram à terra salvos (v. 44; cp. vv. 22, 34). Desembarque em Malta (At 28:1-10) 28:1 A ilha de Malta [a ilha se chamava Malta: Expressa-se às vezes a opinião de que eles não teriam chegado à ilha de Malta (Sicula Melita), mas a Melita Ilírica (Mljet), no golfo Adriático (veja A. Acworth, "Where was St. Paul Shipwrecked? " JTS 24 [1973], pp. 190-93; mas veja também C. J. Hemer, "Euraquilo and Melita", JTS 26 [1975], pp. 101-11). Esta teoria baseia-se numa definição muito estreita do mar de Ádria, que ao redor do décimo século d.C; quando esse conceito foi comentado pela primeira vez, limitava-se, como agora, ao braço de mar exis-tente entre a Itália e os Bálcãs. Em todo o caso, é longe demais da rota provável do navio (veja a nota sobre 27:27).], onde os viajantes se encontravam agora, fica a cerca de noventa e seis quilômetros da Sicília. É uma ilha de cerca de trinta quilômetros de comprimento por onze de largura. A sudoeste, os rochedos cortam abruptamente o mar, mas na costa nordeste há muitas enseadas e baías. O maior porto é onde fica hoje a cidade de Valetta. A baía de São Paulo fica cerca de onze quilômetros a noroeste da cidade. Os fenícios haviam ocupado a ilha logo após o início do primeiro milênio a.C. A influência deles permaneceu forte no meio da mistura de culturas que sobreveio, e ainda era evidente, no primeiro século d.C, no dialeto cartaginês dos malteses. A ocupação fenícia ficou testemunhada em moedas e inscrições, sendo observado por Lucas em sua descrição dos malteses como sendo "nativos" (vv. 2, 4; NIV traz "ilhéus"). Algumas versões trazem "bárbaros" — não porém no sentido moderno que damos à palavra, mas como os gregos a empregavam: os povos que não falavam grego (as línguas estrangeiras soavam como "bar-bar" a seus ouvidos). Isto poderia indicar que talvez Lucas fosse grego. Malta (ou Melita) é nome fenício, e significa "refúgio". É possível que Lucas soubesse disso quando escreveu este versículo, que poderia ser parafraseado desta maneira: "Verificamos que a ilha merecia o nome que tinha". A ilha havia passado dos gregos sicilianos para os cartagineses, e destes para os romanos. Era governada agora por um procurador, que pode ter sido o Públio que Lucas menciona no v. 7. 28:2 Os estranhos que caíssem no meio de povos tão rústicos como este com frequência recebiam tratamento hostil. Nesta ocasião, porém, os sobreviventes se viram tratados com não pouca humanidade. Acrescentou-se a seus sofrimentos chuva e frio, de modo que a fogueira que os nativos acenderam foi um grande gesto de boas-vindas. É difícil imaginar de que modo duzentas e setenta e seis pessoas do navio puderam agrupar-se ao redor do fogo, mas é possível que Lucas esteja descrevendo apenas o que aconteceu ao grupo que incluía os cristãos. Talvez outras fogueiras tenham sido acendidas, cada uma com um grupo de náufragos. 28:3-4 Paulo não estaria imobilizado sob o peso de uns grilhões, mas algemado com uma corrente leve. De outra forma ele dificilmente conseguiria escapar, caso o tentasse. Assim é que ele procurou ajudar de alguma forma, e pôs-se a cuidar da fogueira. Ao fazê-lo, uma víbora da lenha que ele segurava picou-lhe a mão. A primeira reação dos nativos foi a de ver nesse incidente um julgamento sobre o prisioneiro. Talvez possamos distinguir nas palavras deles, como Lucas as registrou, uma referência a Dike, a deusa grega da justiça, filha de Zeus e de Themis (de acordo com Hesíodo), ou a um de seus próprios deuses cujo nome Lucas descreveu dessa maneira. Fosse como fosse, julgaram que Nêmesis apanhara a Paulo, e que este fatalmente morreria (a Justiça não o deixa viver, v. 4). Bruce menciona um poema grego que

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fala de um "assassino que escapou de uma tempestade marítima, naufragou na costa líbia, e acabou morto por uma víbora" (Book, p. 522, n. 11). Se histórias desse tipo estivessem sendo contadas, não é de estranhar que os malteses reagissem dessa maneira. Tinham visto que Paulo era um prisioneiro, e supuseram a partir desse incidente que se tratava de um assassino, visto que morte exige morte. 28:5-6 Entretanto, Paulo simplesmente sacudiu a cobra no fogo (v. 5). Talvez nem houvesse percebido tratar-se de uma víbora, estando aparentemente desinteressado, ou ciente de que estava sob os cuidados de Deus (cp. 23:11). Demonstrou-se, assim, que Marcos 16:18 diz a verdade (a menos que este texto do evangelho se baseie nesse incidente; mas cp. Lc 10:19, e também Sl 91:13). Nenhum efeito maligno sobreveio a Paulo. Os nativos, porém, esperavam que Paulo viesse a inchar ou a cair morto de repente (v. 6). Quando entenderam que isso não aconteceria, mudaram de opinião e passaram a dizer que ele era um deus (cp. 14:11s.). Como é inconstante a opinião humana! Parece que jamais pararam um pouco para pensar em como um deus poderia permi-tir-se cair prisioneiro dos romanos. A atitude de Lucas quanto a este incidente tem sido objeto de disputa. Alguns o acusam de ter comparti-lhado a opinião dos nativos sobre Paulo. Mas embora Lucas com toda a certeza acreditasse que Paulo, bem como todos os demais apóstolos, possuíssem poderes miraculosos, nunca o colocou à parte, como o fizeram os nativos, como se o apóstolo não fosse um ser humano (veja sobre 27:21). Na verdade, longe de endossar a avaliação deles, parece que Lucas tenciona zombar deles nesta passagem. Hoje não há víboras em Malta, mas ficam abaixo da crítica os que sugerem que, por essa razão, esta história não é verdadeira. Dezenove séculos de habitação humana explicam o desaparecimento das víboras (e também da lenha de fogueira nas vizinhanças da baía de São Paulo). 28:7 Aconteceu que os náufragos desembarcaram perto das terras de um Públio, o principal da ilha. Não há certeza quanto a se Lucas com esta expressão quis referir-se ao procurador romano, ou a um mero dignitário local, mas o emprego em Malta do título de "chefe" ou "principal" (gr.protos) é confirmado por inscrições. É curioso que Lucas não nos dê seu nome completo, com sobrenome, mas apenas seu primeiro nome. Isto pode refletir o costume local. Entretanto, se ele não era o procurador, pode ter sido cidadão romano, e Públio (gr. Poplios) seria seu único nome. Não sabemos se Públio recebeu todos os duzentos e setenta e seis náufragos, ou apenas um pequeno grupo que incluía Paulo. Visto ter sido por três dias apenas, e suas propriedades fossem grandes, com muitos escravos, talvez ele tivesse podido cuidar de um número tão grande de pessoas. Entretanto, ele o fez bondosamente, sem resmungar. E sua bondade foi recompen-sada (cp. Mt 10:40ss.). 28:8-10 O pai de Públio estava de cama, doente com febre [gástri-ca] e disenteria, que segundo consta são endêmicas, como a "febre de Malta". Lucas emprega o plural, ao falar de "febres" intermitentes. Então, Públio teve a felicidade de ver seu pai curado mediante a oração de Paulo e a imposição de mãos. Espalharam-se bem depressa as notícias sobre essa cura, de modo que doentes da ilha toda vieram a Paulo para receber cura. Esta história tem alguma seme-lhança com a da sogra de Pedro sendo curada por Jesus; ela estava de cama com febre, e após sua cura muitos doentes chegaram depois àquela casa (Lc 4:38ss.). Lucas emprega o pronome nos, no v. 10, o que levanta a questão: será que ele utilizou sua perícia médica, de modo que ele também teria recebido muitas honras como compensação pelos seus serviços? Todavia, Paulo é o centro das atenções sempre; Lucas deve ter sido incluído como beneficiário indireto das dádivas atribuídas ao após-tolo. A expressão grega para muitas "honras" (NIV diz "de muitas maneiras") às vezes é empregada no sentido de remuneração por serviços prestados; mas não podemos crer que Paulo ou Lucas teriam cobrado por quaisquer serviços que houvessem prestado (cp. Mt 10:8). Em vez disso, devemos entender que tais honras foram ofertas espontâneas, expressões voluntárias de gratidão, as quais proveram os viajantes de tudo de que precisariam (haviam perdido tudo) durante o resto de sua viagem. Lucas não apresenta nenhum comentário sobre o significado espiritual mais profundo de tais incidentes. Na narrativa da tempestade e do naufrágio, ele apresentou Paulo como profeta; na sequência, como operador de milagres. Para Lucas isso basta. Ele não se interessa por responder às perguntas levantadas entre os leitores modernos: "Pregou Paulo o evangelho enquanto exerceu seu ministério de oração e

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cura? Algum habitante de Malta foi ganho para Cristo? O grupo apostólico deixou atrás de si uma comunidade cristã? O registro de Lucas silencia; podemos, porém, crer que houve aqui uma oportunidade evangelística boa demais para ser desperdiçada" (Martin, pp. 136s.). Bibliografia D. J. Williams MALTA Estando já salvos, soubemos então que a ilha se chamava Malta. At 28.1 O nome grego dessa ilha é Melita. Podemos observar, neste ponto, a continuação da última seção nós do livro de Atos, observável no uso da primeira pessoa do plural, no verbo verificamos. Essas chamadas seções nós, foram aquelas em que Lucas escreveu como alguém que participou pessoal-mente dos acontecimentos narrados. É possível que anotações em um seu diário de viagens tivessem sido utilizadas no teor do livro de Atos. Assim, pois, Lucas deveria ter passado, em companhia de Paulo, a experiência do naufrágio e do salvamento, tendo escrito como testemunha ocular dos fatos ocorridos. Malta. A antiga ilha de Malta, cujo nome significa refúgio, no idioma fenício, é uma ilha que fica quase no centro do mar Mediterrâneo, cerca de noventa e sete quilômetros ao sul da ilha de Sicilia. Seu território é de cerca de cento e cinquenta e três quilômetros quadrados. Alguns estudiosos têm pensado que a ilha de Malta, neste capítulo, devido à sua forma escrita no grego koinê (Melite), é realmente a ilha de Meleda ou Mitilene, ao largo das costas marítimas da Dalmácia, sugestão essa apoiada pela menção do «mar Adriático», em At 27:27. Pois o mar Adriático, se esse nome for usado conforme o uso moderno, não ultrapassa de um ponto que não inclui a ilha de Malta antiga. Assim é que praticamente todos os eruditos acreditam que a ilha onde Paulo e seus companheiros de naufrágio desembarcaram é realmente a atual ilha de Malta. Essa ilha veio a ser ocupada no século X A.C., pelos fenícios. Posteriormente, gregos sicilianos ocuparam esse minúsculo território. A arqueologia tem podido encontrar inscrições bilíngues, pertencentes ao pri-meiro século da era cristã, na ilha de Malta. No ano de 218 A.C, os romanos tomaram a ilha dos cartagineses, que a vinham controlando desde 402 A.C. (ver Lívio xxi.51). Posteriormente a ilha obteve a posição de civitas, isto é, os naturais da região eram considerados cidadãos romanos. A passagem de Atos 28:2,4 chama os habitantes da ilha de bárbaros; mas isso significa, meramente, que eles não falavam o grego, ou, pelo menos, que o grego não era a língua nativa deles, embora talvez compreendessem bem o grego, segundo também se verificava na maior parte do mundo antigo, dentro e mesmo fora do império romano, naquela época. Os habitantes de Malta falavam um dialeto fenício, também chamado púnico. Públio um dos chefes da ilha, chamado no sétimo versículo deste vigésimo oitavo capítulo de «homem principal», provavelmente, derivava a sua autoridade do propraetor da Sicília. O título que é conferido aqui a ele (no grego, protos), é confirmado por muitas inscrições. (Ver Corpus Inscriptionum Graecarum xiv 601; Corpus Inscriptionum Latinarum x. 7495). Malta era ilha famosa por seu mel de abelhas, seus frutos, seus tecidos de algodão, seus edifícios de pedra e suas raças de cães. Os seus templos, dedicados à deusa Juno, certamente continham consideráveis riquezas, porquanto tornaram-se objetos pilhados por Varro, o pretor da Sicília. (Ver Cícero, In Ver. iv.46). No ano de 1761, perto de um lugar dessa ilha, chamado Ben Ghisa, foi descoberta uma cova sepulcral onde havia uma pedra quadrada que continha inscrições em caracteres púnicos ou fenícios, que alguns supõem ter sido o local do sepultamento do famoso general cartaginês, Anibal, ou, pelo menos, das suas cinzas mortuárias. Essa inscrição dizia: «Câmara interna do santuário do sepulcro de Aníbal, ilustre na consumação da calamidade. Ele foi amado. O povo lamenta, disposto em ordem de batalha, por Anibal, filho de Bar Meleque». Dessa maneira, portanto, o tufão empurrou o navio em que Paulo viajava, por nada menos de setecentos e sessenta e seis quilômetros, desde a ilha de Clauda até à ilha de Malta, onde Paulo e seus colegas de naufrágio passaram três meses. (Ver At 28:13).

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Sumário de Ocupação: A arqueologia tem demonstrado que essa ilha vem sendo ocupada desde o período neolítico, antes de 2000 A.C. Ali havia uma civilização, na era do Bronze, no século XIV A.C. Os fenícios colonizaram a ilha, tornando-a um centro comercial. Disso resultou grande prosperidade, e os habitantes chegaram a fundar colônias nas costas da África. Em seguida veio o domínio dos cartagineses, que governaram as costas do Mediterrâneo, dos séculos VI a III A.C. A arqueologia tem averiguado as condições dessa época mediante o descobrimento de muitos artefatos, moedas, inscrições, etc. Roma entrou em choque com os cartagineses e daí resultou uma série de conflitos armados, em busca do domínio sobre o mar Mediterrâneo. Roma saiu-se vencedora na refrega, e assim a ilha de Malta passou para as mãos dos romanos, em cerca de 281 A.C. Então, a ilha foi transformada pelos romanos em um municipium, dotada de grande controle local, de acordo com as normas romanas usuais. Ao que parece, finalmente, a cidadania romana foi concedida aos habitantes da ilha, embora haja dúvidas quanto ao tempo em que isso sucedeu. A literatura romana, como aquela de autoria de Cícero, contém descrições entusiasmadas sobre a ilha de Malta e suas edificações. Augusto, o imperador, nomeou um procurador para governá-la. Ele é chamado, em Atos 28:7, de «principal» (no grego, ó prótos, «o primeiro»). As tradições afiançam (embora não saibamos dizer com que exatidão) que Públio era o chefe da ilha quando Paulo passou por ali. Ele se converteu ao cristianismo, e isso deu início a uma comunidade cristã na ilha. Catacumbas, datadas dos séculos IV e V D.C., confirmam a cultura e a fé cristãs estabelecidas em Malta. Quando o império romano do Ocidente esboroou-se, em fins do século IV D.C., Malta passou para a influência bizantina. No século IX D.C., tornou-se parte dos domínios árabes islâmicos. Bibliografia J. M. Bentes O Naufrágio de Paulo Festo entregou Paulo ao centurião chamado Júlio, da coorte imperial de Augusto, cujos oficiais e homens viajavam por todo o império prestando serviços de escolta e correio. Júlio reuniu um destacamento de cerca de doze soldados. Paulo era o único prisioneiro de influência, e recebeu permissão para levar dois assistentes, relacionados como seus escravos pessoais: Aristarco e Lucas, o médico. Os outros presos eram criminosos a caminho da morte, quer como comida de leões na arena, quer, se fortes o suficiente, como aprendizes de gladiadores. Estes iam acor-rentados nos porões, mas Paulo e seus assistentes tinham liberdade de movimento, embora ele devesse sempre usar uma corrente leve, símbolo de sua condição. No porto de Cesaréia Júlio encontrou um navio de Adramítio, a leste de Assôs na província da Ásia, que estava de partida com uma carga do Levante. Embarcaram, esperando encontrar ou-tro navio para Roma em uma das localidades em que aportas-sem. Se o navio fosse por demais devagar ao ponto de passar da estação, ele podia, de Adramítio, atravessar para Neápolis, perto de Filipos, e conduzir o grupo por terra, e então atravessar o Adriático chegando a Brindisi. De qualquer modo, ele es-perava tê-los em Roma no final de outubro. Partiram de Cesaréia na última semana de agosto de 59, na frente de uma leve brisa ocidental, e aportaram por um dia em Sidom. Júlio permitiu que Paulo desembarcasse, desta forma mostrando uma bondade que era mais do que o respeito devido a um cidadão romano. Como outros militares, Júlio sucumbiu rapidamente ao charme e autoridade de Paulo. Os cristãos de Sidom ofereceram a Paulo, e possivelmente a Lucas e a Aris-tarco, calorosa hospitalidade e preencheram quaisquer necessidades que tivessem para a longa viagem. O vento ocidental impediu-os de atravessar o mar aberto ao Sul de Chipre, a rota direta de uma viagem de volta de dois anos atrás, da qual Lucas se lembrava. Tiveram de manter-se entre Chipre e a costa da Cilicia. Uma vez mais Paulo avistou a cordilheira do Tauro, azulada na distância, além da planície, onde passara a infância. Quando as montanhas se aproximaram do mar, o navio apegou-se à costa, usando as brisas costeiras, a corrente ocidental, e aportando todas as noites. Lucas a tudo anotava. Ele não era marinheiro, mas descrevia suas observa-ções com linguagem tão exata que quando, nos meados do século dezenove, um curioso escocês com um iate e grande conhecimento de navegação retraçou a rota

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de Paulo, descobriu que os detalhes dos ventos, do mar e da costa dessa famosa viagem com seu final desastroso eram fiéis à realidade. A viagem pela costa sul anatolina foi lenta e trabalhosa. Du-rante quinze dias Paulo e seus amigos não desceram à terra. O calmo e agradável clima mediterrâneo significava calor e miséria para os réus abaixo, e impaciência para os soldados confinados num navio pequeno, entre sacos de frutas secas que, provavel-mente, compunham a maior parte da carga. Júlio teve opor-tunidade suficiente para conhecer seu principal prisioneiro; se houve conversão, Lucas é por demais discreto para mencioná-la, mas as ações subsequentes de Júlio sugerem essa possibili-dade. Atravessaram o golfo de Atália, onde, muito tempo atrás, Paulo e Barnabé estiveram na primeira viagem missionária. A frente estavam os montes da Lícia. A esta altura, nos meados de setembro, o tempo podia apresentar-se instável. Os topos das montanhas desapareciam nas nuvens, e o terreno baixo, que se estreitava até formar uma ponta, contrastava com céus ocidentais mais claros pela tarde. Paulo jamais entrara nessas montanhas, mas a fé, vinda de suas igrejas missionárias do Norte e do Leste, já devia ter-se espalhado pelos vales. Quando, afinal, o navio chegou ao porto de Mirra, cerca de um quilómetro e meio distante da cidade e à entrada de um grande desfiladeiro, aí já podia haver uma igreja. Mirra, que hoje se encontra de-serta, veio a ser importante bispado e, mediante peculiar dis-torção histórica e folclórica, São Nicolau de Mirra tornou-se Papai Noel. Na baía, entre as galeras navais impelidas à força de escravos e o comércio marinho costeiro, Júlio encontrou um grande mercador que fazia a rota egípcia, o conduto vital de Roma, importando trigo sob um sistema de navios particulares comis-sionados para o serviço imperial. Mirra, bem ao norte de Ale-xandria, era um dos principais portos de escala do verão, quando os ventos não permitiam a navegação diretamente a Roma. Júlio fez a transferência de soldados e presos. Não havia nenhum outro oficial militar a bordo e assim, de acordo com o costume romano, ele passou a ter mais autoridade que o capitão do navio ou mesmo que o dono da supercarga. Em qualquer emergência, a última palavra seria de Júlio. Seu grupo aumentou o número de passageiros para 278 almas — entre eles, comerciantes italianos e egípcios, até um hindu ou um chinês; talvez um punhado de escravos africanos do Nilo su-perior; veteranos militares aposentados de volta a casa, sacer-dotes de Isis, animadores, eruditos da grande universidade de Alexandria, juntamente com mulheres e crianças. Com todos estes, e grande carga de trigo, o navio alexandrino devia pesar mais de 500 toneladas, de modo nenhum o maior de que se tem notícia e que era usado naquela época, e não menor do que muitos mercadores que navegavam o Mediterrâneo no tempo de Nelson e da última era da navegação. O navio de Paulo, porém, diferia dos navios do século vinte e um em vários aspectos essenciais. Tinha apenas um mastro com enorme vela mestra, acrescentando, assim, grande pressão à madeira. A popa era parecida com a proa moderna. Era guiado por lemes destacáveis, similares a grandes pás, e o ca-pitão não possuía bússola, cronometro nem os mapas mais ru-dimentares, de modo que não sabia onde se encontrava a menos que pudesse ver o sol ou as estrelas, pelos quais avaliava sua posição usando um quadrante primitivo. O curso original do navio ao deixar Mirra era passar por Rodes, através dos arquipélagos, rodear o Sul da Grécia (hoje chamado cabo Matapan) e chegar à Itália pelo estreito de Messina; e daí para Óstia, o porto de Roma. Mas quando o navio deixou a baía de Mirra, por volta de 16 de setembro, o vento, soprando do noroeste, ainda era contrário e forte. O capitão, a fim de aproveitar águas mais tranquilas e as brisas costeiras, teve de permanecer perto da terra. "Navegando vagarosamente muitos dias", lembra-se Lucas, "e tendo chegado com dificul-dade defronte de Cnido", o espaçoso porto no final de uma península estreita e montanhosa, o ponto mais ocidental da costa sul de Anatólia.

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Cnido era o último porto onde tinham proteção da força total do vento contrário. Lucas escreveu: "não nos sendo permitido prosseguir, por causa do vento contrário". Embora Cnido ti-vesse ancoradouro suficiente, o capitão não quis entrar na en-seada, mas prosseguiu ao sudoeste, passando pelos dodecaneses em direção das montanhas de Creta. Ele rodeou o cabo de Salmona e começou a navegar abaixo do sul de Creta, esperando que o vento mudasse antes que tivesse de seguir rumo norte. Assim, "costeando-a, penosamente, chegamos a um lugar cha-mado Bons Portos, perto do qual estava a cidade de Laséia." Haviam chegado a uma angra bem protegida pelas monta-nhas e ilhas, o mais distante que podiam navegar contra um vento noroeste. Logo depois de Bons Portos fica o cabo Matala, onde a costa rochosa segue em direção norte por cerca de 32 quilómetros, antes de virar novamente para o oeste. Se tivessem tentado atravessar esse golfo aberto, teriam naufragado. O ca-pitão baixou âncora, retido por ventos contrários. Passaram-se dias. Bons Portos era agradável mas não tinha porto; pequenos grupos podiam desembarcar para visitar Laséia, mas toda a companhia do navio teria de permanecer a bordo, se resolves-sem passar aí o inverno. O Dia da Expiação daquele ano de 59 d.C, 5 de outubro, chegou e passou. Os dias perigosos, nos quais a navegação era arriscada mas possível, estavam-se es-gotando. No dia 11 de novembro cessaria toda a navegação em alto mar, pois o céu podia permanecer nublado por dias a fio, e sem o sol e as estrelas não podiam determinar a posição do navio. Era este e não o perigo inevitável das tempestades, o fator que fazia cessar o tráfego marítimo no inverno. Tinham perdido toda a esperança de chegar à Itália naquela estação. Júlio convocou uma conferência a fim de decidir o melhor plano e para a qual convidou Paulo. A esta altura Júlio respeitava o julgamento e a experiência marítima do apóstolo. O capitão instava com eles a aproveitarem a primeira opor-tunidade de rodearem o cabo de Matala e chegar ao porto de Fenice, que não estava muito longe; é provável que ele tivesse medo de rebelião por parte dos passageiros e da tripulação, caso passassem o inverno nos isolados Bons Portos, que tinham ainda a desvantagem, como ancoradouro, de ser aberto a quase metade da bússola, de modo que numa forte tempestade o navio podia arrastar as âncoras e encalhar na praia. Se o vento mu-dasse para o sul, eles conseguiriam chegar a Fenice. Ele era marinheiro experiente, como o demonstram suas ações futuras, e sabia que no outono, nestes mares, um vento sul era muitas vezes acompanhado de violento vento nordeste, chamado Euro-aquilão veja na outra ajuda ebdareiabranca o significado. O conselho dele como profissional foi tentarem pros-seguir. O mestre do navio aprovou a ideia, pois enquanto o navio estivesse em Bons Portos ele era responsável por alimen-tar o grupo, ao passo que em Fenice os passageiros desembarcariam. Júlio voltou-se para Paulo, que lhes disse: — Senhores, vejo que a viagem vai ser trabalhosa, com dano e muito prejuízo, não só da carga e do navio, mas também das nossas vidas. Júlio decidiu-se em favor do capitão e do mestre do navio. Por volta de 10 de outubro o capitão percebeu que o vento tinha mudado. Lucas separa-se da reação da tripulação, como se a desaprovasse totalmente: "Soprando brandamente o vento sul e pensando eles ter alcançado o que desejavam, levantaram âncora, e foram costeando mais de perto a ilha de Creta." Deram volta ao cabo e começaram a atravessar o golfo, o bote bamboleando atrás do navio, como era o costume em pequenas viagens. Apesar de o sol brilhar sobre eles, uma grossa e amea-çadora nuvem pairava sobre o monte Ida, o ponto mais alto de Creta que agora se encontrava a estibordo. De súbito o vento mudou de direção. Tremenda rajada desceu rugindo do monte, atingindo-os com força total. Lucas diz que foi um "tufão de vento". O ar rodopiava e se contorcia, e uma forte chuva apagou a costa. O mastro, com toda a vela, tremia à fúria da tempestade, provando a falta de sabedoria da prática antiga de navegar com um único mastro: a vibração era tanta que a madeira do navio Partiu e a água começou a entrar pelo casco.

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Em poucos minutos o capitão soube que jamais poderia ma-nobrar o navio nesse tufão. O Euro-aquilão estava sobre eles e li deviam agir de acordo. "Cessamos a manobra e nos fomos dei-xando levar." Passaram a sotavento (Sota-vento e o lado para onde vai o vento; bordo contrário àquele de onde sopra o vento) da pequena ilhota chamada Clauda, que ficava a 40 milhas da costa, bem no caminho do vento. Não tinham esperança de chegar ao seu pequeno porto, que ficava no lado errado, nem ousavam lançar âncora, mas usaram a água temporariamente calma e o abrigo arriscado de seus penhascos a fim de se prepararem para o que vinha pela frente. Primeiro, recolheram o bote, levantando-o a bordo. Os passageiros ajudaram, e Lucas registra, com sentimento: "A custo conseguimos recolher o bote." Então usaram de todos os meios para cingir o navio, apertando a madeira, precaução co-mum nos tempos antigos, e ocasionalmente nos dias de Nelson, contra a pressão do vento e da água. O maior medo de todos os que se encontravam a bordo era de o navio se quebrar ou que o madeiramento vazasse e o navio se enchesse de água. A maioria dos navios antigos se perdia mais pelo naufrágio do que por qualquer outra causa. Arriaram a verga com sua vela mestra, pois se navegassem nesse vento a todo pano, o fim — se não afundassem primeiro — seria os bancos de areia e as areias movediças da costa afri-cana, o notório golfo de Sirte Maior, perto da Líbia. A única esperança deles era içar as velas de tempestade, apontar o lado direito do navio contra o vento e deixá-lo ir à deriva até passar a tempestade. Tendo passado pelo abrigo de Clauda, logo enfrentavam a agonia total de mares encapelados. Sem o peso da vela, diz Lucas que foram "açoitados severamente" —jogados ao léu como um pedaço de cortiça. A chuva e o mar impedia fogos, encharcava os suprimentos, as roupas, tudo acima e abaixo dos convés. O pouco que conseguiam comer, seus estômagos enjoados os for-çavam a vomitar. As tábuas escorregadias e em constante mo-vimento tornavam dolorido qualquer movimento. Paulo, Lucas, os suprimentos, as roupas, tudo acima e abaixo do convés. O alternava nas bombas, mas a água que entrava pelas madeiras sob pressão subia enquanto o navio abaixava. No segundo dia, a fim de aliviar o navio, o capitão ordenou que se atirasse ao mar a carga solta: todos os animais e muito mais. No terceiro dia, mandou lançar ao mar a aparelhagem sobressalente: cabos, mastreação, tudo o que não fosse essencial. Um dia miserável após outro, uma noite pavorosa após outra, levantaram-se e caíram no mar montanhoso. A nuvem grossa e contínua impedia que o capitão determinasse a posição do navio. Para Lucas, parecia que se agitavam num curso louco, mas de fato derivavam à razão de dois quilómetros e meio por hora na direção de oito graus a noroeste. Tivessem mapas e meios de determinar sua posição, não se teriam preocupado tanto, pois não poderiam ter planejado um curso mais vantajoso — caso não fossem a pique. A principal carga de trigo havia-se molhado toda — os sacos pesados demais para serem movidos num navio que arfava e cada vez mais aumentava em peso. O nível da água subia, o navio abaixava, até que no décimo primeiro ou décimo segundo dia da tempestade "dissipou-se afinal toda a esperança de salvamento". O naufrágio agora era inevitável — apenas questão de poucos dias, ainda que a tem-pestade cessasse — e significaria a perda de todos se abandoassem o navio num mar como esse. Lucas não havia notado a Paulo. Pouco se sabe do desenho interior de navios antigos, mas todos os passageiros estariam mais ou menos amontoados, partilhando suas misérias sem a menor privacidade. Entretanto, Lucas não tinha visto o que Paulo viu, até a manhã em que Paulo, com dificuldade foi até onde Júlio, o capitão e a tripulação se empilhavam, tristes. Paulo lançou a voz acima do vento e se reuniram ao seu redor. Suas primeiras palavras foram uma amostra do antigo Paulo com a tendência de justificar a si mesmo, mas seus ouvintes respeitavam-no demais para notar. "Senhores", disse ele, "na verdade era preciso terem-me atendido e não partir de Creta, para evitar este dano e perda. Mas, já agora vos aconselho bom ânimo, porque nenhuma vida se perderá de entre vós, mas somente o navio. Porque esta mesma noite o anjo de Deus, de quem eu sou e a quem sirvo, esteve comigo, dizendo: Paulo, não temas; é preciso que

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compareças perante César, e eis que Deus por sua graça te deu todos quantos navegam contigo. Portanto, senhores, tende bom ânimo; pois eu confio em Deus, que sucederá do modo por que me foi dito. Porém é necessário que vamos dar a uma ilha." Na décima quarta noite desde a partida de Creta, não di-minuindo o vendaval, os marinheiros de repente detectaram o som da arrebentação a sotavento. Não podiam ver nada, mas se a arrebentação era mais alta que a tempestade, deviam estar-se aproximando de uma costa rochosa. Lançaram o prumo, e acharam vinte braças. Um pouco mais tarde, acharam quinze. Se continuassem assim, logo se despedaçariam contra as rochas. Podiam ver agora as ondas, mas não a praia, pois se encontra-vam afastados do ponto baixo de Koura, na abertura do que agora é a baía de São Paulo. Smith descobriu que era este o lugar exato que um navio à deriva teria chegado na décima quarta noite, e que as tomadas de profundidade também eram exatas. O capitão ordenou que lançassem quatro âncoras da popa. Então "oravam para que rompesse o dia". Nada mais havia que pudessem fazer. Os marinheiros pensavam de outra forma. Paulo, alerta, viu o que estavam para fazer: os homens, de cuja habilidade de-pendia a segurança dos oficiais e dos passageiros, estavam quie-tamente abaixando o bote, a pretexto de largar âncoras da proa, decididos a escapar antes que o navio se quebrasse. Paulo disse ao centurião e aos soldados: "Se estes não permanecerem a bordo, vós não podereis salvar-vos." Os soldados cortaram os cabos e o bote caiu no mar, afastando-se. Logo antes da aurora Paulo fez outra sugestão. O capitão estivera por demais preocupado com a crise para pensar nela. Paulo, dirigindo-se aos oficiais e a todos os que pudessem ouvi-lo, disse: "Hoje é o décimo quarto dia em que, esperando, estais sem comer, nada tendo provado. Eu vos rogo que comais alguma coisa; porque disto depende a vossa segurança; pois nenhum de vós perderá nem mesmo um fio de cabelo." Tomando um pão encharcado e bolorento, ele deu graças a Deus, orando na presença de todos; quebrou-o e mui delibe-radamente começou a comer. Todos cobraram ânimo e organizou-se uma refeição geral. Sendo o movimento do navio menor do que nos quatorze dias passados, a alimentação de 270 pessoas não ofereceu nenhuma dificuldade. Com novas forças, jogaram o restante do trigo ao mar. A esta altura já tinha amanhecido. O navio estava na entrada de uma baía. Não reconheceram a terra; não sabendo a velo-cidade nem a direção da deriva, podiam estar em algum lugar perto da Silícia ou da Tunísia. A frente estava uma costa ro-chosa, mas podiam ver um rio e uma praia arenosa. O capitão executou uma manobra complicada. A tripulação, na descrição de Lucas, "levantando as âncoras, deixaram-no ir ao mar, largando também as amarras do leme; e, alçando a vela de proa ao vento, dirigiram-se para a praia." O capitão tinha o navio totalmente sob controle e pouco espaço para percorrer. Logo o navio estaria encalhado e vadeariam até à praia. Mas ele não podia perceber, quando deu a ordem, que o pedaço rochoso de terra a estibordo era, de fato, uma ilha (Salmoneta) ligada ao continente por um banco de areia, "lugar onde duas correntes se encontravam", na descrição de Lucas. Por causa disso o navio foi apanhado numa corrente cruzada e levado para o banco de areia até que a proa encravou-se na lama enquanto as ondas começaram a despedaçar a popa. A companhia começou a pular para fora do navio. Os soldados reagiram instantaneamente, pois os presos ou Paulo podiam nadar e fugir. De acordo com as ordens vigentes, pediram permissão para matar o grupo. "Mas o centurião, querendo salvar a Paulo, impediu-os de o fazer; e ordenou que os que soubessem nadar fossem os pri-meiros a lançar-se ao mar e alcançar a terra. Quanto aos demais, que se salvassem uns em tábuas, e outros em destroços do navio. E foi assim que todos se salvaram em terra." Vendo o naufrágio, os nativos correram à praia e tudo fi-zeram para ajudar. Acenderam uma fogueira, pois além do frio e da chuva que voltava a cair, todos os náufragos estavam en-sopados da água do mar.

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Os marinheiros descobriram, a esta altura, que a ilha era Malta, e que o grande porto de Valeta, com o qual muitos estariam familiarizados, não ficava muito distante. A chuva havia transformado Lucas num grego um tanto superior; ele descarta os malteses, que "trataram-nos com singular hu-manidade", como bárbaros por causa do seu dialeto e sotaque, embora Malta houvesse sido latinizada havia séculos. Ele ficou encantado com a reação dos nativos próximo ao incidente. Paulo, depois de aquecido e apesar da sua corrente, procurava gravetos que alimentassem o fogo. Ao atirar um feixe de gravetos na fogueira, um pedaço de pau pulou para fora e agarrou-se à mão do apóstolo — ele havia apanhado uma cobra venenosa. "Quando os bárbaros viram a bicha pendente da mão dele, disseram uns aos outros: Certamente este homem é assassino, porque, salvo do mar, a Justiça não o deixa viver. Porém, ele, sacudindo o réptil no fogo, não sofreu mal nenhum; mas eles esperavam que ele viesse a inchar, ou a cair morto de repente. Mas, depois de muito esperar, vendo que nenhum mal lhe su-cedia, mudando de parecer, diziam ser ele um deus." Paulo não entrou em pânico com a picada da cobra, e esteve à altura do próximo chamado. Perto do naufrágio havia um sítio pertencente a Públio, o principal magistrado de Malta, o qual imediatamente ofereceu hospitalidade temporária. A tri-pulação e a maioria dos passageiros foram talvez distribuídos pelas cabanas do seu povo, enquanto Júlio, Paulo e seus assis-tentes recolheram-se, como convidados, à casa do chefe. Aí descobriram que o pai de Públio estava enfermo de disenteria e febre. Não foi Lucas, o médico, quem efetuou a cura, mas Paulo. "Paulo foi visitá-lo", registra Lucas com generosidade, "e, orando, impôs-lhe as mãos e o curou. À vista deste acon-tecimento, os demais enfermos da ilha vieram e foram curados." Paulo e Lucas ficaram apenas alguns dias na casa do magis-trado. Júlio pode ter alugado uma casa em Valeta, onde as curas e a evangelização continuaram durante todo o inverno. Os na-tivos demonstraram grande amor por Paulo, Lucas e Aristarco, de modo que lhes deram muitos presentes e, na sua partida, proveram-lhes suprimentos. A tradição em Malta marca a es-tada de Paulo como o começo de um Cristianismo ininterrupto; os malteses guardaram na memória o local do naufrágio por dezoito séculos até que Smith de Jordanhill chegou e provou que eles estavam certos. Outro grande navio alexandrino, navegando sob o emblema dos deuses gémeos Castor e Pólux, invernara na ilha. Quando, no início de fevereiro de 60, o capitão decidiu aproveitar o bom tempo e prosseguir viagem, embora a época da navegação ainda não tivesse começado, Júlio comprou as passagens. A viagem transcorreu sem incidentes, e finalmente Paulo entrou na baía de Nápoles, viu o Vesúvio soltando seu preguiçoso caracol de fumaça e a cidade de Pompeia, esta sem saber que lhe restavam apenas dezenove anos. O cargueiro aportou em Potéoli, na época, o maior ancoradouro da baía, onde acharam alguns cris-tãos. Júlio, quer desejasse que Paulo desfrutasse mais um pouquinho da sua relativa liberdade — sabendo que ele ainda não era esperado em Roma — quer por ter de pedir instruções a Roma, ou então por não admitir que seus dias em companhia do apóstolo estivessem contados, permitiu-lhe uma visita de sete dias. J. Pollock

Paulo de Cesaréia à Itália

A narrativa da viagem de Paulo a Roma proporciona-nos uma das mais interessantes e reais descrições de uma viagem marítima e de um naufrágio que se possam encontrar na literatura antiga. Lucas usa o "nós" através da passagem, deixando claro que foi testemunha ocular. Ventos contrários (27:1-8) Para a viagem de Cesaréia à Itália, Paulo e outros presos foram entregues a um centurião chamado Júlio que pertencia à coorte de Augusto (Coorte responsável diretamente perante o imperador. A "Coorte I Augusto" tinha seu comando em Bananéia, no nordeste da Palestina, ao leste do extremo sul do mar da

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Galiléia, no território de Agripa II.). Primeiro embarcaram em um navio de Adramítio, porto da Mísia, ao sudeste de Trôade, que tomou o rumo da costa da Ásia Menor. Lucas adquiriu passagem nesse navio para estar com Paulo. Assim fez, também, Aristarco, crente macedônio de Tessalônica. Eles iam juntos para ajudá-lo e servi-lo em tudo o que pudessem. Assim, Paulo não viajou como um preso comum. Ele tinha amigos (Sir William Ramsay sugere que Lucas e Aristarco adquiriram passagem como escravos de Paulo, dando, assim, aos olhos do centurião, mais prestígio a Paulo.). No dia seguinte, em Sidom, Júlio, tratando Paulo com humanitária bondade, permitiu-lhe visitar seus amigos ali para receber cuidados. Então, enfrentando ventos contrários do oeste, navegaram, rumo leste e rumo norte, de Chipre a Mirra, na Lícia, no extremo sul da província da Ásia. Em Mirra, o centurião transferiu Paulo e seus amigos para um navio de Alexandria que navegava para a Itália com uma carga de trigo. (Ver o versículo 38.) O Egito era a principal fonte de trigo para a cidade de Roma, e os navios que transportavam trigo eram considera-dos muito importantes. Os ventos continuavam a ser contrários, e eles navegavam muito vagarosamente, tentando alcançar Cnido, na costa da Coria, no sudoeste da Ásia Menor. Mas os ventos de noroeste não deixaram que eles chegassem ali. Foram conduzidos a sota-vento de Creta, ao longo da costa leste. Então lutaram ao longo da costa sul até que alcançaram Bons Portos. Colhidos numa tempestade (27:9-20) Visto que muito tempo havia decorrido e o jejum (o dia da Expiação, que no A. D. 59 ocorreu a 5 de outubro) já tinha passado, Paulo sentiu que seria perigoso continuarem a viagem. Ele já havia estado em três naufrágios (2 Co 11:25), e sabia quão perigosas podiam ser as tempestades de inverno. Por isso, procurou os responsáveis pelo navio e os advertiu quanto à certeza de avarias e grande perda para o navio e sua carga, e também o risco que corriam suas vidas. O centurião, entretanto, foi persuadido pelo piloto e pelo dono do navio a prosseguir viagem. O porto era impróprio para ali passarem o inverno, por isso a maioria foi favorável a que se tentasse alcançar Fênice (moderna Fínica), um porto situado mais ao leste, que ficava melhor colocado se os ventos viessem do nordeste ou do sudoeste. Um brando vento sul persuadiu o centurião e os outros de que poderiam alcançar Fênice; assim navegaram para oeste, conservando-se perto da costa sul de Creta. Não demorou muito, entretanto, para que a predição de Paulo se tornasse realidade. Um vento impetuoso e turbulento chamado euro-aquilão de repente se desencadeou vindo do rumo este-nordeste. Ele envolveu o navio em seu turbilhão e o afastou das praias de Creta. Os marinheiros tentaram fazer com que o navio rumasse para terra, mas o vento era demasiadamente forte. Por isso tiveram de desistir e deixar que o vento levasse o navio para onde quisesse. O lado sul da pequena ilha Clauda, proporcionou-lhes alívio temporário. Ainda assim foi com dificuldade que recuperaram o controle sobre o pequeno bote que traziam a reboque. Depois que içaram o bote para bordo, usaram os meios disponíveis para cingir o navio. Isto é, prenderam cabos verticalmente ao redor do navio para tentar evitar que as pranchas se deslocassem ou fossem arrancadas. Então, com medo de serem desviados de seu curso e lançados na Sirte, os baixios arenosos fora da costa da África do Norte, ao oeste de Cirene, arriaram os aparelhos (ou, possivelmente, a vela mestra) e, assim, se deixaram levar pelo vento. No dia seguinte, estando ainda no vórtice da tempestade, começa-ram a lançar coisas ao mar para aliviar o navio. Normalmente, isso significaria atirar ao mar parte da carga. Mas a carga de trigo deste navio era tão importante para Roma que seria a última coisa a ser alijada. Provavelmente começaram pela bagagem pessoal e pelo mobiliário dos camarotes.

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No terceiro dia (de acordo com seu modo de contar, o dia depois que começaram a lançar coisas ao mar), com suas próprias mãos lançaram ao mar os aparelhos do navio (provavelmente incluindo a verga principal). A tempestade continuou por muitos dias (provavelmente 11, ver o versículo 20). Sem poderem ver o sol, a lua ou as estrelas, não tinham como orientar-se. Por fim, como esta grande tempestade de inverno continuava a acossá-los, toda esperança de salvação se desfez. Visão e coragem de Paulo (27:21-37) Por bastante tempo as 276 pessoas a bordo do navio (ver versículo 37) se abstiveram de alimento. A palavra grega poderia significar que lhes faltava alimento, mas nos versículos 34-36 vemos que ainda havia alimento a bordo. A palavra pode, também, significar abstinência de alimento por perda de apetite ou por enjoo. Por causa da tempestade muitos devem ter ficado enjoados. Mesmo que a pessoa não se sinta enjoada, a vista e o mau odor emanado dos afetados pelo enjoo são bastantes para fazer com que uma pessoa bem de saúde perca o apetite. Então uma noite um anjo apareceu e encorajou a Paulo dizendo-lhe que parasse de sentir medo. Era-lhe necessário (de acordo com o plano divino) comparecer perante César, e Deus também, graciosa-mente, lhe havia entregue os que com ele estavam viajando. Não haveria perdas de vidas, apenas o navio se perderia. Antes que Paulo comunicasse aos outros esta garantia dada por Deus, recordou-lhes ele os avisos que dera antes de deixarem Creta. Ele não estava apenas dizendo: "Eu vos avisei!" Ele recordou que eles se tinham recusado a ouvi-lo antes; queria estar seguro de que o ouviriam agora. Desse modo prendeu a atenção deles conseguindo que admitissem (mentalmente) que ele estava certo. Então deu glória a Deus, "de quem eu sou e a quem sirvo". Notemos, também, que ele começou por encorajá-los a terem bom ânimo (estarem bem dispostos e não se deixarem abater). Ele concluiu da mesma forma. Mas a base para a coragem deles era a fé que Paulo mantinha em Deus. Que cena foi aquela! Paulo, o preso comunicando sua fé: "Se-nhores, eu creio em Deus." Mas, acrescentou que naufragariam nas proximidades duma ilha. Na décima-quarta noite ainda estavam sendo levados pelo vento, fosse qual fosse a direção em que ele soprava, através do Mar de Adria (o Mar Mediterrâneo ao sueste da Itália, não o Mar Adriático). Cerca da meia-noite os marinheiros suspeitaram que se aproximavam de terra (Alguns antigos manuscritos dão que a terra estava ressoando. Em outras palavras, eles pensavam ouvir as ondas quebrando na praia.). Então lançaram uma corda com peso na extremidade para sondar a profundidade e acharam cerca de 36 metros. Pouco depois, cerca de meia hora, sondaram de novo e acharam a profundidade de 27 metros. Com medo de que o navio pudesse ir dar em rochedos e quebrar-se antes de eles poderem escapar, lançaram da popa quatro âncoras flutuantes e ansiavam (no grego, oravam) para que o dia amanheces-se. Isto é, oravam para que o dia chegasse antes que o navio desse à costa. Os marinheiros acharam que seria perigoso esperar até então, por isso procuraram fugir do navio. Quando foram descobertos, já tinham arriado o batel (ver o significado na outra ajuda ebdareiabranca) sob o pretexto de irem lançar âncoras pela proa do navio. Paulo, então, disse ao centurião que se estes marinheiros não permanecessem no navio, ninguém poderia ser salvo. Como ficava bem claro, eles eram necessários para conseguir que o navio desse à costa no melhor lugar. Os soldados sob as ordens do centurião cortaram a corda que sustentava o pequeno bote e o deixaram cair no mar. Paulo, o prisioneiro, por efeito da necessidade, assumira o comando da situação.

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No comando da situação, ainda, Paulo tratou de fazer com que cada um se alimentasse por causa de saúde física e do bem-estar de todos. Garantiu-lhes que nem um cabelo cairia da cabeça de qualquer um deles. Não somente seriam salvos, mas também não haveria nenhum dano. Então, deu-lhes o exemplo tomando um pão, dando graças a Deus diante deles todos, e começando a comer. Nisso, os demais 275 criaram coragem, encheram-se de esperança, e também passaram a alimentar-se. O naufrágio (27:38-44) Depois que estavam todos satisfeitos com o alimento, alijaram a carga de trigo de modo que o navio pudesse flutuar melhor. Isso ajudaria a chegar mais perto da praia. Quando amanheceu não reconheceram a terra. Mas notaram uma baía e resolveram que, se pudessem, fariam o navio avançar até à praia. A baía de São Paulo, como é hoje chamada, ajusta-se exatamente às coisas registradas neste capítulo. Soltando as âncoras, eles as deixaram no mar, porque esse recurso também aliviaria o navio. Ao mesmo tempo largaram o leme, içaram a vela da proa para aproveitar o vento e rumaram para a praia. Mas, em vez de alcançar a praia, acidentalmente foram dar a um lugar onde duas correntes se encontravam, um canal estreito e raso. A proa do navio enterrou-se na lama e na terra; e a popa começou a partir-se por efeito da violência das ondas. Os soldados, então, conferenciaram entre si e sua decisão foi matarem os presos para que não escapassem nadando. Mas o centurião queria salvar Paulo, e por isso os proibiu de levarem avante seu intento. Ordenou, então, a todos os que soubessem nadar que fossem os primeiros a saltar pela borda para alcançarem a terra. O resto seguiu, alguns em tábuas e outros no que puderam encontrar desde que flutuasse. Assim, foram todos trazidos em segurança à terra. Mas, como Paulo advertira, o navio foi perda total. O Senhor tinha garantido a Paulo que ele devia ir a Roma. Também prometera dar-lhe as vidas de todos os demais 275 que estavam a bordo. Como prometeu, assim fez. Milagres em Malta (28:1-10) Depois de chegar a salvo a terra, constataram que o nome da ilha era Melita (termo fenício ou cananeu para "refúgio"), tendo, hoje, o nome de Malta. Situava-se ao sul da Sicília e seus habitantes eram descendentes dos colonizadores fenícios que, provavelmente, fala-vam um dialeto intimamente relacionado com o hebraico. Através de toda esta passagem Lucas chama os habitantes locais de indígenas. Mas não quer dizer com isso que eles fossem inferiores ou incivilizados. Para os gregos, qualquer estrangeiro que não soubesse falar grego era bárbaro. Posteriormente eles concederam aos romanos modesta compensação incluindo entre os bárbaros os que não soubessem falar grego ou latim. E fácil constatar que os cidadãos de Malta eram boas pessoas, embora não soubessem falar grego. Sua bondade ultrapassava o usual. Eles acenderam uma fogueira e acolheram todos os 276 estrangeiros que se haviam livrado do navio naufragado. Por causa da chuva e do frio, a fogueira fora um ato de extrema bondade e deve ter sido um sinal de boas-vindas para todos os do navio. Pouco depois, Paulo ajuntou um grande feixe de gravetos e o pôs na fogueira. O calor expulsou uma víbora que fora recolhida com a lenha, e ela se apegou à mão dele (isto é, mordeu-o). Muitos escritores observam que não há, hoje, víboras em Malta. Como se trata de uma ilha pequena, pode ter ocorrido que o povo se livrasse delas depois dos dias de Paulo. Quando os habitantes de Malta viram a criatura selvática morder Paulo, de pronto concluíram que Paulo devia ser um assassino, que, embora se salvasse do mar, a Justiça não consentia que vivesse. A "Justiça" devia ser a sua deusa pagã da justiça. Paulo simplesmente sacudiu o réptil no fogo e não sofreu nenhum dano. (Ver Lc 10:19; Mc 16:18.) Os moradores do local tinham visto outros mordidos pela mesma espécie de víboras; por isso esperavam

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que Paulo inchasse ou caísse morto. Vigiaram e observa-ram por longo tempo, mas nada estranho aconteceu a ele. Por isso mudaram seu modo de pensar e passaram a achar que ele era um deus. Nas proximidades havia umas terras (propriedades) pertencentes ao homem principal (o governador) da ilha, cujo nome era Públio. Ele os acolheu com bondade e, por três dias, hospedou-os bondosamente. Aconteceu, porém, estar doente o pai de Públio, sofrendo de febre (uma febre periódica) e disenteria. Paulo foi visitá-lo, orou por ele, impôs-lhe as mãos, e Deus o curou. Então as demais pessoas da ilha que estavam doentes vieram e foram curadas. Podemos ter certeza de que Paulo continuou ministrando a eles durante os três meses de inverno que se seguiram. Como resultado, os moradores distinguiram Paulo e seus amigos com muitas honras (provavelmente incluindo ofertas em dinheiro para ajudá-los a continuarem vivos durante os meses de inverno). Quando Paulo e os outros, na primavera, partiram em sua viagem, aquela gente pôs a bordo as coisas necessárias à viagem. Evidentemente, não proveram apenas para Paulo, mas para todos os 276 vitimados pelo naufrágio. Bibliografia Stanley M. Horton

67. Paulo Viaja para Roma (Atos 27:1-12) Como peça literária, esta história descritiva da viagem e naufrágio nos mostram Lucas no ápice,

sendo um clássico de sua espécie na literatura antiga. Lucas tem sido acusado de inventar essa história, ou de pelo menos haver adaptado um conto já existente, para seus propósitos pessoais. Todavia, James Smith há muito tempo demonstrou que a precisão da narrativa, em termos de geografia, condições atmosféricas e arte de navegação é de tal ordem que não poderia ser outra coisa senão

O registro de uma viagem real (p. xxxii), enquanto o emprego da primeira pessoa é indicativo genuíno de que a viagem foi feita na companhia do próprio autor.

O prazer do viajante em relatar aventuras, e o fato de as histórias a respeito de naufrágios serem coisa da moda nos dias de Lucas, seriam suficientes para explicar a extensão da narrativa. Todavia, a estas sugestões poderíamos acrescentar mais uma, a de que Lucas tinha em mente a crença popular segundo a qual o mar se vinga dos perversos (cp. 28:4) e que, por isso, Lucas teve um prazer especial ao contar uma história de livramento. Mas é possível, ainda, que Lucas estivesse criando um paralelismo com o relato do evangelho (veja a disc. sobre 19:21-41), e que ele houvesse narrado a história pormenorizadamente como correspondendo à história da morte e ressurreição de Jesus (usando a tempestade e a segurança de Malta). Entretanto, seja qual for o motivo propulsor de Lucas, deixou-nos ele uma história maravilhosa da "misericórdia que nos acompanha", sem a qual Paulo jamais teria chegado a Roma.

27:1 / Se Festo houvesse chegado à Judéia no começo do verão do ano cm que tomou posse (digamos, no ano 59 d.C), talvez Paulo tenha sido colocado a bordo do navio no fim do verão ou no outono desse mesmo ano. Observe-se que se reinicia o relato na primeira pessoa do plural (ocorre pela última vez em 21:18), e a inclusão um tanto displicente que Lucas faz de si próprio na decisão das autoridades romanas de enviar os prisioneiros a Roma. Esta decisão não dizia respeito só a Paulo, embora 0 grego de Lucas possa estar fazendo distinção entre o apóstolo e os demais (num sentido muito estrito, a palavra significa "outros de natureza diferente"; teriam já sido condenados? ). Os prisioneiros foram colocados sob a guarda de uma escolta comandada por um centurião chamado Júlio, da corte augusta (NIV traz "do Regimento Imperial"). Essa escolta tem sido identificada como a Corte I Augusta, um regimento que, segundo inscrições, esteve na Síria após o ano 6 d.C, e na Batanéia (Basã, a leste da Galiléia) no tempo de Herodes Agripa II (cerca de 50-100 d.C). É possível que um destacamento dessa corte se houvesse aquartelado na Cesaréia. As obrigações atribuídas a Júlio normalmente cabiam aos centuriões.

27:2 / A rota mais usada para ir a Roma passava por Alexandria, mas nessa ocasião Júlio conseguiu passagens para seus homens num navio de Adramítio, que estava prestes a navegar em demanda dos portos da costa da Ásia. Num desses portos tinham certeza de encontrar um navio de partida para Roma ou, em não havendo nenhum, descobririam meios em Adramítio de chegar à Grécia, atravessá-la e chegar

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assim à Itália. Adramítio era metrópole da região da Mísia, na província da Ásia, situada no golfo que lhe dera o nome (veja a disc. sobre 20:13). Lucas acrescenta que Aristarco, macedônio, de Tessalônica, estava com eles. Havia sido um dos delegados que acompanharam Paulo a Jerusalém (20:4; cp. 19:29), que talvez agora estivesse regressando à Macedônia, intencionando despedir-se de Paulo e Lucas em algum ponto da viagem. Por outro lado, ele é mencionado em Colossenses 4:10 e em Filemon 24 como tendo estado com Paulo em Roma. É possível, portanto, que ele houvesse acompanhado os irmãos nessa viagem, embora não seja mencionado mais em Atos. Ramsay pensa que Aristarco e Lucas devem ter-se considerado "escravos" de Paulo, a fim de poder permanecer com o apóstolo (Paul, p. 316). Todavia, este navio não era militar, para transporte de tropas, não havendo razão para supormos que esses dois com-panheiros não houvessem comprado suas passagens como viajantes normais. Ehrhardt (p. 124) toma literalmente a descrição que Paulo faz de Aristarco em Colossenses 4:10, como quem "está preso comigo", e supõe que tenha sido remetido a Roma, com Paulo, para julgamento.

27:3 / O primeiro porto a que chegaram foi Sidom, a mais de cem quilômetros de Cesaréia e a cerca de quarenta quilômetros ao norte de Tiro. Embora já houvesse visto melhores dias, esta antiga cidade ainda florescia sob o domínio romano. Tinha agora uma (pequena) comunidade cristã (cp. 11:19), evidentemente conhecida de Paulo desde tempos anteriores (11:30; 12:25; 15:3), e o centurião permitiu a esses crentes que visitassem Paulo na praia, concessão habitual; poderíamos aceitar a sugestão de que o grego deveria ser traduzido "permitiu que seus amigos o visitassem" a bordo. Seja como for, aos crentes sidônios foi permitido que cuidassem dele — talvez com alimentos e outras ofertas para a viagem. Caso Paulo fosse à praia, é evidente que iria escoltado.

27:4-5 / O navio se fez ao mar de novo, navegando para leste e depois para o norte de Chipre, a fim de evitar os ventos de oeste e de noroeste do verão e início do outono. Dois anos antes esses ventos ajudaram Paulo a atravessar bem, até o lado oposto (21:2s.). Mantendo-se próximos da costa, tiravam vantagem dos ventos praianos e da corrente que vai para o oeste. Assim foi que o navio navegou devagar ao longo da costa da Cilícia e da Panfíüa, até chegar a Mirra, na Lícia (v. 5). De acordo com o texto ocidental, esta parte da viagem demorou quinze dias, o que seria razoável (cp. Luciano, Navigium 7). Mirra situava-se no rio Andraco, a cerca de cinco quilômetros do mar. Seu porto chamava-se Andriaca, mas o uso comum incluía o porto de Mirra, como Lucas faz aqui. Sob os romanos, quando Lícia era uma província separada, Mirra era sua capital (veja a disc. sobre 13:13).

27:6 / Aqui o centurião encontrou um navio de Alexandria com destino à Itália, e para ele mandou transferir os prisioneiros. Lucas não menciona o tipo de navio, mas o fato de ele ter saído do Egito a caminho da Itália, e que sua carga era trigo (v. 38, mas cp. v. 18), indica que pertencia a uma frota de navios de cereais a serviço do governo. Nada há a estranhar que um navio assim estivesse em Mirra. Por causa da direção dos ventos contrários (veja v. 4), os navios de cereais egípcios regularmente seguiam essa rota a fim de obter espaço marítimo e aproveitar os ventos direcionados para o ocidente.

27:7-8 / Parece que de fato os ventos contrários sopravam quando o navio saiu de Mirra. Foi, portanto, com dificuldade que tomaram o rumo do oeste, devagar, até chegarem a certo ponto defronte de Cnido. No quarto século a.C. esta cidade, que anteriormente situava-se mais longe, a leste, na península de Cnido, havia sido fundada de novo na ponta ocidental do promontório (o ponto mais longínquo a sudoeste da Ásia Menor). Além desse ponto eles não usufruiriam mais a proteção da terra, nem a ajuda dos ventos e correntes marítimas locais. Poderiam ter parado em Cnido a fim de aguardar condições melhores, mas decidiram continuar, confiantes em que chegariam à Itália antes do término da estação propícia às viagens marítimas.

O vento de fato impediu-os de chegar direto à ilha de Cítera, ao norte de Creta, como talvez houvessem desejado. O único rumo era, então, o sul, antes que o vento noroeste soprasse, e velejar a sota-vento de Creta (v. 7). Assim foi que o navio rodeou o cabo Salmone, um promontório na face oriental da ilha (Cabo Sídero? ) e, a seguir, retomou o rumo do oeste com dificuldade, até chegar a um lugar chamado Bons Portos, na costa centro-sul de Creta, a três quilômetros a leste do cabo de Matala (v. 8). Este ancoradouro (conhecido ainda por esse nome) abre-se para o leste e sudeste, parcialmente protegido por várias ilhotas. Tal ancoradouro lhes teria servido de abrigo durante algum tempo, visto que a oeste do cabo de Matala ergue-se o continente ao norte, e assim eles estariam de novo expostos ao vento noroeste. Todavia, no inverno o lugar chamado Bons Portos de modo algum faz jus ao nome. Na melhor das

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hipóteses teria sido inconveniente; na pior delas, perigoso, visto que os ventos de leste e noroeste nessa estação sopram diretamente na baía. Lucas acrescenta que Bons Portos ficava perto da cidade de Laséia, que foi identificada numas ruínas a oito quilômetros de distância, a leste (pode ter sido a Lasos, mencionada por Plínio, Natural History 4.59; ocorre que nem Laséia nem Bons Portos são mencionados na literatura antiga).

27:9 / Aqui lançaram âncoras durante muito tempo à espera de condições atmosféricas melhores. Quanto mais esperavam, mais perigoso ficava prosseguir viagem, porque já era quase fim de ano. Entre os antigos, a estação perigosa para a navegação estendia-se de setembro a começos de novembro (cp. Vegetius, De re Militari 4.39; Hesíodo, Works andDays 619); depois, só se faziam as viagens mais urgentes em mar aberto, cessando as demais, até a primavera. Todavia, o dia da expiação já havia passado, e esse fato teria levado Lucas e Paulo a observar o jejum que marcava aquele dia para os judeus (veja a disc. sobre 13:2-3). O dia da expiação caía no décimo dia de Tisri, o sétimo mês do ano judaico, correspondente em parte a setembro e outubro. Visto que o calendário judaico baseava-se na lua, a posição do mês variava de ano para ano, mas em 59 d.C. a data do jejum teria sido 5 de outubro, e como essa data já havia passado estavam avançados no mês de outubro com pouquíssimo tempo disponível para a navegação em segurança.

27:10 / Houve alguma discussão, portanto, quanto a se deveriam enfrentar o inverno em Bons Portos, ou tentar encontrar um lugar melhor onde fundear. Paulo apresentou sua contribuição ao debate advertindo as autoridades a que permanecessem onde estavam. Suas palavras, vejo que a viagem será desastrosa poderiam indicar um prenuncio dado por Deus (cp. vv. 21-26), mas não é preciso que as interpretemos como sendo mais do que simples prenuncio ditado pela experiência. Paulo era um viajante experimentado (cp. 2 Coríntios 11:25), sendo por essa razão, sem dúvida, que se lhe pediu a opinião, ou se nada lhe foi pedido, pelo menos foi levada em consideração. Não fica bem claro se ele fazia parte do grupo de discussão, ou se fez que sua opinião fosse ouvida através do centurião. O caso é que sua opinião deveria ter sido acatada. Porém o caso não se tornou tão mau como ele havia esperado, não havendo perda de vidas.

27:11 / Lucas nos dá a impressão de que a decisão final ficou com o centurião; os comentaristas têm suposto que assim teria sido porque o navio estava a serviço do governo. Todavia, Lucas poderia estar dizendo apenas que o centurião atendeu à opinião dos marinheiros, cuja opinião afinal ficou valendo. Outras considerações teriam sido feitas, além das condições atmosféricas, como a dificuldade para abastecer o navio em Bons Portos, havendo apenas uma pequenina cidade a oito quilômetros de distância (veja a disc. sobre o v. 8). Quais teriam sido as posições relativas aos dois marinheiros mencionados neste versículo, não ficou bem claro. Um deles poderia ter sido o dono (como dizem NIV e ECA), mas a palavra não denota necessariamente a posição de proprietário; ele poderia ter sido o capitão, e o outro, o piloto, ou navegador.

27:12 / Finalmente decidiu-se que deveriam tentar chegar a Fênice. Algumas informações dadas por Strabo (Geography 10.4) e Ptolemeu (Geography 3.17) parecem indicar que Fênice ficava no cabo Mouros, no sul de Creta, em que Lutro é o único porto de segurança; isso se enquadra bem na descrição dada por esses autores. Aqui uma península lança-se na direção do sul, com um braço que se estende para o leste, formando um porto totalmente protegido ao norte, a oeste e ao sul. Uma única dificuldade permanece na descrição que Lucas faz desse porto com Fênice, que é a seguinte: a descrição de Lucas faz o porto ficar de face para o nordeste e para o sueste, e se enquadra melhor com a baía voltada para o oeste, até hoje conhecida como Fineca através da península, desde o porto de Lutro. Os comentaristas modernos têm encontrado dificuldade em aceitar Fineca como a Fênice desta narrativa, por ser um porto muito mais pobre do que Lutro. Mas exames recentes da área sugerem que houve mudanças no contorno do litoral, desde que Lucas escreveu Atos. A baía ocidental já foi bem protegida, mas fenômenos naturais (terremotos) alteraram a topografia e cobriram uma enseada que se abria para o noroeste nos tempos clássicos. Ainda há uma enseada que se abre para o sudoeste e, considerando que os ventos de inverno vêm do nordeste e do leste, qualquer dessas enseadas ofereceriam abrigo razoável a um navio. Entretanto, esse mesmo vento contra o qual buscavam proteção removeria esse abrigo deles e levaria o navio à destruição.

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Notas Adicionais # 67

27:3 / Ver os amigos: é tradução literal, que poderia ser designação de cristãos, como em 3 João 14. Esse termo era usado por outros grupos no primeiro século, mas seu uso pelos cristãos, se tivesse esse sentido, pode derivar do hábito de Jesus de chamar seus discípulos de amigos (cp. Lucas 12:4; João 11:11; 15:13ss.). Mas o artigo definido no grego com freqüência é empregado no sentido possessivo, que parece dar-nos a interpretação mais natural aqui — "seus amigos".

27:9 / O jejum: Têm sido feitas tentativas no sentido de identificar esse jejum com outros eventos. Parece haver pouca dúvida, entretanto, de que se trata do jejum judaico associado ao dia da expiação. Paulo usualmente marcava o tempo pelo calendário judaico (p.e., 1 Coríntios 16:8), e poderíamos esperar que Lucas fizesse o mesmo, visto estar escrevendo (assim acreditamos) numa época em que os hábitos cristãos ainda eram em grande parte derivados do judaísmo, isto é, na segunda metade do primeiro século.

68. A Tempestade (Atos 27:13-26)

27:13 / Havendo uma brisa soprando do sul, eles alimentavam grandes esperanças de alcançar o

ancoradouro mais desejável de Fênice, a cerca de sessenta e quatro quilômetros a oeste. De início tudo correu bem, embora Lucas nos dê a impressão de que o cabo Matala só tenha sido alcançado depois de alguns momentos de muita tensão. A forma enfática pela qual ele inicia a declaração de que navegavam "mais de perto" (do que o desejável) ao longo da costa de Creta, implica a dúvida momentânea por parte deles quanto a serem capazes de safar-se.

27:14-15 / Mas a seguir, ao atravessar as águas do golfo de Messara, entre o cabo Matala e Fênice, o vento de súbito virou. Um pé-de-vento, chamado euro-aquilão (gr. typhonikos, cp. nossa palavra "tufão") — desencadeou-se do lado da ilha — eis uma descrição gráfica de um fenômeno comum nas águas de Creta (J. Smith, p. 102). Os navios antigos eram incapazes de enfrentar o mar aberto, nem mesmo navegar contra o vento, como um iate moderno o faz. Com esse vento soprando sobre eles, vindo das montanhas de Creta, não tinham outra opção senão disparar adiante, pelo que se viram empurrados para o sul.

27:16 / Assim foi que chegaram à proteção de uma ilhota chamada Clauda (em alguns textos, Cauda), a moderna Gavdos, a cerca de trinta e sete quilômetros do cabo Metala. Sob a proteção temporária dessa ilhota a tripulação fez os preparativos possíveis para enfrentar a tempestade. Um barco ("batei") que estava sendo rebocado à popa foi levantado e colocado a bordo (cp. v. 17). Por essa altura devia estar inundado, e teria sido difícil içá-lo. O emprego da primeira pessoa do plural, usaram de todos os meios, pode significar que o próprio Lucas foi obrigado a trabalhar fisicamente, e teria escrito estas palavras com algum ressentimento pelo grande esforço dispendido. Que isto com certeza deve ter acontecido percebe-se pela reversão à terceira pessoa do plural, no versículo seguinte, que descreve a operação mais difícil de cingir o navio, tarefa que só a tripulação sabia realizar.

27:17 / A vela principal talvez ainda se mantivesse no lugar até agora, mas a tensão dessa enorme vela sob um vendaval teria sido superior à capacidade de resistência do casco do navio. O madeirame teria empenado e o barco soçobrado, não fosse o abrigo de Clauda. Aqui, eles passaram cordas por baixo da embarcação, cingindo o navio. No grego temos "com o uso de ajudas" — sem dúvida uma referência ao equipamento ("os aparelhos"), como blocos e talhas. A operação efetuada chama-se literalmente "cingir o navio", dando a impressão de que cordas teriam sido passadas verticalmente ao redor do barco, num processo denominado "amarração". A única dificuldade com que nos defrontamos é saber como conseguiram fazê-lo sob tais condições. Normalmente a "amarração" era executada estando o navio na praia. Vários comentaristas chegaram à conclusão de que essa operação simplesmente não poderia ter sido feita, e apresentam outras sugestões, todas as quais presumem, entretanto, que o verbo adquiriu um sentido bem mais amplo. No todo, é melhor presumir que o verbo tenha sido usado com seu significado original, total, e que os marinheiros dominavam a técnica de "amarrar" o navio até mesmo numa tempestade em pleno mar.

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Eles enfrentavam dois perigos: primeiro, que as ondas gigantescas pudessem emborcar o navio, ou esmagar sua estrutura, pelo que os marinheiros fizeram a "amarração"; segundo, que fossem arrastados para Sirte, nome grego de dois golfos rasos na costa da África. O maior desses, Sirte Maior (o golfo de Sidra), a oeste de Cirenaica, é o lugar mencionado neste versículo. Os marinheiros lhe temiam as águas rasas, cheias de rochas traiçoeiras e bancos de areia, e embora o perigo ainda estivesse a cerca de seiscentos e quarenta quilômetros de distância, estes homens do mar não queriam arriscar nada. Diz-nos Lucas que eles "arriaram os aparelhos" (assim diz o grego), que seria sua forma de mencionar a grande verga, que suporta a vela principal, embora várias outras sugestões tenham sido apresentadas, que vão desde o lançamento da âncora (NIV) até toda a aparelhagem náutica pesada. É evidente que precisavam de algumas velas, pois de outra forma o navio ficaria inteiramente à mercê dos ventos e das ondas. O objetivo dos marinheiros não era apenas navegar bem devagar, mas controlar o rumo. Os barcos romanos com freqüência carregavam uma vela de proa, como este navio parece carregar (veja a disc. sobre o v. 40), e essa teria sido suficiente para mantê-lo na direção do oeste e do norte, longe dos perigos da costa africana. Assim foi que o navio se viu arrastado, e eles se deixaram levar — não totalmente impotentes, mas fazendo o quanto lhes era possível naquela situação desesperadora.

27:18-19 / No dia seguinte, arrastado agora pela tempestade para longe do abrigo de Clauda, começaram a aliviar o navio, atirando ao mar aparentemente a carga do convés (cp. v. 38; Jonas 1:5). No dia seguinte, lançaram ao mar a armação do navio (v. 19) — talvez qualquer coisa móvel que estivesse no convés. Alguns têm incluído aqui a bagagem dos passageiros, mas nesse caso esperaríamos o adjetivo possessivo "nossa", e não armação do navio. Todavia, pode ser correto acrescentar algum equipamento para uso dos passageiros, como camas, mesas, utensílios de mesa e coisas semelhantes. O comentário que os marinheiros fizeram tudo isso com as próprias mãos nos parece estranho, visto que de nenhum outro modo poderiam tê-lo feito, a menos que se intencione estabelecer um contraste entre o transe penoso atual e o equipamento padrão disponível num porto, para manuseio de cargas e aparelhagem. Há um texto (variante) do v. 19 que diz: "nós lançamos" em vez de "[eles] lançaram" que salienta o comentário sobre se o próprio Lucas estaria (de novo) envolvido em trabalho braça!. Tal redação, contudo, não tem boa aceitação.

27:20 / O pior de tudo era a incerteza sobre onde estavam. Havia já muitos dias, nem sol nem estrelas apareceram, pelo que estavam privados de todos os meios de calcular sua posição, ou até mesmo de determinar com alguma precisão a direção do navio (é claro que não dispunham de bússola). A medida que os dias passavam desvanecia-se toda a esperança de livramento ("fugiu-nos toda a esperança de nos salvarmos", imperfeito passivo). Tanto os passageiros como os tripulantes caíram no desânimo.

27:21-22 / Quando a má situação chegou ao auge, havendo eles estado muito tempo sem comer (v. 21) — o que não era incomum naqueles dias numa tempestade marítima, pelo fato de o alimento estragar-se, ou pela impossibilidade de cozinhá-lo, Paulo dirigiu-se às pessoas do navio. Não era a primeira vez que enfrentava os perigos de uma tempestade (2 Coríntios 11:25), e baseado em sua experiência passada e fé presente, ele tinha palavras de encorajamento para todos — não antes, porém, de permitir-se lembrá-los de que, Senhores, devíeis, na verdade, ter-me ouvido a mim e não ter partido de Creta (v. 1). "Essa característica da natureza humana, sempre disposta a provar que tinha razão, é um sinal da fidelidade de Lucas; ele não se esquece do homem no apóstolo" (Rackham, p. 497). Há um pouco de ironia na expressão paulina. O grego refere-se àquelas pessoas "ganhando" esta "perda". Entretanto, ele lhes assegurou que ninguém perderia a vida (contrariamente à predição anterior, v. 10); só o navio é que se perderia.

27:23-24 / Paulo acrescenta umas explicações. Durante a noite o anjo de Deus, de quem eu sou e a quem sirvo, havia dado a Paulo a certeza de livramento (cp. Jonas 1:9). A luz da promessa de 23:11, Paulo poderia de alguma forma sobreviver à tempestade, embora a depressão com freqüência traga dúvidas, e nenhuma razão tenhamos para excluir Paulo do desânimo que havia tomado conta de todos (v. 20). Seja como for, no que concerne a Paulo, a visão angélica lhe confirmou a promessa de que ele daria testemunho em Roma. Mas foi-lhe também dito que Deus "lhe fizera um favor" (Deus te deu todos os que... esse é o sentido do verbo grego no tempo perfeito) ao poupar as vidas das pessoas que estavam com ele. (Seria essa a resposta a suas orações em prol daquele povo? Veja a disc. sobre 1:14 e 9:11).

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27:25-26 / As últimas palavras de Paulo foram um testemunho. O apóstolo exorta o pessoal do navio a ter bom ânimo, porque se podia confiar em Deus (v. 25). Eles não se perderiam no mar, contudo é necessário irmos dar numa ilha (v. 26). Este pormenor pode ter sido uma parte da revelação divina, e Paulo poderia estar falando profeticamente, como também poderia ser sua própria dedução, tirada da certeza de que todos sobreviveriam embora o navio se perdesse.

Notas Adicionais # 68

27:14 / Euro-aquilão: é palavra grega, eurakylon, que parece ser uma formação híbrida do grego euros, vento de leste, e do latim aquilo, vento do norte e, presumivelmente significa "vento do nordeste". Os gregos tinham um nome adequado para esse vento, kaikias, mas o latim não tinha um nome equivalente, pelo que os marinheiros romanos, na falta de um termo específico, aparentemente cunharam essa palavra. Ela está grafada numa inscrição latina (veja C. J. Hemer, "Euraquilo and Melita", JTS 26 [1975], pp. 101-11).

27:15 / Sendo o navio arrebatado, e não podendo navegar contra o vento: Lucas emprega linguagem gráfica a fim de descrever esse desastre. Primeiramente, ele se refere ao navio como tendo sido "arrebatado pela força do vento", e por isso puxado para longe; em segundo lugar, fala do navio como "incapaz de encarar o vento, olho a olho" (não aparece em ECA). Era costume pintar olhos na proa dos navios, e a expressão de Lucas pode ter derivado daí, embora fosse também um termo de uso comum na vida cotidiana.

27:17 / Usaram de todos os meios, cingindo o navio: como indicamos acima, no texto grego a expressão "cingir" sugere que se empregou o processo conhecido por "amarração". Há outras sugestões segundo as quais as cordas foram amarradas longitudinalmente ao redor do casco, por fora, ou atravessando o navio, por dentro do casco, ou longitudinalmente acima do navio, da proa à popa, para evitar o abaulamento — que a quilha do navio se arrebentasse. "Cingidores", segundo se sabe, eram dispositivos do equipamento náutico grego para navios de guerra, mas não se sabe como eram usados.

69. O Naufrágio (Atos 27:27-44)

27:27 / Por volta da meia-noite na décima quarta noite após terem saído de Bons Portos (alguns

dizem de Clauda) os marinheiros detectaram sinais de terra próxima. É possível que tenham ouvido as ondas quebrando-se na praia, sugestão que tem o apoio do Codex Vaticanus que, em vez de "estavam próximos de terra" (como diz a maioria dos textos) traz "ressoando". A tradição, como regra, para procurar identificar um local bíblico, é inconfiável. Neste caso, todavia, temos todas as razões para achar que os navegantes chegaram, conforme diz a tradição, à baía de São Paulo, na ilha de Malta. Se assim foi, o navio teria passado dentro de um raio de quatrocentos metros de Ponto Koura, a leste dessa baía e, embora a terra aqui seja demasiado baixa para ser vista numa noite escura e tempestuosa, as ondas que se quebram podem ser ouvidas a alguma distância. Tanto o lugar como o tempo exigido para alcançar essa baía (uma distância de 475 milhas marítimas a partir de Bons Portos) parecem confirmados pelos cálculos de Smith. Presumindo-se a direção do vento (ENE) e a velocidade média de derivação de um navio grande costeando a estibordo (aproximadamente um pouco mais de três quilômetros por hora), concluiu ele que "um navio, fazendo-se ao mar ao entardecer... ao redor da meia-noite do décimo-quarto dia estaria a menos de cinco quilômetros da entrada da baía de São Paulo" (pp. 120-24).

27-28 / As suspeitas dos marinheiros se confirmaram quando eles lançaram a sonda e acharam vinte braças (trinta e cinco metros) de profundidade. Estas correspondem bem às medidas tomadas no Ponto Koura, próximo da baía de São Paulo. O homem que lançava a sonda estaria gritando as medidas, de tal forma que Lucas e o timoneiro podiam ouvi-las.

27:29 / A proximidade de terra exigia medidas de segurança, pelo que lançaram da popa quatro âncoras para evitar que dessem de encontro às rochas, e ficaram aguardando o amanhecer. Tais âncoras eram relativamente leves, segundo os padrões modernos, por isto esse número (quatro) era necessário.

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Lançar âncoras da popa não era comum, mas lançá-las da proa teria feito o navio girar pela força do vento e, sem saber a que distância da praia estavam, os marinheiros teriam ficado em dúvida quanto a se poderiam fazê-lo voltar à posição normal, e fazê-lo fundear pela manhã.

27:30 / Mas a tripulação, ou pelo menos alguns tripulantes — não sabemos quantos homens compunham a tripulação, nem o tamanho do barco — não teve calma para esperar o amanhecer. Para eles, que "cada um cuidasse de si próprio", e fingindo que eram necessárias mais algumas âncoras da proa para ajudar a estabilizar o navio, e que precisavam lançá-las na extremidade do cabo em vez de atirá-las do convés, colocaram o bote na água a fim de escapar. O que pretendiam fazer na escuridão da noite, numa praia desconhecida, parece-nos o cúmulo da imprudência, sendo isto tudo que se poderia dizer a respeito. Qualquer pessoa ajuizada teria considerado o próprio navio, muito maior, bem mais seguro, pelo menos até o amanhecer. Por outro lado, é possível que desejassem sinceramente lançar mais âncoras, e que a intenção deles havia sido mal interpretada pelos passageiros.

27:31-32 / Seja como for, Paulo apelou para o instinto de autopreservação dos marinheiros (não podereis salvar-vos, v. 31), e insistiu em que os homens ficassem a bordo. O centurião reagiu imediatamente — talvez tenha exagerado na reação — e fez que seus soldados cortassem as cordas que prendiam o barco. O resultado foi que o barco, que poderia ser útil quando todos finalmente viessem a abandonar o navio, se perdeu, mas o fato importante é que os marinheiros foram retidos (na suposição de que pretendiam fugir), e puderam ajudar a colocar o barco mais perto da praia, pois de outra forma os passageiros poderiam estar condenados à morte. Por toda a narrativa verifica-se um lindo equilíbrio entre a certeza do cuidado de Deus quanto à segurança de todos, e os esforços das pessoas para assegurá-la. Observe a autoridade com que Paulo agiu nesta situação, e também nos demais versículos.

27:33-34 / Estando amanhecendo agora, Paulo exortava a todos a que comessem alguma coisa (v. 33). O tempo todo haviam sido acossados pelo vento terrível, e atirados de lá para cá pelas ondas, desde Creta a este lugar (cp. Efésios 4:14), sem comer (v. 33). Diz o grego literalmente, "nada haviam tomado". Nos navios da época não havia mesas postas, nem garções para servir as refeições. A pessoa que quisesse comer deveria ir buscar a comida na cozinha do navio. Assim, é possível que Paulo quisesse dizer que as pessoas não haviam ido buscar suas rações regulares — ou porque haviam perdido o apetite completamente, ou porque a cozinha não pudera funcionar durante a tempestade. Talvez as pessoas houvessem subsistido com algum alimento que tinham à mão, ou simplesmente haviam jejuado o tempo todo. Fosse como fosse, Paulo agora exortava a todos a que comessem. Iriam precisar de toda a sua energia, se quisessem chegar à praia. O apóstolo era um homem de fé prática (veja a disc. sobre os vv. 31s.). De novo ele lhes assegurou que estariam salvos, empregando agora o que deveria ser um provérbio na época, nem um cabelo cairá da cabeça de qualquer de vós (v. 34; cp. 1 Samuel 14:45; 2 Samuel 14:11, RSV; 1 Reis 1:52; Mateus 10:30; Lucas 21:18).

27:35-36 / Paulo acrescenta a essa exortação seu próprio exemplo; ao tomar um pouco de pão, deu graças a Deus (v. 35), partiu-o e pôs-se a comê-lo. O fato de o apóstolo haver dado graças a Deus talvez indique apenas o costume judeu e cristão de dar "graças" às refeições, e essa teria sido uma refeição comum. Entretanto, a descrição é tão parecida com várias outras descrições de refeições presididas por Jesus, e de modo especial aquela Última Ceia (cp. Lucas 9:16; 22:19; 24:30), que às vezes há quem diga que esta refeição foi "um ritual da comunhão" para dois ou três cristãos a bordo. Isto pode ser questionado, mas a ação de Paulo produziu o efeito desejado: Todos cobraram ânimo, e se puseram também a comer (v. 36).

27:37 / Lucas dá o número de pessoas a bordo: duzentas e setenta e seis. Isto às vezes surpreende os modernos leitores, levando-os a aceitar o número mais modesto de setenta e seis, que se encontra em alguns textos. Todavia, o número maior não apresenta maiores dificuldades. Muitos navios cerealistas alexandrinos de fato eram enormes. Josefo, que também havia naufragado um dia nessas águas (mar Adriático; veja a nota sobre o v. 27), foi um passageiro dentre outras seiscentas pessoas, mais ou menos, a bordo de um navio (Life 3). Lucas talvez houvesse mencionado esse número, nessa conjuntura, porque a distribuição de víveres lhe havia chamado a atenção. Mas a maravilha real é que todos se salvaram. No caso de Josefo, apenas oitenta das seiscentas pessoas sobreviveram.

27:38 / Depois começaram (talvez só a tripulação) a aliviar o navio, alijando o trigo ao mar. Outras cargas já haviam sido atiradas à água (v. 18), mas o trigo havia sido preservado até agora, em parte

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como lastro e em parte na esperança, talvez, de poder ser salvo. O trigo sempre havia sido muito caro em Roma. O propósito daqueles homens era tornar o navio mais leve (carregado, ficaria mais seis metros dentro da água), e assim poder aproximar-se mais da praia.

27:39 / Quando finalmente havia luz suficiente, nem assim os marinheiros puderam reconhecer o lugar onde estavam, mas o que mais importava no momento foi que viram uma enseada com uma praia. É possível que houvessem freqüentemente aportado em Malta (cp. 28:1), mas a baía de São Paulo é muito longe do principal porto, e não podia ser reconhecida por alguma característica distinta. O tempo imperfeito dá-nos o sentido de "tentaram reconhecer o lugar... mas não puderam". Em 28:1 temos o mesmo verbo, mas no tempo aoristo, indicando que houve pronto reconhecimento ao desembarcar.

27:40 / Na esperança de fundear o navio na areia (sendo seu objetivo salvar as pessoas, não o navio), os marinheiros lançaram âncoras da popa e soltaram também as amarras do leme —dois remos, um de cada lado. Tais remos haviam sido levantados acima da água e amarrados, estando o navio preso pelas âncoras. Ao mesmo tempo, a vela da proa (o significado da palavra grega é duvidoso, mas este seria seu sentido aqui; veja a disc. sobre o v. 17), que havia sido arriada antes do anoitecer, foi içada de novo para dar direção ao navio e, assim, dirigiram-se à praia.

27:41 / Mas o navio deu num banco de areia (lit., "lugar de dois mares"), onde ficou encalhado. Tendo vento forte por trás, não havia jeito de safá-lo dali, especialmente pelo fato de a baía de São Paulo ter "um fundo de lodo, sobreposto em argila dura, em que a parte dianteira, ou a proa, teria batido com força, enquanto a popa ficara exposta à fúria das ondas"(Ramsay, Paul, p. 341). Smith sugere que isto aconteceu no canal, a não mais que duzentos e cinqüenta metros entre a ilhota de Salmoneta e o continente. Este estreito poderia ser descrito apropriadamente "lugar onde dois mares se encontram", porque une o mar dentro da baía com o mar ao longe. Um local mais comumente aceito, entretanto, é o banco de areia chamado São Paulo, que fica à entrada da baía, o qual era mais elevado em tempos antigos. O choque da proa contra o fundo do mar, mais os impactos das ondas, teriam despedaçado a popa. Na verdade, alguns textos omitem a referência às ondas, e assim dão esse sentido ao versículo. O tempo imperfeito podia levar a esta interpretação: "começou a arrebentar-se".

27:42-44 / Estando o navio condenado, os soldados eram de opinião que todos os prisioneiros fossem mortos antes que algum dentre eles escapasse e eles fossem responsabilizados (cp. 12:19; 16:27). Todavia, querendo salvar a Paulo, o centurião estorvou-lhes este intento (v. 43) —a palavra "salvar" significa conduzir em segurança no meio do perigo. Portanto, ele deu ordens para que todos procurassem chegar à praia da melhor maneira que pudessem — os que soubessem nadar, que partissem imediatamente. Paulo poderia estar incluído aqui, visto ter sobrevivido a três naufrágios e ter passado uma noite no mar (2 Coríntios 11:25). Os que não soubessem nadar deveriam agarrar-se a tábuas e outros em destroços do navio (v. 44). A última frase todavia poderia ser traduzida assim: "às costas dos membros da tripulação". Assim foi que desta ou daquela maneira todos chegaram à terra salvos (v. 44; cp. vv. 22, 34).

Notas Adicionais #69

22:27 / Sendo nós ainda impelidos: a tradução deste verbo diapherein admite muitas acepções, visto que se supõe que "foram arrastados para diante e para trás" (RV, cp. AV), como que inteiramente fora de controle, ou que teria mantido um curso firme. Favorecendo esta última acepção, vemos que em Atos a força usual do prefixo dia expressa um movimento contínuo para a frente, avançando sobre um espaço amplo.

No Adriático, lit, "na Ádria": Adriático é o nome moderno desse mar, entre a Itália e os Bálcãs, mas nos tempos antigos era nome de uma região maior, abrangendo Malta, Itália, Grécia e Creta (cp. Ptolomeu, Geography 3.4 e 14ss.; Josefo, Lí/e 13-16).

70. Desembarque em Malta (Atos 28:1 -10)

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28:1 / A ilha de Malta, onde os viajantes se encontravam agora, fica a cerca de noventa e seis quilômetros da Sicília. É uma ilha de cerca de trinta quilômetros de comprimento por onze de largura. A sudoeste, os rochedos cortam abruptamente o mar, mas na costa nordeste há muitas enseadas e baías. O maior porto é onde fica hoje a cidade de Valetta. A baía de São Paulo fica cerca de onze quilômetros a noroeste da cidade. Os fenícios haviam ocupado a ilha logo após o início do primeiro milênio a.C. A influência deles permaneceu forte no meio da mistura de culturas que sobreveio, e ainda era evidente, no primeiro século d.C, no dialeto cartaginês dos malteses. A ocupação fenícia ficou testemunhada em moedas e inscrições, sendo observado por Lucas em sua descrição dos malteses como sendo "nativos" (vv. 2, 4; NIV traz "ilhéus"). Algumas versões trazem "bárbaros" — não porém no sentido moderno que damos à palavra, mas como os gregos a empregavam: os povos que não falavam grego (as línguas estrangeiras soavam como "bar-bar" a seus ouvidos). Isto poderia indicar que talvez Lucas fosse grego. Malta (ou Melita) é nome fenício, e significa "refúgio". É possível que Lucas soubesse disso quando escreveu este versículo, que poderia ser parafraseado desta maneira: "Verificamos que a ilha merecia o nome que tinha". A ilha havia passado dos gregos sicilianos para os cartagineses, e destes para os romanos. Era governada agora por um procurador, que pode ter sido o Públio que Lucas menciona no v. 7.

28:2 / Os estranhos que caíssem no meio de povos tão rústicos como este com freqüência recebiam tratamento hostil. Nesta ocasião, porém, os sobreviventes se viram tratados com não pouca humanidade. Acrescentou-se a seus sofrimentos chuva e frio, de modo que a fogueira que os nativos acenderam foi um grande gesto de boas-vindas. É difícil imaginar de que modo duzentas e setenta e seis pessoas do navio puderam agrupar-se ao redor do fogo, mas é possível que Lucas esteja descrevendo apenas o que aconteceu ao grupo que incluía os cristãos. Talvez outras fogueiras tenham sido acendidas, cada uma com um grupo de náufragos.

28:3-4 / Paulo não estaria imobilizado sob o peso de uns grilhões, mas algemado com uma corrente leve. De outra forma ele dificilmente conseguiria escapar, caso o tentasse. Assim é que ele procurou ajudar de alguma forma, e pôs-se a cuidar da fogueira. Ao fazê-lo, uma víbora da lenha que ele segurava picou-lhe a mão. A primeira reação dos nativos foi a de ver nesse incidente um julgamento sobre o prisioneiro. Talvez possamos distinguir nas palavras deles, como Lucas as registrou, uma referência a Dike, a deusa grega da justiça, filha de Zeus e de Themis (de acordo com Hesíodo), ou a um de seus próprios deuses cujo nome Lucas descreveu dessa maneira. Fosse como fosse, julgaram que Nêmesis apanhara a Paulo, e que este fatalmente morreria (a Justiça não o deixa viver, v. 4). Bruce menciona um poema grego que fala de um "assassino que escapou de uma tempestade marítima, naufragou na costa líbia, e acabou morto por uma víbora" (Book, p. 522, n. 11). Se histórias desse tipo estivessem sendo contadas, não é de estranhar que os malteses reagissem dessa maneira. Tinham visto que Paulo era um prisioneiro, e supuseram a partir desse incidente que se tratava de um assassino, visto que morte exige morte.

28:5-6 / Entretanto, Paulo simplesmente sacudiu a cobra no fogo (v. 5). Talvez nem houvesse percebido tratar-se de uma víbora, estando aparentemente desinteressado, ou ciente de que estava sob os cuidados de Deus (cp. 23:11). Demonstrou-se, assim, que Marcos 16:18 diz a verdade (a menos que este texto do evangelho se baseie nesse incidente; mas cp. Lucas 10:19, e também Salmo 91:13). Nenhum efeito maligno sobreveio a Paulo. Os nativos, porém, esperavam que Paulo viesse a inchar ou a cair morto de repente (v. 6). Quando entenderam que isso não aconteceria, mudaram de opinião e passaram a dizer que ele era um deus (cp. 14:1 ls.). Como é inconstante a opinião humana! Parece que jamais pararam um pouco para pensar em como um deus poderia permitir-se cair prisioneiro dos romanos. A atitude de Lucas quanto a este incidente tem sido objeto de disputa. Alguns o acusam de ter compartilhado a opinião dos nativos sobre Paulo. Mas embora Lucas com toda a certeza acreditasse que Paulo, bem como todos os demais apóstolos, possuíssem poderes miraculosos, nunca o colocou à parte, como o fizeram os nativos, como se o apóstolo não fosse um ser humano (veja a disc. sobre 27:21). Na verdade, longe de endossar a avaliação deles, parece que Lucas tenciona zombar deles nesta passagem. Hoje não há víboras em Malta, mas ficam abaixo da crítica os que sugerem que, por essa razão, esta história não é verdadeira. Dezenove séculos de habitação humana explicam o desaparecimento das víboras (e também da lenha de fogueira nas vizinhanças da baía de São Paulo).

28:7 / Aconteceu que os náufragos desembarcaram perto das terras de um Públio, o principal da ilha. Não há certeza quanto a se Lucas com esta expressão quis referir-se ao procurador romano, ou a um

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mero dignitário local, mas o emprego em Malta do título de "chefe" ou "principal"(gr.protos) é confirmado por inscrições. É curioso que Lucas não nos dê seu nome completo, com sobrenome, mas apenas seu primeiro nome (veja a nota sobre 13:9). Isto pode refletir o costume local. Entretanto, se ele não era o procurador, pode ter sido cidadão romano, e Públio (gr. Poplios) seria seu único nome. Não sabemos se Públio recebeu todos os duzentos e setenta e seis náufragos, ou apenas um pequeno grupo que incluía Paulo. Visto ter sido por três dias apenas, e suas propriedades fossem grandes, com muitos escravos, talvez ele tivesse podido cuidar de um número tão grande de pessoas. Entretanto, ele o fez bondosamente, sem resmungar. E sua bondade foi recompensada (cp. Mateus 10:40ss.).

28:8-10 / O pai de Públio estava de cama, doente com febre [gástrica] e disenteria, que segundo consta são endêmicas, como a "febre de Malta". Lucas emprega o plural, ao falar de "febres" intermitentes. Então, Públio teve a felicidade de ver seu pai curado mediante a oração de Paulo e a imposição de mãos (veja as disc. sobre 1:14 e 9:11 quanto a orações, e a nota sobre 5:12 quanto a imposição de mãos). Espalharam-se bem depressa as notícias sobre essa cura, de modo que doentes da ilha toda vieram a Paulo para receber cura. Esta história tem alguma semelhança com a da sogra de Pedro sendo curada por Jesus; ela estava de cama com febre, e após sua cura muitos doentes chegaram depois àquela casa (Lucas 4:38ss.). Lucas emprega o pronome nos, no v. 10, o que levanta a questão: será que ele utilizou sua perícia médica, de modo que ele também teria recebido muitas honras como compensação pelos seus serviços? Todavia, Paulo é o centro das atenções sempre; Lucas deve ter sido incluído como beneficiário indireto das dádivas atribuídas ao apóstolo. A expressão grega para muitas "honras" (NIV diz "de muitas maneiras") às vezes é empregada no sentido de remuneração por serviços prestados; mas não podemos crer que Paulo ou Lucas teriam cobrado por quaisquer serviços que houvessem prestado (cp. Mateus 10:8). Em vez disso, devemos entender que tais honras foram ofertas espontâneas, expressões voluntárias de gratidão, as quais proveram os viajantes de tudo de que precisariam (haviam perdido tudo) durante o resto de sua viagem.

Lucas não apresenta nenhum comentário sobre o significado espiritual mais profundo de tais incidentes. Na narrativa da tempestade e do naufrágio, ele apresentou Paulo como profeta; na seqüência, como operador de milagres. Para Lucas isso basta. Ele não se interessa por responder às perguntas levantadas entre os leitores modernos: "Pregou Paulo o evangelho enquanto exerceu seu ministério de oração e cura? Algum habitante de Malta foi ganho para Cristo? O grupo apostólico deixou atrás de si uma comunidade cristã? O registro de Lucas silencia; podemos, porém, crer que houve aqui uma oportunidade evangelística boa demais para ser desperdiçada" (Martin, pp. 136s.).

Notas Adicionais # 70

28:1 / a ilha se chamava Malta: Expressa-se às vezes a opinião de que eles não teriam chegado à ilha de Malta (Sicula Melita), mas a Melita Ilírica (Mljet), no golfo Adriático (veja A. Acworth, "Where was St. Paul Shipwrecked? " JTS 24 [1973], pp. 190-93; mas veja também C. J. Hemer, "Euraquilo and Melita", JTS 26 [1975], pp. 101-11). Esta teoria baseia-se numa definição muito estreita do mar de Ádria, que ao redor do décimo século d.C; quando esse conceito foi comentado pela primeira vez, limitava-se, como agora, ao braço de mar existente entre a Itália e os Bálcãs. Em todo o caso, é longe demais da rota provável do navio (veja a nota sobre 27:27). David J. Williams

Fonte: http://www.ebdareiabranca.com/2011/1trimestre/sumario.htm