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    Educação e PesquisaRevista da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

    Education and  Research Journal of the School of Education, University of São Paulo 

    Universidade de São Paulo / University of São Paulo  Reitor/Rector :  João Grandino Rodas Vice-Reitor/Vice-Rector :  Hélio Nogueira da Cruz

    Faculdade de Educação / School of Education  Diretora/Dean:  Lisete Regina Gomes Arelaro Vice-Diretora/Vice-Dean:  Marília Pontes Sposito

    Editoras /  Editors Teresa Cristina Rego

     Denise Trento Rebello de Souza

    Editores Assistentes /  Assistant Editors 

    Cláudia Pereira Vianna Lucia Emília Nuevo Barreto Bruno

     Julio Groppa Aquino

     Maria Isabel de Almeida

     Maria Letícia Barros Pedroso Nascimento

     Marília Pinto Carvalho

     Vinicio de Macedo Santos

    Gerente Editorial / Editorial Manager  Wilson Roberto Gambeta

    Secretaria de Edições /  Editions Office Anna Cecília de Paula Cruz

     José Aguinaldo da Silva

     Lina Flexa

    Conselho Editorial /  Editorial Board António Nóvoa Maria Isabel da Cunha

     Universidade de Lisboa, Portugal UniSinos, Rio Grande do Sul, Brasil

     Belmira A. de Barros O. Bueno Maria Machado Malta Campos Universidade de São Paulo, Brasil Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, Brasil

    Carlos Roberto Jamil Cury   Marie-Christine Josso Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Université de Genève, Suíça

     Elsie Rockwell Marília FonsecaInstituto Politécnico Nacional, México Universidade de Brasília, Brasil

     Frederick Erickson Martin Carnoy

     University of California, EUA Stanford University, EUAGilles Brougère Nelly Stromquist

     Université Paris-Nord, França University of Southern California, EUA

    Josep Maria Puig Rovira Olgária Matos Universidad de Barcelona, Espanha Universidade de São Paulo, Brasil

    Jürgen Schriewer Silvina GvirtzInstitut für Allgemeine Pädagogik, Alemanha Universidad Nacional de Buenos Aires, Argentina

     Luciano Mendes de Faria Filho Yves de La Taille

     Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil

     Luiz Antônio Cunha Zaia Brandão Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil  Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, Brasil

     Magda Becker Soares Zeila de Brito Fabri Demartini Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Universidade Estadual de Campinas, Brasil

    Revista financiada com recursos de

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    ISSN 1517-9702

    Educação e Pesquisar e v i s t a d a f a c u l d a d e d e e d u c a ç ã o d a u s p

    Educação e Pesquisa São Paulo v. 38 n. 01 272 p. jan./mar. 2012

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    EDUCAÇÃO E PESQUISA publica artigos inéditos na área de Educação, em especial resultados depesquisa de caráter teórico ou empírico, bem como revisões da literatura de pesquisa educacional.

     E-mail: [email protected]

    Solicita-se permuta / Exchange is requested 

    Copidesque e revisão / Copy desk and proofreading: Elisa VieiraEditoração eletrônica / Desktop publishing: Anna Cecília de Paula Cruz

     Versão para o inglês / English version: Jessé Rebello de Souza Junior e Ana Paula C. RenestoProjeto gráfico e ilustrações / Graphic design and illustrations: Daniel Bueno e Fernando de Almeida

    Indexada em / Indexed in:

     AERA SIG - Communication of Research (EUA, www.aera-cr.asu.edu)

    BBE - Bibliografia Brasileira de Educação (Brasil, INEP)CLASE - Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades (México, UNAM)DOAJ - Directory of Open Access Journals (Suécia)EDUBASE (Brasil, FE/Unicamp)

    ERA - Educational Research Abstracts (Inglaterra, www.tandf.co.uk/era/)

    IRESIE - Indice de Revistas de Educación Superior y Investigación Educativa (México, UNAM)LATINDEX - Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Científicas de América Latina,en Caribe, Espanã y Portugal (México)

    PSICODOC - Colegio Oficial de Psicólogos de Madrid (Espanha)

    SOCIOLOGICAL ABSTRACTS (EUA, www.csa.com/factsheets/supplements/sociossl.php)

     Versões on-line / Online versions:

    http://www.scielo.org

    http://www.scopus.com

    http://www.redalyc.comhttp://dialnet.unirioja.es/

    Tiragem: 800 exemplares

    Educação e Pesquisa. São Paulo, FE/USP, 1975.

    Trimestral

    Publicação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

    Continuação da Revista da Faculdade de Educação da USP

    ISSN 1517-9702

    1. Educação.

    Educação e Pesquisa, v. 38, n. 1, 272 p., jan./mar. 2012.

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    Sumário

    Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 1, 272 p, jan./mar. 2012.

    Editorial

     Artigos

    O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para os ricos,escola do acolhimento social para os pobres  José Carlos Libâneo

     A educação básica na proposta da Confederação Nacional da Indústria nos anos 2000 Alessandro de Melo

    O discurso curricular intercultural na educação de jovens e adultos e a produção desubjetividadesRosângela Tenório de Carvalho

    Gênero e culturas infantis: os clubinhos da escola e as trocinhas do Bom RetiroTânia Mara Cruz 

    Las instituciones educativas y la comunidad frente al maltrato infantil: una experienciade investigación acción participativaMaría Dilia Mieles Barrera, María Victoria Gaitán Espitia, Renán Cepeda Gaitán

    Faculdades da alma e suas implicações para a educação: saberes divulgados no século XIXRaquel Martins de Assis, Juliana de Souza Martins

    Contribuições da racionalidade argumentativa para a abordagem da ética na escolaRenato José de Oliveira

    O desenvolvimento de competências gerenciais nas escolas públicas estaduaisVeronica Bezerra de Araújo Galvão, Anielson Barbosa da Silva, Walmir Rufino da Silva

    Teoria e prática no curso de pedagogiaGiseli Barreto da Cruz 

    Nacionalismo territorialista en textos escolares: representaciones de la Patagonia en ladictadura militar argentina (1966-1983) Jesús Jaramillo

    Categorias metacognitivas como subsídio à prática pedagógicaEvelise Maria Labatut Portilho, Simone A. Souza Dreher 

    Evolução da escolaridade esperada no Brasil ao longo do século XXOtaviano Helene 

    Entre percursos, fontes e sujeitos: pesquisa em educação e uso da história oralRosimar Serena Siqueira Esquinsani

    Concepções de validade em pesquisas qualitativasLeila Giandoni Ollaik, Henrique Moraes Ziller 

    Pesquisa em educação: os movimentos sociais e a reconstrução epistemológica numcontexto de colonialidadeDanilo Romeu Streck, Telmo Adams

    Instruções aos colaboradores

    Leia também

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    Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 1, 272 p., jan./mar. 2012.

    Editorial 

     Articles 

    The perverse dualism of the Brazilian public school: school of knowledge for the rich,school of social care for the poorJosé Carlos Libâneo

    Basic education as proposed by the National Confederation of Industry in the 2000s Alessandro de Melo

    The intercultural curriculum discourse in the education of youngsters and adults andthe production of subjectivitiesRosângela Tenório de Carvalho

    Gender and children’s culture: the school  clubinhos and the  trocinhas of Bom RetiroTânia Mara Cruz

    Educative institutions and the community faced with child maltreatment: an experienceof participative action researchMaría Dilia Mieles Barrera, María Victoria Gaitán Espitia, Renán Cepeda Gaitán

    Faculties of the soul and their implications for education: knowledges circulated in the 19th century Raquel Martins de Assis, Juliana de Souza Martins

    Contributions of argumentative rationality for addressing ethics in school Renato José de Oliveira

    The development of managerial skills in state public schools Veronica Bezerra de Araújo Galvão, Anielson Barbosa da Silva, Walmir Rufino da Silva

    Theory and practice in the education undergraduate course Giseli Barreto da Cruz

    Territorialist nationalism in school textbooks: representations of Patagonia in Argentinian military dictatorship (1966-1983)Jesús Jaramillo

    Metacognitive categories as a support of pedagogical practicesEvelise Maria Labatut Portilho, Simone A. Souza Dreher 

    The evolution of expected schooling in Brazil in the 20th century Otaviano Helene

    Between trajectories, sources and subjects: research in education and the use of oral history Rosimar Serena Siqueira Esquinsani

    Conceptions of validity in qualitative studiesLeila Giandoni Ollaik, Henrique Moraes Ziller 

    Research on education: social movements and epistemological reconstruction in a contextof coloniality Danilo Romeu Streck, Telmo Adams

    Instructions to authors 

    See also 

    Contents 07

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    Editorial

    Mais uma vez, a equipe de Educação e Pesquisa começa o ano repleta de razões para comemorar. Agora, por meio do recurso de publicação ahead of print do Sistema SciELO, nossoleitor pode acessar em primeira mão os artigos aprovados, antes mesmo de suadivulgação em papel. Basta consultar a página da revista no site da SciELO (http://www.scielo.br) e lá estarão disponíveis não apenas os artigos já publicados, mastambém os demais textos que aguardam impressão, o que agiliza a divulgação dosresultados de pesquisa de nossos autores.

     Além disso, a partir de 2011, Educação e Pesquisa passou a ter quatro edições anuais, consolidandoo processo iniciado em 2010 com a publicação de um número especial. Trata-sede outro mecanismo para acelerar a circulação de informações; por meio dele,esperamos colaborar na divulgação da grande quantidade de contribuições –tanto brasileiras, quanto estrangeiras – recebidas pela revista.

    Finalmente, já está em preparação nossa segunda seção de Demanda Dirigida. Sob a coordenaçãodos colegas Cláudia Pereira Vianna e Vinício de Macedo Santos, ela terá comotema Desigualdade, diferença e políticas públicas para a educação, e deverá vira público em março de 2013. Diante da grande quantidade de desafios teóricos epolíticos com que nos deparamos cotidianamente no campo educacional, não foisimples definir o mote dessa seção temática. Qual assunto seria mais produtivopara o debate, a pesquisa e a prática pedagógica? Qual seria a opção editorialmais adequada para aglutinar artigos em torno de um eixo comum, de formaque os textos se enriquecessem no diálogo? Como delimitar o tema de formasuficientemente clara e, ao mesmo tempo, aberta aos mais diversos enfoques?

    Tudo nos indica que foi acertada a escolha da questão da igualdade no âmbito das lutaspelo direito à diversidade e pela ampliação da cidadania, debate que estáconstantemente presente nas páginas de Educação e Pesquisa. É exatamenteem torno de tal questão, por exemplo, que José Carlos Libâneo conclui o densoartigo com que abrimos o presente número da revista. Em O dualismo perversoda escola pública brasileira: escola do conhecimento para os ricos, escola doacolhimento social para os pobres, Libâneo convida-nos a uma aprofundadareflexão sobre os rumos da política educacional nas últimas décadas,concluindo que se trata de buscar responder ao desafio de construir, por umlado, uma escola que visa ao “domínio do saber sistematizado mediante o qualse promove o desenvolvimento de capacidades intelectuais, como condição deassegurar o direito à semelhança, à igualdade. Por outro, é preciso considerarque essa função primordial da escola – a formação cultural e científica –destina-se a sujeitos diferentes, já que a diferença não é uma excepcionalidadeda pessoa humana, mas condição concreta do ser humano e das situaçõeseducativas”.

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    Na sequência, o artigo  A educação básica na proposta da Confederação Nacional da Indústrianos anos 2000, de Alessandro de Melo, analisa o projeto educacional dosempresários brasileiros reunidos nessa entidade, trazendo à tona um plano depolítica educacional em muitos aspectos concretizado nas ações governamentaisdo período.

     As dimensões da diferença e da desigualdade marcam os dois próximos textos: O discurso curricularintercultural na educação de jovens e adultos e a produção de subjetividades , deRosângela Tenório de Carvalho; e Gênero e culturas infantis: os  clubinhos  daescola e as trocinhas do Bom Retiro, de Tânia Mara Cruz. Enquanto Carvalhoopõe-se às formas homogeneizadoras de currículo, analisando discursos sobreinterculturalidade no âmbito da educação de jovens e adultos, Cruz revela, pormeio do estudo etnográfico do recreio em uma escola de ensino fundamental, asmúltiplas elaborações das culturas infantis em torno das relações de gênero. Assituações observadas por Cruz em 2001 são comparadas a achados de FlorestanFernandes em seu estudo sobre brincadeiras infantis nas ruas de São Paulo durantea década de 1940.

    Questões éticas estão presentes em três artigos, a partir de diferentes abordagens. No texto  Lasinstituiciones educativas y la comunidade frente al maltrato infantil: umaexperiencia de investigación acción participativa, María Dilia Mieles Barrera,María Victoria Gaitán Espitia e Renán Cepeda Gaitán estudaram, em investigaçãoparticipativa, o maltrato infantil numa comunidade pobre da região caribenha daColômbia e indicam o papel das instituições educativas na proteção da infância. A perspectiva histórica marca o texto Faculdades da alma e suas implicações para a educação: saberes divulgados no século XIX , de Raquel Martins de Assis eJuliana de Souza Martins. As autoras investigaram, em um periódico editado nacidade mineira de Baependi, entre 1877 e 1899, as concepções veiculadas sobreeducação moral e estética, contribuindo para uma melhor compreensão da históriada psicologia no país, especialmente no que concerne à psicologia escolar. RenatoJosé de Oliveira, no artigo intitulado Contribuições da racionalidade argumentativa

     para a abordagem da ética na escola, procura apresentar um modelo alternativopara o trabalho com a ética na educação básica, em substituição ao modelodenominado como racionalidade demonstrativa.

    O trabalho cotidiano nas escolas é analisado nos artigos O desenvolvimento de competências ge-renciais nas escolas públicas estaduais, de Veronica Bezerra de Araújo Galvão, Anielson Barbosa da Silva e Walmir Rufino da Silva; Teoria e prática no curso de pedagogia, de Giseli Barreto da Cruz; Nacionalismo territorialista en textos esco-lares: representaciones de la Patagonia en la dictadura militar argentina (1966-1983), de Jesús Jaramillo; e Categorias metacognitivas como subsídio à prática

     pedagógica, de Evelise Maria Labatut Portilho e Simone A. Souza Dreher. O pri-meiro deles busca compreender o desenvolvimento de competências gerenciaisentre diretores de escolas públicas estaduais de uma capital do Nordeste brasileiro,destacando que, de acordo com as respostas dos diretores ao questionário utiliza-do, a educação formal teve pequeno impacto em tal processo, o qual teria decor-

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    rido principalmente de suas experiências profissionais e pessoais. E é exatamentea complexa relação entre teoria e prática nos cursos de pedagogia o objeto dereflexão de Cruz, que recorre a entrevistas com dezessete pedagogos consideradospela autora como primordiais por terem testemunhado e participado do processode implantação do curso no Brasil, posteriormente se destacando no campo aca-dêmico. Jaramillo, escrevendo a partir da província de Neuquén, na Argentina,coloca em primeiro plano a análise de livros didáticos, revelando como estes re-presentaram a região da Patagônia durante os períodos ditatoriais de 1966-1973e 1976-1983. Já no artigo de Portilho e Dreher, o foco recai sobre cada criançaem particular e seu processo de aprendizagem: valendo-se de pesquisa qualitativa junto a 396 alunos da 1ª série do ensino fundamental no Estado do Paraná, asautoras buscam conhecer as estratégias metacognitivas utilizadas por crianças emprocesso de alfabetização.

    O número encerra-se com um conjunto de textos que abordam, a partir de diferentes referenciaisteóricos, as questões metodológicas da pesquisa em educação. O fato de estaremdispostos em conjunto deve-se a uma preocupação em destacar a riqueza dasreflexões sobre metodologia presentes nos artigos espontaneamente enviados àrevista. Trata-se de um forte indicador do grau de amadurecimento da pesquisano campo educacional, ao revelar quanto os próprios pesquisadores estão atentosà discussão metodológica e preocupados em aprofundá-la paralelamente àrealização de suas investigações.

    Otaviano Helene, em Evolução da escolaridade esperada no Brasil ao longo do século XX , testadois diferentes procedimentos estatísticos para avaliar a escolaridade esperadano Brasil durante último século, articulando, de maneira ousada, históriae estatísticas educacionais. Rosimar Serena Siqueira Esquinsani, no textointitulado Entre percursos, fontes e sujeitos: pesquisa em educação e uso dahistória oral , revisita os resultados de pesquisa anteriormente realizada sobrea aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional   no  4.024, de1961, e reflete sobre os lugares sociais dos sujeitos que narram suas histórias.Já no artigo Concepções de validade em pesquisas qualitativas, Leila GiandoniOllaik e Henrique Moraes Ziller debatem os critérios de validade nas pesquisasqualitativas, não se restringindo ao campo educacional. Finalmente, Pesquisa emeducação: os movimentos sociais e a reconstrução epistemológica num contextode colonialidade , de Danilo Romeu Streck e Telmo Adams, reposiciona e iluminaas questões da construção de conhecimentos no campo educacional, buscandouma ação investigativa emancipadora na América Latina em consonância com oconceito de epistemologias do Sul.

    Como pode notar o leitor, trata-se de uma revista das mais representativas da produção educacionalem todo o país, com autorias provenientes de São Paulo, Santa Catarina, Paraná,Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambuco, Paraíba, Goiáse Distrito Federal, além dos países vizinhos  Colômbia, Chile e Argentina. Háautores vinculados a faculdades e centros do campo da educação, mas tambémdas áreas de física, administração, ciências sociais e psicologia. No conjunto, os

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    artigos reúnem ensaios e resultados de pesquisas qualitativas e quantitativas,em perspectiva micro e macro social, que lançam mão de instrumentos tão variados como a modelagem estatística, a pesquisa-ação, o questionário ou ashistórias de vida. Ainda, eles se apoiam em referenciais teóricos tão distintosquanto a perspectiva pós-colonial, a análise foucaultiana e a aprendizagem decompetências. Tal diversidade é motivo de orgulho para nós e reflete a política deabertura intelectual e de estímulo ao franco debate acadêmico que tem marcado alinha editorial de Educação e Pesquisa.

    Destacamos, por fim, que dois artigos encontram-se disponíveis também em inglês no site daSciELO: O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento

     para os ricos, escola do acolhimento social para os pobres e Pesquisa emeducação: os movimentos sociais e a reconstrução epistemológica num contextode colonialidade.

    Marília Pinto de Carvalho

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    13Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 1, p. 13-28, 2012.

    O dualismo perverso da escola pública brasileira: escolado conhecimento para os ricos, escola do acolhimento social

    para os pobres

    José Carlos LibâneoUniversidade Federal de Goiás 

    Resumo

    O texto aborda o agravamento da dualidade da escola pública brasileiraatual, caracterizada como uma escola do conhecimento para os ricos ecomo uma escola do acolhimento social para os pobres. Esse dualismo,perverso por reproduzir e manter desigualdades sociais, tem vínculosevidentes com as reformas educativas iniciadas na Inglaterra nos anos1980, no contexto das políticas neoliberais; mais especificamente,ele está em consonância com os acordos internacionais em torno domovimento Educação para Todos, cujo marco é a Conferência Mundialsobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, em1990, sob os auspícios do Banco Mundial, do Programa das NaçõesUnidas para o Desenvolvimento (PNUD), do Fundo das Nações Unidaspara a Infância (UNICEF) e da Organização das Nações Unidas para aEducação e Cultura (UNESCO). Com base em pesquisa bibliográfica,este estudo argumenta que a associação entre as políticas educacionaisdo Banco Mundial para os países em desenvolvimento e os traços daescola dualista representa substantivas explicações para o incessantedeclínio da escola pública brasileira nos últimos trinta anos. Ao finaldo texto, retoma-se a discussão sobre a necessidade de uma pautacomum dos educadores em torno dos objetivos e das funções da escolapública.

    Palavras-chave

    Políticas para a escola pública – Declínio da escola pública – ConferênciaMundial sobre Educação para Todos, de Jomtien – Educação e pobreza– Escola dualista.

    Correspondência:José Carlos LibâneoRua 13, no 36, ap. 901 - Setor OesteEdifício Palazzo Verona74120-060 – Goiânia/[email protected]

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    14 Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 1, p. 13-28, 2012.

    The perverse dualism of the Brazilian public school:

    school of knowledge for the rich, school of social care for the

    poor

    José Carlos LibâneoFederal University of Goiás 

     Abstract

    This paper addresses the aggravation of the duality of currentBrazilian public schools, characterized as a school of knowledge

     for the rich and a school of social care for the poor. Such dualism– which is perverse because it reproduces and maintains socialinequalities – has obvious links not only with the educationalreforms initiated in England in the 1980s, in the context of theneoliberal policies, but also and especially with the internationalagreements on the Education for All movement, whose markwas the  World Conference on Education for All held in Jomtien,Thailand in 1990, under the auspices of the World Bank, theUnited Nations Development Program (UNDP), the United NationsChildren’s Fund (UNICEF) and the United Nations Educational andCultural Organization (UNESCO). Based on bibliographic research,the text argues that the association between the educational policiesof the World Bank for developing countries and the features of thedualistic school offers substantive explanations for the unremittingdecline in the Brazilian public school system over the past 30 years.

     At the end, the text discusses again the objectives and functions of public schools.

    Keywords

     

    Policies for public school — Public school decline —  WorldConference on Education for All in Jomtien — Education and

     poverty — Dualistischool.

    Contact: José Carlos Libâneo Rua 13, n o  36, ap. 901 - Setor Oeste Edifício Palazzo Verona 74120-060 – Goiânia/GO [email protected] 

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    15Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 1, p. 13-28, 2012.

     A luta pela escola pública obrigatória egratuita para toda a população tem sido ban-deira constante entre os educadores brasileiros,sobressaindo-se temas sobre funções sociais epedagógicas, como a universalização do acessoe da permanência, o ensino e a educação dequalidade, o atendimento às diferenças sociaise culturais, e a formação para a cidadania crí-tica. Entretanto, têm-se observado, nas últi-mas décadas, contradições mal resolvidas entrequantidade e qualidade em relação ao direito àescola, entre aspectos pedagógicos e aspectossocioculturais, e entre uma visão de escola as-sentada no conhecimento e outra, em suas mis-sões sociais. Ressalta-se, também, a circulaçãode significados muito difusos para a expressãoqualidade de ensino, seja por razões ideológi-cas, seja pelo próprio significado que o sensocomum atribui ao termo, dependendo do focode análise pretendido: econômico, social, po-lítico, pedagógico etc. O próprio campo educa-cional, nos âmbitos institucional, intelectual eassociativo, está longe de obter um consensomínimo sobre os objetivos e as funções da es-cola pública na sociedade atual.

     As interrogações e os embates sobreos objetivos da escola básica, suas formas defuncionamento e a natureza de suas práticaspedagógicas têm alentado a produção cientí-fica em diferentes posições e enfoques teóri-cos em que, geralmente, predominam análisesde cunho político e sociológico. Neste texto,propõe-se uma análise predominantementepedagógica dos percalços da escola pública,ainda que amparada em análises sociopolí-ticas. A discussão visa destacar o impactonegativo, nos objetivos e nas formas de fun-cionamento interno das escolas, das políticaseducacionais de organismos internacionais,as quais se transformaram em  cartilhas noBrasil para a elaboração de planos de educa-ção do governo federal e de governos estadu-ais e municipais, afetando tanto as políticasde financiamento, quanto outras como as decurrículo, formação de professores, organiza-ção da escola, práticas de avaliação etc.

    O objetivo do texto é, assim, buscar liga-ções entre as proposições originariamente ema-nadas na Conferência Mundial sobre Educação

     para Todos, realizada em 1990, em Jomtien,Tailândia, e as políticas públicas para a educa-ção básica praticadas nestes vinte anos pelosgovernos brasileiros. A Conferência, que pro-duziu um documento histórico denominadoDeclaração Mundial da Conferência de Jomtien,foi a primeira dentre outras conferências reali-zadas nos anos seguintes em Salamanca1, NovaDelhi, Dakar etc., convocadas, organizadas epatrocinadas pelo Banco Mundial. No Brasil, oprimeiro documento oficial resultante da refe-rida Declaração e das demais conferências foi o Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003), elaborado no Governo Itamar Franco. Emseguida, seu conteúdo esteve presente nas po-líticas e diretrizes para a educação do GovernoFHC (1995-1998; 1999-2002) e do Governo Lula(2003-2006; 2007-2010), tais como: universali-zação do acesso escolar, financiamento e repas-se de recursos financeiros, descentralização dagestão, Parâmetros Curriculares Nacionais, en-sino a distância, sistema nacional de avaliação,políticas do livro didático,  Lei de Diretrizes eBases (Lei no 9.394/96), entre outras. A hipótesebásica a ser desenvolvida aqui é de que estes vinte anos de políticas educacionais no Brasil,elaboradas a partir da Declaração de Jomtien,selaram o destino da escola pública brasileira eseu declínio. A pesquisadora equatoriana RosaMaria Torres (1996) avaliza essa afirmaçãoquando se refere ao pacote do Banco Mundial:

    Sustentamos que o referido pacote e omodelo educativo subjacente à chamada“melhoria da qualidade da educação”,do modo como foi apresentado e vem sedesenvolvendo, ao invés de contribuir paraa mudança no sentido proposto – melhorara qualidade e a eficiência da educação e,

    1 - A Declaração de Salamanca trata da questão da educação inclusiva depessoas com necessidades especiais; seu titulo completo é Declaração de

    Salamanca sobre princípios, política e práticas na área das necessidadeseducativas especiais  (1994).

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    1616 José Carlos LIBÂNEO. O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento ...

    de maneira específica, os aprendizadosescolares na escola pública e entre os setoresmenos favorecidos - está, em boa medida,reforçando as tendências predominantesno sistema escolar e na ideologia que osustente, ou seja, as condições objetivas esubjetivas que contribuem para produzirineficiência, má qualidade e desigualdadeno sistema escolar. (p. 127)

     As análises apresentadas a seguiriniciam-se com a constatação da diversidade edos antagonismos de posições sobre os objetivose as funções da escola no Brasil na atualidadepara, em seguida, desvendar, nas políticasoficiais, um pensamento quase hegemônicosobre as funções da escola assentado naspolíticas educativas do Banco Mundial. Nasegunda parte, após uma caracterização daspropostas de escola, ressaltando seu dualismo,são apontadas possíveis saídas, visando aum consenso mínimo da sociedade sobre osobjetivos e as funções da escola pública.

    Dos desacordos sobre os

    objetivos e as funções da escola

    aos atrativos da Declaração

    Mundial de Jomtien 

    Tem sido constante, nos meios intelectuale institucional do campo da educação, aconstatação de um quadro sombrio da escolapública. No âmbito das análises externas, dadosestatísticos e pesquisas apontam sua deterioraçãoe ineficácia em relação a seus objetivos e formasde funcionamento. São reiteradas as demandaspela ampliação dos recursos financeiros paratodos os níveis e modalidades de ensino. Háum volume considerável de investigaçõessobre a situação dos salários e das condiçõesde trabalho e formação dos professores. Noâmbito das análises internas, presume-se umacrise do papel socializador da escola, já que elaconcorre com outras instâncias de socialização,como as mídias, o mercado cultural, o consumoe os grupos de referência. Outros estudos têm

    mostrado a crescente inquietude dos professoressobre como conseguir a motivação dos alunosou como conter atos de indisciplina. Combastante frequência, seja devido aos desacordosentre educadores, legisladores e pesquisadoresem relação aos objetivos e às funções da escola,seja pela atração exercida pelas orientaçõesdos organismos internacionais, muitas dasmedidas adotadas pelas políticas oficiais para aeducação e o ensino têm o aspecto de soluçõesevasivas para os problemas educacionais. Taissoluções estariam baseadas na ideia de que,para melhorar a educação, bastaria proverinsumos que, atuando em conjunto, incidiriampositivamente na aprendizagem dos alunos (porexemplo, os ciclos de escolarização, a escolade tempo integral, a progressão continuada,a gratificação financeira a professores, aprogressão continuada e, recentemente, aimplantação do Exame Nacional de Ingressona Carreira Docente ), deixando de considerarfatores intraescolares que mais diretamenteestariam afetando a qualidade da aprendizagemescolar (LIBÂNEO, 2006).

    Em face desses problemas, circula nomeio educacional uma variedade de propostassobre as funções da escola, propostas estasfrequentemente antagônicas, indo desde as quepedem o retorno da escola  tradicional , até asque preferem que ela cumpra missões sociais eassistenciais. Ambas as posições explicitariamtendências polarizadas, indicando o dualismoda escola brasileira em que, num extremo,estaria a escola assentada no conhecimento,na aprendizagem e nas tecnologias, voltadaaos filhos dos ricos, e, em outro, a escola doacolhimento social, da integração social, voltada aos pobres e dedicada, primordialmente,a missões sociais de assistência e apoio àscrianças. António Nóvoa (2009) pontua comclareza esses dois tipos de escola.

    Um dos grandes perigos dos tempos atuaisé uma escola a “duas velocidades”: por umlado, uma escola concebida essencialmentecomo um centro de acolhimento social,

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    para os pobres, com uma forte retóricada cidadania e da participação. Por outrolado, uma escola claramente centrada naaprendizagem e nas tecnologias, destinadaa formar os filhos dos ricos. (p. 64)

    Nas considerações a seguir, busca-sedemonstrar que a escola para o acolhimentosocial tem sua origem na Declaração Mundialsobre Educação para Todos, de 1990, e emoutros documentos produzidos sob o patrocíniodo Banco Mundial, nos quais é recorrente odiagnóstico de que a escola tradicional estárestrita a espaços e tempos precisos, sendoincapaz de adaptar-se a novos contextose a diferentes momentos e de oferecer umconhecimento para toda a vida, operacionale prático. Além disso, o insucesso da escolatradicional decorreria de seu modo de funcionar,pois ela está organizada com base em conteúdoslivrescos, exames e provas, reprovações erelações autoritárias. Busca-se, então, outrotipo de escola, abrindo espaços e tempos que venham atender às necessidades básicas deaprendizagem (reduzidas, como veremos adiante, a necessidades mínimas), tomadascomo eixo do desenvolvimento humano. Nessaperspectiva, a escola se caracterizará como lugarde ações socioeducativas mais amplas, visandoao atendimento das diferenças individuais esociais e à integração social. Com apoio empremissas pedagógicas humanitárias, concebeu-se uma escola que primasse, antes de tudo, pelaconsideração das diferenças psicológicas deritmo de aprendizagem e das diferenças sociaise culturais, pela flexibilização das práticas deavaliação escolar e pelo clima de convivência –tudo em nome da intitulada educação inclusiva.Marília Gouvea de Miranda (2005) assinala aprincipal mudança na educação de massas emdecorrência das reformas educativas neoliberaisiniciadas por volta de 1980. Segundo ela,

    [...] a escola constituída sob o princípiodo conhecimento estaria dando lugar auma escola orientada pelo princípio da

    socialidade. O termo “socialidade” estásendo adotado aqui para ressaltar quea escola organizada em ciclos se situacomo um tempo/espaço destinado àconvivência dos alunos, à experiência dasocialidade, distinguindo-se dos conceitosde socialização e de desenvolvimento dasociabilidade tratados pela sociologia epsicologia. (p. 641)

     Assim, não se trata mais de manteraquela velha escola assentada no conhecimento,isto é, no domínio dos conteúdos, mas deconceber uma escola que valorizará formas deorganização das relações humanas nas quaisprevaleçam a integração social, a convivênciaentre diferentes, o compartilhamento deculturas, o encontro e a solidariedade entre aspessoas. Em texto de 2004, José Carlos Libâneoassociava o sistema de ciclos a uma escolaidentificada mais como “lugar de encontro ecompartilhamento entre as pessoas em que [...]sejam acolhidos seus ritmos, suas diferenças”(p. 19) do que como espaço propiciador decondições para o desenvolvimento cognitivo,afetivo e moral dos alunos.

     A concepção de uma escola para a in-tegração social, segundo nos parece, tem suaorigem na mencionada  Declaração Mundialsobre Educação para Todos, de 1990. Lido semintenção crítica e sem a necessária contextua-lização, esse documento apresenta um conte-údo muito atraente, chegando a surpreendero leitor por suas intenções humanistas e de-mocratizantes. Considere-se, por exemplo, oartigo 1º – Satisfazer as necessidades básicasde aprendizagem:

    Cada pessoa – criança, jovem ou adulto –deve estar em condições de aproveitar asoportunidades educativas voltadas parasatisfazer suas necessidades básicas deaprendizagem. Essas necessidades com-preendem tanto os instrumentos essen-ciais para a aprendizagem (como a leiturae a escrita, a expressão oral, o cálculo, a

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    1818 José Carlos LIBÂNEO. O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento ...

    solução de problemas), quanto os conteú-dos básicos da aprendizagem (como conhe-cimentos, habilidades, valores e atitudes),necessários para que os seres humanospossam sobreviver, desenvolver plenamen-te suas potencialidades, viver e trabalharcom dignidade, participar plenamente dodesenvolvimento, melhorar a qualidadede vida, tomar decisões fundamentadas econtinuar aprendendo. (WCEFA, 1990)

    Nos tópicos seguintes da Declaração,são definidas estratégias bastante aceitáveis nadireção de uma educação para todos: a) satisfazeras necessidades básicas de aprendizagem paratodos; b) universalizar o acesso à educaçãobásica2  como base para a aprendizagem eo desenvolvimento humano permanentes;b) concentrar a atenção na aprendizagemnecessária à sobrevivência; c) ampliar os meiose o raio de ação da educação básica; d) propiciarum ambiente adequado à aprendizagem; e)fortalecer alianças (autoridades públicas,professores, órgãos educacionais e demais órgãosde governo, organizações governamentais e nãogovernamentais, setor privado, comunidadeslocais, grupos religiosos, famílias).

    Tão boas intenções parecem, à primeira vista, compatíveis com uma desejada visãodemocrática da escola para todos e até comuma visão renovada das políticas educativas.No entanto, esses conceitos necessitam serexaminados com base nas políticas globaisdefinidas pelos organismos internacionais paraos países pobres (BIRD, PNUD, BID, UNESCO,UNICEF), de modo a obter o significadocontextualizado de tais termos. São muitos osestudos relacionados a esse tema (entre outros,TORRES, 1996, 2001; DE TOMMASI; WARDE;HADDAD, 1996; MACHADO, 2000; GADOTTI,2000; ALTMANN, 2002; FRIGOTTO; CIAVATTA,2003; MARTINEZ BOOM, 2004; LAVAL, 2004; ANTUNES, 2004; FALLEIROS, 2005; ALGEBAILE,2009; NÓVOA, 2009). No entanto, a análise

    2 - O termo educação básica deve ser lido como educação fundamental,ensino fundamental, ou seja, o nível mais elementar de ensino.

    a seguir recorrerá mais frequentemente a trêsautores: Rosa Maria Torres, José Luis Corraggioe Alberto Martínez Boom.

    Torres (2001) esclarece em seu texto que,ao longo das avaliações e revisões da Declaraçãoem conferências e reuniões subsequentes entreos organismos internacionais e os paísesenvolvidos, a proposta original foi encolhida,e foi essa versão que acabou prevalecendo,com variações em cada país, na formulação daspolíticas educacionais. Tal encolhimento deu-separa adequar-se à visão economicista do BancoMundial, o patrocinador das conferênciasmundiais. Desse modo, a visão ampliada deeducação converteu-se em uma visão encolhida,ou seja: a) de   educação para todos,  paraeducação dos mais pobres; b) de  necessidades básicas,  para necessidades  mínimas; c) da atenção à aprendizagem,  para a melhoria e aavaliação dos resultados do rendimento escolar;d) da melhoria das condições de aprendizagem,  para  a melhoria das condições internas dainstituição escolar (organização escolar) (p. 29).

    Numa análise pedagógica dessasestratégias, verifica-se, tal como alertaTorres (2001), que as necessidades básicas deaprendizagem transformaram-se num “pacoterestrito e elementar de destrezas úteis para asobrevivência e para as necessidades imediatase mais elementares das pessoas” (p. 40), bempróximas da ideia de que o papel da escolaé prover conhecimentos ligados à realidadeimediata do aluno, utilizáveis na vida prática(como acreditam, também, algumas concepçõesmais simplistas da ligação do ensino à vidacotidiana). Em síntese, a aprendizagemtransforma-se numa mera necessidade natural,numa visão instrumental desprovida de seucaráter cognitivo, desvinculada do acesso aformas superiores de pensamento.

    Coraggio (1996) mostra que as políticassociais do Banco Mundial visam ao investimentono desenvolvimento das pessoas, “garantindoque todos tenham acesso a um mínimo deeducação, saúde, alimentação, saneamento”(p. 77), de modo a assegurar políticas de ajuste

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    19Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 1, p. 13-28, 2012.

    estrutural que vão liberar as forças do mercadoe acabar com a cultura de direitos universais abens e serviços básicos garantidos pelo Estado.Ou seja, as políticas sociais são elaboradas parainstrumentalizar a política econômica, “emcontradição com os objetivos declarados” (p.79). Escreve o autor:

    O modo economicista com que se usaessa teoria (da análise econômica) paraderivar recomendações, contribui paraintrojetar e institucionalizar os valores domercado capitalista na esfera da cultura,o que vai muito além de um simplescálculo econômico para comparar custose benefícios das diversas alternativasgeradas do ponto de vista social oupolítico. (p. 95)

     As análises de Torres e de Coraggioexplicam a versão encolhida  da Declaração de

     Jomtien  adotada por boa parte dos países em vias de desenvolvimento. Têm-se, assim, traçosbásicos das políticas para a educação do BancoMundial: a) reducionismo economicista, ou seja,definição de políticas e estratégias baseadasna análise econômica; b) o desenvolvimentosocioeconômico necessita da redução da pobrezano mundo, por meio da prestação de serviçosbásicos aos pobres (saúde, educação, segurançaetc.) como condição para torná-los mais aptosa participarem desse desenvolvimento; c)a educação escolar reduz-se a objetivos deaprendizagem observáveis, mediante formulaçãode padrões de rendimento (expressos emcompetências) como critérios da avaliaçãoem escala; d) flexibilização no planejamentoe na execução para os sistemas de ensino,mas centralização das formas de aplicaçãodas avaliações (cujos resultados acabam portransformarem-se em mecanismos de controledo trabalho das escolas e dos professores).

    Também Martínez Boom (2004)apresenta uma interpretação dos conceitos denecessidades básicas de aprendizagem e dedesenvolvimento humano. Segundo ele, na

    orientação dos ideólogos do Banco Mundial,a satisfação das necessidades básicas deaprendizagem conduz ao desenvolvimentohumano, cujos índices são aferidos peloÍndice de Desenvolvimento Humano (IDH).Na Declaração de Jomtien, o conceito deaprendizagem refere-se à aquisição decapacidades, atitudes e comportamentosnecessários à vida, nos quais se “incluemleitura, escrita, cálculo, técnicas, valores aatitudes que necessitam os seres humanospara sobreviver” (p. 222). Além disso, o autorafirma que “a educação básica deve centrar-se nas aquisições e nos resultados efetivos daaprendizagem” (p. 222), antecipando a ideia deavaliação em escala com base em competênciasmínimas estabelecidas pelo sistema de ensinoe num processo permanente de avaliação. Asnecessidades básicas de aprendizagem seriama chave para concretizar a visão ampliada deeducação, instituindo um novo objetivo paraa educação mundial, distinto das formulaçõesconvencionais e inadequadas da pedagogiae da didática, em que o ensino se restringea ações de apoio, reduzindo drasticamenteo papel do professor na formação cognitivados alunos. O conceito de desenvolvimentohumano converte-se, assim, numa categoriaessencial para as formulações das agênciasinternacionais. Ainda segundo MartínezBoom (2004):

     A idéia do Desenvolvimento Humano émais exeqüível aos indivíduos e não ex-clusivamente à sociedade e, neste senti-do, já não se trata da ênfase no desen- volvimento econômico em geral mas nodesenvolvimento dos indivíduos em quecada um se reconhece como portador deum desenvolvimento, como propriedadeintrínseca do individuo. [...]. O foco daspolíticas sociais deve ser o ser humanocomo recurso mais importante, pois setrata de sujeito que deseja e consome,portanto suscetível de ingressar no mer-cado. (p. 220)

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    2020 José Carlos LIBÂNEO. O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento ...

    Eis, então, que o conceito de aprendiza-gem como necessidade natural, como incorpora-ção de competências mínimas para sobrevivênciasocial, torna-se pré-requisito para o desenvolvi-mento humano e social. Afirma o autor:

    Este novo paradigma se sustenta em uma visão “realista”, ou melhor, economicista,da educação, apresentada como necessida-de “natural” que responde a leis definidasa partir da biologia e que deve, em con-seqüência, ser satisfeita, como a fome e oabrigo. Em outras palavras, ao apresentara educação como necessidade, fica reduzi-da a uma simples pulsão natural, perdendoseu caráter de acontecimento cultural emque intervém o pensamento, a linguagem,a inteligência, os saberes. A educação deixade ser, assim, um assunto da cultura paraser um serviço desprovido de política e dehistória, reduzindo seu papel à aquisição decompetências de aprendizagem. (p. 227)

    Tal análise mostra que foi precisamentea ideia do protagonismo da aprendizagem e adesvalorização do ensino que tomaram contadas concepções de escola de muitos educado-res, não apenas os dirigentes de órgãos públi-cos, mas também vários segmentos da intelec-tualidade do campo da educação. Dessa forma,a política do Banco Mundial para as escolasde países pobres assume duas características

     pedagógicas: atendimento a necessidades mí-nimas de aprendizagem e espaço de convivên-cia e acolhimento social. Com isso, produz-se,nos sistemas de ensino, o que Nóvoa (2009)chamou de transbordamento de objetivos, emque os objetivos assistenciais se sobrepõemaos objetivos de aprendizagem. Conclui-se, as-sim, que a escola passa a assumir as seguintescaracterísticas: a) conteúdos de aprendizagementendidos como competências e habilidadesmínimas  para a sobrevivência e o trabalho(como um kit  de habilidades para a vida); b)avaliação do rendimento escolar por meio deindicadores de caráter quantitativo, ou seja,

    independentemente de processos de aprendi-zagem e formas de aprender; c) aprendizagemde valores e atitudes requeridos pela novacidadania (ênfase na sociabilidade pela vi- vência de ideais de solidariedade e participa-ção no cotidiano escolar).

    Destaca-se, nesse terceiro item, o papelsocializador da escola mediante a promoçãoda equidade social, o respeito às diferenças e asolidariedade com o próximo. Mas Ialê Falleiros(2005) mostra a verdadeira tarefa da escola na visão das agências financeiras internacionais:

    ensinar as futuras gerações a exercer umacidadania de ‘qualidade nova’, a partir daqual o espírito de competitividade seja de-senvolvido em paralelo ao espírito de so-lidariedade. Assim, ocorre uma renúncia,uma negação da expectativa de divisão declasses e há um ajustamento para uma ati-tude ‘cidadã’ que diminua as diferenças ea miséria, incutindo uma noção de solida-riedade e amenização das lutas de classese diferenças raciais, sociais, culturais, entretantas outras. (p. 211)

    O novo paradigma supõe, também, umnovo papel do professor , ou seja, da mesmaforma que, para os alunos, oferece-se um kit  de habilidades para sobrevivência, oferece-se ao professor um kit   de sobrevivênciadocente (treinamento em métodos e técnicas,uso de livro didático, formação pela EaD). Aposição do Banco Mundial é pela formaçãoaligeirada de um professor tarefeiro, visandobaixar os custos do pacote formação/capacitação/salário.

    O que as políticas educacionais pós--Jomtien promovidas e mantidas pelo BancoMundial escondem, portanto, é o que diver-sos pesquisadores chamaram de educação

     para a reestruturação capitalista, ou educa-ção para a sociabilidade capitalista. As aná-lises mais críticas dessas reformas educacio-nais são unânimes em afirmar que o pacotede reformas imposto aos países pobres gerou

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    um verdadeiro pensamento único no campodas políticas educacionais, incluindo gover-nos populares como o brasileiro, conforme se verá a seguir.

    Brasil, vinte anos de políticas

    educativas do Banco Mundial: o

    pensamento hegemônico oficial sobre as

     funções da escola

    Os problemas da escola pública brasileiranão são novos, mas há décadas desafiam órgãospúblicos, pesquisadores nas áreas das ciênciashumanas e sociais, movimentos sociais ligadosà educação e sindicatos. No entanto, nosúltimos anos, também no Brasil os discursossobre as funções da escola vêm manifestandoum raciocínio reiterativo, a saber: o insucessoda escola pública deve-se ao fato de ela sertradicional , estar baseada no conteúdo, serautoritária e, com isso, constituir-se como umaescola que reprova, exclui os mal-sucedidos,discrimina os pobres, leva ao abandono daescola e à resistência violenta dos alunos etc. Talcomo aparece nos documentos dos organismosinternacionais, é preciso um novo modelo deescola, novas práticas de funcionamento.

    Os anos 1990 demarcam a chegadaefetiva do neoliberalismo no Brasil, coincidindocom os primeiros ensaios da reforma educativabrasileira surgidos já no Governo ItamarFranco, quando foi elaborado o Plano Decenalde Educação para Todos  (1993-2003), que épraticamente uma reprodução da Declaração de

     Jomtien. Eis o que registra o Plano Decenal  emrelação aos objetivos da educação básica:

     A – Objetivos gerais de desenvolvimentoda Educação Básica:1 - Satisfazer as necessidades básicas deaprendizagem das crianças, jovens e adul-tos, provendo-lhes as competências funda-mentais requeridas para plena participaçãona vida econômica, social, política e cultu-ral do País, especialmente as necessidadesdo mundo do trabalho:

    a) definindo padrões de aprendizagem aserem alcançados nos vários ciclos, etapase/ou séries da educação básica e garantin-do oportunidades a todos de aquisição deconteúdos c competências básicas:- no domínio cognitivo: incluindo habili-dades de comunicação e expressão oral eescrita, de cálculo e raciocínio lógico, esti-mulando a criatividade, a capacidade deci-sória, habilidade na identificação e soluçãode problemas e, em especial, de saber comoaprender;- no domínio da sociabilidade: pelo desen- volvimento de atitudes responsáveis, deautodeterminação, de senso de respeito aopróximo e de domínio ético nas relaçõesinterpessoais e grupais. (BRASIL, 1993)

    Observe-se a consonância com os prin-cípios e estratégias inscritos na Declaraçãode Jomtien. É notória a assunção do papelda escola como atendimento de necessida-des mínimas de aprendizagem e de espaço deconvivência e acolhimento social. A propos-ta economicista e tecnicista do Plano Decenal  ganhou mais concretude durante o GovernoFHC, quando foi implantada a maior parte dasmedidas vinculadas à reforma educacional doperíodo em questão, inclusive os ParâmetrosCurriculares Nacionais.

     Além das novas orientações curri-culares, outras medidas foram implantadasdesde 1990, estando, de alguma forma, rela-cionadas às orientações do Banco Mundial;alguns exemplos são o Fundo de Manutençãoe Desenvolvimento do Ensino Fundamental(Fundef), depois Fundo de Manutenção eDesenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação(Fundeb), a avaliação em escala do sistema deensino, os ciclos de escolarização, a políticado livro didático, a inclusão de pessoas comdeficiências em escolas regulares e a escolafundamental de nove anos (LIBÂNEO, 2006). É verdade que parte dessas medidas ligadas à reor-ganização das estruturas de funcionamento das

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    2222 José Carlos LIBÂNEO. O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento ...

    escolas não se originou diretamente das reco-mendações do Banco Mundial. Diversos estudosrealizados entre nós sobre os ciclos de escolari-zação, por exemplo, mostram que temas comoprogressão continuada e promoção automáticaeram discutidos no Brasil desde os anos 1950 eque, entre os anos 1960 e 1970, vários Estadosbrasileiros introduziram inovações associadasao regime de ciclos escolares até chegarem àorganização dos ciclos propriamente ditos noinício dos anos 1990 (BARRETTO; MITRULIS,2001; DALBEN, 2000; ARROYO, 1999; FREITAS,2003; MAINARDES, 2006, entre outros). Noentanto, há razões para ligar a introdução dosistema de ciclos às políticas educacionais deatendimento à pobreza. Elba Siqueira de SáBarretto e Eleny Mitrulis (2001) mencionam queas iniciativas de adoção dos ciclos escolares por volta dos anos 1980, inspiradas no sistema deavanços progressivos adotado nas escolas bási-cas dos Estados Unidos e da Inglaterra, tinhampropósitos explícitos de promoção social de to-dos os indivíduos.

    Nesses países a progressão escolar nos gru-pos de idade homogênea foi historicamenteconsiderada, antes de tudo, como uma pro-gressão social a que todos os indivíduos,indiscriminadamente, tinham direito me-diante a freqüência às aulas, independen-temente das diferenças de aproveitamen-to que apresentassem. Nessa concepção afunção social da escola sobreleva a suafunção escolar propriamente dita. (p. 30)

     As autoras observam que, por ocasiãoda reforma educativa na Inglaterra, nos anos1990, a alunos com dificuldades escolares,geralmente de origem popular, eram ofere-cidas tarefas escolares menos desafiadoras,subestimando-se sua capacidade de progredirintelectualmente.

    Desse modo, o aluno pode ser relegado, pelopróprio aparato institucional, a um ensinomais pobre, que lhe cerceia posteriormente

    o acesso a uma trajetória escolar de maiorprestígio escolar e social. (p. 35)  Analisando uma proposta brasileira de

    1994 de implantação de ciclos de formação,em que se privilegia a função social da escola,a socialização e o desenvolvimento pleno doeducando, Barretto e Mitulis (2001) escrevem:

     À dimensão cognitiva agregaram-se a so-cial, a afetiva, a atitudinal [...]. A lógicados conteúdos cedeu lugar a uma lógicade formação do aluno a partir de experi-ências educativas, em que se articulavamconhecimentos já adquiridos por vivênciaspessoais, conhecimentos provenientes dosdiferentes campos do saber e temas de re-levância social, em um processo de con-textualização e integração que visava aodesenvolvimento de individualidades ca-pazes de pensamento crítico e autonomiaintelectual. (p. 35)

    Há razões, assim, para crer que aDeclaração Mundial sobre Educação para Todos confirmou tendências anteriores ao enfatizar,como função social específica da escola, a so-cialização e a convivência social, colocandoem segundo plano a aprendizagem dos con-teúdos. As ações organizacionais e curricula-res nessa direção, desde 1990, foram absorvi-das quase que integralmente nos oito anos doGoverno Lula, incluindo-se ainda outras for-muladas nesse mesmo governo, como o Planode Desenvolvimento da Educação (PDE), a con-solidação da formação de professores a dis-tância, o Plano de Metas Compromisso Todos

     pela Educação, o aprimoramento das avalia-ções em escala do ensino fundamental e supe-rior (Sistema de Avaliação da Educação Básica– SAEB, Provinha Brasil, Exame Nacional deDesempenho de Estudantes – ENAD), e, re-centemente, o Exame Nacional de Ingresso naCarreira Docente – ENICD.

     As pesquisas que analisam criticamentetais políticas adotam, em geral, uma perspectiva

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    sociopolítica em que se denuncia seu carátereconomicista e pragmático, estando ausentesanálises do ponto de vista pedagógico-didático,ou seja, análises sobre como essas políticasinduzem objetivos para a escola e concepçõesde ensino e aprendizagem, com repercussõesnas práticas de gestão pedagógica e curriculare nas formas de trabalho dos professores nasala de aula. No entanto, as consequências nofuncionamento interno das escolas são visíveis,como se verá a seguir.

     A escola que sobrou para os

    pobres

    Constata-se, assim, que, com apoio empremissas pedagógicas humanistas por trás dasquais estão critérios econômicos, formulou-seuma escola de respeito às diferenças sociais eculturais, às diferenças psicológicas de ritmo deaprendizagem, de flexibilização das práticas deavaliação escolar – tudo em nome da educaçãoinclusiva. Não é que tais aspectos não devessemser considerados; o problema está na distorçãodos objetivos da escola, ou seja, a função desocialização passa a ter apenas o sentido deconvivência, de compartilhamento cultural, depráticas de valores sociais, em detrimento doacesso à cultura e à ciência acumuladas pelahumanidade. Não por acaso, o termo igualdade  (direitos iguais para todos) é substituído porequidade  (direitos subordinados à diferença).

    Bernard Charlot (2005) é incisivo aorejeitar a educação pensada e organizada,prioritariamente, em uma lógica econômicae de preparação ao mercado de trabalho.Segundo ele, a visão de educação impostapor organismos internacionais produz oocultamento da dimensão cultural e humanada educação, à medida que se dissolve arelação entre o direito das crianças e jovensde serem diferentes culturalmente e, ao mesmotempo, semelhantes em termos de dignidade ereconhecimento humano. Ele conclui: “Dessemodo, a redução da educação ao estatuto demercadoria resultante do neoliberalismo ameaça

    o homem em seu universalismo humano, em suadiferença cultural e em sua construção comosujeito” (p. 143). Com isso, Charlot ressalta,aumentam os índices de escolaridade, mas seagravam as desigualdades sociais de acesso aosaber, pois à escola pública é atribuída a função deincluir populações excluídas ou marginalizadaspela lógica neoliberal, sem que os governos lhedisponibilizem investimentos suficientes, bonsprofessores e inovações pedagógicas. Eis asconsequências dessa política:

    os jovens são cada vez mais escolarizadosem instituições diferentes, dependendo dostatus econômico de seus pais. Constata-se,assim, o estabelecimento de redes educacio-nais cada vez mais diferenciadas e hierarqui-zadas. Nessas redes, a escola pública deveacolher as populações mais frágeis. Comisso, à escolarização de base [...] perseguidapor muito tempo, segue-se um fracasso emmassa dos alunos, com iletrismo, abandonosrepetências, etc. (p. 144)

     Assim, a escola que sobrou paraos pobres, caracterizada por suas missõesassistencial e acolhedora (incluídas na expressãoeducação inclusiva), transforma-se em umacaricatura de inclusão social. As políticas deuniversalização do acesso acabam em prejuízoda qualidade do ensino, pois, enquanto seapregoam índices de acesso à escola, agravam-se as desigualdades sociais do acesso ao saber,inclusive dentro da escola, devido ao impactodos fatores intraescolares na aprendizagem.Ocorre uma inversão das funções da escola:o direito ao conhecimento e à aprendizagemé substituído pelas aprendizagens mínimas para a sobrevivência. Isso pode explicar odescaso com os salários e com a formação deprofessores: para uma escola que requer apenasnecessidades mínimas de aprendizagem, bastaum professor que apreenda um kit  de técnicasde sobrevivência docente (agora acompanhadodos  pacotes  de livros didáticos dos chamadossistemas de ensino).

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    2424 José Carlos LIBÂNEO. O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento ...

     As reformas educativas jogaram todo opeso das supostas inovações escolares para aredução da pobreza em medidas externas, comoa organização curricular, a gestão, a avaliaçãoem escala, os sistemas de premiação de escolase professores etc., deixando de investir nasações pedagógicas no interior da escola paraum enfrentamento pedagógico-didático dosmecanismos de seletividade e exclusão. Éinevitável, aqui, constatar o fracasso dos cursosde formação de professores para os anos iniciaisdo ensino fundamental (LIBÂNEO, 2010b).

    Eis que as vítimas dessas políticas,aparentemente humanistas, são os alunos,os pobres, as famílias marginalizadas, osprofessores. O que lhes foi oferecido foi umaescola sem conteúdo e com um arremedo deacolhimento social e socialização, inclusive naescola de tempo integral. O que se anuncioucomo novo padrão de qualidade   transformou-se num arremedo de qualidade, pois escondemecanismos internos de exclusão ao longo doprocesso de escolarização, antecipadores daexclusão na vida social.

    Uma aposta: uma escola que articule

    a formação cultural e científica com

    as práticas socioculturais em que se

    manifestam diferenças, valores e formas

    de conhecimento local e cotidiano

     A luta política e profissional pelasconquistas sociais – entre elas, o ensinopúblico – é um dever ético dos educadores.Por isso, uma visão assertiva sobre a escola eo ensino assentada nas necessidades humanasbásicas e nos direitos humanos e sociais nãopode contentar-se apenas com a crítica. Sãonecessárias teorias sólidas, acompanhadas deinstrumentalidades a serem postas em prática.Escreve Potyara Pereira (2000):

    Sem a existência de referências teórico--conceituais alternativas, coerentes e con-sistentes, dificilmente se consegue contra--arrestar a “retórica da intransigência” do

    pensamento reacionário de que nos falaHirschman, que rotula de fútil, ameaçadoraou defasada toda e qualquer intenção pro-gressista de sobrepor às aspirações desme-didas do mercado as necessidades huma-nas. Dificilmente, também, se desmontamos argumentos, aparentemente corretos, deneoliberais e neoconservadores, de que émais democrático e justo atender a deman-das e preferências individuais através domercado, do que necessidades sociais pormeio de instituições coletivas, incluindo oEstado como garantia de direitos. (p. 183)

    Em estudos recentes, Libâneo (2006,2010a) vem discutindo duas orientações peda-gógicas no campo progressista da educação emrelação a objetivos e formas de organização daspráticas educativas escolares. Uma delas atri-bui prevalência à formação cultural e científica,em que se valoriza o domínio, pelos alunos, dossaberes sistematizados como base para o desen- volvimento cognitivo e a formação da persona-lidade, por meio da atividade de aprendizagemsocialmente mediada. As teorias da formaçãocultural e científica abrangem as pedagogias vol-tadas para a formação do pensamento conceituale para o desenvolvimento mental, entre elas, apedagogia histórico-cultural formulada por Lev Vygotsky e seus seguidores. A outra orientação valoriza experiências socioculturais vividas emsituações educativas (cultivo da diversidade,práticas de compartilhamento sociocultural, ên-fase no cotidiano etc.), obviamente com objeti- vos formativos. Teorias ligadas a essa orientaçãoincluem, ao menos, algumas orientações teóri-cas do movimento mundial da educação nova,o movimento Educação para Todos (Declaraçãode Jomtien), a pedagogia de Paulo Freire, as te-orias do cotidiano e das redes de conhecimentoe a teoria curricular crítica. As duas abordagensbuscam objetivos formativos em torno de umamesma questão: o que se espera que a escolafaça para formar cidadãos educados e críticos,aptos a participar da vida em sociedade, e comofazer isso. Os projetos pedagógicos de ambas,

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    25Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 1, p. 13-28, 2012.

    no entanto, são distintos e disputam as prefe-rências de intelectuais no campo investigativo ede dirigentes de sistemas educacionais no cam-po institucional, determinando diferentes esco-lhas em relação às funções da escola e às suasformas de funcionamento pedagógico-didáticoe organizacional.

    Será possível conciliar posições relativis-tas em que os valores e práticas são produtossocioculturais e, portanto, decorrentes do modode pensar e agir de grupos sociais particulares,com a exigência social  de prover a cultura geral,acessível a todos, independentemente de con-textos particulares? A aposta que se faz aqui éde que possíveis acordos em torno de propósitoseducativos e meios de ação pedagógica impli-cam admitir, como princípio, a universalidadeda cultura escolar. À escola caberia assegurar, atodos, em função da formação geral, os saberespúblicos que apresentam um valor, independen-temente de circunstâncias e interesses particu-lares; junto a isso, caberia a ela considerar acoexistência das diferenças e a interação entreindivíduos de identidades culturais distintas, in-corporando, nas práticas de ensino, as práticassocioculturais. Desse ponto de partida, surgiriauma pauta comum de ação em torno da funçãonuclear da escola: assegurar a qualidade e a efi-cácia dos processos de ensino e aprendizagemna promoção dos melhores resultados de apren-dizagem dos alunos. Para isso, os legisladores,planejadores e gestores do sistema escolar, bemcomo os pesquisadores do campo educacional,precisariam prestar mais atenção, também, aosaspectos pedagógico-didáticos da qualidadede ensino, isto é, aos fatores intraescolares daaprendizagem escolar em que estão implicadosos professores e pedagogos especialistas.

    Considerações finais

    O texto teve o propósito de apanhar, nosestudos consultados, pistas de que as políticaseducacionais brasileiras dos últimos vinte anospautaram-se no princípio da satisfação de ne-cessidades mínimas de aprendizagem com vis-

    tas à promoção do desenvolvimento humano,em consonância com o conjunto das políticassociais formuladas pelas agências interna-cionais para a redução da pobreza. Conformeanunciado, o que se produziu foi uma análisepedagógica das políticas do Banco Mundial, deforma a identificar os objetivos e as funçõespretendidas para a escola em relação ao ensinoe à aprendizagem. Constatou-se que o conceitode aprendizagem difundido nas reformas edu-cativas neoliberais foi o de sua conotação ins-trumental. Com efeito, os documentos revelamuma visão ao mesmo tempo restrita e ampliadade aprendizagem expressa nesta assertiva:

    cada pessoa – criança, jovem ou adulto – de- verá aproveitar as oportunidades educativasdestinadas a satisfazer suas necessidades bá-sicas de aprendizagem (WCEFA, 1990).

      Uma visão restrita,  pois, ao longo dodocumento, a noção de aprendizagem vai-sefirmando em torno da ideia de aprendizagensmínimas, como aquisição de competências bá-sicas para a sobrevivência social; visão amplia-da, no sentido de não se restringir à aprendiza-gem escolar e cognitiva, abrindo-se para outrosespaços e tempos, inclusive para vivências deacolhimento da diversidade e para uma apren-dizagem ao longo da vida (no sentido de umaeducação permanente). Por um lado, a noçãomais restrita confina a aprendizagem numamera necessidade natural, desprovida de seucaráter cultural e cognitivo; por outro, a noçãoampliada dissolve o papel do ensino, destituin-do a possibilidade de desenvolvimento plenodos indivíduos, já que crianças e jovens acabamobrigados a aceitar escolas enfraquecidas, umensino reduzido às noções mínimas, professo-res mal preparados, mal pagos, humilhados edesiludidos.

    Diferentemente dessa concepção deescola e de aprendizagem, a teoria histórico-cultural, a partir das contribuições de Vygotskye de seus seguidores, postula que o papel daescola é prover aos alunos a apropriação da

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    cultura e da ciência acumuladas historicamente,como condição para seu desenvolvimentocognitivo, afetivo e moral, e torná-los aptosà reorganização crítica de tal cultura. Nessacondição, a escola é uma das mais importantesinstâncias de democratização social e depromoção da inclusão social, desde que atendaà sua tarefa básica: a atividade de aprendizagemdos alunos. Tal aprendizagem não é algo natural  que funciona independentemente do ensino eda pedagogia. As mudanças no modo de ser ede agir decorrentes de aprendizagem dependemde mediação do outro pela linguagem,formando dispositivos internos orientadoresda personalidade. Tal como expressa Vygotsky,trata-se de uma reconstrução individual dacultura num processo de interação com outrosindivíduos: o que inicialmente são processosinterpsíquicos converte-se em processosintrapsíquicos. Sendo assim, a intervençãopedagógica por meio do ensino é imprescindívelpara o desenvolvimento cognitivo, afetivoe moral. Pelo ensino, opera-se a mediaçãodas relações do aluno com os objetos deconhecimento, criando condições para aformação de capacidades cognitivas por meiodo processo mental do conhecimento presentenos conteúdos escolares, em associação comformas de interação social nos processosde aprendizagem lastreados no contextosociocultural (LIBÂNEO, 2009).

    Essa posição tem correspondênciacom o lema cunhado por Gimeno Sacristán(2000): uma escolarização igual, para sujeitosdiferentes, por meio de um currículo comum. A conquista da igualdade social na escolaconsiste em proporcionar, a todas as criançase jovens, em condições iguais, o acesso aosconhecimentos da ciência, da cultura e daarte, bem como o desenvolvimento de suascapacidades intelectuais e a formação dacidadania. No entanto, falar de igualdade éconsiderar, ao mesmo tempo, a diferença, pois,

    se a escola recebe sujeitos muito diferentesentre si, ela precisa enfrentar a realidade dadiversidade como condição para ser integradorade todos. Dentro do mesmo espírito, ou seja, deacolhimento da diversidade cultural em umaescola para todos, escreve Charlot (2005):

     A mundialização-solidariedade implicauma escola que faça funcionar, ao mesmotempo, os dois princípios, o da diferençacultural e o da identidade dos sujeitos en-quanto seres humanos, ou seja, os princí-pios do direito à diferença e do direito àsemelhança. [...] A diferença só é um direi-to se for afirmada com base na similitude,na universalidade do ser humano. (p. 136)

    Em síntese, trata-se, por um lado, de umaescola que visa à formação cultural e científica,isto é, ao domínio do saber sistematizadomediante o qual se promove o desenvolvimentode capacidades intelectuais, como condição deassegurar o direito à semelhança, à igualdade.Por outro, é preciso considerar que essa funçãoprimordial da escola – a formação cultural ecientífica – destina-se a sujeitos diferentes, jáque a diferença não é uma excepcionalidadeda pessoa humana, mas condição concretado ser humano e das situações educativas.Compreende-se, pois, que não há justiça socialsem conhecimento; não há cidadania se osalunos não aprenderem. Todas as crianças e jovens necessitam de uma base comum deconhecimentos, junto a ações que contenhamo insucesso e o fracasso escolar. É claro que aescola pode, por um imperativo social e ético,cumprir algumas missões sociais e assistenciais(a escola convive com pobreza, fome, maustratos, consumo de drogas, violência etc.), masisso não pode ser visto como sua tarefa e suafunção primordiais, mesmo porque a sociedadetambém precisa fazer sua parte nessas missõessociais e assistenciais.

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    27Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 1, p. 13-28, 2012.

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    Recebido em: 20.12.2010 

     Aprovado em: 18.03.2011

    José Carlos Libâneo é doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e professor doPrograma de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), na linha de pesquisaTeorias da Educação e Processos Pedagógicos.

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    29Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 1, p. 29-45, 2012.

     A educação básica na proposta da Confederação

    Nacional da Indústria nos anos 2000

    Alessandro de Melo

    Universidade Estadual do Centro-Oeste 

    Resumo

    O presente artigo, fruto de uma tese de doutorado, tem comopropósito apresentar e discutir criticamente a proposta de educaçãobásica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), por meio dadescrição e da análise de alguns documentos da entidade expostospublicamente ao longo dos anos 2000. O projeto de educação básicados empresários brasileiros contempla a necessidade dessa classe decompetir no mercado globalizado e em crise, vinculando o aumentodo nível de escolaridade ao aumento da produtividade e da inovaçãonecessárias para sua consecução. As bases de tal projeto educativosão a retomada da teoria do capital humano, a empregabilidade eo empreendedorismo. Em termos de projeto social, os empresáriosremetem-se a um pacto social, ou seja, pretendem generalizar umaconcepção de mundo em que não caberia o conflito entre capitale trabalho, mas sim a adaptação dos trabalhadores à sociedade declasses. Nessa concepção, a ênfase recai sobre um projeto educativoque visa à responsabilização dos indivíduos por suas próprias carreiras;assim, a inserção ou exclusão social não é vista como resultante daestrutura macrossocial, mas do esforço individual empreendido, ouseja, da capacidade de o trabalhador ser organicamente produtivopara o capital.

    Palavras-chave

    Educação básica – Confederação Nacional da Indústria –Empreendedorismo – Capital humano – Empresariado e educação.

    Correspondência:Alessandro de MeloRua Antonio Lopes, 100, ap. 0284500-000 – Canisianas, Irati/[email protected]

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    30 Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 1, p. 29-45, 2012.

    Basic education  as proposed by the National

    Confederation of Industry in the 2000s 

    Alessandro de MeloMidwest State University

     Abstract 

     This article has resulted from a doctoral thesis and it aims firstto present and then to critically analyze the proposal of basiceducation of the National Confederation of Industry – CNI, bydescribing and analyzing some documents of the confederation,

     publicly exposed over the 2000s. The basic education projectof the Brazilian business community attempts to meet need ofthis class to compete in the globalized and in crisis market,linking the increase in the level of education with the increasein productivity and innovation needed to achieve this project.The basis of this educational project is the return to the humancapital theory, employability and entrepreneurship. In terms ofsocial project, the businessmen refer to a social pact, that is,they intend to generalize a worldview to which applies not theconflict between capital and labor but the adaptation of workersto the class society. In such conception the emphasis is on aneducational project that seeks accountability of individuals fortheir career. Therefore, their inclusion or exclusion should beconsidered not a result of the macro-social structure, but a resultof the individual effort to succeed, i.e., the worker’s ability orlack of ability to be organically productive for the capital. Keywords

    Basic education — National Confederation of Industry —Entrepreneurship — Human capital — Business community andeducation.

    Contact: Alessandro de Melo Rua Antonio Lopes, 100, ap. 02,84500-000 - Canisianas, Irati / PR [email protected] 

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    31Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 1, p. 29-45, 2012.

    Introdução ou um necessário

    roteiro teórico para a leitura dos

    documentos da CNI

    Os empresários brasileiros reunidos naConfederação Nacional da Indústria (CNI), amais importante entidade agremiadora da bur-guesia nacional, vêm apresentando – ao longoda história da entidade, que se inicia no final dadécada de 1930 – propostas educacionais parao país, investindo sobre os governos para queessas propostas transformem-se em políticaspúblicas de Estado. Tais propostas, sem prejuízodas diferenças históricas, sempre se vincularamà formação do trabalhador qualificado para aindústria, em conformidade com as transforma-ções produtivas e com vistas à manutenção emelhoria das possibilidades de competitividadedo país. No projeto empresarial, portanto, edu-cação, inovação, produtividade e competitivi-dade são fatores sine qua non para o desenvol- vimento nacional.

      O que é preciso compreender paraa leitura dos documentos mais recentes daCNI é o cenário capitalista vigente desdeos fins do século XX e na atualidade. Talcenário é caracterizado pela ampla e radicalcompetitividade da indústria brasileira comas indústrias do mundo inteiro. Quanto maisextensa e radical é essa competição, maisnecessário se faz tornar melhores os fatores queampliam a competição da indústria nacional;dentre esses fatores, a educação não é demenor importância, e sempre está presente nosdocumentos da entidade.

     A questão levantada de um pontode vista crítico é a redução da educação àformação de capital humano, o que é um projetounidimensional de formação para o trabalhoabstrato, e não um projeto emancipatório deeducação.

    Outra questão que este artigo preten-de apenas levantar para futuras discussões é auniversalização desse projeto educativo da CNI,representante da classe dominante mais avança-da do país, como um projeto nacional, consenso

    este alcançado, entre outros meios, pela ênfasena qualidade da educação básica, objetivo pra-ticamente indiscutível desde a década de 1990 eque, no seio do projeto empresarial, ganha con-tornos específicos que precisam ser esclarecidos.

    Como não é possível aprofundar essa dis-cussão aqui1, é relevante apenas contextualizarque a produção capitalista sobre bases microe-letrônicas tem refletido em demandas por tra-balhadores que possuam uma base de qualidadeda educação básica em relação às competênciasmatemáticas, de ciências e de leitura e escrita.

    Outro fator de destaque na leitura dosdocumentos da CNI é a constante retomadada teoria do capital humano, revitalizada, noreferido período histórico, com discursos (masnão com práticas2) acerca do fim dos paradig-mas tayloristas/fordistas, quais sejam: a rígidahierarquização das funções fabris e um tipo detrabalho repetitivo que não exige qualificação.Tudo isso leva, segundo a CNI, a que o discursoda luta entre capital e trabalho torne-se obso-leto e contraproducente frente aos desafios dodesenvolvimento do país3.

    Com relação à teoria do capital humano,esta é derivada das clássicas teses de TheodoreSchultz (1973) e, no Brasil, de Mário HenriqueSimonsen (1975), e relaciona investimentos emeducação à sua efetividade no que se refere aseus resultados produtivos. A CNI constataque, embora os investimentos no Brasil nãoestejam fora das margens de outros paísesem melhores condições que as nossas, seusresultados são pífios, o que se expressa na máqualidade de nossa educação apontada nostestes internacionais, legitimados em todosos documentos da entidade. A relação entreescolaridade e renda, já apontada no Brasilpor Simonsen (1975), é um dos fatores mais

    1 - Recorremos a Melo (2009, 2010a) e aos estudos de Kuenzer (2000,2003, 2004, 2007), de Frigotto (2007), de Ferretti (2002, 2003), de Oliveira(1996), de Invernizzi (2000) e de Salm e Fogaça (1993). Os empresáriosfocam suas propostas no nível fundamental da educação básica.2 - Cf. Melo (2010b).3 - Remetemos às discussões de Boito Júnior (2003, 2005, 2007) sobrea aproximação do governo Lula com os empresários. O PDE (Decreto nº

    6.094, de 24 de abril de 2007) é um exemplo do consenso estabelecidoentre capital, trabalhadores e governo acerca da educação.

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    3232 Alessandro de MELO. A educação básica na proposta da Confederação Nacional da Indústria nos anos 2000.

    determinantes da adesão dos trabalhadores aesse pensamento, o que é socialmente visívelno investimento que as famílias fazem naeducação das novas gerações4.

    Crítico dessa concepção, GaudêncioFrigotto (1984) afirma que a retomada dateoria do capital humano na década de 1990dá-se justamente num momento de refluxo dasrelações entre capital e trabalho, ou seja, em ummomento de precarização do trabalho, o que aCNI define como necessidade de flexibilizar ascontratações e demissões, num período em que

    se rearticula a dominação imperialista,a competição intercapitalista impele auma incorporação crescente do progressotécnico ao processo de produção, cindindode forma cada vez mais radical o processode trabalho; se delineia, de forma cada vezmais acentuada, a divisão internacional daforça de trabalho; o processo de automação,em suma, só tende a rotinizar, simplificar edesqualificar o trabalho, mas também, sobas relações capitalistas tende a aumentar osubemprego e o desemprego e exasperar aextração de mais-valia. (p. 219)

    Portanto, ao analisar os documentos dosempresários brasileiros, não podemos deixarde levar em conta um fator fundamental, queé o fato de que a extração da mais-valia torna-se cada vez mais acirrada conforme se ampliaa concorrência e reduzem-se as margens delucro, exigindo a ampliação, em nível mundial,do mercado consumidor das mercadoriasproduzidas, estratégia que a China tem utilizadotão bem como quase nenhum outro país.

      Outra categoria que emerge da leiturae que precisa ser esclarecida é o empreendedo-rismo. Tal categoria, como demonstrou Melo(2010a), é central num projeto de sociabilida-de regido pelo individu