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LITERATURA – WAGNER LEMOS WWW.WAGNERLEMOS.COM.BR – O SEU SITE DE LITERATURA 1 AS VANGUARDAS EUROPÉIAS Entre os inúmeros movimentos inovadores, surgidos nas primeiras décadas do século XX, e que contribuíram decisivamente para a constituição da chamada modernidade artística, devemos destacar: Futurismo Movimento artístico e literário iniciado oficialmente em 1909 com a publicação do Manifesto Futurista do poeta italiano Filippo Marinetti (1876-1944) no jornal francês Le Figaro. O texto rejeita o moralismo e o passado, exalta a violência e propõe um novo tipo de beleza, baseada na velocidade. A obstinação do futurismo pelo novo é tamanha que chega a defender a destruição de museus e cidades antigas. Agressivo e extravagante, encara a guerra como forma de “higienizar” o mundo. Trata-se do primeiro grande movimento artístico de vanguarda do século XX. O futurismo produz mais manifestos – cerca de 30, de 1909 a 1916 – do que obras, embora esses textos também possam ser vistos como manifestação artística. O movimento tem grande repercussão, principalmente na França e na Itália, onde muitos artistas, entre eles Marinetti, se identificam com o fascismo nascente. A violência concreta da 1ª Guerra Mundial (1914-1918) é uma prova de que a violência, defendida pelos futuristas, não é solução para o mundo e o movimento entra em decadência. Seu espírito de destruição influencia a concepção do movimento dadá. No Brasil, o futurismo colabora para o desencadeamento do modernismo, que dominou as artes a partir da Semana de Arte Moderna de 1922. Os modernistas usam algumas das técnicas e discutem as idéias do futurismo, mas rejeitam o rótulo, identificado com o fascista Marinetti. Expressionismo Nas artes plásticas propõe ruptura com o academismo e o impressionismo. É uma forma de ‘‘recriar’’ o mundo, em vez de simplesmente captá-lo ou moldá-lo de acordo com as leis da arte tradicional. As principais características são: distanciamento da pintura acadêmica, ruptura com a ilusão de tridimensionalidade, resgate das artes primitivas e uso arbitrário de cores fortes. Os expressionistas usam também formas mais sintéticas e produzem uma pintura áspera devido à grande quantidade de tinta nas telas. Muitas retratam seres humanos solitários e sofredores. Com intenção de captar estados mentais, vários quadros exibem personagens fisicamente deformados, como o ser humano desesperado sobre uma ponte, que se vê no óleo O Grito (1893), do norueguês Edvard Munch (1863-1944), um dos expoentes do movimento. O principal precursor do movimento é o holandês Vincent Van Gogh (1853-1890), (auto- retrato ao lado), criador de obras de pinceladas marcadas, cores fortes, traços expressivos, formas contorcidas e dramaticidade. É justamente numa referência de um crítico à sua obra que, em 1911, o movimento ganha o nome de expressionismo. GRUPOS EXPRESSIONISTAS – O movimento vive seu auge a partir da fundação de dois grupos em duas cidades alemãs: o Die Brücke (A Ponte), de Dresden, que faz sua primeira exposição em 1905 e dura até 1913, e o Der Blaue Reiter (O Cavaleiro Azul), de Munique, ativo de 1911 a 1914. Os artistas do primeiro grupo, entre eles os alemães Ernst Kirchner (1880-1938) e Emil Nolde (1867-1956), são agressivos, atormentados e politizados. Têm por objetivo reunir revolucionários insatisfeitos com a arte acadêmica. Com cores quentes, produzem cenas místicas e paisagens nuas de atmosfera pesada. Já os ‘’cavaleiros’’ do segundo grupo, entre eles o russo estabelecido em Munique Vassily Kandinsky (1866- 1944), o alemão August Macke (1887-1914) e o suíço Paul Klee (1879-1940) se voltam para a espiritualidade. Livres de muitas obsessões de seus contemporâneos e sob influência do cubismo e futurismo eles deixam as formas figurativas que representam o real e rumam para a abstração. Na América Latina, o expressionismo é principalmente uma via de protesto político. No Brasil, os artistas mais importantes são Candido Portinari (1903-1962), que retrata o êxodo do Nordeste, Anita Malfatti (1896-1964) e Lasar Segall (1891-1957). A última grande manifestação de protesto expressionista é Guernica (1937), do espanhol Pablo Picasso (1881- 1973). Pintado em dois meses, é um enorme painel retratando o bombardeio da cidade basca de Guernica por aviões alemães, fiéis às tropas de Francisco Franco, durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Mostra sua visão particular da angústia do ataque, com a sobreposição de figuras como um cavalo morrendo, uma mulher presa em um edifício em chamas, uma mãe com uma criança morta e uma lâmpada no plano central. Surrealismo A pintura pode ser considerada a principal manifestação artística do surrealismo. Rejeitada como meio de representação do mundo concreto ou da emoção do artista, ela deve expressar o inconsciente. O movimento divide-se em duas vertentes. Uma mantém o caráter figurativo, mas produz formas inusitadas a partir da distorção ou justaposição de imagens conhecidas. É comum figuras que “flutuam” no quadro ou que estabelecem uma nova proporção entre objetos e pessoas. Um exemplo é A Persistência da Memória, de Salvador Dali, um dos expoentes do movimento. Num espaço representado convencionalmente, relógios parecem “derreter”. Também são exemplos as telas de René Magritte, como Magia Negra, onde representa sua mulher metade estátua, metade humana. Em Golconde,

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AS VANGUARDAS EUROPÉIAS Entre os inúmeros movimentos inovadores, surgidos nas primeiras décadas do século XX, e que contribuíram decisivamente para a constituição da chamada modernidade artística, devemos destacar:

Futurismo

Movimento artístico e literário iniciado oficialmente em 1909 com a publicação do Manifesto Futurista do poeta italiano Filippo Marinetti (1876-1944) no jornal francês Le Figaro. O texto rejeita o moralismo e o passado, exalta a violência e propõe um novo tipo de beleza, baseada na velocidade. A obstinação do futurismo pelo novo é tamanha que chega a defender a destruição de museus e cidades antigas. Agressivo e extravagante, encara a guerra como forma de “higienizar” o mundo. Trata-se do primeiro grande movimento artístico de vanguarda do século XX.

O futurismo produz mais manifestos – cerca de 30, de 1909 a 1916 – do que obras, embora esses textos também possam ser vistos como manifestação artística. O movimento tem grande repercussão, principalmente na França e na Itália, onde muitos artistas, entre eles Marinetti, se identificam com o fascismo nascente.

A violência concreta da 1ª Guerra Mundial (1914-1918) é uma prova de que a violência, defendida pelos futuristas, não é solução para o mundo e o movimento entra em decadência. Seu espírito de destruição influencia a concepção do movimento dadá.

No Brasil, o futurismo colabora para o desencadeamento do modernismo, que dominou as artes a partir da Semana de Arte Moderna de 1922. Os modernistas usam algumas das técnicas e discutem as idéias do futurismo, mas rejeitam o rótulo, identificado com o fascista Marinetti.

Expressionismo

Nas artes plásticas propõe ruptura com o academismo e o impressionismo. É uma forma de ‘‘recriar’’ o mundo, em vez de simplesmente captá-lo ou moldá-lo de acordo com as leis da arte tradicional. As principais características são: distanciamento da pintura acadêmica, ruptura com a ilusão de tridimensionalidade, resgate das artes primitivas e uso arbitrário de cores fortes. Os expressionistas usam também formas mais sintéticas e produzem uma pintura áspera devido à grande quantidade de tinta nas telas. Muitas retratam seres humanos solitários e sofredores. Com intenção de captar estados mentais, vários quadros exibem personagens fisicamente deformados, como o ser humano desesperado sobre uma ponte, que se vê no óleo O Grito (1893), do norueguês Edvard Munch (1863-1944), um dos expoentes do movimento.

O principal precursor do movimento é o

holandês Vincent Van Gogh (1853-1890), (auto-retrato ao lado), criador de obras de pinceladas marcadas, cores fortes, traços expressivos, formas contorcidas e dramaticidade. É justamente numa referência de um crítico à sua obra que, em 1911, o movimento ganha o nome de expressionismo.

GRUPOS EXPRESSIONISTAS –

O movimento vive seu auge a partir da fundação de dois grupos em duas cidades alemãs: o Die Brücke (A Ponte), de Dresden, que faz sua primeira exposição em 1905 e dura até 1913, e o Der Blaue Reiter (O Cavaleiro Azul), de Munique, ativo de 1911 a 1914. Os artistas do primeiro grupo, entre eles os alemães Ernst Kirchner (1880-1938) e Emil Nolde (1867-1956), são agressivos, atormentados e politizados. Têm por objetivo reunir revolucionários insatisfeitos com a arte acadêmica. Com cores quentes, produzem cenas místicas e paisagens nuas de atmosfera pesada.

Já os ‘’cavaleiros’’ do segundo grupo, entre eles o russo estabelecido em Munique Vassily Kandinsky (1866-1944), o alemão August Macke (1887-1914) e o suíço Paul Klee (1879-1940) se voltam para a espiritualidade. Livres de muitas obsessões de seus contemporâneos e sob influência do cubismo e futurismo eles deixam as formas figurativas que representam o real e rumam para a abstração.

Na América Latina, o expressionismo é principalmente uma via de protesto político. No Brasil, os artistas mais importantes são Candido Portinari (1903-1962), que retrata o êxodo do Nordeste, Anita Malfatti (1896-1964) e Lasar Segall (1891-1957).

A última grande manifestação de protesto expressionista é Guernica (1937), do espanhol Pablo Picasso (1881-1973). Pintado em dois meses, é um enorme painel retratando o bombardeio da cidade basca de Guernica por aviões alemães, fiéis às tropas de Francisco Franco, durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Mostra sua visão particular da angústia do ataque, com a sobreposição de figuras como um cavalo morrendo, uma mulher presa em um edifício em chamas, uma mãe com uma criança morta e uma lâmpada no plano central.

Surrealismo

A pintura pode ser considerada a principal manifestação artística do surrealismo. Rejeitada como meio de representação do mundo concreto ou da emoção do artista, ela deve expressar o inconsciente.

O movimento divide-se em duas vertentes. Uma mantém o caráter figurativo, mas produz formas inusitadas a partir da distorção ou justaposição de imagens conhecidas. É comum figuras que “flutuam” no quadro ou que estabelecem uma nova proporção entre objetos e pessoas. Um exemplo é A Persistência da Memória, de Salvador Dali, um dos expoentes do movimento. Num espaço representado convencionalmente, relógios parecem “derreter”. Também são exemplos as telas de René Magritte, como Magia Negra, onde representa sua mulher metade estátua, metade humana. Em Golconde,

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gotas de chuva ganham forma de homens de chapéu e capote.

Os artistas da outra vertente radicalizam o automatismo psíquico, para que o inconsciente se expresse livremente, sem controle da razão. Entre os expoentes estão Juan Miró e Max Ernst. As telas do primeiro se caracterizam por composições repletas de formas coloridas construídas com linhas fluidas e curvas. O Carnaval de Arlequim e A Cantora Melancólica são duas de suas principais obras. Max Ernst explora a colagem de papéis variados, como gravuras antigas e revistas, para criar universos fantásticos.

O surrealismo atrai alguns escultores. Um dos principais é o suíço Alberto Giacometti (1901-1966), autor da peça de madeira, arame, fios e vidro O Palácio às Quatro da Manhã.

No Brasil, há traços surrealistas em algumas obras de Tarsila do Amaral (1886-1973), como na tela Abaporu, (figura abaixo),

Ismael Nery (1900-1934), cuja tela Nu mostra uma mulher que é branca de um lado e negra do outro, e Cícero Dias (1908-). No início da carreira, Dias pinta Eu Vi o Mundo, Ele Começava no Recife, obra que apresenta todas as

características surrealistas. Entre os escultores o movimento influencia

Maria Martins (1900-1973). Suas peças têm caráter fantástico, como o bronze O Impossível, em que bustos humanos têm lanças no lugar da cabeça.

Cubismo

Movimento em princípio das artes plásticas, sobretudo da pintura, que, a partir da primeira década do século XX, rompe com a perspectiva adotada pela arte ocidental desde a Renascença. Entre todos os movimentos deste século, é o que tem influência mais ampla.

Ao pintar, os artistas achatam os objetos e com isso eliminam a ilusão de tridimensionalidade. Mostram, porém, vários ângulos da figura ao mesmo tempo. Eles retratam as formas geométricas, como cones, cubos, esferas e cilindros, que fazem parte da estrutura de figuras humanas, instrumentos musicais, garrafas e todos os outros objetos que pintam. Por isso, o movimento ganha ironicamente o nome de cubismo.

Figura e fundo tendem a se confundir devido ao propósito dos artistas de eliminar a ilusão de profundidade. Com o mesmo objetivo, as cores em geral se limitam ao preto, cinza, marrom e ocre.

O movimento surge em Paris, em 1907, com o espanhol Pablo Picasso (1881-1973), um dos expoentes da pintura do século XX. Em sua tela Les Demoiselles d’Avignon (As Senhoritas de Avignon), na qual se percebe clara influência da arte africana, os corpos das mulheres nuas não exibem os traços da pintura convencional.

O cubismo é influenciado pelo pós-impressionista francês Paul Cézanne (1839-1906), que começa a representar a natureza a partir de formas semelhantes às geométricas. O outro representante do movimento é o ex-fauvista francês Georges Braque (1882-1963), também influenciado pela arte africana, que em 1908, após ver Les Demoiselles d’Avignon, pinta Casas em l’Estaque.

Essa primeira fase do movimento, chamada de cézanniana ou protocubista, termina em 1910. Começa então o cubismo propriamente dito, conhecido como analítico. Nesse momento radical, a forma do objeto é submetida à superfície bidimensional da tela. O resultado final se aproxima da abstração. Na terceira e última etapa, de 1912 a 1914, o cubismo sintético ou de colagem constrói quadros com jornais, tecidos e objetos, além da tinta. Os artistas procuram tornar as formas novamente reconhecíveis.

Com o início da 1ª Guerra Mundial, em 1914, Braque e Picasso se afastam e o cubismo perde força. Picasso passa então por uma fase de retorno à tradição. O espanhol Juan Gris (1887-1927) e outros artistas menos significativos tentam dar continuidade ao movimento. Mas, em 1918, o arquiteto e pintor francês de origem suíça Le Corbusier (1887-1965) e o pintor francês Ozenfant (1886-1966) decretam seu fim, com a publicação do manifesto Depois do Cubismo. Apesar de negado por várias tendências que o sucedem, o cubismo continua na base de movimentos como o purismo (composto por Le Corbusier e Ozenfant) e o grupo De Stijl (O Estilo), formado em 1917 pelo holandês Piet Mondrian (1872-1944).

O cubismo se manifesta ainda na arquitetura, especialmente na obra de Corbusier, e na escultura. No teatro, restringe-se à pintura de cenários de peças e balés feita por Picasso, como é o caso do balé Parade, com roteiro de Jean Cocteau (1889-1963) e música de Erik Satie (1866-1925).

No Brasil, ele só repercute após a Semana de Arte Moderna de 1922. Pintar como os cubistas é considerado apenas um exercício técnico. Não há, portanto, cubistas brasileiros, mas em quase todos os modernistas se vêem influências do movimento.

É o caso de Tarsila do Amaral (1897-1973), Anita Malfatti (1896-1964) e Di Cavalcanti (1886-1976).

PRÉ-MODERNISMO ORIGENS As duas primeiras décadas do século XX não registram, no Brasil, convulsões semelhantes às ocorridas na Europa. A abolição da escravatura e o golpe republicano pouco haviam alterado as estruturas básicas do país. A economia - ainda

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voltada para as necessidades dos países europeus - assentava-se na dependência externa e no domínio interno dos cafeicultores. Porém, algumas mudanças iam se desenhando. A urbanização, o crescimento industrial e a imigração modificam a fisionomia da sociedade brasileira. Nas cidades, começa a se formar uma classe média reformista. Simultaneamente, emerge uma massa popular insatisfeita e propensa a revoltas irracionais como, por exemplo, a rebelião contra a vacina obrigatória. Na zona rural, produzem-se confrontos de maior ou menor intensidade dentro das classes dominantes, das violentas mas restritas lutas entre coronéis em determinadas regiões até a verdadeira guerra civil - que se trava no Rio Grande do Sul - entre republicanos e maragatos. Não esqueçamos também que, nesse período, irrompem as revoluções camponesas de Canudos (1896-1897) e do Contestado (1912). CARACTERÍSTICAS O movimento pendular da sociedade brasileira entre imobilismo e modernização seria transferido para a literatura. Com efeito, os primeiros vinte anos do século são marcados tanto pela presença de resíduos culturais do século XIX como pela busca de novas formas de expressão. E, acima de tudo, por um desejo individual - e nem sempre explícito - de redescoberta crítica do Brasil. De um Brasil esquecido, ignorado e, por vezes, doente, mas que precisa ser mostrado, discutido, interpretado. A grosso modo, podemos delimitar quatro tendências no período: Parnasianos: ainda imperantes, com suas idéias formalistas, sua concepção da literatura como "sorriso da sociedade", sua linguagem retórica e bacharelesca. Olavo Bilac, na poesia, e Coelho Neto, na prosa, são os "príncipes" idolatrados. Coelho Neto escreve um sem-número de romances que obtêm grande sucesso, menos pela qualidade narrativa, e mais pelos intoleráveis artifícios verborrágicos de seu estilo. Simbolistas: grupo relativamente inexpressivo que ainda sonha com neves e neblinas e escuta os doces violinos de Verlaine. Nas décadas posteriores, alguns jovens poetas talentosos como Manuel Bandeira, Cecília Meireles e Mário Quintana iniciarão suas carreiras, demonstrando uma forte dívida para com estes simbolistas retardatários. Realistas ou neo-realistas: prosadores cujos procedimentos literários são tipicamente realistas ( objetividade, verossimilhança, crítica social, análise psicológica, etc.) Destacam-se, dentro desta linha, Monteiro Lobato, com o resgate do caboclo paulista; Lima Barreto, com a fixação do universo suburbano carioca; e Simões Lopes Neto, que incorpora à ficção brasileira o vaqueano do pampa rio-grandense, além de registrar-lhe a fala regional. Estes narradores exerceriam poderosa influência sobre a geração dos romancistas de 1930. Intérpretes do Brasil: Compõem-se de dois representantes, Euclides da Cunha e Graça Aranha. Valem-se da literatura -

o primeiro da linguagem, o segundo da estrutura do romance - para questionar a realidade brasileira e debater o seu futuro. Estão muito próximos do ensaio e o livro Os sertões se tornará o maior divisor de águas em nossa cultura, durante todo o século XX. Ou seja, pré-modernista propriamente dito, no sentido de usar recursos técnicos ou temas inovadores, antes da eclosão da Semana de Arte Moderna, somente (e até certo ponto) o poeta Augusto dos Anjos. Em sua obra, apesar da mistura de influências cientificistas, parnasianas e simbolistas, há, de quando em quando, um inesperado gosto pelo coloquial e pela "sujeira da vida", que a coloca como precursora de uma das vertentes da poesia modernista. A DESIGNAÇÃO DO PERÍODO LITERÁRIO Por causa do ecletismo* da época - em que várias correntes e estilos se chocam e confundem, e vários autores apresentam uma mescla de academicismo e inovação - torna-se quase impossível rotular o período, enfeixá-lo dentro de um conceito abrangente e único. A necessidade pedagógica de uma designação para estas duas décadas que antecedem a Semana, levou o crítico Alceu de Amoroso Lima - já nos anos de 1950 - à criação do termo pré-modernismo. Trata-se de um conceito que não abarca a complexidade estética e ideológica das obras produzidas então. Contudo, exigências didáticas e ausência de outra classificação satisfatória terminaram cristalizando a proposta daquele historiador literário. E assim, pré-modernismo passou a indicar todos os textos neo-realistas, as interpretações do Brasil e a poesia anunciadora da rebelião vanguardista. Ecletismo: mistura de tendências, estilos e visões. AUTORES PRÉ-MODERNISTAS 1. EUCLIDES DA CUNHA

VIDA: Nasceu no estado do Rio de Janeiro e freqüentou a Escola Militar, de onde seria expulso ainda como cadete por afrontar o ministro da Guerra do Império. Proclamada a República, voltou ao Exército, formando-se em engenharia. Por problemas políticos e pessoais, acabou se desligando

voluntariamente da força militar. Em 1897 é enviado por O Estado de São Paulo a Canudos, como correspondente de guerra, tendo assistido à derrota dos sertanejos. Durante quatro anos escreveria um documento amargurado sobre o conflito: Os sertões, que viria à luz em 1902. Alguns anos depois - em plena glória pública e literária - foi assassinado por questões de honra. OBRAS PRNCIPAIS: Os sertões (1902), Contrastes e confrontos (1907), À margem da história (1909)

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Antes de acompanhar a quarta e última expedição das Forças Armadas contra os rebeldes de Canudos - vistos até ali como monarquistas ferozes, desejosos de minar as bases republicanas através de uma ação restauradora - Euclides da Cunha escreve um veemente artigo: A nossa Vendéia. Nele, compara os fanáticos de Antônio Conselheiro aos camponeses reacionários que, sob o comando de aristocratas, procuraram destruir a República francesa, logo após a Revolução.

O artigo traduzia a opinião geral da população litorânea a respeito dos acontecimentos. E é preparado para se deparar com esta horda anti-republicana que Euclides parte para o sertão baiano. Seus artigos jornalísticos, escritos no calor da hora, ainda traduzem tal perspectiva. Porém, ao retornar para o núcleo de poder do país - após a vitória do Exército - suas certezas começam a se desfazer. Escrever Os sertões passa a ser uma necessidade vital de compreensão da guerra. Mais ainda, de compreensão do país que possibilitara a eclosão de evento tão terrível. Perseguido pelas imagens do confronto, atormentado pela busca de uma explicação racional para o mesmo, ele passará vários anos produzindo a obra que mudaria para sempre a visão que os brasileiros tinham de si mesmos, como povo e como nação. A base científica Espírito científico, tenta dar base sólida para o que observara. Estuda Geografia, Botânica, Geologia, Psicologia, Sociologia, etc. Obviamente as fontes disponíveis são todas européias, e com elas acredita estar explicando a existência física, social e humana do sertão brasileiro. Alguns destes princípios teóricos têm fundamento, outros, no entanto ,pertencem ao que se chama ideologia do colonialismo, ou seja, ao conjunto de representações e pensamentos desenvolvidos na Europa imperialista das últimas décadas do século XIX. A visão cientificista, assumida por Euclides, poderia ser esquematizada assim:

DETERMINISMO Geográfico: - o homem como produto do meio natural. - o papel preponderante do clima na formação do meio. - a impossibilidade civilizatória em zonas tórridas, como o sertão. Racial: - os cruzamentos raciais enfraquecem a espécie. - a miscigenação conduz os homens à bestialidade e a toda espécie de impulsos criminosos. - o sertanejo é o caso típico de hibridismo racial. Histórico: - uma cultura como a sertaneja que, por ausência de contato com a civilização litorânea, não reproduz o progresso, permanecerá historicamente atrasada, tendendo a "anomalias", a exemplo de Canudos. Ao fundamentar-se nesses postulados, o autor envolveu o seu texto numa contradição: as observações pessoais são

justas e brilhantes; as teorias, nem sempre. Nelson Werneck Sodré explicita a ambigüidade: Existe em Euclides da Cunha um dualismo singular: enquanto observa, testemunha, assiste, conhece por si mesmo, tem uma veracidade, uma importância, uma profundidade e uma grandeza insuperáveis; enquanto transmite a ciência alheia, ainda sobre o que ele mesmo viu, conheceu, descai para o teorismo vazio, para a digressão subjetiva, para a ênfase científica, para a tese desprovida de demonstração. Dentro do esquema determinista e positivista, a obra se divide em três partes, delimitadas com rigor:

A terra - O homem - A luta

Na primeira parte temos a visão cientificista do Naturalismo: o meio geográfico opressor, com sua vegetação pobre, o chão calcinado, a imobilidade e repetição da paisagem árida. Na segunda, a questão racial avulta, interpenetrando-se com influências mesológicas. Aí, a duplicidade de Euclides manifesta-se diretamente. Existe o sertanejo "sub-raça": O sertanejo do Norte é, inegavelmente, o tipo de uma subcategoria étnica já constituída.(...) De sorte que o mestiço - traço de união entre as raças, breve existência individual em que se comprimem esforços seculares - é quase sempre um desequilibrado. (...) E o mestiço - mulato, mameluco ou cafuzo - menos que um intermediário, é um decaído, sem a energia física dos ascendentes selvagens, sem a altitude intelectual dos ancestrais superiores. Este ser "degenerescido", cuja psicologia era determinada por elementos geográficos e biológicos, produziria um líder que seria a síntese de toda a "deformação" do mundo camponês nordestino: Antônio Conselheiro. "A sua biografia - escreve Euclides - compendia e resume a existência da sociedade sertaneja". É o caráter de personagem-símbolo que se destaca na interpretação do chefe dos fanáticos: Todas as crenças ingênuas, do fetichismo bárbaro às aberrações católicas, todas as tendências impulsivas das raças inferiores, livremente exercidas na indisciplina da vida sertaneja se condensaram no seu misticismo feroz e extravagante. Ele foi, simultaneamente, o elemento ativo e passivo da agitação que surgiu. Mas, às teses colonialistas de Gumplowitcz (a maior fonte teórica de Os sertões) e outros, sobrepunham-se as imagens recolhidas in loco, na zona deflagrada. E as imagens eram mais densas que a explicação "científica" posterior. O sertanejo é visto como um titã: O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral. A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempenho, a estrutura corretíssima das organizações atléticas.(...) É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealade típica dos fracos.(...) Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude.

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Naquela organização combalida operam-se, em segundos, transmutações completas. Basta o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormidas. O homem transfigura-se. Empertiga-se, (...) e da figura vulgar do tabaréu canhestro, reponta inesperadamente o aspecto dominador de um titã acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e agilidade extraordinárias.

A luta

Finalmente, a terceira e mais importante parte da obra é A luta. O conflito entre a sociedade arcaica e a urbana já não surge como uma guerra entre monarquistas e republicanos. Euclides da Cunha sabe estar contemplando uma autêntica guerra civil. E descreve-a sombriamente. Não esconde a comoção diante da guerrilha sertaneja e das sucessivas derrotas que ela impõem às tropas oficiais, diante dos banhos de sangue diários, do grito de guerra dos jagunços: "Avança, fraqueza do governo!"; e diante das rezas e cânticos que emergem do arraial, daquela "Tróia de taipa", ao anoitecer, quando todo o alto comando julgava Canudos já sem resistência. A violência desse genocídio é quase insuportável: Os novos combatentes imaginaram-na (a guerra) extinta antes de chegarem a Canudos. Tudo o indicava. Por fim os próprios prisioneiros que chegavam e eram os primeiros que apareciam. Notou-se apenas, sem que se explicasse a singularidade, que entre eles não surgia um único homem feito. Os vencidos, varonilmente ladeados de escoltas, eram fragílimos; meia dúzia de mulheres tendo ao colo crianças engelhadas como fetos, seguidas dos filhos maiores, de seis a dez anos.(...) Um dos pequenos - franzino e cambaleante - trazia à cabeça, ocultando-a inteiramente porque descia até os ombros, um velho quepe reiúno, apanhado no caminho. O quepe largo e grande demais oscilava grotescamente a cada passo sobre o busto esmurrado que ele encobria por um terço. E alguns espectadores tiveram a coragem singular de rir. A criança alçou o rosto, procurando vê-los. O riso extinguiu-se: a boca era uma chaga aberta de lado a lado por um tiro. No desenvolvimento de A luta - a narração acompanha as quatro expedições punitivas até o grande massacre final - vai se avolumando uma denúncia apaixonada contra a inépcia e a insanidade do governo, representante da civilização. Na visão das elites do litoral, os jagunços eram facínoras. Para Euclides eram irmãos que deviam ser reintegrados à nacionalidade. Sob este prisma, as últimas páginas ganham uma força trágica impressionante. Os soldados penetram no arraial: Os combatentes contemplavam-nos entristecidos. Surpreendiam-se; comoviam-se. O arraial, 'in extremis', punha-lhes adiante, naquele armistício transitório, uma legião desarmada, mutilada, faminta e claudicante. Custava-lhes admitir que toda aquela gente frágil saísse tão numerosa ainda dos casebres bombardeados durante três meses. Contemplando-lhes os rostos baços, os arcabouços esmirrados e sujos, cujos molambos em tiras não encobriam

lanhos, escaras e escalavros - a vitória tão longamente apetecida decaída de súbito. Repugnava aquele triunfo. Envergonhava. A sua conclusão é de que assistira a uma tragédia nacional. Uma tragédia que traduzia a incapacidade do Brasil litorâneo, mais ou menos desenvolvido, ocidentalizado e adaptado (a grosso modo) ao mundo moderno, de entender o grande sertão, imobilizado no tempo e na História, com suas hordas analfabetas, facilmente condutíveis por líderes messiânicos enlouquecidos. Por isso, ele vai encerrar o seu livro de forma quase panfletária: É que ainda não existe um Maudsley para as loucuras e os crimes das nacionalidades... O GÊNERO LITERÁRIO E O ESTILO Os sertões é uma mescla de romance e ensaio científico, relato histórico e reportagem jornalística, o que torna impossível enquadrá-lo nos limites de um gênero literário. Trata-se de um obra de exceção. Esta "epopéia às avessas" distingue-se do mero documento com veleidades científicas pela presença e uso intencional da linguagem artística. O estilo é trabalhado, pomposo, enfático, cheio de antítese e comparações. Guilhermino César notou que o estilo sofre variações: é mais retórico nas passagens científicas e mais simples nas demais partes. IMPORTÂNCIA DE EUCLIDES DA CUNHA Apesar de alguns equívocos ideológicos, ditados pelas circunstâncias da época, Euclides da Cunha representa um corte na cultura urbana, tradicionalmente repetidora dos modelos europeus. Sua obra - e, em especial, Os sertões - tem a importância histórica da obra de Machado de Assis. Enquanto este denunciava a falta de autenticidade dos grupos dominantes do litoral, Euclides descia por um interior desconhecido, transformando o espanto da descoberta das mazelas do sertão num "grito de aviso à consciência nacional". O seu livro monumental acabaria influenciado, de forma decisiva, os autores nordestinos de 1930 e ainda João Guimarães Rosa.

2. GRAÇA ARANHA Vida: Nasceu no Maranhão, filho de uma família burguesa, em 1868. Estudou Direito no Recife, exercendo por algum tempo a magistratura, no interior do Espírito Santo, onde recolheu material para escrever. Em seguida, entrou para o Itamarati, atuando em várias missões diplomáticas importantes. Consagrado com o romance Canaã, ingressou ainda jovem na Academia Brasileira de Letras, com a qual romperia escandalosamente em 1924. Durante a Semana de Arte Moderna, foi o único intelectual de renome a apoiar os vanguardistas. Morreu na cidade do Rio de Janeiro, já superado como escritor e como pensador, em 1931. Obras principais: Canaã (1902); A estética da vida (1921) À semelhança de Os sertões, também Canaã agita os círculos letrados do país quando vem à luz, em 1902. Sua

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formulação surpreende por mesclar o relato convencional com o debate ideológico explícito, apresentando algo desconhecido no Brasil: o romance-ensaio, o romance de tese ,isto é, um romance onde as idéias são mais importantes que a própria narrativa. Trata-se de uma espécie de confronto de perspectivas entre dois imigrantes alemães - Milkau e Lentz - recém-chegados ao interior do Espírito Santo para trabalhar como colonos. Com desenvoltura incomum, emitem as suas teorias sobre o papel da imigração no futuro do Brasil, sobre o atraso social da nação e suas chances históricas, e, por fim, acabam discutindo o próprio sentido da vida. Lentz acena com idéias colonialistas. O Brasil seria um país sem expressão pela presença dominante das raças mestiças. A tarefa do imigrante consistiria em manifestar a superioridade da raça ariana. No plano pessoal, há em Lentz uma nostalgia "prussiana": ele crê num universo dividido em "guerreiros" - seres fortes, cheios de vontade e etnicamente puros - e a massa, grupo amorfo e incapaz. Já Milkau defende a integração do imigrante na realidade brasileira, seja do ponto de vista social, seja do ponto de vista racial (sonha com uma democracia étnica). A isso acrescenta uma filosofia individual baseada num vago socialismo cristão, no qual imperam as idéias de amor, solidariedade e piedade. Um mundo de paz e harmonia, eis o seu projeto, colocado visionariamente no futuro do Brasil, terra prometida, Canaã. Condicionado pelo ambiente brasileiro, Lentz, no final da obra, acaba por se mostrar humano e generoso. O fato significa uma adesão, embora involuntária às teses de seu compatriota. E Milkau, de certa maneira, torna-se o vencedor do debate. Ao contrário do pessimismo de Euclides da Cunha, fica visível o otimismo de Graça Aranha quanto ao destino luminoso que aguarda o país. Um romance fracassado Como romance, Canaã fracassa. Prejudica-o não só o caráter de ensaio, como também a ausência de nexo real entre muitos episódios, que se tornam gratuitos. A intromissão teórica do narrador provoca ainda mais a desestruturação do texto. O debate entre Milkau e Lentz sobre a função do imigrante guarda certo interesse. Vê-se aí a ideologia justificatória da imigração. Mas, quando as idéias sociais resvalam para o campo da argumentação metafísica, o malogro literário parece ampliar-se. Além de tudo, o estilo do livro - influência da época - prima pelo excesso verbal e pela ornamentação, sem atingir o vigor poético e a grandiosidade retórica da linguagem de Euclides da Cunha. Obra de pretensão filosófica, A estética da vida, não acrescenta nada a sua carreira e reforça os críticos que apontam no pensador Graça Aranha a falta de clareza e de rigor intelectual.

A PARTICIPAÇÃO NA SEMANA DE 1922 Ressalte-se por fim, a sua participação na Semana de Arte Moderna, da qual é um dos líderes, embora por seus padrões estéticos e ideológicos, possa ser considerado

muito mais um homem do século XIX do que um radical vanguardista. No entanto, é o único intelectual da velha guarda que apoiará o movimento. Voltando da Europa em 1921, encontra-se com o grupo de modernistas paulistas. As aproximações são rápidas. Os jovens vêem nele uma das grandes figuras da cultura brasileira e que pode garantir repercussão ao evento que estão programando. Graça Aranha aceita o convite e abre o "primeiro festival" da Semana, proferindo a conferência A função estética da Arte Moderna. Seu texto é confuso, apontando um total desconhecimento do verdadeiro significado da nova arte de vanguarda. Mesmo não se integrando aos círculos mais renovadores e experimentalistas do Modernismo, o autor de Canaã sente-se um artista moderno e, em 1924, causa escândalo nacional ao romper espetacularmente com os seus colegas da Academia Brasileira de Letras, porque os acadêmicos continuam rejeitando as inovações artísticas desencadeadas durante a Semana. A partir de então sua fama entrará em declínio e hoje é um nome praticamente esquecido. 3. LIMA BARRETO Vida: Filho de um operário e de uma professora primária, ambos mulatos, Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro em 1881. Cedo ficou órfão de mãe e passou a freqüentar a Colônia dos Alienados, um asilo de loucos onde seu pai exercia a função de almoxarife. Graças a protetores, Lima Barreto concluiu o secundário e iniciou os estudos superiores na Escola Politécnica. Por ironia do destino, seu pai enlouqueceu e acabou internado no próprio asilo onde trabalhava. Lima Barreto encarregou-se de sustentar a família, abandonando os estudos e conseguindo um emprego burocrático na Secretaria de Guerra. Ao mesmo tempo, começou a colaborar com quase todos os jornais do Rio de Janeiro. Todavia seu espírito inquieto e rebelde, seu inconformismo com a mediocridade reinante, suas críticas mordazes aos letrados nativos tornaram-lhe bastante difícil a vida econômica. Além disso, manifestou-se contra ele o preconceito de cor. Para fugir das complicações pessoais e sociais, entregou-se então de corpo e alma ao álcool. Suas contínuas depressões o conduziram várias vezes ao hospital de alienados mentais. Morreria de um colapso cardíaco, em plena miséria aos quarenta e um anos, em 1922. De há muito já não escrevia coisas importantes e caíra no esquecimento em vida. Somente na década de 1970 sua obra voltaria a circular no país Obras principais: Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909) Triste fim de Policarpo Quaresma (1911) Numa e Ninfa (1915) Vida e morte de M .J. Gonzaga de Sá (1919) Os bruzundangas (1923) Clara dos Anjos (1924) Cemitério dos vivos (1957 - edição póstuma) No Rio de Janeiro do início do século, dominado culturalmente pelos letrados tradicionais, a contestação artística se faz de forma bastante problemática: o conservadorismo parece asfixiar o novo. Daí as dificuldades e provocações que Lima Barreto enfrenta ao produzir uma

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literatura inteiramente desvinculada dos padrões e do gosto vigentes.

UM ROMANCISTA DOS SUBÚRBIOS Numa opção voluntária, abandona o mundo helênico, os deuses olímpicos para revelar sobretudo a tristeza dos subúrbios, com sua gente humilde: funcionários públicos aposentados, jornalistas pobretões, tocadores de violão, raparigas sonhadoras, etc. Além disso - e como negação da época - impregna a sua obra com uma justa preocupação com os fatos históricos e com os costumes sociais, tornando-se uma espécie de cronista apaixonado da antiga capital federal, seguindo a linha aberta por Manuel Antônio de Almeida, sessenta anos antes. É uma brutal mudança de enfoque. Poucos aceitam estes contos e romances que desvelam a vida cotidiana das classes populares, sem qualquer idealização, ainda que cheios de simpatia humana para os protagonistas mais sofridos. Isso o diferenciava, por exemplo de Aluísio Azevedo, que também enfocara as massas urbanas, mas sob um ângulo enauseado. Lima Barreto experimenta grande ternura pelos desvalidos e humilhados, fugindo, no entanto, do sentimentalismo populista que é o maior perigo dessa literatura a favor dos pobres. A DENÚNCIA SOCIAL E A CARICATURA O caráter de denúncia social de seus textos traz esta originalidade: ele vê o mundo com o olhar dos derrotados, dos que sofrem as injustiças, dos que são feridos pelos preconceitos. O preconceito de cor, especialmente, é o motivo central de sua indignação. Ele conhece bem a estrutura discriminatória da sociedade brasileira: com sua pele de mulato sentiu muitas vezes a rejeição aberta ou sutil. Por essa razão, protestará com veemência. Clara dos Anjos e Recordações do escrivão Isaías Caminha são libelos contra o racismo e ainda hoje tem validade. No entanto, os esplêndidos registros dos subúrbios e de suas criaturas ofendidas têm um contraste na formulação estética gerada pelo seu ódio aos poderosos, aos burgueses e aos intelectuais da época - a caricatura. Usa e abusa dessa técnica, ridicularizando o "grand monde" intelectual, burocrático e político do Rio de Janeiro. A caricatura aparece tanto nas narrativas longas quanto nas crônicas publicadas em jornais proletários. Trata-se da parte mais perecível de sua obra, embora algumas de suas farpas sejam engraçadas até os nossos dias. Ao debruçar-se sobre pessoas existentes, com o intuito de acentuar-lhes os traços grotescos, ridículos ou criminosos, compromete a verdade artística de seus textos. Sem função dramática, a caricatura acaba espelhando apenas a amargura íntima e o ressentimento do escritor. A SIMPLICIDADE DO ESTILO A sua rebeldia contra a estética dominante se manifesta também na questão do estilo. Despreza a retórica bacharelesca e parnasiana e escreve com simplicidade, até com certo desleixo voluntário, querendo aproximar a escrita da linguagem coloquial. Acusado de escritor incorreto e incapaz de lidar com os padrões lingüísticos da elite culta, sua obra será julgada gramaticalmente e condenada por

suposta vulgaridade. Décadas depois, podemos constatar que Lima Barreto não é apenas o romancista mais importante do período, como também aquele que mais se aproxima da expressão prosaica, conquistada pela geração de 1922. É uma brutal mudança de enfoque. Poucos aceitam estes contos e romances que desvelam a vida cotidiana das classes populares, sem qualquer idealização, ainda que cheios de simpatia humana para os protagonistas mais sofridos. Isso o diferenciava, por exemplo de Aluísio Azevedo, que também enfocara as massas urbanas, mas sob um ângulo enauseado. Lima Barreto experimenta grande ternura pelos desvalidos e humilhados, fugindo, no entanto, do sentimentalismo populista que é o maior perigo dessa literatura a favor dos pobres.

Triste fim de Policarpo Quaresma

A obra-prima de Lima Barreto não é perturbada, - ao contrário das demais, - pela caricatura ou pela intromissão opiniática do narrador e assim o seu realismo se torna mais complexo. Conta-se nela o drama de um velho aposentado, Policarpo Quaresma, em sua luta ingênua pela salvação do Brasil. Nacionalista xenófobo, propõe a adoção do tupi-guarani como língua oficial, alimenta-se apenas com comidas brasileiras, recebe as visitas gesticulando e chorando como um verdadeiro índio goitacá, intenta fracassadas pesquisas folclóricas. Depois de uma passagem pelo hospício, causada pela distância entre o seu nacionalismo ufanista e a realidade, ele resolve adquirir um sítio, para plantar e, acima de tudo, comprovar a máxima de que, em se plantando, tudo daria nas nossas férteis terras. Também nessa experiência o protagonista fracassa. Só que agora sua bizarria vai cedendo lugar à percepção de que os problemas do país eram maiores do que ele supunha. A questão da má distribuição da terra, por exemplo: Mas de quem era então tanta terra abandonada que se encontrava por aí? (...) Por que estes latifúndios improdutivos? O caso de Policarpo passa do cômico ao dramático. Tanto o seu sincero desejo de progresso para a nação quanto a consciência crítica, que aos poucos vai adquirindo, lhe dão grande autenticidade humana e social. Ao estourar a Revolta da Armada, em 1893, ele já sabe algumas das verdadeiras causas do atraso brasileiro. Mesmo assim, alista-se entre os voluntários defensores do regime republicano, chefiado por Floriano Peixoto. Ele acredita nos princípios do marechal e esta será a sua última ilusão. Vitorioso e dentro de seu estilo bonapartista, o Presidente da República inicia violenta perseguição aos derrotados, os quais são impiedosamente fuzilados. Policarpo lhe escreve então uma carta áspera e lúcida, solicitando que o terrorismo de Estado seja interrompido. A resposta do ditador jacobino vem em seguida: o "visionário" Policarpo Quaresma é preso, sem qualquer base legal, mandado para uma ilha e lá

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condenado à morte por fuzilamento. A sua compreensão derradeira sobre tudo o que havia vivido é extraordinária: Iria morrer, quem sabe se naquela noite mesmo? E que tinha feito de sua vida? Nada. Levara toda ela atrás da miragem de estudar a pátria, por amá-la e querê-la muito, no intuito de contribuir para a sua felicidade e prosperidade. Gastara a sua mocidade nisso, a sua virilidade também; e, agora que estava na velhice, como ela o recompensava, como ela o premiava, como ela o condecorava? Matando-o. Desde 18 anos que o tal patriotismo o absorvia e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades. Que lhe importavam os rios? Eram grandes? Pois que fossem... Em que lhe contribuiria para a felicidade saber o nome dos heróis do Brasil? Em nada. O importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. Lembrou-se das suas coisas de tupi, do folclore, de suas tentativas agrícolas...Restava disso tudo em sua alma uma satisfação?? Nenhuma! Nenhuma! E quando o seu patriotismo se fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente? Pois ele não a viu combater como feras? Pois não a via matar prisioneiros inúmeros?(...) Contudo, quem sabe se outros que lhe seguissem as pegadas não seriam mais felizes? E logo respondeu a si mesmo: mas como? Se não se fizera comunicar, se nada dissera e não prendera o seu sonho, dando-lhe corpo e substância? A mudança que se opera em Policarpo - da alienação ufanista à consciência real do país - constitui o cerne da narrativa.. Sua visão final remete-o para a análise corrosiva das mitologias dos grupos dirigentes e das mistificações de que fora vítima. Quando compreende o papel da ideologia no processo histórico, precisa morrer. O sistema tem as suas defesas, sabe como extirpar os hereges. O velho Policarpo tem de seu apenas a verdade, antes que a madrugada raie e os galos cantem e os assassinos a soldo do Poder se aproximem. Por segundos, ele pensa na falta de sentido do conhecimento que alcançara, principalmente por não poder transmiti-lo a ninguém: não tivera seguidores, e isso é mais uma matéria para a sua angústia. Então os soldados o arrastam e dá-se o seu "triste fim". Lima Barreto não fornece esperanças para o anti-herói que criou, mas a jovem Olga apresenta uma perspectiva de futuro no término do relato. A amiga do burocrata sabe que, apesar de tudo, a História não pára. Pela primeira vez na ficção brasileira uma mulher entende o fluir social: Saiu e olhou. Olhou o céu, as árvores de Santa Teresa, e se lembrou que, por estas terras, já tinham errado tribos selvagens, das quais um dos chefes se orgulhava de ter no sangue o sangue de dez mil inimigos. Fora há quatro séculos. Olhou de novo o céu, os ares, as árvores de Santa Teresa, as casas, as igrejas; viu os bondes passearem; uma locomotiva apitou; um carro puxado por uma linda parelha atravessou-lhe na frente. Tinha havido grandes e inúmeras modificações. Que fora aquele parque? Talvez um charco. Tinha havido grandes modificações nos aspectos, na fisionomia da terra, talvez no clima. Esperemos mais, pensou

ela; e seguiu serenamente ao encontro de Ricardo Coração dos Outros. 4. MONTEIRO LOBATO Vida: Nasceu em Taubaté, 1882, descendente de fazendeiros. Em 1904, formou-se na Academia de Direito de São Paulo e três anos depois é nomeado promotor em Areias, no interior do estado. Com vinte e nove anos, herdou uma fazenda de seu avô e resolveu administrá-la. A experiência malogra, mas seus artigos em O Estado de São Paulo granjeiam-lhe prestígio. Em 1917, atacou furiosamente a arte moderna por causa da exposição de Anita Malfatti, num artigo célebre, Paranóia ou mistificação, onde mostrava grande ignorância a respeito da pintura de vanguarda. O artigo gerou imediata reação nos círculos de jovens que buscavam a renovação estética em São Paulo. Neste mesmo ano, mudou-se da fazenda para a capital paulista e, em seguida, iniciou suas atividades empresariais na Companhia editorial Monteiro Lobato. Revolucionou a área, vendendo livros em mercearias, armazéns e bodegas, espalhadas por todo o país. Foi um dos primeiros editores a colorir as capas dos livros, além de ilustrá-los. Por outro lado, a utilização por Rui Barbosa, em sua campanha presidencial, da figura de Jeca Tatu como símbolo da questão social brasileira transformou Urupês, livro de contos de Lobato, em estrondoso sucesso. Em 1921, publicou suas primeiras histórias infantis que mais tarde seriam reelaboradas. As reinações de Narizinho - que abre o ciclo infantil do Sítio do Pica-pau Amarelo - é de 1931. Lobato contava então quarenta e novo anos e estava iniciando a literatura infanto-juvenil no país. Simultaneamente, exerceu o cargo de adido comercial nos Estados Unidos, de 1927 a 1931, voltando apaixonado pela América e atribuindo ao petróleo uma das razões básicas do progresso norte-americano. Defendeu com ardor a pesquisa de jazidas do produto no território brasileiro, mas sem a interferência do governo. Para ele só a iniciativa privada poderia dotar o país de auto-suficiência petrolífera: "De modo nenhum é aconselhável que o Estado perfure ou se meta em mineração. Viraria logo uma Central do Brasil." Passando as suas idéias para a prática, em 1931, fundou a Companhia Petróleo do Brasil e saiu a prospectar o "ouro negro" no interior paulista. A baixa capitalização da empresa impediu-a de ampliar as perfurações, e assim ela viria a falir. Apesar disso, Lobato continuou sua luta até que, no Estado Novo, uma carta escrita a Getúlio Vargas, sobre o problema do petróleo, levou-o à prisão, onde permaneceu por noventa dias. Este notável brasileiro ainda morou um ano em Buenos Aires (1946) e retornando para São Paulo, no ano seguinte, teve tempo de organizar as suas Obras completas. Em 1948, em plena glória intelectual, morreu durante o sono, vítima de um espasmo vascular. OBRAS PRINCIPAIS: Literatura geral: Urupês (contos-1918) Cidades mortas (contos-1919) Negrinha (contos-1920) Literatura infanto-juvenil: Reinações de Narizinho (1931)

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Viagem ao céu (1932) As caçadas de Pedrinho (1933) Geografia de dona Benta (1935) Histórias de tia Nastácia (1937) Polêmicas: Ferro (1931) O escândalo do petróleo (1936) Estupenda figura de intelectual e homem de ação, escritor oscilante entre altos e baixos, polemista de mão cheia, errando e acertando com a mesma ênfase e a mesma honestidade, Monteiro Lobato é o grande nome da nossa literatura - em termos de ressonância social - na primeira metade do século XX. Infeliz em seu famoso artigo contra Anita Malfatti, é maravilhoso na batalha pela pesquisa do petróleo. Pintor medíocre e acadêmico, acaba amigo de modernistas radicais, como Oswald de Andrade. Contista de adultos, preso aos cânones de um realismo ultrapassado, inventa a ficção contemporânea para as crianças brasileiras. E para quem acha pouco tudo isso, ele começa no país a atividade editorial com criatividade e uma visão tanto de empresário, quanto de humanista, revolucionando o setor. Suas derrotas no campo prático (editora e companhia petrolífera) nascem mais das circunstâncias do que de erros de perspectiva, e são compensadas pelo reconhecimento dos leitores, especialmente da garotada

A LITERATURA INFANTIL As histórias do Sítio do Pica-pau Amarelo e seus habitantes - dona Benta, Pedrinho, Narizinho, Emília, o marquês de Rabicó, o visconde de Sabugosa, tia Nastácia e tantos outros - permanecem como modelos quase insuperáveis no gênero. Além de misturar realidade e fantasia, em doses sábias, Lobato soube valorizar o universo brasileiro, com seus referenciais mais próximos das crianças que a mitologia e a paisagem européias. Fora o sítio, com seus matos, riachos, roças e costumes interioranos, há lugar nos livros para sacis, cucas, caiporas e mulas-sem-cabeça. Pode-se afirmar que ele nacionalizou o nosso imaginário infantil.

A presença compreensiva de dona Benta e a simplicidade generosa de tia Nastácia e tio Barnabé, garantem, por seu turno, a ausência do moralismo adulto, por demais corriqueiro na literatura infantil da época, quando os escritores procuravam subordinar a inventividade e a liberdade das crianças aos valores mais repressivos da família patriarcal. Também a linguagem é coloquial e acessível, sem cair na banalidade estilística que caracteriza parte considerável da literatura infantil brasileira, principalmente nos tempos contemporâneos: No dia marcado, tomaram o café com farinha de milho da manhã e saíram na ponta dos pés, para que as duas velhas nada percebessem. Passaram a porteira do pasto, atravessaram a mata dos tucanos vermelhos e de lá seguiram ao capoeirão da onça. Rabicó não havia mentido. Os rastros da onça estavam impressos na terra úmida. Ao fazerem tal descoberta, o coração dos cinco heróis bateu mais apressado. Dos cinco, não; dos quatro, porque, como todos sabem, Emília não tinha coração.

Parte significativa desta obra, no entanto, está envelhecida. São aqueles relatos em que o autor busca fornecer informações à meninada (O poço do visconde; Geografia de dona Benta; Viagem ao céu, etc.) As rápidas mudanças no conhecimento esvaziaram, por assim dizer, estes livros. Imagine-se comparar a geografia mundial de 1935 com a de nossos dias; os conhecimentos astronômicos de 1932 com os recentes. Atualizá-los didaticamente seria impossível, talvez. Mas, se ficarem redigidos, como o foram na década de 1930, estarão provavelmente condenadas ao esquecimento, o que é lamentável. Sobrevivendo ou não, a literatura infantil de Monteiro Lobato exerceu durante cinqüenta anos a imbatível função de criar o gosto pela leitura em centenas de milhares de crianças brasileiras. E isso a redimirá para sempre.

A LITERATURA "GERAL" OU "ADULTA" A literatura "adulta" compreende três obras de ficção: Urupês, Cidades mortas e Negrinha. São livros de contos e apresentam aquela dualidade dos textos pré-modernistas:

TEMÁTICA NOVA: TÉCNICA NARRATIVA E LINGUAGEM TRADICIONAIS

O francês Guy de Maupassant serve de modelo: contos centrados em histórias de final imprevisto, que surpreendem pelo inesperado. Lobato parece desconhecer o conto moderno, aquele que acentua a atmosfera e os caracteres dos personagens. Prefere a reprodução pitoresca de fatos e alguns de seus textos mais conhecidos não ultrapassam o anedótico, caso de “O colocador de pronomes”, de Negrinha ou do macabro misto de terror e mau gosto O bugio moqueado. Também a sua escrita está presa aos padrões do século passado, revelando-se pesada e acadêmica. Alguns vocábulos regionais que aparecem esporadicamente soam falsos e exóticos. Já o aspecto inovador e pré-moderno nasce de certos registros do universo rural paulistano. Descreve esse cenário, que tão bem conhece, com meticulosidade e precisão. A pintura realista das "cidades mortas" - cidadezinhas decadentes do Vale do Paraíba, onde brilhara a civilização do café e que vão sendo abandonadas pelos fazendeiros, pelos comerciantes e, por fim, pelas autoridades, restando apenas o caboclo - é um elemento positivo na sua ficção: JECA TATU Criou com Jeca Tatu um símbolo do caboclo - preguiçoso na primeira versão, doentio e subnutrido a partir das demais versões - ao ponto de tornar-se o personagem literário mais famoso em todo o país. AUGUSTO DOS ANJOS (1884 - 1914) VIDA: Nasceu no interior da Paraíba, filho de conhecido e cultíssimo advogado, cuja excelente biblioteca abasteceu o futuro poeta com a leitura de Darwin, Spencer, Lamarck e

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outros teóricos evolucionistas europeus. A exemplo do pai foi aluno brilhante e bacharelou-se com distinção na faculdade de Direito do Recife. Depois de formado passou a lecionar na capital da Paraíba. Casou-se e, em seguida, mudou-se para o Rio de Janeiro onde permaneceria por quatro anos e acabaria tendo dois filhos. Atacado pela tuberculose, vai atrás dos bons ares de Minas Gerais, fixando residência em Leopoldina. Lá morreria com tão somente trinta anos e um único livro escrito e publicado. OBRA: Eu (1912) Augusto dos Anjos é um caso à parte na poesia brasileira. Autor de grande sucesso popular, ainda é ignorado por parte da crítica, que o julga mórbido e vulgar. Alguns estudiosos que se debruçam sobre essa obra única e absolutamente original perdem o tempo discutindo se a mesma é parnasiana ou simbolista. O domínio técnico e o gosto pelo soneto comprovariam o primeiro rótulo. A fascinação pela morte, a angústia cósmica e o uso de ousadas metáforas indicariam a tendência simbolista. Esse debate torna-se obsoleto em face de estudos mais recentes, como o de Ferreira Gullar, que aponta para a modernidade dos versos de Eu. Talvez nenhum outro autor do período merecesse a denominação de pré-modernista como Augusto dos Anjos. Pré-modernista, ele é na mistura de estilos, na linguagem corrosiva, no coloquialismo e na incorporação à literatura de todas as "sujeiras" da vida.

Se é um grande poeta ou não, esta sim é a discussão ainda não totalmente resolvida. Há os que amam e há os que odeiam. A maioria dos estudiosos inclina-se a consagrá-lo pela singularidade temática lingüística, mesmo que reconhecendo eventuais deslizes. Já a minoria de detratores aponta-lhe morbidez e cafonice desenfreada de várias composições. Pode-se gostar ou não de sua obra, mas sonetos como Versos íntimos estão de tal forma entranhados na memória do leitor brasileiro que não mais podemos ignorá-los. Ou seja, tornaram-se clássicos: Vês! Ninguém assistiu ao formidável Enterro da tua última quimera. Somente a Ingratidão - esta pantera - Foi tua companheira inseparável! Acostuma-te à lama que te espera! O Homem que, nesta terra miserável, Mora entre feras, sente inevitável Necessidade de também ser fera Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro, A mão que afaga é a mesma que apedreja. Se alguém causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga, Escarra nessa boca que te beija! A visão particular da vida e da morte A tuberculose deve tê-lo marcado para sempre. Explicaria a sua obsessão pela morte, nas formas mais degradadas que

ela pode apresentar: podridão da carne, cadáveres fétidos, corpos decompostos, vermes famintos e fedor de cemitérios. Diante da tanta imundície, o artista - dominado pelo niilismo - questiona a falta de sentido da experiência humana e verte um nojo amargo e desesperado pelo fim inglório a que a natureza nos condena. A angústia diante da morte transforma-se numa espécie de metafísica do horror: não passamos de matéria que acaba, que entra em putrefação e que depois desaparece. A aparente necrofilia na verdade é medo pessoal, náusea, grito de desconsolo, como neste Soneto, dedicado ao pai falecido: Podre meu Pai! A Morte o olhar lhe vidra. Em seus lábios que os meus lábios osculam Microorganismos fúnebres pululam Numa fermentação gorda de cidra. Duras leis as que os homens e a hórrida hidra* A uma só lei biológica vinculam, E a marcha das moléculas regulam, Com a invariabilidade da clepsidra!* ... Podre meu Pai! E a mão que enchi de beijos Roída toda de bichos, como os queijos Sobre a mesa de orgíacos festins!... Amo meu pai na atômica desordem Entre as bocas necrófagas* que o mordem E a terra infecta que lhe cobre os rins! Hidra: serpente gigantesca morta por Hércules. Clepsidra: relógio de água. Necrófagas: aqueles que se nutrem de substâncias em decomposição.

A linguagem cientificista

Um dos aspectos mais estranhos e perturbadores da poesia de Augusto dos Anjos é que ela vem revestida por uma linguagem científica, ou pretensamente científica (cientificista). Na vasta biblioteca do pai, embriagou-se desde garoto nos clássicos da Biologia e do pensamento evolucionista do século XIX. Destes livros, nem sempre bem assimilados, retira palavras e conceitos, utilizando-os de maneira esquisita em seus versos. Fora do contexto do livro de ciências, estes vocábulos tornam-se singulares, ora primando pela criatividade, ora pelo total absurdo. Ferreira Gullar cita algumas das expressões mais curiosas:

• A miséria anatômica da ruga. • A lógica medonha / dos apodrecimentos

musculares. • A bacteriologia inventariante. • O cancro assíduo na consciência. • Engrenagem de vísceras vulgares. • A mucosa carnívora dos lobos. • Os sanguinolentíssimos chicotes da hemorragia.

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A retórica delirante do poeta não termina, portanto, na referência cientificista.. Uma quantidade inesgotável de metáforas sacode seus versos, intensificando-lhes a genialidade ou o mau-gosto, conforme a opinião de cada leitor. Adepto entusiasta da primeira hipótese, Ferreira Gullar insiste no caráter inovador desta poesia, "porque ela rompe com as conveniências verbais e sociais" e leva Augusto dos Anjos "a mesclar a beleza ao asco.". E conclui que, muitas vezes, o estilo prosaico (tão valorizado em nossos dias) triunfa, e o escritor paraibano adquire súbita contemporaneidade, como em Budismo moderno: Tome, Dr., esta tesoura, e... corte Minha singularíssima pessoa. Que importa a mim que a bicharia roa Todo o meu coração, depois da morte?! Uma síntese da morbidez associada ao linguajar cientificista e à ousadia das imagens encontra-se em Psicologia de um vencido: Eu, filho do carbono e do amoníaco, Monstro de escuridão e rutilância,* Sofro, desde a epigênese* da infância, A influência má dos signos do zodíaco. Profundissimamente hipocondríaco, Este ambiente me causa repugnância... Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia Que se escapa da boca de um cardíaco. Já o verme - este operário das ruínas - Que o sangue podre das carnificinas Come, e à vida em geral declara guerra, Anda a espreitar meus olhos para roê-los, E há de deixar-me apenas os cabelos, Na frialdade inorgânica da terra!

Rutilância: brilho intenso. Epigênese: início de uma célula sem estrutura.

MODERNISMO I FASE - 1922-1930

A SEMANA DE ARTE MODERNA Em fevereiro de 1922, realiza-se em São Paulo a Semana de Arte Moderna. O objetivo dos organizadores era acima de tudo a destruição das velhas formas artísticas na literatura, música e artes plásticas. Paralelamente, procuravam apresentar e afirmar os princípios da chamada arte moderna, ainda que eles mesmos estivessem confusos a respeito de seus projetos artísticos. Oswald de Andrade sintetiza o clima da época ao afirmar: "Não sabemos o que queremos. Mas sabemos o que não queremos." A proposição de uma semana (na verdade, foram só três noites) implicava uma

amostragem geral da prática modernista. Programaram-se conferências, recitais, exposições, leituras, etc. O Teatro Municipal foi alugado. Toda uma atmosfera de provocação se estabeleceu nos círculos letrados da capital paulista. Havia dois partidos na cidade: o dos futuristas e o dos passadistas.

Desde a abertura da Semana, com a conferência equivocada de Graça Aranha: A emoção estética na Arte Moderna, até a leitura de trechos vanguardistas por Mário de Andrade, Menotti del Picchia, Oswald de Andrade e outros, o público se manifestaria por apupos e aplausos fortes. Porém, o momento mais sensacional da Semana ocorre na segunda noite, quando Ronald de Carvalho lê um poema de Manuel Bandeira, o qual não comparecera ao teatro por motivos de saúde: Os sapos. Trata-se de uma ironia corrosiva aos parnasianos, que ainda dominavam o gosto do público. Este reage através de vaias, gritos, patadas, interrompendo a sessão. Mas, metaforicamente, com sua iconoclastia pesada, o poema delimita o fim de uma época cultural.

Enfunando os papos, Saem da penumbra, Aos pulos, os sapos. A luz os deslumbra. Em ronco que aterra, Berra o sapo-boi: '- Meu pai foi à guerra - Não foi! - Foi! - Não foi!' O sapo-tanoeiro Parnasiano aguado Diz: - 'Meu cancioneiro É bem martelado*.' Vede como primo Em comer os hiatos! Que arte! E nunca rimo Os termos cognatos. O meu verso é bom Frumento* sem joio. Faço rimas com Consoantes de apoio. Vai por cinqüenta anos Que lhe dei a norma: Reduzi sem danos A formas a forma. Clame a sapataria Em críticas céticas: 'Não há mais poesia, Mas há artes poéticas...' Brada de um assomo O sapo-tanoeiro: 'A grande arte é como Lavor de Joalheiro' Urra o sapo-boi: '- Meu pai foi rei - Foi! - Não foi! - Foi! - não foi!' Principais participantes da Semana Literatura: Mário de Andrade - Oswald de Andrade - Graça Aranha - Ronald de Carvalho - Menotti del Picchia - Guilherme de Almeida - Sérgio Milliett

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Música e Artes Plásticas: Anita Malfatti - Di Cavalcanti - Santa Rosa - Villa-Lobos - Guiomar Novaes A importância estética da Semana Se a Semana é realizada por jovens inexperientes, sob o domínio de doutrinas européias nem sempre bem assimiladas, conforme acentuam alguns críticos, ela significa também o atestado de óbito da arte dominante. O academicismo plástico, o romantismo musical e o parnasianismo literário esboroam-se por inteiro. Ela cumpre assim a função de qualquer vanguarda: exterminar o passado e limpar o terreno. É possível, por outro lado, que a Semana não tenha se convertido no fato mais importante da cultura brasileira, como queriam muitos de seus integrantes. Há dentro dela, e no período que a sucede imediatamente (1922-1930), certa destrutividade gratuita, certo cabotinismo*, certa ironia superficial e enorme confusão no plano das idéias..

Mário de Andrade dirá mais tarde que faltou aos modernistas de 22 um maior empenho social, uma maior impregnação "com a angústia do tempo". Com efeito, os autores que organizaram a Semana colocaram a renovação estética acima de outras preocupações importantes. As questões da arte são sempre remetidas para a esfera técnica e para os problemas da linguagem e da expressão. O principal inimigo eram as formas artísticas do passado. De qualquer maneira, a rebelião modernista destrói o imobilismo cultural - que entravava as criações mais revolucionárias e complexas - e instaura o império da experimentação, algo de indispensável para a fundação de uma arte verdadeiramente nacional. Caberia ainda ao próprio Mário de Andrade - verdadeiro líder e principal teórico do movimento - sintetizar a herança de 1922:

� A estabilização de uma consciência criadora nacional, preocupada em expressar a realidade brasileira.

� A atualização intelectual com as vanguardas européias.

� O direito permanente de pesquisa e criação estética.

A Semana e a realidade brasileira

A Semana de Arte Moderna insere-se num quadro mais amplo da realidade brasileira. Vários historiadores já a relacionaram com a revolta tenentista e com a criação do Partido Comunista, ambas de 1922. Embora as aproximações não sejam imediatas, é flagrante o desejo de mudanças que varria o país, fosse no campo artístico, fosse no campo político. Um dos equívocos mais freqüentes das análises da Semana consiste em identificá-la com os valores de uma classe média emergente. Ela foi patrocinada pela elite agrária paulista. E os princípios nela expostos adaptavam-se às

necessidades da refinada oligarquia do café. Uma oligarquia cosmopolita, cujos filhos estudavam na Europa e lá entravam em contato com o "moderno". Uma oligarquia desejosa de se diferenciar culturalmente dos grupos sociais. Enfim, uma classe que encontrava no jogo europeísmo (adoção do "último grito" europeu) - primitivismo (valorização das origens nacionais) - que marcaria a primeira fase modernista - a expressão contraditória de suas aspirações ideológicas. Outro equívoco é considerar o movimento como essencialmente antiburguês. O poema Ode ao burguês, de Mário de Andrade, e alguns escritos de outros participantes da Semana podem levar a esta conclusão. Mas não esqueçamos que a burguesia rural, vinculada ao café, apoiou os jovens renovadores. E, além disso, toda crítica dirigia-se a um tipo de burguesia urbana, composta geralmente de imigrantes, inculta, limitada em seus projetos, sem grandeza histórica, ao contrário das camadas cafeicultoras, cujo nível de refinamento cultural e social era muito maior. Neste caso, os modernistas se comportam como aqueles velhos aristocratas que menosprezam a mediocridade dos "novos-ricos". No início da década de 30, Oswald de Andrade já perceberia o quão contraditória era a sua crítica ao universo das classes citadinas. Daí o prefácio do romance Serafim Ponte Grande, em 1933:

A situação "revolucionária" desta bosta mental sul-americana apresentava-se assim: o contrário do burguês não era o proletário - era o boêmio! As massas, ignoradas no território e como hoje, sob a completa devassidão econômica dos políticos e dos ricos. Os intelectuais brincando de roda.

* Iconoclasta: destruidor de ícones, de valores consagrados. * Enfunando: inflando. * Martelado: alusão ao martelo do escultor, com quem o poeta parnasiano se comparava. * Frumento: o melhor trigo. * Cognatos: que tem a mesma raiz. OS MOVIMENTOS PRIMITIVISTAS Pau-Brasil: Lançado em março de 1924, o Manifesto da Poesia Pau-Brasil trazia como idéias-chave:

- A junção do moderno e do arcaico brasileiros: "A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos astéticos (...) obuses de elevadores, cubos de arranha-céu e a sábia preguiça solar. A reza. O Carnaval. A energia íntima. O sabiá. A hospitalidade um pouco sensual, amorosa. A saudade dos pajés e os campos de avaliação militar. Pau-Brasil." - A ironia contra o bacharelismo: "O lado doutor, o lado citações, o lado autores conhecidos. Comovente. (...) A riqueza dos bailes e das frases feitas.(...) Falar difícil." - A luta por uma nova linguagem: "A língua sem arcaísmo, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos. (...) Contra a cópia, pela invenção e pela surpresa."

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- A descoberta do popular: O Pau-Brasil descortina para os modernistas o universo mítico e ingênuo das camadas populares: "O Carnaval é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordões de Botafogo. A formação étnica rica. Riqueza vegetal."

Exemplo do conjunto da visão oswaldiana, na época, encontra-se em erro de português (1925): Quando o português chegou Debaixo de uma bruta chuva Vestiu o índio Que pena! Fosse uma manhã de sol O índio tinha despido O português Observe-se no poema, além do verso livre, da ausência de pontuação, e da dicção humorística, o contraste que o autor estabelece entre a natureza européia, marcada pelo frio e pela chuva, com a tropical, marcada pelo sol; entre o português que veste o índio com seus valores repressivos e o índio que poderia ter despido o português desses mesmos valores, tendo a locução interjetiva "Que pena!" como indicadora da posição do poeta perante os fatos. Antropofagia: O manifesto antropofágico, lançado em 1928, amplia as idéias do Pau-Brasil, através dos seguintes elementos: - A insistência radical no caráter indígena de nossas raízes: "Tupy or not tupy that is the question". - O humor como forma crítica e traço distintivo do caráter brasileiro: "A alegria é a prova dos nove". - A criação de uma utopia brasileira, centrada numa sociedade matriarcal, anárquica e sem repressões: "Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud - a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama." - A postura antropofágica como alternativa entre o nacionalismo conservador, anti-europeu e a pura cópia dos valores ocidentais: "Nunca fomos catequizados.(...) Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará." Curiosamente, Oswald de Andrade não produz nenhuma obra ficcional ou poética dentro do espírito antropofágico (a não ser, talvez, a peça Rei da vela). Caberia a Mário de Andrade, com o romance Macunaíma, e a Raul Bopp, com o poema Cobra Norato, a tentativa de levar para o espaço da criação literária as idéias do Manifesto. Nos anos de 1967, Caetano Veloso e outros compositores populares voltam a acenar com os princípios antropofágicos para combater a estreiteza da chamada M.P.B., que rejeitava a incorporação de elementos da música pop internacional à música brasileira. Verde-Amarelo (1924) e Anta (1928): Com a participação de Cassiano Ricardo, Menotti del Picchia e Plínio Salgado, estas tendências opõem-se ao primitivismo destruidor e debochado dos "antropófagos" através do reforço do "sentido de brasilidade" e de uma tendência conservadora e direitista

no plano social.

PRINCIPAIS POETAS

MANUEL BANDEIRA Vida: Manuel Carneiro de Sousa Bandeira, nasceu no Recife,em 19 de abril de 1886, filho de uma família oligárquica. Começou a fazer o curso de engenharia, em São Paulo, mas a tuberculose o impediu de concluir a faculdade. Buscando a cura, esteve um ano na Suíça, onde efetivamente eliminou a doença. Voltando para o Brasil, tornou-se inspetor de ensino e, depois, professor de Literatura na Universidade do Brasil.

Sua obra é uma das mais importantes da literatura moderna do país. Escreve poesia, prosa e faz crítica literária. Destaca-se na produção poética, em que trata do amor, da morte e de episódios singelos do cotidiano. Alia humor, amargura e ironia a uma grande sensibilidade. Seu primeiro livro é A Cinza das Horas (1917), de inspiração simbolista. Com Carnaval (1919), firma-se como pioneiro do modernismo. Em 1922, participa da Semana de Arte Moderna e publica poemas em revistas de vanguarda. Libertinagem (1930) reúne poesias feitas a partir de 1922. Relata sua trajetória em Itinerário de Pasárgada (1954), no qual se revela como memorialista. Faleceu no Rio de Janeiro em 1968. Obras principais: Cinza das horas (1917); Carnaval (1919); Ritmo dissoluto (1924); Libertinagem (1930); Estrela da manhã (1936); Lira dos cinquent'anos (1948); Estrela da tarde (1963) A poesia de Manuel Bandeira - eliminados os resíduos simbolistas e parnasianos de Cinza das horas e Carnaval - enquadrando-se na vertente mais clássica do espírito modernista, aquela em que se processa uma fusão entre a confissão pessoal e a vida cotidiana. Em Bandeira predomina com alguma insistência o lirismo do EU, mas o cotidiano jamais desaparece dos textos, numa síntese feliz entre subjetividade e objetividade. Isto se dá porque uma relação dialética estabelece-se entre ambos. Assim:

Poesia = cotidiano mais o eu-lírico

Estarão presentes em sua poesia:

A temática da morte (reflexo da doença);

A simplicidade expressiva; Indignação moral, que se revela, por exemplo, no poema O bicho:

Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato,

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Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem.

OSWALD DE ANDRADE

Poeta, romancista e dramaturgo paulista (1890-1954). José Oswald de Sousa Andrade é o principal mentor do movimento modernista no Brasil. Nascido numa rica família de comerciantes, estuda na Faculdade de Direito do Largo São Francisco e viaja para a Europa em 1912. Freqüenta a boemia estudantil de Paris e entra em contato com a corrente modernista européia conhecida como futurismo. De volta a São Paulo, faz jornalismo literário.

Em 1917, defende a pintora Anita Malfatti contra uma crítica devastadora feita pelo escritor Monteiro Lobato. Ao lado da pintora, do escritor Mário de Andrade e outros intelectuais, organiza a Semana de Arte Moderna de 1922. Em 1924, publica o livro Memórias Sentimentais de João Miramar, escrito quatro anos antes. Lança o Manifesto da Poesia Pau-Brasil – e o lema Tupi or not Tupi –, acrescentando o nacionalismo às idéias estéticas da Semana de 1922.

Em 1926, casa-se com a pintora Tarsila do Amaral (um dos seus nove casamentos). Dois anos depois, radicaliza o movimento nativista com o Manifesto Antropofágico, no qual propõe que o Brasil devore a cultura estrangeira e aproveite o tempo da digestão para criar uma cultura própria revolucionária. Nesta época, rompe com Mário de Andrade por motivos até hoje não esclarecidos e separa-se de Tarsila do Amaral para se casar com a jovem escritora e militante política Patrícia Galvão, a Pagu.

Com a crise econômica mundial causada pela Quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, passa por grandes dificuldades financeiras e milita no Partido Comunista de 1931 a 1945.

Em 1933, lança o romance Serafim Ponte Grande, escrito em estilo telegráfico. Redige as peças O Homem e o Cavalo (1934) e O Rei da Vela (1937). Em 1952, inicia a redação de suas memórias.

MÁRIO DE ANDRADE

Escritor paulista (1893-1945). Nome fundamental do movimento modernista, Mário Raul de Morais Andrade ocupa o centro da vida intelectual do país entre a Semana de Arte Moderna (1922) e o 1º Congresso de Escritores (1945). Sua atividade é múltipla: poeta, ficcionista, folclorista, ensaísta, professor, crítico literário e de artes.

Forma-se em Música no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde leciona História da Música.

Estréia como poeta em 1917 sob o pseudônimo de Mário Sobral, com a obra pré-modernista Há Uma Gota de Sangue em Cada Poema.

Amigo do escritor Oswald de Andrade, organiza com ele a Semana de Arte Moderna de 1922. No mesmo ano publica Paulicéia Desvairada, cujo Prefácio Interessantíssimo lança as bases estéticas do modernismo.

Ao longo dos anos 20, colabora ativamente com as revistas Klaxon, Estética, Terra Roxa e Outras Terras. Em 1925, lança o livro de ensaios A Escrava que Não É Isaura e se afirma como um dos grandes teóricos do modernismo.

Três anos depois publica Macunaíma – uma composição de romance, epopéia, mitologia, folclore e História –, no qual cria a saga do “herói sem caráter”. Seu objetivo é traçar o perfil do brasileiro, com seus defeitos e virtudes.

De 1934 a 1937, dirige o Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo. Muda-se para o Rio de Janeiro, onde, de 1938 a 1940, leciona Estética na Universidade do Distrito Federal. De volta a São Paulo, trabalha no Serviço do Patrimônio Histórico.

Sua obra inclui poesia, romances, contos, ensaios e uma vastíssima correspondência. Escreveu, entre outros, Belazarte (1934), Aspectos da Literatura Brasileira (1943) e Lira Paulistana (1946).

Trecho de Macunaíma:

No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.

MODERNISMO – II FASE – PROSA O ROMANCE DE 30 NO BRASIL

CONTEXTO HISTÓRICO A Revolução de 1930 foi uma resposta imediata ao colapso econômico do país após a queda da Bolsa de Nova Iorque. Mas foi também a condensação de inúmeros levantes ocorridos na década anterior. O movimento tenentista, de 1922, e a Coluna Prestes, que percorrera vinte e cinco mil quilômetros dentro do território nacional, durante mais de quatro anos (1924-1928) - ainda sob influxo dos tenentes - ,revelavam não apenas a insatisfação dos militares jovens mas também das classes médias, do proletariado urbano e das oligarquias nordestinas e sulistas em relação ao domínio da velha elite cafeicultora de São Paulo. A Revolução foi feita através desta aliança dos vários setores politicamente marginalizados da nação. Apesar de seu ideário confuso, ela representou um momento decisivo da modernização do Brasil, em especial porque seu líder, Getúlio Vargas, trouxe do Rio Grande do Sul um projeto positivista (que já dera certo na província) de fortalecimento do Estado, de incentivo à industrialização, de esforço de

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alfabetização e de estabelecimento de inúmeras políticas sociais. O início do Brasil moderno De certa forma, o Brasil atual começou em 1930. Só então adentramos no século XX. Ao Estado mínimo proposto pelas ferozes elites nativas - para quem toda questão social era um caso de polícia - opôs-se um Estado interventor, capaz de ações a favor dos excluídos, entre as quais a criação do salário mínimo e da legislação trabalhista. Em conseqüência disso, ampliaram-se os quadros burocráticos, surgiram novas profissões, incrementaram-se os serviços. Lentamente, brasileiros do grande sertão iniciaram sua marcha para as cidades. Como disse Florestan Fernandes, a Revolução de 30 foi a nossa revolução burguesa. Só que feita através do Estado. Em consonância com a época e com a própria experiência política do Rio Grande do Sul, o estilo autoritário de governar predominou. Durante a primeira fase do novo regime (1930-1937), a democracia foi quase uma ficção e, a partir do Estado Novo (1937 - 1945), desapareceu por completo. A tentativa de um golpe comunista, nos quartéis, sob comando de Luís Carlos Prestes e com apoio financeiro e político da antiga URSS, em 1935, fracassou por completo. Do mesmo modo o levante de integralistas, em 1938. Ambos os movimentos reforçaram o regime e lhe deram argumentos para desencadear e ampliar a repressão. Através da censura férrea do DIP (Departamento de Informação e Propaganda) e da polícia onipresente e cruel do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), a oposição foi amordaçada, especialmente a intelectualidade. Jorge Amado exilou-se no Uruguai, Monteiro Lobato em Buenos Aires, Graciliano Ramos conheceu a prisão, Dyonélio Machado sofreu torturas, Érico Veríssimo prestava depoimentos diários no DOPS. Estes ásperos tempos foram sintetizados no poema Medo, de Carlos Drummond:

Em, verdade temos medo. (...) E fomos educados para o medo. Cheiramos flores de medo. Vestimos panos de medo.

Contudo, um sem número de escritores, artistas, músicos, arquitetos, cineastas e professores acabaram cooptados (1) pelo sistema. Esta intelligentzia* ocupou cargos importantes na nascente burocracia cultural e educacional, realizou projetos financiados pelo governo ou, ainda, produziu espetáculos que exaltavam a nação, dentro da ótica do Estado Novo. (1) O sistema de cooptação (agregar, atrair para si) sempre foi usado pelos grupos dirigentes brasileiros para atrair os intelectuais e artistas dissidentes, que tentavam ou poderiam tentar mudanças profundas na estrutura social.

* Intelligentzia: Termo russo que delimita a camada de intelectuais de um país, de uma região ou de uma classe.

CONTEXTO CULTURAL Se a geração de 1922 colocou o projeto estético em primeiro plano, desejando atualizar as formas artísticas brasileiras

com as inovações vanguardistas, a geração de 1930 enfatizou, em suas obras, as questões sociais e ideológicas. A mesma radicalização que polarizou a intelectualidade ocidental ocorreu no Brasil. Poucos foram os escritores que, na década de 1930, não se filiaram a alguma das correntes extremistas. Os que não aderiam, viravam simpatizantes ou "companheiros de viagem", como se dizia então. Comunistas se tornaram, entre outros, Jorge Amado, Dyonélio Machado e Graciliano Ramos. Já Rachel de Queiroz enveredou pelo trotskismo, uma dissidência do stalinismo dominante na URSS. Por outro lado, Plínio Salgado, Otávio de Faria e Menotti del Picchia engajaram-se na extrema direita. Alguns, como Vinícius de Moraes, José Lins do Rego e Ronald de Carvalho, apenas flertaram com as idéias fascistas. Entretanto, em todos eles, à direita ou à esquerda, havia um denominador comum: a percepção do atraso do país e a certeza de que a receita liberal-democrática, aqui, jamais funcionaria. A maioria dos letrados possuía a convicção de que a literatura não era gratuita, que ela tinha uma função, fosse a de impugnar o sistema oligárquico ou burguês, fosse a de apontar caminhos para o povo brasileiro. Quer dizer, para eles o escritor era ainda a consciência viva da nação. Este sentido missionário aparecera durante o Romantismo, quando a tarefa artística consistira em contribuir para a grandeza do país. Para a geração de 1930, ao contrário, a tarefa era mudar profundamente as estruturas ou, pelo menos, as mentalidades. As grandes interpretações do país A década foi marcada também por um impressionante florescimento de estudos sobre a sociedade brasileira: Gilberto Freyre (Casa-grande e senzala, 1933); Caio Prado Júnior (Evolução política do Brasil, 1933); e Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil, 1936) são os mais conhecidos. Destaque especial merece Casa-grande e senzala. Este ensaio - por seu estilo literário, pela quantidade incrível de informações sobre a vida colonial nordestina, pela tese anti-racista de defesa da miscigenação como elemento chave da conquista portuguesa, pela louvação simultânea dos senhores de engenho e dos escravos, vistos em contínua fornicação - tornou-se uma referência obrigatória para vários escritores da época.

CARACTERÍSTICAS DO ROMANCE DE 30 Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego, Érico Veríssimo e os demais autores adotaram alguns princípios básicos do romance realista:

• a verossimilhança; • o retrato direto da realidade em seus elementos

históricos e sociais; • a linearidade narrativa; • a tipificação social (indivíduos que representam

classes sociais); • construção ficcional de um mundo que deve dar a

idéia de abrangência e totalidade

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As relações com a geração de 1922 Face a este neo-realismo, caberia uma pergunta: Até que ponto os romancistas de 30 foram modernistas? Ou seja, até que ponto representaram uma continuidade das vanguardas paulistas de 22? Ao contrário dos poetas (Vinícius, Drummond, Murilo Mendes, etc.), que apareceram nos anos 30 e que, claramente, expressaram a sua ligação com o projeto vanguardista, representando inclusive uma espécie de segunda fase, ou fase madura do movimento, os romancistas pouco ou nada tinham a ver com o grupo de Mário e Oswald de Andrade. Seus vínculos eram muito mais fortes com os prosadores russos e norte-americanos - como já foi referido - e com Eça de Queirós, Aluísio Azevedo, Euclides da Cunha, Lima Barreto, Monteiro Lobato e demais autores com quem tinham similaridade estética e ideológica. Daí ser preferível - sob este ângulo - a adoção do termo romance de 30 para designar o conjunto de narrativas, escritas entre os anos de 1930 e 1970, por uma mesma geração, oriunda de famílias oligárquicas arruinadas ou decadentes, com uma visão de mundo crítica, idêntico sentido missionário da literatura e padrões artísticos comuns e bastante próximos do realismo do século XIX. Deve-se ressaltar, contudo, que, apesar de sua desconfiança em relação às ousadias paulistanas, os romancistas de 30 herdaram dos modernistas uma liberdade de expressão inigualável. Aproveitaram-se disso para impregnar os seus relatos de coloquialismo, estilo direto e concisão verbal, criando um efeito de simplicidade que ainda hoje seduz os leitores.

OS MUNDOS NARRADOS

Romances de temática agrária Pode-se afirmar que uma parte importante do romance de 30 centralizou-se em torno do universo rural em declínio ou já desaparecido. A tradução deste processo social deu-se em alguns núcleos temáticos:

A) - A ascensão e queda dos "coronéis": Bangüê e Fogo morto, de José Lins do Rego; Terras do sem fim e São Jorge dos Ilhéus, de Jorge Amado; e O tempo e o vento, de Érico Veríssimo, por exemplo. Estes relatos oscilam entre a saga (exaltação com traços épicos) e a crítica mais contundente, seja a ideológica (Jorge Amado), seja a ética (Érico Veríssimo). No caso específico de José Lins do Rego, predomina um tom nostálgico e melancólico diante das ruínas dos engenhos. B) - Os dramas dos trabalhadores rurais: Seara vermelha, de Jorge Amado; e Vidas secas, de Graciliano Ramos. Ambos correspondem a uma impugnação da realidade fundiária nordestina, opressiva e excludente. C) - O confronto entre o Brasil rural e o Brasil urbano: este é o ponto nuclear de alguns dos mais importantes títulos da narrativa brasileira do século XX. O choque entre Paulo Honório e Madalena em São Bernardo, de Graciliano Ramos, sintetiza o descompasso entre a mentalidade patriarcal-latifundiária e a urbana modernizada. Também de

Graciliano Ramos, o romance “Angústia” revela a solidão e a destruição de Luís da Silva, descendente da oligarquia, na teia complexa das relações citadinas. Aliás, este fenômeno ocorre igualmente em Totonho Pacheco, de João Alphonsus. Por outro lado, tanto em A bagaceira, de José Américo de Almeida, quanto em O quinze, de Rachel de Queiroz, os personagens principais, Lúcio e Conceição - embora filhos das velhas elites agrárias - foram modernizados pela escolarização na cidade e acabaram questionando o horror da seca, da miséria e o atraso do latifúndio.

Romances de temática urbana A urbanização ininterrupta do país levou os narradores a olhar para a nova realidade que se constituía, fosse sob o prisma da denúncia (Jorge Amado, Amando Fontes), da adesão crítica (Érico Veríssimo) ou de uma tristeza impotente (Cyro dos Anjos). Os núcleos temáticos abordados foram:

A) - As camadas populares, trabalhadores e marginais: Jubiabá, Capitães de Areia e Mar morto, de Jorge Amado; Os Corumbas e Rua do Siriri, de Amando Fontes. B) - Os setores médios (pequena burguesia): A tragédia burguesa, de Otávio de Faria, Os ratos, de Dyonélio Machado e toda a primeira fase de Érico Veríssimo, o chamado ciclo de Clarissa.

Um romance regionalista? Em função do predomínio da temática rural, generalizou-se o conceito de romance regionalista para indicar os relatos produzidos a partir de 30 (ou de 1928, ano de publicação de A bagaceira, de José Américo de Almeida, e que inaugura o referido ciclo). Como este conceito continua aparecendo em todos os manuais, vestibulares e análises sobre a época, não podemos rejeitá-lo completamente. Mas, como já se disse em outra passagem deste livro, não existe narrativa - mesmo a mais cosmopolita ou a mais intimista - que não tenha aspectos locais. Machado de Assis, por exemplo, apresenta elementos da sociedade carioca em suas histórias. Então o Rio de Janeiro não é uma região? Érico Veríssimo seria regionalista ao escrever sobre as estâncias. E ao escrever sobre Porto Alegre seria o quê?

Ou seja, em vez de usarmos o desgastado termo regionalismo (que faz confusão entre geografia e estética), poderíamos nos valer de expressões que delimitam melhor o objeto de nossos estudos: narrativas do mundo rural e narrativas do mundo urbano.

CRONOLOGIA DOS PRIMEIROS ROMANCES DE 30 • 1928 - A bagaceira, de José Américo de Almeida. • 1930 - O quinze, de Rachel de Queiroz; O país do

carnaval, de Jorge Amado • 1932 - Menino de engenho, de José Lins do Rego;

Cacau, de Jorge Amado; João Miguel, de Rachel de Queiroz.

• 1933 - Doidinho, de José Lins do Rego; Caetés, de Graciliano Ramos; Clarissa, de Érico Veríssimo; Os Corumbas, de Amando Fontes.

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• 1934 - Bangüê, de José Lins do Rego; São Bernardo, de Graciliano Ramos; Suor, de Jorge Amado.

• 1935 - Jubiabá, de Jorge Amado; Música ao longe, de Érico Veríssimo; Os ratos, de Dyonélio Machado.

MODERNISMO – II FASE - POESIA

PRINCIPAIS AUTORES

VINÍCIUS DE MORAES (1913-1980)

VIDA: Nasceu na cidade do Rio de Janeiro, filho de uma família de classe média intelectualizada e com gosto artístico. Estudou com os jesuítas, no Colégio Santo Inácio que lhe deixou fortes marcas religiosas. Na adolescência já se interessava por música popular, compondo inclusive algumas canções. Em 1930 ingressou na Faculdade de Direito na qual se formaria em 1933. Foi colega de figuras que, mais tarde, seriam importantes da política brasileira. Seu maior amigo, Octávio de Faria, influenciou-o decisivamente, reforçando-lhe o pensamento católico e direitista. Estreou com O caminho para distância, obra filiada a uma poética mais simbolista do que moderna. Em 1938, foi agraciado com uma bolsa do Conselho Britânico para estudar língua e literatura inglesa em Oxford. A estadia na Europa foi de curta duração dada a eclosão da II Guerra Mundial. De volta ao Brasil, acompanhou (1942) o escritor marxista norte-americano Waldo Frank em uma longa viagem pelo Norte e pelo Nordeste, onde constatou a miséria e a indiferença das elites pela pobreza de seu povo. Em função desse contato direto com a realidade brasileira, suas idéias até certo ponto reacionárias foram substituídas por uma visão de mundo progressista. Em 1943 ingressou na carreira diplomática. Nos anos seguintes, serviu em várias cidades do exterior, sem jamais perder suas ligações com o país. Em 1958, participou do grupo fundador da Bossa Nova ao lado de Tom Jobim, João Gilberto e outros. A partir de então a música popular ocuparia cada vez mais espaço no seu trabalho de criação. Durante as décadas de 1960 e 1970 – no embalo do crescimento da indústria cultural que se espalhava por todo o país – o nome de Vinícius, sobremodo junto ao público jovem, tornou-se uma espécie ícone da liberação amorosa e da qualificação poética da canção popular. OBRAS PRINCIPAIS: Ariana, a mulher (1936); Novos poemas (1938); Cinco elegias (1943); Poemas, sonetos e baladas (1946); Orfeu da Conceição (teatro-1956); Livro de sonetos (1957); Para viver um grande amor (crônicas-1962).

CECÍLIA MEIRELES

Concluiu, em 1917, o Curso Normal, e passou a trabalhar como professora primária. Dois anos depois publicou Espectros, seu primeiro livro de poesia, de tendência parnasiana. Seguiram-se Nunca Mais... e Poema dos Poemas (1923) e Baladas para El-Rei (1925), nos quais já aparecem elementos simbolistas. A partir de 1922 aproximou-se das vanguardas modernistas, principalmente dos poetas católicos. Em 1938 ganhou o Prêmio de Poesia, concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo livro Viagem. Nos anos seguintes, conciliou à produção poética os trabalhos de professora universitária, tradutora, conferencista, colaboradora em periódicos, pesquisadora do folclore brasileiro. Publicou também poesia infantil. A Academia Brasileira de Letras concedeu a Cecília, postumamente, o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra, em 1965. Destacam-se em sua obra os livros Vaga Música (1942), Mar Absoluto e Outros Poemas (1945), Retrato Natural (1949), Doze Noturnos da Holanda & O Aeronauta (1952), Romanceiro da Inconfidência (1953), Canções (1956), Poemas Escritos na Índia (1961), Metal Rosicler (1960) e Solombra (1963). Cecília Meireles é considerada pela crítica poeta pertencente à segunda geração do Modernismo. No entanto, Manuel Bandeira afirmou que há em sua obra “as claridades clássicas, as melhores sutilezas do gongorismo, a nitidez dos metros e dos consoantes parnasianos, os esfumados de sintaxe e as toantes dos simbolistas, as aproximações inesperadas dos super-realistas. Tudo bem assimilado e fundido numa técnica pessoal, segura de si e do que quer dizer."

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE Nasceu em 31 de outubro de 1902, em Itabira, interior de Minas Gerais. Descendente de povoadores e mineradores de ouro das Gerais, passou a infância numa fazenda da cidade natal. Publicou seus primeiros trabalhos em 1921, no jornal Diário de Minas. Após a publicação desses,

conhece vários literatos mineiros.. Publica seu primeiro livro, Alguma Poesia, em 1930, com tiragem de apenas 500 exemplares, paga por ele mesmo. Torna-se auxiliar de gabinete do secretário do Interior, Cristiano Machado, e depois assume a função de oficial de gabinete de Gustavo Capanema, seu amigo desde os tempos de colégio. Em 1942 sua obra começa a ser reconhecida: a editora José Olympio publica Poesias. Seu contrato com essa editora se manteria até 1984. Em 1944 publica Confissões de Minas, livro em prosa. Em 1984 passa a publicar seus livros pela editora Record. Também deixa o Jornal do Brasil. Publica Boca de Luar e Corpo. De 1985 a 1986 publica Amar se Aprende Amando, O Observador no Escritório, História de Dois Amores e Tempo, Vida, Poesia. Sofre um infarto em 1986 e permanece internado por 12 dias. Em 1987 escreve seu último poema, Elegia a um Tucano Morto, em homenagem a um tucano de seu neto Pedro Augusto. A ave foi morta pela bicada de uma galinha. Esse poema faz parte do livro Farewell (despedida em

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inglês), que o poeta deixou organizado para ser publicado após sua morte. Nesse mesmo ano é homenageado pela escola de samba Estação Primeira de Mangueira, com o samba-enredo O Reino das Palavras. A escola se sagra campeã. Publicação de Moça Deitada na Grama (prosa). No dia 5 de agosto de 1987 falece sua companheira e grande amor, a filha Maria Julieta. Doze dias depois, em 19 de agosto de 1987, morre Carlos Drummond de Andrade. Causa mortis: problemas cardíacos. Causa real: saudade e tristeza. A Editora Record e outras editoras ainda publicam obras do autor, algumas inéditas. As homenagens que o acompanharam em vida continuam se repetindo após sua morte, sempre que o mundo da arte, da beleza e da vida julguem necessário. Costuma-se definir CDA como um poeta pertencente à segunda fase do Modernismo brasileiro (1930-1945). Evidentemente que, ao estudar sua obra, percebe-se que ele é contemporâneo demais para deixá-lo preso em uma época ou fase.Drummond surgiu para a poesia em 1930, com a publicação de Alguma Poesia, que, segundo Wilson Martins, "inaugurou simbólica e ideologicamente, espiritual e esteticamente a segunda fase da poesia modernista". Nessa segunda fase a poesia brasileira teve um grande amadurecimento e até mesmo alguns poetas da fase anterior, como Manuel Bandeira e Mário de Andrade, renovaram-se e continuaram a produzir. A poesia desse período deixa de lado o tom irreverente e polêmico da primeira fase do Modernismo e passa a contribuir para o enriquecimento da nossa literatura, desenvolvendo vários temas, principalmente a temática social e amorosa

MODERNISMO - III FASE & LIT.CONTEMPORÂNEA (PÓS-MODERNISMO)

PROSA& POESIA

CONTEXTO HISTÓRICO

O período de 1945 a 1970 foi assinalado pela industrialização intensa do país e pela lenta, mas inexorável marcha da população do campo rumo às cidades, configurando o crepúsculo de um Brasil eminentemente rural, arcaico, patriarcal, e a emergência de um novo Brasil de feição capitalista e moderna. Se na década de 1940, cerca 60% dos brasileiros ainda viviam na zona agrária, no início dos anos 60, mais de metade da população já estava no mundo urbano.

Esta migração, combinada com o aumento de expectativa média do homem brasileiro - decorrente da melhoria de condições de saúde pública (água potável, esgotos, atendimento médico, alimentação diversificada, etc.) - transformou pequenas cidades, quase sempre provincianas, em metrópoles agitadas, cheias de contrastes e com grande densidade populacional.

As capitais brasileiras tornaram-se palco de infinitas oportunidades de realização econômica. Arrivistas, ambiciosos, ou apenas sonhadores, milhares de homens e mulheres, especialmente jovens, buscaram um lugar ao sol na nova ordem capitalista, que se forjava no Sudeste e no

Sul da nação. Muitos triunfaram no comércio, na indústria, nos serviços. Muitos, no entanto, fracassaram, em geral devido a sua pouca base educacional, passando a constituir o núcleo humano das primeiras favelas nos morros ou na periferia dos grandes centros.

Uma tragédia brasileira O clima neste período, contudo, era de ilimitada esperança quanto ao futuro do país. Verdade que a perda da Copa do Mundo, em 1950, no próprio Maracanã, abalara a nossa auto-estima como povo. E que o suicídio do Presidente Getúlio Vargas, sob pressão militar, em agosto de 1954, consternara a nação, especialmente as suas camadas mais pobres. Estes tinham sido protegidos já na década de 30, pelo antigo ditador, através de uma avançada legislação social, e tinham com o "Chefe" uma relação de fidelidade e agradecimento. Quando Getúlio se matou, os descamisados urbanos foram às centenas de milhares para as ruas. Queriam protestar, incendiar, por abaixo tudo que representasse o inimigo conservador. Assim impediram o golpe anti-democrático, já anunciado pelos militares nos primórdios de agosto de 1954, postergando-o até março de 1964.

A era JK Mas a esperança renasceria nos corações brasileiros com a eleição do mineiro Juscelino Kubitschek para a Presidência da República, em 1955. Seu lema: "Crescer 50 anos em 5 anos" eletrizou a nação e, pelo menos na área industrial, mostrou-se extraordinariamente viável.

JK esteve no poder entre 1956 e 1960. Consciente de que o modelo nacionalista de desenvolvimento, adotado por Getúlio Vargas (intervenção econômica do Estado mais capital nacional) se esgotara, o novo Presidente buscou no exterior, no capital produtivo externo, a fonte maior de crescimento industrial do país. Adotando uma agressiva política de incentivos fiscais e financeiros, oferecendo às empresas estrangeiras a possibilidade de um expressivo mercado interno, ampliando a infra-estrutura com a produção de mais energia e abertura de estradas, JK criou um clima favorável para a expansão industrial.

O carro-chefe do desenvolvimentismo foi a industria automotora: Volkswagen, Simca, Willys, Vemag, GM e outras montadoras instalaram-se em São Paulo, produzindo utilitários, caminhões e automóveis, e tornando-se as responsáveis pela assombrosa taxa de 80% de crescimento industrial no período. Em 1960, já eram produzidos 100.000 veículos por ano. O Brasil avançava a saltos. A agricultura, entretanto, continuou presa ao modelo latifundiário pré-capitalista, não apresentando resultados muito animadores.

A construção de Brasília, como cidade-síntese do novo país, foi a outra obsessão de JK. Transferir o núcleo do poder nacional do Rio de Janeiro para o cerrado goiano tornou-se uma façanha temerária e dispendiosa. Apesar da beleza de sua arquitetura e da ousadia de suas propostas urbanas, a nascente capital custou uma fortuna, bancada pela emissão contínua de moeda que, por seu turno, era geradora de inflação.

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No final do governo, havia certa insatisfação popular com a chamada carestia, abrindo caminho para o carismático e demagogo governador paulista, Jânio Quadros. Prometendo acabar com os "tubarões"(grandes negocistas) e com os corruptos, obteve arrasadora vitória nas eleições presidenciais de 1960, derrotando o candidato situacionista, o politicamente inexpressivo Marechal Teixeira Lott.

A consciência eufórica do povo brasileiro O avanço do Brasil urbano possibilitado pelo crescimento industrial levantou o ânimo da nação. Isso ocorreu de maneira mais intensa na Era JK, quando o sentimento ufanista encontrou fatos concretos para se cristalizar.

Não eram apenas as novas oportunidades, os novos empregos, a multiplicação das camadas intermediárias e as melhorias gerais nos campos da saúde, da educação e do bem-estar cotidiano que insuflavam o orgulho coletivo. Havia a beleza das linhas arquitetônicas de Brasília, o ritmo encantador da Bossa Nova, a prosa deslumbrante de João Guimarães Rosa. Como disse Lorenzo Mammi, "pela primeira vez o Brasil oferecia ao mundo uma imagem que não era apenas sedutora pelo exotismo, mas relevante pelo projeto modernizador que propunha." O símbolo mais acabado da potencialidade criativa dos brasileiros deu-se no futebol. Ninguém esquecera a tragédia nacional que fora a derrota para o Uruguai, em 1950, na decisão da Copa do Mundo, em pleno Maracanã. O fracasso esportivo destruíra a nossa auto-estima como povo Éramos uns fracassados e o futebol comprovava a nossa insignificância histórica. Até que em 1958, uma imbatível seleção, comandada pelo craque Didi arrasou com todos os adversários na Copa do Mundo da Suécia e ainda por cima, revelou um menino prodigioso: Pelé, o atleta do século. Nelson Rodrigues refletiu sobre o significado desta vitória em uma crônica exemplar, publicada logo em seguida à grande conquista. Observe-se um fragmento da mesma:

Diziam de nós que éramos a flor de três raças tristes. A partir do título mundial, começamos a achar que a nossa tristeza é uma piada fracassada. Afirmava-se também que éramos feios. Mentira! Ou, pelo menos, o triunfo embelezou-nos. Na pior das hipóteses, somos uns ex-buchos.

O governo Jânio Quadros

Enfrentando a hostilidade do Congresso, majoritariamente oposicionista, Jânio Quadros permaneceu no poder apenas sete meses do ano de 1961. No afã de criar fatos políticos inesperados, proibiu rinhas de gala, desfile de miss na tevê, condecorou o revolucionário argentino Che Guevara, adotou o terninho estilo "safari", como modelo de elegância presidencial, recebeu visitantes de guarda-pó, e, em vez de usar os carros oficiais, dirigia ele mesmo o seu "fusca" rumo ao Palácio da Alvorada. O país assistia a tudo perplexo.

Em agosto, tentou dar um golpe com apoio popular, isto é, estabelecer uma ditadura civil legitimada pelo seus eleitores. Para tanto renunciou ao mandato e esperou que a população acorresse às ruas, pedindo que ele permanecesse como chefe da Nação. Ninguém saiu em sua defesa e o

Congresso, aceitando o pedido de renúncia, declarou a vacância da Presidência da República. Embriagado e desmoralizado, Jânio Quadros partiu para a Europa. Encerrava-se uma meteórica carreira que, de certa forma, traduzia o poder de um novo e gigantesco eleitorado, composto pelas classes médias e pelas massas urbanas. Eram setores já livres do voto a cabresto do mundo rural, mas ainda inexperientes do ponto de vista político, e, portanto, facilmente manipuláveis por tipos populistas como Jânio. O governo João Goulart Conforme a Constituição, o vice-presidente João Goulart, (Jango), eleito pelo bloco PSD-PTB, deveria assumir. Os militares, no entanto, quiseram impedir-lhe a posse, devido a seu pretenso esquerdismo. Uma reação, iniciada no Rio Grande do Sul, sob o comando do governador Leonel Brizola, e que ficou conhecida sob o nome de Legalidade, impediu o golpe. A partir deste fato, os grupos de esquerda, que chegavam ao poder, alimentaram a ilusão de que a direita brasileira não teria mais forças para uma nova aventura golpista.

Jango assumiu primeiramente sob a forma de um governo parlamentarista - fórmula inventada pelo Congresso para evitar-lhe a entrega de todos os poderes presidenciais. Contudo, em 1963, após um plebiscito - no qual o povo exigiu a volta do regime presidencialista - o líder do PTB retomou todas as funções do cargo. A esquerda iniciou então uma intensa mobilização pelas chamadas "Reformas de Base", envolvendo as reformas agrária, urbana, financeira e outras. Assustada, a direita reagiu, acusando o governo de fomentar a subversão da ordem.

A radicalização ideológica esvaziou os grupos centristas e mesmo os democratas de várias tendências. De um lado e de outro havia a certeza de que as regras constitucionais atrapalhavam. Os políticos direitistas pregavam a intervenção militar para deter o "avanço comunista" dentro do governo. Já os líderes da esquerda exigiam o fechamento do "Congresso reacionário" e tinham como palavra-de-ordem a expressão "Reformas na lei ou na marra". Jango procurou conciliar e evitar o confronto, mas foi ficando isolado. No início de 1964, o fantasma da guerra civil rondava a nação. O golpe de 1964

Atemorizadas com a possibilidade de uma "República sindicalista" ou mesmo de um regime marxista, aturdidas pelas greves políticas que paralisavam o país, convencidas de que Jango representava o caos e a desordem, as classes médias vieram às portas dos quartéis, pedir a intervenção militar. Esta não tardou. Em 31 de março de 1964, tanques saíram de uma unidade de Juiz de Fora e iniciaram uma marcha triunfal que se espalhou por todo o país. Apenas em Porto Alegre houve um esboço de reação, porém, em seguida, João Goulart percebeu que a guerra civil - além do sangue fratricida que derramaria - já tinha um lado vencedor. Por isso, desistiu de lutar, exilando-se no Uruguai. Enquanto os líderes vinculados ao governo deposto fugiam ou eram presos, os militares decidiram nomear um prestigiado marechal para comandar a nação: Humberto de

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Alencar Castelo Branco. Ninguém e nem mesmo os generais vitoriosos poderiam imaginar que uma longa ditadura de vinte anos se abateria sobre o país.

A PROSA DE FICÇÃO No campo da ficção, em relação aos mundos narrados, duas tendências gerais predominaram no período:

• Obras de temática rural • Obras de temática urbana

A) A NOVA NARRATIVA DE TEMÁTICA AGRÁRIA Um fenômeno novo marcou a ficção brasileira, a partir dos anos de 1950: um conjunto de relatos centrados no mundo rural, mas distantes dos padrões convencionais de realismo, que se encontravam, por exemplo, no chamado romance de 30.

O crítico José Hildebrando Dacanal designou esses textos como "nova narrativa épica brasileira". São obras que fixam o "desaparecimento do interior caboclo-sertanejo, face o avanço vertiginoso da civilização racionalista, capitalista e urbana." Esta civilização, nascida no litoral, e que avançava rumo ao oeste, era o fruto da expansão burguesa ocorrida, principalmente, durante a Era Vargas e a Era JK.

Outros críticos referem-se a tais obras como integrantes de um ciclo de "realismo mágico", pois eventos extraordinários ( e inverossímeis do ponto de vista do racionalismo urbano) ocorrem nas mesmas. Os personagens dos relatos vivem esses acontecimentos estranhos sem que isso os surpreenda. Ou seja, a sua consciência de mundo admite como real e natural o que julgamos inconcebível. Basicamente esta tendência compõe-se de seis romances: Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, - o mais significativo de todos - e que, ao ser publicado em 1956, abriu caminho para a criação de um novo modelo narrativo no país; O coronel e o lobisomem, de José Cândido de Carvalho, que veio à luz em 1964; Chapadão do Bugre, de Mário Palmério, lançado em 1965; A pedra e o reino, de Ariano Suassuna, que é de 1970; Os guaianãs (em quatro volumes saídos entre 1962 e 1970), de Benito Barreto; e Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, publicado em 1971. As características mais ou menos comuns a todas essas obras são de natureza lingüística, estrutural e temática:

• Lingüisticamente, há uma forte presença, ainda que às vezes residual da variante caboclo-sertaneja da língua portuguesa, transfigurada do ponto de vista do estilo por cada autor.

• Estruturalmente, a verossimilhança, típica do romance tradicional, não é respeitada, com protagonistas relatando a própria morte, presença de demônios e outras entidades míticas.

• Tematicamente, todas as obras possuem um traço comum: a ação se desenvolve, preponderantemente, no interior, no sertão, em regiões de pequena propriedade ou de criação de gado, surgindo não raro um conflito entre este mundo agrário - e os protagonistas dele procedentes - e a civilização urbana. Além disso,

como já frisamos, é também freqüente a presença de seres superiores, como Deus e o Diabo, ou entes mitológicos, como a sereia, o lobisomem, etc.

Em termos gerais, pode-se dizer, que estes romances se ligam, no plano do assunto, ao Brasil antigo, pré-industrial, marcado por uma cultura rural e religiosa, de raízes ibéricas, transformada ao longo dos séculos.

PRINCIPAIS AUTORES

JOÃO CABRAL DE MELO NETO

Poeta pernambucano (1920-1999). Considerado o maior poeta contemporâneo e um dos maiores da literatura nacional. Parente de Manuel Bandeira e Gilberto

Freire, cresce no sítio da família no interior do Estado e depois no Recife. Em 1942 publica o primeiro livro, Pedra do Sono, onde demonstra extremo rigor formal. Em 1945, ingressa na carreira diplomática. Seu primeiro posto no exterior é em Barcelona. Esta estada é fundamental para sua poética, que se aproxima do realismo espanhol. Como diplomata, serve mais seis vezes na Espanha. Trabalha também nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia. Com o poema O Cão Sem Plumas (1950) dá o chamado salto participante, passando a se preocupar com temáticas sociais, como acontece com diversos expoentes da cultura brasileira nas décadas de 50 e 60. Aposenta-se do Itamaraty em 1990, ano do lançamento de Sevilha Andando, dedicado à poeta Marly de Oliveira, com quem vive desde 1988 no Rio de Janeiro. A partir de 1992, passa a sofrer de cegueira progressiva e não pode mais ler. Em 1994, lança o livro João Cabral de Melo Neto – Obra Completa. Sua poesia afasta-se das formas eruditas e aproxima-se das raízes populares das quadras, trovas e literatura de cordel. Seu poema mais popular, Morte e Vida Severina (1965), foi adaptado para o teatro e vídeo com música de Chico Buarque de Hollanda. CLARICE LISPECTOR

Escritora brasileira de origem ucraniana (1925-1977). Criadora de uma linguagem revolucionária, é um dos grandes nomes da segunda fase do modernismo. Vem da Ucrânia para o Brasil recém-nascida e é levada pela família para o Recife. Em 1934, muda-se para o Rio de Janeiro.

Escreve o primeiro romance, Perto do Coração Selvagem, aos 17 anos. Em livros como A Maçã no Escuro (1961), A

Paixão Segundo GH (1964), Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres (1969) e A Hora da Estrela (1977) explora a subjetividade, o fluxo da consciência e rompe com o enredo factual.

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JOÃO GUIMARÃES ROSA (1908-1967) Vida: João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo, pequena cidade do interior de Minas Gerais. Filho de um comerciante da região, ali fez seus estudos primários, indo posteriormente a Belo Horizonte, onde cursou o secundário e ingressou na Faculdade de Medicina, formando-se médico, condição em que participou da Revolução Constitucionalista de 1932. Mudando-se para o Rio de Janeiro em 1932, fez concurso para a carreira de diplomata no então Ministério do Exterior, iniciando uma atividade que o levaria a varias partes do mundo. Obras: Sagarana (contos - 1946); Corpo de baile (novelas, 1956 - Manuelzão e Miguilim; No Urubuquaquá no Pinhém; Noites do sertão); Grande sertão: veredas (romance, 1956); Primeiras estórias (contos, 1962); Tutaméia (contos, 1967); Estas estórias (contos, 1969).

GRANDE SERTÃO: VEREDAS

Apesar de respeitado por alguns críticos e já reconhecido como renovador do conto brasileiro, João Guimarães Rosa ficou quase desconhecido até 1956, quando a publicação de Grande Sertão: veredas o tornou um nome internacional. Na verdade, ele provocou um verdadeiro choque entre leitores e críticos brasileiros, principalmente por sua linguagem, fortemente marcada pela variante caboclo-sertaneja da língua portuguesa, e pela temática, de um lado ligada aos temas do coronelismo e da jagunçagem e, de outro, impregnada de uma problemática metafísica e teológica (o problema de Deus, o sentido da vida, etc.). Em termos simplificados, Grande sertão: veredas é um longo diálogo/monólogo em que o protagonista, Riobaldo, um velho jagunço que há muito deixara de "cachorrar pelo sertão", conta sua vida a um jovem doutor que chega à sua fazenda. Este ouvinte, porém, jamais fala, informando o texto apenas sobre suas risadas, suas desconfianças estampadas no rosto, etc. Para Riobaldo, o centro de sua vida e, portanto, da história que narra é não tanto o fato de ter sido jagunço e chefe de um bando deles mas o de ter se apaixonado por uma moça, Maria Deodorina da Fé Betancourt Marins, a Diadorim, que, sendo filha única de um fazendeiro, Joca Ramiro, se travestira de homem para conseguir viver como jagunço.

Riobaldo conta, entre outras coisas, como ele ficava perturbado diante de seu sentimento pelo "companheiro" de luta, pois, não sabendo que Diadorim era mulher, julgava sua paixão pouco normal. Ao final da história, Diadorim morre e todos descobrem que era uma mulher, com o que Riobaldo se retira da jagunçagem, casa com Otacília, também filha de fazendeiros, e fica sabendo ser possuidor de outras duas fazendas, que herdara com a morte de seu pai, Selorico Mendes. É numa destas fazendas que o doutor o visita e ouve sua história.

Seguindo a análise do crítico José Hildebrando Dacanal, podemos levantar três elementos fundamentais da estrutura narrativa e da temática da obra:

• o plano do presente - isto é, a narração de Riobaldo ao doutor - é o tempo não só da própria narração em si mas também do filosofar do protagonista sobre suas experiências do passado.

• O plano do passado é o tempo em que ocorrem os eventos narrados, ou seja, a vida de Riobaldo desde sua infância até o momento em que deixa a jagunçagem, passando, obviamente, pelo período mais importante de sua vida: o encontro, a convivência com Diadorim e seu amor por ela, que morre tragicamente na batalha final contra os jagunços inimigos de seu pai, Joca Ramiro.

A passagem de uma consciência mítico-sacral (Riobaldo-jagunço) para uma consciência lógico-racional (Riobaldo a partir do episódio de Veredas Mortas, quando pretendia fazer um pacto com o Diabo mas este não aparece). O primeiro tipo de consciência - comum aos indígenas e às sociedades dos sertões brasileiros e latino-americanos - explica o mundo segundo uma visão em que existem poderes superiores como Deus e o Diabo, além de outros seres misteriosos como lobisomens, sereias, etc. O segundo tipo, próprio da civilização racionalista moderna, vê o mundo de um ponto de vista científico, ou seja, como um conjunto de forças mecânicas, físicas e químicas em interação. No caso de Grande sertão: veredas, Riobaldo, no plano do presente, quando narra sua vida ao doutor, tende a recusar a visão mítico-sacral (ou mágica), aceitando apenas a existência do "homem humano", como diz ao terminar sua história.

ARIANO SUASSUNA (1927)

Vida: Ariano Suassuna nasceu na então cidade de Nossa Senhora das Neves - hoje João Pessoa, capital da Paraíba. Logo em seguida, tendo seu pai, João Suassuna, deixado o governo do estado, Ariano acompanha a família de volta para a região do alto sertão paraibano, onde a mesma tinha várias fazendas. Assassinado o pai, a família deixa a região, mudando-se para a cidade de Taperoá, no chamado sertão seco, onde o futuro dramaturgo e romancista faz seus estudos primários. Em 1938 há nova mudança, desta vez para Recife, onde cursa o ginásio, estudando também música e pintura. Em 1946 entra para a Faculdade de Direito, ligando-se ao círculo de poetas, escritores e artistas da capital pernambucana e interessando-se cada vez mais pelo romanceiro popular nordestino e pelo teatro. Em 1952 começa a trabalhar em advocacia mas logo abandona a profissão, dedicando-se ao magistério e à atividade de escritor.

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Obra: Com extensa obra teatral - publicou, entre outras, as peças Auto da compadecida, O santo e a porca, A farsa da boa preguiça -, Ariano Suassuna escreveu em 1956 A história do amor de Fernando e Isaura, romance até hoje inédito. Em 1958 começou a trabalhar em Quaderna, o decifrador, uma trilogia composta de:

I - A pedra do reino II - O rei degolado III - Senésio, o alumioso

A PEDRA DO REINO Publicado em 1970, A pedra do reino continua sendo considerado um romance completo, pois até hoje as duas outras partes da trilogia não vieram a público, pelo menos em edições comerciais. Em vista disso, a possibilidade de análise é um tanto precária, apesar de a obra oferecer, em suas mais de 600 páginas, matéria suficiente não apenas para ensaios como para livros inteiros.

De leitura um pouco árida na primeira centena de páginas, A pedra do reino, mesmo isolada da trilogia de que faz parte, é um verdadeiro monumento literário que se liga à cultura caboclo-sertaneja nordestina, muito marcada pelas tradições do mundo ibérico (Portugal e Espanha), trazidas pelos primeiros colonizadores europeus e transformadas ao longo dos séculos. Em linhas gerais, A pedra do reino é a apresentação do memorial - obviamente em primeira pessoa - de D. Dinis Ferreira - Quaderna, que, preso em Taperoá, faz sua própria defesa perante o corregedor e, para tanto, conta a história de sua família, das desavenças, das lutas e das controvérsias políticas, literárias e filosóficas em que se vira envolvido. Como diz um crítico, na obra de Suassuna podem ser percebidas "duas distintas tradições a informarem a concepção de mundo do herói: a tradição mítico-sertaneja e a tradição erudita" (J. H. Weber). O que faz, como no caso de todas as demais obras da nova narrativa, com que A pedra do reino se diferencie claramente do romance brasileiro tradicional.

JOSÉ CÂNDIDO DE CARVALHO (1914-1989)

Vida: José Cândido de Carvalho nasceu em Campos dos Goitacazes, estado do Rio de Janeiro, filho de lavradores emigrados do norte de Portugal, que aqui no Brasil se dedicaram ao pequeno comércio. Transferindo-se muito jovem com a família para o Rio de Janeiro, ali iniciou sua carreira de jornalista no final da década de 1920. Obra: Começando sua vida literária com o romance Olha para o céu, Frederico (1939), causou profundo impacto em 1964, quando apareceu O coronel e o lobisomem, obra que se destaca entre todas as demais. O rei Baltazar, um romance em que trabalhava há muitos anos, ficou inédito, não se sabendo se terminado ou não.

O CORONEL E O LOBISOMEM Com sua ação que se desenvolve nas primeiras décadas do séc. XX, O coronel e o lobisomem é a história de Ponciano

de Azeredo Furtado, proprietário de fazendas de gado do interior fluminense, que, atraído pela vida da cidade e pela atividade de negociante, emigra para Campos dos Goitacazes, não conseguindo, porém, integrar-se no meio urbano. Dividido entre o mundo dos pastos e a vida citadina, Ponciano enlouquece, depois de perder quase toda sua fortuna. Diferenciando-se de Grande sertão: veredas pelo final trágico, O coronel e o lobisomem apresenta algumas características semelhantes às do romance de Guimarães Rosa: a linguagem marcada pela variante caboclo-sertaneja e a presença de seres míticos como sereias e lobisomem. Em termos de sua estrutura narrativa é de se destacar o fato de Ponciano contar sua própria história, inclusive a loucura final, o que, em se tratando do romance tradicional, é um absurdo. Por outro lado é interessante sublinhar que, de todas as obras da chamada nova narrativa, O coronel e o lobisomem é uma das mais conhecidas e lidas, por ser extremamente interessante e atraente. Das poucas análises publicadas sobre a obra, uma delas define com precisão o aspecto contraditório do personagem central:

O herói de José Cândido de Carvalho poderia ser definido como um coronel decadente que, num tempo que não é mais o seu, se debate entre a atração de um agrupamento semi-urbanizado e racionalizado (Campos dos Goitacazes) e a vida do mundo perdido do interior, mundo este ainda estruturado em bases mítico-sacrais, no qual o lobisomem e a sereia são aceitos como seres naturais, reais, que integram o acontecer normal da existência. MÁRIO PALMÉRIO (1916) Vida: Mário Palmério nasceu em Monte Carmelo, interior de Minas Gerais, tendo feito seus estudos secundários em Uberaba. Ingressando em 1935 na Escola Militar do Realengo, dela desligou-se em seguida por motivos de saúde. Depois de trabalhar algum tempo no setor bancário, dedicou-se integralmente ao magistério, como professor de matemática em São Paulo. Retornando a Uberaba, fundou o Liceu do Triângulo Mineiro, base da Universidade que, a partir de então, se formaria através do esforço do próprio Mário Palmério e dos municípios do Triângulo Mineiro. Deputado federal em várias legislaturas desde 1950, transformou-se em fazendeiro e chefe político da região. Obra: Seu primeiro romance, Vila dos Confins, escrito segundo os esquemas tradicionais, não apresenta maiores novidades e pode ser considerado uma obra menor ao lado do já clássico Chapado do Bugre, reconhecidamente um dos grandes romances brasileiros. Continua inédito o anunciado Confissões de um assassino perfeito.

CHAPADÃO DO BUGRE Narrado em terceira pessoa, paralela à qual coexiste a "consciência" de Camurça, a mula de montaria que visualiza o sentido de toda a trama - inclusive sua própria morte, como ocorre com os protagonistas de O coronel e o lobisomem e Sargento Getúlio -, Chapadão do Bugre é, sob o ponto de vista da estrutura narrativa, bastante insólito, rompendo os esquemas tradicionais.

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Lingüisticamente, de todas as obras da nova narrativa é, ao lado de A pedra do reino, a que menos se desvia da norma culta do português, apesar de ser forte, nos diálogos, a presença de um linguajar caboclo-sertanejo. No que diz respeito à temática, Chapadão do Bugre, como afirma um crítico, apresenta a destruição do reino dos coronéis e dos jagunços: Uma força estranha e impiedosa, representada pelo capitão Eucaristo Rosa, se abate sobre o sertão, destruindo tanto os coronéis e suas práticas políticas clientelísticas como o jagunço José de Arimatéia, sem que ninguém (...) possa chegar a entender as normas do novo mundo que se estabelecia no sertão. Apenas Camurça, a mula de José de Arimatéia, percebe, à hora da morte, a realidade. E o faz do ponto de vista dos marginais e oprimidos do sertão. Mas é tarde e a destruição é inexorável" (João H. Weber). JOÃO UBALDO RIBEIRO (1941) Vida: João Ubaldo Ribeiro nasceu em Itaparica, Bahia, tendo sido batizado em Japaratuba, Sergipe, onde passou a infância e fez seus estudos primários. Filho de um advogado, também formou-se em Direito, em Salvador, e fez mestrado em Administração Pública em Los Angeles, Califórnia. Professor e jornalista, tem vários romances publicados e é membro da Academia Brasileira de Letras. Obras principais: Sargento Getúlio; Viva o povo brasileiro; O Sorriso do Lagarto. Muito semelhante a O coronel e o lobisomem, seja na linguagem, marcada pela variante caboclo-sertaneja, seja na estrutura narrativa, pois, como o coronel Ponciano, Getúlio narra sua própria morte, a obra de João Ubaldo Ribeiro apresenta também um claro conflito entre o mundo da cidade e o do sertão. Produto deste, Getúlio não entende as manobras dos políticos e marcha de forma inevitável para o trágico fim.

RUBEM FONSECA

Romancista, contista e roteirista mineiro (1925-). Inova com a temática violenta e a linguagem cinematográfica dos 13 livros que publica até 1995. Muda-se para o Rio de Janeiro aos 8 anos. Em 1948, forma-se pela Faculdade de Direito do Rio. Em 1949, abre um escritório de advocacia, sem sucesso. Passa no concurso para comissário do Departamento Federal de Segurança Pública, em 1950. Cursa a Escola de Polícia. Excelente aluno de Psicopatologia, forma-se em segundo lugar. No fim de 1952, começa a carreira de comissário. Realiza investigações e prisões, mas se destaca pelo trabalho intelectual. Em setembro de 1953, é um dos dez policiais escolhidos para estudar nos EUA. Lá assiste, também, a aulas de Administração de Empresas. De volta ao Brasil em 1954, estuda Administração e Relações Públicas na Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio. No mesmo ano, é

transferido para a área de Relações Públicas da Polícia e, em 1955, começa a dar aulas da disciplina na FGV. Deixa a Polícia em 1958, por não poder acumular aquele emprego com os de professor e relações-públicas da Companhia Energética Light. Estréia na literatura em 1963, com o livro de contos Os Prisioneiros. Torna-se conhecido ao vencer, em 1968, o concurso nacional de contos da Fundação Educacional do Paraná. Em 1975, o regime militar proíbe seu livro de contos Feliz Ano Novo, acusado de pregar a violência.

Seus personagens retratam a zona sul carioca, especialmente o submundo – são lutadores de boxe, policiais, ninfomaníacos, burgueses, assassinos. No início da década de 90, adapta seu romance A Grande Arte (1984) para o cinema. Em 1993, Agosto (1990) é transformado em minissérie de TV. Em 1995, publica o livro de contos O Buraco na Parede, também é de sua autoria o romance “Caso Morel”.

NELSON RODRIGUES

Dramaturgo, romancista e jornalista pernambucano (1912-1980). O mais importante autor do teatro brasileiro contemporâneo. Muda-se ainda criança do Recife para o Rio de Janeiro. Filho de jornalista, aos 13 anos começa a trabalhar em jornal. Em 1941 escreve sua primeira peça, A Mulher sem Pecado, que apresenta estreita vinculação entre teatro e crônica jornalística, drama e folhetim. Revoluciona a dramaturgia nacional com Vestido de Noiva (1943). Com texto fragmentário, apresenta ações simultâneas em tempos diferentes e coexistência de três planos diferenciados – realidade, memória e alucinação –, como uma projeção do subconsciente da heroína Alaíde. Sua obra teatral foi classificada pelo crítico Sábato Magaldi em peças psicológicas (nas quais se incluem as duas primeiras), peças mitológicas (Anjo Negro, Álbum de Família, ambas de 1946) e tragédias cariocas (A Falecida, de 1954, O Beijo no Asfalto, de 1961). A vida pessoal é marcada pela polêmica e pela tragédia: o assassinato do irmão Roberto, a morte do pai, a miséria, os casamentos e amantes, uma filha cega com problemas cerebrais, um filho preso e torturado pelo regime militar que ele defendia. Escreve os romances Meu Destino é Pecar e O Casamento. Deixa 17 peças. Publica suas crônicas jornalísticas nos volumes As Confissões de Nelson Rodrigues e O Óbvio Ululante (ambos de 1968).

DIAS GOMES

Alfredo de Freitas Dias Gomes, teatrólogo e autor de telenovela baiano (1923-1998). Considerado um dos maiores dramaturgos brasileiros contemporâneos, é conhecido internacionalmente pela peça O Pagador de Promessas, transformada em filme e ganhadora da Palma de Ouro, em Cannes (1962). Encena a primeira peça, Pé de Cabra, aos 19 anos, no Rio de Janeiro. Muda-se para São Paulo, em 1943, para trabalhar na Rádio Tupi e conhece a radioatriz Janete Clair, com quem se casa em 1949.

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Volta ao Rio no ano seguinte para dirigir a Rádio Clube do Brasil. É demitido três anos depois por causa de uma visita à União Soviética e da campanha desencadeada contra ele pelo jornalista Carlos Lacerda. Fica desempregado e entra para uma lista negra elaborada pela polícia política. Para sobreviver, escreve textos para a TV Tupi assinados por Janete Clair e dois amigos.

Consegue ser contratado por uma agência de publicidade em 1954, onde fica três anos. A partir de 1960, dedica-se exclusivamente à ficção. Escreve A Revolução dos Beatos (1962), O Santo Inquérito (1966). Sua primeira telenovela, A Ponte dos Suspiros (1969), é escrita sob pseudônimo, pois as suas peças estavam proibidas pela censura do Regime Militar de 1964. Trabalha na Rede Globo desde a sua fundação em 1965. Escreve Verão Vermelho (1970), O Bem Amado (1973) e Roque Santeiro (escrita em 1975, censurada na época e levada ao ar em 1985).

DALTON TREVISAN

Contista mineiro (1926-). Escreve contos que tematizam a vida urbana e cria personagens que mostram muitas vezes o lado grotesco do ser humano. Nasce em Curitiba, cidade na qual ambienta a maioria de suas histórias. É um dos fundadores da revista Joaquim, que representa a segunda fase do modernismo no Paraná. Em 1945 publica sua primeira coletânea de contos, Sonata ao Luar. Ainda sob a forma de folhetos ou edições populares, lança as coletâneas Sete Anos de Pastor (1948), Crônicas de Curitiba, O Dia de Marcos e Os Domingos (1953/54). Em 1959, publica seu primeiro livro, Novelas Nada Exemplares, e, posteriormente, lança Morte na Praça. Entre os livros mais importantes de sua obra encontram-se Cemitério de Elefantes (1964) e O Vampiro de Curitiba (1965).