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Governo FederalDilma Vana Rousseff

Presidente

Ministério da EducaçãoAluísio Mercadante

Ministro

CAPESJorge Almeida Guimarães

Presidente

Diretor de Educação a DistânciaJoão Carlos Teatini de Souza Clímaco

Governo do EstadoRicardo Vieira Coutinho

Governador

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBAMarlene Alves Sousa Luna

Reitora

Aldo Bezerra MacielVice-Reitor

Pró-Reitor de Ensino de Graduação

Eli Brandão da Silva

Coordenação Institucional de Programas Especiais – CIPESecretaria de Educação a Distância – SEAD

Eliane de Moura Silva

Assessora de EADCoord. da Universidade Aberta do Brasil - UAB/UEPB

Cecília Queiroz

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Literatura Brasileira II

Edson Tavares Costa

Campina Grande-PB2012

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL - UEPB

EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBARua Baraúnas, 351 - Bodocongó - Bairro Universitário - Campina Grande-PB - CEP 58429-500

Fone/Fax: (83) 3315-3381 - http://eduepb.uepb.edu.br - email: [email protected]

Editora da Universidade Estadual da Paraíba

DiretorCidoval Morais de Sousa

Coordenação de EditoraçãoArão de Azevedo Souza

Conselho EditorialCélia Marques Teles - UFBADilma Maria Brito Melo Trovão - UEPBDjane de Fátima Oliveira - UEPBGesinaldo Ataíde Cândido - UFCGJoviana Quintes Avanci - FIOCRUZRosilda Alves Bezerra - UEPBWaleska Silveira Lira - UEPB

Universidade Estadual da ParaíbaMarlene Alves Sousa LunaReitora

Aldo Bezerra MacielVice-Reitor

Pró-Reitor de Ensino de Graduação Eli Brandão da Silva

Coordenação Institucional de Programas Especiais-CIPE Secretaria de Educação a Distância – SEADEliane de Moura Silva

Cecília QueirozAssessora de EAD

Coordenador de TecnologiaÍtalo Brito Vilarim

Projeto GráficoArão de Azevêdo Souza

Revisora de Linguagem em EADRossana Delmar de Lima Arcoverde (UFCG)

Revisão LinguísticaMaria Divanira de Lima Arcoverde (UEPB)

Diagramação Arão de Azevêdo SouzaGabriel Granja

B869.9C837l Costa, Edson Tavares.

Literatura brasileira II./Edson Tavares Costa; UEPB/Coordenadoria Institucional de Programas Especiais, Secretaria de Educação à Distância._Campina Grande: EDUEPB, 2012. 220 p.: Il.

ISBN 978-85-7879-114-8

1. Literatura Brasileira. 2. Movimentos Literários. 3. Parnasianismo. 4.Simbolismo. 5. Educação à Distância. I. Titulo. II.UEPB/ Coordenadoria Institucional de Programas Especiais.

21. ed.CDD

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Sumário

I UnidadeVisão geral do período 1880-1922...................................................7

II UnidadeRealismo........................................................................................25

III UnidadeMachado de Assis: romancista................................ ........................39

IV UnidadeMachado de Assis: contista..............................................................61

V UnidadeNaturalismo....................................................................................83

VI UnidadeAluisio Azevedo: O Cortiço...............................................................99

VII UnidadeParnasianismo .............................................................................115

VIII UnidadeAutores parnasianos......................................................................129

IX UnidadeSimbolismo..................................................................................145

X UnidadeAutores simbolistas........................................................................161

XI UnidadeAs duas primeiras décadas do século XX ........................................179

IXII UnidadePré-Modernismo............................................................................197

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 7

I UNIDADE

Visão geral do período 1880-1922

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8 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira II

ApresentaçãoEstamos iniciando uma unidade em que conversaremos

sobre um assunto que terá muitos desdobramentos; discus-sões serão possíveis e pontos de vista poderão ser confronta-dos. Isso tudo em função de um tema que, à primeira vista, e para os menos avisados, pode parecer apenas floreio, mas que, na realidade, compõe-se de elementos e situações de diferentes aspectos, propensos a debates. Estou falando de Literatura.

Naturalmente, neste curso mesmo, você já entrou em contato com este assunto. Então, já temos condições de re-tomar um conceito básico de Literatura. São muitas as defi-nições, certo? Vamos ficar com uma que, pela sua simplici-dade e completude, será mais fácil de entender e fixar: é o fato linguístico, geralmente escrito, que “transforma e inten-sifica a linguagem comum, afastando-se sistematicamente da fala cotidiana” (EAGLETON, 2001, p. 2). Isso quer dizer que é algo que mexe com as palavras, mas de uma forma diferente da cotidiana; é um produto composto por uma lin-guagem diferenciada da linguagem comum, do dia-a-dia, e, por isso, rica de significados.

Vamos nos deter, nesta unidade, em um período de qua-renta anos, no Brasil, em termos de produção literária. Não são quaisquer quatro décadas, mas um intervalo de tempo particularmente agitado em nosso país, em que acontece-ram muitas transformações na sociedade, de uma forma ge-ral, e na literatura, de uma forma mais específica. E, se é verdade que a prática literária está intrinsecamente ligada a questões ideológicas (sociais, econômicas, políticas, aca-dêmicas, religiosas, científicas, entre outras tantas), o que se produziu, em termos de literatura, no Brasil, nesse período, renderá riquíssimos momentos de discussão.

Estou falando do ciclo de tempo compreendido entre a década de 80 do século XIX e a segunda década do século XX. O Brasil ferveu, de fato: as campanhas abolicionista e republicana, que agitaram as massas jovens e preocuparam os latifundiários e conservadores do Império; a lenta derro-cada do II Império, com a decadência física de D. Pedro II; a abolição da escravatura (em 1888); a Proclamação da República

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 9

(em 1889); os conflitos bélicos na estabilização do novo go-verno republicano: a Guerra de Canudos (na Bahia), a Revolta da Chibata (no Rio de Janeiro), a Guerra do Contestado (na região Sul); a mecanização da agropecuária e a chegada dos imigrantes para trabalhar na terra, ao mesmo tempo que legiões de negros libertos ficavam sem qualquer condição de sobrevivência digna; as consequências da explosão da Grande Guerra (em 1914).

Por sua vez, as letras nacionais, neste período, conhe-ceram a preocupação em apresentar e/ou estudar a reali-dade dos realistas e naturalistas; teve contato com o culto da perfeição formal dos parnasianos; mergulhou fundo no sentimento de sublimação e espiritualização dos simbolistas; experimentou as novidades e preocupações sociais dos cha-mados pré-modernistas. É também neste período que é criada a Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, instituição que se torna uma referência para as letras do país. Durante esses quarenta anos, encontramos nomes bastante conheci-dos até hoje: Machado de Assis, Aluizio Azevedo, Raul Pom-péia, Olavo Bilac, Cruz e Sousa, Euclides da Cunha, Lima Barreto, Monteiro Lobato, entre outros.

Especificamente nesta aula, faremos uma abordagem geral do período literário compreendido entre 1881 e 1922, no Brasil. Abordaremos questões sociais que, de certa forma, influenciaram a literatura e sofreram sua influência; faremos um passeio por esses conturbados anos em nosso país, o que nos servirá de importante subsídio para a discussão que se estabelecerá a partir da aula seguinte, quando esmiuça-remos essa temática.

Para um melhor aproveitamento dos estudos, sugiro uma leitura atenciosa de cada texto, acompanhada das devidas anotações daquilo que julgar importante; algo que não foi compreendido de imediato também deve ser anotado, para que as dúvidas sejam dirimidas na primeira oportunidade: com os colegas, com o professor, através dos fóruns e deba-tes virtuais, de e-mails ou pesquisas direto na internet.

Sendo assim, convido-o a entrar de cabeça, conosco, nesta viagem pelos últimos 20 anos do século XIX e os 20 primeiros do século XX.

Vamos lá?!

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10 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira II

Objetivos

É nosso desejo que, ao final desta aula, você consiga:

• expor uma linha temporal contemplando a sociedade brasileira desde o final do século XIX até o início do século XX;

• perceber as transformações sociais ocorridas ao longo desse período, suas causas e consequências para o desenvolvimento nacional;

• ter um primeiro contato com os escritores e obras mais impor-tantes do período assinalado, localizando-os no tempo e no espaço (tanto físico quanto social);

• reconhecer os diversos aspectos históricos que influenciaram e marcaram de forma definitiva tanto o período de tempo estuda-do quanto o que aconteceu posteriormente em nosso país.

Texto 1

Iniciaremos nossa conversa sobre a Literatura Brasileira do final do século XIX e começo do século XX lendo um interessante texto de Nico-lau Sevecenko (SEVECENKO, 1995, p. 93-96), em que o autor faz uma interessante abordagem do Brasil nesse período.

Transformação social, crise da literatura e fragmentação da intelectualidade

(...) Desde praticamente o início da campanha abolicionista até o início da década de 1920, quase toda a produção literária nacional se faria no Rio de Janeiro, voltada para aquela cidade ou com vistas a ela. Palco principal de todo esse processo radi-cal de mudança, a Capital centralizou ainda os principais acon-tecimentos desde a desestabilização paulatina do Império até a consolidação definitiva da ordem republicana. Ela concentrava também o maior mercado de emprego para os homens de le-tras. Sua posição de proeminência se consagrou definitivamente em 1897, com a inauguração ali da Academia Brasileira de Letras.

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 11

Como temos procurado demonstrar até aqui, pelo menos ao longo de toda a sua fase inaugural, a história da Primeira Re-pública foi indissociável da história da cidade do Rio de Janeiro. Derivaram daí igualmente efeitos notáveis sobre o mundo da cultura. Foi aí que os intelectuais abolicionistas e republicanos se sediaram na sua maior parte, insinuando na própria Corte o foco da resistência “anti-sebastianista”. Ali mesmo, decep-cionados com o novo regime, seriam duramente perseguidos por Floriano, no mesmo passo em que recebiam o olvido e o desprezo dos novos políticos oportunistas, de conjunto com os arrivistas da Bolsa e da especulação mercantil. A República de-sabou sobre esses autores como uma tormenta. Contudo, era inevitável que o crescimento prodigioso da cidade nesse curto período trouxesse novas oportunidades, até então imprevistas para esse grupo.

O contexto favorável começou a se manifestar quando a equação entre a penetração de vultosos recursos econômicos e humanos encontrou um equilíbrio harmonioso com a expansão da produção e da exportação agrícola. Foi o período da Repú-blica dos Conselheiros e a sua sequela: a Regeneração. Urdi-dura propícia, da qual os autores emergiram como um atavio necessário, na medida em que contribuiriam para consolidar a imagem austera de uma sociedade ilustre e elevada, merece-dora da atenção e do crédito europeu incondicional. Imagem que não escapou à visão arguta de Rio Branco, o qual procurou lotar as dependências do Itamaraty e mesmo de setores parale-los da administração, de intelectuais respeitáveis, ou de quem afetasse uma tal moldura. Aliás, não é por acaso que somente em 1905, sob o governo do Conselheiro Rodrigues Alves e sob os auspícios do Ministério da Justiça, a Academia Brasileira de Letras, “erigida às alturas de grande instituição das letras (...) passa a ter sede própria ocupando uma parte do edifício do Silogeu Brasileiro”1.

Não bastasse isso, a proximidade da sede do governo fe-deral, reformado e ampliado, oferecia inúmeras oportunidades adicionais aos letrados, desde os simples empregos burocráticos até os cargos de representação, as comissões e as delegações diplomáticas. Igualmente importantes eram a tutela oferecida pelo Estado a organizações culturais e institutos superiores e o mecenato declarado do Ministério das Relações Exteriores aos grandes expoentes das letras. O Rio de Janeiro oferecia pois um campo ímpar de atuação para os intelectuais em um país pobre e quase que totalmente analfabeto. Os cafés, confeitarias e li-vrarias da cidade pululavam de múltiplos conventículos literários privados, compostos de confrarias vaidosas que se digladiavam continuamente pelos pasquins esporádicos da Rua do Ouvidor.

O desenvolvimento do “novo jornalismo” representa, contu-do, o fenômeno mais marcante na área da cultura, com profun-das repercussões sobre o comportamento do grupo intelectual.

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12 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira II

Novas técnicas de impressão e edição permitem o baratea-mento extremo da imprensa. O acabamento mais apurado e o tratamento literário e simples da matéria tendem a tornar obri-gatório o seu consumo cotidiano pelas camadas alfabetizadas da cidade. Esse “novo jornalismo”, de par com as revistas mun-danas, intensamente ilustradas e que são o seu produto mais refinado, tornam-se mesmo a coqueluche da nova burguesia urbana, significando o seu consumo, sob todas as formas, um sinal de bom tom sob a atmosfera da Regeneração. Cria-se assim uma “opinião pública” urbana, sequiosa do juízo e da orientação dos homens de letras que preenchiam as redações. Os intelectuais, por sua vez, vendo aumentado o seu poder de ação social, anseiam levá-lo às últimas consequências. Pregam reiteradamente a difusão da alfabetização para a “redenção das massas miseráveis” [vejam-se os exemplos de Olavo Bilac e Monteiro Lobato, sobre os quais trataremos no decorrer desta unidade]. Desligados da elite social e econômica, descrentes da casta política, mal encobrem o seu desejo de exercer tutela sobre uma larga base social que se lhes traduzisse em poder de fato. Era evidente contudo que essa generosidade ambígua não convinha aos projetos das oligarquias e morreu na reverbera-ção ineficaz da retórica.

As transformações porém não param por aí. Sob o clima fre-nético da Regeneração pode-se assistir a um processo completo de metamorfose da sensibilidade coletiva, no tocante ao públi-co literário carioca. Mudança essa que obrigaria os autores a redefinir suas posições intelectuais e que, paralelamente, deter-minaria uma clivagem do universo social dos homens de letras, de amplas proporções e graves consequências. A volatização dos valores tradicionais e a rápida vigência de novos padrões de pensamento, gosto e ação se disseminam rapidamente, atin-gindo a todos os setores da sociedade e da cultura. O efeito é o de um vórtice avassalador a que nada escapa. (...)

A impressão que os críticos da cultura transmitem pela im-prensa, a respeito do período, era de se estar atravessando uma profunda crise intelectual e moral, marcada pela mais atroz de-cadência cultural. (...) Os espíritos mais sensíveis recolhem-se em estéticas evasivas, que escapassem do ritmo frenético da vida carioca para o remanso de idealizações atemporais [como os parnasianos e, depois, os simbolistas].

Todos os alicerces da sensibilidade romântica tradicional são rapidamente corroídos até a completa dissolução. Os cro-nistas acompanham desolados os seus estertores, pranteando-os um a um. Abundam as exprobrações contra a “tecnologia e a ciência”, a “mecanização e a metodização” da vida moderna, que mataram os ideais do Amor, da Arte e do Sentimento. As súbitas transformações sociais dos tempos recentes, franquean-do as portas da ambição e do oportunismo, materializaram as paixões transformando-as em interesses. A aceleração do ritmo

1 BROCA, Brito. A vida literária no Brasil – 1900. 3. ed. Rio de Janeiro: José Olympio/Depto Cultura da GB, 1975, p. 59

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 13

de vida pôs fim aos longos noivados. A substituição da sociabi-lidade dos salões pela das ruas, praças e jardins acabou com os namoros e instituiu o império do flirt. (...)

Os suicídios por amor, tão caros ainda às últimas gerações do século XIX, são já cobertas do maior ridículo. As musas inspi-radoras abandonavam o fundo ensombrecido das janelas, tão propício às idealizações românticas, para reaparecer, vestidas no rigor da moda, pechinchando no comércio de varejos. O jornalismo, com sua curiosidade pelo lado vulgar dos homens, acabou com os heróis. A guerra, vista em pormenor e analisada tecnicamente, banalizou-se. (...) O próprio cavalheirismo se dis-solveu diante da maré do “feminismo”, dos transportes coletivos e da entrada da mulher no mercado de trabalho da cidade.

(...) Os ideais não morreram, simplesmente mudaram. O automóvel, a elegância, o retrato no jornal, a carreira diplo-mática resumem em si quase que todos os anseios das novas gerações. Verifica-se em todo esse período um curioso processo de passagem da vigência social dos valores interiores, valores morais, essenciais, ideais, para os exteriores, materiais, super-ficiais, mercantis. As evidências são inúmeras e suficientemente eloquentes. (...) Singularmente, no Rio de Janeiro do começo do século, é o processo de transformação urbana que dá o tom para a definição da atmosfera cultural da cidade, as relações sociais se estabelecem como um sucedâneo do projeto urbanís-tico que as circunscreve.

Atividade I

Depois da leitura deste elucidativo texto, a respeito do período com-preendido entre as duas últimas décadas do século XIX e as duas pri-meiras do XX, naturalmente uma série de questões está pululando em sua cabeça, não é? Então, comecemos a discutir algumas delas.

a. Você percebeu que o autor enfatizou a importância que teve o Rio de Janeiro como núcleo irradiador de todo o processo cultural a partir da segunda metade do século XIX. Uma das razões apontadas por Sevecenko para justificar essa importância é o fato de a cidade ser também a sede do governo federal. Como você observa a posição de produção e influência cultural do Rio de Janeiro hoje, quando a capital federal se transferiu para Brasília?

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14 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira II

b. Uma das consequências da centralização burocrática no Rio de Janeiro foi a participação efetiva do escritor como funcionário público, como é o caso, por exemplo, de Machado de Assis, de Monteiro Lobato, de Lima Barreto. Como você vê essa dupla atuação dos nossos homens de letras?

c. O autor do texto falou das “confrarias vaidosas” de escritores que se reuniam em “conventículos literários”. Como você analisa a atuação desses homens de letras em torno das “panelinhas” que se formavam? Esse comportamento pode ser observado ainda hoje?

d. Como você vê a participação dos escritores desse período no “novo jornalismo” nascente? Quem ganhava mais com essa participação: os autores ou os jornais? Por quê?

Socialização

Transforme suas respostas desta Atividade em um texto corrido, fa-zendo as devidas adequações, e poste-o no Ambiente Virtual de Aprendi-zagem – AVA, para que, com a partilha de ideias entre os alunos, possa-mos nos preparar teoricamente para entender os movimentos literários do período em estudo.

Texto 2

O texto de Nicolau Sevecenko está sendo muito importante para compreendermos melhor o que estudaremos nesta unidade. Então, va-mos continuar a lê-lo um pouco mais, pois agora o autor vai falar espe-cificamente da literatura desse momento. Acompanhemos o raciocínio do Sevecenko (1995, p. 97-100):

TRANSFORMAÇÃO SOCIAL, CRISE DA LITERATURA E FRAGMENTAÇÃO DA INTELECTUALIDADE

(...)

No que se refere à literatura propriamente dita, as transfor-mações históricas características de todo esse período fizeram também sentir o seu peso sobre ela. O grande passado da uni-dade romântica, da plena vigência das ilusões e dos sentimen-tos, é sentido como uma angustiosa ausência. O fracionamento do Romantismo em várias escolas que acabaram se equiparan-do e mantendo-se equidistantes, impedindo a definição de uma nova grande corrente, arruinou irremediavelmente o grande im-

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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pério literário do século XIX, expondo os escritores à concorrên-cia da Ciência, do jornalismo e até do cinematógrafo.

As transformações das técnicas de comunicação, acompa-nhando e aprofundando as mudanças do modo de vida em todo o mundo, nesse curto espaço de tempo, abalaram defini-tivamente a posição até então ocupada pela literatura. (...) O novo ritmo da vida cotidiana eliminou ou reduziu drasticamente o tempo livre necessário para a contemplação literária. A di-minuição do tempo, a concorrência do jornal diário, do livro didático, da revista mundana e dos manuais científicos, de par com as novas formas tecnológicas de lazer, o cinematógrafo, o gramofone e a fotografia, estreitaram ao extremo o papel da literatura. (...)

A homogeneização das consciências pelo padrão burguês universal da Belle Époque2 deu o remate final no processo de estiolamento da literatura que se assistia então. (...) A literatura tornou-se um espaço cultural facilmente identificável por um re-pertório limitado de clichês. (...)

Evidentemente inúmeras resistências se manifestaram contra esse processo de banalização e neutralização da força cultu-ral da literatura. Euclides da Cunha, com o estilo enérgico de sua prosa contundente, é saudado como inaugurador de uma literatura nova (...). Entretanto, a estética mais prestigiada do período (...) é a fundamentada nos processos da ironia (...). Os estudos sobre a sátira e a ironia dominam as páginas de crítica, pelo menos até antes da I Guerra. (...)

A nova grande força que absorveu quase toda a atividade intelectual nesse período foi sem dúvida o jornalismo. Crescen-do emparelhado com o processo de mercantilização na cidade, o jornalismo invadiu impassível territórios até então intocados e zelosamente defendidos. Os jornalistas, ditadores das novas modas e dos novos hábitos, chegavam a desafiar e a vencer a própria Igreja na disputa pelo controle das consciências. (...)

O jornalismo, impondo uma vigorosa padronização à lin-guagem e empregando praticamente todos os homens de letras nas suas redações, acabou necessariamente exercendo um efei-to geral negativo sobre a criação artística. Tendendo ao sufoca-mento da originalidade dos autores e contribuindo em definitivo para o processo de banalização da linguagem literária, suas baixas remunerações exigiam ainda uma facúndia e prolixidade tal dos escritores, que impediam qualquer preocupação com o apuro da expressão ou do estilo.

2 Belle Époque: (bela época em francês) foi um período de cultura cosmopolita na história da Europa, que começou no final do século XIX (1871) e durou até a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Foi uma época marcada por profundas trans--formações culturais que se traduziram em novos modos de pensar e viver o cotidiano. Foi representada por uma cultura urbana de divertimento, incentivada pelo desen-volvi-mento dos meios de comunicação e trans-porte, gerados pelos lucros e necessi-dades da política imperialista, que aproxi-mou ain-da mais as principais cidades do planeta.( h t t p : / / p t . w i k i p e d i a . o r g / w i k i /Belle_%C3%89poque)

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16 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira II

Atividade IIDiante do que você leu no texto acima, que opinião você forma em relação à influência da imprensa sobre a literatura do final do século XIX e início do século XX, influência exercida principalmente por conta de praticamente todos os escritores da época serem funcionários dos jornais? Elabore um pequeno texto defendendo seu ponto de vista.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

E a propósito...

Se você quiser ler um pouco mais sobre a questão da convivência da literatura com o jornalismo no século XIX, sugiro a leitura de um livro muito bom da Professora Socorro de Fátima Pacífico Barbosa: Jornal e Literatura: a imprensa brasileira no século XIX. Esta obra é o resultado de uma pesquisa realizada pela professora sobre o jornalismo do século XIX e a presença de literatos nas páginas dos jornais da época.

Leitura na Internet

Encontrei o texto seguinte na internet; fala basicamente sobre o mes-mo assunto de que tratamos nesta aula, só que numa linguagem mais descontraída. É uma boa pedida para complementar as informações e pensar sobre algumas outras questões com mais nitidez e segurança. Está no site http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=20755&op=all.

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 17

RETRATOS DO BRASIL NA PRIMEIRA REPÚBLICAPor Edson Struminski

A ideia republicana consolidou-se no Brasil a partir do questiona-mento do custo absurdo e do despreparo do Império brasileiro fren-te a guerras internas e a confrontos como a Guerra do Paraguai (1865 - 1870), além da constatação inevitável de que o conserva-dor império brasileiro mostrava-se incapaz de promover o progresso material a partir dos recursos naturais do país e de solucionar devi-damente questões sociais, como a escravidão, almejados por parte da elite brasileira. O republicanismo surgiu assim como movimento político e social tendo como base ideológica o positivismo, doutrina francesa que chegou ao Brasil nessa época.

Para os positivistas, o governo é uma questão de competência, do saber científico positivo, prático e objetivo. Porém, na nova sociedade proposta por eles, o individualismo (e o liberalismo) seriam limitados, os atos da vida regulados e a liberdade moral severamente reprimida, pois seria incompatível com a ordem social.

Ao contrário dos bacharéis do Império (advogados, literatos, jorna-listas), criticados pelo seu saber supérfluo, a ciência positiva incentivaria a criação de uma nova elite de profissionais: cientistas, médicos, en-genheiros, militares, administradores, arquitetos e urbanistas, cheios de vontade de executar projetos práticos, que iriam propor e experimentar novas concepções sobre a sustentabilidade no Brasil baseadas na ideia do progresso. Após a criação da república no país, em 1889, decisões com enormes consequências sobre as pessoas passariam para o con-trole desta nova burocracia científico-tecnológica, formada por estes profissionais.

Mesmo assim o positivismo não era homogêneo no governo repu-blicano. No início da República no Brasil, participaram três correntes de opinião: liberais, positivistas e militares sem vinculação doutrinária. No entanto, os positivistas acabaram sendo afastados das decisões mais importantes do novo governo, muito embora algumas das suas teses tenham persistido até hoje, como a defesa da ciência e da tecnologia como meios para resolver o atraso econômico e social do país.

Os liberais impuseram a Constituição, o pensamento político oficial e a fachada constitucional federalista do país. Porém, o liberalismo era dissociado da ideia democrática, mantendo-se, como no império com uma face conservadora, vinculado mais ao direito baseado nas posses e na liberdade de dispor dos recursos naturais, do que propriamente na universalização da democracia.

Aliás, para os republicanos, os grupos populares, suas tradições e sinais de sua presença eram fontes de vergonha, limitações para a ordem e o progresso. Diversos conflitos aconteceram no início da re-

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18 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira II

pública, em vários pontos do país, incluindo longas guerras civis. Ao contrário do que sugere o senso comum, estas revoltas, como a famosa Guerra de Canudos no sertão baiano, não necessariamente eram anti--republicanas e sim contestavam o abuso, o autoritarismo e a truculên-cia das novas autoridades.

Discriminação racial e a desigualdade social

A instituição da escravidão havia desaparecido no fim do Império, mas persistiram a discriminação racial e a desigualdade social impe-dindo maiores avanços do ponto de vista social. A elite governamental tentou relativizar este problema mediante teses eugenistas3 e também incentivando o “branqueamento” da população através da imigração de colonos europeus.

O Estado financiou a imigração em prol dos grandes proprietários rurais, que na prática, eram quem sustentava o império. Eles se reorga-nizaram na república quando, sem serem incomodados, promoveram novos pactos oligárquicos. O crescimento de economias regionais do sul e sudeste do Brasil como a paulista, a mineira ou a paranaense, que praticamente sustentaram a república no seu início, era empurra-do pela pecuária e principalmente pelo café e pelo assalto e devasta-ção da floresta primária que era simplesmente queimada para servir de adubo às plantas desta iguaria exótica originária da África e que se tornara, ainda durante o século XIX, apreciadíssima nos Estados Unidos e na Europa. Permanecia, assim, a continuação da ideia colonialista muito bem exposta por Sérgio Buarque de Holanda, de que sustenta-bilidade era terra farta para gastar e braços (desta vez dos imigrantes) para trabalhar.

Assim, do ponto de vista econômico, a república tornou-se muito parecida com o Império. As oligarquias agropecuárias mineiras e pau-listas se revezariam no poder, dando à política do período o sugestivo nome de “café com leite”. O país mantinha a balança comercial limi-tada a produtos rurais, nos quais a ciência e a tecnologia, tão incensa-das, tinham efeito restrito.

Já a mobilidade da população brasileira, comum desde a colô-nia, aumentou com o fim da escravidão e com a República, quando destruíram-se bastiões de descontentamento popular e reformaram-se cidades antigas. Junto com a ampliação da rede ferroviária, estes fatos incrementaram a migração, oferecendo pólos de atração e facilidades de deslocamento. O adensamento populacional na forma de favelas e cortiços coletivos evidenciou, porém, o anacronismo das estruturas urbanas.

3 Eugenista: relativo à Eugenia, con-junto dos métodos que visam melho-rar o patrimô-nio genético de grupos humanos.

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Criação de novas cidades

Para os republicanos, a urbanização era, assim mesmo, interessante, pela redução de eventuais resistências e excessos do poder rural, rema-nescentes do Império. A criação de novas cidades como Belo Horizonte, nova capital de Minas Gerais, e a modernização das velhas cidades co-loniais como São Paulo, Curitiba ou Manaus, representava, também, os ideais positivistas de ordem e progresso, o que era particularmente ver-dadeiro para a capital da República, Rio de Janeiro, às voltas com doen-ças derivadas do péssimo saneamento urbano. Assim, com a república, surgiu uma atmosfera de “regeneração” e saneamento das cidades, que correspondia ao surto de entusiasmo capitalista que varreu o mundo de 1890 até a primeira guerra mundial (Belle Époque).

A regeneração do Rio de Janeiro, desde então cartão postal da re-pública, foi a mais imponente, com a inauguração da Avenida Central (atual Rio Branco), novo eixo urbanístico da cidade, com fachadas em art noveau4 em mármore e cristal, lampiões elétricos e vitrinas com arti-gos importados. Grandes intervenções ambientais foram feitas. Mangues foram aterrados, rios canalizados e demolidas habitações coletivas. Até tentativas de substituir a natureza nativa pela europeia foram feitas. Par-dais foram importados e soltos nas novas avenidas.

Mas NONATO (2004) conta que mesmo após a inauguração da avenida, ainda dominavam a paisagem o convento dos jesuítas e vasto casario colonial, no morro do Castelo. Esta presença incomodava os administradores, que conseguiram sua demolição em 1922, não só do convento, mas espantosamente do morro inteiro, considerado insalubre e anti-estético. Assim, em questão de meses, uma área verde e seu patri-mônio histórico foram demolidos sem que a população se manifestasse contra, em nome do “progresso” e da “civilização”.

Porém, o modelo parisiense, adequado a uma cidade moderna e industrializada, chocar-se-ia com a sociedade e com a economia bra-sileiras. Em 1904, a população chegou a promover, em plena capital federal, uma série de distúrbios, que foi chamada de “Revolta da Vacina”. A ideia de que a população possa ter se revoltado contra a vacinação soa hoje absurda, mas deve ser entendida no contexto da época. Os jornais liberais do período criticavam aquilo que na época significava um brutal desrespeito à privacidade do cidadão, por parte do Estado repu-blicano, militarista, que, em nome da ciência e do saneamento, “invadia” os corpos das pessoas com a vacina obrigatória. Os métodos eram, na verdade, truculentos.

Modernização limitada

Assim, a paisagem urbana continuou multifacetada. A modernização foi pouco abrangente e limitada a poucas manchas nas cidades. As inter-venções urbanas realizadas pelos republicanos assemelhavam-se a grandes cirurgias onde as feridas continuavam abertas. Assim para cada área de

4 Art noveau: estilo estético essencialmen-te de design e arquitetura, que também influenciou o mundo das artes plásticas. Relaciona-se com a exploração de novos materiais (como o ferro e o vidro, principais elementos dos edifícios que passaram a ser construídos segundo a nova estética) e os avanços tecnológicos na área gráfica, como a técnica da litografia colorida que teve grande influência nos cartazes.http://pt.wikipedia.org/wiki/Art_nouveau

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cortiços demolida para a construção de avenidas e novos palacetes centrais surgiam novas ocupações precárias mais distantes, muitas vezes em áreas verdes que fariam falta no futuro, para as grandes metrópoles. Os morado-res tornavam-se favelados, pois eram simplesmente mandados “às favas”, nome, aliás, derivado de uma planta do semi-árido do sertão baiano, para onde foram enviados os sobreviventes do massacre de Canudos.

A experiência desta primeira república ou República Velha, como ficou mais conhecida, foi mais curta que a do Império. 30 anos após a implanta-ção da república no Brasil, criaram-se imagens confusas, onde um progres-so abstrato, que não pode ser plenamente implantado (e quando foi aca-bou sendo de difícil compreensão para a população), convivia com muita natureza morta. É assim sintomático que esta república, tão pretensamente inovadora, seja hoje chamada de velha. As aristocráticas personagens prin-cipais deste período emprestaram seus nomes para as avenidas das cidades brasileiras, mas, com raras exceções, permanecem inexpressivos, em uma espécie de limbo histórico em função de sua pouca afinidade com o resto da população.

A República Velha não conseguiu promover a sustentabilidade social para toda a população, pois as novas elites se empenharam em reduzir a complexa realidade brasileira, com mazelas do colonialismo e da escravi-dão, a modelos científicos europeus ou americanos. A república criou uma cidadania precária, calcada na iniquidade das estruturas sociais, continu-ando a geografia oligárquica imperial. Entretanto houve ganhos sociais no período, como o maior acesso à educação ou a ampliação do direito do voto. Ganhos expressivos aconteceram também em urbanização, sanea-mento e abastecimento públicos.

República velha entrou em crise

Entre 1920 e 1930, a República Velha entrou em crise. Era grande o dilema da elite brasileira, que, frente ao imperialismo europeu e americano, controlava um Estado fraco e endividado, com cidadãos doentes, incultos. Como não se achariam imperfeitos, frente à mistura de raças africanas e nativas que os imperialistas desprezavam? Como não avaliar a natureza do seu país com o mesmo desprezo? Além disso, eles eram liberais ou positivistas?

A busca do conhecimento e da identidade da sociedade brasileira foi intensa. Surgiram vários estudos para compreender o país. Foi um tempo de descoberta do homem e da realidade nacionais, com expoentes como Gil-berto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, mas também de descrença em se alcançar a modernidade nos marcos da democracia liberal. Um dilema que vinha de longe, do período colonial, da tradição rural e escravagista e da cultura ibérica em que se apoiava. Na prática, como o próprio movi-mento modernista anunciava nas artes, eram muitas as modernidades pos-síveis, dependendo de onde se queria chegar. Estas ambiguidades marcam a vida social brasileira até hoje.

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Sugestões de filmesPara você se familiarizar com as discussões e comportamentos no Brasil

e no mundo, no período que estudaremos nesta unidade, sugiro que você veja estes filmes:

Coronel Delmiro Gouveia (1978) – No iní-cio do século, no Nordeste brasileiro, pioneiro da indústria nacional é perse-guido por se recusar a vender sua fá-brica para industriais britânicos. Elen-co: Rubens de Falco, Nildo Parente, Jofre Soares, Sura Berditchvski, José Dumont, Isabel Ribeiro, Maria Alves,

Denis Bourke, Harildo Deda, Maria Adélia, João Gama. Direção: Geraldo Sarno. Duração: 90 min.

Policarpo Quaresma, herói do Brasil (1988) – O major Policarpo Quaresma é um sonhador. Um visionário que ama o seu país e deseja vê-lo tão grandioso quan-to, acredita, o Brasil pode ser. A sua luta se inicia no Congresso. Policarpo quer que o tupi-guarani seja adotado como

idioma nacional. O filme se passa durante o governo de Floriano Peixo-to. Baseado na obra “Triste fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto. Elenco: Paulo José, Giulia Gam, Ilya São Paulo, Othon Bastos, Cláudio Mamberti, Tonico Pereira, Nelson Dantas, Jonas Bloch, Marcélia Cartaxo, José Lewgoy, Aracy Balabanian, Chico Diaz, José Dumont. Direção: Paulo Thiago. Duração: 120 min.

Madame Bovary (1991) – Na França do século XIX, Emma é uma jovem cam-ponesa que aspira coisas melhores na vida. Ela então se casa com um rico médico, Charles Bovary, apenas para obter ascensão social. Charles, além

de ser mais velho, é bem metódico. À medida que cresce a intimidade de suas vidas, um crescente desapego distancia Emma do marido, pois as con-versas dele eram planas como o chão e isto a entedia. Sentindo um claro desprezo por seu marido, Emma passa a ter amantes e fazer grandes gas-tos. Elenco: Isabelle Huppert , Jean-François Balmer , Christophe Malavoy , Jean Yanne , Lucas Belvaux. Direção: Claude Chabrol. Duração: 136 min.

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ResumoO período que vai do final do século XIX (década de 80) ao início

do século XX (década de 20) foi repleto de transformações, que se suce-diam a partir dos movimentos político-sociais do abolicionismo e repu-blicanismo, responsáveis pela mudança de regime governamental. Essa mudança trouxe, em seu bojo, outras mais, no campo da economia, da moda, dos relacionamentos, e, consequentemente, das artes em geral e da literatura em particular. O romantismo da metade do século XIX se despedaçava em vários caminhos diferentes, o novo jornalismo absor-via e influenciava os escritores, e a realidade social era o tema agora preferido para frequentar as páginas literárias. A arte literária passa a ter uma função social mais explícita, a par das exigências do cotidiano, e tende a se aprofundar nessa trilha, ao longo do século XX.

AutoavaliaçãoRetomando os objetivos desta aula, você pode, por si, aquilatar sua própria aprendizagem, a partir da auto-observação de questões como:

• conseguiu situar, na linha do tempo, os fatos aqui comentados?

• percebeu as transformações sociais e econômicas do período estudado, fazendo a devida ligação com a História?

• identificou alguns dos escritores citados, ao longo dos textos?dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 23

Referências

BARBOSA, Socorro de Fátima Pacífico. Jornal e Literatura: a imprensa brasileira no século XIX. Porto Alegre-RS: Nova Prova, 2007

BUARQUE DE HOLANDA, S. Raízes do Brasil. 20. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1988.

DEAN, W. A ferro e a fogo, a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura. Uma introdução. Trad. de Waltensir Dutra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001

NONATO, J.A. O passado morro abaixo. Revista Nossa História, Rio de Janeiro. Ano 1, n. 9, p. 68 – 73, 2004.

RODRIGUES, R. V. A ditadura republicana segundo o Apostolado Positivista. In: Curso de Introdução ao pensamento político brasileiro. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 1982. Unidade V e VI. p. 11 – 76

SCHWARCZ, L. M. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na intimidade. In: História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. V.4. p. 173 – 244

SEVECENKO, Nicolau. Literatura como missão. Tensões sociais e criação cultural na Primeira República. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995

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II UNIDADE

Realismo

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Apresentação

Você acabou de estudar o movimento Romântico da lite-ratura brasileira. Percebeu que os principais elementos literá-rios desse período foram o sentimento, as emoções, o subje-tivismo, a espiritualidade. Viu também que o que chamamos de escola romântica teve início, didaticamente, no Brasil, em 1836, quando Gonçalves de Magalhães publicou o livro de poemas Suspiros Poéticos e Saudades. Depois de três gerações (Nacionalista ou Indianista, Ultra-Romântica ou Mal-do-Século, e Condoreira), encerrou-se em 1881, quando Machado de As-sis publicou Memórias Póstumas de Brás Cubas e Aluizio Azevedo lançou O Mulato.

Nesses quase cinquenta anos, a literatura experimentou vá-rias transformações: foi o primeiro bafejo das letras nacionais, a busca de uma arte brasileira; por outro lado, graças à junção da imprensa com os literatos (leu o livro de Socorro Barbosa (BARBOSA, 2007), que sugerimos na aula passada?), a lite-ratura se popularizou, e o público leitor cresceu consideravel-mente.

Mas, nas duas últimas décadas do século XIX, como vimos na aula anterior, o mundo começou a passar por grandes transformações. A partir do Positivismo, teorizado por Augusto Comte, várias vertentes teóricas e científicas foram surgindo, como o Determinismo, com Hippolyte Taine; o Evolucionismo, com Charles Darwin; o Socialismo, com Karl Marx, entre outros. Já deu para notar que todas essas linhas de pensamento são eminentemente racionais e materialistas, não é? Isso tem gran-de importância para entendermos os rumos que a literatura (e a vida do homem, como um todo) foi tomando: o sentimenta-lismo e o subjetivismo românticos foram cedendo lugar ao ra-cionalismo e ao objetivismo. A realidade deixa de ser sonhada, inventada, e passa a ser observada, vivida, estudada.

É assim que vai surgindo a estética realista, de braços dados com o naturalismo. Este é o tema de nossa conversa, nesta aula, quando teremos nosso primeiro contato com esse movi-mento literário brasileiro.

Vamos lá?!

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Objetivos

É nosso desejo que, ao final desta aula, você consiga:

• identificar os acontecimentos que contribuíram para uma gra-dativa mudança de pensamento do homem do final do século XIX;

• reconhecer as linhas teóricas e científicas que influenciaram a produção literária realista e naturalista;

• distinguir as características formais e temáticas de um texto rea-lista em relação a um texto romântico;

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Texto 1

Começaremos nossa conversa com a leitura de dois trechos literários de momentos e escritores diferentes, de nossa literatura. Atenção aos deta-lhes, para posterior comentário.

Fonte: http://1.bp.blogspot.com/_hMJK8Zj2t5E/TALoGvraArI/AAAAAAAACtQ/muaf3cVATyk/s1600/AMoreninha006.jpg

O Sarau(...)

Hábil menina é ela! Nunca seu amor-próprio produziu com tanto estudo seu toucador e, contudo, dir-se-ia que o gênio da simpli-cidade a penteara e vestira. Enquanto as outras moças haviam esgotado a paciência de seus cabeleireiros, posto em tributo toda a habilidade das modistas da Rua do Ouvidor e coberto seus co-los com as mais ricas e preciosas jóias, D. Carolina dividiu seus cabelos em duas tranças, que deixou cair pelas costas; não quis adornar o pescoço com seu adereço de brilhantes nem com seu lindo colar de esmeraldas; vestiu um finíssimo, mas simples vestido de garça, que até pecava contra a moda reinante, por não ser sobejamente comprido. Vindo assim aparecer na sala, arrebatou todas as vistas e atenções.

Porém, se um atento observador a estudasse, descobriria que ela adrede se mostrava assim, para ostentar as longas e ondeadas madeixas negras, em belo contraste com a alvura de seu vestido branco, e para mostrar, todo nu, o elevado colo de alabastro, que tanto a aformoseava, e que seu pecado contra a moda reinante não era senão um meio sutil de que se aproveita-va para deixar ver o pezinho mais bem feito e mais pequeno que se pode imaginar.

MACEDO, 1987, p. 81

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Fonte: http://colunistas.ig.com.br/aplausobrasil/files/2010/11/lpFoto-3-Maria-Fernanda-C%C3%A2ndido-e-Marat-Descartes.jpg

Virgília (...)

Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça, e, com certeza, a mais voluntariosa. Não digo que já lhe coubesse a primazia da be-leza, entre as mocinhas do tempo, porque isto não é romance, em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas; mas também não digo que lhe maculasse o rosto nenhu-ma sarda ou espinha, não. Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia da-uele feitiço, precário e eterno, que o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação. Era isto Virgília, e era clara, faceira, ignorante, pueril, cheia de uns ímpetos misteriosos; muita preguiça e alguma devoção, – devoção, ou tal-vez medo; creio que medo.

Aí tem o leitor, em poucas linhas, o retrato físico e moral da pes-soa que devia influir mais tarde na minha vida; era aquilo com dezesseis anos.

ASSIS, 1992, p. 39

Atividade IDepois da leitura destes dois trechos de romances brasileiros – o primeiro romântico e o segundo realista –, nos quais temos a descrição de duas mulheres (Carolina – A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo; e Virgília – Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis), percebemos nítidas diferenças, não é mesmo? Conversemos um pouco sobre elas:

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a. A primeira coisa que percebemos é que, no primeiro texto, temos a idealização da mulher; o autor dá algumas características de Carolina que são flagrantemente ditadas pela idealização e pela subjetividade. Alguns pontos da descrição não batem com a realidade. Enquanto isso, a descrição de Virgília é bem mais realista, com o autor citando até certas imperfeições. Procure identificar os pontos divergentes nas duas descrições e faça um comentário sobre elas.

b. No segundo texto, o autor ironiza a escola anterior – o Romantismo – ao afirmar que “isto não é romance, em que o autor sobredoura a realidade...” Como você analisa este tratamento diferenciado da realidade, pelo Romantismo e pelo Realismo, nos textos lidos?

c. Observe que, ao contrário do romance romântico, em que o autor credita a Deus a criação de tudo, inclusive há um momento, noutra parte do livro, em que Macedo chega mesmo a criar uma situação que parodia a famosa cena religiosa do lavapés, não hesitando em identificar Carolina como “anjo de candura” (MACEDO, 1987, p. 75), Machado de Assis, ao descrever Virgília, identifica-a como saída “das mãos da natureza”. Análise mais essa diferença entre a espiritualização romântica e o materialismo realista.

d. Outra diferença evidente é em relação à sensualidade das personagens; apesar de terem exatamente a mesma idade (quinze para dezesseis anos), percebe-se que as atitudes de Carolina são infantis e despretenciosas, não se podendo dizer o mes-mo sobre Virgília. Comente isso.

Em suma...O texto de Machado de Assis, descrevendo a personagem Virgília,

em seu romance Memórias póstumas de Brás Cubas, “exemplifica uma nova atitude narrativa que se concretizou num estilo denominado Re-alismo/Naturalismo, predominante na segunda metade do século XIX. Objetividade, concepção de amor baseado na atração sexual, ênfase sobre características negativas da personagem, ausência de qualquer traço de religiosidade são características desse novo estilo, bastante distante da subjetividade dos românticos” (FARACO e MOURA, 1998, p. 157).

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Texto 2

Faremos, agora, a leitura de um capítulo do livro de João Pacheco sobre o Realismo, que nos ajudará a entender melhor essa transição do Romantismo para a nova estética. Leia com atenção, para, em seguida, conversarmos sobre as questões levantadas pelo teórico:

A nova ideia

Nesse ambiente, em que, como vimos, se embatem correntes as mais diversas, repercute o sopro de renovação mental que da velha Europa ventava. Penetram nos meios intelectuais, as ideias de Comte, Spencer, Darwin, Haeckel, que no antigo continente haviam assinalado o triunfo do espírito científico sobre a concep-ção espiritualista. De um modo geral, transferiam do metafísico, incognoscível à mente humana, para o natural, acessível ao nosso conhecimento, a explicação do universo, cuja substância se trasla-da do espírito para a matéria. Se nem todos colocavam na matéria a essência do mundo, a ela cifravam a nossa cognoscibilidade, afastando de nossas cogitações, por conseguinte, toda especula-ção sobrenatural, por despicienda pelo menos provisoriamente, no estado em que no momento se encontravam as indagações da razão humana; a qual deveria guiar-se exclusivamente pelo espírito científico, que é positivo e se coloca no terreno dos fatos, e apoiar--se nos métodos de experimentação objetiva, obediente a normas impessoais e isenta de qualquer prévia interpretação subjetiva. Em suma, o predomínio do mundo exterior, que a modo passava a ser o lado direito das coisas, sobre o interior, que se transformava no seu avesso. Aquele correspondia à verdade, desde que conhecido objetivamente pela razão, enquanto este, mergulhado na precarie-dade subjetiva, ficava irremediavelmente contaminado de erro, de que dificilmente se evadia.

O que deveria merecer a atenção do homem era a natureza, de que provínhamos pela seleção da espécie ou de que por certo éramos parte e cujos fenômenos se nos ofereciam imediatamente aos sentidos, enquanto o espírito escapava à nossa captação ra-cional, permanecendo imponderável e inapreensível. Esse mundo domina-o a necessidade, que o sujeita a um mecanicismo deter-minista, e evolui do mais simples para o mais complexo, do ho-mogêneo para o heterogêneo. As ciências eram tanto mais certas quanto menos subordinadas ao sujeito, quer dizer, quanto mais nelas prevalecesse o objeto. O conhecimento fazia-se pela razão, a orientar-se indutivamente da observação e da experiência para a generalização.

Tais ideias sacudiram a atmosfera do Brasil, ainda preso aos ve-lhos temas do espiritualismo ou do ecletismo ou a acusar, aqui e ali, ecos da escolástica1 ou resquícios do sensualismo de Condillac2. “Tudo se põe em questão”, testemunha Silvio Romero, ao falar desse

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período. Em 1870, está em plena efervescência a Escola de Recife3. Mais ou menos por essa época esgrime ideias no Ceará a Academia Francesa. Aprofunda-se no Rio a infiltração positivista. Os estudantes em São Paulo arejam os ares da Faculdade de Direito.

Pairava no espaço a nova ideia, que o impregnava. Toda essa inovação de espírito haveria por força de se refletir na literatura. Os processos românticos, já na prosa, já no verso, estavam esgotados. O sentimentalismo excessivo, que chegava por vezes ao pieguismo vulgar, o predomínio da imaginação, o subjetivismo avassalador, o transbordamento do eu, cansavam. Os temas se repetiam, a linguagem se descuidava, as concepções se tornavam convencio-nais. O emprego preferencial de alguns metros4 acabara por enfa-rar. Não menos enfadada a predileção por determinadas formas de composição, que ficaram por demais batidas. Causa de enfado era também a repetição constante do mesmo ritmo. Desgostava ainda o uso de metáforas e de imagens que se haviam transfor-mado em domínio comum. Enfim, o Romantismo havia perdido a seiva e exauria-se na imitação.

Enquanto isso, novas ideias ventilavam os espíritos. A ciência revelara as leis naturais, cuja objetividade tinha uma força de rea-lidade que suplantava a perder de vista a fragilidade das concep-ções subjetivas, e a que cumpria dar supremacia. Começam as preocupações das letras a voltar-se para o mundo objetivo: não era o recolhimento interno o que importava, mas a visão da reali-dade, e não menos a natureza do que a sociedade, aquela em que seus aspectos aparentes, esta em seus entrechoques e lutas.

(...)

Naturalmente as correntes confluem e se mesclam ao princípio. Ainda se descobrem ressonâncias do Romantismo na ideação e nos metros. Nem a evolução se podia fazer por saltos, mas lenta e gradativamente. Pouco a pouco se nota a mudança de concepção e pouco a pouco se percebe a transformação da sensibilidade.

Começam a clarear as tendências quando se planeja, pelas co-lunas do Diário do Rio de Janeiro, em 1878, a “Guerra do Parnaso”, que, segundo o testemunho de Alberto de Oliveira, não chegou à escaramuça. Nela tomaram parte Teófilo Dias, Artur Azevedo, Fon-toura Xavier, Valentim Magalhães, Alberto de Oliveira, Tomás Alves Filho. Se batiam pela Nova Ideia, pelo Realismo, pela ciência, pela poesia social, ainda não se falando em Parnasianismo – designa-ção que somente vem a prevalecer mais tarde. Metiam à bulha os últimos românticos, Melo Morais, Macedo, Muniz Barreto, Macha-do de Assis, outros. Pelo mesmo tempo saem à liça em São Paulo os acadêmicos de Direito, Raimundo Correia, Augusto de Lima, mais, os quais assestam bateria na Revista de Ciências e Letras. Os arautos da nova fé se entrincheiram em A Gazetinha e A Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro.

(...) PACHECO, 1967, p. 12-15

4 Metros: aqui, no sentido de quantidade de sílabas dos versos

1 Escolástica: linha dentro da filosofia me-dieval, de acentos notadamente cristãos, surgida da necessidade de responder às exigências da fé, ensinada pela Igreja, con-siderada então como a guardiã dos valores espirituais e morais de toda a Cristandade. [Wiki-pedia]

2 Sensualismo de Condillac: o filósofo fran-cês (1715-1780) admitia, que a origem das idéias é a sensação e a reflexão. [Wikipedia]

3 Escola do Recife: em 1871, foi um movi-mento de caráter sociológico e cultural que tomou lugar nas dependências da Faculda-de de Direito do Recife. Seus postulados fo-ram a valorização da mestiçagem no Brasil, resultado do cruzamento de raças; a valori-zação do homem brasileiro e a investigação do caráter nacional, sempre em debate com correntes teóricas europeias, o positivismo, o evolucionismo e talvez o marxismo. Os membros mais proeminentes da Escola fo-ram Tobias Barreto, Clovis Bevilacqua, Silvio Romero e Joaquim Nabuco. Gilberto Freyre, na década de 30 do século XX, também foi influenciado pela Escola do Recife, que não mais existia formalmente. [Wikipedia]

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 33

Atividade IIa) Que aspectos positivos e aspectos negativos você vê, por um lado, no

espiritualismo romântico, e, por outro lado, no materialismo cientificista do Realismo?

b) “As ciências eram tanto mais certas quanto menos subordinadas ao sujeito, quer dizer, quanto mais nelas prevalecesse o objeto.” Como você entende essa afirmação?

c) A afirmação de Sílvio Romero, de que “tudo se põe em questão” seria a senha, o pontapé inicial para as grandes mudanças no campo intelectual, de que estamos falando?

E a propósito...O autor João Pacheco fala do pensamento de alguns teóricos, que

influenciaram as novas ideias realistas, destacando, entre eles, Comte, Spencer, Darwin, Haeckel. Além disso, tratamos várias vezes sobre li-nhas teóricas como Positivismo, Socialismo, Evolucionismo, Determinis-mo. Será seu trabalho, agora, pesquisar em livros ou na internet sobre cada um desses quatro pensadores e sobre cada uma das teorias que citamos aqui. A sua compreensão dessas questões é preponderante para a compreensão do período literário em estudo.

Realismo/naturalismo

A escola Realista, como vimos, tem como característica principal, o cuidar objetivo da realidade, através da produção de textos literários em que predominam o racionalismo, a objetividade, a natureza como criadora dos seres.

O conceito de Realismo é bastante amplo. Ocor-reram tendências realistas em muitos períodos lite-rários: uma atitude do artista (dominante ou não) que se opunha à exacerbação subjetivista e senti-mental. Em sentido mais estrito, o Realismo ficou na História da Literatura como designação da ten-dência artística que se iniciou na Europa, no século

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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passado [XIX]. Mais específico ainda é o conceito de Naturalismo, que se centralizou em torno da doutrina estética de Émile Zola.Para o crítico literário húngaro Georg Lukács (1885-1971), a arte realista constitui uma forma de conhecimento da realidade que não pode ser substituída pela ciência. Competiria ao escritor ver-dadeiramente realista engajar-se na busca desse processo de conhecimento. Tal qualidade faltaria ao escritor naturalista: seu ideal de “neutralidade” o levaria à observação passiva da realidade, sem o engajamento da arte que considera verdadeira-mente realista. (...)Os escritores realistas voltaram-se para a observa-ção do mundo objetivo. Consideravam possível a sua representação artística. Procuravam fazer arte com os problemas concretos de seu tempo, sem preconceito ou convenção. E renovaram a arte, ao focalizarem o cotidiano, desprezados pelas cor-rentes estéticas anteriores. Pretendiam os realistas estabelecer uma relação real entre suas ideias e o mundo objetivo de sua época. (ABDALA JÚNIOR e CAMPEDELLI, 1990, p. 133)

No Brasil, costuma-se identificar o início do Realismo e do Naturalismo5 no mesmo ano (1881), embora por motivos diferentes. O Realismo é considerado a partir da publicação do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, do escritor carioca Machado de Assis. Este livro causou grande sensação na época, pelas novidades literárias que trazia, a par-tir do seu título, que correspondia à esdrúxula situação de um narrador que conta suas memórias, depois de morto, narrando, inclusive, seu delírio de morte, o falecimento, o velório e o sepultamento.

Já o Naturalismo tem seu marco inicial na publicação da obra O Mu-lato, do maranhense Aluizio Azevedo. Este livro também provocou gran-des polêmicas, principalmente no Estado natal do escritor, por tocar em assuntos considerados bastante melindrosos pela sociedade conserva-dora da época, como o amor interracial, a realização econômica de um mestiço e a falta de escrúpulos de um sacerdote.

Naturalmente, falaremos, nas próximas aulas, sobre esses dois au-tores e suas obras. Maior destaque será dado a Machado de Assis, em função de seu reconhecimento universal como referencial literário brasileiro. Outros prosadores serão citados, os quais poderão ser vis-tos, de forma complementar, pelo aluno, como é o caso do importante romancista Raul Pompéia, que, apesar de ser contemporâneo de Aze-vedo e Assis, tem um estilo bastante original para ser classificado como Realista ou Naturalista. A organização deste módulo não contempla um estudo mais aprofundado de sua obra, o que, como falei, poderá ser feito paralelamente pelo aluno.

5 Início do Realismo e do Naturalismo: não nos esqueçamos de que, em literatura, qual-quer data que se relacione a início ou final de um movimento tem função meramente didática, já que nenhum estilo se acaba de repente, para o outro começar, também abruptamente; a decadência de um ocorre concomitantemente à ascensão do seguin-te.

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O Realismo/Naturalismo encerra-se, oficialmente, em 1893, ano em que o poeta Cruz e Sousa publica as obras Missal e Broquéis, dando início ao Simbolismo no Brasil.

As duas próximas aulas serão dedicadas ao chamado “Bruxo do Cosme Velho”, Machado de Assis, considerado o maior escritor realis-ta, e mesmo melhor escritor brasileiro de todos os tempos. Abordare-mos duas vertentes de sua obra: o romance e o conto. Desde já, você já pode ir pesquisando sobre esse autor, pois, por mais que saibamos sobre ele, ainda teremos algo a aprender.

Antes de passarmos adiante, é interessante esclarecer as diferenças mais evidentes entre esses dois movimentos, para entendermos melhor por que razão eles aparecem sempre juntos, embora não devam ser confundidos. Para isso, convido-o a observar com bastante atenção o quadro abaixo, que apresenta as principais características de um e de outro estilo:

Realismo Naturalismo

Forte influência da literatura de Gustave Flaubert (França)

Forte influência da literatura de Émile Zola (França)

Romance documental, apoiado na observação e na análise

Romance experimental, apoiado na experimentação e observação científica

A investigação da sociedade e dos caracteres individuais é feita “de dentro para fora”, por meio de análise psicológica capaz de abranger sua complexidade, utilizando a ironia, que sugere e aponta, em vez de afirmar

A investigação da sociedade e dos caracteres individuais ocorre “de fora para dentro”, os personagens tendem a se simplificar, pois são vistos como joguetes, pacientes dos fatores biológicos, históricos e sociais que determinam suas ações, pensamentos e sentimento

Volta-se para a psicologia, centrando-se mais no indivíduo

Volta-se para a biologia e a patologia, centrando-se mais no social

As obras retratam e criticam as classes dominantes, a alta burguesia urbana e, normalmente, os personagens pertencem a esta classe social

As obras retratam as camadas inferiores, o proletariado, os marginalizados e, normalmente, os personagens são oriundos dessas classes sociais mais baixas

O tratamento imparcial e objetivo dos temas garante ao leitor um espaço de interpretação, de elaboração de suas próprias conclusões a respeito das obras

O tratamento dos temas com base em uma visão determinista conduz e direciona as conclusões do leitor e empobrece literariamente os textos

Fonte: http://pessoal.educacional.com.br/up/4380001/1434835/t139.asp, acesso em 01/02/2010

Outras linguagens Como já afirmamos, o Realismo é uma estética que atingiu toda a

manifestação artística da segunda metade do século XIX. Não apenas a

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literatura, as artes plásticas também são contempladas com esse modo diferente de ver a realidade. Então, para encerrarmos nossa aula, deixo você com o belo quadro de Gustave Courbet Os quebradores de pedra, para que perceba nele elementos realistas. Além de bastante expres-sio, a pintura francesa pode provocar uma excelente discussão, o que sugiro seja feito utilizando-se de chats e do Ambiente Virtual de Apren-dizagem – AVA.

Fonte: http://artistoria.files.wordpress.com/2010/05/ossemeadoresdepedra.jpg

ResumoAo cansaço do público e de escritores em relação às formas e te-

máticas românticas, juntaram-se as novidades, principalmente de or-dem teórico-científica, que foram aparecendo no mundo da segunda metade do século XIX: o Positivismo, o Evolucionismo, o Determinismo, o Socialismo, entre outras. A consequência dessa junção rendeu uma gradativa mudança artística, tendo como tema principal a realidade, vista ou estudada, a que chamamos de Realismo ou Naturalismo. Ini-ciada no Brasil em 1881, quando Machado de Assis de Assis e Alui-zio Azevedo publicaram, respectivamente, Memórias Póstumas de Brás Cubas e O Mulato, este movimento estendeu-se oficialmente até 1893, com o surgimento do Simbolismo brasileiro.

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 37

Autoavaliação

Com o objetivo de se autoavaliar, no que se relaciona à presente aula, você pode observar se:

• conseguiu identificar os acontecimentos mais relevantes para o surgimento da nova estética literária.

• entendeu as diferenças formais e temáticas entre um texto romântico e um texto realista.

• compreendeu a importância das linhas teóricas e científicas que influenciaram a produção literária realista e naturalista;

Referências

ABDALA JÚNIOR, Benjamin e CAMPEDELLI, Samira Youssef. Tempos da

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Literatura Brasileira. 3. ed. São Paulo: Ática, 1990.

ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. 18. ed. São Paulo: Ática, 1992

BARBOSA, Socorro de Fátima Pacífico. Jornal e Literatura: a imprensa brasileira no século XIX. Porto Alegre-RS: Nova Prova, 2007

FARACO, Carlos Emílio e MOURA, Francisco Marto. Literatura Brasileira. 9. ed. São Paulo: Ática, 1998.

MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha. 15. ed. São Paulo: Ática, 1987 (Série Bom Livro)

PACHECO, João. A Literatura Brasileira. O Realismo (1870-1900). 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1967.

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III UNIDADE

Machado de Assis: romancista

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ApresentaçãoQuando se fala em literatura brasileira, um nome vem

logo à mente: Machado de Assis. Não por acaso. Exemplo perfeito do menino pobre e repleto de problemas, que con-segue, graças principalmente ao seu esforço pessoal, alcan-çar o mais alto degrau das letras de sua nação, sem jamais sair do Rio de Janeiro, sua cidade natal.

Iniciou sua produção literária ainda em pleno Romantis-mo, mas suas obras já se diferenciavam das de seus contem-porâneos e apontava para uma nova estética, da qual ele seria o fundador oficial, ao publicar seu romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, no ano de 1881.

Escritor eclético, escreveu crônicas, poemas, peças tea-trais, crítica literária, romances e contos. Nós nos deteremos sobre os dois últimos gêneros: nesta aula falaremos sobre o Romancista, e na próxima sobre o contista Machado de Assis.

Por tratarmos especificamente do Realismo, não nos re-portaremos aos romances que escreveu antes de 1881, di-daticamente chamados de românticos: Ressurreição (1872), A mão e a luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878), mas aos publicados a partir do já citado Memórias póstumas de Brás Cubas (1881): Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904), Memorial de Aires (1908), deno-minados realistas.

Aliás, a título de curiosidade, observe que os romances “românticos” saíam praticamente de enxurrada, um a cada dois anos, enquanto os “realistas”, por exigirem mais aten-ção e trabalho (como dizia Aluizio Azevedo, por serem mais artísticos), apresentam um hiato maior de tempo entre eles: 10 anos do primeiro para o segundo, 8 anos do segundo para o terceiro, mais 5 para o próximo, e 4 para o último, publicado no ano de sua morte.

Mergulhemos, então, na vida, obra e estilo deste verda-deiro homem de letras, conhecido como o “Bruxo do Cosme Velho”.

Vamos lá?!

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Objetivos

É nosso desejo que, ao final desta aula, você consiga:

• compreender os aspectos da vida de Machado de Assis que tiveram relevância na construção de sua obra;

• identificar algumas das características mais marcantes do estilo deste escritor, como o domínio linguístico e o uso inteligente da ironia;

• perceber as nuanças das técnicas narrativas do “Bruxo”, sua capacidade de captar a atenção do leitor;

• conhecer, ainda que de forma generalizada, a produção realis-ta em prosa de Machado de Assis.

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Texto 1

Para iniciarmos nossa aula, conheçamos um pouco da vida de Ma-chado, já que esta tem uma importância enorme na construção de sua carreira literária.

Joaquim Maria Machado de AssisUm pintor de paredes mulato e uma portuguesa de prendas domés-

ticas foram os pais do menino Joaquim Maria Machado de Assis, neto de escravos alforriados, pobre e epiléptico, nascido em 21 de junho de 1839, no morro do Livramento, Rio de Janeiro, uma cidade então suja, mal-cheirosa e com uma população estimada de 300 mil habitantes, metade escravos.

Nos primeiros anos, com certeza, o menino frequentou a Chácara do Livramento, sob a proteção da madrinha, senhora muito rica, dona da propriedade.

Aos seis anos, presenciou a morte da única irmã. Quatro anos mais tarde, morre-lhe a mãe. Em 1854, o pai casou-se com Maria Inês. Aos quatorze anos, Joaquim Maria ajudava a madrasta a vender doces para sustentar a casa, tarefa difícil depois da morte do pai. Não se sabe se esteve regularmente na escola. O que se sabe é que, adolescente, já se interessava pela vida intelectual da Corte, onde trabalhou como caixeiro de livraria, tipógrafo e revisor, antes de se iniciar como jorna-lista e cronista.

Em 6 de janeiro de 1855, a Marmota Fluminense publicou o poe-ma A palmeira. Nada de excepcional, era apenas a estréia literária de Joaquim Maria Machado de Assis. O jornal em que se publicou o po-ema era editado numa livraria que havia se transformado em ponto de encontro dos escritores da época. Foi lá que Machado de Assis ganhou protetores como Francisco de Paula Brito (dono da livraria), Manuel Antônio de Almeida, já conhecido romancista, e um padre que ensi-nava latim ao adolescente. Logo Machado de Assis já era membro da redação da Marmota Fluminense. Outros jornais passaram a publicar seus trabalhos.

Machado de Assis, homem da cidade, cada vez mais se distanciava de Joaquim Maria, menino do subúrbio. Nas roupas, na postura, na expressão. Os meios literários da Corte tornavam-se, pouco a pouco, terreno conhecido para ele. E ele tornava-se cada vez mais conhecido nesse terreno.

Machado de Assis escrevia sobre a vida fluminense, as óperas, cor-ridas, patinação, pleito eleitoral e muitas outras coisas, surpreendendo por um estilo sutilmente irônico, que logo ia tornar-se marca regis-trada de sua obra. Suas crônicas ainda hoje têm atualidade, pois ele conseguiu extrair reflexões profundas de fatos corriqueiros, tocando a

Fonte: http://blog10.files.wordpress.com/2009/12/machado-de-assis.

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essência daquilo que observava com um meio riso de contemplação. E quase sempre esse riso trazia, implícita ou explicitamente, uma adver-tência. Em Machado de Assis, o fato em si tinha menor importância, o que interessava era a reflexão que esse fato provocava.

Machado cronista escreveu para diversos jornais, mas viver da es-crita naquela época? Nem pensar! Machado seguiu uma carreira bu-rocrática: o emprego público lhe garantia o sustento. A ascensão na carreira burocrática foi ocorrendo paralelamente a sua consagração como escritor. Oficial do gabinete do ministro, membro do Conserva-tório Dramático, oficial da Ordem das Rosas e, em 1889, o mais alto grau da carreira: diretor de um órgão público, a Diretoria do Comér-cio. Aos poucos foi chegando a estabilidade econômica e mais tempo para escrever.

Durante 40 anos, Machado escreveu suas crônicas. Utilizando-se de histórias do dia-a-dia, o escritor ia refletindo sobre a História que se desenhava a sua volta. Machado denunciou a escravidão, não se utilizando do emocionalismo que caracterizava as manifestações abo-licionistas, mas a análise, a reflexão, demolindo a idéia (muito comum na época) da bondade dos brancos ao libertar os negros. Em sua obra (crônica, conto, romance) procurou desvendar os mecanismos econô-micos e ideológicos que tentavam justificar, primeiro, a necessidade do trabalho escravo e, depois, a contingência imperiosa da libertação. Em 13 de maio de 1888, foi assinada a Lei Áurea. No dia 19 do mesmo mês, Machado de Assis publicou uma crônica sobre o assunto, ironi-zando essa bondade dos brancos.

A Guerra do Paraguai e a Abolição foram fatais para a Monarquia. Sob a liderança do Exército, proclamou-se então a república, em 1889. Machado não era contra uma nova ordem, mas contra essa nova or-dem republicana. Para ele, o fim do Império poderia significar o fim da estabilidade ainda precária do país. Foi por temer essa instabilidade que ele se opôs ao que considerava o prematuro advento republicano.

Enfim, Machado de Assis não passou ao largo dos grandes acon-tecimentos de seu tempo. É possível entrever, no registro do cotidiano feito por suas crônicas, assim como posteriormente nos romances, a ligação com o contexto social mais amplo. Entre uma crônica e outra, entre uma crítica teatral e um poema, Machado de Assis ia tecendo a parte mais importante de sua obra: o conto e o romance.

O amor de verdade, não o ficcional dos romances, para o homem Machado de Assis veio na figura de Carolina Novais, portuguesa e mais velha que o escritor. Em carta, Machado declarou-lhe: “Tu não te pareces com as mulheres vulgares que tenho conhecido. Espírito e co-ração como os teus são prendas raras [...] Como te não amaria eu?”. Viram-se. Amaram-se. Casaram-se em 12 de novembro de 1869. Pas-saram por dificuldades financeiras antes e depois do casamento. Casa-mento este que durou 35 anos. Consta que na mais perfeita harmonia.

Os romances de Machado de Assis retratam a vida encarada como um espetáculo, ou, mais precisamente, a vida da sociedade fluminense na época do Segundo Reinado. Espetáculo tratado de duas maneiras

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distintas, ao longo da obra. 1.ª fase: Ressurreição (1872), A mão e a luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878). 2.ª fase: Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908).

Diante dessa esquematização, pode-se pensar que, na trajetória de Machado de Assis, ocorreu uma mudança brusca, uma verdadeira ruptura no modo de escrever; mas não é verdade. O que aconteceu foi o amadurecimento gradual, lento, progressivo, apesar de o primeiro romance da segunda fase ser revolucionário, não só em relação aos anteriores, mas também em relação a toda a história da literatura bra-sileira.

Machado passou pelo Romantismo e pelo Realismo, assimilando características de ambos, mas não se pode enquadrá-lo radicalmente em nenhum desses estilos. Pode-se dizer, grosso modo, que os roman-ces da primeira fase tendem ao Romantismo e os da segunda fase ao Realismo.

Porém, nos romances de primeira fase, já se podem notar algumas novidades. A principal é a criação de personagens que ambicionam sobretudo mudar de classe social, ainda que isso lhes custe sacrificar o amor (excetuando Ressurreição, os outros três romances dessa fase levam esse tom), bem diferente dos romances românticos, em que os personagens em geral comportam-se de acordo com aquilo que lhes dita o coração.

Machado de Assis centrou seu interesse na sondagem psicológica, isto é, buscou compreender os mecanismos que comandam as ações humanas, sejam elas de natureza espiritual ou decorrentes da ação que o meio social exerce sobre cada indivíduo. Tudo temperado com profunda reflexão. O escritor busca inspiração nas ações rotineiras do homem. Penetrando na consciência das personagens para sondar-lhes o funcionamento, Machado mostra, de maneira impiedosa e aguda, a vaidade, a futilidade, a hipocrisia, a ambição, a inveja, a inclinação ao adultério. Como este escritor capta sempre os impulsos contraditó-rios existentes em qualquer ser humano, torna-se difícil classificar suas personagens em boas ou más. Escolhendo suas personagens entre a burguesia, que vive de acordo com o convencionalismo da época, Ma-chado desmascara o jogo das relações sociais, enfatizando o contras-te entre essência (o que as personagens são) e aparência (o que as personagens demonstram ser). O sucesso financeiro e social é, quase sempre, o objetivo último dessas personagens.

O escritor preocupa-se muito mais com a análise das personagens do que com a ação. Por isso, em suas narrativas, pouca coisa acontece: há poucos fatos em suas histórias, e todos são ligados entre si por refle-xões profundas. Outra característica da prosa machadiana é a análise que o autor faz da própria narrativa, o narrador rompe o envolvimento emocional do leitor com a obra, proporcionando momentos de refle-xão sobre o que está sendo lido. A visão de mundo machadiana tem as seguintes características: humor, este tem duas funções: ora visa criticar o ser humano e suas fraquezas, através da ironia, ora demonstra com-

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paixão pelo homem, fazendo o leitor refletir sobre a condição humana; pessimismo, não o angustiado nem desesperador – tende para a ironia e propõe a aceitação do prazer relativo que a vida pode oferecer, já que a felicidade absoluta é inatingível. A natureza, considerada aqui como todas as forças que estabelecem e conservam a ordem do uni-verso, é ao mesmo tempo mãe, porque criou o ser humano, e inimiga, porque mantém-se impassível diante do sofrimento, que só terá fim com a morte.

Val a pena destacar a teoria do Humanitismo, formulada pela perso-nagem Quincas Borba, que aparece em dois romances de Machado. O Humanitismo é uma caricatura que Machado criou para retratar uma religião positivista comum em sua época, religião esta que preten-dia salvar o mundo e o homem. O Humanitismo baseia-se na luta pela vida, que seria o grande objetivo do ser humano. Nessa luta vence o mais forte, e sua vitória é vista por Machado com a maior naturalidade, às vezes até com certo cinismo. A guerra, por exemplo, é considerada não como uma desgraça, mas como um processo fundamental para a sobrevivência do homem. Segundo o Humanitismo, a violência e a dor (física ou moral) fazem parte da própria condição humana.

Quando Carolina Novais morreu, em 1904, a vida de Machado de Assis desmoronou.

“Foi-se a melhor parte da minha vida, e aqui estou só no mundo [...] Aqui me fico, por ora, na mesma casa, no mesmo aposento, com os mesmos adornos seus. Tudo me lembra a minha meiga Carolina. Como estou à beira do eterno aposento, não gastarei tempo em recor-dá-la. Irei vê-la, ela me esperará.” Carolina não teve de esperar mais que quatro anos. Com a vista fraca, uma renitente infecção intestinal e uma úlcera na língua, em 1º de agosto de 1908, Machado vai pela última vez à Academia Brasileira de Letras – que fundara em 1896 e da qual fora eleito presidente primeiro e perpétuo. Na madrugada de 29 de setembro, lúcido, recusando a presença de um padre para a extrema-unção, morreu Machado de Assis, reconhecido pelo público e pela crítica como um grande escritor.

Foi sepultado ao lado de Carolina, cumprindo o que prometera quatro anos antes à mulher, num soneto de despedida: “Querida, ao pé do leito derradeiro / Em que descansas dessa longa vida, / Aqui venho e virei, pobre querida, / Trazer-te o coração de companheiro.”

Carlos Faraco[http://www.culturabrasil.pro.br/machadodeassis.htm]

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Atividade IBastante interessante o relato da vida de Machado de Assis, não acha? O autor do texto, Carlos Faraco, não apenas narra a trajetória da vida de Machado, como já faz algumas reflexões sobre seu estilo. Algumas questões poderíamos destacar, com o objetivo de estabelecer uma discussão acerca do que acabamos de ler:

a) Você deve ter pesquisado na aula passada sobre o Determinismo (doutrina que afirma serem todos os acontecimentos, inclusive vontades e escolhas humanas, causados por acontecimentos anteriores, ou seja, o homem é fruto direto do meio, da genética e do momento histórico). Observando Machado de Assis, que, inclusive, criou vários personagens deterministas em suas obras, dá para aplicar essa teoria a sua vida? Argumente.

b) Que diferenças fundamentais você percebe entre o Joaquim Maria, homem do subúrbio, e Machado de Assis, homem da cidade? Comente-as.

c) Pesquise sobre essa figura de linguagem a que Faraco se refere, quando trata da escrita machadiana, a Ironia; escreva aqui um resumo de como acontece essa figura num texto, e tente explicar a associação que o autor deste texto faz desta figura com o humor machadiano. Esta questão será fundamental para a análise que faremos a seguir, de trechos dos romances de Machado.

d) Também já falamos sobre o fato de nossos homens de letras exercerem outras atividades paralelamente à literatura, tanto no jornalismo quanto no funcionalismo público. Machado de Assis, por exemplo, foi as duas coisas: jornalista e funcionário público, paralelamente à carreira de escritor. Comente isso.

e) Ao contrário de alguns escritores do período, que se esquivavam de uma participação social e política mais atuante, Machado de Assis sempre manteve importante participação nesses campos, através do seu trabalho, tanto como jornalista quanto como escritor. Qual sua opinião sobre essa questão?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 47

Em suma...

A vida de Machado de Assis, que acabamos de conhecer e discutir, está repleta de elementos que nos serão valiosos, quando da análise de sua obra. A origem humilde, a convivência com as altas rodas literárias da época, a observação arguta do que acontecia ao seu redor, tudo isso associado a uma selecionada e constante leitura, fazem da obra deste literato brasileiro um precioso documento de arte e engenho, como afirmam ABDALA JÚNIOR e CAMPEDELLI (1990, p. 145): “A posição de Machado de Assis no panorama da Literatura Brasileira é a de um renovador, não apenas porque realmente revolucionou a narra-tiva brasileira, imprimindo a ela um tom mais verossimilhante e menos supérfluo, mas também porque foi além do seu tempo, imprimindo-lhe um senso psicológico notável.” Segundo Lúcia Miguel-Pereira (apud op. cit.), Machado, “sem se preocupar com sistemas e normas, teve na realidade a sua mestra, nada mais fez que procurar cercá-la de perto, ajudado sobretudo por seus dons de penetração.”

Texto 2Conheçamos, em síntese, os romances realistas de Machado de

Assis. Mesmo que não seja possível ler todos, agora, é essencial que você os coloque na lista de leituras prioritárias;

Quincas BorbaA História gira em torno da vida de Rubião, amigo e enfermeiro particu-lar do filósofo Quincas Borba; era muito rico, e ao morrer deixa ao amigo toda a sua fortuna. Rubião muda-se para o Rio de Janeiro, le-vando consigo o cão, também cha-mado de Quincas Borba, que per-tencera ao filósofo e do qual deveria cuidar sob a pena de perder a he-rança.

Rubião conhece o casal Sofia e Palha, que logo percebem estar diante de um rico e ingênuo provinciano. Atraído pela amabilidade do casal, Rubião passa a frequentar a casa deles, confiando cegamente no novo amigo, um esperto comerciante, que administra a fortuna de Rubião, tirando parte de seus lucros.

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Com o tempo, Rubião sente-se cada vez mais atraído por So-fia, que mantém com ele atitude esquiva, encorajando-o e ao mesmo tempo impondo certa distância.

Por outro lado, a ingenuidade de Rubião torna-o presa fá-cil de várias outras pessoas interessadas e oportunistas, que se aproximam dele para explorá-lo financeiramente. A disputa en-tre as pessoas, as lutas pelo poder político e pela ascensão eco-nômica, presentes no romance, projetam um quadro bastante crítico das relações sociais da época.

Depois de algum tempo, Rubião começa a manifestar sinto-mas de loucura, que o levará à morte, a mesma loucura de que fora vítima o seu amigo, o filósofo Quincas Borba. Louco e explorado até ficar reduzido à miséria, o destino trágico de Rubião exemplifica a tese do Humanitismo, criada por Quin-cas: supõe-se em um campo duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar somente uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrerão de inanição. A paz, neste caso, é a destruição; a guerra é a esperança. Uma das tribos extermina a outra recolhe os despojos. Ao vencido, o ódio ou compaixão... Ao vencedor, as batatas!

http://www.netsaber.com.br/resumos/ver_resumo_c_2553.html

Dom Casmuro

Órfão de pai, criado com desvelo pela mãe (D. Glória), protegido do mundo pelo círculo doméstico e familiar (tia Justina, tio Cosme, José Dias), Bentinho é destinado à vida sacerdotal, em cumpri-mento a uma antiga promessa de sua mãe.

A vida do seminário, no entan-to, não o atrai; já o namoro com Capitu, filha dos vizinhos, sim. Apesar de comprometido pela promessa, também D. Glória so-fre com a idéia de separar-se do

filho único, interno no seminário. Por expediente de José Dias, o agregado da família, Bentinho abandona o seminário e, em seu lugar, ordena-se um escravo.

Correm os anos e com eles o amor de Bentinho e Capitu. Entre o namoro e o casamento, Bentinho se forma em Direito e

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 49

estreita a sua amizade com um ex-colega de seminário, Esco-bar, que acaba se casando com Sancha, amiga de Capitu.

Do casamento de Bentinho e Capitu nasce Ezequiel. Escobar morre e, durante seu enterro, Bentinho julga estranha a forma como Capitu contempla o cadáver. A partir daí, os ciúmes vão aumentando e precipita-se a crise. À medida que cresce, Eze-quiel se torna cada vez mais parecido com Escobar. Bentinho, muito ciumento, chega a planejar o assassinato da esposa e do filho, seguido pelo seu suicídio, mas não tem coragem. A tragé-dia dilui-se na separação do casal.

Capitu viaja com o filho para a Europa, onde morre anos depois. Ezequiel, já moço, volta ao Brasil para visitar o pai, que o recebe friamente e apenas constata a semelhança entre ele e o antigo colega de seminário. Ezequiel volta a viajar e morre no estrangeiro. Bentinho, cada vez mais fechado em usas dúvidas, passa a ser chamado de casmurro pelos amigos e vizinhos e põe-se a escrever a história de sua vida (o romance).

http://www.mundovestibular.com.br/articles/415/1/dom-casmurro----Machado-de-Assis--Resumo/Paacutegina1.html

Esaú e jacó

O título é extraído da Bíblia, reme-tendo-nos ao Gênesis: à história de Rebeca, que privilegia o filho Jacó, em detrimento do outro filho, Esaú, fazendo-os inimigos irreconciliá-veis. A inimizade dos gêmeos Pedro e Paulo, do romance de Machado, não tem causa explícita. Pedro e Paulo seriam “os dois lados da ver-dade”. Filhos gêmeos de Nativida-de e Agostinho Santos, à medida que vão crescendo, os irmãos co-meçam a definir seus temperamen-tos diversos: são rivais em tudo. Paulo é impulsivo, arrebatado, Pe-

dro é dissimulado e conservador. Já adultos, a causa principal de suas divergências passa a ser de ordem política – Paulo é republicano e Pedro, monarquista.

Para apaziguar a discórdia fraterna, de nada valem os conse-lhos de Aires, amigo de Natividade, nem as previsões de discór-dia e grandeza feitas por uma adivinha (A Cabocla do Castelo), quando os gêmeos tinham ainda um ano.

Até em seus amores, os gêmeos são competitivos. Flora, a moça de quem ambos gostam, se entretém com um e outro,

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sem se decidir por nenhum dos dois: a moça é retraída, modes-ta, e seu temperamento avesso a festas e alegrias.

As divergências entre os irmãos continuam, muito embora, com a morte de Flora, tenham jurado junto a seu túmulo uma reconciliação perpétua. A morte da moça une temporariamente os gêmeos; mais tarde, também a morte de Natividade cria uma trégua entre ambos; mas logo se lançam às disputas.

Continuam a se desentender, agora em plena tribuna, depois que ambos se elegeram deputados por dois partidos diferentes, absolutamente irreconciliáveis. Cumpre-se, portanto, a previsão da adivinha: ambos seriam grandes, mas inimigos.

O conselheiro Aires, narrador do romance, é mais um gran-de personagem da galeria machadiana, que reaparecerá como memorialista no próximo e último romance do autor: velho di-plomata aposentado, de hábitos discretos e gosto requintado, amante de citações eruditas, muitas vezes interpreta o pensa-mento do próprio romancista.

http://www.mundovestibular.com.br/articles/517/1/ESAU-E-JACO----Machado-de-Assis-Resumo/Paacutegina1.html

Memorial de Aires

Última obra de Machado de Assis, foi publicada em 1908, mesmo ano da morte do escritor. Como Memó-rias Póstumas de Brás Cubas, este ro-mance não tem propriamente um enredo: estrutura-se em forma de um diário escrito pelo Conselheiro Aires (personagem que já aparece-ra em Esaú e Jacó), onde o narrador relata, miudamente, sua vida de di-plomata aposentado no Rio de Ja-neiro de 1888 e 1889.

Sucedem-se, nas anotações do conselheiro, episódios envolvendo pessoas de suas relações, leituras do seu tempo de diplomata e reflexões quanto aos acontecimentos políticos. Destaca-se a história de Tristão e Fi-dália, dando certa unidade aos vários fragmentos de que o livro é composto.

Fidélia, viúva moça e bonita, é grande amiga do casal Aguiar, uma espécie de filha postiça de D. Carmo. Tristão, afilhado do mesmo casal, viajara para a Europa, em menino, com os pais. Visitando, agora, o Rio de Janeiro, dá muita alegria aos velhos padrinhos. Tristão e Fidélia acabam por apaixonar-se, e, depois

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de casados, seguem para a Europa, deixando a saudade e a solidão como companheiros dos velhos Aguiar e D. Carmo.

Memorial de Aires é apontado como o romance mais projeti-vo da personalidade e da vida de Machado de Assis.

Escrito após a morte de Carolina, revela uma visão melancó-lica da velhice, da solidão e do mundo. D. Carmo, esposa do velho Aguiar, seria a projeção da própria esposa de Machado, já falecida. A ironia e o sarcasmo dos livros anteriores são subs-tituídos por um tom compassivo e melancólico, as personagens são simples e bondosas, muito distantes dos paranóicos e psi-cóticos dos romances anteriores. Alguns vêem no Memorial de Aires uma obra de retrocesso a concepções romantizadas do mundo; outros tomam o romance como o testamento literário e humano de Machado de Assis.

http://www.resumosdelivros.com.br/m/machado-de-assis/memorial--de-aires/

Atividade II

a) Algo interessante que podemos observar, nos romances machadianos, é o passeio de um personagem por mais de uma obra. Acontece isso com Quincas Borba, que aparece primeiro em Memórias Póstumas de Brás Cubas, e, em seguida, no romance que traz seu nome; e o Conselheiro Aires, que é personagem-narrador de Esaú e Jacó e em Memorial de Aires. Comente este recurso literário utilizado por Machado de Assis.

E a propósito...Você deve estar sentindo falta de uma obra machadiana, não é?

Mais exatamente, o primeiro romance realista de Machado, publicado em 1881, e com o qual inaugurou a estética literária, no Brasil. Este é fundamental sua leitura. Apresentaremos também uma síntese, para, em seguida, trabalharmos mais detidamente sobre um trecho dele.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Memórias póstumas de brás cubas

O livro aborda as experiências de um filho abastado da elite brasileira do século XIX, Brás Cubas. Narrado em primeira pessoa, após o falecimento do protagonista, come-ça pela sua morte, descreve os delírios de moribundo, o velório, a cena do enterro, até retornar a sua infância, quando a nar-rativa segue de forma mais ou menos line-ar – interrompida apenas por comentários digressivos do narrador.

A sua infância, como a de todo mem-bro da sociedade patriarcal brasileira da época, é marcada por privilégios e capri-chos patrocinados pelos pais. O garoto ti-nha como brinquedo de estimação o negri-nho Prudêncio, que lhe servia de montaria

e para maus-tratos em geral. Na escola, Brás era amigo de traquina-gem de Quincas Borba, que aparecerá no futuro defendendo o Huma-nitismo, misto da teoria darwinista com o borbismo: só os mais fortes e aptos devem sobreviver.

Na juventude do protagonista, as benesses ficam por conta dos gastos com uma cortesã, ou prostituta de luxo, chamada Marcela, a quem Brás dedica a célebre frase: “Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis”. Essa é uma das marcas do estilo macha-diano, a maneira como o autor trabalha as figuras de linguagem. Mar-cela é prostituta de luxo, mas na obra não há, em nenhum momento, a caracterização nesses termos. Machado utiliza a ironia e o eufemismo para que o leitor capte o significado. Brás Cubas não diz, por exem-plo, que Marcela só estava interessada nos caros presentes que ele lhe dava. Ao contrário, afirma categoricamente que ela o amou, mas fica claro que, naquela relação, amor e interesse financeiro estão intima-mente ligados.

Apaixonado por Marcela, Brás gasta enormes recursos da família com festas, presentes e toda sorte de frivolidades. Seu pai, para dar um basta à situação, toma a resolução mais comum para as classes ricas da época: manda o filho para a Europa estudar leis e garantir o título de bacharel em Coimbra.

O jovem, no entanto, segue contrariado para a universidade. Mar-cela não vai, como combinara, despedir-se dele, e a viagem começa triste e lúgubre.

Em Coimbra, a vida não se altera muito. Com o diploma nas mãos e total inaptidão para o trabalho, retorna ao Brasil e segue sua exis-tência parasitária, gozando dos privilégios dos bem-nascidos do país.

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Em certo momento da narrativa, Cubas tem seu segundo e mais duradouro amor. Enamora-se de Virgília, parente de um ministro da corte, aconselhado pelo pai, que via no casamento com ela um futuro político. No entanto, ela acaba se casando com Lobo Neves, que arre-bata do protagonista não apenas a noiva como também a candidatura a deputado que o pai preparava.

A família dos Cubas, apesar de rica, não tinha tradição, pois cons-truíra a fortuna com a fabricação de cubas, tachos, à maneira burgue-sa. Isso não era louvável no mundo das aparências sociais. Assim, a entrada na política era vista como maneira de ascensão social, uma espécie de título de nobreza que ainda faltava a eles.

A vida de Brás não apresenta grandes feitos, não há um aconteci-mento significativo que se realize por completo. A obra termina, nas pa-lavras do narrador, com um capítulo só de negativas. Brás Cubas não se casa; não consegue concluir o emplasto, medicamento que imagi-nara criar para conquistar a glória na sociedade; acaba se tornando deputado, mas seu desempenho é medíocre; e não tem filhos.

A força da obra está justamente nessas não-realizações, nesses de-talhes. Os leitores ficam sempre à espera do desenlace que a narrativa parece prometer. Ao fim, o que permanece é o vazio da existência do protagonista. É preciso ficar atento para a maneira como os fatos são narrados. Tudo está mediado pela posição de classe do narrador, por sua ideologia. Assim, esse romance poderia ser conceituado como a história dos caprichos da elite brasileira do século XIX e seus desdobra-mentos, contexto do qual Brás Cubas é, metonimicamente, um repre-sentante.

O que está em jogo é se esses caprichos vão ou não ser realizados. Alguns exemplos: a hesitação ao começar a obra pelo fim ou pelo começo; comparar suas memórias às sagradas escrituras; desqualificar o leitor: dar-lhe um piparote, chamá-lo de ébrio; e o próprio fato de escrever após a morte. Se Brás Cubas teve uma vida repleta de capri-chos, em virtude de sua posição de classe, é natural que, ao escrever suas memórias, o livro se componha desse mesmo jeito.

O mais importante não é a realização (ou não) dessas veleidades, mas o direito de tê-las, que está reservado apenas a uns poucos da sociedade da época. Veja-se o exemplo de Dona Plácida e do negro Prudêncio. Ambos são personagens secundários e trabalham para os grandes. A primeira nasceu para uma vida de sofrimentos: “Chama-mos-te para queimar os dedos nos tachos, os olhos na costura, comer mal, ou não comer, andar de um lado pro outro, na faina, adoecendo e sarando…”, descreve Brás. Além da vida de trabalhos e doenças e sem nenhum sabor, Dona Plácida serve ainda de álibi para que Brás e Virgí-lia possam concretizar o amor adúltero numa casa alugada para isso.

Com Prudêncio, vê-se como a estrutura social se incorpora ao indi-víduo. Ele fora escravo de Brás na infância e sofrera os espancamentos do senhor. Um dia, Brás Cubas o encontra, depois de alforriado, e o vê batendo num negro fugitivo. Depois de breve espanto, Brás pede para que pare com aquilo, no que é prontamente atendido por Prudêncio.

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O ex-escravo tinha passado a ser dono de escravo e, nessa condição, tratava outro ser humano como um animal. Sua única referência de como lidar com a situação era essa, afinal era o modo como ele pró-prio havia sido tratado anteriormente. Prudêncio não hesita, porém, em atender ao pedido do ex-dono, com o qual não tinha mais nenhum tipo de dívida nem obrigação a cumprir.

Trecho da obra

Parece bastante interessante o livro que deu início ao realismo no Brasil, não? A partir dos comentários acima, podemos ter uma ideia de quanto essa obra deve ter causado impacto quando do seu lança-mento. Vamos, agora, ler um trecho do romance, para, em seguida, conversarmos sobre.

O almocreve

Vai então, empacou o jumento em que eu vinha montado; fustiguei-o, ele deu dois corcovos, depois mais três, enfim mais um, que me sacudiu fora da sela, com tal desastre, que o pé esquerdo me ficou preso no estribo; tento agarrar-me ao ventre do animal, mas já então, espantado, disparou pela estrada fora. Digo mal: tentou disparar, e efetivamente deu dois saltos, mas um almocreve, que ali estava, acudiu a tempo de lhe pegar na rédea e detê-lo, não sem esforço nem perigo. Dominado o bruto, desvencilhei-me do estribo e pus-me de pé.

– Olhe do que vosmecê escapou, disse o almocreve.

E era verdade; se o jumento corre por ali fora, contundia-me deveras, e não sei se a morte não estaria no fim do desastre; ca-beça partida, uma congestão, qualquer transtorno cá dentro, lá se me ia a ciência em flor. O almocreve salvara-me talvez a vida; era positivo; eu sentia-o no sangue que me agitava o coração. Bom almocreve! enquanto eu tornava à consciência de mim mes-mo, ele cuidava de consertar os arreios do jumento, com muito zelo e arte. Resolvi dar-lhe três moedas de ouro das cinco que trazia comigo; não porque tal fosse o preço da minha vida, – essa era inestimável; mas porque era uma recompensa digna da dedi-cação com que ele me salvou. Está dito, dou-lhe as três moedas.

– Pronto, disse ele, apresentando-me a rédea da cavalgadu-ra.

– Daqui a nada, respondi; deixa-me, que ainda não estou em mim...

– Ora qual!

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 55

– Pois não é certo que ia morrendo?

– Se o jumento corre por aí fora, é possível; mas, com a ajuda do Senhor, viu vosmecê que não aconteceu nada.

Fui aos alforjes, tirei um colete velho, em cujo bolso trazia as cinco moedas de ouro, e durante esse tempo cogitei se não era excessiva a gratificação, se não bastavam duas moedas. Talvez uma. Com efeito, uma moeda era bastante para lhe dar estreme-ções de alegria. Examinei-lhe a roupa; era um pobre-diabo, que nunca jamais vira uma moeda de ouro. Portanto, uma moeda. Tirei-a, vi-a reluzir à luz do sol; não a viu o almocreve, porque eu tinha-lhe voltado as costas; mas suspeitou-o talvez, entrou a falar ao jumento de um modo significativo; dava-lhe conselhos, dizia-lhe que tomasse juízo, que o “senhor doutor” podia castigá--lo; um monólogo paternal. Valha-me Deus! até ouvi estalar um beijo: era o almocreve que lhe beijava a testa.

– Olé! exclamei.

– Queira vosmecê perdoar, mas o diabo do bicho está a olhar para a gente com tanta graça...

Ri-me, hesitei, meti-lhe na mão um cruzado em prata, caval-guei o jumento, e segui a trote largo, um pouco vexado, melhor direi um pouco incerto do efeito da pratinha. Mas a algumas bra-ças de distância, olhei para trás, o almocreve fazia-me grandes cortesias, com evidentes mostras de contentamento. Adverti que devia ser assim mesmo; eu pagara-lhe bem, pagara-lhe talvez demais. Meti os dedos no bolso do colete que trazia no corpo e senti umas moedas de cobre; eram os vinténs que eu devera ter dado ao almocreve, em lugar do cruzado em prata. Porque, enfim, ele não levou em mira nenhuma recompensa ou virtude, cedeu a um impulso natural, ao temperamento, aos hábitos do ofício; acresce que a circuns-tância de estar, não mais adiante nem mais atrás, mas justamente no ponto do desastre, parecia constituí-lo simples instrumento da Providência; e de um ou de outro modo, o méri-to do ato era positivamente nenhum. Fiquei desconsolado com esta reflexão, chamei-me pródigo, lancei o cruzado à conta das minhas dissipações antigas; tive (por que não direi tudo?) tive remorsos.

http://pt.wikisource.org/wiki/Mem%C3%B3rias_P%C3%B3stumas_de_Br%C3%A1s_Cubas/XXI

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Atividade IIIa) Percebemos claramente, no texto, o humor e a ironia machadianos, de que

falamos anteriormente. Observe como se comporta o burguês, em relação à recompensa ao almocreve, enquanto está apavorado, e depois, à medida que vai se a-calmando. Comente sobre os motivos que teriam levado Brás Cubas a diminuir gradativamente o valor do presente ao cuidador de animais.

b) Que visão de mundo podemos perceber na atitude de Brás Cubas?

c) O remorso, que é um sentimento nobre, encontrado em caracteres realmente arrependidos de terem feito algo deveras ruim, aparece no texto de Machado carregado de uma ironia ferina, diante da situação que gerou esse remorso. Comente.

d) A análise deste trecho confirma a tese de que o realismo machadiano é predominantemente psicológico. Comente essa afirmação.

Sugestóes de filmesHá muitos filmes interessantes, que você pode ver, sobre a obra de

Machado de Assis. Mas é importante que os filmes sejam vistos após a leitura da obra, porque a linguagem cinematográfica é mais uma leitura do livro. Você não encontra, na tela, a história do livro, mas um enredo baseado nela. Por isso é necessário que, antes de ver o filme, você leia o livro, para comparar sua leitura com a do roteirista. Veja algumas dicas:

Brás Cubas (1985) Interessante e irreverente adaptação para o cinema do romance de

Machado de Assis, sobre o homem que depois de morto relembra os amores e amizades de seu passado. Um painel da burguesia e da políti-ca carioca do fim do século 19. A história ganhou nova versão no cine-ma em 2001, com o filme ‘’Memórias Póstumas’’. Elenco: Luiz Fernando Guimarães, Bia Nunes, Cristina Pereira, Ankito, Renato Borghi, Karen Acioly, Hélio Ary, Regina Casé, Ariel Coelho, Martim Francisco, Wilson Grey. Direção: Júlio Bressane. Duração: 92 min.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 57

Memórias Póstumas (2001)Baseado na obra de Machado de Assis, é a história de Brás Cubas, que, após ter morrido, em pleno ano de 1869, deci-de narrar sua história e revisi-tar os fatos mais importantes de sua vida, a fim de se distrair na eternidade. A partir de en-

tão ele relembra de amigos como Quincas Borba, de sua displicente formação acadêmica em Portugal, dos amores de sua vida e ainda do privilégio que teve de nunca ter precisado trabalhar em sua vida. Elenco: Reginaldo Faria, Petrônio Gontijo, Viétia Rocha, Sonia Braga, Otávio Müler, Marcos Caruso. Direção: André Klotzel. Duração: 101 minutos.

Quincas Borba (1987)Com a morte do filósofo Quincas Borba, Rubião, seu discípulo inte-riorano, herda toda sua fortuna que será dilapidada pela paixão por Sofia, mulher do inescrupulo-so Cristiano Palha. Baseado na obra de Machado de Assis. Elen-

co: Adriana Abujamra, Brigitte Broder, Laura Cardoso, Harley Dias Car-neiro, Walter Forster, Marlene França, Fulvio Stefanini, Paulo Vilaça, Ro-sália Petrin. Direção: Roberto Santos. Duração: 116 min.

Capitu (1968)No final do século 19, Bentinho e Capitu são os jovens que namo-

ram desde crianças. O seminário é uma ameaça, mas o casamento afinal se realiza. Aos poucos, porém, Bentinho começa a duvidar da fidelidade de Capitu, cuja amizade entre ela e Escobar é cada vez mais forte. O ciúme corroi dia-a-dia o temperamento de Bentinho, transfor-mando sua personalidade e o mundo a sua volta. Adaptação do clás-sico Dom Casmurro, de Machado de Assis. Elenco: Othon Bastos, Raul Cortez, Rodolfo Arena, Nelson Dantas, Marilia Carneiro, Maria Morais, Wagner Lancetta, Patrícia Templer, Rosa Maria Pena, Anecy Rocha. Dire-ção: Paulo César Saraceni. Duração: 105 min.

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ResumoA produção romanesca realista do maior escritor brasileiro de to-

dos os tempos, Joaquim Maria Machado de Assis, abrange um total de cinco títulos, produzidos entre 1881 e 1908, e que representa sua melhor fase literária. Nessa obra, composta pelos romances Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó e Memo-rial de Aires, Machado traça uma radiografia psicológica da sociedade burguesa, com reflexões profundas, mas leves, graças aos fabulosos toques de humor e ironia com que compõe sua escrita.

AutoavaliaçãoChegamos, então, ao momento em que você mesmo pode aquilatar seus conhecimentos sobre os assuntos abordados nesta aula. Repare se você:

a) Entendeu como a vida de Machado de Assis, inicialmente cheia de percalços, mas melhorando gradativamente, teve influência em sua obra;

b) Identificou algumas das características mais marcantes do estilo deste escritor, como o domínio linguístico e o uso inteligente da ironia e do humor;

c) Ficou por dentro da produção realista em prosa de Machado de Assis, ao ler as sínteses dos romances e um capítulo de Memórias Póstumas de Brás Cubas.dica. utilize o bloco

de anotações para responder as atividades!

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 59

Referências

ABDALA JÚNIOR, Benjamin e CAMPEDELLI, Samira Youssef. Tempos da Literatura Brasileira. 3. ed. São Paulo: Ática, 1990.

ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. 18. ed. São Paulo: Ática, 1992

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Machado de Assis: contista

IV UNIDADE

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Apresentação

Depois de conhecermos a obra romanesca do grande es-critor Machado de Assis, vamos, nesta aula, nos deter sobre o conto machadiano.

Em 1870, Machado de Assis publica o primeiro volume de contos: Contos Fluminenses, considerado pela crítica ape-nas mediano. De qualquer forma, já aparecem as caracte-rísticas marcantes do estilo machadiano: a conversa com o leitor, a ironia, o estudo da alma feminina. Três anos mais tarde, surgem as Histórias da meia-noite, também considerado pela crítica no mesmo nível do primeiro livro. Papéis avulsos (1882) é o terceiro livro de Machado. Nesse livro revela-se a maturidade do contista Machado de Assis, marca a passa-gem para a segunda fase do escritor, o realismo artístico. O Alienista, Teoria do medalhão, O espelho, são alguns dos contos que fazem parte desse terceiro livro, em que Machado co-meça a trabalhar um dos seus outros temas básicos: a lou-cura. Nesse sentido, o conto O Alienista é uma obra-prima, de leitura indispensável. Em vida, Machado publicou ainda Histórias sem data (1884), Várias histórias (1896), Páginas es-colhidas (1899) e Relíquias de casa velha (1906).

Alguns contos de Machado de Assis são de leitura obri-gatória: A igreja do diabo, Cantiga de esponsais, Singular ocor-rência, A cartomante, A causa secreta, Um Apólogo e Missa do galo. Essas narrativas revelam o universo dos temas que inte-ressam a Machado: a loucura, a alma feminina, a vaidade, a sedução, o casamento, o adultério.

São mais de duas centenas de pequenas histórias, que fizeram do autor um referencial dos mais competentes no gênero. É o Machado de Assis contista que iremos conhecer nesta aula.

Vamos lá?!

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 63

Objetivos

Ao final desta unidade, esperamos que você consiga:

• Identificar os elementos que compõe o gênero literário conto;

• Perceber o estilo machadiano de escrever pequenas histórias, identificando-lhes as características mais marcantes;

• Analisar o conto machadiano como uma leitura reflexiva e psi-cológica da sociedade burguesa brasileira do final do século XIX;

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64 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira II

Texto 1

Você sabe o que é um conto? Que elementos o compõem? Por que razão esse gênero literário sempre foi tão bem aceito, sendo, ao mesmo tempo, tão complexo de ser produzido? Existem dois tipos de conto: o popular ou maravilhoso, e o erudito ou literário. A diferença mais nítida está na forma de apresentação – oralmente, o primeiro; escrito, o segundo. Mas, no conteúdo também há diferenças consideráveis. O popular tem mais um efeito de catarse1 coletiva, enquanto o literá-rio tem uma preocupação social, de denúncia e análise da realidade. Como o conto machadiano é literário, apresentaremos, teoricamente, esse gênero.

Conto Erudito ou LiterárioDuas características principais distinguem o conto literário, que de-

nominamos erudito ou culto, do conto popular: é produzido por um autor historicamente conhecido; e refere-se a um episódio da vida real, não verdadeiro porque ficcional, mas verossímil, ou seja, o fato nar-rado não aconteceu no mundo físico, mas poderia acontecer. Embora seja possível apontar exceções de contos fantásticos, com recurso ao sobrenatural, escritos por autores mundialmente famosos (Hoffman, Poe e outros), a regra do conto erudito é ater-se ao real, não fugindo do princípio da verossimilhança, pois a atitude mental que dele se de-preende não é idealizar, mas contestar os valores sociais.

O conto erudito distingue-se do romance e da novela por ser uma narrativa curta. (...) O foco narrativo geralmente é único: centrado ou no narrador onisciente ou numa personagem. A fábula (história) é reduzida apenas a um episódio de vida. As personagens são pouquíssimas, três na maioria dos casos, constituindo o famoso triângulo amoroso. A catego-ria do espaço está reduzida a um ou dois ambientes. O tempo também é muito limitado. As descrições e reflexões, quando existem, são muito rápidas. A diminuição dos elementos estruturais confere ao conto uma grande densidade dramática. Enquanto no romance o conteúdo textual encontra-se diluído na multiplicidade de ações, personagens, espaços, tempos, descrições, reflexões, no conto temos uma condensação no sen-tido que se revela ao leitor de uma forma mais rápida e surpreendente. (...)

A época do realismo consagra definitivamente o sucesso da narra-tiva curta, apresentando contistas mundialmente famosos: Maupassant, Tcheckov, Eça de Queiroz, Machado de Assis. Na modernidade, o conto é a forma narrativa mais cultivada, porque melhor responde à exigência da rapidez própria da era da máquina: poucos leitores, hoje em dia, solicitados pelos atuais meios de comunicação cultural (rádio, televisão, videocassete, cinema, teatro), têm a paciência de ler um longo romance.

(D’ONOFRIO, 1995, p. 120-122)

1 Catarse: Palavra pela qual Aristóteles de-signa a “purificação” sentida pelos espec-tadores durante e após uma representação dramática. Por extensão, libertação de emoção ou sentimento que sofreu repres-são, através da produção artística.

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A palavra conto quer dizer narração falada ou escrita de um acon-tecimento, narração de uma história ou historieta imaginadas, fábula. (...) Gotlib (1998) “cola” as impressões de diversos estudiosos do conto e chega à seguinte equação:

O segredo do conto é promover o seqüestro do leitor, prendendo-o num efeito que lhe permite a visão em conjunto da obra, desde que todos os elementos do conto são incorporados tendo em vista a cons-trução deste efeito (Poe). Neste seqüestro temporário existe uma força de tensão num sistema de relações entre elementos do conto, em que cada detalhe é significativo (Cortázar). O conto centra-se num conflito dramático em que cada gesto, cada olhar são até mesmo teatralmente utilizados pelo narrador (Bowen). Não lhe falta a construção simétrica de um episódio, num espaço determinado (Matthews). Trata-se de um acidente de vida, cercado de um ligeiro antes e depois (Oiticica). De tal forma que esta ação parece ter sido mesmo criada para um conto, adaptando-se a este gênero e não a outro, por seu caráter de contra-ção (Friedman). (...)

Considerando que o conto é o gênero de menor tamanho, a ques-tão da brevidade é fundamental na sua construção. Nas palavras de Anton Tcheckov “é preferível não dizer o suficiente do que dizer de-mais”. Portanto, é importante limitar o número de personagens e epi-sódios, eleger os detalhes primordiais e evitar explicações em demasia. Uma fórmula para a brevidade seria conseguir o máximo efeito com o mínimo de meios. Tudo que não for primordial para alcançar o efeito desejado – toda a informação que não convergir para o desfecho – deve ser suprimido. Outro aspecto fundamental, além da brevidade é a intensidade. Há duas metáforas criativas e precisas, criadas por Júlio Cortázar, que definem bem a questão: o conto está para a fotografia como o romance está para o cinema; no conto o autor vence o leitor por nocaute, enquanto no romance a luta é vencida por pontos.

Uma narrativa só é suficientemente intensa a ponto de causar im-pacto no leitor se tiver unidade de efeito. Para alcançar esta unidade é preciso que o autor tenha em mente, durante a construção do conto, que efeito deseja causar no leitor. A concisão tem importância funda-mental para se conseguir essa unidade. A tensão é uma forma diferente de imprimir intensidade à narrativa. Em vez de os fatos se desenrolarem de forma abrupta, o autor vai desvendando aos poucos o que conta, usa a técnica do suspense, adia a resolução da ação e instiga a curio-sidade do leitor.

Como na fotografia o conto necessita selecionar o significativo. Uma narrativa só se torna significativa quando transcende a história que conta abrindo-se para algo maior. É importante que exista algo especial na representação daquele recorte da vida que gera o conto, o flagrante de um determinado instante que de alguma forma interesse ao leitor. Seja pela novidade, pela surpresa, pelo inusitado, pelo cômi-co ou pelo trágico de uma situação. Todo o enredo deve ser elaborado para o desfecho, cada palavra deve confluir para o desenlace. Só com o desfecho sempre à vista é possível conferir a um enredo o ar de con-seqüência e causalidade.

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“Sem conflito não há teatro” é uma idéia bastante difundida em dramaturgia. A semelhança entre a estrutura do conto e do teatro é exatamente esta, o conflito dramático, fundamental em ambas as for-mas. Assim como o conflito é a alma de um texto teatral, a crise é pri-mordial na construção do conto também.

Os contistas e sua opinião acerca do gênero

J. Berg Esenwein: “O conto é uma narrativa breve; desenrolando um só incidente predominante e uma personagem principal, contém um assunto cujos detalhes são tão comprimidos e o conjunto do tratamento tão organizado, que produzem uma só impressão”.

Horácio Quiroga: “O conto literário consta dos mesmos elementos que o conto oral e é, como este, o relato de uma história bastante interessante e suficientemente breve para que ab-sorva toda a nossa atenção”.

Deonísio da Silva: “Os homens têm sido contistas desde priscas eras (...). Jesus foi um extraordinário contista, ainda que jamais tenha escrito um único e escasso livro (...); criativo, inovador, o famoso nazareno inventou contos fascinantes. Basta dar uma olhadinha nas parábolas (...). São contos, por exemplo, numerosas narrativas bíblicas (...). O Pantschatantra, hindu, está cheio de contos. As mil e uma noites são um verdadeiro panegírico do gênero. O Edda, escandinavo, é uma reunião de contos. O Beowulf, teuto-bretão, também. As nossas lendas indíge-nas são contos. As anedotas e piadas são contos. A prosa popular é, pois, muito chegadinha a um conto”.

Ítalo Moriconi: “(...) a porosidade do gênero conto, a capacidade que o conto tem de confluir e confundir-se com gêneros próximos, como o poema em prosa, a crônica, a página de meditação, o perfil de uma personagem, a página autobiográfica.

E, naturalmente, Machado de Assis: “O tamanho não faz mal a esse gênero de histórias, é naturalmente a sua qualidade”.

Prof. Dr. Antônio Jackson de Souza Brandão[http://www.jackbran.pro.br/redacao/teoria_do_conto.htm]

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Atividade I

Bem, então já deu para perceber, pelas informações teóricas e os depoimentos dos próprios contistas, que este gênero é repleto de nuanças, de detalhes, que fazem dele um espetáculo à parte. Eu gostaria de conversar com você sobre isso, agora.

a) Você já leu algum conto ou costuma ler contos? Qual (ou quais) que você leu mais chamou a sua atenção? Por que?

b) Pelo que lemos, nos trechos acima, notamos que o conto tem uma função social bem definida, de reflexão a partir de acontecimentos fictícios mas verossímeis, ou seja, que não aconteceram de verdade, mas que poderiam ter acontecido. Isso nos faz pensar outra vez em algo que já discutimos aqui: o papel social da literatura. Qual você acha que deve ser o papel da literatura na sociedade? E em que o conto participa, nesse papel?

c) Você concorda que o sucesso do conto, atualmente, se dá pela sua brevidade, diante do tempo corrido que os leitores têm, que não lhes permite ler, por exemplo, romances mais longos? Argumente sobre essa questão.

d) Comente a opinião de Machado de Assis sobre o conto: “O tamanho não faz mal a esse gênero de histórias, é naturalmente a sua qualidade”.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Um conto de MachadoAgora vamos nos deliciar com um conto de Machado de Assis. Ele

escreveu muitos – mais de duzentos. É uma escolha realmente muito difícil. Então optei por um bastante conhecido e estudado, que trata da questão do adultério, colocando em evidência o famoso triângulo amoroso em que o pivô da traição é alguém muito próximo da família. O conto é:

Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-R3KpiOj30cs/TebqxgVAc5I/AAAAAAAAAF8/vKLwj92If6s/s1600/cartomante.gif

A CARTOMANTE

Hamlet observa a Horácio que há mais coi-sas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia. Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de no-vembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante; a diferença é que o fazia por outras palavras.

— Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as cartas, disse-me: “A senhora gosta de uma pessoa...” Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...

— Errou! interrompeu Camilo, rindo.

— Não diga isso, Camilo. Se você soubesse como eu tenho andado, por sua causa. Você sabe; já lhe disse. Não ria de mim, não ria...

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Camilo pegou-lhe nas mãos, e olhou para ela sério e fixo. Jurou que lhe queria muito, que os seus sustos pareciam de criança; em todo o caso, quando tivesse algum receio, a melhor cartomante era ele mesmo. Depois, repreendeu-a; disse-lhe que era imprudente andar por essas casas. Vilela podia sabê-lo, e depois...

— Qual saber! tive muita cautela, ao entrar na casa.

— Onde é a casa?

— Aqui perto, na rua a Guarda Velha; não passava nin-guém nessa ocasião. Descansa; eu não sou maluca.

Camilo riu outra vez:

— Tu crês deveras nessas coisas? perguntou-lhe.

Foi então que ela, sem saber que traduzia Hamlet em vulgar, disse-lhe que havia muita coisa misteriosa e verdadeira neste mundo. Se ele não acreditava, paciência; mas o certo é que a cartomante adivinhara tudo. Que mais? A prova é que ela agora estava tranqüila e satisfeita.

Cuido que ele ia falar, mas reprimiu-se. Não queria arran-car-lhe as ilusões. Também ele, em criança, e ainda depois, foi supersticioso, teve um arsenal inteiro de crendices, que a mãe lhe incutiu e que aos vinte anos desapareceram. No dia em que deixou cair toda essa vegetação parasita, e ficou só o tronco da religião, ele, como tivesse recebido da mãe ambos os ensi-nos, envolveu-os na mesma dúvida, e logo depois em uma só negação total. Camilo não acreditava em nada. Por quê? Não poderia dizê-lo, não possuía um só argumento; limitava-se a negar tudo. E digo mal, porque negar é ainda firmar, e ele não formulava a incredulidade; diante do mistério, contentou-se em levantar os ombros, e foi andando.

Separaram-se contentes, ele ainda mais que ela. Rita estava certa de ser amada; Camilo, não só o estava, mas via-a estre-mecer e arriscar-se por ele, correr às cartomantes, e, por mais que a repreendesse, não podia deixar de sentir-se lisonjeado. A casa do encontro era na antiga rua dos Barbonos, onde morava uma comprovinciana de Rita. Esta desceu pela rua das Man-gueiras, na direção de Botafogo, onde residia; Camilo desceu pela da Guarda Velha, olhando de passagem para a casa da cartomante.

Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura, e nenhuma explicação das origens. Vamos a ela. Os dois primeiros eram amigos de infância. Vilela seguiu a carreira de magistrado. Ca-milo entrou no funcionalismo, contra a vontade do pai, que queria vê-lo médico; mas o pai morreu, e Camilo preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou um emprego público. No princípio de 1869, voltou Vilela da província, onde casara com

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uma dama formosa e tonta; abandonou a magistratura e veio abrir banca de advogado. Camilo arranjou-lhe casa para os lados de Botafogo, e foi a bordo recebê-lo.

— É o senhor? exclamou Rita, estendendo-lhe a mão. Não imagina como meu marido é seu amigo; falava sempre do se-nhor.

Camilo e Vilela olharam-se com ternura. Eram amigos de-veras. Depois, Camilo confessou de si para si que a mulher do Vilela não desmen-tia as cartas do marido. Realmente, era gra-ciosa e viva nos gestos, olhos cálidos, boca fina e interrogativa. Era um pouco mais velha que ambos: contava trinta anos, Vilela vinte e nove e Camilo vinte e seis. Entretanto, o porte grave de Vilela fazia-o parecer mais velho que a mulher, enquanto Cami-lo era um ingênuo na vida moral e prática. Faltava-lhe tanto a ação do tempo, como os óculos de cristal, que a natureza põe no berço de alguns para adiantar os anos. Nem experiência, nem intuição.

Uniram-se os três. Convivência trouxe intimidade. Pouco de-pois morreu a mãe de Camilo, e nesse desastre, que o foi, os dois mostraram-se grandes amigos dele. Vilela cuidou do enter-ro, dos sufrágios e do inventário; Rita tratou especialmente do coração, e ninguém o faria melhor.

Como daí chegaram ao amor, não o soube ele nunca. A verdade é que gostava de passar as horas ao lado dela; era a sua enfermeira moral, quase uma irmã, mas principalmente era mulher e bonita. Odor di femina: eis o que ele aspirava nela, e em volta dela, para incorporá-lo em si próprio. Liam os mesmos livros, iam juntos a teatros e passeios. Camilo ensinou-lhe as damas e o xadrez e jogavam às noites — ela mal, — ele, para lhe ser agradável, pouco menos mal. Até aí as coisas. Agora a ação da pessoa, os olhos teimosos de Rita, que procuravam muita vez os dele, que os consultavam antes de o fazer ao ma-rido, as mãos frias, as atitudes insólitas. Um dia, fazendo ele anos, recebeu de Vilela uma rica bengala de presente, e de Rita apenas um cartão com um vulgar cumprimento a lápis, e foi então que ele pôde ler no próprio coração; não conseguia arrancar os olhos do bilhetinho. Palavras vulgares; mas há vul-garidades sublimes, ou, pelo menos, deleitosas. A velha caleça de praça, em que pela primeira vez passeaste com a mulher amada, fechadinhos ambos, vale o carro de Apolo. Assim é o homem, assim são as coisas que o cercam.

Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita, como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remor-sos, desejos, tudo sentiu de mistura; mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos! Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada fora, braços

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dados, pisando folgadamente por cima de ervas e pedregu-lhos, sem padecer nada mais que algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro. A confiança e estima de Vilela continuavam a ser as mesmas.

Um dia, porém, recebeu Camilo uma carta anônima, que lhe chamava imoral e pérfido, e dizia que a aventura era sabi-da de todos. Camilo teve medo, e, para desviar as suspeitas, começou a rarear as visitas à casa de Vilela. Este notou-lhe as ausências. Camilo respondeu que o motivo era uma paixão frívola de rapaz. Candura gerou astúcia. As ausências prolon-garam-se, e as visitas cessaram inteiramente. Pode ser que en-trasse também nisso um pouco de amor-próprio, uma intenção de diminuir os obséquios do marido, para tornar menos dura a aleivosia do ato.

Foi por esse tempo que Rita, desconfiada e medrosa, cor-reu à cartomante para consultá-la sobre a verdadeira causa do procedimento de Camilo. Vimos que a cartomante restituiu-lhe a confiança, e que o rapaz repreendeu-a por ter feito o que fez. Correram ainda algumas sema-nas. Camilo recebeu mais duas ou três cartas anônimas, tão apaixonadas, que não podiam ser advertência da virtude, mas despeito de algum pretendente; tal foi a opinião de Rita, que, por outras palavras mal compostas, formulou este pensamento: — a virtude é preguiçosa e avara, não gasta tempo nem papel; só o interesse é ativo e pródigo.

Nem por isso Camilo ficou mais sossegado; temia que o anônimo fosse ter com Vilela, e a catástrofe viria então sem remédio. Rita concordou que era possível.

— Bem, disse ela; eu levo os sobrescritos para comparar a letra com a das cartas que lá aparecerem; se alguma for igual, guardo-a e rasgo-a...

Nenhuma apareceu; mas daí a algum tempo Vilela come-çou a mostrar-se sombrio, falando pouco, como desconfiado. Rita deu-se pressa em dizê-lo ao outro, e sobre isso delibera-ram. A opinião dela é que Camilo devia tornar à casa deles, tatear o marido, e pode ser até que lhe ouvisse a confidência de algum negócio particular. Camilo divergia; aparecer depois de tantos meses era confirmar a suspeita ou denúncia. Mais valia acautelarem-se, sacrificando-se por algumas semanas. Combi-naram os meios de se corresponderem, em caso de necessida-de, e separaram-se com lágrimas.

No dia seguinte, estando na repartição, recebeu Camilo este bilhete de Vilela: “Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora”. Era mais de meio-dia. Camilo saiu logo; na rua, advertiu que teria sido mais natural chamá-lo ao escritório; por que em casa? Tudo indicava matéria especial, e a letra, fosse realidade ou ilusão, afigurou-se-lhe trêmula. Ele combinou to-das essas coisas com a notícia da véspera.

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— Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora, — repetia ele com os olhos no papel.

Imaginariamente, viu a ponta da orelha de um drama, Rita subjugada e lacrimosa, Vilela indignado, pegando da pena e escrevendo o bilhete, certo de que ele acudiria, e esperando--o para matá-lo. Camilo estremeceu, tinha medo: depois sorriu amarelo, e em todo caso repugnava-lhe a idéia de recuar, e foi andando. De caminho, lembrou-se de ir a casa; podia achar algum recado de Rita que lhe explicasse tudo. Não achou nada, nem ninguém. Voltou à rua, e a idéia de estarem descobertos parecia-lhe cada vez mais verossímil; era natural uma denúncia anônima, até da própria pessoa que o ameaçara antes; podia ser que Vilela conhecesse agora tudo. A mesma suspensão das suas visitas, sem motivo aparente, apenas com um pretexto fútil, viria confirmar o resto.

Camilo ia andando inquieto e nervoso. Não relia o bilhete, mas as palavras estavam decora-das, diante dos olhos, fixas; ou então, — o que era ainda pior, — eram-lhe murmuradas ao ouvido, com a própria voz de Vilela. “Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora.” Ditas assim, pela voz do outro, tinham um tom de mistério e ameaça. Vem já, já, para quê? Era perto de uma hora da tarde. A comoção crescia de minuto a minuto. Tanto imaginou o que se iria passar, que chegou a crê-lo e vê-lo. Positivamente, tinha medo. Entrou a cogitar em ir armado, considerando que, se nada houvesse, nada perdia e a precaução era útil. Logo depois rejeitava a idéia, vexado de si mesmo, e seguia, picando o passo, na direção do largo da Carioca, para entrar num tílburi. Chegou, entrou e mandou seguir a trote largo.

— Quanto antes, melhor, pensou ele; não posso estar as-sim...

Mas o mesmo trote do cavalo veio agravar-lhe a comoção. O tempo voava, e ele não tardaria a entestar com o perigo. Quase no fim da rua da Guarda Velha, o tílburi teve de parar; a rua estava atravancada com uma carroça, que caíra. Camilo, em si mesmo, estimou o obstáculo, e esperou. No fim de cinco minutos, reparou que ao lado, à esquerda, ao pé do tílburi, ficava a casa da cartomante, a quem Rita consultara uma vez, e nunca ele desejou tanto crer na lição das cartas. Olhou, viu as janelas fechadas, quando todas as outras estavam abertas e pejadas de curiosos do incidente da rua. Dir-se-ia a morada do indiferente Destino.

Camilo reclinou-se no tílburi, para não ver nada. A agita-ção dele era grande, extraordinária, e do fundo das camadas morais emergiam alguns fantasmas de outro tempo, as velhas crenças, as superstições antigas. O cocheiro propôs-lhe vol-tar a primeira travessa, e ir por outro caminho; ele respondeu que não, que esperasse. E inclina-va-se para fitar a casa... Depois

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fez um gesto incrédulo: era a idéia de ouvir a cartomante, que lhe passava ao longe, muito longe, com vastas asas cinzentas; desapareceu, reapareceu, e tornou a esvair-se no cérebro; mas daí a pouco moveu outra vez as asas, mais perto, fazendo uns giros concêntricos... Na rua, gritavam os homens, safando a carroça:

— Anda! agora! empurra! vá! vá!

Daí a pouco estaria removido o obstáculo. Camilo fechava os olhos, pensava em outras coisas; mas a voz do marido sus-surrava-lhe às orelhas as palavras da carta: “Vem já, já...” E ele via as contorções do drama e tremia. A casa olhava para ele. As pernas queriam descer e entrar... Camilo achou-se diante de um longo véu opaco... pensou rapidamente no inexplicável de tantas coisas. A voz da mãe repetia-lhe uma porção de ca-sos extraordinários, e a mesma frase do príncipe de Dinamarca reboava-lhe dentro: “Há mais coisas no céu e na terra do que sonha a filosofia...” Que perdia ele, se...?

Deu por si na calçada, ao pé da porta; disse ao cocheiro que esperasse, e rápido enfiou pelo corredor, e subiu a escada. A luz era pouca, os degraus comidos dos pés, o corrimão pe-gajoso; mas ele não viu nem sentiu nada. Trepou e bateu. Não aparecendo ninguém, teve idéia de descer; mas era tarde, a curiosidade fustigava-lhe o sangue, as fontes latejavam-lhe; ele tornou a bater uma, duas, três pancadas. Veio uma mulher; era a cartomante. Camilo disse que ia consultá-la, ela fê-lo entrar. Dali subiram ao sótão, por uma escada ainda pior que a primei-ra e mais escura. Em cima, havia uma salinha, mal alumiada por uma janela, que dava para o telhado dos fundos. Velhos trastes, paredes sombrias, um ar de pobreza, que antes aumen-tava do que destruía o prestígio.

A cartomante fê-lo sentar diante da mesa, e sentou-se do lado oposto, com as costas para a janela, de maneira que a pouca luz de fora batia em cheio no rosto de Camilo. Abriu uma gaveta e tirou um baralho de cartas compridas e enxova-lhadas. Enquanto as baralhava, rapidamente, olhava para ele, não de rosto, mas por baixo dos olhos. Era uma mulher de quarenta anos, italiana, morena e magra, com grandes olhos sonsos e agudos. Voltou três cartas sobre a mesa, e disse-lhe:

— Vejamos primeiro o que é que o traz aqui. O senhor tem um grande susto...

Camilo, maravilhado, fez um gesto afirmativo.

— E quer saber, continuou ela, se lhe acontecerá alguma coisa ou não...

— A mim e a ela, explicou vivamente ele.

A cartomante não sorriu; disse-lhe só que esperasse. Rápido pegou outra vez das cartas e baralhou-as, com os longos de-dos finos, de unhas descuradas; baralhou-as bem, transpôs os

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maços, uma, duas, três vezes; depois começou a estendê-las. Camilo tinha os olhos nela, curioso e ansioso.

— As cartas dizem-me...

Camilo inclinou-se para beber uma a uma as palavras. Então ela declarou-lhe que não tivesse medo de nada. Nada aconteceria nem a um nem a outro; ele, o terceiro, ignorava tudo. Não obstante, era indispensável muita cautela; ferviam invejas e despeitos. Falou-lhe do amor que os ligava, da beleza de Rita... Camilo estava deslumbrado. A cartomante acabou, recolheu as cartas e fechou-as na gaveta.

— A senhora restituiu-me a paz ao espírito, disse ele esten-dendo a mão por cima da mesa e apertando a da cartomante.

Esta levantou-se, rindo.

— Vá, disse ela; vá, ragazzo innamorato...

E de pé, com o dedo indicador, tocou-lhe na testa. Camilo estremeceu, como se fosse a mão da própria sibila, e levanto-se também. A cartomante foi à cômoda, sobre a qual estava um prato com passas, tirou um cacho destas, começou a despencá--las e comê-las, mostrando duas fileiras de dentes que desmen-tiam as unhas. Nessa mesma ação comum, a mulher tinha um ar particular. Camilo, ansioso por sair, não sabia como pagas-se; ignorava o preço.

— Passas custam dinheiro, disse ele afinal, tirando a cartei-ra. Quantas quer mandar buscar?

— Pergunte ao seu coração, respondeu ela.

Camilo tirou uma nota de dez mil-réis, e deu-lha. Os olhos da cartomante fuzilaram. O preço usual era dois mil-réis.

— Vejo bem que o senhor gosta muito dela... E faz bem; ela gosta muito do senhor. Vá, vá tranquilo. Olhe a escada, é escura; ponha o chapéu...

A cartomante tinha já guardado a nota na algibeira, e des-cia com ele, falando, com um leve sotaque. Camilo despediu-se dela embaixo, e desceu a escada que levava à rua, enquanto a cartomante, alegre com a paga, tornava acima, cantarolando uma barcarola. Camilo achou o tílburi esperando; a rua estava livre. Entrou e seguiu a trote largo.

Tudo lhe parecia agora melhor, as outras coisas traziam ou-tro aspecto, o céu estava límpido e as caras joviais. Chegou a rir dos seus receios, que chamou pueris; recordou os termos da carta de Vilela e reconheceu que eram íntimos e familiares. Onde é que ele lhe descobrira a ameaça? Advertiu também que eram urgentes, e que fizera mal em demorar-se tanto; podia ser algum negócio grave e gravíssimo.

— Vamos, vamos depressa, repetia ele ao cocheiro.

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E consigo, para explicar a demora ao amigo, engenhou qualquer coisa; parece que formou também o plano de aprovei-tar o incidente para tornar à antiga assiduidade... De volta com os planos, reboavam-lhe na alma as palavras da cartomante. Em verdade, ela adivinhara o objeto da consulta, o estado dele, a existência de um terceiro; por que não adivinharia o resto? O presente que se ignora vale o futuro. Era assim, lentas e contínu-as, que as velhas crenças do rapaz iam tornando ao de cima, e o mistério empolgava-o com as unhas de ferro. Às vezes queria rir, e ria de si mesmo, algo vexado; mas a mulher, as cartas, as palavras secas e afirmativas, a exortação: — Vá, vá, ragazzo innamorato; e no fim, ao longe, a barcarola da despedida, len-ta e graciosa, tais eram os elementos recentes, que formavam, com os antigos, uma fé nova e vivaz.

A verdade é que o coração ia alegre e impaciente, pen-sando nas horas felizes de outrora e nas que haviam de vir. Ao passar pela Glória, Camilo olhou para o mar, estendeu os olhos para fora, até onde a água e o céu dão um abraço infinito, e teve assim uma sensação do futuro, longo, longo, interminável.

Daí a pouco chegou à casa de Vilela. Apeou-se, empurrou a porta de ferro do jardim e entrou. A casa estava silenciosa. Subiu os seis degraus de pedra, e mal teve tempo de bater, a porta abriu-se, e apareceu-lhe Vilela.

— Desculpa, não pude vir mais cedo; que há?

Vilela não lhe respondeu; tinha as feições decompostas; fez-lhe sinal, e foram para uma saleta interior. Entrando, Camilo não pôde sufocar um grito de terror: — ao fundo, sobre o canapé, estava Rita morta e ensanguentada. Vilela pegou-o pela gola, e, com dois tiros de revólver, estirou-o morto no chão.

[ASSIS, 1976, p. 75-80]

Conversando sobre o conto“Em termos de valor literário, o conto brasileiro, no século XIX, atingiu seu ponto mais alto com Machado de Assis. Dotado de grande talento para a história curta, Machado escreveu um grande número de contos, e alguns deles são verdadeiras obras-primas de análise do comportamento hu-mano.” (TUFANO, 1995, p. 162)

Como falamos, e você percebeu a partir a leitura do conto, A Car-tomante é a história de um adultério, um dos temas preferidos de Ma-chado de Assis, e através do que é traçado um painel da sociedade burguesa em ascensão. Trata-se de um triângulo amoroso entre Rita e

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dois amigos, Camilo e Vilela, o que confirma a tendência realista de ridicularizar e minar a instituição casamento, tão cultuada no Roman-tismo. Este conto faz parte do livro Várias Histórias, publicado, como vimos, em 1896, em plena maturidade do escritor.

Atividade IINeste conto, podemos perceber uma série de características próprias de Machado de Assis. Vou citar algumas e sua tarefa será a de localizá-las em passagens da história machadiana. Em seguida, tecer um breve comentário sobre cada uma dessas passagens, explorando a respectiva característica.

a) A ironia machadiana.

b) Denúncia da hipocrisia.

c) Dissimulação da personagem.

d) Análise psicológica do personagem.

e) Interrupção da narrativa para conversar com o leitor.

f) Influência das leituras realizadas pelo autor.

E a propósito...Para encerrarmos o assunto desta aula (por falta de mais espaço e

tempo, não de informações, que as teríamos aos magotes), encontrei uma interessante “entrevista” com Machado de Assis, imaginada por Douglas Tufano, que transcrevo aqui, a título de curiosidade.

Machado de Assis foi a maior figura literária brasileira do século XIX. Quais seriam suas opiniões sobre amor, dinheiro, política, literatura, mulheres? Para satisfazer a sua curiosidade, imagina-mos uma “entrevista” com o famoso escritor. Todas as respostas foram extraídas de textos que ele escreveu ao longo da vida (crônicas, ensaios, artigos, romances, contos etc.).

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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PERGUNTA: Vamos começar com um tema muito explorado em sua obra: o amor. O que é o amor?

MACHADO: A melhor definição do amor não vale um beijo de moça enamorada.

PERGUNTA: Mas o amor muda muito as pessoas, não?

MACHADO: Não há como a paixão do amor para fazer original o que é comum, e novo o que morre de velho.

PERGUNTA: O senhor disse certa vez que as mulheres parecem ter uma queda especial pelos tolos, parecem gostar mais deles que dos homens de espírito. Por que o senhor tem essa opinião?

MACHADO: O homem de espírito é o menos hábil para escrever a uma mulher. Quando se arrisca a escrever uma carta, sente dificuldades incríveis. Quer ser reservado e parece frio; quer dizer o que espera e indica receio; confessa que nada tem para agradar e é apanhado pela palavra. Comete o crime de não ser comum ou vulgar. O tolo é fortíssimo em correspondência amorosa e tem consciência disso. Longe de recuar diante da remessa de uma carta, é muitas vezes por aí que ele começa. Tem uma coleção de cartas prontas para todos os graus de pai-xão. Alega nelas em linguagem brusca o ardor de sua chama; a cada palavra repete: meu anjo, eu vos adoro. As suas fórmulas são enfáticas e chatas; nada que indique uma personalidade. Não faz suspeitar excentricidade ou poesia; é quanto basta; é medíocre e ridículo, tanto melhor. Efetivamente o estranho que ler as suas missivas, nada tem a dizer; na mocidade, o pai da menina escrevia assim; a própria menina não esperava outra coisa. Todos estão satisfeitos, até os amigos. Que querem mais?

PERGUNTA: E quanto à amizade?

MACHADO: Não te irrites se te pagarem mal um benefício; antes cair das nuvens que de um terceiro andar.

PERGUNTA: O homem não é capaz de solidariedade?

MACHADO: Suporta-se com paciência a cólica do próximo.

PERGUNTA: Na sua opinião, o homem se deixa influenciar bas-tante pelo dinheiro?

MACHADO: O dinheiro faz ouvir os surdos e ensurdecer os que ouvem bem.

PERGUNTA: O dinheiro seria capaz de consolar os homens?

MACHADO: Bem-aventurados os que possuem porque eles serão consolados.

PERGUNTA: Mesmo em família, o dinheiro seria capaz de pertur-bar as relações entre as pessoas?

MACHADO: Há dessas lutas terríveis na alma de um homem. Não, ninguém sabe o que se passa no interior de um sobrinho, tendo de chorar a morte de um tio e receber-lhe a herança. Oh,

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contraste maldito! Aparentemente tudo se recomporia, desistin-do o sobrinho do dinheiro herdado; ah! mas então seria chorar duas coisas: o tio e o dinheiro.

PERGUNTA: O senhor viveu na época da escravidão e soube de muitas fugas de escravos. Por que eles fugiam tanto?

MACHADO: Há meio século os escravos fugiam com frequência. Eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem pancada, e nem todos gostavam de apanhar pancada. Grande parte era apenas repreendida; havia alguém em casa que servia de padrinho, e o mesmo dono não era mau; além disso, o sentimento da propriedade modera-va a ação, porque dinheiro também dói.

PERGUNTA: O senhor gosta de observar o comportamento das pessoas?

MACHADO: Eu gosto de catar o mínimo e o escondido. Onde ninguém mete o nariz, aí entra o meu, com a curiosidade estrei-ta e aguda que descobre o encoberto.

PERGUNTA: Além de escritor, o senhor foi também crítico literário por muito tempo. Como é ser crítico?

MACHADO: Exercer a crítica afigura-se a alguns que é uma fá-cil tarefa, como a outros parece igualmente fácil a tarefa do legislador; mas, para a representação literária, como para a representação política, é preciso ter alguma coisa mais que um simples desejo de falar à multidão. Infelizmente é a opinião con-trária que domina, e a crítica, desamparada pelos esclarecidos, é exercida pelos incompetentes.

PERGUNTA: Que qualidades deve ter o crítico?

MACHADO: Não compreendo o crítico sem consciência. A ciência e a consciência, eis as duas condições principais para exercer a crítica.

PERGUNTA: Gostaríamos de saber suas opiniões políticas. O que o senhor acha da democracia?

MACHADO: É uma santa coisa a democracia, não a democracia que faz viver os espertos, a democracia do papel e da palavra, mas a democracia praticada honestamente, regularmente, sin-ceramente. Quando ela deixa de ser sentimento para ser sim-plesmente forma, quando deixa de ser ideia para ser simples-mente feitio, nunca será democracia, será espertocracia, que é sempre o governo de todos os feitios e de todas as formas.

PERGUNTA: Falando de uma forma mais prática: o que devem fazer os nossos vereadores?

MACHADO: A câmara, para bem desempenhar os seus deveres e levantar a instituição do abatimento em que jaz, deve observar três preceitos: 1º) Cuidar do município; 2º) Cuidar do municí-pio; 3º) Cuidar do município. Se fizer isso, terá cumprido um

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dever, sem que daí lhe resulte nenhum direito à menor parcela de louvor, e contribuirá com o exemplo para que as câmaras futuras entrem no verdadeiro caminho de que, tão infelizmente, se hão desviado.

PERGUNTA: Se o senhor pudesse organizar o mundo a sua ma-neira, o que faria?

MACHADO: Qualquer de nós teria organizado este mundo melhor do que saiu. A morte, por exemplo, bem podia ser tão-somente a aposentadoria da vida, com prazo certo. Ninguém iria por moléstia ou desastres, mas por natural invalidez; a velhice, tor-nando a pessoa incapaz, não a poria a cargo dos seus ou dos outros. Como isto andaria assim desde o princípio das coisas, ninguém sentiria dor nem temor, nem os que se fossem, nem os que ficassem. Podia ser uma cerimônia doméstica ou pública; entraria nos costumes uma refeição de despedida, frugal, não triste, em que os que iam morrer dissessem as saudades que levavam, fizessem recomendações, dessem conselhos, e se fos-sem alegres, contassem anedotas alegres. Muitas flores, não perpétuas, nem dessas outras de cores carregadas, mas claras e vivas, como de núpcias. E melhor seria não haver nada, além das despedidas verbais e amigas...

PERGUNTA: O senhor viveu bastante e viu muitas coisas. Que balanço faz dessas experiências?

MACHADO: Tudo isto cansa, tudo isto exaure. Este sol é o mesmo sol, debaixo do qual, segundo uma palavra antiga, nada existe que seja novo. A lua não é outra lua. O céu azul ou embrus-cado, as estrelas e as nuvens, o galo da madrugada, é tudo a mesma coisa. Lá vai um para a banca da advocacia, outro para o gabinete médico; este vende, aquele compra, aquele outro empresta, enquanto a chuva cai ou não cai, e o vento sopra o não; mas sempre o mesmo vento e a mesma chuva. Tudo isto cansa, tudo isto exaure.

[TUFANO, 1995, p. 174-175]

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Sugestões de filmes A Cartomante (1974)

O mesmo conto é narrado em duas épocas dife-rentes: no Brasil do Segundo Império e nos dias atuais. O filme é a história de Camilo, Vilela e Rita. Vilela e Rita são casados e Camilo é o seu melhor amigo, tornando-se amante da mulher, um pouco mais nova do que ele. A relação entre os

dois transcorre sem maiores problemas até que chega o primeiro bilhe-te anônimo. Rita suspeita que o afastamento de Camilo seja causado por indiferença. Consulta uma cartomante e esta lhe diz que pode con-fiar que tudo vai bem. É a mesma cartomante que Camilo irá procurar antes do encontro marcado por Vilela. Elenco: Maurício do Valle, Ítala Nandi, Ivan Cândido, Lúcia Lage, Célia Maracajá, Valmir Dulcetti, Paulo César Pereio. Direção: Marcos Faria. Duração: 84 min.

A causa secreta (1994)Grupo teatral que monta peça faz, como laboratório, pesquisa sobre a miséria no país. Nas filas do INPS, hospitais públicos e nas próprias ruas, eles encontram um sentimento cada vez mais indiferente à dor e à humilhação dos marginalizados. Base-ado livremente em conto de Machado de

Assis. Elenco: Renato Borghi, Rosi Campos, José Rubens Chachá, Lígia Cortez, Ester Goes, Elisa Lucinda, Cláudia Mello, Luiz Ramalho, Rogé-ria, Rodrigo Santiago. Direção: Sergio Bianchi. Duração: 93 min.

Azyllo muito louco (1969)Numa província à beira-mar, no século 19, o padre constrói um asilo para abrigar os loucos. Os poderosos do local voltam-se contra o padre em virtude da enorme quan-tidade de paroquianos internados como lou-cos. O padre reconsidera a situação e pro-põe que fiquem no asilo apenas os sãos.

Elenco: Isabel Ribeiro, Nildo Parente, Arduino Colassanti, Irene Stefânia, Manfredo Colassanti, Nelson Dantas, Ana Maria Magalhães, José Kle-ber, Gabriel Arcanjo. Direção: Nelson Pereira dos Santos. Duração: 100 min.

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ResumoNos contos machadianos, revela-se uma sociedade habitada por se-

res solitários capazes de alcançar tão somente uma felicidade mesqui-nha. A vida desenrola-se como alguma coisa que escapa ao controle dos personagens, alheia a suas vontades. A sociedade de convenções a todos esmaga e a eles impõe vidas inautênticas, vazias. O contador de casos, que se distancia, numa postura literária de observador, e revela uma visão abrangente da sociedade do Segundo Império e da Primeira República, faz do leitor uma presença constante em suas narrativas. É como se a ironia que destila em seus períodos curtos e marcantes fosse resultante do distanciamento procurado para a observação e devesse ser partilhada com o leitor, com o qual divide observações e do qual cobra o mesmo não-envolvimento. Machado de Assis mostra extrema habilidade na elaboração de seus contos de observação e psicológicos, com foco narrativo autobiográfico, em que o ponto de vista do personagem narra-dor e suas motivações tornam-se exclusivas. A ironia vai-se expandindo não só na análise dos hábitos sócio-culturais da sociedade do Rio de Ja-neiro, mas na observação da própria natureza humana, apresentada em seus vícios e limitações permanentes. A apresentação dos personagens atende ao desenvolvimento dessa que foi a sua temática mais constante e se projeta no aspecto psicológico que os revela.

[http://www.cce.ufsc.br/~nupill/ensino/oconto_machad.htm]

AutoavaliaçãoCom o objetivo de se autoavaliar, no que se relaciona à presente aula, você pode observar se conseguiu:

• identificar os elementos que compõe o gênero literário conto;

• perceber o estilo machadiano de escrever pequenas histórias, identificando-lhes as características mais marcantes;

• analisar o conto machadiano como uma leitura reflexiva e psicológica da sociedade burguesa brasileira do final do século XIX.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Referências

ASSIS, Machado de. Contos. Seleção de Deomira Stefani. 5. ed. São Paulo: Ática, 1976

D’ONOFRIO, Salvatore. Teoria do texto 1 – Prolegômenos e teoria da narrativa. 2. ed. São Paulo: Ática, 1995.

GOTLIB, Nádia Battella. Teoria do Conto. São Paulo: Ática, 1998

TUFANO, Douglas. Estudos de Literatura Brasileira. 5. ed. São Paulo: Moderna, 1995

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V UNIDADE

Naturalismo

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ApresentaçãoTendência das artes plásticas, da literatura e do teatro,

surgida na França, na segunda metade do século XIX, o Na-turalismo manifesta-se também em outros países europeus, nos Estados Unidos e no Brasil. Baseia-se na filosofia de que só as leis da natureza são válidas para explicar o mundo e de que o homem está sujeito a um inevitável condicionamento biológico e social. As obras retratam a realidade de forma ainda mais objetiva e fiel do que no realismo, baseando-se na minuciosa observação da realidade e na experimenta-ção. Por isso, o naturalismo é considerado uma radicaliza-ção desse movimento.

A pintura, por exemplo, dedica-se a retratar fielmente paisagens urbanas e suburbanas, nas quais os personagens são pessoas comuns. O artista pinta o mundo como o vê, sem as idealizações e distorções feitas pelo realismo para expor posições ideológicas.

Vamos ter a oportunidade de presenciar, neste movimen-to literário, o chamado romance de tese, que tem sempre uma finalidade didática e normativa ao procurar demonstrar a validade de uma versão do mundo sedimentada numa dou-trina política, social, filosófica, religiosa, através da história que conta. Aqui, o narrador não é apenas o contador da história, mas principalmente o intérprete do seu significado.

No Brasil, o principal autor naturalista é Aluizio Azevedo, a quem conheceremos com mais detalhes na próxima aula. É considerado o início oficial dessa escola no Brasil a publi-cação de seu romance O Mulato, em 1881, mesmo ano em que Machado de Assis publicava Memórias Póstumas de Brás Cubas, iniciando o Realismo. Assim, mais do que movimen-tos complementares, no Brasil eles tiveram início juntos.

Na aula de hoje, daremos uma volta pelo mundo, para entender melhor o que aconteceu na gênese do Naturalis-mo, chegando, em seguida, ao Brasil, a fim de prepararmos caminho para entender com mais nitidez os romances aze-vedianos.

Vamos lá?!

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Objetivos

É nosso desejo que, ao final desta unidade, você consiga:

• identificar os principais acontecimentos sociais, que determina-ram a instalação e consolidação do Naturalismo na literatura;

• observar a extensão da importância das ciências biológicas e sociais e sua influência nos textos literários da época;

• distinguir as características naturalistas das realistas, através de um esmiuçar daquelas;

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Texto 1Inicialmente, gastaremos algum tempo refletindo sobre como se

deu o confronto e a junção de teorias científicas que terminaram por gerar uma literatura altamente cientificista. Para isso, leremos o trecho de um texto do crítico literário Afrânio Coutinho (COUTINHO, 1988, p. 181-185)

O grupo de correntes aqui estudadas ocupa uma época cul-tural da maior relevância no Brasil, a segunda metade do sécu-lo XIX. Por circunstâncias históricas, nacionais e internacionais, coincidindo com o advento da civilização burguesa, democráti-ca, industrial e mecânica, e como a nova penetração da ciência no mundo das ideias e da prática por meio da biologia, os valores que a representam produziram um impacto tão grande no espírito ocidental, que o dominaram quase por completo, mormente no Brasil, onde recalcaram de todo para um plano secundário a tendência oposta, ao ponto de quase não se notar a presença contemporânea do Simbolismo, cuja importância só muito mais tarde, praticamente em nossos dias, foi notada e registrada.

O sistema de ideias e normas que caracterizou aquela épo-ca exerceu tal influência no Brasil dos fins do século XIX e co-meços do XX, que a sua marca até hoje ainda se faz notar em muitos espíritos. Daí a importância da época e a necessidade de uma redefinição geral, indispensável à devida compreensão de sua expressão literária.

De modo geral, 1870 marca no mundo uma revolução nas ideias e na vida, que levou os homens para o interesse e a devoção pelas coisas materiais. Uma geração apossou-se da direção do mundo, possuída daquela fé especial nas coisas ma-teriais. É a “geração do materialismo”, como a denominou, em um livro esplêndido, o historiador americano Carlton Hayes. A revolução ocorreu primeiro no espírito e no pensamento dos homens e daí passou à sua vida, ao seu mundo e aos seus valores. Intelectualmente, a elite apaixonou-se do darwinismo e da ideia da evolução, herança do romantismo e, de filosofia, o darwinismo tornou-se quase uma religião; o liberalismo cresceu e deu os seus frutos, nos planos político e econômico; o mundo e o pensamento mecanizaram-se, a religião tradicional recebeu um feroz assalto do livre-pensamento1. Essa era do materialismo (1870-1900) foi uma continuação do iluminismo2 e do enciclo-pedismo3 do século XVIII e da Revolução4, acreditou no “progres-so” indefinido e ascensional e no desenvolvimento constante da civilização mecânica e industrial. Acreditou no impulso hu-manitário, conciliando a educação da massa e o socialismo5 com o culto do poder político e da glória militar e nacional. As massas emergiram ao plano histórico, de posse dos progressos

1 Livre-pensamento: proposta libertária con-tra dogmas e restrições às indagações de toda e qualquer natureza (religiosa, filosó-fica, política, científica etc.).

2 Iluminismo: conceito que sintetiza diver-sas tradições filosóficas, sociais, políticas, correntes intelectuais e atitudes religio-sas; uma atitude geral de pensamento e de ação. Os iluministas admitiam que os seres humanos estão em condição de tornar este mundo melhor, mediante introspecção, livre exercício das capacidades humanas e do engajamento político-social.

3 Enciclopedismo: movimento filosófico-cul-tural desenvolvido na França e que buscava catalogar todo o conhecimento humano a partir dos novos princípios da razão.

4 Revolução [Francesa]: conjunto de acon-tecimentos que, entre 1789 e 1799, altera-ram o quadro político e social da França. Em causa estavam o Antigo Regime (Ancien Ré-gime) e a autoridade do clero e da nobreza. Foi influenciada pelos ideais do Iluminismo e está entre as maiores revoluções da histó-ria da humanidade.

5 Socialismo: refere-se a qualquer uma das várias teorias de organização econômica defendendo a propriedade pública ou cole-tiva e administração dos meios de produção e distribuição de bens, e de uma sociedade caracterizada pela igualdade de oportuni-dades/meios para todos os indivíduos.

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materiais e políticos. A ciência, o espírito de observação e de rigor, forneciam os padrões do pensamento e do estilo de vida, desde que se julgava que todos os fenômenos eram explicáveis em termos de matéria e energia, e eram governados por leis matemáticas e mecânicas. O vasto processo de “mecanização do trabalho e do pensamento” (Hayes) refletiu-se tanto na vida material como nas diversas ciências – físicas, naturais, biológi-cas, sociais.

A biologia, com a teoria determinista, e sua promessa de melhoria de saúde e raça, conquistou uma voga dominadora. Problemas de hereditariedade, de embriologia, de estrutura ce-lular, de bacteriologia, seduziram os espíritos. O darwinismo, a evolução e a doutrina da seleção natural imprimiram direção às pesquisas não somente da biologia, mas também da psicologia e das ciências sociais. Outro dado importante foi a ascensão da psicologia científica com seus métodos de laboratório, mais um elo da cadeia de união da biologia com a física, para mostrar a base física do pensamento, da conduta e da afinidade do homem com os animais (Hayes).

Foram enormes e profundas as repercussões desse clima espiritual nas ciências sociais. Para a geração que entrava na maioridade intelectual em 1870, o positivismo de Augus-to Comte, que vinha dos anos de 30 a 40, oferecia singular atração, sintônico que era com o espírito da época. Repelin-do qualquer explicação última, qualquer finalismo teológico ou metafísico e concentrado sobre o fatualismo científico, exaltou a ciência social ou sociologia, como a rainha das ciências, dan-do-lhe como métodos e princípios os mesmos que caracterizam as ciências físicas. Os estudos sociológicos, dirigidos pelo po-sitivismo, orientaram-se para a coleta e fatos, sintetizando-os e formulando leis e tendências para explicar a conduta e evolu-ção da sociedade humana.

Spencer viu a sociedade como um organismo em evolução, e a luta pela existência como um constante antagonismo entre as forças sociais. Os historiadores esposaram os pontos de vista da sociologia, e interpretaram a história como a resultante de movimentos sociais, de evolução de forças e instituições sociais, e procuraram salientar a influência do fenômeno econômico e buscar a origem das sociedades atuais nos troncos primitivos.

A partir do momento em que se constituiu a ciência social, que Comte batizou de sociologia e Spencer emancipou, ela re-cebeu o impacto de outras ciências, por um fenômeno muito comum que é a aplicação dos métodos e princípios de uma a outra. As ciências sociais aliaram-se às ciências naturais, físicas e biológicas: economia, sociologia, estatística, biologia, psico-logia, ciências naturais, geografia, antropologia e etnografia. Interrelacionaram-se no estudo dos fatos humanos e sociais, consoante os postulados do positivismo de Comte. E geraram o

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evolucionismo de Spencer, o ambientalismo de Taine, o mate-rialismo psicológico de Wundt e Lombroso.

Assim, o acontecimento mais importante da história da cul-tura no século XIX foi a convergência da biologia e da sociolo-gia, que derramou por toda a parte, na observação e interpre-tação da vida, a atitude evolucionista. A revolução biológica efetuada por Darwin, que destarte reforçou a tendência histori-cizante do espírito romântico, colocou a biologia num posto de direção do pensamento, mudando as concepções e os métodos científicos, no sentido naturalista: o homem foi integrado no ambiente natural com origem e história natural. Ao receber o impulso da biologia, graças a Comte e Spencer, as ciências so-ciais tomaram-lhe seus conceitos e analogias. As leis científicas passaram a ser deduzidas do princípio fundamental da evolu-ção. Concebeu-se o mundo como um processo de crescimento e evolução. A ideia de evolução espalhou-se largamente como a maior e a mais sedutora das crenças românticas. É o novo ideal científico, a noção revolucionária do século, cuja presença é constante na sua vida intelectual e nas crenças dos homens. A sociedade foi encarada, sob o influxo da biologia, como um organismo composto de células em funcionamento harmônico e obedecendo às leis biológicas de crescimento e morte. Ao in-teresse pela história do passado, pela tradição, característico do romantismo, acrescentaram-se a atitude biológica e o método evolucionista, a ideia de mudança e desenvolvimento contínuo, de evolução e progresso. Do senso romântico da importância do tempo, do passado e das origens, transitou-se naturalmente para a noção de crescimento e desenvolvimento de evolução e progresso. Em suma, pela metade do século, a biologia e a sociologia coligaram-se na ideia de evolução, em consequên-cia do trabalho de Darwin, Comte e Spencer, e o darwinismo biológico e social sintonizado com teorias mecanicistas e mate-rialistas em física e química tiveram seu ponto alto em Haeckel, cuja popularidade foi enorme. Os princípios mecanicistas de explicação penetraram nas ciências do homem e da sociedade, reduzindo os processos de vida a fórmulas químicas.

Outro resultado dessa convergência da biologia e das ci-ências sociais foi o relevo dado a estoutra ideia essencial do darwinismo, a de que “as circunstâncias externas determinam rigidamente a natureza dos seres vivos, inclusive o homem, e de que nem a vontade, nem a razão podem agir independente-mente do seu condicionamento passado” (Hayes). É a noção da onipotência do ambiente. O homem é parte integrante da or-dem natural, e seu corpo tanto quanto seu espírito se desenvol-vem e atuam debaixo de seu condicionamento total e inevitável. (...) Nesse ponto, a influência de Taine, inclusive ou sobretudo no Brasil, é avassaladora.

(...)

Caricatura de Charles Darwin, o chamado Pai da Teoria do EvolucionismoFonte: http://abrancoalmeida.files.wordpress.com/2009/02/caricatura_de_darwin.jpg?w=510

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A infusão dessa concepção [materia-lista] na literatura fez-se pelo Naturalismo, ou, por outras palavras, o Naturalismo foi o movimento que deu forma literária àque-las teorias. No romance, Zola transformou as suas personagens em títeres, sem livre-arbítrio, a que um ambiente e uma força hereditária inelutavelmente imprimiam caráter, ações, destino. Na crítica, Taine reduziu a interpretação das obras de arte à compreensão do meio, da raça, do mo-mento em que se produziram.

Esse cientificismo comunicou feitio pró-prio ao Naturalismo. (...)

Atividade IBem, deu para perceber a influência das ciências no mundo do final do século XIX, não é mesmo? E o que é interessante é que, mesmo se colocando como oposição ao romantismo, muitas das ideias que geraram essa preocupação científica com o mundo, com a natureza, e suas explicações, brotaram exatamente de modos de pensar românticos. Vamos discutir um pouco isso?

a) A chamada “geração do materialismo”, assim denominada por Hayes, “apossou-se da direção do mundo”, no final do século XIX. Que consequências positivas e negativas você vê disso, para o desenvolvimento, o progresso da humanidade?

b) Que relação você consegue estabelecer entre a Biologia, a Sociologia e a atitude evolucionista? Como podem se relacionar esses três termos e que resultados podemos perceber dessa junção?

c) Como você acha que esses pensamentos tão materialistas e científicos podem ter influenciado a literatura naturalista?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

ÉMILE ZOLA: Em Thérèze Raquin, eu quis estudar tem-peramentos e não caracteres. Escolhi personagens sobe-ranamente dominadas pelos nervos e pelo sangue, des-providas de livre arbítrio, arrastadas a cada ato de sua vida pelas fatalidades da própria carne. O meu objetivo foi acima de tudo científico. (Apud BOSI, 2004, p. 169).

Fonte: http://midnightcowgirlsginormousmovielist.files.wordpress.com/2011/02/zola.jpg

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Sugestão de Leitura O mais interessante nesses estudos é que nem todos os teóricos

partilham das mesmas ideias e teorias. Merece atenção a linha de ra-ciocínio de Nelson Werneck Sodré, que pensa o movimento naturalista como algo pouco autônomo em relação ao Romantismo, o que gera uma literatura instável. Veja o que ele afirma, em determinado trecho do seu texto: “Na apropriação, por parte dos escritores nacionais, as-sim, do processo naturalista, existe uma falsidade transparente, que se disfarça, para salvar a sua contribuição, na minuciosa descrição dos costumes. O que existia de peculiar no naturalismo não poderia encon-trar guarida na literatura brasileira. Na medida em que os nossos natu-ralistas buscam aproximar-se dos modelos externos, perdem em força, ficam isolados, e suas obras não encontram ressonância. Essa aproxi-mação, aqui, fica marcada especialmente no terreno de uma pretensa fisiologia, que reduz o amor a uma relação mecânica e que só alcança o interesse do público por motivos estranhos à literatura.”

Que tal a leitura de todo esse capítulo, para termos uma visão mais ampla do fenômeno naturalista? O capítulo citado faz parte do livro História da Literatura Brasileira, de Nelson Werneck Sodré, e está entre as páginas 381 e 395.

Texto 2Naturalmente, você se lembra do conto (novela para alguns) O Alie-

nista, de Machado de Assis, que citamos na aula passada. Se ainda não o leu, não espere mais; é uma delícia de texto. O professor João Ferreira faz um comentário interessante sobre esse texto machadiano, estudando-o pelo viés naturalista. Vamos acompanhar?

Naturalismo e Arte Literária em O Alienista de Machado de Assis

Entre as obras que marcam a fase realista e naturalista de Machado de Assis está O Alienista. (...)

Machado apresenta como protagonista de seu livro um famo-so psiquiatra. Trata-se de Simão Bacamarte formado nas univer-sidades europeias de Coimbra e Pádua. Terminados os estudos, Simão regressa a Itaguaí, sua terra natal, com a obsessão de “entregar-se de corpo e alma ao estudo da ciência” (pág.5). Ao optar por uma temática científica como nervura central de O Alie-nista, publicado inicialmente no jornal A Estação entre 1881 e 1882 e reeditado depois em Papéis Avulsos em 1882, Machado

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de Assis entra na história literária brasileira, ao lado de Aluísio de Azevedo, autor de O Mulato (1881) como um dos pioneiros do naturalismo brasileiro. Apenas por uma questão de cronologia relativa, Aluísio ainda é considerado autor do primeiro romance naturalista da Literatura Brasileira. Mas nada há contra a hipótese de que os dois autores, Machado e ele, terão escrito seus livros coincidentemente no mesmo ano de 1881. E por isso poderão, se a crítica especializada assim o permitir, ser declarados conjun-tamente os dois primeiros autores de ficção naturalista brasileira, no âmbito dos parâmetros cientificistas e sociológicos anuncia-dos por Taine e praticados por Zola e outros autores franceses.

Se acompanharmos a evolução das raízes da estética natu-ralista pela ordem em que circularam as idéias no século XIX e consequente influência no movimento cientista e naturalista, te-mos estes grandes nomes na ordem cronológica da produção. O primeiro a ser considerado é sem dúvida, o de Augusto Comte (1798-1857), fundador do Positivismo, que publica, de 1830 a 1842, o famoso Curso de Filosofia Positiva, em 6 volumes, reno-meado em 1848 com o título de Sistema de Filosofia Positiva e, de-pois, o Discurso sobre o Espírito Positivo (1848). Através dessas e de outras obras, Comte pregou o positivismo cientista ou o cientismo que varreu a Europa e o Brasil como uma onda. Logo em seguida vem Charles Darwin (1809-1882) autor de A Origem das espécies (1859), cujo fulcro é a teoria evolucionista do homem a partir do macaco. Em 1864 Hyppolite Taine (1828-1893), expunha em História da Literatura Inglesa a via determinista que interpretava o comportamento humano como fruto do momento histórico, do meio e da raça.

Quando, em 1866, Émile Zola publicou Thérèse Raquin, tor-nou-se evidente que tinha já em seu cardápio mental não apenas a teoria evolucionista de Darwin, mas o positivismo de Comte e o determinismo de Hipollyte Taine. A tarefa foi fácil para Zola. Absorvendo rapidamente a novidade científica francesa e inglesa, resolveu apresentar nesse livro uma análise científica do ser hu-mano, da moral e da sociedade. Em virtude desse eixo temático, a nova obra de Zola passou a ser considerada como início de um movimento literário novo, cujo objetivo era a análise do ser humano com bases científicas. Esse movimento foi chamado de Naturalismo.

O naturalismo chegou a Portugal também. Na conferência pronunciada em 1871, no Cassino Lisbonense, sobre o “Realis-mo como nova expressão de arte”, Eça de Queiroz mostrou-se movido por duas ideias-forças oriundas de Paris e chegadas a Coimbra havia pouco tempo: a ideia de revolução haurida em Proudhon e o homem como produto do meio herdada de Hy-pollite Taine. Essas idéias que semeou em O Crime do Padre Amaro (1876) e em O Primo Basílio (1878), construíram as bases da nova Literatura em Portugal. Tais ideias foram porém superadas em 1880, quando Eça, ao publicar O Mandarim, utilizou apenas a

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livre imaginação criadora, sem se ligar rigorosamente a uma cor-rente literária explícita.

Machado que acompanhava atentamente os movimentos li-terários europeus, iniciava por volta deste ano de 1880, quando Eça já está desistindo da corrente realista-naturalista, uma fase de escrita naturalista, que vai colocar em relevo em O Alienista. O livro representa uma decidida opção por um tema científico que vai constituir a espinha dorsal de uma narrativa. (...)

Na altura em que Machado escreve, Zola já estava pratican-do uma literatura neo-realista avant la lettre em sua obra-prima Germinal (1885), onde mostra preferir o realismo social cru ao optar por uma escrita em que se descrevem as condições de vida subumanas de uma comunidade de trabalhadores de uma mina de carvão em França. Um veio social que será explorado no ro-mance de 30 por autores brasileiros e no neorealismo português da década de trinta do século XX, também.

(...) O leitor poderá analisar [a singularidade literária de Ma-chado] em primeiro lugar através da intencionalidade literária ex-pressa na própria narrativa, quando fala do estudo e da análise científica sobre a loucura a que irá dedicar-se Simão Bacamarte: “Mas a ciência tem o inefável dom de curar todas as mágoas; o nosso médico mergulhou inteiramente no estudo e na prática da medicina” (p.10). Simão escolherá um recanto psíquico e as pa-tologias cerebrais para centrar a pesquisa sobre a loucura: “Foi então que um dos recantos desta lhe chamou especialmente a atenção – o recanto psíquico, o exame da patologia cerebral” (Ib. 10). Em termos de modelo, foi este tipo de intencionalidade literária que moveu Zola em Thérèse Raquin, em 1866: “inspirado pelos estudos científicos da época, Zola propõe não um simples romance, mas uma análise científica pormenorizada do ser hu-mano, da moral e da sociedade.”

A tese científica conduzida por Simão é apenas um ponto de partida. Uma forma material temática. No decorrer da intriga machadiana, o leitor se aperceberá que a ação do protagonista não terá consistência. Sua atitude científica, por isso, não trará conclusões libertadoras para o homem nem para a sociedade de Itaguaí. O protagonista-cientista armado por Machado é, à partida, um médico disposto a revolucionar tudo pela ciência. No decorrer da ação, porém, seus métodos e volúpia científica terminam por quebrar diante de resultados problemáticos, geran-do o fracasso do próprio alienista. A novidade da narrativa de Machado não está no fato de ter dado a Simão uma missão de cientista. Está, sim, em associar a esta missão, uma paródia, que é expressa por uma ação variada, múltipla, confusa e fracassada, gerada pelo protagonista em Itaguaí.

Com essa paródia, Machado mostra a incapacidade do cientificismo do século XIX em embalar esperanças reais de uma sociedade que durante décadas esperou pela libertação que o

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progresso, a ciência e a perspectiva positivista lhe prometiam. Machado indiretamente desfaz esses mitos. No decorrer da nar-rativa machadiana, os efeitos da aplicação das teorias científicas da loucura são estranhadas e rejeitadas pela sociedade e ridicu-larizadas, por serem radicais e mais fantasiosas do que científicas.

A obra de Machado de Assis, por isso, não é um simples aproveitamento da tese científica utilizada por outros escritores. É mais do que isso. Tem mais o jeito de ser uma obra literária onde o propósito do protagonista é estudar e pesquisar ciência, mas no final é confundido pelos próprios resultados do método com que aplicou a ciência. A narrativa não poupa Simão e o ridiculariza de tal maneira que no fim de uma vida dedicada à ciência, ele não sabe mais o que é loucura. Não sabe se é um desequilíbrio das faculdades mentais, como defendia a tradição, se é, na ver-dade, o próprio equilíbrio ou perfeição das faculdades mentais. Esta conclusão arrancada à custa do desempenho do protagonis-ta aparece como a essência da grande paródia arquitetada por Machado de Assis. E esta é por isso a metáfora literária essencial do livro do genial escritor. Por outras palavras, entendemos que O Alienista não é mais do que uma objurgatória indireta, mas espetacular, contra o cientificismo vazio propalado em certos am-bientes europeus e brasileiros, incluindo o ambiente jornalístico de opinião no século XIX.

(...)

A título de conclusão, diremos que Machado de Assis, pelas vias da literatura, mostrou que há uma variante na arte de estar, de pen-sar e de ver o mundo. Para além da via positivista e cientista do século XIX, Machado de Assis mostra a variante literária de encarar o mundo humanamente. Pela literatura, pode ser entendido que o pro-pósito racionalista do século XVIII, encarnado por Simão Bacamarte, não trouxe a solução última para os grandes problemas da huma-nidade, nem para a loucura, nem para as dúvidas que assaltam a consciência peregrina do homem na terra. Indiretamente, Machado, através de sua narrativa, faz ver que razão e ciência terão que ser vistos como meios. Pela simples razão de que a verdade não é um mero episódio de afirmação. A verdade é algo mais: talvez um pro-cesso de constituição ontológica com raízes cósmicas. Há exigências profundas na sua busca. As fronteiras da loucura e demais fronteiras da existência deverão continuar a ser estudadas. Pelas projeções lan-çadas na pesquisa por Simão Bacamarte, os limites reais da loucura e da razão ainda são confusos. (...)

Fica patente que nesta grande parábola sobre a loucura, Ma-chado de Assis só podia dar a resposta paródica que deu aos ra-cionalistas e pseudo-cientistas dos séculos XVIII e XIX. Eles achavam que tinham encontrado a última solução para o homem, mas Ma-chado indiretamente dava o recado de que o caminho humano é bem mais profundo e que a distância a percorrer ainda é longa.

João Ferreira [http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=10497&cat=Ensaios]

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Atividade IIa) Depois da leitura do conto machadiano, diga por que razão o teórico

João Ferreira o classifica como naturalista. Você concorda com essa classificação?

b) Escreva suas impressões gerais sobre o conto O Alienista, através da produção de um texto analítico, que, depois de pronto, deve ser socializado com seus colegas, através do Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA. Isso dará uma discussão legal.

Sugestões de FilmesGerminal (1994)

Baseado no clássico de Emile Zola. No Segundo Império, jovem de-sempregado desce ao inferno quando aceita emprego em mina. O cruel Chaval, o bondoso Tous-saint Maheu e o amor de Catheri-ne fazem parte de um cotidiano de miséria, maus-tratos, alcoolismo e uma rebelião que pode acabar em

tragédia. Elenco: Renaud Danner, Gérard Depardieu, Miou-Miou, Jean Carmet, Judith Henry. Direção: Claude Berri. Duração: 155 minutos.

Luzia Homem (1984)

Inspirado no romance naturalista de Domingos Olímpio, o filme é uma viagem poética ao universo mítico de uma mulher dividida entre o amor e a vingança. De-pois de presenciar o assassinato dos pais, Luzia é criada por um vaqueiro e adota os costumes masculinos do Sertão. Quando se torna mulher, sai à procura dos

assassinos e do seu destino. Elenco: Claudia Ohana, José de Abreu, Tales Pan Chacon. Direção: Fábio Barreto. Duração: 109 minutos.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Para Relaxar... Esta brincadeira é bastante conhecida. Ao mesmo tempo em que

se diverte você pode fixar alguns conceitos que estudamos nesta aula. Vamos lá, então? Funciona assim: as palavras que identificam as defi-nições seguintes encontram-se no quadro abaixo, embaralhadas entre as letras. Localize-as no quadro e complete as definições.

a) Autor francês considerado o lançador do naturalismo na literatura universal: ___________________;

b) Teoria lançada por Charles Darwin, que trabalha com a ideia do sur-gimento dos seres a partir da seleção natural: _____________________;

c) Teoria defendida por Hyppolite Taine, segundo a qual o ho-mem é produto do meio, da genética e do momento histórico: ________________________;

d) P ensador francês, fundador do Positivismo: _______________________;

e) Doutrina que golpeou profundamente a religiosidade tradicional: ____________.

Q G J R K T A E Y Q K J L M W C T I D E V Z X R

A S D F G T U A U G U S T O C O M T E E N D O S

A S L A I R N T E C T Y A N V Q A B T R Y E Z S

E M I L I A M L O B N A T O E T I A E U T B O A

U Q T B O M E M I L E Z O L A A B T R G N J U I

G O O C S U T E O D V D E E C H D U M A P R A R

A B R A I S T I E L O R E A I T R U I R A A T O

X E R U A Q X U O E L R X I O A T C N O A M D E

Z A U I L N E D I A U G V M O A U M I A X S U E

P O E S P R A O N S C P H E O I L T S I T N R H

R C U A T M Y U V I I O C E T E O U M A F V R A

E O S M C E A C A I O M O E M S A S O I O N C H

U E Z U I C N H H U N O P A E T D S E U I A X E

R C O A L R A L E H I N O F T I O A D E O S D S

D E A N I T C R O O S M O D E E G O M S I T M O

L I V R E P E N S A M E N T O D E E C H D U E M

J R K T A E F A U G O X I O A T C D E T E G N U

As respostas estão no final da aula.

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Resumo

Vimos, na aula de hoje, que o Naturalismo surgiu e espalhou-se pelo mundo a partir da necessidade de pensar a realidade de uma forma mais aguda, de observar com mais atenção o cotidiano. Para isso, o homem lançou mão de teorias científicas, aplicando o rigor da ciência às pesquisas realizadas. Desta forma, desde a biologia, que serviu de mote para análise cientificista dos fatos, até sua junção com as ciências sociais, o mundo passou a pensar de uma forma diferente a realidade que o compõe. Na literatura, a consequência foi a produção de obras que funcionavam como verdadeiras teses, esmiuçando analiticamente a realidade dos personagens na esperança de estar fazendo também esse detalhamento na sociedade.

Autoavaliação

Com o objetivo de se autoavaliar, no que se relaciona à presente aula, você pode ob-servar se:

• identificou os principais acontecimentos sociais, que determinaram a instalação e consolidação do Naturalismo na literatura;

• conseguiu observar a extensão da importância das ciências biológicas e sociais e sua influência nos textos literários da época;

• distingue as características naturalistas a partir das informações aqui contidas.

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Referências

ASSIS, Machado de. O Alienista. 13. ed. São Paulo: Ática, 1988

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 42. ed. São Paulo: Cultrix, 2004

COUTINHO, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988

SODRÉ, Nelson Werneck. História da literatura brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976

Reposta

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Aluisio Azevedo: O Cortiço

VI UNIDADE

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Apresentação

O mais festejado escritor naturalista brasileiro é, sem dú-vida, Aluisio Azevedo, maranhense de São Luiz, autor da clás-sica trilogia naturalista, composta por O Mulato (1881), Casa de Pensão (1884) e O Cortiço (1890).

Azevedo é conhecido pelo seu talento como literato e pela polêmica que sempre cercou sua vida, seja no Estado natal, seja no Rio de Janeiro, para onde se transferiu, junta-mente com o irmão, o teatrólogo Artur Azevedo.

Sua obra naturalista – porque ele também escreveu ro-mances românticos – é carregada de realidade, mostrada em seu modo mais cru, naturalmente influenciada pelas cor--rentes teóricas e científicas, das quais falamos na aula pas-sada.

Como afirma Coelho (1993, p. 178), nos romances natu-ralistas, “o interesse da narrativa centra-se em um antiherói, um indivíduo cujo comportamento é determinado por forças incontroláveis: taras, defeitos de educação, ambiente social de baixo nível, miséria etc. anti-herói porque a sua vontade jamais sai vencedora na luta contra os impulsos negativos do próprio ser ou contra as influências nefastas do meio”.

Não será diferente no autor que estudaremos nesta aula, principalmente no romance que escolhemos para analisar: O Cortiço é considerada sua obra-prima, o mais bem acabado produto literário naturalista de nosso país.

Conheceremos um pouco da vida do autor, para, em se-guida, nos debruçarmos sobre um trecho de seu romance, o qual sugerimos, desde já, que seja lido integralmente.

Vamos lá?!

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ObjetivosÉ nosso desejo que, ao final desta aula, você consiga:

• conhecer fatos da vida do autor Aluisio Azevedo que ajudem a compreender seu estilo e as opções literárias que faz ao escre-ver sua obra;

• perceber a influência do cientificismo presente no mundo todo, em todas as áreas, na composição literária do autor;

• interpretar, de forma crítica e consciente, trechos do romance O Cortiço, observando-lhe as características específicas do movi-mento literário a que pertence.

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Texto 1Iremos conhecer, inicialmente, a vida de Aluisio Azevedo, uma vez

que sua desenvoltura pessoal terá muito a ver com os tipos de roman-ces que produz.

Aluisio Tancredo Gonçalves de Azevedo

Aluisio Azevedo nasceu em São Luis, no Maranhão, em 1857, filho do vice-cônsul português David Gonçalves de Azevedo e de Emília Amália Pinto de Magalhães. Seu pai era viúvo e sua mãe, separada do marido, o que, por si, já se constituía um escândalo na conservadora sociedade maranhense – na verdade somente o primeiro que envol-veria o futuro escritor.

Desde cedo, dedicou-se à caricatura e à pintura. Era irmão de Artur Azevedo, jornalista, desenhista e dramaturgo, com quem se mudou para o Rio de Janeiro aos 20 anos (em 1876), a fim de estudar na Escola de Belas Artes. A partir daí, tira seu sustento dos desenhos enviados para os jornais da época.

Com o falecimento do pai, em 1879, volta para o Mara-nhão, onde começa finalmente a escrever. Influenciado pelo materialismo positivista, escreve artigos de caráter político, ata-cando os conservadores, a tradicional família maranhense e o clero. Em 1881, publica O Mulato, obra que choca a sociedade pela sua forma crua ao desnudar a questão racial. O autor já era abolicionista convicto.

Volta ao Rio de Janeiro, onde, obrigado por razões econô-micas, passa a escrever sob encomenda, sendo um dos poucos escritores que viveu apenas de sua produção literária, durante vários anos, embora, sobre isso, tenha falado o crítico Valentim Magalhães: “Aluisio Azevedo é no Brasil talvez o único escritor que ganha o pão exclusivamente à custa de sua pena, mas note-se que apenas ganha o pão: as letras do Brasil ainda não dão para a manteiga.” (apud NICOLA, 1998, p. 197). “Essa luta com a pena pelo pão certamente explica o desnível en-tre seus romances sérios (...) e os pastelões melodramáticos de ‘pura inspiração industrial’, no dizer de José Veríssimo (...)” (BOSI, 2004, 188).

Não suportando essa situação por muito tempo, em 1895 o romancista presta concurso para o cargo de cônsul. Aprovado, ingressa na vida diplomática, servindo em Vigo, Nápoles e no Japão. Chega, finalmente, em 1910, a Buenos Aires, na Argen-tina, onde falece três anos depois.

Abdala Júnior e Campedelli (1990, p. 145-146) confirmam que “Aluisio Azevedo legou para a Literatura Brasileira uma obra desigual, considerando-se sua totalidade: de um lado,

Aluísio Azevedo: “Escrever para quê? Para quem? Não temos público. Uma edição de dois mil exemplares leva anos a esgotar-se. Livros, entre nós, só os de cheques.”Fonte: http://www.portalsaofrancis-co.com.br/alfa/capas/obras-litera-rias/imagens/aluisio-azevedo.jpg

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colocam-se os folhetins, romances de discutível padrão artísti-co, repletos de peripécias próprias do gênero, invariavelmente pautados ao gosto do público menos exigente [“que o próprio autor chamava de ‘comerciais’” (NICOLA, 1998, p. 197)] (Uma lágrima de mulher, Girândola de amores, Memórias de um condenado, A mortalha de Alzira) e, de outro lado, romances de intensa tem-peratura dramática, enfocando sua estrutura social agressiva, lidando não raro com o bas-fond1 social [“chamados de ‘artís-ticos’” (IDEM)] (O Cortiço, Casa de pensão, O Mulato). [“Seja como for, nos seus altos e baixos, Aluisio foi expoente de nossa ficção urbana nos moldes do tempo. O hábil tracejador de caricaturas nas folhas políticas do Rio precedeu o autor d’O Mulato e ensi-nou-lhe a arte da linha grossa que deforma o corpo e o gesto, e perfaz a técnica do tipo, inerente à concepção naturalista da personagem.” (BOSI, 2004, p. 188-189)]

Mas norteia Aluisio Azevedo um forte senso de literatura como pedagogia, ao lado de uma noção quase precisa do pú-blico leitor, como ressalta Eugênio Gomes, em Aspectos do ro-mance brasileiro, citando pareceres do próprio Aluisio Azevedo acerca de sua obra: ‘é preciso ir dando a coisa em pequenas doses, paulatinamente: um pouco de enredo de vez em quan-do; uma ou outra situação dramática de espaço a espaço, para engordar, mas sem nunca esquecer o verdadeiro ponto de par-tida – a observação e o respeito à verdade. Depois as doses de Romantismo irão diminuindo gradativamente, enquanto que as de Naturalismo irão se desenvolvendo; até que um belo dia, sem que o leitor o sinta, esteja completamente habituado ao romance de pura observação e estudo de caracteres.’

Fica evidente, portanto, que Aluisio Azevedo planejou sua obra segundo um modelo forjado por si mesmo, obra essa que tem como apogeu o romance O Cortiço, espécie de grande co-lagem sobre a escalada social de um homem, João Romão, em detrimento de tudo quanto o rodeia: o cortiço, de sua proprie-dade, e as pessoas que nele habitam.”

A influência de Aluísio Azevedo são os escritores naturalistas europeus, entre eles, o mais importante foi Émile Zola. Através dessa ótica naturalista, capta a mediocridade da rotina, os ses-tros e mesmo as taras do indivíduo, uma opção contrária dos românticos que o precederam. Bosi (2004, p. 187-188) confir-ma que “em Aluisio Azevedo a influência de Zola e de Eça [de Queirós] é palpável.”

“Seguindo as lições de Émile Zola e de Eça de Queirós, o autor escreveu romances de tese, com clara conotação social. Demonstrou nítida preocupação com as classes marginalizadas pela sociedade, criticando o conservadorismo e o clero, alia-do à classe dominante. Destacamos também a defesa do ideal republicano assumida pelo autor: em O Cortiço, a República é proclamada em pleno curso da narrativa, que explicita a posi-ção do autor a respeito do fato. E, na melhor postura naturalista

1 bas-fond: camada miserável e moralmente degradada da sociedade.

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positivista, Aluisio valorizou sobremaneira os instintos naturais, comparando constantemente seus personagens a animais: uma ‘tinha ancas de vaca do campo’, outro morreu ‘estrompado como uma besta’, puxando uma carroça, [o filho da Machona morreu ao cair num precipício de duzentos metros, onde estava “cabritando”], para citar [alguns] exemplos.” (NICOLA, 1998, p. 197)

Atividade IBem, com estas valiosas informações sobre sua vida, seu pensamento, seu estilo, seu comportamento, e o que provocou na sociedade maranhense e brasileira sua obra literária, podemos discutir um pouco algumas questões ligadas a Aluisio Azevedo.

a) Explore essa relação da caricatura com a obra do futuro escritor Aluisio Azevedo.

b) Comente a influência materialista positivista de Aluisio Azevedo nos primeiros artigos escritos em São Luís, no Maranhão.

c) Explique a expressão “literatura como pedagogia”, utilizada por Abdala Júnior e Campedelli, em relação à obra de Aluisio Azevedo.

d) Veja o que Sodré (1976, p. 391) fala sobre Azevedo: “Aluisio Azevedo é um exemplo, no naturalismo brasileiro, do escritor que trabalha constrangido pela fórmula e que vacila entre o desregramento romântico, a que se submete demasiado facilmente, embora lamentando o fato, e o espartilho naturalista, que o deixa peado, a que obedece a contragosto.” Você concorda que esta seria uma explicação para a instabilidade temática na literatura desse autor? Justifique.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Texto para Estudo

Chegou o momento de nos debruçarmos sobre o livro o qual Sodré (1976, p. 392) cha-mou de “um grande livro brasileiro, pintura ex-pressiva do quadro social, flagrante singular da vida”.

FARACO e MOURA (1998, p. 172): Consi-derada a obra-prima do naturalismo brasileiro, o romance O Cortiço narra a escalada social do imigrante português João Romão, dono do cor-tiço e de uma pedreira. Romão consegue fortu-na graças a sua avareza e ao auxílio de Berto-leza, escrava fugida e sua amante. Ao lado do

cortiço ergue-se a residência de Miranda, outro português, que enri-quecera e ascendera socialmente com rapidez, conseguindo um título de nobreza. Almejando a mesma coisa, Romão planeja casar-se com a filha de Miranda. Para isso, deve livrar-se de Bertoleza. Paralelamente a esta história, ocorrem vários outros dramas relacionados aos habitan-tes do cortiço. O mais importante envolve Jerônimo e Piedade, casal português recém-chegado ao cortiço, onde ele conhece Rita Baiana, a sensual mulata, amante de Firmo. Jerônimo e Rita se apaixonam e passam a viver juntos. Mas outros relacionamentos acontecem nesse ambiente, propício à presença de múltiplos tipos sociais.

Vamos nos utilizar do último capítulo do romance, pela sua força dramática. Este começa com um encontro de João Romão e a família de sua noiva, Zulmira, em uma confeitaria na Rua do Ouvidor, lugar bastante frequentado pela elite carioca, no final do século XIX, no tre-cho que vai do Largo de São Francisco até a antiga Rua dos Ourives (atual Miguel Couto), antes da abertura da Av. Central. Os persona-gens citados, depois do lanche, saíram em direção ao Largo, e, depois de se despedirem, Romão ficou a conversar com o parasita Botelho. Vamos acompanhar.

XXIII(...)

Quando se levantaram, João Romão deu o braço a Zulmira e o Barão à mulher, e seguiram todos para o Largo de São Fran-cisco, lentamente, em andar de passeio, acompanhados pelo parasita. Lá chegados, Miranda queria que o vizinho aceitasse um lugar no seu carro, mas João Romão tinha ainda que fazer na cidade e pediu dispensa do obséquio. Botelho também ficou; e, mal a carruagem partiu, este disse ao ouvido do outro, sem tomar fôlego:

Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, no final do século XIX.Fonte: http://www.jblog.com.br/media/131/20090828-ouvidorLR.jpg

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106 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira II

- O homem vai hoje, sabe? Está tudo combinado!

- Ah! vai? perguntou João Romão com interesse, estacando no meio do largo. Ora graças! Já não é sem tempo!

- Sem tempo! Pois olhe, meu amigo, que tenho suado o topete! Foi uma campanha!

- Há que tempo já tratamos disto!...

- Mas que quer você, se o homem não aparecia?... Estava fora! Escrevi-lhe várias ve-zes, como sabe, e só agora consegui pilhá-lo. Fui também à polícia duas vezes e já lá voltei hoje; ficou tudo pronto! mas você deve estar em casa para entregar a crioula quando eles lá se apresentarem...

- Isso é que seria bom se se pudesse dispensar... Desejava não estar presente...

- Ora essa! Então com quem se entendem eles?... Não! tenha paciência! é preciso que você lá esteja!

- Você podia fazer as minhas vezes...

- Pior! Assim não arranjamos nada! Qualquer dúvida pode entornar o caldo! É melhor fazer as coisas bem feitas. Que dia-bo lhe custa isto?... Os homenzinhos chegam, reclamam a es-crava em nome da lei, e você a entrega – pronto! Fica livre dela para sempre, e daqui a dias estoura o champanha do casório! Hein, não lhe parece?

- Mas...

- Ela há de choramingar, fazer lamúrias e coisas, mas você põe-se duro e deixe-a seguir lá o seu destino!... Bolas! não foi você que a fez negra!...

- Pois vamos lá! creio que são horas.

- Que horas são?

- Três e vinte.

- Vamos indo.

E desceram de novo a Rua do Ouvidor até ao ponto dos bondes de Gonçalves Dias.

- O de São Clemente não está agora, observou o velho. Vou tomar um copo d’água enquanto esperamos.

Entraram no botequim do lugar e, para conversar assenta-dos, pediram dois cálices de conhaque.

- Olhe, acrescentou o Botelho; você nem precisa dizer pa-lavra... faça como coisa que não tem nada com isso, compre-ende?

- E se o homem quiser os ordenados de todo o tempo em que ela esteve em minha companhia?...

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- Como, filho, se você não a alugou das mãos de ninguém?!... Você não sabe lá se a mulher é ou era escrava; tinha-a por livre naturalmente; agora aparece o dono, reclama-a, e você a en-trega, porque não quer ficar com o que lhe não pertence! Ela, sim, pode pedir o seu saldo de contas; mas para isso você lhe dará qualquer coisa...

- Quanto devo dar-lhe?

- Aí uns quinhentos mil-réis, para fazer a coisa à fidalga.

- Pois dou-lhos.

- E feito isso - acabou-se! O próprio Miranda vai logo, logo, ter com você! Verá!

Iam falar ainda, mas o bonde de São Clemente acabava de chegar, assaltado por todos os lados pela gente que o esperava. Os dois só conseguiram lugar muito separados um do outro, de sorte que não puderam conversar durante a viagem.

No Largo da Carioca uma vitória passou por eles, a todo o trote. Botelho vergou-se logo para trás, procurando os olhos do vendeiro, a rir-se com intenção. Dentro do carro ia Pombinha, coberta de jóias, ao lado de Henrique; ambos muito alegres, em pândega. O estudante, agora no seu quarto ano de medi-cina, vivia à solta com outros da mesma idade e pagava ao Rio de Janeiro o seu tributo de rapazola rico.

Ao chegarem à casa, João Romão pediu ao cúmplice que entrasse e levou-o para o seu escritório.

- Descanse um pouco... disse-lhe.

- É, se eu soubesse que eles se não demoravam muito ficava para ajudá-lo.

- Talvez só venham depois do jantar, tornou aquele, assen-tando-se à carteira.

Um caixeiro aproximou-se dele respeitosamente e fez-lhe várias perguntas relativas ao serviço do armazém, ao que João Romão respondia por monossílabos de capitalista; interrogou-o por sua vez e, como não havia novidade, tomou Botelho pelo braço e convidou-o a sair.

- Fique para jantar. São quatro e meia, segredou-lhe na es-cada.

Já não era preciso prevenir lá defronte, porque agora o ve-lho parasita comia muitas vezes em casa do vizinho.

O jantar correu frio e contrafeito; os dois sentiam-se ligei-ramente dominados por um vago sobressalto. João Romão foi pouco além da sopa e quis logo a sobremesa.

Tomavam café, quando um empregado subiu para dizer que lá embaixo estava um senhor, acompanhado de duas praças, e que desejava falar ao dono da casa.

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- Vou já! respondeu este. E acrescentou para o Botelho: - São eles!

- Deve ser, confirmou o velho.

E desceram logo.

- Quem me procura?... exclamou João Romão com disfar-ce, chegando ao armazém.

Um homem alto, com ar de estróina, adiantou-se e entre-gou-lhe uma folha de papel.

João Romão, um pouco trêmulo, abriu-a defronte dos olhos e leu-a demoradamente. Um silêncio formou-se em torno dele; os caixeiros pararam em meio do serviço, intimidados por aque-la cena em que entrava a polícia.

- Está aqui com efeito... disse afinal o negociante. Pensei que fosse livre...

- É minha escrava, afirmou o outro. Quer entregar-ma?...

- Mas imediatamente.

- Onde está ela?

- Deve estar lá dentro. Tenha a bondade de entrar...

O sujeito fez sinal aos dois urbanos, que o acompanharam logo, e encaminharam-se todos para o interior da casa. Bote-lho, à frente deles, ensinava-lhes o caminho. João Romão ia atrás, pálido, com as mãos cruzadas nas costas.

Atravessaram o armazém, depois um pequeno corredor que dava para um pátio calçado, chegaram finalmente à cozinha. Bertoleza, que havia já feito subir o jantar dos caixeiros, esta-va de cócoras no chão, escamando peixe, para a ceia do seu homem, quando viu parar defronte dela aquele grupo sinistro.

Reconheceu logo o filho mais velho do seu primitivo senhor, e um calafrio percorreu-lhe o corpo. Num relance de grande perigo compreendeu a situação; adivinhou tudo com a lucidez de quem se vê perdido para sempre: adivinhou que tinha sido enganada; que a sua carta de alforria era uma mentira, e que o seu amante, não tendo coragem para matá-la, restituía-a ao cativeiro.

Seu primeiro impulso foi de fugir. Mal, porém, circunvagou os olhos em torno de si, procurando escapula, o senhor adian-tou-se dela e segurou-lhe o ombro.

- É esta! disse aos soldados que, com um gesto, intimaram a desgraçada a segui-los. - Prendam-na! É escrava minha!

A negra, imóvel, cercada de escamas e tripas de peixe, com uma das mãos espalmada no chão e com a outra segurando a faca de cozinha, olhou aterrada para eles, sem pestanejar.

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Os policiais, vendo que ela se não despachava, desembai-nharam os sabres. Bertoleza então, erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou de um salto e, antes que alguém conse-guisse alcançá-la, já de um só golpe certeiro e fundo rasgara o ventre de lado a lado.

E depois embarcou para a frente, rugindo e esfocinhando moribunda numa lameira de sangue.

João Romão fugira até ao canto mais escuro do armazém, tapando o rosto com as mãos.

Nesse momento parava à porta da rua uma carruagem. Era uma comissão de abolicionistas que vinha, de casaca, trazer-lhe respeitosamente o diploma de sócio benemérito.

Ele mandou que os conduzissem para a sala de visitas.AZEVEDO, 1987, p. 156-159

Atividade IIa) Apesar do plano calhorda de entregar Bertoleza, João Romão ainda apresenta

certos pudores, de estar presente no momento da traição. Como você vê essa atitude do personagem?

b) É interessante percebermos, nas obras realistas e naturalistas, a presença do “agregado” (em Machado de Assis) ou do aqui denominado mais cruamente de “parasita”. Analise a atuação desse personagem, no contexto literário e no contexto social.

c) Percebemos, no trato de João Romão com o dono da escrava, grande dose de simulação e cinismo, por parte do português. Fale sobre essa questão da dissimulação, no romance naturalista.

d) Já falamos aqui da tendência naturalista a equiparar o ser humano ao animal. Que reações e atitudes animalescas podemos perceber na negra Bertoleza, nesse momento crucial?

e) Comente a grande ironia do final do romance.dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Proposta de discussão

Aproveite a oportunidade que o Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA lhe proporciona de maior interação com outros alunos, e, conse-quentemente, a possibilidade de aprender mais, e discuta a seguinte questão:

Chamamos de protagonista o personagem principal de uma história. Em O Cortiço, percebemos que não é fácil identificar um protagonis-ta. Há quem afirme que o personagem principal deste romance é o próprio cortiço. O que você acha disso?

Sugestão de Filme

O Cortiço (1977)

Baseado no clássico ro-mance do maranhense Aluísio de Azevedo, a segunda versão desse marco do naturalismo brasileiro narra a vida miserá-vel dos habitantes do cortiço de João Romão, português ambi-cioso que, no Rio de Janeiro do

final da monarquia, amasia-se com uma escrava fugitiva para tomar conta da sua quitanda e das suas economias. Tentando enganar a ex-escrava, ele falsifica uma carta de alforria para que ela tenha a ilusão de que é livre de fato, quando, na verdade, é totalmente escravizada por ele e tem que trabalhar horas seguidas e ainda entregar todo o dinheiro que consegue, em suas mãos. Com o dinheiro conseguido, ele começa a construir o cor-tiço, num pequeno pedaço de terra que logrou comprar. Com o sucesso da empreitada, João Romão prospera, ambicionando um futuro igual ao do rico Miranda, seu vizinho, homem de posses, porém desprezado pela esposa por não ter nascido em berço de ouro. Com poder e prestígio, Miranda, um árduo defensor do Império, acaba por conseguir o título de Barão, despertando mais ainda a inveja de João Romão. Com o cresci-mento do cortiço, as mais variadas personagens começam a transitar pela história, sendo a principal delas Rita Baiana, mulata assanhada e festeira, alegria dos marmanjos do lugar. Mesmo morando com Firmo, capoeirista, sambista e malandro carioca, a mulata desperta a paixão de um outro português, Jerônimo, recém-chegado ao Rio de Janeiro, cuja esposa logo percebe que algo está acontecendo mas aceita o jogo de sedução da mu-

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lata, pois tem medo de perder Jerônimo. Outros personagens inesquecíveis são Machona, a mulher que tinha “filhos que não se pareciam uns com os outros”; Pombinha, a prometida que não podia se casar porque ainda não havia menstruado pela primeira vez; sua madrinha, secretamente apaixo-nada por ela e que a desencaminharia no futuro. Elenco: Armando Bógus, Betty Faria, Maurício do Valle, Mário Gomes, Ítala Nandi, Beatriz Segall, Antônio Pompeu. Direção: Francisco Ramalho Jr. Duração: 110 min.

Para Relaxar... Preencha os quadrinhos destas palavras-cruzadas, a partir das

questões colocadas a seguir. Ao final, na primeira coluna vertical, apa-recerá o título de um romance escrito por Aluisio Azevedo. Se todas as palavras estiverem colocadas corretamente, claro. A resposta, como sempre, está no final desta aula.

1) Comportamento naturalista, que consistia em colocar-se contra os ensinamentos da igreja e a ação dos padres.

2) Personagem de O Cortiço, que se tornou Barão, provocando inve-ja em João Romão;

3) Obra com a qual Aluisio Azevedo inaugurou o Naturalismo no Brasil;

4) Famosa rua da cidade do Rio de Janeiro, ponto de concentração e de encontros diversos no século XIX;

5) Os sobrenomes do meio de Aluisio Azevedo;

6) Personagem de O Mulato por quem Raimundo, o protagonista, era apaixonado.

7) Ganha-pão de Aluisio Azevedo, antes de se tornar cônsul;

8) Filosofia criada por Quincas Borba, personagem de Machado de Assis;

9) Irmão de Aluisio de Azevedo, que o levou para morar no Rio de Janeiro;

10) Teoria segundo a qual o homem é produto do meio ambiente, da genética e do momento histórico;

11) Autor francês que escreveu o primeiro romance naturalista da literatura universal, foi uma grande influência de Aluisio Azevedo;

12) País onde Aluisio Azevedo faleceu, em 1913;

13) Local do Rio de Janeiro famoso por abrigar a Faculdade de Direito, no século XIX;

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14) Personagem de O Cortiço, noiva cobiçada por João Romão, para subir na vida;

15) Situação de João Romão no Brasil, e sua nacionalidade;

16) Personagem de O Cortiço, uma mulata faceira, que fez a cabeça de Jerônimo;

17) Influenciado pela biologia, os personagens dos romances natu-ralistas são muitas vezes comparados a...

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ResumoAluisio Azevedo é, de fato, nosso maior representante nas letras

naturalistas. Com a sua trilogia naturalista, composta por O Mulato, Casa de Pensão e O Cortiço, o autor maranhense consolidou seu lugar de destaque na literatura nacional, não obstante sua instabilidade estilísti-ca, mesclando os romances artísticos naturalistas, com melodramáticas obras de cunho acentuadamente românticos. Ainda assim, O Cortiço, publicado em 1890, é uma das mais bem elaboradas obras literárias desse período, atravessando o tempo e sendo objeto de leitura e estu-do até hoje. Na verdade, nesse livro não há um personagem principal, já que todos desfilam, praticamente em igualdade de importância, no cortiço que lhe serve de cenário e motivo, e que, por isso, assume a condição de protagonista coletivo.

AutoavaliaçãoObserve se:

• O conhecimento dos fatos da vida do autor Aluisio Azevedo o ajudaram a compreender o estilo do escritor e as opções literárias que faz ao escrever sua obra;

• detectou na composição literária do autor em estudo, a influência do cientificismo presente no mundo todo, em todas as áreas;

• conseguiu interpretar, de forma crítica e consciente, o trecho do romance O Cortiço, aqui apresentado, observando-lhe as características específicas do movimento literário a que pertence.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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ReferênciasABDALA JÚNIOR, Benjamin e CAMPEDELLI, Samira Youseff. Tempos da Literatura Brasileira. 3. ed. São Paulo: Ática, 1990

AZEVEDO, Aluisio. O Cortiço. São Paulo: Ática, 1987 (Série Bom Livro)

BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. 42. ed. São Paulo: Cultrix, 2004

COELHO, Nelly Novaes. Literatura e Linguagem – a obra literária e a expressão linguística. 5. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1993

FARACO, Carlos Emílio e MOURA, Francisco Marto. Literatura Brasileira. 9. ed. São Paulo: Ática, 1998

NICOLA, José de. Literatura brasileira – das origens aos nossos dias. 15. ed. São Paulo: Scipi-one, 1998

SODRÉ, Nelson Werneck. História da Literatura Brasileira – Seus fundamentos econômicos. 6. ed. Rio de Janeiro: civilização Brasileira, 1976

RESPOSTA DAS PALAVRAS-CRUZADAS

1ANTICLERICALISMO

2MIRANDA

3OMULATO

4RUADOOUVIDOR

5TANCREDOGONÇALVES

6ANAROSA

7LITERATURA

8HUMANITISMO

9ARTURAZEVEDO

10DETERMINISMO

11EMILEZOLA

12ARGENTINA

13LARGODESAOFRANCISCO

14ZULMIRA

15IMIGRANTEPORTUGUES

16RITABAIANA

17ANIMAIS

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Parnasianismo

VII UNIDADE

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Apresentação

Rubens Borba de Moraes foi o primeiro bibliotecário, bi-bliógrafo e bibliófilo brasileiro a alcançar reconhecimento internacional. É dele um dos mais felizes comentários sobre a literatura do fim do século XIX:

“De fato, o Parnasianismo foi um dos movimentos literá-rios cuja poesia foi mais cobrada, em termos de forma”. É, como afirma Coutinho (1988, p. 190-191), “o movimento correspondente em poesia ao Realismo-Naturalismo. (...) Inspirado na estética da ‘arte pela arte’ de Gautier, reflete (...) o mesmo movimento pendular que fez seguir uma cor-rente objetivista e classicizante ao subjetivismo romântico”.

Veremos, nesta aula, o contexto sócio-cultural e o mo-mento histórico em que esteve inserida essa escola, que foi mais vigorosa na França e aqui no Brasil. Portugal nem sen-tiu muito os ventos parnasianos, uma vez que, por lá, se desenvolveu mais a poesia realista.

Em nossa literatura, o Parnasianismo teve uma perma-nência e influência incontestáveis: instalado contemporane-amente ao Realismo-Naturalismo, mesmo depois da Sema-na de Arte Moderna, na década de 20 do século passado, ainda mostrava sua força.

Os poetas brasileiros que mais se destacaram nesse esti-lo poético formam a chamada Trindade Parnasiana: Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia. Além destes, merece destaque, ainda, a poetisa Francisca Júlia. Antes de falarmos sobre eles – que será o assunto da próxima aula, conheceremos um pouco sobre o Parnasianismo enquanto movimento literário.

Vamos lá?

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Objetivos

É nosso desejo que, ao final desta unidade, você consiga:

• conhecer o momento histórico e os acontecimentos que influen-ciaram o estilo parnasiano;

• identificar as características da poesia parnasiana, principal-mente a sua preocupação com a forma;

• entender a extensão da influência parnasiana na literatura e na sociedade brasileira, bem como sua aceitação pelo público e cultivo pelos escritores.

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Texto 1Iremos começar nosso passeio pelo Parnasianismo com um texto

em que procuro fazer uma abordagem ampla desse movimento literário anti-romântico, levando em conta fatos e ideias desse período.

Ideias Parnasianas

No embalo do posicionamento anti-romântico das duas últimas dé-cadas do século XIX, surgem várias tendências poéticas: a realista (que teve em Antero de Quental, em Portugal, seu nome mais significativo), a filosófico-científica (que perscruta o mistério da existência humana e do universo), a socialista (militante, mais tarde evoluindo para a poesia do cotidiano) e a parnasiana. É desta última que nos ocuparemos, uma vez que é a expressão poética mais importante dessa época literária.

A denominação vem de uma publicação francesa, Parnasse con-temporain, em que se divulgavam poemas que demonstravam uma ma-neira nova de escrever, em oposição à sentimentalidade e subjetividade romântica, estilo já saturado nos meios literários. O nome do movimen-to foi inspirado na mitologia grega, o que já nos mostra a preocupação com as minúcias da forma, própria dos textos clássicos da Antiguidade, e que, vez ou outra, voltam à baila, como no Classicismo, e no Arcadis-mo. Parnaso era o monte consagrado a Apolo, o deus grego da beleza, e às musas, divindades inspiradoras da poesia.

A poesia parnasiana teve seu início com Théophile Gautier, que lançou, em 1852, Esmaltes e Camafeus, abrindo caminho “à poesia plástica e impassível de Leconte de Lisle (...) e a dos poetas do grupo Parnasse (...), cujos postulados básicos são:

1) Libertação da arte de toda e qualquer finalidade utilitária. A Poesia deve ser um fim em si mesma, como fonte de sensações [Arte pela Arte]. Livre da moral e da política, ela repudia a sentimentalidade, procu-rando substituir as emoções – que predominaram com os românticos – pelas sensações e impressões, isto é, procura de reações sensoriais e não de reações psíquicas.

2) O culto da Beleza, pois só esta é eterna. Não tendo outro fim se-não a sua fixação, a poesia marcará o eterno da condição humana: o gosto de beleza perpetuado no tempo pela palavra poética, tal como o fazem as artes plásticas, através do burilamento dos seus materiais inertes a que o artista dá vida. Nesse culto à Beleza foram decisivas as sugestões oferecidas pela Antiguidade Clássica, os poetas voltaram a buscar pontos de apoio.

Desse impulso de eternização da Beleza (...) decorrem algumas das constantes estilísticas da poesia parnasiana: predileção pelas descrições objetivas, isto é, quadros, cenas, objetos etc., registrados através de uma visão estática; o visualismo das formas nítidas (o elemento concreto, objetivo e nítido é a forma ideal que representa as realidades subjetivas

Monte Parnaso, na GréciaFonte: http://www.parnas-m.ru/partners_prt/files/contents/225791s250x305.jpg

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e as eterniza); e a preocupação com a técnica. A pesquisa formal torna-se essencial. Nada deve ficar para o acaso. É preciso banir a facilidade do verso romântico pela adoção de es-quemas métricos e rítmicos difí-ceis.” (COELHO, 1993, p. 185-186).

No Brasil, o Parnasianismo tem início oficialmente com a publica-ção da obra Fanfarras, de Teófilo Dias, em 1882. Enquanto a poesia romântica se utiliza de uma linguagem simples, abordando temas na-cionalistas – como as belas paisagens brasileiras, por exemplo –, a parnasiana segue o caminho completamente oposto, rebuscando as expressões, utilizando linguagem erudita e rimas raras, e enfocando, como tema, o universalismo. Os poetas parnasianos brasileiros, na ân-sia de se libertar das ideias românticas, buscam avidamente exemplos em Camões (classicista) e Bocage (neoclassicista), recuperando o sone-to, forma clássica de poema, abandonada pelos românticos.

Para se ter uma ideia da preocupação parnasiana com o verso, basta que transcrevamos um trecho do poema Profissão de fé, de Olavo Bilac – o principal nome do movimento no Brasil. Como o próprio título já aponta, este poema é uma declaração pública da forma como fazer poesia.

Por isso, corre, por servir-me,sobre o papel a pena, como em

prata firme corre o cinzel.

Corre; desenha, enfeita a ima-gem, a idéia veste:

cinge-lhe ao corpo a ampla rou-pagem azul-celeste.

Torce, aprimora, alteia, limaa frase; e, enfim, no verso de

ouro engasta a rima,como um rubin.

Quero que a estrofe cristalina,dobrada ao jeito do ourives,

saia da oficina sem um defeito

Observemos a não gratuita comparação da pena com o cinzel, instrumento com que o ourives lapida minuciosamente a jóia, transfor-mando-a em objeto de grande beleza. E esse verdadeiro labor se faz de maneira insistente, até alcançar o mais próximo possível da perfeição; para isso, abundam os verbos de ação: “torce, aprimora, alteia, lima a frase” e, por fim, “no verso de ouro, engasta a rima, como um rubin”. E tem que ser assim, para que o poema saia da oficina literária como a jóia sai da ourivesaria: “sem um defeito”.

De acordo com Tufano (1995, p. 176), “querendo evitar o senti-mentalismo exagerado dos românticos, os parnasianos acabaram cain-do, muitas vezes, no extremo oposto: transformaram a poesia numa exibição de técnica e preciosismo formal”. Mesmo assim, há um lirismo na poesia parnasiana que, afastando-se da melosidade romântica, tem uma concepção mais realista das relações entre os dois sexos. Aliás, Castro Alves, no Condoreirismo, última geração romântica brasileira, já apontava para uma forma mais sensual e erótica de tratar a mulher, diferente das musas pálidas anteriores.

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Na opinião de Coutinho (1988, p. 191), “esse realismo classicizan-te em poesia teve grande fortuna, especialmente no Brasil, certamente pela facilidade que os fazedores de verso encontraram na sua poética mais de técnica do que de inspiração, mais formal do que essencial. O Parnasianismo, no Brasil, penetrou muito além dos seus limites crono-lógicos, paralelamente ao Simbolismo e mesmo ao Modernismo, so-bretudo constituindo uma subescola de poesia, muito generalizada nas províncias das letras.”

Aqui, formou-se o que passou para a História como a Trindade Parnasiana, composta pelos poetas Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia, na linha de frente do movimento literário no Brasil. Entretanto, outros nomes também brilharam – talvez menos, mas não por ter menores pendores artísticos – em nossas letras poéticas par-nasianas, como Vicente de Carvalho, Machado de Assis, Luís Delfino, Bernardino Lopes, Guimarães Passos, Carlos Magalhães de Azeredo, Goulart de Andrade, Adelino Fontoura, Emílio de Meneses, Luís Murat, e a notável Francisca Júlia.

Segundo Faraco e Moura (1998, p. 204), “a poesia parnasiana foi muito bem aceita no Brasil, chegando mesmo a influenciar poetas das primeiras décadas do século XX. Para muitos leitores de hoje, os par-nasianos ainda são considerados como modelo de arte”. Vale lembrar que a fundação da Academia Brasileira de Letras, cronologicamente em pleno Simbolismo, foi um fato eminentemente parnasiano; tanto que os simbolistas foram simplesmente impedidos de ingressarem na ABL, que era conhecida pelo sintomático apelido de “Ninho dos Par-nasianos”.

Atividade IA partir das informações colocadas no texto acima, procure localizar – e comentar, naturalmente – as características e elementos parnasianos que lhe chamam a atenção no seguinte poema de Olavo Bilac (1996, p. 126):

Ao Coração que Sofre

Ao coração que sofre, separado Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,Não basta o afeto simples e sagradoCom que das desventuras me protejo.

Não me basta saber que sou amado,Nem só desejo o teu amor: desejoTer nos braços teu corpo delicado,Ter na boca a doçura de teu beijo.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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E as justas ambições que me consomemNão me envergonham: pois maior baixezaNão há que a terra pelo céu trocar;

E mais eleva o coração de um homemSer de homem sempre e, na maior pureza,Ficar na terra e humanamente amar.

Texto 2 O texto a seguir levanta algumas questões relativas à suposta im-

passibilidade parnasiana. Como vimos, a proposta dos poetas do par-naso seria a objetividade obsessiva, a ausência de sentimentalismo, a contenção no escrever. Transcrevo aqui parte de um artigo que escrevi, abordando essa questão.

Parnasianismo à brasileira: Impassibilidade em Terra de Sentimentais

Edson Tavares

Os escritores parnasianos, surgidos na esteira do anti-ro-mantismo que ocupou todos os espaços literários a partir das duas últimas décadas do século XIX, adotaram a perspectiva po-ética da impassibilidade, levando-a às últimas consequências, cuidando com um esmero por vezes desmedido da construção de textos rebuscados, através da utilização de palavras ornadas ao extremo.

Textos assim, requintados, exigem certa iniciação literária, para sua leitura e compreensão, o que, de certa forma, já os en-dereçava, a priori, às classes sociais mais abastadas, com con-dições financeiras propícias a uma formação mais completa. Por isso, não é de se estranhar que o produto desse movimento literário tivesse tanta aceitação entre a elite intelectual do país, em sua maior parte oriunda da elite econômica e social. “A opulência verbal é o parâmetro a que se submetem os escrito-res, a crítica faz todo o esforço em torno do purismo lingüístico”, afirma Sodré (1976: 453).

Ao compararmos a receptividade da poesia parnasiana com a da romântica, saltar-nos-á aos olhos a diferença: enquanto esta alcançou uma imediata identificação com o público leitor, dada à simplificação de sua forma e temas, a primeira tendeu a encastelar-se apenas entre os entendidos, gerando um con-

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sequente isolamento – que, aliás, é reivindicado pelo próprio Bilac, o mais famoso dos parnasianos brasileiros: “Longe do estéril turbilhão da rua, / beneditino, escreve!”

A impassibilidade era constantemente evocada pelos poetas do parnaso, defendida arduamente em flamantes metapoemas, mas não muito posta em prática, nos versos. Há que se cons-tatar que todos os grandes parnasianos tiveram formação ro-mântica; por exemplo, a obra de estréia de Alberto de Oliveira, considerado o mais parnasiano poeta brasileiro, e na qual se percebem nítidos laivos do novo movimento, trazia o curioso título de Canções Românticas; os próprios precursores do Parna-sianismo brasileiro, a exemplo de Luis Delfino e Luiz Guimarães Júnior, eram conhecidos poetas românticos; Machado de As-sis, antes da publicação da obra parnasiana Ocidentais (1890), já publicara os livros de poemas românticos Crisálidas (1864) e Falenas (1870), além dos poemas indianistas (inspirados em Gonçalves Dias) de Americanas (1875).

Afora isso, é preciso convir que a característica mais intensa do povo brasileiro – e dos escritores em especial – era o sen-timentalismo, herdado principalmente da contribuição de Por-tugal, nação reconhecidamente nostálgica, sentimental, como afirma José Veríssimo (apud SODRÉ, op. cit.: 454), ao falar sobre “o lirismo português e brasileiro, ambos essencialmen-te feitos de sentimentalidade e de personalismo, ambos muito pessoais”. Ainda mais especificamente, Veríssimo atesta que o Parnasianismo francês sofreu, na transposição para o Brasil, as “nossas idiossincrasias sentimentais, (...) nossa fácil emotividade e (...) tradições da nossa poesia. A impersonalidade e sobretudo a impassibilidade não vão com o nosso temperamento.”

http://www.biblio.com.br/conteudo/JoseVerissimo/mhistbras.htm

Os próprios poetas ressentiam-se desse cárcere normativo francês, como podemos perceber em poemas de Bilac (“O Pen-samento ferve, e é um turbilhão de lava: / a Forma, fria e espes-sa, é um sepulcro de neve... / E a Palavra pesada abafa a idéia leve, / Que, perfume e clarão, refulgia e voava. (‘Inania verba’)” (apud PACHECO, 1967: 71)), de Alberto de Oliveira (“Pena imprestável, quebra-te! adormece / Lira inútil, a um canto! Arte divina, / Arte do verso, eu te dispenso agora; / Nada exprimes de nós quando a alma cresce, / Como o oceano revolto, à dor que a mina, / À angústia que a solapa e que a devora. (‘Recôn-dito’)” (Idem, idem)) e em cartas de Raimundo Correia (“Essa literatura que importamos de Paris, diretamente ou com escala por Lisboa, literatura tão falsa, postiça e alheia (sic) de nossa índole”, de que “eu sou talvez uma das vítimas.” (IDEM, p. 72).

Ainda assim, podemos identificar, na poesia parnasiana, traços coadunáveis com os princípios positivistas que inspira-vam a prosa realista-naturalista, como, por exemplo:

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• a esmerada descrição de fenômenos naturais, ou meros objetos, ou ainda acontecimentos históricos;

• certa objetividade temática;

• acentuada preocupação formal com a seleção vocabu-lar rigorosa, ritmo conciso, rimas garimpadas à exaus-tão (Segundo Pacheco (IDEM, p. 69), os parnasianos “entraram a dar maior apreço à rima, aceitando, con-tudo, apenas a rima consoante, abjurando a toante. Para seu uso, estabeleceram-se regras rígidas, interditando-se o emprego da mesma categoria gramatical [rimas po-bres], norma nem sempre obedecida, e dando-se pre-ferência à rima paroxítona, em contraposição ao Ro-mantismo, que havia praticado abundantemente a rima oxítona. Desprezaram a rima interna, de que a escola anterior fizera uso. Também não a admitiam tão somen-te no 2º e no 4º verso das quadras, mas exigiam todos os quatro versos rimados.”);

• o retorno a motivos clássicos, de forma a acentuar ainda mais nitidamente seu anti-romantismo (ainda conforme Pacheco (IDEM), “aboliram o tom elegíaco, piegas ou choramingas, em especial o tom de melopéia, que os recitativos, ao som do piano, haviam feito cair no ridí-culo.”);

• o conceito de arte pela arte, ou seja, a poesia como um fim em si mesma: “começou a surgir a preocupação da chave de ouro”, como enfatiza Pacheco (IDEM).

Não se pode dizer que o Parnasianismo brasileiro inovou o cenário poético do país, uma vez que ficou aquém do que produzia o movimento na França, de onde saltou para o Brasil, sem passar por Portugal, que, por sua vez, não registrou senão referências isoladas e insossas dessa escola, como Gonçalves Crespo, por exemplo, que produziu alguns sonetos à moda par-nasiana. Aqui, registrou-se uma “subserviência aos postulados artísticos dos manuais europeus. Disciplinados e escolares, os poetas parnasianos [brasileiros] acataram as regras que [se] pretendiam ‘científicas’ da poética tradicional.” (ABDALA JÚ-NIOR e CAMPE-DELLI, 1990, p. 140).

Entretanto, como afirmamos, a própria formação literária e as características inerentes aos escritores nacionais são as prin-cipais responsáveis por esse “parnasianismo à brasileira”, como poderemos constatar em alguns poetas e textos pertencentes a este movimento.

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Atividade II

Colocaremos, a seguir, um poema de cada poeta da chamada Tríade Parnasiana, que comprova o que falei no texto acima. Seu trabalho será o de identificar as questões levantadas no texto e comentar os trechos dos poemas que os “traem” enquanto parnasianos.

Choro de Vagas Alberto de Oliveira

Não é de águas apenas e de ventos, No rude som, formada a voz do Oceano.

Em seu clamor – ouço um clamor humano; Em seu lamento – todos os lamentos.

São de náufragos mil estes acentos, Estes gemidos, este aiar insano;

Agarrados a um mastro, ou tábua, ou pano, Vejo-os varridos de tufões violentos;

Vejo-os, na escuridão da noite, aflitos, Bracejando, ou já mortos e de bruços,

Largados das marés, em ermas plagas...

Ah! que são deles estes surdos gritos, Este rumor de preces e soluços

E o choro de saudade destas vagas!

Mal Secreto Raimundo Correia

Se a cólera que espuma, a dor que mora N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,

Tudo o que punge, tudo o que devora O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse o espírito que chora Ver através da máscara da face,

Quanta gente, talvez, que inveja agora Nos causa, então piedade nos causasse!

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Quanta gente que ri, talvez, consigo Guarda um atroz, recôndito inimigo,

Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe, Cuja ventura única consiste

Em parecer aos outros venturosa!

Soneto Olavo Bilac

Sonhei que me esperavas. E, sonhando,Saí, ansioso por te ver: corria...

E tudo, ao ver-me tão depressa andando,Soube logo o lugar para onde eu ia.

E tudo me falou, tudo! EscutandoMeus passos, através da ramaria,

Dos despertados pássaros o bando:“Vai mais depressa! Parabéns!” dizia.

Disse o luar: “Espera! que eu te sigo:Quero também beijar as faces dela!”

E disse o aroma: “Vai, que eu vou contigo!”

E cheguei. E, ao chegar, disse uma estrela:“Como és feliz! como és feliz, amigo,Que de tão perto vais ouvi-la e vê-la!”

Proposta de Discussão

Esta é a quarta capa do nº 7 da Revista Modernista Klaxon, porta-voz dos modernistas de 1922, ironizando a produção dos poetas parnasianos.

Comente a virulência da crítica modernista à poesia par-nasiana, num texto analítico, que depois deve ser socializado com os colegas, através do Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA.

Fonte: Revista Klaxon, n.7

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Sugestão de Filme

Sociedade dos Poetas Mortos (1989)

Um dos mais belos filmes a que eu já assisti, trabalha a ques-tão do fazer poético valorizando, acima de tudo, o próprio pensa-mento.

Em 1959, na Welton Acade-my, uma tradicional escola preparatória, um ex-aluno se torna o novo professor de literatura, mas logo seus métodos de incentivar os alunos a pensarem por si mesmos cria um choque com a ortodoxa direção do colégio. O professor Keating valoriza a importância dos sentimentos humanos, que superam quaisquer imposições sociais, é o íntimo de cada pessoa sendo mais valorizado que as regras impostas pelo cole-tivo, é a quebra para a renovação. Entretanto, a aparente quebra de regras, mostrada como sendo o eixo central da trama, se contradiz com a própria formação da “Sociedade dos Poetas Mortos”, uma sociedade secreta dos alunos, onde todos têm que ler poemas, produzir versos, reunir-se em horários definidos, entre outras, para se tornarem mem-bros efetivos. A “Sociedade” referencia poemas de autores renomados e dos próprios participantes, como sendo renovadores e estimuladores de ações e pensamentos.

Elenco: Robin Williams, Robert Sean Leonard, Ethan Hawke, Josh Charles , Gale Hansen. Direção: Peter Weir. Duração: 129 min.

Resumo

O Parnasianismo foi um movimento poético contemporâneo ao Realis-mo-Naturalismo. Essa contemporaneidade o faz afinar com esta escola em alguns pontos, como a rejeição ao Romantismo, o objetivismo dos temas, a preocupação com a realidade material mais de que com a espiritual. Nascido na França, sob os auspícios de poetas que evocavam o estilo clássico de escrever, este movimento literário encontrou no Brasil um fértil terreno – mais do que em Portugal –, que fez brotar nomes de projeção nacional, ainda hoje festejados como referências poéticas, a exemplo de Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira, cognominados de Trindade Parnasiana, embora seus poemas, por vezes, resvalem por um sentimentalismo incompatível com a proposta parnasiana francesa.

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Autoavaliação

Observe se:

• compreendeu o momento histórico e os acontecimentos que influenciaram o estilo parnasiano;

• identificou corretamente as características da poesia parnasiana, principalmente a sua preocupação com a forma;

• entendeu a extensão da influência parnasiana na literatura e na sociedade brasileira, bem como sua aceitação pelo público e cultivo pelos escritores.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Referências

ABDALA JÚNIOR, Benjamin; CAMPEDELLI, Samira Youssef. Tempos da literatura brasileira. 3. ed. São Paulo: Ática, 1990

BILAC, Olavo. Obra reunida. Rio de Janeiro: Aguilar, 1996

COELHO, Nelly Novaes. Literatura e Linguagem – A obra literária e a expressão linguística. 5. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1993

COUTINHO, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988

FARACO, Carlos Emilio e MOURA, Francisco Marto. Literatura Brasileira. 9. ed. São Paulo: Ática, 1998

PACHECO, João. A Literatura brasileira. O Realismo. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1967. vol III

SODRÉ, Nelson Werneck. História da literatura brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976

TUFANO, Douglas. Estudos de Literatura Brasileira. 5. ed. São Paulo: Moderna, 1995

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Autores parnasianos

VIII UNIDADE

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Apresentação

Continuando com o tema “Parnasianismo”, falaremos hoje sobre alguns poetas parnasianos brasileiros, bem como leremos e discutiremos alguns de seus po-emas.

Claro, não poderia ficar de fora a chamada Tríade Parna-

siana, composta por Alberto de Oliveira, Raimundo Correia e Olavo Bilac. São poetas que ficaram nacionalmente co-nhecidos, através dos anos, como a referência brasileira de parnasianismo. Esmiuçaremos alguns de seus versos, a fim de identificar-lhes características (ou não!) desse movimento.

Para completar nosso estudo, trataremos de uma poetisa pouco estudada ainda hoje, mesmo possuidora de um talento poético in-discutível, e uma capacitade parnasiana por vezes difícil de identificar na “Tríade”. Trata-se de Francisca Júlia, dona de um estilo impas-sível e marmóreo, como exigia o movimento parnasiano. Talvez pelo fato de ser mulher, numa época, país e arte excessivamente machistas, sua poesia não tem recebido a atenção merecida.

É nosso desejo que este passeio que faremos pela obra desses poetas seja do seu agrado, e que possamos entender melhor nossa poesia do final do século XIX, que terminou por se estender ao longo da primeira metade do século XX. E que, ainda hoje, é referência de poesia em nossa nação.

Não podemos esquecer o que vimos na aula anterior, e que nos servirá de guia na análise dos poemas: a poesia parnasiana é “caracterizada por seu anti-sentimentalismo e a consequente reposição de ideais clássicos de Arte, como a impassibilidade, o racionalismo, o culto da Forma, o sen-sualismo, o esteticismo, o universalismo”. (MOISÉS, 2002, p. 223)

Vamos lá?

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Objetivos

É nosso desejo que, ao final desta aula, você consiga:

• conhecer a vida e as características principais da obra de al-guns poetas parnasianos;

• analisar poemas parnasianos, observando as características fundamentais desse estilo literário;

• entender a extensão da influência parnasiana na literatura e na sociedade brasileira, bem como sua aceitação pelo público e cultivo pelos escritores.

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Texto 1Neste primeiro momento, apresentaremos dados biográficos e es-

tilo de cada um dos poetas enfocados nesta aula. Após cada texto, alguns questionamentos para discussão.

Olavo Bilac

Um dos mais notáveis poetas brasileiros, prosador exímio e orador primoroso, Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (parnasiano até no nome: é um verso alexandrino perfeito) nasceu e morreu no Rio de Janeiro, respectivamente, em 1865 e 1918. Ingressou precocemente, aos 15 anos, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, por impo-sição do seu pai, que era médico; cursou até o quinto ano, e, apesar do auspicioso futuro que todos lhe auguravam, desistiu do curso. “Há relatos que contam que Olavo Bilac não concluiu seu curso de Medi-cina devido a sua necrofilia. Bilac, segundo algumas fontes, as quais tentam ser abafadas, tinha relações sexuais com os cadáveres de sua faculdade” [http://pt.wikipedia.org/wiki/Olavo_Bilac]. Tentou Direito em São Paulo, onde não passou do primeiro ano. Atraído, pela vida fluminense, voltou ao Rio, estreando, com grande êxito, na imprensa li-terária, utilizando-se muitas vezes de pseudônimos (usava mais de meia centena), para escrever textos que faziam rir e esbravejar muita gente.

A irradiação do seu nome foi rápida, e fulgurou com a publicação de Poesias (incluindo Panóplias, Via Láctea e Sarças de Fogo - 1888). Foi um dos mais ardorosos propagandistas da abolição, ligando-se es-treitamente a José do Patrocínio. Em 1900 partiu para a Europa como correspondente da publicação Cidade do Rio. Daí em diante, raro era o ano em que não visitava Paris.

Exerceu vários cargos públicos no estado do Rio de Janeiro e na an-tiga Guanabara, tendo sido inspetor escolar, secretário do Congresso Panamericano e fundador da Agência Americana. Foi um dos funda-dores da Liga da Defesa Nacional (da qual foi secretário geral), tendo lutado pelo serviço militar obrigatório, que considerava uma forma de combate ao analfabetismo. Conferencista de platéias elegantes, sua obra tornou-se leitura obrigatória, sendo declamado nos círculos li-terários. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, na cadeira 15, cujo patrono é Gonçalves Dias.

Considerado o maior nome parnasiano brasileiro, foi bastante in-fluenciado pelos poetas franceses. Suas poesias revelam uma gran-de emoção, nada típica dos parnasianos, certo erotismo e influência marcante da poesia portuguesa dos séculos XVI e XVII. A correção da

Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac

Fonte: http://www.olivreiro.com.br/imagens/autor/Fonte: perfil/147x154/99776.jpg

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linguagem, o rigor da forma e a espontaneidade são as principais ca-racterísticas de seus versos.

Além de Poesias, também publicou Crônicas e Novelas, Conferências Literárias, Ironia e Piedade, Bocage, Crítica e Fantasia, e, em colabora-ção, Contos Pátrios (infantil), Livro de Leitura, Livro de Composição, Através do Brasil (os últimos três, pedagógicos), Teatro Infantil, Terra Fluminense, Pátria Brasileira, Tratado de Versificação, A Defesa Nacional (coleção de dis-cursos), Últimas Conferências e Discursos, Dicionário Analógico (inédito) e Tarde (póstuma, coleção de 99 sonetos).

Seu volume de Poesias Infantis, encomendado pela Livraria Fran-cisco Alves, é uma coleção de 58 poemas metrificados falando sobre a natureza e a virtude. Segundo suas próprias palavras, “era preciso achar assuntos simples, humanos, naturais, que, fugindo da banalida-de, não fossem também fatigar o cérebro do pequenino leitor, exigindo dele uma reflexão demorada e profunda”.

É autor do Hino à Bandeira Nacional.

Segundo Moisés (op. cit.), é “mais importante como poeta que como prosador.” Foi eleito, em 1907, “príncipe dos poetas brasileiros”, pela revista Fon-Fon.

Foi um dos poetas mais combatidos pelos modernistas. Além de parnasiano, sua obra apresenta tonalidades românticas. Sua poesia amorosa e sensual expressa-se em versos vibrantes, plenos de emoção. Em sua última fase, Bilac revela-se mais interiorizado, questionando o sentido da vida e do mundo. Em Alma inquieta, surgem poemas em que predomina o tom meditativo e melancólico, que será a tônica de seu último livro, Tarde, no qual é constante a preocupação com a morte e o sentido da vida. [http://pt.shvoong.com/books/biography/1770236--biografia-olavo-bilac/].

Ficou noivo de Amélia de Oliveira, irmã de Alberto de Oliveira, mas por imposição de outro irmão dela, que o achava um homem sem futuro, foi obrigado a romper o noivado. Seu segundo noivado foi ainda menos duradouro, com Maria Selika, filha do violonista Francisco Pereira da Costa. Viveu só, sem constituir família, até o fim de seus dias.

Atividade Ia) Procure associar entre si três informações presentes no texto acima: sua

inteligência precoce, que o fez ingressar na Faculdade de Medicina aos 15 anos; sua necrofilia; sua participação polêmica na imprensa carioca.

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b) Como você vê a intensa participação pública de Olavo Bilac, através das campanhas que promoveu (abolicionismo, serviço militar, analfabetismo...)?

c) A partir das informações que temos de sua atuação social e política, podemos claramente perceber a que classe social o poeta pertencia. O que esse detalhe pode esclarecer em relação ao desempenho e aceitação do Parnasianismo entre a elite brasileira?

d) Veja o que Bilac falou, em discurso proferido em 1907, quando recebeu uma homenagem no Rio de Janeiro: “Que fizemos nós? Fizemos isto: transformamos o que era até então um passatempo, um divertimento, naquilo que é hoje uma profissão, um culto, um sacerdócio: estabelecemos um preço para nosso trabalho, porque fizemos desse trabalho uma necessidade primordial da vida moral e da civilização de nossa terra.” Como você analisa essas palavras do poeta?

Alberto de Oliveira

Antônio Mariano Alberto de Oliveira, farmacêutico, professor e po-eta, nasceu em Palmital de Saquarema, RJ, em 28 de abril de 1857, e faleceu em Niterói, RJ, em 19 de janeiro de 1937. Um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, ocupou a Cadeira nº 8, cujo patrono, escolhido pelo ocupante, é Cláudio Manuel da Costa.

Fez os estudos primários em escola pública na vila de N. S. de Nazaré de Saquarema. Depois cursou humanidades em Niterói. Diplo-mou-se em Farmácia, em 1884, e cursou a Faculdade de Medicina até o terceiro ano, onde foi colega de Olavo Bilac, com quem, desde logo, estabeleceu as melhores relações pessoais e literárias.

Em 1892, foi oficial de gabinete do presidente do Estado, José To-más da Porciúncula. De 1893 a 1898, exerceu o cargo de diretor geral da Instrução Pública do Rio de Janeiro. No Distrito Federal, foi profes-sor da Escola Normal e da Escola Dramática.

Com dezesseis irmãos, sendo nove homens e sete moças, todos com inclinações literárias, destacou-se Alberto de Oliveira como a mais completa personalidade artística. Ficou famosa a casa da Engenhoca, arrabalde de Niterói, onde residia, com os filhos, o casal Oliveira, e que era frequentada, na década de 1880, pelos mais ilustres escrito-res brasileiros, entre os quais Olavo Bilac, Raul Pompéia, Raimundo Correia, Aluísio e Artur Azevedo, Afonso Celso, Guimarães Passos, Luís

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Antônio Mariano Alberto de Oliveira

Fonte: http://purl.pt/93/1/iconografia/imagens/j1669m_19020101_354/j1669m_19020101_354_3.jpg

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Delfino, Filinto de Almeida, Rodrigo Octavio, Lúcio de Mendonça, Par-dal Mallet e Valentim Magalhães. Nessas reuniões, só se conversava sobre arte e literatura. Sucediam-se os recitativos. Eram versos próprios dos presentes ou alheios. Heredia, Leconte, Coppée, France eram os nomes tutelares, quando o Parnasianismo francês estava no auge.

Em seu livro de estréia, em 1877, Canções Românticas, Alberto de Oliveira mostrava-se ainda preso aos cânones românticos. Mas sua posição de transição não escapou ao crítico Machado de Assis num famoso ensaio, de 1879, em que assinala os sintomas da “nova gera-ção”, como se autodenominavam, então, os parnasianos.

Nas Meridionais (1884), está o seu momento mais alto no que con-cerne à ortodoxia parnasiana. Concretiza-se o forte pendor pelo obje-tivismo e pelas cenas exteriores, o amor da natureza, o culto da forma, a pintura da paisagem, a linguagem castiça e a versificação rica. Essas qualidades se acentuam nas obras posteriores.

Foi um dos maiores cultores do soneto em língua portuguesa. Com Raimundo Correia e Olavo Bilac, constituiu a trindade parnasiana no Brasil. Tendo envelhecido tranquilamente, Alberto de Oliveira pôde as-sistir, através de uma longa existência, ao fim da sua escola poética. “Embora tenha vivido 80 anos de profundas transformações políticas, econômicas, e sociais, além de literárias, Alberto de Oliveira sempre permaneceu fiel ao Parnasianismo e à margem dos acontecimentos his-tóricos. (...) Sua temática restringiu-se aos rígidos limites impostos pela Escola: uma poesia descritiva, cujos temas abrangiam desde a natureza até meros objetos, exaltando-lhes a forma (...). São características de seus poemas a impassibilidade (por vezes esquecida em alguns sone-tos de tom mais intimista), o culto da arte pela arte e a exaltação da Antiguidade Clássica. Destacamos ainda a perfeição formal, a métrica rígida e a linguagem extremamente trabalhada, chegando por vezes ao rebuscamento.” (NICOLA, 1998, p. 203).

Durante toda a carreira literária, colaborou também em jornais ca-riocas: Gazetinha, A Semana, Diário do Rio de Janeiro, Mequetrefe, Combate, Gazeta da Noite, Tribuna de Petrópolis, Revista Brasileira, Correio da Manhã, Revista do Brasil, Revista de Portugal, Revista de Língua Portuguesa. Era um apaixonado bibliógrafo, e chegou a possuir uma das bibliotecas mais escolhidas e valiosas de clássicos brasileiros e portugueses, que doou à Academia Brasileira de Letras.

Atividade II

a) Assim como seu amigo Olavo Bilac, Alberto de Oliveira também ocupou vários cargos públicos. O que você acha dessa atuação dos literatos na vida pública?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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b) O que você acha de Alberto de Oliveira, durante os seus oitenta anos de vida, tendo sido contemporâneo de uma série de acontecimentos sociais, políticos, econômicos, nunca ter se envolvido com nenhum deles, com nada além de sua própria poesia?

c) Analise a importância dos encontros de poetas e literatos em geral, em reuniões na residência de Alberto de Oliveira, nas quais só se fala em literatura, para a concretização do movimento parnasiano.

Raimundo CorreiaRaimundo da Mota de Azevedo Correia, magistrado, professor, di-

plomata e poeta, nasceu em 13 de maio de 1859, a bordo do navio brasileiro São Luís, ancorado na baía de Mogúncia, MA, e faleceu em Paris, França, em 13 de setembro de 1911. É o fundador da Cadeira nº 5 da Academia Brasileira de Letras.

Foram seus pais o Desembargador José Mota de Azevedo Correia, descendente dos duques de Caminha, e Maria Clara Vieira da Silva. Vindo a família para a Corte, o pequeno Raimundo foi matriculado no Internato do Colégio Nacional, hoje Pedro II, onde concluiu os estudos preparatórios em 1876. No ano seguinte, matriculou-se na Faculda-de de Direito de São Paulo. Ali encontrou um grupo de rapazes entre os quais estavam Raul Pompéia, Teófilo Dias, Eduardo Prado, Afonso Celso, Augusto de Lima, Valentim Magalhães, Fontoura Xavier e Silva Jardim, todos destinados a ser grandes figuras das letras, do jornalismo e da política.

Em São Paulo, no tempo de estudante, colaborou em jornais e re-vistas. Estreou na li-teratura em 1879, com o volume de poesias Primei-ros sonhos. Em 1883, publicou as Sinfonias, onde se encontra um dos mais conhecidos sonetos da língua portuguesa, As pombas. Este poema valeu a Raimundo Correia o epíteto de “o Poeta das pombas”, que ele, em vida, tanto detestou. Recém-formado, veio para o Rio de Janeiro, sendo logo nomeado promotor de justiça de São João da Barra, e, em fins de 1884, era juiz municipal e de órfãos e ausentes em Vassouras. Em 21 de dezembro daquele ano, casou-se com Mariana Sodré, de ilustre família fluminense. Em Vassouras, começou a publicar poesias e páginas de prosa no jornal O Vassourense, do poeta, humanista e músico Lucindo Filho, no qual colaboravam nomes ilustres: Olavo Bi-lac, Coelho Neto, Alberto de Oliveira, Lúcio de Mendonça, Valentim Magalhães, Luís Murat, e outros. Em começos de 1889, foi nomeado secretário da presidência da província do Rio de Janeiro, no governo

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Raimundo da Mota de Azevedo Correia

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/c/c1/Raimundo_Correia.jpg/200px-Raimundo_Correia.jpg

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do conselheiro Carlos Afonso de Assis Figueiredo. Após a proclamação da República, foi preso. Sendo notórias as suas convicções republica-nas, foi solto, logo a seguir, e nomeado juiz de direito em São Gonçalo de Sapucaí, no sul de Minas.

Em 22 de fevereiro de 1892, foi nomeado diretor da Secretaria de Finanças de Ouro Preto. Na então capital mineira, foi também profes-sor da Faculdade de Direito. No primeiro número da Revista que ali se publicava, apareceu seu trabalho As antiguidades romanas. Em 1897, no governo de Prudente de Morais, foi nomeado segundo secretário da Le-gação do Brasil em Portugal. Ali edita suas Poesias, em quatro edições sucessivas e aumentadas, com prefácio do escritor português D. João da Câmara. Por decreto do governo, suprimiu-se o cargo de segundo-secretário, e o poeta voltou a ser juiz de direito. Em 1899, residindo em Niterói, era diretor e professor no Ginásio Fluminense de Petrópolis.

Em 1900, voltou para o Rio de Janeiro, como juiz de vara cível, cargo em que permaneceu até 1911. Por motivos de saúde, partiu para Paris em busca de tratamento. Ali veio a falecer. Seus restos mortais ficaram em Paris até 1920. Naquele ano, juntamente com os do poeta Guimarães Passos, também falecido na capital francesa, foram trans-ladados para o Brasil, por iniciativa da Academia Brasileira de Letras.

Raimundo Correia ocupa um dos mais altos postos na poesia bra-sileira. Seu livro de estréia, Primeiros sonhos (1879) insere-se ainda no Romantismo. Já em Sinfonias (1883) nota-se o feitio novo que seria definitivo em sua obra, o Parnasianismo. Segundo os cânones dessa escola, que estabelecem uma estética de rigor formal, ele foi um dos mais perfeitos poetas da língua portuguesa, formando com Alberto de Oliveira e Olavo Bilac a famosa trindade parnasiana. Além de poesia, deixou obras de crítica, ensaio e crônicas.

Os temas adotados por Raimundo Correia giram em torno da perfeição formal dos objetos. Ele se diferencia um pouco dos demais parnasianos porque sua poesia é marcada por um forte pessimismo, chegando até a ser sombria. Ao analisar sua obra, percebe-se que há nela uma mudança contínua. Ele iniciou sua carreira como Romântico, depois adotou o Parnasianismo e, em alguns poemas aproximou-se da escola simbolista.

Atividade IIIa) Observe que o autor tem uma origem ilustre: filho de um desembargador,

descendente de nobres, sua família é tradicional no Maranhão. Que influências a classe de origem pode ter sobre a obra de um poeta como Raimundo Correia?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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b) Analise a importância das faculdades na formação de grupos de autores, que convivem no cotidiano acadêmico, fortalecendo laços e estabelecendo um estilo de escrever parecido.

c) Como você vê essa gradativa mudança de estilo de Raimundo Correia, que caminha, em sua produção poética, do Romantismo até o Simbolismo?

Francisca Júlia

Muito pouco se escreveu sobre o maior vulto feminino do parnasia-nismo brasileiro. Num universo inteiramente dominado por poetas do chamado sexo forte, Francisca Júlia provou que mulher também sabia fazer poesia de qualidade. Como poucos, criou versos perfeitos e em nada ficou a dever à chamada “trindade parnasiana” (Olavo Bilac, Raimundo Correa e Alberto de Oliveira, que foram seus admiradores e principais incentivadores).

Desde a infância, Francisca Júlia já demonstrava pendor para a poesia. O ambiente familiar a isso contribuía: o pai, Miguel Luso da Silva, era advogado provisionado, amigo particular dos livros; a mãe, Cecília Isabel da Silva, professora na escola de Xiririca (hoje Eldorado, no Vale do Ribeira, Estado de São Paulo). Foi nessa aprazível cidade às margens do Rio Ribeira de Iguape que, a 31 de agosto de 1871, nasceu a poetisa Francisca Júlia da Silva.

Transferindo-se com os pais para São Paulo, Francisca Júlia logo passou a colaborar com os jornais mais importantes da época. Sua estreia deu-se no jornal O Estado de S. Paulo, onde publicou seus pri-meiros sonetos. A partir de então, começou a colaborar assiduamente para o Correio Paulistano e Diário Popular. Colaborou também para jornais do Rio de Janeiro, com destaque para as revistas O Álbum, de Arthur Azevedo, e, especialmente, A Semana.

Em 1895, apareceria seu primeiro livro, Mármores, reunindo sone-tos publicados n´A Semana, de 1893 até aquele ano, custeado pelo editor Horácio Belfort Sabino. Prefaciado por João Ribeiro, o livro cau-sou sensação nas rodas culturais de São Paulo e Rio de Janeiro. Olavo Bilac, numa crônica emocionada, destacou: “Em Francisca Júlia sur-preendeu-me o respeito da língua portuguesa, não que ela transporte para a sua estrofe brasileira a dura construção clássica: mas a língua doce de Camões, trabalhada pela pena dessa meridional, que traz para a arte escrita todas as suas delicadezas de mulher, toda a sua faceirice de moça, nada perde da sua pureza fidalga de linhas. O português de Francisca Júlia é o mesmo antigo português, remoçado por um banho maravilhoso de novidade e frescura.”

Francisca Júlia

Fonte: http://2.bp.blogspot.com/_cMeo1SxrGQc/S8-atu2CkrI/AAAAAAAAALM/IRmMjuI0lB0/s320/

Francisca_Julia.jpg

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A Semana era uma das revistas mais conceituadas que então se edi-tava na Capital Federal. Dirigida por Valentim Magalhães, tinha como redatores ilustres escritores da época João Ribeiro, Araripe Júnior e Lúcio de Mendonça. A estreia de Francisca Júlia na revista provocou grande alvoroço: os redatores não acreditavam que uma mulher pu-desse escrever versos tão perfeitos. Não foi sem razão que João Ribeiro exclamou: “Isto não é verso de mulher! Deve ser uma brincadeira do Raimundo Correia!...”

Encantado com esse talento literário que emergia, João Ribeiro pre-faciaria o livro Mármores. Ombreando-a à trindade parnasiana, Ribeiro escreveu: “Nem aqui, nem no sul nem no norte, onde agora floresce uma escola literária, encontro um nome que se possa opor ao de Fran-cisca Júlia. Todos lhe são positivamente inferiores no estro, na composi-ção e fatura do verso, nenhum possui em tal grau o talento de reproduzir as belezas clássicas com essa fria severidade de forma e de epítetos que Heredia e Leconde deram o exemplo na literatura francesa.”

João Ribeiro espargiu mais elogios, recordando a estréia da poetisa n´A Semana: “A sua poesia enérgica, vibrante, trazia a veemência de sonoridades estranhas, nunca ouvidas, uma música nova que as cítaras banais do nosso Olimpo nos haviam desacostumado.”

Tanto confete lançado em torno de sua estreia literária parece não ter subido à cabeça da jovem e já consagrada poetisa, então com 24 anos. Ao contrário, cada vez mais incentivada por amigos de peso, dedica-se integralmente à atividade poética, traduzindo para o portu-guês versos do poeta alemão Heine.

Apesar de parnasiana na forma, Francisca Júlia também teve al-guma passagem pelo simbolismo, introduzido no Brasil nessa última década do século XIX.

Em 1899, juntamente com o irmão Júlio César, escreve o Livro da In-fância, obra didática, logo adotada pelo Governo de São Paulo, em es-colas do primeiro grau. Seu segundo e último livro de poesias, Esfinges, porém, só apareceria em 1903, novamente prefaciado pelo amigo e admirador João Ribeiro, sendo editado pela firma Bentley Júnior & Cia.

A exemplo de Mármores, seu novo livro foi igualmente aplaudido pela crítica. Aristeu Seixas não poupou elogios: “Nenhuma pena ma-nejada por mão feminina, seja qual for o período que remontemos, jamais esculpiu, em nossa língua, versos que atinjam a perfeição sem par e a beleza estonteante dos concebidos pelo raro gênio da peregrina artista.”

Outros poetas famosos não deixaram de manifestar, em crônicas emocionadas, vibrantes elogios à mais nova produção literária de Fran-cisca Júlia, entre eles, Vicente de Carvalho e Coelho Neto.

Em 1909, a poetisa contrai matrimônio com Filadelfo Edmundo Munster, telegrafista da Estrada de Ferro Central do Brasil. Nessa oca-sião, foi convidada (e gentilmente recusou) a fazer parte da Academia Paulista de Letras, então em vias de ser fundada [consta que tal recusa se deveu ao fato de não aceitarem também, na Academia, seu inse-

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parável irmão]. A partir desse ano, decide deixar a poesia de lado e se dedicar apenas ao esposo e ao lar.

Alguns anos mais tarde, outra vez em colaboração com o irmão Júlio César, produz seu último trabalho literário, Alma Infantil, editado em 1912 pela Livraria Magalhães.

Acometido de tuberculose, após demorado tratamento, Filadelfo Munster faleceu em 31 de outubro de 1920. A perda do companheiro tão querido foi arrasadora para a sensível poetisa, cuja emoção não pode conter, em nada demonstrando ser a autora daqueles versos frios, impassíveis. Confessou aos amigos que sua vida não tinha mais sentido sem a companhia do marido e deixou claro que “jamais poria o véu de viúva” (seria uma indicação de suicídio?). Retirou-se para repousar em seu quarto e ingeriu excessiva dose de narcóticos, falecendo em seguida, aos 49 anos. Seu corpo foi enterrado no Cemitério do Araçá, em São Paulo, ao meio-dia de 2 de novembro.

A despeito da importância incontestável de sua obra, Francisca Jú-lia ainda não ocupa o lugar que lhe é devido no cenário da poesia brasileira, talvez por “esquecimento” dos estudiosos da literatura brasi-leira e dos críticos literários em geral. Nos livros didáticos adotados nas escolas secundárias e nas universidades, pouco ou nada se encontra sobre a poetisa e sua obra. É uma falta de respeito à sua memória e uma dívida a ser resgatada com a literatura de língua portuguesa.

Roberto Fortes [http://vbookstore.uol.com.br/biografias/francisca_julia.shtml]

Atividade IV

a) Comente a frase de João Ribeiro, quando da estreia de Francisca Julia na revista A Semana: “Isto não é verso de mulher! Deve ser uma brincadeira do Raimundo Correia!...”

b) Na sua opinião, por que, mesmo com tantos e tão efusivos elogios dos críticos da época, inclusive dos próprios poetas parnasianos, a obra de Francisca Júlia ficou tão esquecida, ao ponto de gerar esse desabafo do crítico literário Roberto Fortes?

c) Comente a aparente contradição de comportamento entre a escritura da poetisa e suas atitudes cotidianas, principalmente as que envolveram seu marido, no casamento e na morte deste.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Texto 2 Depois de conhecermos e discutirmos um pouco sobre a vida dos

três poetas e da poetisa parnasianos, apresentaremos quatro sonetos, um de cada autor, os quais devem ser lidos observando-se atentamente as características do movimento literário em estudo. Em seguida, pro-cure interpretá-los, analisá-los...

XIII Olavo Bilac

“Ora (direis) ouvir estrelas! CertoPerdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto A via láctea, como um pálio aberto, Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas.”

Horas MortasAlberto de Oliveira

Breve momento após comprido dia De incômodos, de penas, de cansaço Inda o corpo a sentir quebrado e lasso, Posso a ti me entregar, doce Poesia.

Desta janela aberta, à luz tardiaDo luar em cheio a clarear no espaço,Vejo-te vir, ouço-te o leve passoNa transparência azul da noite fria.

Chegas. O ósculo teu me vivificaMas é tão tarde! Rápido flutuasTornando logo à etérea imensidade;

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E na mesa em que escrevo apenas ficaSobre o papel - rastro das asas tuas,Um verso, um pensamento, uma saudade.

Beijos do Céu Raimundo Correia

Sonhei-te assim, ó minha amante, um dia:- Vi-te no céu; e, anamoradamente,De beijos, a falange resplendenteDos serafins, teu corpo inteiro ungia...

Santos e anjos beijavam-te... Eu bem viaBeijavam todos o teu lábio ardente;E, beijando-te, o próprio Onipotente,O próprio Deus nos braços te cingia!

Nisto, o ciúme – fera que eu não domo –Despertou-me do sonho, repentinoVi-te a dormir tão plácida a meu lado...

E beijei-te também, beijei-te... e, ai! ComoAchei doce o teu lábio purpurino.Tantas vezes assim no céu beijado!

Musa Impassível IIFrancisca Julia

Ó Musa, cujo olhar de pedra, que não chora,Gela o sorriso ao lábio e as lágrimas estanca!Dá-me que eu vá contigo, em liberdade franca,Por esse grande espaço onde o impassível mora.

Leva-me longe, ó Musa impassível e branca!Longe, acima do mundo, imensidade em fora,Onde, chamas lançando ao cortejo da aurora,O áureo plaustro do sol nas nuvens solavanca.

Transporta-me de vez, numa ascensão ardente,À deliciosa paz dos Olímpicos-LaresOnde os deuses pagãos vivem eternamente,

E onde, num longo olhar, eu possa ver contigoPassarem, através das brumas seculares,Os Poetas e os Heróis do grande mundo antigo.

Estátua de Francisca Jú-lia, esculpida por Victor Brecheret, denomina-da “Musa Impassível”

Fonte: http://gale-ota.files.wordpress.com/2009/08/francis-ca_julia_da_silva22.jpg

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Atividade VApós a leitura, reflexão, interpretação e análise dos quatro sonetos acima, pro-duza textos sobre eles, e os partilhe com seus colegas, através do Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA. Vamos fazer um grande estudo e recital virtual, através da rede.

Sugestões de Filmes

O sangue de um poeta (1930)

Este antigo filme francês (em preto e branco) reflete sobre o mundo interior de um poeta, seus medos, obsessões e sua preocu-pação com a morte, em quatro sequências atemporais e ilógicas.

Jean Cocteau, que ganhou reputação na década de 20 como “Gênio Louco”, fez seu debute como escritor, diretor, roteirista e narrador nesta fantasmagórica obra-prima. Como um artista salpicando tinta na tela, Cocteau criou uma colagem de alegorias magnetizantes e imagens ple-nas de simbolismo visual e efeitos abstratos.

Elenco: Elizabeth Lee Miller, Pauline Carton, Enrique Rivero, Jean Desbordes, Odette Talazac, Fernand Dichamps, Lucien Jager, Féral Benga. Direção: Jean Cocteau. Duração: 55 min.

O carteiro e o poeta (1994)

Por razões políticas o poeta Pablo Neruda se exila em uma ilha na Itália. Lá um desempregado quase analfabeto é contratado como carteiro extra, encarregado de cuidar da correspondência do poeta, e gradativamente entre os dois se forma uma sólida amizade.

Elenco: Massimo Troisi, Philippe Noiret, Maria Grazia Cucinotta, Re-nato Scarpa, Linda Moretti, Mariano Rigillo, Anna Bonaiuto. Direção: Michael Radford. Duração: 110 min.

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ResumoPodemos observar, nesta aula, a importância de quatro de nossos

mais conhecidos poetas parnasianos. Cada um, mesmo fazendo parte de um movimento que exigia certas posturas poéticas, seguiu caminhos bem próprios, distanciando-se, por vezes, das propostas da escola. Ola-vo Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia, componentes da cha-mada Tríade Parnasiana, e Francisca Júlia, única mulher a aparecer nesse cenário poético – e por isso mesmo discriminada ainda hoje – compuse-ram nossa linha de estudo. Vimos que, em comum os quatro têm o fato de serem “bem nascidos”, vindos de uma elite social e cultural, produ-zindo, consequentemente, uma poesia que agradou à elite brasileira do final do século XIX, estendendo-se até as primeiras décadas do século XX.

AutoavaliaçãoObserve se:

• compreendeu o momento histórico e os acontecimentos que influenciaram o estilo parnasiano;

• identificou corretamente as características da poesia parnasiana, principalmente a sua preocupação com a forma;

• entendeu a extensão da influência parnasiana na literatura e na sociedade brasileira, bem como sua aceitação pelo público e cultivo pelos escritores.

ReferênciasBILAC, Olavo. Obra reunida. Rio de Janeiro: Aguilar, 1996

MOISÉS, Massaud. A Literatura Brasileira através dos textos. 23. ed. São Paulo: Cultrix, 2002

NICOLA, José de. Literatura Brasileira das origens aos nossos dias. 15. ed. São Paulo: Scipio-ne, 1998

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Simbolismo

IX UNIDADE

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Apresentação

O homem – e os autores realistas em particular – foi ficando exaurido de tanto materialismo, encharcado de tanta realidade, e o pior, frustra-do por não conseguir transformar a sociedade burguesa industrial. O tão decantado progresso já não o encantava mais e apenas um gran-de desgosto parecia tomar conta de todos. O decadentismo se anun-ciava, levando os autores a buscar

refúgio na espiritualidade. A partir daí, a descrição objetiva, o decalque da realidade dá lugar à sugestão, ao símbolo.

O Simbolismo é um movimento que retoma, de forma radical e profunda o subjetivismo romântico. Tem início na França, a partir da publicação de Flores do Mal, de Baudelai-re, em 1857. No Brasil, esse movimento aparece em 1893, quando Cruz e Sousa, seu nome mais importante, publica dois livros: Broquéis (poesia) e Missal (prosa).

Foi uma escola cujos autores foram deliberadamente dis-criminados pelos parnasianos brasileiros, dominantes qua-se que exclusivos do cenário literário nacional. Frise-se que que os simbolistas foram literalmente rechaçados, quando da fundação da Academia Brasileira de Letras, uma criação eminentemente parnasiana.

Conheceremos, nesta aula, um pouco das bases filosó-ficas, da temática e das características dessa escola literá-ria. Na próxima aula, entraremos em contato com os dois poetas brasileiros que se destacaram no movimento: o já citado Cruz e Sousa (catarinense) e o mineiro Alphonsus de Guimaraens.

Vamos lá?

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Objetivos

É nosso desejo que, ao final desta unidade, você consiga:

• conhecer os fundamentos filosóficos e teóricos que embasam o Simbolismo literário;

• reconhecer a importância para a literatura da época, dos acon-tecimentos históricos e sociais do período;

• compreender o conceito de decadentismo, uma das denomina-ções do Simbolismo.

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Texto 1Neste texto (BOSI, 2004, p. 263-267), procuramos focalizar as ca-

racterísticas básicas do Simbolismo. Leia com atenção, pois em seguida conversaremos.

CARACTERES GERAIS

O parnaso legou aos simbolistas a paixão do efeito estéti-co. Mas os novos poetas buscavam algo mais: transcender os seus mestres para reconquistar o sentimento de totalidade que parecia perdido desde a crise do Romantismo. A arte pela arte de um Gautier e de um Flaubert é assumida por eles, mas re-tificada pela aspiração de integrar a poesia na vida cósmica e conferir-lhe um estatuto de privilégio que tradicionalmente ca-beria à religião ou à filosofia.

Visto à luz da cultura europeia, o Simbolismo reage às correntes analíticas dos meados do século, assim como o Ro-mantismo reagiria à Ilustração triunfante em 89. Ambos os mo-vimentos exprimem o desgosto das soluções racionalistas e me-cânicas e nestas reconhecem o correlato da burguesia industrial em ascensão; ambas recusam-se a limitar a arte ao objeto, à técnica de produzi-lo, a seu aspecto palpável; ambos, enfim, es-peram ir além do empírico e tocar, com a sonda da poesia, um fundo comum que susteria os fenômenos, chame-se Natureza, Absoluto, Deus ou Nada.

O símbolo, considerado categoria fundante da fala huma-na e originariamente preso a contextos religiosos, assume nessas correntes a função-chave de vincular as partes ao Todo universal, que, por sua vez, confere a cada uma o seu verdadeiro sentido.

Na cultura ocidental, a partir das revoluções burguesas da Inglaterra e da França, os grupos que se achavam na ponta de lança do processo foram perdendo a vivência religiosa dos símbolos e fixando-se na imanência dos dados científicos ou no prestígio dos esquemas filosóficos: empirismo, sensismo, mate-rialismo, positivismo. Os pontos de resistência viriam dos estratos pré-burgueses ou antiburgueses, isto é, dos aristocratas ou das baixas classes médias, postas à margem da industrialização. (...)

A crise repropõe-se no último quartel do século XIX, quando a segunda revolução industrial, já de índole abertamente ca-pitalista, traz à luz novos correlatos ideológicos: cientificismo, determinismo, realismo “impessoal”. Do âmago da inteligência europeia surge uma oposição vigorosa ao triunfo da coisa e do fato sobre o sujeito – aquele a quem o otimismo do século prometera o paraíso, mas não dera senão um purgatório de contrastes e frustrações. É um poderoso élan antiburguês, e não raro místico, que atravessa os romances de Dostoievski (conhe-cido no Ocidente depois de 1880), o teatro de Strindberg, a

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música do último Wagner, a filosofia de Nietzsche, a poesia de Baudelaire, de Hopkins, de Rimbaud, de Blok.

As novas atitudes de espírito almejam a apreensão direta dos valores transcendentais, o Bem, o Belo, o Verdadeiro, o Sagrado, e situam-se no pólo oposto da ratio calculista e anô-nima. Não tentam, porém, superá-la pelo exercício de outra razão, mais alta e dialética, que Hegel já havia ensinado no princípio do século; as suas armas vão ser as da paixão e do so-nho, forças incônscias que a Arte deveria suscitar magicamente.

O Simbolismo surge nesse contexto como um sucedâneo, para uso de intelectuais, das religiões positivas; e a liturgia, que nestas é a prática concreta e diária das relações entre a Nature-za e a Graça, nele reaparece em termos de analogias sensórias e espirituais, a “correspondência” de que falava Baudelaire (...). E em tom oposto, mas reafirmando a coesão última de todos os seres, a voz do nosso Cruz e Sousa: “Tudo na mesma ansiedade gira, / rola no Espaço, dentre a luz suspira / e chora, chora, amargamente chora... // Tudo nos turbilhões de Imensidade / se confunde na trágica ansiedade / que almas, estrelas, amplidões devora.” (Últimos Sonetos – Ansiedade).

E do mesmo poeta das Flores do Mal as reflexões que seguem, tomadas à prosa crítica da Arte Romântica: (...) sabemos que os símbolos são obscuros apenas de modo relativo, isto é, segundo a pureza, a boa vontade ou a clarividência nativa das almas. Ora, o que é um poeta (tomo a palavra na sua acepção mais ampla), senão um tradutor, um decifrador? Nos poetas excelentes não há metáfora, similitude ou epíteto que não se ajuste, com matemática exatidão, à circunstância atual, porque aquelas similitudes, aque-las metáforas são extraídas da inexaurível profundeza da analogia universal e não podem ser tiradas de outra fonte.

(...)

Os coetâneos dos “poetas malditos”1 chamaram-lhes deca-dentes. Como evasão, e mesmo loucura, foi sentido o esforço desses homens que voltavam as costas ao prestígio das reali-dades “positivas” e se apoiavam em uma fé puramente verbal, em uma liturgia magramente literária, enfim, numa “oração” veleitária e narcisista. O malogro do Simbolismo, como visão do mundo, foi sensível em toda parte. Mas, despojado das suas ambições de abraçar a totalidade do real, o que restou dele? Um modo de entender e de fazer poesia, isto é, aquela face estetizante do movimento que lembra de perto o Parnasianismo, a arte pela arte, e, nos momentos de entropia, o culto das fór-mulas, o dandismo (...).

Pode-se perguntar qual o sentido desse rápido empobreci-mento de uma corrente estética que descendia de gênios univer-sais como Dostoievski e Nietzsche, e de poetas da envergadura de Baudelaire, Rimbaud e Mallarmé. Arrisco uma explicação: o horror à mentalidade positivista da práxis burguesa pode inspi-

1 A expressão vem do título que Verlaine deu a sua antologia de simbolistas: Poètes mau-dits, Paris, 1884.

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rar belas imagens e melodias, fragmentos de uma concentrada paixão; pode dar novo brilho à prosa poética e fazer vibrar os ritmos que o gosto acadêmico enrijecera em formas métricas; pode, enfim, dinamizar o léxico, acentuan-do a carga emotiva de certas palavras, diluindo o prosaico de outras, ou trazendo à poesia conotações inesperadas. Mas toda essa floração esté-tica, para suster-se à tona das águas móveis da cultura, precisa afundar suas raízes no chão firme da realidade histórica, res-pondendo às contradições desta, e não apenas a uma ou outra exigência de certos grupos culturais.

O irracionalismo literário não é capaz de substituir em força e universidade as crenças tradicionais; nem o seu alheamen-to da ciência e da técnica vai ao encontro das necessidades das massas que ocuparam o cenário da História neste século e têm clamado por uma cultura que promova e interprete os bens advindos do progresso. Daí, os limites fatais da sua in-fluência. No entanto, o irracionalismo dos decadentes valeu (e poderá ainda valer) como sintoma de algo mais importante que os seus mitemas: o incômodo hiato entre os sistemas pretensa-mente “racionais” e “liberais” da sociedade contemporânea e a efetiva liberdade do homem que as estruturas socioeconômi-cas vão lesando na própria essência, reduzindo-o a instrumento de mercado e congelando-o em papéis sociais cada vez mais oprimentes. Os Simbolistas – como depois as vanguardas surre-alistas e expressionistas – tiveram esta função relevante: dizer do mal-estar profundo que tem enervado a civilização industrial; e o fato de terem oferecido remédios inúteis, quando não perigo-sos, porque secretados pela própria doença, não deve servir de pretexto para tardias excomunhões.

Atividade Ia) Pesquise sobre o Iluminismo e explique por que o autor comparou a reação

simbolista em relação ao Realismo, à romântica em relação ao Classicismo.

b) Bosi citou Baudelaire ao falar do poeta como um decifrador de símbolos. O que você acha dessa ideia baudelaireana?

c) Em que pontos você percebe aproximações e distanciamentos entre o Simbolismo e o Parnasianismo?

d) Você concorda com Bosi, quando ele afirma que o Simbolismo não tinha profundidade histórica, e por isso empobreceu rapidamente?

Alfredo Bosi, crítico literário e professor da USP

Fonte: http://almanaque.folha.uol.com.br/images/bosiok.jpg

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Texto 2 Pensemos, agora, sobre o Simbolismo brasileiro. Inicialmente, va-

mos ver um texto informativo sobre esse assunto, extraído da internet [http://pt.shvoong.com/books/1691684-simbolismo-brasil/] [http://www.micropic.com.br/noronha/liter_s.htm].

SIMBOLISMO NO BRASIL

No início da década de 1890, no Rio de Janeiro, um grupo de jovens, insatisfeitos com a extrema objetividade e materialis-mo da corrente literária dominante (Realismo / Naturalismo / Parnasianismo), resolve divulgar as novas idéias estéticas vindas da França. Eram conhecidos como os decadentistas. Esse gru-po, formado, principalmente, por Oscar Rosas, Cruz e Sousa e Emiliano Perneta, lança no jornal Folha Popular o primeiro manifesto renovador.

Além desse grupo do Rio de Janeiro, outros jovens, no Ce-ará, fundam uma sociedade literária, dedicada ao culto das excentricidades da nova arte, chamada Padaria Espiritual.

O Simbolismo, no Brasil, representa uma das épocas mais importantes de nossa história literária e cultural. Este movimen-to penetrou em nosso país, por intermédio de Medeiros e Al-buquerque, que, desde 1891, recebia livros dos decadentistas franceses.

É comum, entre críticos e historiadores, afirmar-se que o Brasil não teve momento típico para o Simbolismo, sendo essa escola literária a mais européia, dentre as que contaram com seguidores nacionais, no confronto com as demais. Por isso, foi chamada de “produto de importação”. O Simbolismo no Brasil começa em 1893 com a publicação de dois livros: Missal (prosa) e Broquéis (poesia), ambos do poeta catarinense Cruz e Sousa, e estende-se até 1922, quando se realizou a Semana de Arte Moderna.

O início do Simbolismo não pode ser entendido como o fim da escola anterior, o Realismo, pois no final do século XIX e início do século XX têm-se três tendências que caminham pa-ralelas: Realismo, Simbolismo e Pré-Modernismo, com o apa-recimento de alguns autores preocupados em denunciar a rea-lidade brasileira, entre eles Euclides da Cunha, Lima Barreto e Monteiro Lobato. Foi a Semana de Arte Moderna que pôs fim a todas as estéticas anteriores e traçou, de forma definitiva, novos rumos para a literatura do Brasil.

Fonte: http://www.perfecta.com.br/blog/wp-content/uploads/2012/01/padaria-espiritual.jpg

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Panorama histórico

Entre as últimas décadas do século XIX e princípios do século XX, os simbolistas conviveram num período em que o Brasil procurava con-quistar sua maturidade mental e sua autonomia. Mesmo depois da in-dependência de 1822, a Metrópole ainda continuava a exercer a sua ação colonialista. O comércio, as transações bancárias, a imprensa estavam sob o influxo da Metrópole. A primeira tentativa de autonomia deu-se com a Regência (1830-1841), mas foi só com a Proclamação da República que o Brasil separou-se definitivamente de Portugal. Esse fato levou os homens de letras do século XIX a explorar o tema do na-cionalismo. A busca de “símbolos que traduzam a nossa vida social”, afirma Araripe Júnior.

O Simbolismo, em termos genéricos, reflete um momento histórico extremamente complexo, que marcaria a transição para o século XX e a definição de um novo mundo, consolidado a partir da segunda década deste século. As últimas manifestações simbolistas e as primeiras pro-duções modernistas são contemporâneas da primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa.

Neste contexto de conflitos e insatisfações mundiais (que motivou o surgimento do Simbolismo), era natural que se imaginasse a falta de motivos para o Brasil desenvolver uma escola de época como essa. Mas é interessante notar que as origens do Simbolismo brasileiro se deram em uma região marginalizada pela elite cultural e política: o Sul – a que mais sofreu com a oposição à recém-nascida República, ainda impregnada de conceitos, teorias e práticas militares. A República de então não era a que se desejava. E o Rio Grande do Sul, onde a insa-tisfação foi mais intensa, transformou-se em palco de lutas sangrentas iniciadas em 1893, o mesmo ano do início do Simbolismo.

Chegada do Alm. Custódio José de Melo a Santa Catarina, configurando o encontro da Revolta da Armada com a Revolução Federalista.

A Revolução Federalista (1893 a 1895), que começou como uma dis-puta regional, ganhou dimensão na-cional ao se opor ao governo de Flo-riano Peixoto, gerando cenas de extrema violência e crueldade no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Pa-raná. Além disso, surgiu a Revolta da Armada, movimento rebelde que exi-gia a renúncia de Floriano, comba-tendo, sobretudo, a Marinha brasilei-

ra. Ao conseguir esmagar os revoltosos, o presidente consegue consolidar a República.

Esse ambiente provavelmente representou a origem do Simbolismo, marcado por frustrações, angústias, falta de perspectivas, rejeitando o fato e privilegiando o sujeito. E isto é relevante, pois a principal carac-terística desse estilo de época foi justamente a negação do Realismo e suas manifestações. A nova estética nega o cientificismo, o materialis-

Fonte: http://1.bp.blogspot.com/_pBT1Xc1uMPQ/

SxBRaDh-MZI/AAAAAAAAAXY/TdUcXMtfA7M/s400/

dezembro+de+1893.jpg

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mo e o racionalismo. E valoriza as manifestações metafísicas e espiri-tuais, ou seja, o extremo oposto do Naturalismo e do Parnasianismo.

Características da poesia simbolista

a) O poeta simbolista volta-se para o mundo interior; guia-se pela subjetividade (característica da corrente romântica). O egocentrismo é um princípio fundamental do Romantismo. Enquanto os românticos pesquisavam o interior das pessoas, suas lutas, incertezas, num campo puramente sentimental, o simbolista penetra fundo no mundo invisível e impalpável do ser humano.

b) A poesia simbolista expressa o que há de mais profundo no poeta; por isso, ele se vale de adjetivos que despertem emoções vagas, sugestivas.

c) A descrição é essencialmente subjetiva, identifica o poeta com o íntimo das coisas.

d) Os versos são musicais, sonoros e expressivos. A poesia é separada da vida social, confunde-se com a música, explora o inconsciente através de símbolos e sugestões e dá preferência ao mundo invisí-vel.

e) A linguagem é evocadora, plena de elementos sensoriais: som, luz, cor, formas; há o emprego de palavras raras; o vocabulário é litúr-gico, obscuro, vago.

f) As palavras vêm ligadas ao tema da morte.

g) Emprego frequente de metáforas, analogias sensoriais, sinestesias, aliterações repetição de palavras e de versos, conferindo à poesia musicalidade e poder de sugestão.

h) Fusão da música, pintura e literatura.

Principais autores

Impossível referir-se ao Simbolismo sem reverenciar seus dois gran-des expoentes: Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimarães. Aliás, não seria exagero afirmar que ambos foram o próprio Simbolismo. Especialmente o primeiro, chamado, então, de “cisne negro” ou “Dante negro”. Figura mais importante do Simbolismo brasileiro, sem ele, dizem os especia-listas, não haveria essa estética no Brasil. Como poeta, teve apenas um volume publicado em vida: “Broquéis” (os dois outros volumes de poesia são póstumos). Teve uma carreira muito rápida, apesar de ser considerado um dos maiores nomes do Simbolismo universal. Sua obra apresenta uma evolução importante: na medida em que abandona o subjetivismo e a angústia iniciais, avança para posições mais universa-lizantes – sua produção inicial fala da dor e do sofrimento do homem

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negro (observações pessoais, pois era filho de escravos), mas evolui para o sofrimento e a angústia do ser humano.

Já Alphonsus de Guimarães preferiu manter-se fiel a um “triângulo” que caracterizou toda a sua obra: misticismo, amor e morte. A crítica o considera o mais místico poeta de nossa literatura. O amor pela noi-va, morta às vésperas do casamento, e sua profunda religiosidade e devoção por Nossa Senhora geraram, e não poderia ser diferente, um misticismo que beirava o exagero. Um exemplo é o Setenário das dores de Nossa Senhora, em que ele atesta sua devoção pela Virgem. A morte aparece em sua obra como um único meio de atingir a sublimação e se aproximar de Constança – a noiva morta – e da Virgem. Daí o amor aparecer sempre espiritualizado. A própria decisão de se isolar na cidade mineira de Mariana, que ele próprio considerou sua “torre de marfim”, é uma postura simbolista.

Atividade II

a) Pesquise um pouco e procure entender por que o termo decadentismo é associado ao Simbolismo.

b) Observando a primeira característica simbolista aqui apresentada, que relação inicial podemos estabelecer entre o Simbolismo e o Romantismo?

c) Como você acha que o simbolista, tão preocupado com o lado espiritual, encarava os tumultuados anos da consolidação da República no Brasil?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Texto 3

Bem, para aprimorarmos nossos conhecimentos, vamos continuar lendo a análise crítica de Bosi (2004, p. 267-270). Ele apresenta uma visão aprofundada sobre

O Simbolismo brasileiro

Contemporâneos ou vindos pouco depois dos poetas par-nasianos e dos narradores realistas, Cruz e Sousa, Alphonsus de Guimaraens e os simbolistas da segunda geração não tiveram atrás de si uma história social diversa da que viveram aqueles. O que nos propõe um problema de gênese literária: o movi-mento teria nascido aqui por motivos internos, ou foi obra de imitação direta de modelos franceses?

José Veríssimo, que não apreciava nem o ideário nem a es-tética simbolista, chamou à corrente “produto de importação”. E, na verdade, não é fácil indicar homologias entre a vida brasi-leira no último decênio do século e a nova poesia, considerada também como visão da existência. Os escritores que chegaram à vida adulta no período agudo das campanhas abolicionista e republicana, Aluisio Azevedo, Raul Pompéia, Adolfo Caminha, Raimundo Correia, Vicente de Carvalho e os outros naturalis-tas e parnasianos, entendem-se bem como expressão, mais ou menos radical, da sociedade tal como se apresentava nos fins do II Império; e até a impassibilidade pregada por alguns (ou o tom pessimista de quase todos) poderá explicar-se como reação programática às ingenuidades românticas. Liberais e agnósti-cos, são todos homens representativos do seu tempo.

Na biografia do nosso maior simbolista, Cruz e Sousa, há também um momento, juvenil, que coincide com os combates pela Abolição: os poemas desse período têm a mesma cadência retórica que marcou a literatura meio condoreira, meio “realista” dos anos 70, saturada de ideais libertários. Sabe-se igualmente que, pouco antes da Lei Áurea, houve um recrudescimento de ódio racista por parte de alguns grupos mais retrógrados: Cruz e Sousa, nomeado promotor em Laguna, Santa Catarina, em 1884, foi impedido de assumir o posto, mas prosseguiu no bom combate, dentro e fora da província, em conferências, artigos e crônicas literárias: uma destas, talvez a mais candente, O Pa-dre, pode-se ler nos Tropos e Fantasias, que publicou em 1885, de parceria com Virgílio Várzea. A pesquisa dos seus inéditos trouxe à luz composições de forte sabor polêmico. A Consciência tranqüila e Crianças negras bastariam para desfazer a lenda de um Cruz e Sousa alheio aos dramas de sua raça. Paralelamente, as leituras que fez antes da publicação de Broqueis (1893) eram as mesmas que tinham dado aos naturalistas instrumentos de crítica à tradição: Darwin, Spencer, Haeckel, Taine, pensadores;

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Flaubert, Zola, Eça, romancistas; Baudelaire, Antero, Guerra Junqueiro, Cesário Verde, poetas. (...)

Assim, o roteiro do fundador do Simbolismo brasileiro e dos seus mais fieis seguidores foi paralelo ao dos principais poe-tas parnasianos: na mocidade todos participaram da oposição ao Império escravocrata e a certos padrões mentais antiquados com que o Romantismo sobrevivia entre nós. Mas, alcançadas as metas em 88 e 89, entraram a percorrer a linha europeia do estetismo, passando muitas vezes do Parnaso ao Simbolismo e outras tantas voltando ao ponto de partida. Vista deste ângulo, é apenas de grau a diferença entre o parnasiano e o decaden-tista brasileiro: naquele, o culto da Forma; neste, a religião do Verbo. Em outros termos: alarga-se de um para o outro o hiato entre a práxis e a atividade artística. O poeta, inserindo-se cada vez menos na teia da vida social, faz do exercício da arte a sua única missão e, no limite, um sacerdócio. A rigor, o caso brasi-leiro nada tem de excepcional e ilustra uma tendência formali-zante pela qual (...) o Simbolismo, como técnica, é o sucedânio fatal do Parnasianismo.

O divisor de águas acompanha a passagem da tônica, no nível das intenções: do objeto, nos parnasianos, para o sujeito, nos decadentes, com toda a sequela de antíteses verbais: ma-téria-espírito; real-ideal; profano-sagrado; racional-emotivo... Mas, se pusermos entre parênteses as veleidades dos simbolis-tas de realizarem, através da arte, um projeto metafísico; e se atentarmos só para a sua concreta atualização verbal, voltare-mos à faixa comum do “estilismo” onde se encontram com os parnasianos.

Há, por outro lado, uma diferenciação temática no interior do Simbolismo brasileiro: a vertente que teve Cruz e Sousa por mo-delo tendia a transfigurar a condição humana e dar-lhe horizon-tes transcendentais capazes de redimir os seus duros contrastes; já a que se aproximou de Alphonsus, e preferia Verlaine a Bau-delaire, escolheu apenas as cadências elegíacas e fez da morte objeto de uma liturgia cheia de sombras e sons lamentosos. (...)

Não obstante essas conquistas e o seu ar geral de novidade, o Simbolismo não exerceu no Brasil a função relevante que o distinguiu na literatura europeia, na qual o reconheceram por legítimo precursor o imagismo inglês, o surrealismo francês, o expressionismo alemão, o hermetismo italiano, a poesia pura espanhola. Aqui, encravado no longo período realista que o viu nascer e o sobreviveu, teve algo de surto epidêmico e não pôde romper a crosta da literatura oficial. (...)

O fenômeno histórico do insulamento simbolista no fim do século XIX não deve causar estranheza. O movimento, enquanto atitude de espírito, passava ao largo dos maiores problemas da vida nacional, ao passo que a literatura realista-parnasiana acompanhou fielmente os modos de pensar, primeiro progres-

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sistas, depois acadêmicos, das gerações que fizeram e viveram a Primeira República. E é instrutivo notar: a expansão dos gru-pos simbolistas no começo do século correu paralela à do Neo-parnasianismo. A novidade de Cruz e Sousa precisou descer ao nível de maneira e academizar-se para comover a vida literária de alguns centros menores do país e partilhar, modestamente aliás, a sorte dos epígonos parnasianos.

Atividade IIIVamos nos divertir e aprender, ao mesmo tempo, com mais um Caça-palavras. Desta vez, apresentamos uma citação do poeta simbolista francês Stephane Mallarmé (apud NICOLA, 1998, p. 214), a respeito de uma das características simbolistas mais marcantes, a sugestão. No entanto, faltam algumas palavras, que você irá localizar no quadro a seguir, e completar a fala de Mallarmé. Em seguida, com o pensamento mallarmaico completo, redija um pequeno texto comentando-o, e socialize-o através do Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA.

“Nomear um _____ é suprimir três quartos do prazer do _____, que consiste em ir adivinhando pouco a pouco: _____, eis o sonho. É a perfeita utilização desse _____ que constitui o _____. Evocar pouco a pouco um objeto para mostrar um ____________, ou inversa-mente, escolher um objeto e extrair dele um estado de alma, através de uma série de _____.”

Q G J R K T A E Y Q K J L M W C T I D E V Z X R

A S D F G T O B J E T O U O C O V T T E N D O S

A S L A I R N T E C T Y A N V Q A B T R Y E Z S

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Sugestão de Filme

Eclipse de uma paixão (1995)

Arthur Rimbaud (Leo-nardo DiCaprio), “o poeta dos sentidos”, como ficou conhecido, revolucionou a poesia do final do século XIX e continua influencian-do escritores e surpreen-dendo leitores até hoje. O

filme foca o turbulento período de produção literária de Rimbaud, que coincide com o tempo em que viveu apadrinhado por outro grande poeta, Paul Verlaine (David Thewlis). Mas a admiração de um escritor pelo outro vai além, faz com que ambos de apaixonem, para desespero da mulher de Verlaine (Romaine Bohringer). Esse triângulo amoroso ex-plosivo e provocante proporciona a DiCaprio e Thewlis, duas atuações corajosas e vibrantes.

Elenco: Leonardo di Caprio, David Thewlis, Romane Bohringer, Do-minique Blanc, Felice Pasotti Cabarbaye, Nita Klein, James Thiérrée, Emmanuelle Oppo. Direção: Agnieszka Holland. Duração: 111 min.

Resumo

O Simbolismo, ou Decadentismo, foi um movimento literário nas-cido do cansaço dos escritores em relação ao materialismo da escola realista/naturalista/parnasiana, e da constatação de que os sonhos e desejos da juventude positivista haviam se diluído sem conseguir uma realização esperada. Daí a volta radical para o interior espiritual, o enfoque da morte como sublimação, e certa preocupação parnasiana com a forma – mas agora não apenas a forma por ela mesma, mas com objetivos estéticos mais definidos: sonoridade, musicalidade, su-gestão. Apesar de ter sido um movimento bastante forte na Europa, no Brasil enfrentou a concorrência do Parnasianismo, sendo mesmo alija-do do cenário literário nacional, e aconteceu simultaneamente a outros movimentos literários.

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Autovaliação

Observe se:

• identificou os fundamentos filosóficos e teóricos que embasam o Simbolismo literário;

• percebeu a importância para a literatura da época, dos acontecimentos históricos e sociais do período;

• compreendeu o conceito de decadentismo, uma das denominações do Simbolismo.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Referências

NICOLA, José de. Literatura Brasileira das origens aos nossos dias. 15. ed. São Paulo: Scipio-ne, 1998

BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. 42. ed. São Paulo: Cultrix, 2004

Resposta do Caça-Palavras

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Autores simbolistas

X UNIDADE

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ApresentaçãoO Simbolismo brasileiro apresenta dois poetas de reco-

nhecido talento, embora o movimento tenha sido meteórico e quase imperceptível em seu tempo. Trataremos dos dois escritores nesta aula, observando sua vida, seu estilo, seus textos, sua importância para a literatura brasileira.

O primeiro é o catarinense João da Cruz e Sousa, fi-lho de escravos alforriados e protegido pelo senhor, que lhe deu estudos e o próprio nome de família. Sua ascendência escrava, num período imediatamente pós-“abolição” da es-cravatura, e o fato de o próprio poeta ter sofrido muitas hu-milhações por sua condição racial, fazem com que seus textos sejam, inicialmente, impregnados de eloquência anti-escravis-ta, como os foram os do condoreiro romântico Castro Alves, cuja leitura o influenciou.

Cruz e Sousa é o introdutor desse novo estilo literário, que fazia grande sucesso na Europa, como já tivemos a oportu-nidade de ver, na aula passada. Em 1893, Sousa lançava dois livros que são considerados os introdutores do Simbo-lismo no Brasil: Missal (em prosa) e Broqueis (em poesia), nos quais incorpora muito das características da escola, em vigência no Velho Mundo, notadamente a sonoridade e a musicalidade dos versos, com um requinte formal que nos lembra os parnasianos.

O outro poeta, o mineiro Alphonsus de Guimaraens, se-guiu uma linha mais mística do movimento, talvez motivado pelos dramas pessoais por que passou, como a morte da noiva nas vésperas do casamento, e o consequente isola-mento na cidade mineira de Mariana, onde a lembrança da amada morta e a devoção à Virgem Maria confluiram para a identificação de seus versos.

São dois poetas relevantes em nossa história literária. De-les, estudaremos alguns trechos, procurando observar seu estilo e forma de escrever. Será um agradável passeio por essa escola literária, em nossa nação.

Vamos lá?

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Objetivos

Objetivamos, com esta unidade:

• conhecer fatos biográficos de autores simbolistas brasileiros, buscando estabelecer vínculos com sua obra literária;

• analisar interpretativamente trechos de textos poéticos e em prosa de Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens;

• compreender os elementos identificadores do Simbolismo em sua produção nacional;

• observar como se deu o “abrasileiramento” dessa vertente lite-rária européia.

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Texto 1Conheçamos, inicialmente, a vida de João da Cruz e Sousa, bem

como alguns comentários críticos sobre sua obra.

João da Cruz e Sousa

Nasceu em Desterro, atual Florianópolis, em Santa Cata-rina (1861); faleceu em Sítio-MG (1898). Seus pais, escravos negros, foram libertos pelo Marechal Guilherme Xavier de Sou-sa, que tutelou o poeta até a adolescência. Recebeu apreciada instrução secundária na cidade natal, mas, com a morte do protetor, teve que deixar os estudos. Militou na imprensa cata-rinense, escrevendo crônicas abolicionistas e percorreu o país como ponto de uma companhia teatral.

Os versos que escreve nos anos 80 ressentem-se de leitu-ras várias, que vão dos condoreiros e da poesia libertária de Guerra Junqueiro aos parnasianos. Em 1885, de parceria com Virgílio Várzea, escreve as prosas de Tropos e Fantasias, onde se alternam páginas sentimentais e anátemas contra os escravistas.

Todo o período catarinense de Cruz e Sousa foi, aliás, mar-cado pelo combate ao preconceito racial de que fora vítima em mais de uma ocasião e que o impediu de assumir o cargo de Promotor em Laguna, em seu Estado, para o qual fora nome-ado.

Mudando-se para o Rio de Janeiro, em 1890, colaborou na Folha Popular, aí formando com B. Lopes e Oscar Rosas o primeiro grupo simbolista brasileiro. Obtido um emprego míse-ro na Estrada de Ferro Central, casa-se com uma jovem negra, Gavita, cuja saúde mental logo se revelou muito frágil. O casal terá quatro filhos, dois dos quais mortos antes do poeta.

Minado pela tuberculose, Cruz e Sousa retira-se, em 1897, para a pequena estação mineira de Sítio, à procura de melhor clima. Aí falece no ano seguinte, aos trinta e seis anos de idade. Seu corpo foi trasladado para o Rio de Janeiro num vagão de animais, da Central do Brasil.

Nada se compara em força e originalidade à irrupção dos Broquéis com que Cruz e Sousa renova a expressão poética em língua portuguesa. (...) A linguagem de Cruz e Sousa foi re-volucionária de tal forma que os traços parnasianos mantidos acabam por integrar-se num código verbal novo e remeter a significados igualmente novos. Assim, a angústia sexual, mani-festa em vários passos, não é apenas resíduo naturalista porque recebe, em geral, tratamento platonizante e abre caminho para um dos processos psicológicos mais comuns no poeta: a subli-mação. (...)

João da Cruz e SousaFonte: http://2.bp.blogspot.com/_AQIaA11z9NE/Rz4YF5j2cII/AAAAAAAAAho/i-LL-7i6YTI/s400/Cruz+e+Sousa.bmp

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Era de esperar que a [sua] poética (...) fosse de estofo ro-mântico, que supõe um intervalo entre a finitude da expressão e o infinito da vida interior. Para o parnasiano, tudo pode ser dito com clareza: não há transcendência em relação às palavras, pois estas se apresentam em estreita mimese com a realidade empírica. Mas um poeta como Cruz e Sousa, que se vê dilacera-do entre matéria e espírito, dará à palavra a tarefa de reproduzir a sua própria tensão e acabará acusando os limites expressio-nais do verbo humano. (...)

O aspecto gráfico altera-se pela profusão de maiúsculas, usadas para dar valor absoluto a certos termos, e pela não me-nor cópia de reticências (...). Um dos recursos morfológicos ou, a rigor, morfo-semânticos, frequentes em Cruz e Sousa, e que os seus discípulos repetiram sem critério, é o emprego insólito do substantivo abstrato no plural, capaz de sugerir uma dimen-são sensível no universo das ideias: diafaneidades, melancolias, quintessências, diluências, cegueiras. Às vezes a oposição do adjetivo concreto ao nome abstrato alcança efeitos raros: nevro-ses amarelas, azuis diafaneidades, fulvas vitórias... daí para os processos sinestésicos é um passo: acres aromas, brilhos erran-tes, cavo clangor, sonoras ondulações...

Do léxico de Cruz e Sousa, especialmente o dos primeiros livros, já se disse que, além da presença explicável de termos litúrgicos, traía a obsessão do branco, fator comum a tantas de suas metáforas em que entram o lírio e a neve, a lua e o linho, a espuma e a névoa. Ao que se pode acrescer a não menor freqüência de objetos luminosos ou translúcidos: o sol, as es-trelas, o outro, os cristais. À explicação um tanto simplista dos que viram nessa constante apenas o reverso da cor do poeta, um intérprete mais profundo, o sociólogo francês Roger Bastide, preferiu outra, dinâmica, pela qual todas as barreiras existen-ciais da vida de Cruz e Sousa – e não só a cor – o levaram a um esforço de superação, fazendo-o percorrer um caminho inverso ao de Mallarmé, poeta do anulamento e do vazio. (BOSI, 2004, p. 270-275)

Disse muito bem Agripino Grieco quando, na “Evolução da poesia brasileira”, escreveu que “a glória de Cruz e Sousa é bem a irradiação de um túmulo”, por ter ele vencido, postuma-mente, todos os seus detratores. Para começar, foi depois de sua morte que realmente sua obra, até então reduzida a uma parte de Tropos e Fantasias, ao volume de prosa Missal e ao volume de versos Broqueis, começou a se agigantar. (SOUSA, 2002, p. 13).

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O que dizem sobre Cruz e Sousa (apud SOUSA, 2002, p. 22-25):

Se a poesia, como toda a arte, tende ao absoluto, ao vago, ao indefinido, ao menos das comoções que há de produzir em nós, estou quase em dizer que Cruz e Sousa foi um gran-de poeta, e os dons de expressão que faltam, evidentemente, ao seu estro, os dons de clara expressão à moda clássica, os supriu o sentimento recôndito, aflito, doloroso, sopitado, e por isso mesmo trágico, das suas aspirações de sonhador e da sua mesquinha posição de negro, de desgraçado, de miserável, de desprezado.

Da prosa empolada, rebuscada, obscura, difícil, pouca coi-sa se salvará, além daquele simbólico Emparedado, que, ex-primindo um estado de alma pessoal, tem larga repercussão geral. Mas nos seus versos há dez ou quinze composições que bastam para a imortalidade e a glória de Cruz e Sousa.

A obra de Cruz e Sousa não é simplesmente um grande en-saio falhado, como já se tem dito, nem tampouco a maior expressão da poesia lírica no Brasil, como já se escreveu. O satanismo de Baudelaire se mistura, na sua poesia, ao ceticis-mo melancólico, ao misticismo mórbido de Antero de Quen-tal. O mundo girava em torno da sua dor e de tal maneira lhe pesava sobre a alma insatisfeita e sofredora que ele não soube traduzi-lo senão com imprecações desesperadas e alu-cinantes. Não há quase um verso seu que não seja um grito contra a opressão do ambiente que o cercava, grito nascido mais do instinto da raça do que da consciência da vida.

Ronald de CarvalhoJosé Veríssimo

José Veríssimo

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Poema a poema, vemos Cruz e Sousa alçar-se em tremen--das arrancadas para fora do plasma do parnaso, erguendo mãos crispadas na direção de formas novas, dos ritmos irre-velados, dos símbolos essenciais.

Tasso da Silveira

Lírico pelo coração e épico pelas ideias, a um tempo mártir e heroi. Agora, sim, é que vim a entender a significação exa-ta que o rebelado quis dar aos seus livros, porque, se com os Broqueis, conscientemente, se escudava contra os golpes que de toda parte lhe desferiam, com os Farois projetava longe os clarões do incêndio em que se consumia.

Goulart de Andrade

Até certo ponto, pode-se dizer que o dom principal de Cruz e Sousa é a sonoridade. Seus versos têm às vezes a unção de uma arcada de violino no silêncio da noite ou a de um vago acordar do teclado de órgão pela manhã no interior escuro da igreja adormecida.

Gilberto Amado

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168 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira II

Cruz e Sousa construiu, só com o seu cérebro, o seu mundo poé-tico, e elabora, isento de qualquer influência a sua própria experi-ência simbólica. Seu simbolismo seguiria, sem dúvida, a lei geral, exigirá a existência de um mundo transcendente, de um mundo de Essências, mas, ante ele, reagirá com a sua própria personalidade fremente e dolorosa, que não é senão a dele.

Foi pena que a Academia [Brasileira de Letras] se tivesse formado em hora de tantos preconceitos. Não me confor-mo com a ideia de que, no grupo de nossos fundadores, tenham ocorrido omissões tão graves como as que encontro. Como compreender que, em uma Academia literária, que se formava em 1896, tivesse deixado de figurar um poeta sem igual como Cruz e Sousa – já naquele tempo o autor glorioso dos Broqueis?

Roger Bastide

Múcio Leão

Atividade I

a) Não lhe parece meio óbvio que os primeiros textos de Cruz e Sousa, em sua condição de filho de escravos alforriados e sofrendo todas as humilhações advindas dessa condição, tenham sido anti-escravistas e anti-racistas? Discuta isso.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 169

b) Você acha que os dramas pessoais e familiares podem ter “empurrado” o poeta a uma poesia mais intimista? Comente.

c) O termo arianismo, no sentido de “raça pura”, deve-se a vulgar confusão

que identifica arianos com os povos nórdicos e, mais especificamente, germânicos. Você acha que essa obsessão de Cruz e Sousa pela cor branca, em seus versos, poderia ser um reflexo dessa doutrina, combinada com os problemas enfrentados por conta da cor?

d) Escolha o depoimento de um dos críticos apresentados acima (com exceção do último) e faça um comentário sobre a opinião dele a respeito de Cruza e Sousa.

e) O acadêmico Múcio Leão, da Academia Brasileira de Letras, ao saudar o conterrâneo Álvaro Lins, quando da posse deste, lamenta profundamente um dos que ele considera maior erro da ABL, em sua fundação, que foi a exclusão dos simbolistas. Discutimos esta questão há algumas aulas. Como você vê essa polêmica? Qual sua opinião?

Texto 2 Escolhi, para analisarmos, um belo soneto de Cruz e Sousa. Leia-o,

sinta-o e, em seguida, procure responder aos questionamentos.

Cárcere das almas

Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,Soluçando nas trevas, entre as gradesDo calabouço olhando imensidades, Mares, estrelas, tardes, natureza.

Tudo se veste de uma igual grandezaQuando a alma entre grilhões as liberdadesSonha e, sonhando, as imortalidadesRasga no etéreo o Espaço da Pureza.

Ó almas presas, mudas e fechadasNas prisões colossais e abandonadas,Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!

Nesses silêncios solitários, graves,que chaveiro do Céu possui as chavespara abrir-vos as portas do Mistério?!

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Atividade IIa) De que cárcere o poeta está falando? Qual a prisão que encarcera de forma

tão definitiva a alma? Que conflito fica nítido nessa relação? b) Falamos acima do uso de letras maiúsculas pelo poeta, o que se configura

como uma característica da própria escola. O que você acha que o autor pretende, colocando com iniciais maiúsculas algumas palavras deste soneto? Comente cada uma delas.

c) Procure responder a pergunta final do soneto. O que o eu-lírico deseja, na

verdade?

Texto 3 Conheçamos, agora, um pouco do poeta mineiro Alphonsus de

Guimaraens.

Afonso Henrique da Costa Guimarães

Filho de Albino da Costa Guimarães, comer-ciante português, e de Francisca de Paula Gui-marães Alvim, sobrinha do escritor romântico Bernardo Guimarães, Alphonsus de Guimaraens nasceu em Ouro Preto-MG, no dia 24 de julho de 1870. Matriculou-se em 1887 no curso de Engenharia em sua província, mas o falecimento de Constança Guimarães, sua prima e noiva (em 1888), lança-o em profundo abatimento físico

e moral, e o faz largar o curso pelo de Direito (em 1891), em São Paulo, cidade a cujo grupo simbolista (Vila Kyrial, de José de Freitas Vale) se manteria ligado por toda a vida. Retorna à cidade natal para concluir o curso de Direito.

Em 1895, foi ao Rio de Janeiro especialmente para conhe-cer Cruz e Sousa, por quem nutria grande admiração, tornan-do-se amigo pessoal do poeta catarinense.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Fonte: http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/afonhcgu.jpg

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 171

Zenaide de Oliveira e Alphonsus de Guimaraens Fonte: http://tramasdocafecomleite.files.wordpress.com/2009/04/alphonsus.jpg?w=600&h=874

Em 1897, casa-se com Ze-naide de Oliveira e vai morar em Conceição do Serro, onde exerce a função de juiz e pro-motor. Em 1902, publicou Kyria-le, obra que o projetou no uni-verso literário, obtendo assim um reconhecimento, ainda que restrito, de alguns raros críticos e amigos mais próximos. Mu-dase para Mariana (em 1906),

“onde se entrega às atividades de juiz municipal e à elaboração de sua obra poética, num isolamento completo, de eremita e sonhador” (MOISÉS, 2002, p. 328); “daí ser conhecido como ‘o solitário de Mariana’, embora vivesse com a esposa e... 14 filhos” (NICOLA, 1998, p. 229), dois dos quais também escri-tores: João Alphonsus de Guimaraens e Alphonsus de Guima-raens Filho.

Bosi (2004, p. 278) afirma que “de Cruz e Sousa para Al-phonsus de Guimaraens sentimos uma descida de tom. Tris-tão de Ataíde chamou ‘solar’ ao primeiro para contrapô-lo ao segundo, ‘poeta lunar’. De fato, a poesia do autor de Kyriale nos aparece iluminada por uma luz igual e suave, constante no seu nível, quase sem surpresas na sua temática. Alphonsus de Guimaraens foi poeta e um só tema: a morte da amada. Nele centrou as várias esferas do seu universo semântico: a natureza, a arte, a crença religiosa.

Mas não devemos cair na tentação de chamá-lo poeta mo-nótono, a não ser que se dê à monotonia o valor positivo que ela assume em poetas maiores, um Petrarca ou um Leopardi, que souberam aprofundar até as raízes o seu motivo inspirador, permanecendo-lhe sempre fieis. Quanto a Alphonsus, o fantas-ma da amada (sublimação de seu afeto pela prima Constança, morta adolescente?) coloca-o em face da morte enquanto dado insuperável, que a sua religião estática não logra transceder.

A morte se repropõe ao poeta como presença do corpo morto, com o luto circunstante, os círios, os cantochões, o es-quife, o féretro, os panos roxos, o réquiem, o sepulta-mento no campo-santo, as orações fúnebres. Kyriale é um dobre de finados: pelos títulos dos poemas (‘Luar sobre a cruz da tua cova’, ‘À meia-noite’, ‘Ocaso – impressões de véspera de finados’, ‘Spec-trum’, ‘Ossa mea’); pela atmosfera pesada e pesadelar que nele se respira; enfim, pela própria linguagem seletiva no léxico e no ritmo solene no qual a vagas sugestões barrocas se mescla a voz elegíaca de Verlaine.”

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172 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira II

O leito

Ontem à meia-noite, estando juntoA uma igreja, lembrei-me de ter vistoUm velho que levava às costas isto:Um caixão de defunto.

O caso nada tem de extraordinário.Quem um velho a levar um caixão talInda não viu? É um fato quase diárioEm qualquer bairro de uma capital.

Mas é que ia de modo tão curvadoPara o chão, e a falar tão baixo e tanto,Que, manso e manso, e trêmulo de espanto,Fui seguindo a seu lado.

Disse-lhe assim: “Talvez seja a demênciaQue guia os passos todos que tu dês;Ou és então, na mísera existência,Um miserável bêbedo talvez.”

O olhar fito no chão, como desfeitoEm sangue, o velho, sem me olhar, seguia,E ouvi-lhe a única frase que dizia:“Vou levando o meu leito”.

Atividade III

a) A presença constante da morte na obra de Alphonsus de Guimaraens faz dele um “poeta lunar”, no dizer de Tristão de Ataíde. Como você vê esse tema na poesia do autor mineiro – a exemplo do poema colocado acima?

b) Como você leu na aula passada, Bosi (2004, p. 269) diz que o Simbolismo brasileiro apresenta duas vertentes, associando-as aos dois poetas aqui estudados: “a vertente que teve Cruz e Sousa por modelo tendia a transfigurar a condição humana e dar-lhe horizontes transcendentais capazes de redimir os seus duros contrastes; já a que se aproximou de Alphonsus (...) escolheu apenas as cadências elegíacas e fez da morte objeto de uma liturgia cheia de sombras e sons lamentosos.” Com os dados e poemas que temos aqui, demonstre essa afirmação do crítico.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 173

Texto 3Encerremos esta aula com dois textos dos autores aqui estudados.

O primeiro, um trecho de Missal, obra em prosa com que Cruz e Sousa iniciou oficialmente o Simbolismo no Brasil, em 1893. O segundo, um poema muito conhecido de Alphonsus de Guimaraens que fala mais uma vez de morte, mas de uma forma bastante lírica.

Oração ao sol

Sol, rei astral, deus dos sidérios Azues, que fazes cantar de luz os prados verdes, cantar as águas! Sol imortal, pagão, que simbolizas a Vida, a Fecundidade! Luminoso sangue original que alimentas o pulmão da Terra, o seio virgem da Natureza! Lá do alto zimbório catedralesco de onde refulges e triunfas, ouve esta Oração que te consagro neste branco Missal da excelsa Religião da Arte, esmaltado no marfim ebúrneo das iluminuras do Pensamento.

Permite-me que um instante repouse na calma das Idéias, concentre cultualmente o Espírito, como no recolhido silêncio das igrejas góticas, e deixe lá fora, no rumor do mundo, o tro-pel infernal dos homens ferozmente rugindo e bramando sob a cerrada metralha acesa das formidandas paixões sangrentas.

Concede, Sol, que os manipansos não possam grotesca-mente, chatos e rombos, com grimaces e gestos ignóbeis, impe-rar sobre mim; e que nem mesmo os Papas, que têm à cabeça as veneráveis orelhas e os chavelhos da Infalibilidade, para aqui não venham com solene aspecto abençoador babar sobre estas páginas os clássicos latins pulverulentos, as teorias abstrusas, as regras fósseis, os princípios batráquios, as leis de Críticame-gatério.

E faz igualmente, Sultão dos espaços, com que os argu-mentos duros, broncos, tortos, não sejam arremessados à larga contra o meu cérebro como incisivas pedradas fortes.

Livra-me tu, Luz eterna, desses argumentos coléricos, atrabi-liários, como que feitos à maneira das armas bárbaras, terríveis, para matar javalis e leões nas selvas africanas.

Dá que eu não ouça jamais, nunca mais!, a miraculosa cai-xa de música dos discursos formidáveis! E que eu ria, ria – ria simbolicamente, infinitamente, até o riso alastrar, derramar-se, dispersar-se enfim pelo Universo e subir, aos fluidos do ar, para lá no foco enorme onde vives, Astro, onde ardes, Sol, dando então assim mais brilho à tua chama, mais intensidade ao teu clarão.

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174 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira II

Pelo cintilar de teus raios pelas ondas fulvas, flavas, ó Es-pírito da Irradiação! Pelos empurpuramentos das auroras, pela clorose virgem das estepes da Lua, pela clara serenidade das Estrelas, brancas e castas noviças geradas do teu fulgor, faculta--se a Graça real, o magnificente poder de rir – rir e amar, per-petuamente rir… perpetuamente amar…

Ó radiante orientalista do firmamento! Supremo artista gre-go das formas indeléveis e prefulgentes da Luz! pelo exotismo asiático desses deslumbramentos, pelos majestosos cerimoniais da basílica celeste a que tu presides, que esta Oração vá, suba e penetre os etéreos passos esplendorosos e lá para sempre vi-ver, se eternize através das forças firmes, num álacre, cantante, de clarim proclamador e guerreiro.

Ismália

Quando Ismália enlouqueceu, Pôs-se na torre a sonhar...Viu uma lua no céu,Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,Banhou-se toda em luar...Queria subir ao céu,Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,Na torre pôs-se a cantar...Estava perto do céu,Estava longe do mar...

E como um anjo pendeuAs asas para voar...Queria a lua do céu,Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deuRuflaram de par em par...Sua alma subiu ao céu,Seu corpo desceu ao mar...

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Atividade IV

Estes dois textos (Oração ao sol, de Cruz e Sousa; Ismália, de Alphonsus de Guimaraens) são excelentes oportunidades de aprofundarmos um pouco mais o que discutimos na aula de hoje, sobre os dois poetas simbolistas brasileiros. Leia-os, interprete-os, encontre-lhes alguns dos elementos aqui apresentados; em seguida, redija um pequeno texto com seus comentários, e socialize-o através do Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA.

Sugestão de Filme

Cruz e Sousa, o poeta do des-terro (2000)

Reinvenção da vida, obra e morte do poeta catarinense Cruz e Sousa (1861-1898), fundador do Simbolismo no Brasil e considerado o maior poeta negro da língua portugue-sa. Através de 34 “estrofes

visuais”, o filme rastreia desde as arrebatadoras paixões do poeta em Florianópolis até seu emparedamento social, racial, intelectual e trági-co no Rio de Janeiro.

Elenco: Kadu Carneiro, Maria Ceiça, Léa Garcia, Danielle Ornelas, Guilherme Weber, Jaqueline Valdívia, Carol Xavier, Luigi Cutolo, Mar-celo Perna, Jacques Basseti. Direção: Sylvio Back. Duração: 86 min.

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Resumo

O Simbolismo, no Brasil, apresenta dois nomes da maior importân-cia para as letras nacionais: o introdutor do movimento, João da Cruz e Sousa, dono de uma ímpar capacidade de “exploração criativa dos aspectos sonoros das palavras, obtendo efeitos que transmitem grande musicalidade a seus versos” (TUFANO, 1995, p. 185), é, no dizer de Moisés (2002, p. 317), “uma das traves-mestras da Literatura Brasi-leira”; e Alphonsus de Guimaraens, melancólico poeta mineiro, que elegeu a morte (ou foi escolhido por ela) como tema principal de sua obra, composta de “estrofes melodicamente sinuosas, ricas de encade-amentos, capazes de traduzir o abandono sentimental, a confidência, o devaneio” (BOSI, 2004, p. 281)

Autovaliação

Observe se:

• o conhecimento dos fatos biográficos dos autores simbolistas brasileiros Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens serviu para você estabelecer vínculos com sua obra literária;

• conseguiu analisar interpretativamente os textos poéticos e em prosa de Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens aqui apresentados;

• compreendeu os elementos identificadores do Simbolismo em sua produção nacional.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 177

Referências

BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. 42. ed. São Paulo: Cultrix, 2004

MOISÉS, Massaud. A literatura brasileira através dos textos. 23. ed. São Paulo: Cultrix, 2002

NICOLA, José de. Literatura Brasileira das origens aos nossos dias. 15. ed. São Paulo: Scipio-ne, 1998

SOUSA, Cruz e. Broqueis. Faróis. São Paulo: Martin Claret, 2002

TUFANO, Douglas. Estudos de Literatura Brasileira. 5. ed. São Paulo: Moderna, 1995

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As duas primeiras décadas do século XX

XI UNIDADE

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Apresentação

Os vinte primeiros anos do século XX, no Brasil e no mundo, foram bastante con-turbados. Acontecimentos marcantes, em vários cam-pos, produziram uma agita-ção nunca vista na socieda-de, com claros reflexos nas artes, notadamente na litera-tura.

Como afirma Nicola (1998, p. 248), “essas duas déca-das marcam um longo período de transição entre o que era o passado (representado pelas manifestações que se pro-longavam desde o século XIX) e o que seria chamado de moderno (a parte posterior às tendências de vanguarda)”.

Historicamente, são muitos os registros que contribuirão para esse movimento social: as consequências da abolição da escravatura, com a chegada de imigrantes europeus, fugindo dos cenários conflituosos que se configuravam no Velho Mundo, e que eclodiram na Primeira Guerra Mundial; os anos de consolidação da república, proclamada uma década antes; os contrastes econômicos entre o progresso cafeeiro do Sudeste e a miséria dos fanáticos e cangaceiros no Nordeste; a insatisfação popular, traduzida na “revolta da vacina” e na “revolta da chibata”...

As artes ferviam: enquanto, por um lado, reinavam as tendências realistas, naturalistas e parnasianas, em conflito com as simbolistas, por outro lado germinavam eventos mo-dernistas e de vanguarda, que eclodiriam em 1922, com a Semana de Arte Moderna.

Nesta aula, nos ocuparemos desse momento histórico, em que circulam nomes como Augusto dos Anjos, na po-esia; Monteiro Lobato, Euclides da Cunha, Graça Aranha, Lima Barreto, prosa.

Vamos lá?

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 181

Objetivos

É nosso desejo que, ao final desta aula, você consiga:

• conhecer os fatos históricos que contribuíram para a configu-ração mundial e brasileira do início do século XX e a produção artística da época;

• entender o processo desenvolvido no início do século XX como uma constante busca de nacionalidade para a literatura brasileira;

• identificar as figuras artísticas de uma forma geral e literárias em particular, que exerceram influência nos 20 primeiros anos do século passado;

• compreender o caminho de preparação para a implantação do movimento modernista no Brasil.

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182 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira II

Texto 1Inicialmente, acompanhemos o texto de Coutinho (1988, p. 230-

238), em que o conhecido crítico literário faz uma abordagem ampla e metódica desse período, chamando a atenção para a questão do nacionalismo, o que, decerto, nos auxiliará a entender melhor os con-turbados anos vinte no Brasil.

A Incorporação do Nacional

A época estudada neste passo, situada entre as últimas dé-cadas do século XIX e o meado do século XX, assistiu a um movimento de integração da inteligência, da cultura, das artes e letras, com a realidade brasileira. Correspondeu esse movi-mento ao processo de conquista da maturidade mental e da maioridade do brasileiro como povo autônomo. A indepen-dência de 1822 não cortara completamente as amarras com a Metrópole, continuando esta a exercer a sua ação colonialista através da aristocracia social e econômica, mais ou menos lu-sófila, que dominava a Monarquia; através da poderosa colô-nia financeira lusa a que estavam subordinados o comércio, o sistema bancário, a imprensa; através da influência intelectual, pois ainda exerceu durante o século XIX, forte fascínio a cultu-ra portuguesa sobre os espíritos, a despeito das novas modas oriundas da França. A Regência (1830-1841), primeiro esboço de movimento republicano, foi uma tentativa de autonomismo que não vingou. Mas foi só da República (1889) que adveio a divisão definitiva entre Portugal e o Brasil. A República, com a “sua capacidade criar Brasil dentro do Brasil”, na feliz expressão de Gilberto Amado, clareou a nossa consciência de ser brasilei-ros, propiciou-nos a capacidade de fixar a resposta de autode-finição, depois de um século de perguntas e pesquisas sobre o que era ser brasileiro e quais as características da nacionalidade e da literatura nacional.

A busca da nacionalidade para a literatura brasileira foi um tema que preocupou absorventemente a mentalidade dos nossos homens de letras no século XIX, especialmente na sua segunda metade, tornando-se uma constante crítica, como já o assinalou Soares Amora. Esse movimento do nacionalismo lite-rário procurava buscar “símbolos que traduzam literariamente a nossa vida social”, como muito bem definiu Araripe Júnior, e encontrou em José de Alencar o intérprete genial, num esforço consciente por dar corpo às próprias tendências.

Esse era o problema da procura dos elementos que diferen-ciavam o país novo em relação ao colonizador. Era o problema de ser brasileiro, problema novo em literatura, problema de país novo, de cultura resultante da transplantação de uma cultura

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tradicional para uma região nova. Era a busca de resposta à pergunta da autodefinição nacional, da auto-identificação, isto é, do conjunto de qualidades e defeitos que tornam o brasileiro diferente dos outros povos e, ao mesmo tempo, igual a todos os outros brasileiros.

Tal estado de alma era comum no homem do século XIX, nada mais natural, portanto, do que traduzir-se pela voz de todos os artistas e pensadores conscientes e responsáveis, (...) todos sentiam a necessidade de imprimir um cunho nacional, brasileiro, à literatura que se produzia no Brasil, fosse por via do indianismo, do sertanismo, do regionalismo, fosse qual fosse o símbolo daquele “instinto de nacionalidade” a que se referiu e que tão bem caracterizou Machado de Assis, como sendo o ideal literário do momento (1873).

(...)

Em 1902, um acontecimento ímpar foi o grito de liberda-de intelectual. Ao lançar Os Sertões, naquele ano, Euclides da Cunha produziu um impacto que teve o dom de nos atirar de um só golpe no Brasil, de nos forçar olhos a dentro a reali-dade brasileira, que alguns “cosmopolitas” procuravam disfar-çar, mantendo-nos presos à miragem europeia por sentimento de inferioridade colonial (a que se sujeitavam tanto europeus quanto brasileiros).

É verdade que o acontecimento não se produziu no vácuo, resultando antes de um longo processo evolutivo. Não há, tal-vez, outra linha de pensamento mais coerente, mais constante e mais antiga do que a nacionalista, nem outra que reúna maior número de grandes figuras de nossa inteligência. (...)

Antropofagia, quadro de Tarcila do Amaral, de 1929, que buscava traduzir essa característica de assimilação da literatura brasileira modernista.

Uma característica, porém, do nacionalismo brasileiro, quer se traduza na ordem espiritual ou física, é que não se faz, a não ser na fase diga-se heróica de nossa vida, “contra” nenhum país ou povo. Ao contrário, ele é essen-cialmente assimilador. Todas as contribuições exteriores são bem vindas e transformadas, pela ação aculturadora e miscige-nante, em elementos que se dis-solvem no todo. É, portanto, afirmativo o nosso nacionalismo, nisso que, em vez de opor-se, procura voltar-se para si próprio, buscando definir-se, aprofundar a consciência de nossas forças e fraquezas, virtudes e defeitos, para afirmar-se de maneira po-sitiva, em vez de imobilizar-se em atitude negativa, própria dos povos esgotados. O que pretende o nacionalismo brasileiro é afirmar o Brasil.

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Em síntese, o nacionalismo cultural brasileiro encontra ex-pressão em diversas teses, defendidas intermitentemente através de nossa história: pensar no Brasil, interpretá-lo, procurar in-tegrar a cultura na realidade brasileira, enfatizar os valores de nossa civilização e as qualidades regionais de nossa cultura, dar relevo às nossas coisas, pôr em destaque as nossas característi-cas raciais, culturais, reivindicar os direitos de uma fala que aqui se especializou no contato da rugosa realidade, eis alguns dos temas que constituem verdadeiras constantes de nossa história intelectual.

O ator Grande Otelo viveu Macunaíma no cinema; esta obra de Mário de Andrade mostra nitidamente essa fusão de culturas na cultura brasileira.

No que respeita à literatura, o pen-samento central foi muito bem definido por Araripe Júnior: nacionalizar a lite-ratura, sem desprezar a contribuição estrangeira, clássica e moderna. Dessa fusão de elementos é que surgirá a cul-tura nova, com características próprias, graças à incorporação das qualidades nativas do povo, que vivifica a heran-ça cultural importada. Nesta parte do globo, um aglomerado humano desen-volveu uma civilização peculiar, com emoções e sentimentos, pensamentos e aspirações gerados em uma situação histórica e geográfica específica. Não podia deixar de criar uma cultura diferente, embora fecundada pela herança cultural do Ocidente.

(...)

Quaisquer que sejam os coloridos estéticos com que porven-tura se distinga, a literatura brasileira no século XX é atravessada por uma corrente central – a preocupação com a brasilidade, sua busca, sua representação artística. Esse sentimento de bra-silidade, a mais forte herança cultural brasileira, tornou-se o tema central da literatura contemporânea, sobretudo depois do Modernismo. Todo o movimento modernista caracterizou-se por essa preocupação nacionalista, explorado o assunto nas suas diversas coordenadas.

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Atividade I

a) Discuta esse caráter de assimilação que tem a cultura brasileira, ou seja, a capacidade de beber de outras culturas para construir a sua própria.

b) O autor fez referência a um texto de Machado de Assis que é leitura obrigatória para quem pretende entender esse nacionalismo na literatura brasileira: “Instinto de Nacionalidade”. Chegou o momento de você o ler e refletir sobre as questões postas pelo mestre Machado. Vá ao site http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/BT4522147.html#[4]%20NOT%C3%8DCIA%20DA%20ATUAL%20LITERATURA%20BRASILEIRA.%27, faça uma leitura do ensaio machadiano e exponha, num pequeno texto, as principais ideias destacadas por ele.

Texto 2 Neste segundo texto, Bosi (2004, p. 303-307) foca a atenção sobre

os pressupostos históricos especificamente no Brasil, durante o período a que se convencionou chamar de Pré-Modernismo.

Pressupostos Históricos

O que a crítica nacional chama de Modernismo está condi-cionado por um acontecimento, isto é, por algo datado, públi-co e clamoroso, que se impôs à atenção da nossa inteligência como um divisor de águas: a Semana de Arte Moderna, realizada em fevereiro de 1922, na cidade de São Paulo.

Como os promotores da Semana traziam, de fato, ideias estéticas originais em relação às nossas últimas correntes lite-rárias, já em agonia, o Parnasianismo e o Simbolismo, pare-ceu aos historiadores da cultura brasileira que modernista fosse adjetivo bastante para definir o estilo dos novos, e Modernismo tudo o que se viesse a escrever sob o signo de 22. Os termos, contudo, são tão polivalentes que acabam não dizendo muito, a não ser que se determinem, por trás da sua vaguidade:

a) as situações socioculturais que marcaram a vida brasileira desde o começo do século;

b) as correntes de vanguarda europeias que, já antes da I Guerra, tinham radicalizado e transfigurado a herança do Rea-lismo e do Decadentismo.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Pela análise das primeiras, entende-se o porquê de ter sido São Paulo o núcleo irradiador do Modernismo; as instâncias ora nacionalistas, ora cosmopolitas do movimento; as suas faces ideologicamente conflitantes.

Graças ao conhecimento das vanguardas europeias, pode-mos situar com mais clareza as opções estéticas da Semana e a evolução dos escritores que dela participaram.

A chamada República Velha (1894-1930 aprox.) assentava--se na hegemonia dos proprietários rurais de São Paulo e de Mi-nas Gerais, regendo-se pela política dos governadores, o “café com leite”, fórmula que reconhecia à lavoura cafeeira somada à pecuária o devido peso das decisões econômicas e políticas do país.

A solidez desse regime dependia, em grande parte, do equi-líbrio entre a produção e as exportações de café; o que foi cedo previsto pelos grandes fazendeiros, que delegaram ao Estado o papel de comprador dos excedentes para garantia de preços em face das oscilações do mercado.

É claro que a camada de “nobreza” fundiária, via de regra conservadora, não esgotava a faixa do que se costuma chamar “classes dominantes”. Havia, num matizado segundo plano, atuante e válido em termos de opinião: uma burguesia industrial incipiente em São Paulo e no Rio de Janeiro; profissionais libe-rais; e, fenômeno sul-americano típico, um respeitável grupo intersticial, o Exército, que, embora economicamente preso aos estratos médios, vinha exercendo desde a proclamação da Re-pública um papel político de relevo.

Um olhar, ainda que rápido, para esse conjunto mostra que deviam separar-se cada vez mais os pólos da vida pública na-cional: de um lado, arranjos políticos manejados pelas oligar-quias rurais; de outro, os novos estratos socioeconômicos que o poder oficial não representava.

Do quadro emergem ideologias em conflito: o tradicionalis-mo agrário ajusta-se mal à mente inquieta dos centros urbanos, permeável aos influxos europeus e norte-americanos na sua fai-xa burguesa, e rica de fermentos radicais nas suas camadas média e operária. No limite, a situação comportava:

a) uma visão do mundo estática quando não saudosista;

b) uma ideologia liberal com traços anarcoides;

c) um complexo mental pequeno-burguês, de classe média, oscilante entre o puro ressentimento e o reformismo;

d) uma atitude revolucionária.

Não se deve esquecer, porém, que esse esquema indicativo só funciona quando articulado com a realidade de um Brasil plural, onde os níveis de consciência se manifestavam em ritmos diversos. Assim, os conflitos deram-se em tempos e lugares dife-

São Paulo – anos 20.

O Tenentismo como fenômeno ideológico de um grupo intersticial, combinava traços da ideologia reformista da classe média e do liberalismo da burguesia: assim, opunha--se aos arranjos das oligarquias agrárias do centro-sul, que não lhe cediam um quinhão do poder; mas não assumia a perspectiva das classes mais pobres, de que o separa-vam a origem e a formação profissional dos “tenentes”.

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rentes, não raro parecendo exprimir tensões meramente locais. Só para exemplificar: o núcleo jagunço de Canudos, matéria de Os Sertões, de Euclides da Cunha, o fenômeno do cangaço, o “caso” do Padre Cícero em Juazeiro, no primeiro quartel do sé-culo, refletiram a situação crítica de um Nordeste marginaliza-do, e, portanto, aderente a soluções arcaicas. Os movimentos operários em São Paulo, durante a guerra de 1914-18 e logo depois, eram sintoma de uma classe nova que já se debatia em angustiantes problemas de sobrevivência, numa cidade em fase de industrialização. E as tentativas militares de 22, 24, e a Coluna Prestes, em 25, significavam a reação de um grupo liberal-reformista mais afoito que desejava golpear o status quo político, o que só ocorreria com a revolução de 30. Estudados em si, esses movimentos têm uma história de todo independen-te; mas, no conjunto, testemunham o estado geral de uma nação que se desenvolvia à custa de graves desequilíbrios.

Seja como for, o intelectual brasileiro dos anos 20 teve que definir-se em face desse quadro: as suas opções vão colorir ideologicamente a literatura modernista.

Em um nível cultural bem determinado, o contato que os setores mais inquietos de São Paulo e do Rio mantinham com a Europa dinamizaria as posições tomadas, enriquecendo-as e matizando-as. Começam a ser lidos os futuristas italianos, os dadaístas e os surrealistas franceses. Ouve-se a nova música de Debussy e de Millaud. Assiste-se ao teatro de Pirandello, ao cinema de Chaplin. Conhece-se o cubismo de Picasso, o primi-tivismo da Escola de Paris, o expressionismo plástico alemão. Já se fala da psicanálise de Freud, do relativismo de Einstein, do intuicionismo de Bergson. Chegam, enfim os primeiros ecos da revolução russa, do anarquismo espanhol, do sindicalismo e do fascismo italiano.

Falando de um modo genérico, é a sedução do irracionalis-mo, como atitude existencial e estética, que dá o tom aos novos grupos, ditos modernistas, e lhes infunde aquele tom agressivo com que se põem em campo para demolir as colunas parnasia-nas e o academismo em geral.

Irracionalistas (...) exprimem tendências evasionistas que permearam toda a fase dita heróica do Modernismo (de 22 a 30). Nessa fase, tentou-se com mais ímpeto que coerência, uma síntese de correntes opostas: a centrípeta, de volta ao Brasil real, que vinha do Euclides sertanejo, do Lobato rural e do Lima Bar-reto urbano; e a centrífuga, o velho transoceanismo, que conti-nuava selando a nossa condição de país periférico a valorizar fatalmente tudo o que chegava da Europa. Ora, a Europa do primeiro pós-guerra era visceralmente irracionalista.

(...)

Creio que se pode chamar pré-modernista (no sentido forte de premonição dos te-mas vivos em 22) tudo o que, nas primei-

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ras décadas do século, problematiza a nossa realidade social e cultural.

O grosso da literatura anterior à “Semana” foi, como é sabido, pouco inovador. As obras, pontilhadas pela crítica de “neos” – neoparnasianas, neo-simbolistas, neo-românticas – traíram o marcar passo da cultura brasileira em pleno século da revolução industrial. (...) No caso dos melhores prosadores regionais, como Simões Lopes e Valdomiro Silveira, poder-se--ia acusar um interesse pela terra diferente do revelado pelos naturalistas típicos, isto é, mais atento ao registro dos costumes e à verdade da fala rural; mas, em última análise, tratava-se de uma experiência limitada, incapaz de desvencilhar-se daquele conceito mimético de arte herdado ao Realismo naturalista.

Caberia ao romance de Lima Barreto e de Graça Aranha, ao largo ensaísmo social de Euclides, Alberto Torres, Oliveira Viana e Manuel Bonfim, e à vivência brasileira de Monteiro Lo-bato o papel histórico de mover as águas estagnadas da belle époque, revelando, antes dos modernistas, as tensões que sofria a vida nacional.

Parece justo deslocar a posição desses escritores: do perío-do realista, em que nasceram e se formaram, para o momento anterior ao Modernismo. Este, visto apenas como estouro futu-rista e surrealista, nada lhes deve (nem sequer a Graça Aranha, a crer nos testemunhos dos homens da “Semana”); mas, con-siderado na sua totalidade, enquanto crítica ao Brasil arcaico, negação de todo academismo e ruptura com a República Velha, desenvolve a problemática daqueles, como o fará, ainda mais exemplarmente, a literatura dos anos de 30.

Atividade II

a) Que relação há entre as situações socioculturais que marcaram a vida brasileira desde o começo do século com o fato de isso explicar São Paulo ser o núcleo irradiador do Modernismo brasileiro?

b) A multiplicidade de classes “dominantes” no Brasil, naturalmente gerou grandes conflitos de interesses. Comente essa questão, referindo-se ao início do século XX.

Texto 3 dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Falamos, já, por diversas vezes, em vanguardas europeias, sem, no entanto, esclarecermos de que se trata. E será de fundamental impor-tância sua compreensão, para entendermos alguns aspectos pré-moder-nistas, e principalmente modernistas. Veremos as principais vanguar-das: Futurismo, Expressionismo, Cubismo, Dadaísmo e Surrealismo.

Futurismo

Movimento artístico e literário iniciado oficialmente em 1909 com a publicação do Manifesto Futurista, do poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti (1876/1944), no jornal francês Le Figaro. O texto rejeita o moralismo e o passado, exalta a violência e propõe novo tipo de beleza, baseada na veloci-dade. O apego do futurismo ao novo é tão grande que chega a defender a destruição de museus e cidades antigas. Agressivo e ex-travagante, encara a guerra como forma de “higienizar” o mundo. Em 1912, surge o Manifesto técnico da literatura futurista, propondo “a destruição da sintaxe, dispondo os substantivos ao acaso, como nascem”, o uso de símbolos matemáticos e musicais e o menos-prezo pelo adjetivo, advérbio e pontuação.

É importante salientar dois aspectos fundamentais do futurismo: pri-meiro, a total identificação entre o movimento e seu líder, a ponto de se tornarem as palavras Futurismo e Marinetti quase sinônimas; segundo, a adesão de Marinetti ao fascismo de Mussolini, a partir de 1919, dadas as evidentes afinidades ideológicas entre eles. Assim, pode-se entender a repugnância dos principais modernistas brasileiros pelo movimento de Marinetti, apesar de apresentarem uma série de pontos em comum com seus seguidores; aceitavam suas idéias artísticas, mas repudiavam seu posicionamento político.

Literatura – As principais manifestações ocorrem na poesia italia-na. Sempre a serviço de causas políticas, a primeira antologia sai em 1912. O texto é marcado pela destruição da sintaxe, dos conectivos e da pontuação, substituída por símbolos matemáticos e musicais. A linguagem é espontânea e as frases são fragmentadas para expressar velocidade. Os autores abolem os temas líricos e incorporam à poesia palavras ligadas à tecnologia.

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Expressionismo

O movimento surgiu em 1910, na Alemanha, trazendo uma forte heran-ça da arte do final do século XIX, preo-cupada com as manifestações do mundo interior e com uma forma de expressá-las. Daí o importante ser a expressão, ou seja, a materialização, numa tela ou numa folha de papel, de imagens nas-cidas em nosso mundo interior, pouco im-portando os conceitos então vigentes de belo e feio. Por suas características, o Expressionismo desenvolveu-se mais

na pintura, dando continuidade a um trabalho iniciado por Van Gogh, Cézane e Gauguin. Van Gogh chegou a afirmar que essa pintura, ao distorcer uma imagem para expressar a visão do artista, assemelhava--se à caricatura. Esse julgamento explica o porquê do declínio do Ex-pressionismo a partir de 1933, com a ascensão de Hitler na Alemanha: segundo as novas diretrizes, buscava-se uma arte pura, limpa, que re-tratasse a superioridade germânica, jamais uma caricatura.

As obras literárias, por exemplo, não têm preocupação com a bele-za tradicional e exibem um enfoque pessimista da vida, marcado pela angústia, pela dor, pela inadequação do artista diante da realidade e muitas vezes pela necessidade de denunciar problemas sociais. Por isso é frequente encontramos personagens destituídas de identidade; ou bem a identidade se fragmenta, chegando a plurificar-se em diver-sas personagens, ou então é negada transformando a personagem em uma espécie de marionete.

Em 1912 Anita Malfatti, uma jovem paulista de 16 anos, partia para a Alemanha, já matriculada na Escola de Belas Artes de Berlim. Lá, en-tra em contato com o Expressionismo alemão, retornando, maravilha-da, em 1914, quando realiza sua primeira exposição, em São Paulo.

Cubismo

Nascido a partir das experiências de Pablo Pi-casso, o Cubismo desenvolveu-se inicialmente na pintura, valorizando as formas geométricas (como esferas, cones, cilindros...) ao mesmo tempo em que revelava um objeto em seus múltiplos ângulos. A pintura cubista surgiu em 1907 e conheceu seu declínio com a Primeira Guerra. Na literatura, o Cubismo viveu seu primeiro momento com um manifesto síntese assinado por Guillaume Apolli-naire (1880/1918), publicado em 1913.

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A literatura cubista valoriza a proposta da vanguarda européia de aproximar ao máximo as várias manifestações artísticas (pintura, mú-sica, literatura, escultura), preocupando-se com a construção do texto e ressaltando a importância dos espaços em branco e em preto da folha de papel e da impressão tipográfica, característica essa que viria a influen-ciar fortemente a chamada poesia concreta da década de 60 no Brasil. Apollinaire defendia as “palavras em liberdade” e a “invenção de palavras”, e propunha a “destruição das sintaxes já condenadas pelo uso”, criando um texto marcado pelos substantivos soltos, jogados aparentemente de forma anárquica, e pelo menosprezo dos verbos, adjetivos e pontua-ção. Pregava ainda a utilização do verso livre e a conseqüente negação da estrofe, da rima e da harmonia.

Dadaísmo

Em 1916, em plena guerra, quando tudo fazia supor uma vitória alemã, um grupo de refugiados em Zurique, na Suíça, inicia o mais radical movimento da vanguarda eu-ropéia: o Dadaísmo. A própria palavra dada (escolhida, segundo eles, ao acaso) para ba-tizar o movimento, não significa nada.

Negando o passado, o presente e o futuro, o Dadaísmo é a total falta de perspectiva diante da guerra; daí ser contra as teorias, as orde-nações lógicas, pouco se importando com o leitor. Aliás, também é contra os manifestos, como afirma um de seus iniciadores, Tristan Tzara (1896/1963), em seu Manifesto Dadá (!) de 1918. Importante era criar palavras pela sono-ridade, quebrando as barreiras do significado, importante era o grito, o urro contra o capitalismo burguês e o mundo em guerra.

Dá-se o nome de dadaísmo ao movimento artístico e literário, de ideologia antiburguesa, que se opunha às concepções tradicionais da arte e se desenvolveu na Europa e nos Estados Unidos nas primeiras dé-cadas do século XX. Oscilando entre a anarquia e o niilismo, pregou o fim da cultura e a reconstrução do mundo, aglutinou heranças do futurismo e do expressionismo, refletiu os efeitos da primeira guerra mundial e, inicialmente hostil à Alemanha, opôs-se depois a todos os valores esta-belecidos: “Literatura com revólver na mão”, definiu um de seus expoentes em agitação política, o poeta alemão Richard Hülsenbeck.

Uma das acusações mais comuns dirigidas contra o dadaísmo é a de que foi apenas destruidor. Muitos grandes artistas, porém, como Picasso, Paul Klee e Kandinski, foram marcados pelo movimento. Sem o dadaísmo e sua ruptura com a lógica e o raciocínio convencional, seria impossível o automatismo psíquico dos surrealistas e outras formas de enriquecimento do imaginário.

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Surrealismo

O Manifesto Surrealista foi lançado em Paris, em 1924, por André Breton (1896-1970), um ex-participante do Dadaísmo, que rompera com Tristan Tzara. É impor-tante salientar que o Surrealismo é um mo-vimento de vanguarda iniciado no período entre guerras, ou seja, foi criado sobre as cinzas da Primeira Guerra e sobre a ex-periência acumulada de todos os outros movimentos. Entretanto, suas origens estão

mais próximas do Expressionismo e da sondagem do mundo interior, em bus-ca do homem primitivo, da liberação do inconsciente, da valorização do sonho, etc. Fortemente influenciado pelas teorias psicanalíticas de Sigmund Freud (1856-1939), o surrealismo enfatiza o papel do incons-ciente na atividade criativa.

O Surrealismo conhece uma ruptura interna quando Breton faz uma opção pela arte revolucionária, influenciado que estava pelo marxismo. Muitos dos seguidores do movimento não admitiam o engajamento da arte, criando assim uma divisão entre os surrealistas comunistas e os não comunistas.

Atividade III

a) A ruptura drástica e radical parece ser o tom dos principais movimentos de vanguarda europeus, que acabamos de ver. Comente essa questão, procurando estabelecer uma relação com o sentimento do homem do início do século XX. Elabore um pequeno texto e o socialize, através do Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA, para que possamos estabelecer uma interessante discussão sobre o assunto.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Sugestões de FilmesTempos modernos (1936)

O filme de Charles Chaplin traz uma série de críticas referentes ao tra-tamento à classe traba-lhadora (o proletariado, segundo a teoria marxis-ta) e aos burgueses (do-

nos dos meios de produção que “exploravam” essa mão-de-obra, que era miserável, que trabalhava muito para cada vez mais aumentar a produtividade nas suas empresas). Cargas horárias extensas, compro-misso de estarem produzindo mais e mais, além das condições subu-manas em que se encontravam. A luta por melhores salários (que eram baixos), por melhores condições de trabalho (os recintos eram imun-dos, as máquinas de manuseio perigoso etc.) e por uma carga horária menor, sempre foram uma constante, desde os tempos da Revolução Industrial. Mas o corpo da crítica de Chaplin no filme é com relação a essa exploração, que, nas idéias socialistas, se traduziria, por exemplo, num caso em que um operário trabalha muito para fabricar um auto-móvel ou eletrodoméstico, mas com o dinheiro que ele ganha no mês não poderá comprar um desses itens.

Elenco: Charlie Chaplin, Paulette Goddard, Henry Bergman, Chester Conklin, Stanley Sandford, Hank Mann, Stanley Blystone, Al Ernest Gar-cia. Direção: Charlie Chaplin. Duração: 87 min.

O gabinete do Doutor Caligari (1919)

Um dos principais filmes do Expressionismo alemão, narra o domínio do Dr. Caligari sobre o sonâmbulo Cesare, que mata pessoas sob suas ordens. Hoje, o filme é considerado uma an-tevisão do período nazista. Um clássico do filme de terror, reali-

zado no tempo em que o cinema ainda não falava. Mas as belíssimas imagens (que criam um tom meio surrealista) valem mais que mil pala-vras. O filme é realizado sob a ótica de um louco: daí as distorções e deformações das ruas, casas e pessoas.

Elenco: Werner Krauß, Conrad Veidt, Friedrich Feher, Lil Dagover, Hans H.Twardowski, Ru-dolf Lettinger, Rudolf Klein-Rogge. Direção: Ro-bert Wiene. Duração: 51 min.

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Resumo

Os vinte primeiros anos do século XX foram de uma agitação ímpar no mundo, e também no Brasil. Aqui, a sociedade mudava a passos largos, mas não uniformemente; enquanto São Paulo, por exemplo, desenvolvia-se largamente com a cafeicultura, o Nordeste se via envol-vido em miséria e fome, gerando fenômenos de fanatismo e violência, como Canudos e o cangaço. Em meio a toda essa transformação, as artes sentiam, ao mesmo tempo, o cansaço dos movimentos do século XIX, e os novos ventos artísticos soprados da Europa, através das cha-madas vanguardas européias. Portanto, um ambiente propício para o surgimento de uma literatura de ruptura, e, ao mesmo tempo, de olhos voltados para a realidade brasileira; preparava-se, assim, um dos mo-vimentos mais fortes das artes nacionais, o Modernismo.

Autoavaliação

Observe se:

• apreendeu os fatos históricos que contribuíram para a configuração mundial e brasileira do início do século XX e a produção artística da época;

• entendeu o processo desenvolvido no início do século XX como uma constante busca de nacionalidade para a literatura brasileira;

• identificou as figuras artísticas de uma forma geral e literárias em particular, que exerceram influência nos anos 20 do século passado;

• compreendeu o caminho de preparação para a implantação do movimento modernista no Brasil.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 195

Referências

BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. 42. ed. São Paulo: Cultrix, 2004

COUTINHO, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988

NICOLA, José de. Literatura Brasileira das origens aos nossos dias. 15. ed. São Paulo: Scipio-ne, 1998

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Pré-Modernismo

XII UNIDADE

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Apresentação

Euclides da Cunha

Chegamos ao último assunto de nos-so módulo. Apresentaremos alguns au-tores que produziram nos vinte primeiros anos do século XX, de uma forma especí-fica, observando determinadas caracte-rísticas, determinados temas, e que são comumente denominados de pré-moder-nistas.

Monteiro Lobato

Vale salientar, entretanto, que a deno-minação não se prende ao fato de serem, conscientemente, preparadores do Mo-dernismo que viria em seguida. Alguns deles eram mesmo contra a Semana de Arte Moderna e a produção literária dos oito anos que se seguiram. Outros ainda eram contrários entre si mesmos.

Lima Barreto

O que menos encontraremos, neste pe-ríodo, é homogeneidade. Ao contrário, há uma diversidade de temas, de estilos, fa-zendo com que o pré-modernismo nem seja considerado um movimento, mas apenas um momento de múltiplas manifestações artísticas.

Assim mesmo, dá para perceber alguns temas comuns a esse autores, embora, repitamos, sem qual-quer preocupação de formar uma escola ou algo parecido.

Augusto dos Anjos

Como estamos em nossa última aula e não haverá mais espaço para aprofundar cada autor, faremos diferente: inicialmente, apresentaremos as características mais co-muns da literatura desse período, e, em se-guida, uma breve biografia e um texto signi-ficativo de cada um dos escritores enfocados – Euclides da Cunha, Monteiro Lobato, Lima Barreto e Augusto dos Anjos. A atividade que

http://portalriopardo.com/imagens/euclides/2.jpg

http://catracalivre.folha.uol.com.br/wp-content/uploads/2009/04/lobato.jpg

http://1.bp.blogspot.com/-Y51EsC5a0LE/T1tD4OiDy9I/AAAAAAAACxU/EC1uectf2EE/s1600/Lima-Barreto.jpg

http://2.bp.blogspot.com/-32Fxfyn8A40/T0fk2HtUOfI/AAAAAAAAAG4/lU0u1p0bl9w/s1600/augusto_dos_anjos7.jpg

Fonte das imagens na ordem de apresentação

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 199

você deve realizar é a mesma para cada texto: interpretar e analisar, tendo como parâmetro o que vimos discutindo até agora. Produzir um pequeno texto com essa análise e parti-lhar com os colegas, por meio do AVA.

Vamos lá?

Objetivos

É nosso desejo que, ao final desta aula, você consiga:

• identificar as características comuns às obras produzidas no pe-ríodo pré-modernista brasileiro;

• conhecer resumidamente a biografia de quatro dos autores mais emblemáticos desse período;

• distinguir nos textos de cada autor elementos que os caracteri-zem como integrantes do mesmo período literário;

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200 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira II

Texto 1

Antecedentes da Semana de Arte Moderna

Tem sido um pouco subestimada a fase anterior ao Mo-dernismo. Na verdade, foi durante ela que germinaram as sementes do movimento estourado em 1922. O Modernismo não surgiu de vez em 1922, e em bloco. Esse é um fato que tem sido assinalado pelos que melhor fizeram o levantamento do movimento, como Tristão de Ataíde e Wilson Martins. Veio sendo ele preparado ao longo daqueles anos. Essa importante fase de transição, que Tasso da Silveira mui justamente caracte-rizou como de “sincretismo”, encerra todos os germes que irão desenvolver-se no Modernismo, e precisamente a esse espírito de sincretismo é que se deve a sua capacidade de gestar o mo-vimento. (...)

O sincretismo não teve força para criar um movimento, mas gerou ambiente que preparou a irrupção do Modernismo. Sem o espírito que espalhou de insatisfação ante as convencionali-dades estabelecidas, e sem ter contribuído para abrir a menta-lidade brasileira ao sopro de novidades artísticas que varriam a atmosfera europeia, talvez o Modernismo não houvesse vindo a termo no tempo justo. O fenômeno foi muito bem posto em relevo por Tasso da Silveira ao referir-se à tendência de cada uma das mais autênticas vocações artísticas do período, por não encontrarem possibilidade de realização num movimento estético unificante, a “rodopiar sobre si mesma, elaborando sua síntese própria, fundindo cada uma na unidade de sua arte, os elementos em mais profunda afinidade com o seu temperamen-to próprio”. (...) Não é, portanto, para ser esquecida a impor-tância capital da fase sincretista, sem dúvida o veículo de muitas tendências inovadoras que constituíram o clima pré-modernista.

(...)

Ainda há que considerar, todavia, outros marcos dessa evo-lução pré-modernista, através da qual a inquietação estética veio preparando o terreno para o movimento. Em ensaio acer-ca da origem do movimento, registra Brito Broca com muita justeza a transformação que se vinha processando: “a rebeldia modernista – embora assumindo um aspecto radical se desli-gasse dos seus precursores – já estava sendo anunciada, desde 1910, pela obra de alguns escritores que se insurgiam contra a rotina, o alheamento da realidade brasileira, tudo aquilo que o movimento modernista ia tenazmente combater (Brito Broca, “Quando teria começado o Modernismo?”

in Letras e Artes. Sup. Lit. A Manhã. Rio de Janeiro, 20 de julho de 1952, p. 9

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 201

Desde a publicação, em 1909, das Recordações de Isaías Ca-minha, de Lima Barreto, sucederam-se os sinais, acentua Brito Broca, de aparecimento de valores novos nas letras, com evi-dente espírito inconformista. (...) Antonio Torres (1885-1934) e Lima Barreto (1881-1922) bateram-se “contra tudo quanto entre nós exprimia artificialismo, imitação estrangeira, frivolida-de, literatice”. (...) Quanto à poesia, a busca era angustiosa, vocações legítimas hesitando entre as formas parnasianas e simbolistas. (...)

Em resumo, na expressão de Tristão de Ataíde, “a inquie-tação estética borbulhava no silêncio”. Só restava amadurecer o clima artístico, o que veio sendo feito aos poucos, segun-do causas concomitantes e sucessivas. Os sinais da mudança encontram-se – insista-se – desde 1910 [até mesmo antes], em manifestações isoladas.

COUTINHO, 1988, p. 252-259

Características

Apesar de o pré-modernismo não constituir uma “escola li-terária”, por apresentar individualidades muito fortes, com esti-los às vezes antagônicos – como é o caso, por exemplo, de Eu-clides da Cunha e de Lima Barreto –, podemos perceber alguns pontos comuns às principais obras desse período:

Ruptura com o passado, com o academicismo – apesar de al-gumas posturas, que podem ser consideradas conservadoras, há esse caráter inovador em determinadas obras. A linguagem de Augusto dos Anjos, por exemplo, ponteada de palavras “não--poéticas” (cuspe, vômito, escarro), era uma afronta à poesia parnasiana ainda em vigor. Lima Barreto ironiza tanto os escri-tores “importantes” que utilizavam uma linguagem pomposa, quanto os leitores que se deixavam impressionar: “Quanto mais incompreensível é ela [a linguagem], mais admirado é o escritor que a escreve, por todos que não lhe entenderam o escrito” (Os Bruzundangas).

Denúncia da realidade brasileira – nega-se o Brasil literário herdado do Romantismo e do Parnasianismo; o Brasil não-oficial do sertão nordestino, dos caboclos interioranos, dos subúrbios, é o grande tema do Pré-Modernismo.

Regionalismo – monta-se um vasto painel brasileiro: o Nor-te e o Nordeste com Euclides da Cunha; o Vale do Paraíba e o interior paulista com Monteiro Lobato; o Espírito Santo com Graça Aranha; o subúrbio carioca com Lima Barreto.

Tipos humanos marginalizados – o sertanejo nordestino, o cai-pira, os funcionários públicos, os mulatos.

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202 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira II

Ligação com fatos políticos, econômicos e sociais contemporâneos – diminui a distância entre a realidade e a ficção. São exemplos: Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto (retrata o gover-no de Floriano e a Revolta da Armada), Os Sertões, de Euclides da Cunha (um relato da Guerra de Canudos), Cidades mortas, de Monteiro Lobato (mostra a passagem do café pelo Vale do Paraíba paulista), e Canaã, de Graça Aranha (um documento sobre a imigração alemã no Espírito Santo).

Como se observa, a “descoberta do Brasil” é o principal le-gado desses autores para o movimento modernista, iniciado em 1922.

NICOLA, 1998, p. 250-251

Atividade I

a) No seu modo de ver, por que a literatura produzida nos vinte primeiros anos do século XX “não teve força para criar um movimento” unificado?

b) Comente a afirmação de Tristão de Ataíde (apud COUTINHO, op. cit.), em relação ao período pré-modernista, de que “a inquietação estética borbulhava no silêncio”.

Texto 2

Euclides da Cunha

Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu na Fazenda Saudade, em Cantagalo, região serrana no vale do rio Paraíba do Sul, na província do Rio de Janeiro, no dia 20 de janeiro de 1866. Foi escritor, professor, sociólogo, repórter jornalístico e engenheiro, tendo se tornado famoso por sua obra-prima, Os Sertões, que retrata a Guerra dos Canudos.

Aos vinte anos, matriculou-se na Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, no curso de Engenharia Militar, medida adotada porque a Escola pagava soldo e fornecia alo-

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 203

jamento e comida, já que ele atravessava forte crise financeira. Entretanto, dois anos depois, sua matrícula é trancada, face ao ato de protesto durante uma visita do Ministro da Guerra, con-selheiro Tomas Coelho, do último gabinete conservador da mo-narquia. É desligado do Exército sob o pretexto de incapacidade física. Convidado, passa a escrever no jornal “A Província de São Paulo”, hoje “O Estado de São Paulo”, em 1888.

No ano seguinte, retorna à Escola Militar da Praia Vermelha, graças ao apoio de seu futuro sogro, o major Sólon Ribeiro e de seus colegas da Escola, que pedem sua reintegração. Em 1890, casa-se com Ana Emília Ribeiro, com quem tem uma filha no ano seguinte, que falece prematuramente.

Em 1892, conclui o curso na Escola Superior de Guerra e é promovido a tenente, seu último posto na carreira. Cumpre estágio na Estrada de Ferro Central do Brasil - trecho paulista da ferrovia, entre a capital e a cidade de Caçapava, por designação do marechal Floriano Peixoto. No ano seguinte, acometido de forte pneumonia, interrompe sua colaboração com o jornal. Volta a trabalhar como engenheiro na Estrada de Ferro Central do Bra-sil. Com a Revolta da Armada, que teve início em 06 de setembro de 1893, seu sogro é preso. Sua mulher, Ana, refugia-se, com o filho Solon, na fazenda do sogro, em Descalvado (SP). O escritor é designado para servir na Diretoria de Obras Militares.

Em 1894, é punido com transferência para a cidade de Campanha (MG), por ter protestado, em cartas à “Gazeta de Notícias”, do Rio, contra a execução sumária dos prisioneiros políticos, pedida pelo senador florianista João Cordeiro, do Ceará. Neste mesmo ano, nasce seu filho Euclides Ribeiro da Cunha Filho, o Quidinho.

Acometido de tuberculose, desliga-se do Exército, e, em 1897, volta a colaborar no jornal “O Estado de São Paulo”. Cobre a 4ª Expedição contra Canudos, como correspondente daquele jornal. Em seus artigos, afirma sua certeza na vitória do governo sobre os conselheiristas. Acompanha, de perto, toda a movimentação de tropas e faz pesquisas sobre Canudos e o Conselheiro. Em Monte Santo, juntamente com o jornalista Alfredo Silva, faz incursão nos arredores da cidade, observa as plantas e minerais da região. Nas cercanias de Canudos, no dia 19 de setembro desse ano, escreve sua primeira reportagem da frente de batalha. O autor passeia pela cidade, anotando em sua caderneta de bolso, expressões populares e regionais, mu-danças climáticas, desenhos da cidade e das serras da região e copia diários dos combatentes. Transcreve poemas populares e profecias apocalípticas, depois citadas em “Os Sertões”. Com acessos de febre, retira-se do local, confessando, em seu último artigo para o jornal, o profundo desapontamento provocado pela visão das centenas de feridos que gemiam amontoados no chão. Volta, então, para São Paulo, onde começa a escrever Os sertões, concluindo-o em São José do Rio Pardo (SP), para onde

Desenho de Antonio Conselheiro, líder de Canudos

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204 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira II

fora designado a acompanhar os trabalhos de construção de uma ponte, em 1900, sendo lançado dois anos depois.

Em 1903, é eleito para a cadeira nº 7 da Academia Brasi-leira de Letras.

Nos dois anos seguintes, realiza várias viagens diplomáticas ao Norte do país, a serviço do governo. Em 1906, com a saúde debilitada pela malária, ao chegar encontra Ana, sua esposa, grávida do cadete Dilermando de Assis – o filho nasceria com uma debilidade congênita, falecendo com uma semana de vida.

Continua publicando e trabalhando, convivendo com a do-ença e a traição da esposa. Morre no dia 15 de agosto de 1909, depois de uma troca de tiros com Dilermando de Assis. Em 1916, Dilermando, que havia sido absolvido da morte de Euclides (legítima defesa), mata, no centro do Rio, o aspirante naval Euclides da Cunha Filho, o Quidinho, que tentou vingar a morte do pai. Dilermando é novamente absolvido, pelo mesmo veredicto.

http://www.releituras.com/edacunha_bio.asp

Os Sertões

A Terra

Ao sobrevir das chuvas, a terra, como vimos, transfigura-se em mutações fantásticas, contrastando com a desolação ante-rior. Os vales secos fazem-se rios. Insulam-se os cômoros es-calvados, repentinamente verdejantes. A vegetação recama de flores, cobrindo-os, os grotões escancelados, e disfarça a dure-za das barrancas, e arredonda em colinas os acervos de blocos disjungidos – de sorte que as chapadas grandes, entremeadas de convales, se ligam em curvas mais suaves aos tabuleiros altos. Cai a temperatura. Com o desaparecer das soalheiras anula-se a secura anormal dos ares. Novos tons na paisagem: a transparência do espaço salienta as linhas mais ligeiras, em todas as variantes da forma e da cor.

Dilatam-se os horizontes. O firmamento, sem o azul carre-gado dos desertos, alteia-se, mais profundo, ante o expandir revivescente da terra.

E o sertão é um vale fértil. É um pomar vastíssimo, sem dono.

Depois tudo isto se acaba. Voltam os dias torturantes; a at-mosfera asfixiadora; o empedramento do solo; a nudez da flo-ra; e nas ocasiões em que os estios se ligam sem a intermitência das chuvas – o espasmo assombrador da seca.

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 205

O Homem

O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitis-mo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.

A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, re-vela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas.

É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente. A pé, quando para-do, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou parede que encontra; a cavalo, se sofreia o animal para trocar duas palavras com um conhecido, cai logo sobre um dos estribos, descansando sobre a espenda da sela. Caminhando, mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilínea e firme. Avança cele-remente, num bambolear característico, de que parecem ser o traço geométrico os meandros das trilhas sertanejas. (...)

É o homem permanentemente fatigado.

A Luta

Concluídas as pesquisas nos arredores, e recolhidas as ar-mas e munições de guerra, os ja-gunços reuniram os cadáve-res que jaziam esparsos em vários pontos. Decapitaram-nos. Queimaram os corpos. Alinharam depois, nas duas bordas da estrada, as cabeças, regularmente espaçadas, fronteando-se, faces volvidas para o caminho. Por cima, nos arbustos mar-ginais mais altos, dependuraram os restos de fardas, calças e dólmãs multicores, selins, cinturões, quepes de listras rubras, capotes, mantas, cantis e mochilas...

A caatinga, mirrada e nua, apareceu repentinamente desa-brochando numa florescência extravagantemente colorida no vermelho forte das divisas, no azul desmaiado dos dólmãs e nos brilhos vivos das chapas dos talins e estribos oscilantes...

Um pormenor doloroso completou essa encenação cruel: a uma banda avultava, empalado, erguido num galho seco, de angico, o corpo do coronel Tamarindo.

Era assombroso... Como um manequim terrivelmente lúgu-bre, o cadáver desaprumado, braços e pernas pendidos, osci-lando à feição do vento no galho flexível e vergado, aparecia nos ermos feito uma visão demoníaca.

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206 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira II

Atividade IIa) Comentário sobre o texto literário lido.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Texto 3

Monteiro Lobato

José Bento Monteiro Lobato nasceu em Taubaté-SP, em 18 de abril de 1882. Nasceu José Renato, mas mudou o nome mais tarde, para poder usar uma bengala que ganhou do pai, com as iniciais deste (JBML).

Frequentador assíduo da imensa biblioteca de seu avô, o Visconde de Tremembé, leu tudo o que havia para crianças em língua portuguesa. Nos primeiros anos de estudante, já escrevia pequenos contos para os jornaizinhos das escolas que frequen-tou.

Em dois anos seguidos (1898 e 1899), perdeu o pai e a mãe. Tendo forte talento para o desenho, tornou-se desenhista e caricaturista (como fonte de renda) nessa época. Em busca de aproveitar as suas duas maiores paixões, decidiu ir para São Paulo após completar 17 anos. Seu sonho era a Faculdade de Belas-Artes, mas, por imposição do avô, que o tinha como um sucessor na administração de seus negócios, acabou ingressan-do na Faculdade do Largo São Francisco, para cursar Direito.

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 207

Escreveu para vários órgãos de imprensa paulistas e criou alguns clubes literários, com os quais mantinha contato com os jovens escritores da época. Era anticonvencional por excelência, dizendo sempre o que pensava, agradasse ou não. Defendia a sua verdade com unhas e dentes, contra tudo e todos, quaisquer que fossem as consequências. De gênio inquieto, tentou vários negócios (fábrica de geleias, comércio de secos e molhados, estradas de ferro, editoras), ao lado de sua carreira de Promotor público. Contudo, era visível a sua insatisfação com a vida que levava e com os negócios que não prosperavam.

Aos 29 anos, com o falecimento do seu avô, o Visconde de Tremembé, tornou-se herdeiro da Fazenda Buquira, para onde se mudou com toda a família. Dedicou-se à modernização da lavoura e à criação. Em 1914, durante o inverno seco daquele ano, cansado de enfrentar as constantes queimadas praticadas pelos caboclos, o fazendeiro escreveu uma “indignação” intitu-lada Velha Praga, e a enviou para a seção Queixas e Reclama-ções do jornal O Estado de São Paulo, que, percebendo o valor daquela carta, publicou-a fora da seção que era destinada aos leitores, no que acertou, pois provocou polêmica e fez com que Lobato escrevesse outros artigos como, por exemplo, Urupês, dando vida a um de seus mais famosos personagens, o Jeca Tatu.

Jeca era um grande preguiçoso, totalmente diferente dos cai-piras e índios idealizados pela literatura romântica de então. Seu aparecimento gerou uma enorme polêmica, em todo o país, pois o personagem era símbolo do atraso e da miséria que representava o campo no Brasil.

Não foi, porém, a única polêmica em que se envolveu. Em 20 de dezembro de 1917, publicou Paranoia ou Mistificação, a fa-mosa crítica desfavorável à exposição de pintura expressionista de Anita Malfatti, que seria o estopim para a criação da Semana de Arte Moderna de 1922. Muitos passaram a ver Lobato como reacionário, inclusive os modernistas, mas há quem afirme que ele era a favor de uma arte devidamente brasileira, autóctone, criada aqui, e que por isso criticou Malfatti, embora admitisse que ela fosse talentosa.

Editor atuante, fundou a Monteiro Lobato & Cia., que, de-pois de um retumbante sucesso de publicações, foi à falência, em 1925, por adversidades externas: racionamento de energia elétrica e política econômica do país em crise. O escritor mu-dou-se, então, para o Rio de Janeiro, onde fundou a Compa-nhia Editora Nacional; é nessa época que envereda pela litera-tura para crianças, sendo considerado seu precursor no Brasil. Mesmo assim, candidatou-se duas vezes à Academia Brasileira de Letras e foi rejeitado, tendo, anos mais tarde, ele próprio rejeitado uma nova indicação.

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208 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira II

Em 1927, é nomeado adido comercial do Brasil nos Estados Unidos, onde fica maravilhado com o progresso industrial; vol-tando ao Brasil, investe na indústria de aço e de exploração de petróleo, mas novamente é traído pela economia, com a queda da Bolsa de Nova Iorque, em 1929. Perde tudo, mas conti-nua na luta pela procura de petróleo em solo brasileiro. Lobato prejudicou os interesses de gente muito importante na política nacional, e de grandes empresas estrangeiras. O combate o deixou pobre, doente e desgostoso. Havia interesse oficial em se dizer que no Brasil não havia petróleo. Tendo-os como adversá-rios, passou a enfrentá-los publicamente. O governo do ditador Getúlio Vargas, depois de várias tentativas de cooptação, acusa o escritor de tentar desmoralizar a política petrolífera brasileira e Lobato é condenado a seis meses de prisão, dos quais cumpre a metade (1941).

Sempre envolvido em polêmicas, em abril de 1948, sofreu um primeiro espasmo vascular, que afetou a sua motricidade. Dois dias após conceder a Murilo Antunes Alves, da Rádio Re-cord, a sua última entrevista, Monteiro Lobato sofreu um segundo espasmo cerebral e faleceu às 4 horas da madrugada, no dia 4 de julho de 1948, aos 66 anos de idade. A obra lobatiana é composta de 29 publicações para adultos e 39 para crianças.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Monteiro_Lobato.

Um homem de consciência

Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato e modesto dos homens. Honestíssimo e lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era João Teodoro.

Nunca fora nada na vida, nem admitia a hipótese de vir a ser alguma coisa. E por muito tempo não quis nem sequer o que todos ali queriam: mudar-se para terra melhor.

Mas João Teodoro acompanhava com aperto de coração o deperecimento visível de sua Itaoca.

– Isto foi muito melhor, dizia consigo. Já teve três médicos bem bons – agora só um e bem ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço para um rábula ordinário como o Tenório. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o restolho. Decidida-mente, a minha Itaoca está se acabando...

João Teodoro entrou a incubar a idéia de também mudar-se, mas para isso necessitava dum fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que Itaoca não tinha mesmo conserto ou arranjo possível.

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 209

– É isso, deliberou lá por dentro. Quando eu verificar que tudo está perdido, que Itaoca não vale mais nada de nada de nada, então arrumo a trouxa e boto-me fora daqui.

Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para delegado. Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crânio. Delegado, ele! Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, não se julgava capaz de nada...

Ser delegado numa cidadinha daquelas é coisa seríssima. Não há cargo mais importante. É o homem que prende os ou-tros, que solta, que manda dar sovas, que vai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado – e estava ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itaoca! ...

João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando e arrumando as malas. Pela madrugada botou-as num burro, montou num cavalo magro e partiu.

– Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens?

– Vou-me embora, respondeu o retirante. Verifiquei que Ita-oca chegou mesmo ao fim.

– Mas , como? Agora que você está delegado?

– Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado, eu não moro. Adeus.

E sumiu.

Atividade IIIa) Comentário sobre o texto literário lido.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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210 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira II

Texto 4

Lima barreto

Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro a 13 de maio de 1881 e morreu na mesma cidade a 1º de no-vembro de 1922. Filho de um tipógrafo da Imprensa Nacional e de uma professora pública, era mestiço e foi iniciado nos es-tudos pela própria mãe, que perdeu aos 7 anos de idade. Pela mão de seu padrinho de batismo, o Visconde de Ouro Preto, ministro do Império, completou-os no Ginásio Nacional (Pedro II), entrando em 1897 para a Escola Politécnica, pretendendo ser engenheiro. Teve, porém, de abandonar o curso para assu-mir a chefia e o sustento da família, devido ao enlouquecimento do pai, almoxarife da Colônia de Alienados da Ilha do Gover-nador, em 1902.

Nesse ano, estreia na imprensa estudantil. A família muda-se para o subúrbio do Rio de Janeiro, Engenho de Dentro, onde o futuro escritor ocupa um cargo vago na Secretaria da Guer-ra, mediante concurso público. Começa a escrever sua obra e a publicar artigos em jornais da época, além de dedicar-se à leitura, na Biblioteca Nacional, dos grandes nomes da literatura mundial, dos escritores realistas europeus de seu tempo, tendo sido dos poucos escritores brasileiros a tomar conhecimento e ler os romancistas russos.

Em 1910, faz parte do júri no julgamento dos participantes do episódio chamado “Primavera de sangue”, condenando os militares no assassinato de um estudante, sendo por isso prete-rido, daí para frente, nas promoções na Secretaria da Guerra.

Em 1911, em três meses, escreve o romance Triste fim de Policarpo Quaresma, publicado em folhetins no Jornal do Comér-cio, onde escreve, e também na Gazeta da Tarde.

O vício da bebida começa a manifestar-se nele, porém não o impede de continuar a sua colaboração na imprensa. Nos primeiros meses de 1916 aparece em volume o romance Tris-te fim de Policarpo Quaresma, que reúne também alguns contos notáveis como A Nova Califórnia e O homem que sabia javanês, ten-do boa acolhida por parte da crítica, que vê em Lima Barreto o legítimo sucessor de Machado de Assis. Em julho de 1917, após internação hospitalar, entrega ao seu editor os originais de Os Bruzundangas, somente publicado em 1922, um mês após a morte do autor.

Candidata-se à vaga na Academia Brasileira de Letras, mas seu pedido de inscrição não é sequer considerado. Após o diagnóstico de epilepsia tóxica, é aposentado em dezembro

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 211

de 1918, mudando-se para outra casa na Rua Major Mascare-nhas, em Todos os Santos, onde irá residir até morrer. No ano seguinte, candidata-se em segunda vez a uma vaga na Acade-mia de Letras – desta vez, aceita – não conseguindo, porém, ser eleito

Em 1919, de dezembro a janeiro do ano seguinte, é in-ternado no hospício, devido a forte crise nervosa, resultando a experiência nas anotações dos primeiros capítulos da obra O cemitério dos vivos, memórias somente publicadas em 1953, juntamente com as do Diário íntimo, num mesmo volume.

Em abril de 1921, faz uma viagem à pequena cidade de Mirassol, no Estado de São Paulo, onde um médico amigo e escritor, Ranulfo Prata, tenta a regeneração clínica de Lima Bar-reto, mas em vão. Com a saúde já bastante abalada, a doença força a sua reclusão na casa modesta de Todos os Santos, onde os amigos vão visitá-lo e sua irmã Evangelina se desvela em cuidados por ele.

Em julho de 1921, pela terceira vez, candidata-se à vaga na Academia de Letras, retirando, porém, a candidatura, ale-gando “motivos inteiramente particulares e íntimos”. Tendo a sua saúde declinada mês a mês, agravada pelo reumatismo, pela bebida e outros padecimentos, Lima Barreto morre em 1º de novembro de 1922, vitimado por um colapso cardíaco. Dois dias depois é a vez de seu pai.

A partir da década de cinquenta, quando sua obra foi toda publicada, Lima Barreto tem sido alvo de estudos, tanto no Bra-sil como no exterior. Suas obras, romances e contos, têm sido traduzidos para o inglês, francês, russo, espanhol, tcheco, ja-ponês e alemão. Teses de doutoramento o tiveram como tema nos Estados Unidos e na Alemanha. Congressos e conferências foram realizados em todo o Brasil, por ocasião do seu cen-tenário de nascimento (em 1981), resultando inúmeros livros publicados, entre ensaios, bibliografias e estudos psicológicos do autor e sua obra. Há, presentemente, um desabrochar de interesse entre os novos escritores brasileiros em favor da obra de Lima Barreto, tido como o pioneiro do romance social, e cuja produção literária – vasta, em proporção ao número de anos que viveu – ganha, a cada dia, o merecido destaque que lhe é devido.

http://www.culturabrasil.pro.br/limabarreto.htm

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212 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira II

Triste Fim de Policarpo Quaresma

A Lição de Violão

Como de hábito, Policarpo Quaresma, mais conhecido por Major Quaresma, bateu em casa às quatro e quinze da tarde. Havia mais de vinte anos que isso acontecia. Saindo do Arsenal de Guerra, onde era subsecretário, bongava pelas confeitarias algumas frutas, comprava um queijo, às vezes, e sempre o pão da padaria francesa.

Não gastava nesses passos nem mesmo uma hora, de forma que, às três e quarenta, por ai assim, tomava o bonde, sem erro de um minuto, ia pisar a soleira da porta de sua casa, numa rua afastada de São Januário, bem exatamente às quatro e quinze, como se fosse a aparição de um astro, um eclipse, enfim um fenômeno matematicamente determinado, previsto e predito.

A vizinhança já lhe conhecia os hábitos e tanto que, na casa do Capitão Cláudio, onde era costume jantar-se aí pelas quatro e meia, logo que o viam passar, a dona gritava à criada: “Alice, olha que são horas; o Major Quaresma já passou.”

E era assim todos os dias, há quase trinta anos. Vivendo em casa própria e tendo outros rendimentos além do seu ordenado, o Major Quaresma podia levar um trem de vida superior ao seus recursos burocráticos, gozando, por parte da vizinhança, da consideração e respeito de homem abastado.

Não recebia ninguém, vivia num isolamento monacal, em-bora fosse cortês com os vizi-nhos que o julgavam esquisito e misantropo. Se não tinha amigos na redondeza, não tinha ini-migos, e a única desafeição que merecera fora a do doutor Segadas, um clínico afamado no lugar, que não podia admitir que Quaresma tivesse livros: “Se não era formado, para quê? Pedantismo!”

O subsecretário não mostrava os livros a ninguém, mas acontecia que, quando se abriam as janelas da sala de sua livraria, da rua poder-se-iam ver as estantes pejadas de cima a baixo.

Eram esses os seus hábitos; ultimamente, porém, mudara um pouco; e isso provocava comentários no bairro. Além do compadre e da filha, as únicas pessoas que o visitavam até então, nos últimos dias, era visto entrar em sua casa, três vezes por semana e em dias certos, um senhor baixo, magro, pálido, com um violão agasalhado numa bolsa de camurça. Logo pela primeira vez o caso intrigou a vizinhança. Um violão em casa tão respeitável! Que seria?

E, na mesma tarde, uma das mais lindas vizinhas do major convidou uma amiga, e ambas levaram um tempo perdido, de

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cá para lá, a palmilhar o passeio, esticando a cabeça, quando passavam diante da janela aberta do esquisito subsecretário.

Não foi inútil a espionagem. Sentado no sofá, tendo ao lado o tal sujeito, empunhando o “pinho” na posição de tocar, o major, atentamente, ouvia: “Olhe, major, assim”. E as cordas vibravam vagarosamente a nota ferida; em seguida, o mestre aduzia: “É ‘ré’, aprendeu?”

Mas não foi preciso pôr na carta; a vizinhança concluiu logo que o major aprendia a tocar violão. Mas que coisa? Um ho-mem tão sério metido nessas malandragens!

Uma tarde de sol – sol de março, forte e implacável – aí pelas cercanias das quatro horas, as janelas de uma erma rua de São Januário povoaram-se rápida e repentinamente, de um e de outro lado. Até da casa do general vieram moças à janela! Que era? Um batalhão? Um incêndio? Nada disto: o Major Quaresma, de cabeça baixa, com pequenos passos de boi de carro, subia a rua, tendo debaixo do braço um violão impudico.

É verdade que a guitarra vinha decentemente embrulhada em papel, mas o vestuário não lhe escondia inteiramente as formas. À vista de tão escandaloso fato, a consideração e o respeito que o Major Policarpo Quaresma merecia nos arredo-res de sua casa diminuíram um pouco. Estava perdido, maluco, diziam. Ele, porém, continuou serenamente nos seus estudos, mesmo porque não percebeu essa diminuição.

Quaresma era um homem pequeno, magro, que usava pin-ce-nez, olhava sempre baixo, mas, quando fixava alguém ou alguma coisa, os seus olhos tomavam, por detrás das lentes, um forte brilho de penetração, e era como se ele quisesse ir à alma da pessoa ou da coisa que fixava.

Contudo, sempre os trazia baixos, como se se guiasse pela ponta do cavanhaque que lhe enfeitava o queixo. Vestia-se sempre de fraque, preto, azul, ou de cinza, de pano listrado, mas sempre de fraque, e era raro que não se cobrisse com uma cartola de abas curtas e muito alta, feita segundo um figurino antigo de que ele sabia com precisão a época. (BARRETO, 1993, p. 19-20)

Atividade IVa) Teça um comentário sobre o texto literário que acabamos de ler.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Texto 5

Augusto dos Anjos

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu no Engenho Pau d’Arco, município de Sapé, Estado da Paraíba, no dia 20 de abril de 1884. Aprendeu com seu pai, bacharel, as primei-ras letras. Fez o curso secundário no Liceu Paraibano, já sendo dado como doentio e nervoso por testemunhos da época. De uma família de proprietários de engenhos, assiste, nos primeiros anos do século XX, à decadência da antiga estrutura latifundiá-ria, substituída pelas grandes usinas. Em 1903, matricula-se na Faculdade de Direito do Recife, formando-se em 1907.

Ali teve contato com o trabalho “A Poesia Científica”, do professor Martins Junior. Formado em Direito, não advogou; foi nomeado professor de português no Liceu Paraibano. Casou-se, em 04 de julho de 1910, com Ester Fialho. Nesse ano, em con-sequência de desentendimento com o governador, é afastado do cargo no Liceu. Muda-se para o Rio de Janeiro e dedica-se ao magistério. Lecionou geografia na Escola Normal, depois Instituto de Educação, e no Ginásio Nacional, depois Colégio Pedro II, sem conseguir ser efetivado como professor. Em 1911, morre prematuramente seu primeiro filho.

Seu contato com a leitura influenciaria muito na construção de sua dialética poética e visão de mundo. Com a obra de Her-bert Spencer, teria aprendido a incapacidade de se conhecer a essência das coisas e compreendido a evolução da natureza e da humanidade. De Ernst Haeckel, teria absorvido o concei-to da monera1 como princípio da vida, e de que a morte e a vida são um puro fato químico. Arthur Schopenhauer o teria inspirado a perceber que o aniquilamento da vontade própria seria a única saída para o ser humano. E da Bíblia Sagrada ao qual, também, não contestava sua essência espiritualística, usando-a para contrapor, de forma poeticamente agressiva, os pensamentos remanescentes, em principal os ideais iluministas/materialistas que, endeusando-se, se emergiam na sua época.

Seu único livro, “Eu”, foi publicado em 1912. Surgido em momento de transição, pouco antes da virada modernista de 1922, é bem representativo do espírito sincrético que prevalecia na época: parnasianismo por alguns aspectos e simbolista por outros. Praticamente ignorado a princípio, quer pelo público, quer pela crítica, esse livro, que canta a degenerescência da carne e os limites do humano, só alcançou novas edições gra-ças ao empenho de Órris Soares (1884-1964), amigo e bió-grafo do autor.

Cético em relação às possibilidades do amor (”Não sou ca-paz de amar mulher alguma, / Nem há mulher talvez capaz de

1 Monera era um reino biológico, que incluía todos os organismos vivos que possuíam uma organização celular procariótica, isto é, organismos unicelulares que não apre-sentam seu material genético delimitado por uma membrana.

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amar-me”), Augusto dos Anjos fez da obsessão com o próprio “eu” o centro do seu pensamento. Não raro, o amor se con-verte em ódio, as coisas despertam nojo e tudo é egoísmo e angústia em seu livro patético (”Ai! Um urubu pousou na minha sorte”). A vida e suas facetas, para o poeta que aspira à morte e à anulação de sua pessoa, reduzem-se a combinações de elementos químicos, forças obscuras, fatalidades de leis físicas e biológicas, decomposições de moléculas. Tal materialismo, longe de aplacar sua angústia, sedimentou-lhe o amargo pes-simismo (”Tome, doutor, essa tesoura e corte / Minha singularís-sima pessoa”).

Ao asco de volúpia e à inapetência para o prazer contrapõe-se, porém um veemente desejo de conhecer outros mundos, outras plagas, onde a força dos instintos não cerceie os vôos da alma (”Quero, arrancado das prisões carnais, / Viver na luz dos astros imortais”).

A métrica rígida, a cadência musical, as aliterações e rimas preciosas dos versos fundiram-se ao esdrúxulo vocabulário ex-traído da área científica para fazer do “Eu” – desde 1919 cons-tantemente reeditado como Eu e outras poesias – um livro que sobrevive, antes de tudo, pelo rigor da forma. Com o tempo, Augusto dos Anjos tornou-se um dos poetas mais lidos do país, sobrevivendo às mutações da cultura e a seus diversos modis-mos como um fenômeno incomum de aceitação popular.

Em fins de 1913 mudou-se para Leopoldina MG, onde as-sumiu a direção do grupo escolar e continuou a dar aulas par-ticulares. Vitimado pela pneumonia aos trinta anos de idade, morreu nessa cidade, em 12 de novembro de 1914.

http://www.vidaeobra.com.br/biografias/augusto-dos-anjos-poeta.html. http://pt.wikipedia.org/wiki/Augusto_dos_Anjos.

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216 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira II

O Morcego

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho. Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:

Na bruta ardência orgânica da sede, Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede...”

-- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolhoE olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,

Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. ChegoA tocá-lo. Minh’alma se concentra.

Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!Por mais que a gente faça, à noite ele entra

Imperceptivelmente em nosso quarto!

Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,

Monstro de escuridão e rutilância, Sofro, desde a epigênese da infância,

A influência má dos signos do zodíaco.

Produndissimamente hipocondríaco, Este ambiente me causa repugnância...

Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsiaQue se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme – este operário das ruínas –Que o sangue podre das carnificinas

Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los, E há de deixar-me apenas os cabelos,

Na frialdade inorgânica da terra!

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Literatura Brasileira II I SEAD/UEPB 217

A Ideia

De onde ela vem?! De que matéria brutaVem essa luz que sobre as nebulosasCai de incógnitas criptas misteriosasComo as estalactites duma gruta?!

Vem da psicogenética e alta lutaDo feixe de moléculas nervosas,

Que, em desintegrações maravilhosas, Delibera, e depois, quer e executa!

Vem do encéfalo absconso que a constringe,

Chega em seguida às cordas da laringe, Tísica, tênue, mínima, raquítica...

Quebra a força centrípeta que a amarra, Mas, de repente, e quase morta, esbarra

No molambo da língua paralítica!

Atividade V

a) Comente os poemas que acabamos de ler, de Augusto dos Anjos.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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218 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira II

Sugestões de FilmesBem, após tantas leituras, vamos dar uma pausa para relaxar, co-

mer uma pipoquinha, tomar um guaraná, e ver alguns filmes que têm a ver com o que a gente discutiu nesta aula.

O comprador de fazendas (1974)

Adaptação de um conto de Monteiro Lobato sobre um casal de fazendeiros que se vê obrigado a vender a propriedade para pagar as inúmeras dívidas. Só que eles fazem isso para o primeiro que aparece, sem imaginar o problema em que estão se metendo. A mesma história já foi levada às telas antes, pelo mesmo diretor, em 1951, mas com tratamento mais ingênuo.

Elenco: Lélia Abramo, Marisa Afonso, Júlio César Cruz, Luiz Delfino, Jorge Dória, Kleber Dra-ble, Cláudio Ferreira, Brandão Filho, Fernando José, Tião Macalé, Eliane Martins, Zeni Pereira, Agildo Ribeiro. Direção: Alberto Pieralisi. Duração: 96 min.

Guerra de Canudos (1997)

Em 1893, Antônio Conselhei-ro (um monarquista assumido) e seus seguidores começam a tornar um simples movimento em algo grande demais para a República, que acabara de ser proclamada e decidira por enviar vários destaca-mentos militares para destruí-los.

Os seguidores de Antônio Conselheiro apenas defendiam seus lares, mas a nova ordem não podia aceitar que humildes moradores do ser-tão da Bahia desafiassem a República. Assim, em 1897, esforços são reunidos para destruir os sertanejos. Estes fatos são vistos pela ótica de uma família, que tem opiniões conflitantes sobre Conselheiro.

Elenco: José Wilker, Claudia Abreu, Paulo Betti, Marieta Severo, Tuca Andrade, Camilo Beliváqua, Roberto Bomtempo, José de Abreu, Selton Melo, Tonico Pereira. Direção: Sérgio Resende. Duração: 169 min.

Policarpo Quaresma, o heroi do Brasil (1988)

O major Policarpo Quaresma é um sonhador. Um visionário que ama o seu país e deseja vê-lo tão grandioso quanto, acredita, o Brasil pode ser. A sua luta se inicia no Congresso. Policarpo quer que o tupi-guarani seja adotado como idioma nacional. Ele tem o apoio de sua afilha-da Olga, por quem nutre um afeto especial, e Ricardo Coração-dos--Outros, trovador e compositor de modinhas que contam a história do

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nosso herói do Brasil. O filme, como o romance, discute principalmente a questão do nacionalismo, mas também fala do abismo existente entre as pessoas idealistas e aquelas que se preocupam apenas com seus interesses e com sua vida comum, com uma narrativa leve, que, em alguns pontos, chega a ser cômica, mas sempre salpicada de pequenas críticas a vários aspectos da sociedade.

Elenco: Paulo José, Giulia Gam, Ilya São Paulo, Othon Bastos, Claudio Mamberti, Tonico Pereira, Nelson Dantas, Jonas Bloch, Marcé-lia Cartaxo, José Lewgoy, Aracy Balabanian, Chico Diaz, José Dumont. Direção: Paulo Thiago. Duração: 120 min.

ResumoOs autores aqui estudados, três prosadores (Euclides da Cunha,

Monteiro Lobato e Lima Barreto) e um poeta (Augusto dos Anjos), têm sua história de vida entremeada com a ideia de nacionalidade, e é em função dela que sua obra é tecida. A exceção é Augusto, cuja poesia volta-se para dentro de si, de uma forma nunca vista antes na literatura brasileira. Os quatro autores representam bem esse momento específico de nossa arte literária, já que produziram uma obra original, impactante, e inspiradora aos escritores modernistas que se preparavam para inaugu-rar essa estética no Brasil, na Semana de Arte Moderna de 1922.

AutoavaliaçãoObserve se:

• identificou as características comuns às obras produzidas no período pré-modernista brasileiro;

• apreendeu a biografia de quatro dos autores mais emblemáticos desse período;

• distinguiu nos textos de cada autor elementos que os caracterizem como integrantes do mesmo período literário;

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Referências

BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. 11. ed. São Paulo: Ática, 1993

COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988

NICOLA, José de. Literatura Brasileira das origens aos nossos dias. 15. ed. São Paulo: Scipione, 1998

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