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O ensino de Antropologia e Imagem1
Lisabete Coradini (PPGAS/UFRN/Brasil)
Resumo
Tarta-se de algumas inquietações com relação ao ensino de Antropologia e Imagem na
Graduação, apresentando os programas de ensino, passando pelos exercícios práticos e
relacionando tudo isso com os recursos e equipamentos disponíveis numa sala de aula.
Pretende-se apresentar a metodologia, os planos de trabalho, os exercícios práticos, as
exibições de filmes, o uso do equipamento em campo e a produção de imagens.
Palavras chave: ensino, antropologia visual, fotografia.
Neste artigo pretendo explicitar algumas inquietações com relação ao ensino de
Antropologia e imagem na Graduação, apresentando os programas de ensino, passando
pelos exercícios práticos e relacionando tudo isso com os recursos e equipamentos
disponíveis numa sala de aula. Esse exercício permite estabelecer um paralelo entre as
novas tecnologias e as possibilidades de se realizarem algumas produções ao longo da
disciplina.
Em 2006, por iniciativa da diretoria da ABA (Associação Brasileira de
Antropologia), foi publicada uma coletânea sobre o ensino de Antropologia intitulada
Ensino de antropologia no Brasil formação práticas disciplinares e além fronteiras.
Nesse período, no Brasil, no campo antropológico, houve um amplo debate sobre o
ensino de Antropologia, com a formação de mesas redondas, fóruns e simpósios nas
reuniões da Associação Brasileira de Antropologia e na Reunião Equatorial de
Antropologia.
O debate sobre ensino se ampliou a partir dos anos 90 com a consolidação dos
novos Cursos de Pós-Graduação e Doutorado em Antropologia no país e se
intensificoumais recentemente com a criação de Cursos de Graduação em Antropologia.
A realização da Mesa Redonda "As graduações em antropologia no Brasil e o ofício do
1 “Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de
agosto de 2014, Natal/RN
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antropólogo" (REA/ABANNE, Natal, 2009) e o Forum Especial "Graduação em
antropologia no Brasil: experiências e perspectivas (ABA Belem, 2010) e o Grupo de
Trabalho: Antropologia Visual: história, ensino e perspectivas de pesquisa na 28º RBA,
são exemplos dessa preocupação. Tal discussão trouxe um amplo debate sobre a
regulamentação da pesquisa antropológica, sobre as propostas curriculares desses
cursos, bem como sobre os dilemas em torno do perfil de profissional que está sendo
gestado na Graduação em Antropologia e seus impactos no campo da Antropologia
Brasileira2.
Vale ressaltar a importância do debate sobre o ensino da Antropologia na
Graduação e na Pós-Graduação, principalmente no que diz respeito à Antropologia
Visual.
Hoje em dia é impossível não acompanhar os novos sistemas de comunicação -
chat, Internet, correio eletrônico - as novas possibilidades de utilização dos recursos
disponíveis. Passamos do fax, câmera fotográficas analógicas, câmeras filmadoras
pesadas (U-matic, NTSC, VHS, SVHS) para tablets, ipad, celulares. Essas novas
tecnologias disponíveis - fotografia digital, vídeo, cinema digital, som digital, edição,
composição, montagem - facilitaram a produçao de imagens e de conhecimentos.
Sabemos que a história da Antropologia tem incorporado o registro da imagem
etnográfica, o uso da fotografia, o cinema, o vídeo, a digitalização, o CD-ROM, DVD-
ROM, hipertextos e todas as possibilidades da multimídia e da imagem virtual. A
Antropologia também escolheu a fotografia, o cinema como objeto de estudo.
A meu ver, a “Antropologia Visual” assume um papel significativo no próprio
fazer da Antropologia, embora haja também outro caminho que pode ser traçado diante
da diversidade de temas e preocupações que constituem o que denominamos
“Antropologia da imagem” - um tipo de Antropologia que implica o estudo e a
interpretação de qualquer elemento imagético culturalmente produzido, de acordo com
as teorias e metodologias da Antropologia.
2 Ver também a coletânea “Experiências de Ensino e Prática em Antropologia no Brasil” (2010).
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A meu ver, a prática de pesquisa e o ensino estão atrelados. Foi durante a
pesquisa no Mestrado que me deparei com as imagens e o texto escrito. Primeiro, na
minha Dissertação, depois no Doutorado e não parei mais de ler e ver imagens.
Na minha Dissertação de Mestrado sobre a Praça XV de Novembro em
Florianópolis, o objetivo inicial era mapear os grupos que dela se apropriavam.
Entrevistei diferentes deles, bem como indivíduos isoladamente, buscando identificar os
diversos usos e significados dado ao espaço e compreender as redes de sociabilidade
construídas por eles. Além disso, acompanhei os eventos, em especial o Carnaval, as
procissões e as festas cívicas. Como a temática envolvia aspectos da construção do
imaginário social da cidade, utilizei como fonte de pesquisa as crônicas sociais e
policiais, revistas e jornais locais. Nesse trabalho, foi preciso exercer um
distanciamento, para poder vir a ter uma visão de conjunto e encontrar um fio condutor
no uso das múltiplas fontes: as imagens.
Alguns anos mais tarde, na cidade de Natal (RN), fazendo parte do quadro de
professores efetivos da UFRN, dei início a uma investigação sobre o bairro de Ponta
Negra. Ao conversar com os seus moradores, detectei, como parte do imaginário atual,
imagens produzidas no passado. Senti a necessidade de fazer uma pesquisa documental
e bibliográfica em livros, jornais, revistas e fotografias, com relação ao local3. A partir
daí, passei a considerar como informantes os autores dos documentos tanto quanto os
moradores com quem convivi no bairro.
Através do enfoque escolhido, cidade, bairro, praça e a fotografia acabaram por
colocar em discussão a problemática da construção e da perpetuação da memória
urbana. Narrativas e imagens se entrelaçam para contar e recontar a história do bairro,
da cidade.
E assim fui cruzando a pratica da pesquisa e o ensino, a teoria e a prática. Pensar
a cultura a partir das imagens, com as imagens e, no final, produzir imagens é uma
tarefa prazerosa além de desafiadora na sala de aula. Apesar de não existir uma fronteira
3 Trata-se de um projeto intitulado “Bairros na Memória”, cujo objetivo é narrar a história dos bairros de
Natal através de diferentes gerações. O primeiro bairro escolhido foi Ponta Negra, devido ao intenso
processo de transformação urbana que vem sofrendo. Também foi produzido um vídeo documentário
intitulado “Ponta Negra,um bairro em transformação” (DVCAM,5min, NAVIS/UFRN,2005).
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entre o fazer pesquisas com imagens e o ensino de antropologia visual, percebi que na
sala de aula era necessário incorporar outras estratégias didáticas. Pensar em novos
modelos de ensino-aprendizagem que permitam uma estreita colaboração
professor/aluno e, consequentemente, a circulação de novos saberes. Na sala de aula, ao
longo de um semestre se entrelaçam diferentes histórias de vida, memórias, expectativas
e afetos.
Como assinala Jorge Larrosa Bondía (2001) costuma-se pensar a educação do
ponto de vista da relação entre a ciência e a técnica ou do ponto de vista da relação entre
a teoria e a prática. Tudo isso é conhecido, o que o autor propoem é explorar outra
possibilidade: pensar a educação a partir do par experiência/sentido. Para Bondia
(2002,21) “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o
que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas,
porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece”.
Nesta perspectiva, este texto consiste de notas preliminares que têm como
objetivo sinalizar alguns ângulos através dos quais o ensino de antropologia visual na
graduação pode ser refletido e dimensionado, a partir das definições curriculares, planos
de aula, nas práticas e saberes docentes como aquisições que são feitas quotidianamente
em meio às relações que estabelecemos com nossas instituições, com nossos pares,
nossos alunos e com o próprio conhecimento.
As minhas aulas seguem um plano de trabalho que contempla a breve história da
Antropologia Visual, exercícios práticos, exibição de filmes, o uso do equipamento em
campo e a produção de imagens. Conquanto os exercícios práticos incluam a produção
de narrativas visuais, sonoras e audiovisuais, nem sempre um programa de aula é igual
ao anterior.
As novas tecnologias, um ambiente adequado e bem equipado podem trazer boas
produções. As implicações são muitas, a facilidade de acesso e consulta aos acervos
digitais, museus virtuais, coleções de fotografias; a aproximação com as imagens de
maneira rápida; as possibilidades de olhar os mínimos detalhes e ter acesso através do
deslocamento geográfico ao museu, acervo, instituição pública.
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A disciplina Antropologia e Imagem, que leciono há alguns anos na Graduação,
procura sempre contemplar as seguintes questões: O papel das imagens na produção do
conhecimento antropológico; Imagens como um tipo de construção simbólica da
realidade; O papel da fotografia e vídeo na pesquisa antropológica; A Antropologia
Visual no Brasil e a questão da ética do uso de imagens na pesquisa antropológia.
Começando com uma breve introdução sobre a História da Antropologia Visual,
discutindo os textos e intercalando com a exibição de alguns filmes de estilos
etnográficos completamente diferentes, que anunciam a diversidade de possibilidades da
Antropologia Visual e colocam para os alunos as seguintes questões: Que tipo de filme
e que tipo de imagem podem ser considerados como transmissor de conhecimento
antropológico? Como por exemplo: Les Maîtres Fous, de Jean Rouch (1955), The
Hunters, de John Marshall (1958), Dead Birds, de Robert Gardner e The Feast, de Tim
Asch (1969), entre outros. Num segundo momento, exploramos diversos temas
pertinentes à imagem como narrativa; o uso da fotografia e do vídeo na pesquisa
antropológica. E, num terceiro momento, a Antropologia Visual no Brasil através de
trabalho de inúmeros antropólogos brasileiros.
Exercícios sonoros são sempre bem-vindos em sala de aula e se resumem na
captação de um minuto de um som. A partir de algumas leituras sugeridas,
principalmente dos artigos de Walter Munch e Afinação do Mundo, de Murray Shafer, o
aluno irá captar em qualquer mídia um som ao redor, que poderá ser feito no trajeto
entre a casa/universidade, ou na prória casa do aluno ou em outro ambiente, mas não
poderá trazer a imagem para a sala de aula na hora da apresentação. Assim, na sala de
aula, em silêncio e no escuro, a turma irá tentar decifrar o som que cada aluno trouxe: o
ambiente especifico, a voz falada, o som produzido por um objeto. Ou com diz Walter
Munch: esticando o som para ajudar a mente a ver.
Os sons apresentados são os mais variados: desde buzinas, carros em
movimento, passando por sons de objetos, chegando aos sons da natureza (vento, folhas
amassadas, frutas mordidas). Um aluno que na ocasião estava desenvolvendo uma
monografia sobre skate em Natal, colocou o gravador na roda do skate e, ao ouvirmos
os sons, tentamos imaginar os gestos corporais, as manobras e os espaços percorridos
pelo skatista.
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Segundo o livro “A Audiovisão: som e imagem no cinema”, do músico francês
Michel Chion, há pelo menos três maneiras de escuta: casual, semântica e reduzida.
Nesse exercício utilizamos apenas a escuta casual, que consiste em ouvir um som para
obter informações sobre sua fonte. A escuta casual, a mais comum, é, porém, a mais
enganosa. Por exemplo: podemos identificar um som humano, mas não identificar quem
é o indivíduo (características faciais, cor dos olhos), embora possa se perceber o tom,
uma regularidade. Ou ainda: ao se gravar o som de uma taça, têm-se duas fontes: os
dedos e a taça. E há também o gesto, o movimento. E também o gravador, o alto-
falante, etc. Como Chion enfatiza: “Existe sempre alguma coisa sobre o som que
ultrapassa e nos surpreende, não importa o que façamos”.
A partir de alguns conceitos de Michel Chion e nas leituras prévias de Murch e
Shaffer, o aluno é introduzido nesse vasto leque de possibilidades entre os elementos
sonoros e visuais. Chion dá o nome de “contrato audiovisual”. Por este princípio,
conforme o autor, nós nunca vemos da mesma forma quando também ouvimos, assim
como nunca ouvimos da mesma forma quando também vemos. Ou seja, as percepções
sonora e visual coexistem, somando-se, transformando-se e influenciando-se
simultaneamente de modo otimizado se forem compreendidas em suas particularidades.
E assim passamos para a segunda unidade: a reflexão sobre fotografia. São
inúmeras as possibilidades de exercícios práticos com fotografias, dado o próprio
caráter polissêmico da imagem fotográfica, as leituras e formas de interpretá-las.
Limito-me apenas a descrever um exercício sobre fotografia que considera um
momento ímpar, emocionante, revelando fragilidades, preconceitos, mas também
autoestima.
O exercício consistiu em selecionar duas fotografias - uma de um acervo privado
(álbum de família) e outra de um acervo público (museu, instituição, fundação). Cada
aluno deveria ter trazido as fotografias impressas para a sala de aula, onde se daria uma
troca das fotografias entre os colegas. O colega que recebesse a fotografia deveria dar
sua interpretação sobre a fotografia escolhida e assim cada aluno interpretaria a foto do
outro. No final, foi dada uma explicação, por parte de cada um dos alunos, do por que
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escolheu a foto e o que ela representava para ele. Neste caso, a discussão versou sobre a
representação, auto-representação e manipulação de acervos.
Imagens em movimento
Os exercícios que sugerimos com o manuseio de equipamentos são os seguintes:
construir uma pequena autobiografia e posteriormente um perfil do colega de sala;
Finalizados esses exercícios, os alunos devem se envolver na etapa seguinte, que é a
captação das histórias de vida na cidade de Natal e no estado do Rio Grande do Norte
para o processo de construção de microdocumentários (cuja duração é, em média, de um
a cinco minutos).
Lembrei-me de uma passagem de John Thompson no seu livro “A voz do
passado”:
“Fazer com que as pessoas confiassem nas próprias lembranças e interpretações do
passado, em sua capacidade de colaborar para escrever a história - e confiar também
em suas próprias palavras: em suma, em si mesmos. [...] Ela trata de vidas individuais
- e todas as vidas são interessantes. E baseia-se na fala, e não na habilidade da escrita,
muito mais exigente e restritiva. [...] As palavras podem ser emitidas de maneira
idiossincrática, mas, por isso mesmo, são mais expressivas. Elas insuflam vida na
história”. (THOMPSON, 1992, p.40-41)
A elaboração de materiais audiovisuais é muito significativa. Os estudantes têm
participação ativa na produção/realização dos exercícios que, na maioria das vezes,
ultrapassa a educação formal fundada na aula expositiva e no conteúdo tornado
disponível por meio de textos impressos. Ocorre que, diante de todas as mudanças
tecnológicas, o processo de construção do conhecimento não está mais limitado aos
mecanismos tradicionais Assim são produzidos durante o semestre fichamentos, slides,
gravação de sons, elaboração de fotografias, pequenos documentários.
Sem pretensão de concluir
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A Antropologia passou a dedicar-se a produções etnográficas audiovisuais ou
fotográficas, atuando tanto na produção quanto na leitura de imagens. Também o
cinema viabilizou, desde 1895, o registro de imagens, documentos e acontecimentos
que marcaram a sociedade, redefinindo práticas políticas, sociais e culturais. A meu ver,
a criação de novas tecnologias, o barateamento dos custos e a ampliação ao acesso aos
recursos disponíveis proporcionam um amplo leque de possibilidades com relação ao
uso das imagens e potencializam as antigas formas de representar e ver o mundo.
O uso da imagem na pesquisa e no ensino em Ciências Humanas, longe de
constituir só uma estratégia de captação de dados e ilustração do contexto de pesquisa,
tem efeitos na construção conceitual, metodológica e interpretação da realidade social.
É importante revelar imagens e narrativas frequentemente ocultadas ou
silenciadas e as consequências advindas dessa prática. Além de tratar dos desafios
contemporâneos, as imagens fazem parte de uma perspectiva crítica da ciência, na qual
cientistas são vistos como atores sociais importantes na construção de um mundo mais
simétrico e justo (Boaventura dos Santos, 1987).
Através da minha experiência em sala de aula, posso afirmar que os exercícios
permitem aos alunos sentirem-se como sujeitos ativos e reflexivos de sua própria
vivência e posição no mundo. Este deve ser o objetivo principal do ensino da
Antropologia Visual.
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