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livro Câmara e Folclore

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Folclore CatarinenseUm mosaico cultural popular

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O termo folclore foi criado em 1846, pelo arqueólogo inglês William John Thomas, para substituir “antiguidades populares” derivado do latim “antiquitates vulgares”. Atualmente, significa tradi-ções e crenças populares expressas das mais diversas formas. Mas não basta ser popular para ser folclore. Há critérios para serem seguidos. De acordo com a Unesco – organização internacional para a Educação e Cultura, é necessário ter origem anônima, ter surgido há muito tempo e ser divulgado e praticado por um grande número de pessoas. É o caso dos ditados populares, como “quem com ferro fere, com ferro será ferido”. Segundo Evaldo Pauli, Professor da Universida-de Federal de Santa Catarina (UFSC), membro da Academia Brasileira de Filosofia, do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e da Academia Catarinense de Letras, os folcloristas catarinenses se fizeram conhecer a partir de 1900. O estudioso chegou a afirmar que “um forte despertar deu-se na década de 40”.

Em 1948, um passo fundamental foi dado para o avanço do estudo do folclore no Estado, com a fundação da Comissão Catarinense de Folclore, inicialmente denominada Subcomissão Catari-nense de Folclore – por estar integrada à Comissão Nacional de Folclore, do Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura. Em 1970, passou a denominar-se Comissão Catarinense de Folclore.

A publicação de um Boletim da Comissão Catarinense de Folclore, em meados do século XX, com apoio do Governo do Estado, resultou em um apreciável registro científico que serviu também de base para esta publicação. Artigos, pesquisas e fotografias de meio século de estudos podem ser encontrados nos volumes do Boletim arquivados na biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, nas dependências do Museu Cruz e Sousa, no centro de Florianópolis.

A verdade é que a contribuição dos escritores catarinenses ao estudo do folclore é digna de nota. O tema foi abordado por Crispim Mira (1880 -1927), Virgílio Várzea (1863 -1941) e Laércio Cal-deira de Andrada (1890 -1971). Doralécio Carneiro Soares, natural de Recife, estabeleceu-se em 1935 em Santa Catarina e dedicou-se profundamente ao estudo. Lucas Alexandre Boiteux (1880-1966) é autor do livro Poranduba Catarinense, editado em 1944, na Revista do Instituto Histórico Brasileiro, e em volume especial em 1957. Osvaldo Rodrigues Cabral (1903-1978) publicou textos sobre o assunto, teóricos e históricos. Franklin Cascaes, (1908 – 1983), natural de Itaguaçu, na época município de São José, realizou um minucioso trabalho de campo sobre o folclore açoriano. Textos produzidos pelo autor na década de 1950, sobre o imaginário bruxólico, foram compilados no livro “O fantástico na Ilha de Santa Catarina” (103 páginas, 5- ed., UFSC, 2005).

O objetivo do Governo do Estado de Santa Catarina com esta publicação é reconhecer o esforço de tantas pessoas em prol da preservação de nossas raízes, além de fornecer mais um material de divulgação de nossas ricas tradições que hoje também fazem parte dos atrativos turísticos do Estado. Mas, acima de tudo, é uma homenagem a todos os homens e mulheres de várias etnias e procedências que construíram a nossa bela Santa Catarina.

Leonel Arcângelo PavanGovernador do Estado de Santa Catarina

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Coleção Museu de Arte de Santa Catarina

João Otávio Neves Filho: “Boi de Mamão”, 1982

Prefácio

Capítulo IAs primeiras cores do Folclore catarinense

Capítulo IIFolguedos e Danças

Capítulo IIITradições, lendas e

ditos populares

Capítulo IVFestas religiosas e populares

Índice

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Prefácio

Santa Catarina, em decorrência de uma costura construtiva étnica, tanto no tempo como no espaço, retrata uma cultura diversificada e marcada por sin-gularidades e ao mesmo tempo pluralidade de ma-tizes, que desenhou, através de um povo distribuído em fatias sobre território de 95.960 quilômetros qua-drados, um esplendoroso “mosaico cultural” (N. V. Pereira – 1966).

Esse mosaico é percebido quando se deseja descre-ver e apresentar iconograficamente um conjunto de tradicionais manifestações folclóricas, manifestações essas que são o conteúdo dessa obra que é entregue aos leitores interessados em se alegrarem com suas origens e nacionalidades.

Tal mosaico cultural oferece um caleidoscópio mul-ticolorido e desenhando um saber fazer popular po-licromado e resultante de universais origens, quer de regiões continentais, quer de países formadores do mundo ocidental e ainda com traços de origens orientais e africanas.

Decorre dessa configuração formativa de seu povo, de sua gente, uma construção folclórica multifaceta-da e ornamentada com esfuziante beleza!

Expressões indígenas, luso-açorianas, germânicas, itálicas, africanas, polonesas, ucranianas, libanesas, austríacas (tirolesas), gregas, caboclas e outras gra-vam o seu folclore.

Suponho ser possível dividir o território catarinense, o seu mosaico cultural, em quatro subáreas, tendo por base, essa subdivisão, com referencial para o es-tudo, classificação e identificação das múltiplas ma-nifestações de sua cultura popular e histórica.

Cada uma dessas subáreas tem traços complexos e padrões específicos originários de cada etnia e que, ao longo dos processos colonizatórios, receberam contributos de outros que se enxertaram em suas práticas vivenciais sem, contudo, modificar as bases e sem também ofuscar outras contribuições que su-tilmente lhes infiltraram.

Caracterização do folclore catarinense

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Numa cronologia histórica diremos que, no litoral, seja possível identificar a cultura de base açoriana e se afirma desde 17 de fevereiro de 1673, quando a fundação da povoa de Nossa Senhora do Desterro e que completa com a colonização açoriana do Brasil meridional de 1748/1756. Desterro recebe, antes de se transformar em Florianópolis, alemães na colônia de São Pedro de Alcantâra (1829) e que se comple-ta a cada ano com novos contingentes de alemães, italianos, poloneses, libaneses, gregos, africanos e outros quando se assiste a esses assimilarem os pro-cedimentos das bases açorianas já então construídas.

Uma segunda subárea abrange o planalto central, do século XVIII, recebe as correntes dos bandeirantes vicentistas nas lides expansionistas, do aprezamento do gado e de exploração silvícola. Essa corrente se vê acrescida pelo movimento do Contestado, com-posto por homens dos mais variados matizes. Surge o folclore campesino.

Intercalado entre o litoral e os planaltos, nas encos-tas da Serra Geral e início da Serra do Mar, agora em meados do século XIX (percebe sempre uma de-fasagem centenária em cada um desses processos), inicia-se a penetração da cultura germânica, desde o Vale do Itajaí-Açu, em direção Norte e a presença do colonizador italiano em direção Sul e/ou se infil-trando nas áreas já ocupadas pelos alemães.

Foi o processo que Darci Ribeiro denominou de “eu-ropização” do Brasil. São, também, outros grupos de suíços, ucranianos e poloneses que se incorporam nessa subárea cultural. Desenha-se um rico e colo-rido folclore.

É uma base cultural ítalo-germânica. Nessa área, mais ao Norte, se aprecia a influência tanto da cultu-ra polonesa como a da beleza dos traços ucranianos.

Ao início do século XX, território oestino, neste in-cluindo o Meio-Oeste, um século após a chegada dos alemães, restavam os espaços vazios do territó-rio contestado, embora se registrasse a presença de muitos caboclos, alguns exploradores e excêntricos pesquisadores.

Terminada a pendência limítrofe entre o Paraná e Santa Catarina, dá-se início um grande processo de colonização através de elementos nacionais oriun-dos principalmente dos frutos da imigração italiana e alemã no Noroeste do Rio Grande do Sul. Acorrem a essas ofertas de terras, outros imigrantes europeus fugitivos dos duros processos políticos e ideológicos do após a Primeira Grande Guerra.

Predomina, para esses novos catarinenses, as carac-terísticas culturais gauchescas. Abre-se o processo de asteses gauchescas que se implantaram com suas manifestações populares e até eruditas.

O Oeste catarinense se transforma num cadinho cul-tural onde a fornalha ardente funde uma amálgama diferente e arrojada, sob a conquista e desbravamen-to de uma região virgem e de uma exuberante natu-reza que ia desde o Rio do Peixe até o Peperi-Guaçu.

Área cultural moderna e de conotação diferente das demais subáreas então existentes. Seu conteúdo gauchesco predominou e se afirma.

Destarte, quando se deseja elaborar uma radiologia, ainda que principalmente iconográfica e rápida do folclore catarinense, como é o desafio dessa obra, torna-se necessário realizá-la retratando o mais fiel-mente possível essa diversificação apontada resumi-damente nesta introdução, mas que deva espelhar com clareza, os diversos contornos desenhados no caleidoscópio como o Mosaico Cultural Catarinense, que aqui buscamos sinteticamente descrever.

A presente obra “Folclore Catarinense, um mosaico cultural popular”tem a missão de registrar as cores, os sons e os aromas que habitam a culltura popular catarinense. A alma do folclore do Estado de Santa Catarina retratada nos folguedos, nas danças, nos di-tos populares, nas tradições, nos festejos religiosos e nas antigas brincadeiras de criança. O grande objeti-vo será o de resgatar e compilar num único material toda a essência das tradições catarinenses de forma didática e com muitas imagens atuais e antigas. É esse o propósito que anotam os editores.

Professor Nereu do Vale PereiraPresidente da Comissão Catarinense de Folclore

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Capítulo I

Coleção Museu de Arte de Santa Catarina

Marcos Troncoso: “Bernúncia”, 1984

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As primeiras cores do Folclore catarinense

“...Sobre os morros e os flancos das montanhas, no fundo dos vales e sobre a orla do mar, estendia-se soberba vegetação, formando o quadro mais imponente e pitoresco que pode nos oferecer a natureza em seu estado selvagem. Os sassafrás ou os loureiros, os cedros, as laranjeiras, os mangues, as bananeiras resplandeciam por seu porte e sua rica folhagem; os cimos entufados das palmeiras, balançados pelo vento dos bosques que encobriam seus troncos, faziam às vezes parar nosso olhar, que se repousava sempre com novo prazer, sobre estas frondes verdejantes, semeadas de qualquer maneira no fundo azulado da abóboda celeste”. O cenário da costa catarinense descrito pelo viajante Louis Isidore Duperrey, em 1822, foi possi-velmente a primeira visão dos imigrantes de várias nacionalidades ao desembarcarem – um pouco antes e um pouco depois – na terra desconhecida, povoada por milhares de índios. O ciclo das grandes imigrações iniciou no século XVIII com os portugueses, alcançou seu auge com os italianos e alemães. Mais tarde vieram também holandeses, belgas, gregos, libaneses, japoneses, árabes e eslavos – russos, ucranianos, poloneses, tchecos e eslovenos. Embalados pelas marés e pela esperança, chegaram com poucos bens mate-riais, mas pródigos em tradições e costumes que sobreviveram transmitidos de geração em geração. Esse repertório, somado ao legado cultural indígena e africano, tornou-se patrimônio popular e fez do folclore catarinense o mais diversificado do Brasil.

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Santa Catarina é um Estado multicultural. De-vido a sua localização estratégica, a caminho do Rio da Prata, o litoral, habitado por índios

Carijós, começou a receber viajantes logo após o descobrimento do Brasil. Náufragos, desertores, religiosos e marinheiros foram os primeiros a por os pés em solo catarinense. Sabe-se que em 1504, chegou o navio L’Espair, comandado pelo francês Binot Paulmier de Goneville. A embarcação, que se dirigia às Índias, desceu o Atlântico ao largo da África e perdeu a rota, aportando em “terras desco-nhecidas” que, sabe-se hoje, era o litoral do Sul do Brasil. O estrangeiro encontrou abrigo na Ilha de São Francisco do Sul. Durante seis meses, Gonne-ville e sua tripulação conviveram com os amistosos e hospitaleiros Carijós, comandados pelo Cacique Arosca. Ao voltar para a França, o Comandante levou consigo o filho do Cacique, Içá-Mirim, pro-metendo devolvê-lo no prazo de vinte luas, após ensinar-lhe o uso de artilharia. O índio nunca vol-tou. Permaneceu na França, onde casou com uma parente do Capitão e teve quatorze filhos.

As visitas continuaram durante o período das grandes navegações portuguesas e espanholas. Passaram pela costa catarinense Dom Manoel e Cristóvão de Haro e João Dias de Solis – mais tar-de devorado pelos índios charruas no Uruguai. Em 1521, Cristóvão Jacques aportou seguido de vários outros desbravadores. Por volta de 1526, o italiano Sebastião Caboto veio e deixou sua contribuição. Há quem diga, que foi ele quem batizou de “Santa Catarina” as belíssimas terras ao Sul, em homena-gem a sua esposa Catarina Medrano.

Um dos mais famosos visitantes foi o lendário aventureiro espanhol Dom Alvar Nuñes Cabeza de Vaca, em 1541, nomeado governador (1541 a 1545) da região “do Plata”, com sede em “Assun-ción”, no Paraguai, que incluía a Ilha de Santa Catarina. Lugar onde o desbravador fez um re-tiro de seis meses à espera de condições propí-cias à navegação. Enquanto aguardava ventos e correntezas a favor, travou conhecimento com os índios Carijós.

Sabe-se que em 1504, chegou o navio L’Espair, comandado pelo francês Binot Paulmier de Goneville. A embarcação,

que se dirigia às Índias, desceu o Atlântico ao largo da África e perdeu a rota, aportando em “terras desconhecidas”

que, sabe-se hoje, era o litoral do Sul do Brasil.

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Casario típico açoriano integra-se à paisagem do litoral catarinense

Dizem que Cabeza de Vaca chegou a passar pelo caminho de Peabiru, chamado de Caminho de São Tomé pelos Jesuítas por causa do Pay Sumé. A misteriosa entidade mitológica indígena descrita como um homem branco, de barbas longas, que andava por sobre as águas e ensinou várias coisas aos índios, inclusive agricultura.

Somente nos séculos XVIII e XIX, que imigrantes de diversas na-cionalidades, com predomínio de europeus, vieram para ficar, como descreve o historiador Oswaldo Cabral. Já estabelecidos, ra-pidamente demarcaram fronteiras culturais no mapa multiétnico do Estado. Construíram cidades de sotaques diferentes que fazem a paisagem catarinense diversificada e encantadora. São freguesias portuguesas no litoral, casinhas enxaimel no Vale do Itajaí, a típica arquitetura em pedra dos italianos no Sul. No planalto e na serra, os tropeiros escreveram a história do desenvolvimento de uma região afastada do mar. Durante a travessia de Viamão, no Rio Grande do Sul, até Sorocaba, em São Paulo, cortavam Santa Catarina, condu-zindo rebanhos e provocando o desenvolvimento. Os pousos dos tropeiros atualmente são as cidades de: Lages, Curitibanos, São Jo-aquim, Campos Novos e Mafra. A evidência da cultura campeira resiste nas taipas – muros construídos pelos escravos para conter o gado – espalhados pelos campos serranos.

Portugueses conquistam o litoral

Os primeiros colonizadores a chegar foram os portugueses que se instalaram ao longo da costa. A povoação da Ilha de São Francis-co do Sul, ao Norte, datada de 1658, é a mais antiga de Santa Ca-tarina e a terceira mais antiga do Brasil. Em 1673, o bandeirante Francisco Dias Velho fundou Desterro, atual Florianópolis. Mas, com a sua morte trágica, assassinado por piratas, o povoamento quase despareceu. O ciclo de povoação intensificou-se apenas no século XVIII, com os açorianos. Em 1676, foi fundada a vila de Santo Antônio dos Anjos de Laguna. Mesmo após mais de 300 anos de povoação, o legado lusitano persiste: “tem terno de reis, benzeduras, pau de fita, superstição, beiju, cuzcuz, rapadura, far-ra do boi, boi de mamão; tem bandeiras e estandartes, tem cuícas e tamborins, tem tantas obras de arte como tantos os querubins, a fala e também a escrita, são meios de comunicação, porém o estandarte e a bandeira, das mensagens são a expressão”. A “qua-drinha”, coletada pelo antropólogo Eugênio Lacerda durante um encontro de grupos de Bandeiras do Divino do Litoral, em 2001, é um resumo dos principais ícones folclóricos desse povo.

Entre a colonização portuguesa e a chegada dos alemães e ita-lianos, foram abertos os “Caminhos do Sul”, com o objetivo de ligar os estados de São Paulo e Rio Grande do Sul e também de incentivar o comércio por terra, já que a atividade comercial era exercida exclusivamente através dos portos (Piazza e Hübener). O Caminho dos Conventos foi o primeiro a ser aberto, em 1730. Em 1771, a fundação de Nossa Senhora dos Prazeres de Lages precipitou a abertura de uma ligação entre a Vila ao Planalto, hoje chamada “estrada do Rio do Rastro”. Começaram, então, a surgir as outras cidades da região, atuais sedes da cultura campeira.

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Ora italianos, ora alemães

Tanto italianos quanto alemães tiveram experiên-cias pioneiras e isoladas de ocupação na primeira metade do século XIX. Uma colônia germânica foi fundada em 1829, no município de São Pedro de Alcântara, na Grande Florianópolis. Em 1836, italianos fundaram uma vila que deu origem ao município de São João Batista, no Vale do Rio Ti-jucas. Porém, as grandes levas de imigrantes das duas etnias chegaram mais tarde. Os alemães es-tabeleceram-se no Vale do Itajaí e região Norte, somente em meados do século XVIII. Sua cultura se enraizou de tal forma que a imagem do Esta-do está intimamente ligada às festas de outubro.

A famosa Oktoberfest, realizada no município de Blumenau, desde 1984, é um dos cartões postais de Santa Catarina. A festa, promovida pela comu-nidade, é associada também ao grande poder de superação dos blumenauenses que resgataram o heroísmo da saga além mar para reagir aos preju-ízos causados por uma das maiores enchentes do século XX. São semanas de celebração em que a cidade se transforma. Carros alegóricos, bandas, os blumenauenses com seus trajes germânicos, música e gastronomia típicas compõem o clima que atrai visitantes de todo o País e do exterior. A Oktoberfest é a maior comemoração alemã do Brasil e o carro-chefe do famoso roteiro turístico catarinense denominado Festas de Outubro.

Oktoberfest, herança da cultura germânica transformada numa das principais festas populares de Santa Catarina

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“América Américalá se vive que é uma maravilha

vamos ao Brasilcom toda a famíliaAmérica América

se ouve cantarvamos ao BrasilBrasil a povoar”

Essa canção dos imigrantes vênetos, do século XIX, dá uma ideia da esperança que os italianos tinham de prosperar em terras brasileiras. Vontade de trabalhar não faltava. Eles povoaram a região Sul de Santa Catarina, fugindo de um país faminto, debilitado pelas guerras de unificação. Mas, as dificuldades no novo mundo também eram muitas. A fundação do núcleo de Nova Veneza tem uma história que se repetiu muitas vezes. A colônia foi planejada por uma companhia particular cuja meta era fundar um polo de imigração de dezenas de milhares de italianos em toda a região. Muitos estrangeiros foram atraídos para “Nuova Venezzia”, servindo de mão-de-obra para o desbravamen-to da mata virgem. Em troca, recebiam terras a baixo preço, que não tinham valor de mercado.

O desapontamento dos colonos transparece neste relato de Eder Giovani Savio. “Nada chegava perto das promessas. O que era sonhado como uma “terra prometida” revelava--se uma região selvagem habitada por índios furiosos pela invasão e desrespeitosos. Apesar disso e à custa de muito trabalho e sangue, os colonos prosperaram, construindo es-colas, clubes e, principalmente, igrejas”.

O resto da história todos sabem. Apesar de tantas adver-sidades, os italianos firmaram pé e seus descendentes são a maioria dos habitantes de Santa Catarina. Também logo se caracterizaram pela personalidade expansiva, a reunião familiar em torno da mesa farta, as cantorias alegres, a forte religiosidade e o gosto pelo vinho. Nas duas últimas dé-cadas do século XIX, também fundaram Rio dos Cedros, Rodeio, Ascurra, Apiúna, Luiz Alves e Siderópolis. Mais tarde, no começo do século XX, os filhos dos colonizadores italianos estabelecidos no Rio Grande do Sul atravessaram a fronteira em busca de mais terras e ocuparam a região Oeste. Assim, essa cultura disseminou-se por todas as regi-ões do Estado.

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A colonização eslava teve início em 1871, com os poloneses que se estabeleceram nas cidades de Porto União, Mafra, Monte Castelo, Papanduva, Canoinhas e Itaiópolis (Colônia Lucena). Na agri-cultura, a maioria dedicou-se ao cultivo de grãos: trigo, cevada, centeio e aveia. Em 1889, imigrantes poloneses e russos se estabeleceram também na re-gião Sul, nos municípios de Urussanga, Tubarão, Mãe Luzia e Araranguá. Alguns chegaram aos va-les dos rios Itajaí e Itapocu. Segundo dados do Go-verno do Estado, após a Primeira Guerra Mundial, novos ingressos aconteceram na região do Vale do Rio do Peixe, Médio-Oeste Catarinense (1926); no Vale do Rio Uruguai (1934); no Vale do Itajaí (1937) e no Alto Vale do Itajaí (1939). Pressionados pela Segunda Guerra Mundial, imigrantes poloneses di-rigiram-se, em 1940, para Mondaí e, em 1948, para o Alto Vale do Itajaí.

Os ucranianos formaram o segundo maior contin-gente eslavo a imigrar para o Brasil, perdendo ape-nas para os poloneses. A imigração de ucranianos começou efetivamente nos anos de 1895-96. Em apenas dois anos, cerca de 15 mil ucranianos de-sembarcaram no Brasil. A grande maioria foi enca-minhada para o Paraná e também para a região do Planalto Norte de Santa Catarina, onde tornaram--se pequenos agricultores.

Até a década de 1920, aproximadamente 50 mil ucranianos imigraram, a maior parte proveniente da Galícia, região da Ucrânia então dominada pelo Império Austro-Húngaro.

Os ucranianos, no planalto Norte, famosos pelas suas danças tão belas quanto vigorosas, são um bom exemplo da contribuição cultural eslava. O artesanato ucraniano veio enriquecer o patrimô-nio folclórico catarinense com sua complexidade e beleza. São bordados, xilogravura, pintura de bonecas e os famosos ovos decorados chamados de “pêssankas”, originários das festas pagãs da primavera e que se amoldaram ao advento do cristianismo, ganhando significado na Páscoa cristã.

As pêssankas adquiriram um simbolismo especial ao longo do tempo, representando a resistência à conturbada história da Ucrânia. O país foi subju-gado pela miséria e pela opressão dos domínios russo, polonês, austríaco e húngaro. Passou ainda por duas guerras mundiais, o que motivou muitos ucranianos a atravessarem o oceano em busca de uma nova vida. Apesar de tudo, nunca abandona-ram o costume de expressar seus sentimentos atra-vés da delicada pintura de ovos que passaram a ser usados como presentes a parentes e amigos.

As pessânkas adquiriram um simbolismo especial ao longo do tempo, representando a resistência à conturbada história da Ucrânia.

O país foi subjugado pela miséria e pela opressão dos domínios russo, polonês, austríaco e húngaro. Passou ainda por duas guerras

mundiais, o que motivou muitos ucranianos a atravessarem o oceano em busca de uma nova vida.

E chegaram também os eslavos, gregos, austríacos...

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As pequenas obras de arte também ganharam es-paço em datas importantes – casamentos e nasci-mentos – como materialização de boas intenções. A Ucrânia, finalmente adquiriu sua independência, em 1991, exigida pela população que saiu às ruas e, hoje, além do seu valor cultural, simbólico e artísti-co, as pêssankas passaram a ser um símbolo de lon-gevidade para uma Ucrânia livre e independente.A outra tradição conhecida em Santa Catarina trazen-do o ovo como símbolo também provém da Europa e se difundiu no País. São os ovos de Páscoa ins-pirados no costume chinês de colorir ovos de pata para celebrar a vida que deles se origina. Países europeus fabricam ovos de chocolate, na Páscoa, desde 1834. O coelho, da mesma época, tem origem anglo-saxônica e simboliza a fertilidade. As comu-nidades alemãs – e as que se situavam próximas – foram as primeiras a difundir este costume.

Ainda no século XIX, os gregos, conduzidos pelo acaso, fundaram a primeira colônia grega no Brasil, situada na capital do Estado, que na época ainda chamava-se Desterro. Mesmo pequeno, o núcleo, criado em 1883, manteve-se unido e deu grande contribuição à vida cultural de Florianópolis, po-sicionando-se entre as famílias mais tradicionais de Santa Catarina. A representatividade grega foi fundamental para que, em 1905, fosse inaugurada a primeira Igreja Ortodoxa em Florianópolis dedi-cada a São Nicolau.

Entre as etnias que chegaram mais recentemente ao Estado, mas já contribuíram com seu folclore para enriquecer o cenário cultural catarinense, en-contram-se os austríacos fundadores da cidade de Treze Tílias (“Dreizehlinden”), que chegaram em 1933. Estabeleceram-se no Brasil, mas importaram e conservaram todas as características europeias em solo catarinense. O município tornou-se uma atração pela sua arquitetura e mostrou ter muito mais a oferecer. Ainda estão em atividade a banda e o grupo de dança formados dentro do navio que trouxe os primeiros imigrantes. A tradição da es-cultura em madeira foi preservada, assim como a técnica de preparar o renomado chocolate artesanal de Treze Tílias que atrai centenas de admiradores. No início, a região foi ocupada por 82 famílias do Tirol Austríaco que fugiam da penúria da Europa entre-guerras. Vários outros tiroleses juntaram-se depois aos pioneiros.

A outra tradição conhecida em Santa Catarina trazendo o ovo como símbolo também

provém da Europa e se difundiu no país. São os

ovos de Páscoa inspirados no costume chinês de colorir ovos de pata para celebrar a

vida que deles se origina.

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Ikebanas, bonsais e origamis

Santa Catarina recebeu contribuições culturais até do Oriente. Os japoneses trouxeram o espetáculo das cerejeiras

em flor que inaugura a primavera no município de Frei Rogério, primeiro foco de imigração. Atualmente, a presença oriental encontra-

-se também na Serra, no Nordeste, no Vale do Itajaí e no Meio Oeste, com destaque para os municípios de São Joaquim, Lages, Joinville, Itajaí e Caça-

dor. Os descendentes dos imigrantes, que chegaram em 1909, já ultrapassam 10 mil pessoas e têm participação expressiva na cultura da maçã, kiwi, pera e alho.

Nessas comunidades, a paz é tema principal. Os japoneses fazem questão de relembrar anualmente o drama do duplo ataque atômico contra os civis, no final da Segunda Guerra. Todos os anos, nos dias 06 e 09 de agosto, a Cerimônia da Batida do Sino da Paz, no Parque Sino da Paz, reverencia as vítimas das bombas lançadas pelos americanos. O sino – pre-sente do governo japonês - foi feito de bronze, pesa mais de 40 quilos e tem cerca de 400 anos. Apenas mais dois exemplares como esse são encontrados em todo o mundo, um na Organização das Nações Unidades – ONU e outro na cidade de Hiroshima, no Japão.

A maior parte dos símbolos culturais japoneses envolve paciência e habilidade. Um exemplo é a cerimônia do chá, durante a qual todo e qualquer movimento

tem um propósito, desde valorizar os utensílios até purificar a alma dos participantes. Os bonsais – miniaturas de plantas vivas – demonstram

a perseverança dessa etnia. Assim como os “ikebanas”, arranjos florais que buscam a harmonia das formas e da cor e o “ori-

gami”, técnica de dobrar papel criando delicadas re-presentações de seres ou objetos.

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Batuque, fubá e samba

A religiosidade, a comida, o gingado e até as pala-vras: banana, caçula, fubá... Tantos elementos afri-canos se enraizaram de tal forma na cultura catari-nense e brasileira que é fácil esquecer o quanto foi difícil para os representantes dessa raça preserva-rem seus costumes. Ao contrário do que aconteceu com os imigrantes, que enfrentaram dificuldades, mas vieram ao Brasil por vontade própria, com os negros o processo de desagregação do universo em que viviam foi muito violento. Os escravos trazidos para o Brasil eram provenientes de várias regiões da África e as tribos tinham diferentes graus de evolu-ção entre si. Muitas vezes, as pessoas reunidas em uma senzala sequer falavam a mesma língua. Por falta de registros precisos é impossível saber o nú-mero exato de negros trazidos para o Brasil duran-te a vigência da escravidão, que durou do século XVI ao XIX. Estima-se que esse contingente chegue a quase seis milhões.

Embora em bem menor número do que no restante do País, os negros, na maioria bantos e sudaneses, que chegaram à Santa Catarina na condição de es-cravos, também conseguiram cravar seus costumes no cotidiano de seus senhores. “Os africanos reve-laram enorme capacidade de adaptar-se, mas sem o abandono do que lhe era próprio”, descreveu Re-nato Almeida em artigo publicado pela Revista da Sub-Comissão Catarinense de Folclore, em 1950.

Porém, foi fácil manter uma identidade cultural

com tanta repressão. Celebrar suas origens e re-viver as tradições eram ações que causavam forte choque cultural nas cidades catarinenses, a maioria antigos núcleos de colonizadores europeus. O pes-quisador Jaime José Santos explica que “neste sen-tido os africanos, com suas festas e costumes, aos olhos de uma sociedade conservadora eram vistos como bárbaros e incivilizados”. No século XIX, em Desterro, as festas de coroação de reis africanos, os chamados Cacumbis, eram condenados. Ofício da Câmara Municipal para o presidente da Província, datado de 25 de janeiro de 1843, relata que “o di-vertimento de cantar os reis (...) em noites consecu-tivas conservaram em alvoroço a cidade.”

Legislação de 1845, reprimia ainda mais as mani-festações culturais africanas. O artigo 38 do código de posturas de Desterro especificava: “Ficam pro-hibidos d’aqui em diante os ajuntamentos de es-cravos, ou libertos para formarem batuques; bem como os que tiverem por objectivos os supostos reinados africanos, que, por festas, costumam fa-zer.” Mesmo no ano da abolição, em 1888, as au-toridades mantinham-se irredutíveis. No Código de Posturas da Capital também ficava proibido, “Fazer sambas ou batuques quaisquer que sejam as denominações, dentro das ruas da cidade ou das povoações”. Apesar das adversidades, os grupos de Cacumbis que coroavam reis e rainhas africanos mantiveram suas atividades, assim como a cultura negra criou raízes profundas e se impôs no cenário cultural catarinense, inclusive no folclore onde deu importante e farta contribuição.

Embora em bem menor número do que no restante do País, os negros, na maioria bantos e sudaneses, que chegaram à Santa

Catarina na condição de escravos, também conseguiram cravar seus costumes no cotidiano de seus senhores.

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A saga indígena

Um capítulo especial deve-se abrir na história ca-tarinense para lembrar a saga indígena pós-desco-brimento. Antes da descoberta do Brasil, os Carijós (Tupi-Guarani) já habitavam a costa catarinense. Conforme o historiador Oswaldo Piazza, o grande grupo Jê, cujos integrantes também eram chamados de botocudos, bugres, Kaingang, Xócren e Awikor-na – atualmente denominados Xogleng – habitava o interior dos vales litorâneos, a encosta do planal-to e o planalto. A definição do historiador Nereu Vale Pereira é clara: os Guaranis ou Carijós se es-tabeleceram no litoral, os Xoglengs nas encostas “viradas para o mar” e os Caiacangues mais para o Oeste.Todos esses grupos entraram em confronto com os brancos, em momentos diferentes da his-tória, quase sempre em desvantagem. Atualmente, perto do extermínio, estão abrigados nas chamadas TIs (Terras Indígenas).

Os Carijós, no litoral, começaram a ser escravizados ainda no século XVII. Manoel Preto foi um desses ca-çadores de índios que passou por Santa Catarina. Ao mesmo tempo, os jesuítas catequizavam os “gentios”, impondo uma nova crença para ser seguida. Os his-toriadores Walter Piazza e Laura Machado Hübener, em “Santa Catarina – história da gente” informam que a partir de 1553, a Missão Carijós exercia ativida-des de catequese e proteção indígena. Essas missões se estenderam pelo século XVII. Os Carijós já conver-tidos receberam elogios do Padre Manoel da Nóbre-ga: “Além de São Vicente estão os carijós, e todos di-zem que é o melhor gentio desta costa...”.

Os episódios mais sangrentos aconteceram na se-gunda parte do século XIX, com a chegada das grandes levas de imigrantes. Na história da cidade de Nova Veneza consta a terrível chacina realiza-da pelo agrimensor Natal Coral. A colônia fundada em 1891 tornou-se um marco na história da colo-nização italiana no Sul do Estado, mas foi implan-

tada em uma região selvagem habitada por índios Xoglengs que se alimentavam do palmito, de fru-tos e, principalmente, da caça. Com a chegada de um número cada vez maior de italianos, os bugres foram confinados nas costas da serra, que também não podiam ocupar devido à hostilidade dos fa-zendeiros de gado. Acuados atacaram os sítios em busca de comida e tentando afugentar os invasores. A reação foi violenta. Os colonos organizaram ex-pedições que em geral acabavam em mortes.

Foi nessa época que surgiu a figura do bugreiro, matador profissional de índios remunerados pe-los colonos, pelas companhias de colonização e até pelo governo. Eles ganhavam para exterminar as aldeias existentes na região em que estavam ins-taladas as colônias. Natal Coral era um deles. Um dos mais ousados que se tem notícia e protagonista de uma violenta chacina.

Coral, liderando cerca de 200 colonos, matou cen-tenas de homens, mulheres e crianças, invadindo as tribos durante a noite e degolando com facões as vítimas que se encontravam em sono pesado. Para se vingar, os Xokleng raptaram a mulher de Coral e a mantiveram por dois anos em cativeiro. Fontes respeitáveis, inclusive o livro de autoria do Mon-senhor Agenor Neves Marques, revelam que os bugres, com o intuito de desmoralizar o bugreiro Natal, devolveram sua mulher sã, salva e grávida. A última grande matança que se tem notícia ocor-reu na aldeia do Morro Redondo, localidade de São Bento Alto, por volta de 1905.

Cenas semelhantes aconteciam não apenas no Sul, mas em todo o Estado, mostrando a complexidade do processo de colonização catarinense. Uma histó-ria fantástica de superação, conflitos e adaptações, marcada por sacrifícios e sangue, mas que originou um dos mais coloridos mosaicos étnicos, culturais e, consequentemente, folclóricos do País, na defini-ção do historiador Nereu do Vale Pereira.

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Capítulo II

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Folguedos e Danças

Os cantos sagrados ou de guerra praticados pelos indígenas foram se calando nas regiões catarinenses à medida que se acelerava o ritmo da colonização, a partir do século XVIII. Florestas foram derrubadas pe-los desbravadores estrangeiros empurrando as tribos para o interior das matas. Enquanto isso, sobrepos-tos aos rituais de beberagem, rezas, danças, pinturas e mitos ligados à exuberância da natureza tropical, surgiram outras formas de expressão trazidas pelos imigrantes e escravos de pontos opostos da terra. Em comum com a cultura indígena, esses costumes tinham as origens ancestrais. Folguedos e coreografias associados à fertilidade, à primavera ou à colheita se espalharam em diferentes idiomas pelo litoral, vales, serras e planaltos. Nessa saga desenvolvimentista, mitos pagãos se mesclaram à religiosidade, dando espaço ao sincretismo, característica de muitas celebrações brasileiras. Santos e orixás, bruxas e espíri-tos da natureza, oração e carnaval, o bem e o mal permanecem presentes nas festas e tradições seculares encontradas em cada recanto catarinense. Dos ritos caiacangue, xogleng ou tupi, passando pelo cacumbi e danças festivas, até chegar à Bandeira do Divino, tudo é Santa Catarina.

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A alegria portuguesa

As danças e canções portuguesas são graciosas e ale-gres. Algumas caíram no gosto popular e ainda fa-zem parte dos festejos atuais. É o exemplo do Pau de Fitas, conhecida também por Jardineira ou Dança dos Arcos e Flores, Dança-do-mastro, Dança-das-fitas e Dança-das-tranças. É considerada uma das danças mais bonitas do folclore catarinense. Introduzida pe-los portugueses, sua origem está associada aos rituais de fertilidade. Sua execução é um tanto complicada. Os dançarinos, sempre em número par, giram em tor-no de um mastro de cerca de três metros de compri-mento adornado por fitas que eles seguram pela ex-tremidade. Ao som da música, revezam os pares para compor trançados coloridos de fitas: ”Tramadinho”, “Zigue-Zague”, “Zigue-Zague a Dois”, “Trenzinho”, “Feiticeira” e “Rede de Pescador”.

A Chamarrita também é muito lembrada. Era a mais tocada em bailes e ninguém ficava sentado ao som de seu ritmo acelerado. Outra dança graciosa é a Balainha (Arcos Floridos ou Jardineira), execu-tada em pares que carregam arcos enfeitados com flores. Os movimentos são ondulantes. Os arcos se cruzam entre si, por cima e por baixo, até se cruza-rem no alto, armando as “balainhas”.

Menos conhecida, a “Dança do Vilão” era praticada com bastões por batedores, balizadores, músicos e mestre que executavam manobras variadas. O en-cerramento era feito com o “serradinho”, quando os balizadores agachados executavam movimentos rapidíssimos.

Outras “modinhas”, contudo, vão desaparecen-do e se restringem, muitas vezes, ao âmbito dos estudiosos, como o Fandango de São Gonçalo ou a Polca da Flor sobre a qual pouco se sabe, a não ser que era praticada com sete casais ao som de rabecas e violões. Os passos eram semelhan-tes aos da Ratoeira, muito comum na Lagoa da Conceição, quando o agitado ponto turístico da Capital ainda era uma pacata vila com engenhos de farinha.

Ratoeira não me prenda, qu’eu não tenho quem me solte; a prisão da ratoeira é como a prisão da morte. Quadrinhas como esta era cantada pelos partici-pantes que formavam uma roda. Os versos de im-proviso podiam precipitar o início de um namoro, confirmar uma amizade ou manifestar gratidão. Mas também serviam para resolver pendengas e, conforme o rumo tomado, arriscavam até acabar com a brincadeira...

As danças e canções portuguesas são graciosas e alegres. Algumas caíram no gosto popular e ainda fazem parte dos festejos atuais. É o exemplo do Pau de Fitas, conhecida também por Jardineira

ou Dança dos Arcos e Flores, Dança-do-mastro, Dança-das-fitas e Dança-das-tranças. É considerada uma das danças mais bonitas do

folclore catarinense.

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Versos da Ratoeira Homem apaixonado:

Meu amor, meu amorzinho Beijo de café maduro Pode rir pode brincar

Que o nosso amor está seguro

Eu entrei na ratoeira Mas não foi para cantar

Quem o meu coração queria Na ratoeira não está

De conquista:Oh! Que coqueiro tão alto Com dois cocos na ponta Os olhos dessa menina

tia’ correm por minha conta

Ratoeira bem cantada Faz chorar faz padecer

Também faz um triste amante Apartarem bem querer

De lembranças: A folha de bananeira

Tem direito e tem avesso Eu te conheço menina

Desde pequena do berço

De despeito: Meu amor me deixou

Pensa que eu tenho paixão Não me faltam Deus do céu

Amor não me faltarão

De paixão: A laranja era verde

Com o tempo amadurou Meu coração era firme Veio o teu e me cativou

Oh! Que praia tão comprida Tão custosa de se andar

Oh! Que olhos de menino Tão custosos de se amar

De saudade: Quando canta o rouxinol Lembra-te da tarde linda Te recorda do passado Olha eu te amo ainda

De convite: Senhora dona’na

Faz favor de entrar na roda Diga um verso bem bonito Diga adeus e vá embora

De tristeza: Quem pudesse estar agora

Onde está o meu amor Naquele campo sereno Naquele jardim sem flor

O caminho da minha casa Já está cheinho de capim Já se acabou as passadas

Que o meu bem dava por mim

De preocupação: Minha mãe casai-me cedo

Enquanto sou rapariga Que o milho plantado tarde

Nunca deu boa espiga

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Page 22: livro Câmara e Folclore

Cacumbi conta história africana

As festas populares de origem africana estiveram sempre presentes em Santa Catarina, embora te-nham sido reprimidas pelas autoridades duran-te um longo tempo. Em Desterro, por exemplo, registra-se que quanto mais a cidade se moder-nizava mais discriminadas eram as festividades do catolicismo popular negro. A dança Cacumbi surgiu em um tempo em que a população negra só podia comemorar o Natal no dia 26 de dezem-bro, data que corresponde ao auge das apresenta-ções. O ritual, também conhecido como Quicum-bi, Ticumbi ou Catumbi, revive a grandeza dos confrontos entre guerreiros africanos. Segundo a pesquisadora Rosane Volpatto, seria uma varian-te das congadas.

Pesquisa de Jaime José Santos Silva, publicada em “Danças, tambores e festejos: aspectos da cultura popular negra em Florianópolis do final do século

XIX ao século XX” reafirma a ligação entre o Ca-cumbi e o catolicismo popular negro de Norte a Sul do Brasil. As primeiras coroações de reis e rainhas foram documentadas em 1674, na cidade de Recife, em Pernambuco. Mas, os instrumentos presentes na dança: bandeiras, roupagens, tambores e espa-das eram comuns às diferentes regiões do País, as-sim como o objetivo do ritual: coroar rei e rainha e homenagear com trovas e procissões Nossa Senho-ra do Rosário e São Benedito.

A dança se integrou ao culto dos santos católicos por influência da Igreja. “A arregimentação dos afros em confrarias do Rosário e São Benedito foi inicialmente uma imposição de fora ao africano. Foi uma segunda estratégia para uma cristianiza-ção mais profunda”, explicam Jucélia Maria Al-ves e Rose Mery de Lima no livro “Cacumbi - um aspecto da cultura negra em Santa Catarina”. As apresentações passaram a acontecer na véspera ou nos dias dedicados a esses santos.

A dança Cacumbi surgiu em um tempo em que a população negra só podia comemorar o Natal no dia 26 de dezembro, data que corresponde ao auge das apresentações. O ritual, também conhecido como Quicumbi, Ticumbi ou Catumbi,

revive a grandeza dos confrontos entre guerreiros africanos.

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Entre os grupos que se tem registro estão o Cacumbi de Matias Sartiro Senhorinho, em Biguaçu, que teria se desfeito ainda na década de 50, com a morte de seu líder, e o Cacum-bi do Capitão Amaro, em Florianópolis, que surgiu como forma de resistência cultural, em 1930, no Morro da Caixa. O Capitão Amaro teria propiciado um novo momento de cele-bração religiosa para a raça negra, porém com símbolos e estilos modificados pelo impacto da modernidade.

De acordo com descrição de Volpatto, o grupo de Cacumbi do Capitão Amaro usava longas batas brancas e rendadas, com transpasse de fitas coloridas, calças também brancas, que po-diam ter um friso lateral vermelho. Na cabeça, um lenço branco enfeitado com flores de papel de seda e longas fitas de cores variadas. Alguns ainda enriqueciam o uniforme com um chapéu de palha enfeitado com fitas e flores.

Silva ressalta que o Cacumbi do Capitão Amaro preservava as bandeiras, trovas, es-padas e tambores, sendo possível identificar no ritual a presença do catolicismo popular. “Mesmo assim, esse grupo não esteve ligado à Irmandade do Rosário, conhecida como a comunidade dos negros. A cena principal do Cacumbi do capitão Amaro é o motim dos marinheiros que pedem seu pagamento para o capitão”, disse o pesquisador. Esse momen-to é representado pela seguinte trova.

“COROÓ sinhô, sinhô, sinhô capitão

Quede o dinheiro da nossa ração

Coleção Museu de Arte de Santa Catarina

Susana Turiansky: “Cenas de Folclore”, 1956

Na coroação do rei e da rainha, a pompa fica-va por conta das coroas feitas de papelão or-namentadas com papel dourado ou prateado. A vestimenta ainda se constituía de uma capa comprida de tecido adamascado ou cetim. A espada era um acessório indispensável. Os dois secretários ou “sacratários” diferencia-vam-se dos dançarinos comuns, chamados “congos”, por portarem capa e espada como os reis.

As danças da coroação registradas em grupos de Cacumbi são compostas por movimentos coreográficos elaborados. Os versos contam a história das nações. No encerramento, faz-se a despedida com a “meia-lua”. Nessa dança, duas alas de dançarinos formando semicír-culos – passo que deu nome à apresentação, abrem espaço para o cortejo real e depois voltam para encontrar o rei na festa. Nas le-tras das marchinhas é evidente o sincretismo: “Nós chegamos hoje/Salvar nossa praça/Oh! São Benedito sejais/Nossa Senhora da Graça.

A curiosidade é que, conforme texto de Eval-do Pauli, o termo Cacumbi, como brasileiris-mo, além de dar nome à dança significa “ces-to muito afunilado, trançado geralmente com varas finas e flexíveis”.

O CAPITÃOJá que tu não soubeste

Pra que na me dãoA metade do queijo

Fatia de pãoVai timbora ‘sordadi’

Não me venha atentar (...)”

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Marcha de fogoQuero ê, quero á Quero ê, quero á

Senhor dono da casa Qui tem pra mi dá

Cantoria: Ó sinhô, sinhô, sinhô Capitão.

Que dê o dinheiro da nossa ração.

Chamador: Vai timbora sordado

Não me venha atentar Com essa espada

Não se pode brincar

Cantoria: Ó sinhô, sinhô, sinhô Capitão.

Que dê o dinheiro da nossa ração.

Chamador: Não tenho dinheiro

Não tenho mais nada Eu tenho é a ponta Da minha espada

Cantoria: Ó sinhô, sinhô, sinhô Capitão.

Que dê o dinheiro da nossa ração.

Chamador: Sinhô dono da casa

Me dá um tostão Pra faze o pagamento

Do meu batalhão

Marcha da meia lua A nossa senhora Saiu hoje na rua

Mandando seus filhos Fazer meia-lua

Nós chegamos hoje Salvar nossa praça

Oh! São Benedito sejais Nossa Senhora da Graça

Ó matumba, ó querenga, ó erunganda Ó erunganda, ó matumba,ó querenga O querenga, ó matumba, ó erunganda

Olha lá! (Versos coletados por Doralécio Soares)

Marcha da Meia Lua“Deus esteja aqui

Que me quero arretirarSenhor dono da casa

Já é hora de marchar”. “Auê como está tão belo

O nosso Ticumbi Vai puxando pro seu rendimento

Que São Benedito é filho de Zumbi...”

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Page 25: livro Câmara e Folclore

As intermináveis festanças do Cateretê

A Catira ou o Cateretê, de origem indígena, espa-lhou-se pelo litoral brasileiro. O Cateretê é prati-cado com os mesmos trajes usados no dia-a-dia e talvez por isso tenha sido muito apreciado pelos tropeiros que circulavam entre o Rio Grande do Sul e São Paulo, passando por cidades catarinenses como Lages, na região serrana. Em 1777, Martins Lopes Lobo de Saldanha - capitão general de São Paulo, encarregado de enviar reforços ao Sul para deter a invasão espanhola, chegou a manifestar pu-blicamente sua contrariedade com as tropas que

chegaram por terra à llha de Santa Catarina e que “se perdiam em intermináveis festanças”.

No Cateretê normalmente participam dois violei-ros e vários pares de dançarinos. É realizado à noi-te, em local fechado. No centro do salão, formam-se duas colunas. Cada uma é liderada por um violei-ro/cantador. Um dos violeiros faz o papel de mes-tre, primeira voz, e o outro de contramestre, segun-da voz. Existe ainda a figura do tirador de palmas, ou palmeiro, e do tirador do sapateado ou oreia. Os violeiros cantam e batem os pés, não batem palmas. Os dançantes não cantam, mas batem palmas e pés.

No Cateretê normalmente participam dois violeiros e vários pares de dançarinos. É realizado à noite, em local fechado. No centro do salão,

formam-se duas colunas. Cada uma é liderada por um violeiro/cantador. Um dos violeiros faz o papel de mestre, primeira voz, e o

outro de contramestre, segunda voz.

Coleção Museu de Arte de Santa Catarina

Luiz Gonzaga Cardoso Ayres: “Dança de Engenho”, sem data

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Page 26: livro Câmara e Folclore

As danças típicas européias

Alegria, fé e mesa farta é uma combinação constante na cultura das etnias que colonizaram Santa Catarina. Para completar o espírito festivo, as danças típicas contam, em forma de arte, detalhes da história e do perfil desses povos. A Europa oriental é bem representada pela vigorosa e bela dança ucraniana que fascina pelo grau de dificuldade dos movimentos. A tradição é cultivada com esmero pelos seus descendentes a ponto de reunir dezenas de grupos no Fes-tival Nacional Hopak – realizado anualmente em cidades onde a cultura ucraniana está presente.

O município de Porto União é um deles. A cidade atraiu os ucranianos. Com forte representação dessa etnia, já foi sede por duas vezes do Festival que surpreende pelo número de adeptos e pelo requinte dos vestuários coloridos, ornados com detalhes bordados a mão. A riqueza e o caimento das roupas valorizam os passos exóticos executados ao ritmo animado.

O nome Hopak provém da mais popular dança ucrania-na – simboliza o temperamento vivaz e determinado dos imigrantes que chegaram no final do século XIX e início do século XX. Hopak é também uma divertida disputa entre os rapazes pela atenção das moças, o que explica os malabaris-mos realizados em ritmo vibrante.

As confraternizações ucranianas sempre envolvem missa – rezada em dois idiomas – ucraniano e português – e os saborosos pratos típicos: perohê (pastel de ricota cozido), holouptshi (enrolado de repolho com trigo mourisco) e o kutiá (grãos de trigo cozidos com mel).

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Page 27: livro Câmara e Folclore

Os passos do povo germânico

A maioria dos imigrantes alemães deixou a Euro-pa em meados do século XIX, quando a própria Alemanha nem existia como o país que conhe-cemos hoje, o que aconteceu somente a partir de 1871. Antes desta data, eram 39 estados diferen-tes que tinham em comum o idioma. Por isso, eles não trouxeram uma cultura única. Cada re-gião contribuiu com elementos peculiares e dife-rentes entre si o que transparece nas danças com repertórios e vestuários que variam conforme a procedência. Porém, sempre com lugar de des-taque. Os colonos, logo depois de vencerem as primeiras dificuldades da nova terra, adaptar-se ao clima e prover a alimentação, já tratavam de organizar a diversão coletiva para compensar o trabalho árduo. Quem tinha instrumento musi-cal ajudava a improvisar uma orquestra. Flauta, bandoneon, violino animavam aniversários, ba-tizados e casamentos. Essas danças são revividas atualmente pelos grupos folclóricos que, com o auxílio de coreógrafos, pesquisadores e insti-tuições culturais no Brasil e na Alemanha, estão cada vez mais fiéis aos costumes antigos.

A pesquisadora gaúcha Eredi Heumann afirma que os trajes típicos têm uma diversidade tão

grande que, para um leigo, podem até não pare-cer germânicos. Heumann explica que cada deta-lhe ou adereço tem significado próprio.

O repertório de danças alemãs é vasto e muda conforme os grupos. As canções interpretadas têm origens geográficas diversas: a “Schottsch quadrille” é oriunda de Foehr, ilha do mar Bál-tico; a “Bruder lustig” e a quadrilha “Hosteiner dreitour”, são da região Norte, a “Kikiriki”, da Baviera, a “Rekrutenpolka” era executada pelos recrutas da Alsácia, a “Studentenpolka” é ori-ginária do Tirol, sul da antiga Alemanha, hoje pertencente à Áustria, e a “Schustertanz”, dança do sapateiro, era executada pela corte do século XVIII, na Alemanha, Polônia e República Tcheca.

Entre outras danças encontradas na lista de core-grafias de grupos catarinenses constam a Hakke toone, do século XIX, do Norte da Alemanha; a Kleiner mann in der klemme, de origem dina-marquesa; a Schwäbische tanzfolge, poutpourri de dança folclóricas; a Utrcht hornpipe, ao esti-lo do século XV; e a Bandertanz, que parece ter surgido em 1813 em homenagem à libertação do domínio francês. A Von Luzern é inspirada nos Alpes. Essa melodia atravessou as fronteiras e chegou à região de Siebenbürgen, na Romênia.

Trajes típicos germânicos têm uma grande diversidade e cada detalhe ou adereço tem significado próprio

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O Grupo de Danças Germânicas de São Pedro de Alcântara representa a mais antiga Colônia Alemã de Santa Catarina, fundada

em 1829. Seus trajes são confeccionados com base em material fornecido pela Embaixada da Alemanha no Brasil, denominado “Dei

Hunsrücker Tracht Um 1:800”, respeitando as características das regiões Hunsrüch e Eifel, do sudoeste alemão, de onde descende a

maioria dos habitantes da cidade.

O Grupo de Danças Germânicas de São Pedro de Alcântara representa a mais antiga Colônia Alemã de Santa Catarina, fundada em 1829. Seus trajes são confeccionados com base em material fornecido pela Embaixada da Alemanha no Brasil, denominado Dei Hunsrücker Tracht Um 1:800, respeitando as carac-terísticas das regiões Hunsrüch e Eifel, do sudoeste alemão, de onde descende a maioria dos habitantes da cidade. Outro traje foi confeccionado de acordo com modelos oriundos da Renania Palatinado.

O grupo tem cerca de 25 danças em seu repertório. As coreografias seguem as chamadas tanzbeschrei-bungen, partituras de danças com descrição de cada passo e a sua duração, garantindo a fidelida-de cultural. Algumas dessas partituras tem mais de mil anos. Entre as danças está a Herr Schmidt, tal-vez a mais conhecida do folclore alemão; a Sieben Schritt, dança dos sete passos; a Fröliche kreis – ou roda alegre; a Rutsch hi, rutsch her – proveniente da região do Odenward, que significa: “escorrega para cá, escorrega para lá”.

A Der köning ging spazieren é uma dança infan-to-juvenil, de influência holandesa, que representa o passeio do rei com a sua guarda. Já, a Mit den füssen é uma mais antigas do norte da Alemanha; a Paschater zweischritt mistura movimentos de mãos com polka; a De kolom é dançada em pas-sos andados. All american pomerode tem origem americana, é um coletânea de músicas antigas. A Krebspolka, da região dos Alpes, é muito praticada em todos os países escandinavos.

A Jägermarsch também é conhecida como a mar-cha do caçador. Surgiu na Áustria, passando para o sul da Alemanha e tornando-se muito popular por toda a Europa.

Todas as danças apresentadas pelo Grupo Folclóri-co Eintracht, da cidade de Blumenau, também são trazidas da Alemanha por intermédio de associa-ções ou de instituições de pesquisa e cultura como a Deutsche Gesellschaft für Volkstanz (Associação Alemã de Folclore). Criado em 1987, por jovens lu-teranos, já se apresentou em vários outros estados como Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Goiás, sempre com o objetivo de cultivar o verdadeiro folclore alemão, mantendo a auten-ticidade e a originalidade de suas danças, trajes e costumes.

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Page 29: livro Câmara e Folclore

Santa Catarina tem a sua Itália

Quem ouve falar de dança italiana logo se lembra da famosa ta-rantela. No entanto, atualmente, centenas de grupos folclóricos espalhados por Santa Catarina cumprem papel fundamental no resgate da sua cultura, mostrando que há muito mais. Dançarinos e coreógrafos estão em constante intercâmbio com instituições italianas e fazem o caminho contrário dos seus antepassados, re-tornando à Europa para resgatar suas raízes com fidelidade.

A vestimenta correta – muitas vezes com as cores da bandeira, verde branca e vermelha –, a expressão corporal e a autenticida-de dos passos são estudadas com rigor e muitas vezes treinadas até a exaustão. A diversidade, o repertório alegre e os ritmos vibrantes, marcados por instrumentos, pés e mãos, compõem o clima festivo.

São encontradas coreografias de diferentes lugares – Beluno, Campanha, Sicilia, Calabria, Sardenha, Lombardia, Piemonte, Abruzzo, Lazio, Friuli Venezia-Giulia, entre outras. Com desta-que para as regiões do Vêneto e de Trento. Sempre lembrando que a pauta do folclore, seja de onde for, é a vida sem retoques: o cotidiano, os dramas e as vitórias.

Uma grande variedade de coreografias faz parte, por exemplo, do repertório do Grupo Folclórico Ítalo-Brasileiro Nova Vene-za, do município de Nova Veneza. Um dos mais experientes do Estado, o grupo tem 150 integrantes – é o único do Brasil a abranger todas as categorias – e adota coreografias inspiradas nas raízes históricas da colonização italiana. As danças são di-vididas em folclore de imigração, que segue fielmente as regras originais, e o folclore de projeção, que inclui criações do próprio grupo, mas sempre mantendo a essência e as características da dança italiana.

Entre os números de folclore de imigração, estão “Tarantella della primavera”, “Ballo di nastri”, “Ballo degli incontro”, “Manfrina”, “Tarantella napolitana”, “Mulino”, “Bal de la ma-tassa”, “Tarantella da Liguria”, “Tarantella de la contadina”, “Quadriglia”, “Picchia-picchia”, “La monferina”, “Valzer de la Josefina”, “La raspa”, “La vilanella”, “Sette pasi”, “Mi pia-se i bigoi co´a luganega”, “Tarantella u´vassunedu”. Entre as danças de projeção estão A Dança do Imigrante, “Vecchio má no tanto”, o Casamento, “Ricordando una festa Italiana”, Da Commedia dell´Arte ao Carnaval de Veneza, Alegre Tarantella, Recordando os Bailes na Praça, “Mazzolin di Fiori”, “Funiculi funiculá”, “Un giorno di festa”, “Ballo de sciale”, Da Conquis-ta ao Namoro – um Belo Romance, “La bella ragazza danza”, “Cuntradanza e pout-pourri”.

Desde 1991, o grupo realiza 25 apresentações por ano. Com tan-to tempo de estrada, já participou de vários eventos importan-tes como o Festival Internacional de Dança de Joinville, os Jogos da Juventude Italiana e a Festa das Nações, em Florianópolis. Uma das maiores conquistas foi o primeiro lugar no Festival Internacional do Folclore na cidade de Caguazul, na Argentina.

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A riqueza do figurino nas danças tirolesas

As apresentações de dança, música e canto são grandes atrações do município de Treze Tílias. Co-nhecido como “um pequeno pedaço da Áustria no Brasil”, devido à sua arquitetura e aos costumes locais. Reúne bandas, corais e vários grupos folcló-ricos. O mais antigo Grupo de Danças Folclóricas Tirolesas Schuhplattler, que conta com as catego-rias mirim, infantil e juvenil, foi fundado ainda no navio que trouxe os primeiros imigrantes da Áus-tria em 1933. Atualmente se apresenta por todo o Brasil e no exterior com grande frequência e um vasto repertório. O Tiroler Plattler foi fundado em janeiro de 2000. Suas danças se destacam por en-volver uma série de acessórios: sinos, arcos, ban-cos, lanternas e até um canhão. Os trajes são con-feccionados no Brasil, mas seguem rigorosamente os padrões tradicionais tiroleses.

O Lindental Tanz Gruppe foi fundado em 25 de mar-ço de 1995, por Valter Felder que morou seis anos na Áustria onde participou de estudos de dança folcló-rica. O Lindental já fez mais de 245 apresentações em um só ano, levando a tradição a outras cidades e países. O seu repertório é fiel ao estilo austríaco, marcado pelo sapateado. A Áustria está representa-da em todos os detalhes: os bordados dos vestidos das dançarinas: as três famosas flores austríacas: edelweiss, alpenrose e enzian. A roupa masculino é a calça de couro, popular do Tirol.

O Grupo de Danças Folclóricas Alpen Master foi criado em setembro de 2001, contando inicialmente com três casais acima de 40 anos de idade.O objeti-vo, resgatar o prazer de dançar. Além disso, divul-gam a dança austríaca, promovendo apresentações e buscando sempre garantir a amizade e a cumpli-cidade entre os integrantes.

Treze Tílias, conhecido como “um pequeno pedaço da Áustria no Brasil”, devido à sua arquitetura e aos costumes locais, reúne

bandas, corais e vários grupos folclóricos. O mais antigo é o Grupo de Danças Folclóricas Tirolesas Schuhplattler, que conta com as

categorias mirim, infantil e juvenil, e foi fundado ainda no navio que trouxe os primeiros imigrantes da Áustria em 1933.

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Festas gregas: alegria e saudade

Obra dos deuses ou do acaso, a chegada dos gregos em Flo-rianópolis só aconteceu devido a uma tempestade que to-mou de surpresa, no ano de 1883, o veleiro mercante “Lefki Peristerá” (Pomba Branca), que seguia rumo a Buenos Ai-res, Argentina. Nas proximidades do Farol de Santa Marta, em Laguna, Sul do Estado, a embarcação sofreu avarias que impediram a continuação da viagem. Os reparos tiveram de ser feitos em Desterro, atual Florianópolis. Talvez emba-lados pela nostalgia da aldeia de Savvas, na pequena Ilha de Kastellorizon no Mar Egeu, de onde vieram, alguns dos tripulantes resolveram mudar o seu destino e instalaram-se definitivamente na Ilha de Santa Catarina. Algum tempo depois, o capitão da embarcação retornou a Desterro com professores e profissionais liberais dispostos a estabelecer uma comunidade, dando origem à primeira colônia Grega constituída no Brasil. Entre eles estavam representantes das famílias tradicionais da Capital: Kotzias, Spyrides, Atheri-no, Pítsica, Nicolacópulos entre outros.

Muito religiosos, os gregos frequentavam a missa todos os domingos, possuíam oratórios nas casas e faziam da Sema-na Santa um acontecimento único, incluindo a tradicional procissão. Também eram conhecidos pelas animadas fes-tas. Nessas ocasiões, comiam, bebiam, cantavam em coro e dançavam o “kalamatianós” e o “sirtáki”. No “kalamatia-nós”, cinco gregos ou mais, homens e mulheres, dançavam de mãos dadas. No “sirtáki”, os homens se apoiavam uns nos ombros dos outros, segurando um lenço branco com a mão livre. Os passos eram acompanhados de estalidos dos dedos. A alegria era mesmo contagiante.

Mas, após as danças “extremamente fatigantes e de grande euforia que requeriam proeza e habilidade dos parceiros”, como descreveu Savas Apóstolo Pítsica, em “Os Gregos no Brasil”, o grupo entoava velhas cantigas de sua terra natal. Não raro, a alegria dava lugar a momentos de melancólica saudade. Porém, a tristeza não resistia muito tempo à ener-gia grega. Gritos de “Higá-su” (saúde) rompiam o enlevo chamando novamente para a celebração com mais brindes e o retorno às danças.

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Folguedos

Festa de Reis, Folia de Reis ou Terno de Reis é um auto popular natalino de evoca-ção da visita dos três reis magos ao menino Jesus. Os foliões fazem paradas em ca-sas da comunidade, para cantorias. Em troca, recebem comida e bebida. Segundo o historiador Osvaldo Mello Filho, o tradicional ciclo das festas de Natal do litoral catarinense – realizadas de 24 de dezembro a 15 de janeiro, inclui ainda o boi de mamão e os catumbis.

Os grupos de cantores que formam o Terno de Reis, geralmente acompanhados de viola, rabeca e pandeiro, visitam as casas de 23 de dezembro a 06 de janeiro, fa-zendo apresentações e recolhendo donativos para novenas. A apresentação inclui chegada, anúncio e despedida. O ciclo se encerra no dia seis de janeiro, consagra-do aos Reis Magos – Melchior, Gaspar e Baltazar – que seguiram a estrela guia até Belém e presentearam Jesus. Nessa data, por coincidência, chegaram os primeiros imigrantes açorianos à Ilha de Santa Catarina, em 1748. É também nesse dia, que os presépios são desmontados e é desfeita a decoração de Natal.

O ciclo natalino - Folia de Reis e Boi de Mamão

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“Vem cá meu boi, vem cá”

Parte do Ciclo Natalino, a brincadeira do Boi de Mamão é o folguedo mais popular do litoral catari-nense. A riqueza dos personagens e a história – de morte e ressurreição, contada em versos musica-dos, em geral acompanhados de violão e pandeiro – se completam com a criatividade e o colorido das fantasias. O vaqueiro Mateus é o protagonista. Ele tenta salvar seu boi da morte e do ataque dos uru-bus. Para isso, recorre ao médico e também à ben-zedeira. O fantástico fica por conta da Bernúncia, um bicho comprido e desengonçado que engole as criancinhas pela boca imensa e depois as devolve pela parte de trás, lembrando remotamente um

dragão chinês. A desengonçada Maricota, grande boneca sobre pernas de pau, e seu marido, o baixi-nho Valdemar, formam o casal mais engraçado do repertório catarinense.

O nome “boi de mamão” tem origem incerta. Al-guns apostam em uma ligação com o Boi Bumbá e o Bumba meu Boi, de outras partes do País. Mas, há quem diga que o boi catarinense é único. O nome pode ter surgido de uma cabeça de mamão ou ser uma corruptela de “boi de mama”. Alheios a dis-cussão, vários grupos reproduzem a brincadeira, em diversas cidades, com as figuras tradicionais que incluem o cavalinho e a cabra e divertem a pla-teia sempre participativa.

“Vaqueiro, traz o boi Não me queira demorá.

Vem cá meu boi, vem cá. Quero ver Mateus dançando,

Pra fazer o boi dançá,

Vem cá meu boi, vem cá. Quero ver boi de mamão,

Vir dançá, rentinho ao chão,

Vem cá meu boi, vem cá. Atravessa no caminho,

E não deixa ninguém passá”

Eu benzo o meu boi, Com um galho de alecrim,

Senhor dono da casa, Não se esqueça de mim!

Alevanta boi doirado, Alevanta de vagar. Já te disse uma vez,

Não te torno a mandar. Te apronta e vai embora,

Que tua dança tá na hora.

O meu cavalinho, Ele já chegou.

O dono da casa Não cumprimento. Coro - bis

O meu cavalinho, Com laço de fita,

O ginete dele É moça bonita. Coro - bis

O meu cavalinho, Cavalo picasso, O ginete dele

É o que traz no laço.

O meu cavalinho Vem que tem que vir

Que a viagem é longa Temos que seguir.

O meu cavalinho Não tem mais demora,

Dá a meia-volta Laça e vai embora!

Oi que bicho que vem, Ei cabra, ei cabra!

É a cabrinha e vem pulando, Ei cabra, ei cabra!

Quero ver minha cabrinha, Ei cabra, ei cabra!

Vir dança rentinho ao chão, Ei cabra, ei cabra!

O vaqueiro da cabrinha Ei cabra, ei cabra!

Dá uma volta bem feitinha, Ei cabra, ei cabra!

A cabrinha dá um berro, Ei cabra, ei cabra!

Que assusta o vaqueiro, Ei cabra, ei cabra!

Ei cabrinha tá na hora, Ei cabra, ei cabra!

Dá um pulo e vai embora, Ei cabra, ei cabra!

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Arreda do caminho Que a bernunça quer passá!

A bernunça tá dançando, Ouve que diz um colega De noite não vá pra rua,

Que a bernunça pega. Coro – bis

Olé, olé, olé, olé, olá, Arreda do caminho

Que a bernunça quer passá!

Vamos embora, minha gente, Bananeira, chorá, chorá.

Para lugar diferente, Bananeira, chorá, chorá.

Cai, cai, Na boca da noite o sereno cai”

Bernunça, minha bernunça Bernunça do coração

A bernunça dança bem Quando chega no salão. Coro - bis

Olé, olé, olé, olé, olá, Arreda do caminho

Que a bernunça quer passá!

A bernuça é bicho brabo,engoliu mané João.

Come pão come bolacha,Come tudo que eles dão.

Olé, olé, olé, olé, olá, Arreda do caminho

Que a bernunça quer passá!

A bernunça vem chegando, Espalhando toda a gente. É o bicho que alvoraça,

Quando chega de repente. Coro - bis Olé, olé, olé, olé, olá,

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Coleção Museu de Arte de Santa Catarina

Valda Costa: “Boi de Mamão”, 1989

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Capítulo III

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Tradições, lendas e ditos populares

Os monges do Contestado, as bruxas “escaveiradas” do litoral, as mulas-sem-cabeça nas vilas do inte-rior, as rezas das benzedeiras para espantar o mau-olhado e os tramados de rendas de bilro vindos de além-mar. Tudo faz parte de uma Santa Catarina mística encontrada nas páginas de uma história não muito longínqua, mas ameaçada de desaparecer. Uma época de sortilégios, rezas e presságios. Um tempo de crianças na rua, girando piões e empinando pandorgas. Dos bodoques e estilingues, das calças curtas e dos pés nus correndo pelas estradas de chão. Na falta da profusão de explicações científicas dos dias de hoje, um ditado resolvia qualquer enigma. Expressões da sabedoria popular que não se sabe de onde vem de tão antigos, os ditados são fruto da experiência e da imaginação que se entrelaçam para surgir em for-ma de aviso. “Quem saltar a rua pela janela vira ladrão. Varrer a casa de dentro para fora, traz pobreza. Ter quadros ou modelos de navios provoca atraso de vida. Sonhar com dente caído, morte de parente! E se ventar forte no dia do casamento, o marido será mau. A sorte virará as costas para quem negar água e fogo”. E o pior de todos: “se beber água no escuro, o diabo entra na gente!”.

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Vários ditados populares foram coletados pelo escritor Lucas Boiteux em terras catarinenses em meados do século passado. Os sortilégios diziam respeito a quase todas as ações do cotidiano. Em uma época de poucos recursos na área da saúde, os presságios para moléstias eram bem numerosos. Ter búzios ou caramujos em casa, deixar entrar um cão desconhecido ou criança brincando com a pró-pria sombra, era doença na certa. Já contar estrelas acabava em nascimento de “berrugas” ou “verru-nas” (verrugas).

Pior ainda era o mau olhado que resseca plantas viçosas, mata pintos novos, amesquinha crianças robustas. Para combatê-lo, nada como colocar um laço vermelho nas gaiolas e uma figa no pescoço ou no pulso. Evaldo Pauli chama a atenção para a quantidade de amuletos usados pelas crianças em Santa Catarina. Ele classifica de fetiches e amule-tos, “folclóricos para uns, alegóricos para outros, os pequenos objetos aos quais se atribuem poderes de proteção ao serem usados sobretudo pendura-dos ao pescoço ou aplicados aos braços. Podem ser também aplicados, - principalmente em forma de ferraduras, - na soleira das portas, ou no alto das mesmas”.

No livro Poranduba Catarinense, edição de 1957, Lucas Boiteux fala sobre o folclore fetichista no Es-tado: “As crianças Catarinetas... andam cobertas de amuletos para preservá-las dos maus olhados, dos

bruxedos, dos feitiços, dos encantamentos e de vá-rias moléstias. É de ver que me refiro ao vulgo. Para isso trazem ao pescoço berloques de ouro, prata, latão ou bechisbeque, conforme as posses de cada um, de permeio com escapulários, medalhinhas de santos e agnus-dei distribuídos por missionários, ‘olhos de Santa Luzia’ (contra cegueira e outras moléstias da vista), ‘signos de Salomão’ (a estrela judaica de seis pontas) e um tubozinho de prata e também uma pulseira de aço, contra o ar de parali-sia; figas de guiné, de osso ou qualquer metal, con-tra os maus-olhados; colares de âmbar ou um fio de lã amarela contra icterícia; fiadas de coral; dentes de tigre; três grãos de milho torrado contra tosse ou três dentes de alho contra varíola; bentinhos com imagens de santos ou encerrando orações milagro-sas contra acidentes, moléstias contagiosas, etc.”.

Outra ameaça era o quebranto, quase um mau olhado, com a diferença de que podia ser causa-do pela palavra, até mesmo pelo elogio de boa fé. Depois do elogio feito, se o quebranto se instalava, a saúde do sujeito piorava, o negócio começava a andar mal. Um bom remédio eram as benzedu-ras que tinham poder de espantar até mau olhado. Serviam para curar “espinhela caída”, “sol na ca-beça”, bicheiras de animais, cobreiros, rasgaduras e toda sorte de moléstias populares de causa in-certa. Para afastar almas penadas, fantasmas no-turnos e grasnar agourento de corujas, basta dizer: “Eu te esconjuro”.

Vários ditados populares foram coletados pelo escritor Lucas Boiteux em terras catarinenses em meados do século passado.

Os sortilégios diziam respeito a quase todas as ações do cotidiano. Em uma época de poucos recursos na área da saúde,

os presságios para moléstias eram bem numerosos.

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Para o mau olhadoFulano eu te benzo de olhado e de quebrante

Assim como tu és batizado,Quero que tenhas fé em Jesus crucificado.

Se for quebrante, olhado ou zipraO que tiver no seu corpo encasado,

Nossa Senhora que tireE bote nas ondas do mar sagrado,

Onde não chegue genteNem cristão batizado.

Fulano eu te benzoCom as três palavras da Santíssima Trindade.

O que estiver no teu corpo encasado,Nossa Senhora que tire.

Em nome de Deus e da Virgem MariaDeus te gerou, Deus te criou,

Deus que tire esse mal que no teu corpo entrou.Sangue te pôs no corpo como Jesus Cristo no horto,Sangue te pôs na veia como Jesus Cristo na ceia,Sangue te pôs no lugar como Jesus Cristo no altar.

Em nome de Deus e da Virgem MariaEsse teu mal nunca aumentaria

São José, São Joaquim, desate esse cordãoO teu Divino Pão.

(Benzedura coletada por Neusa Nunes, em 1950, no município de Tubarão no Sul do Estado).

Rezas contra azia Santa Sofia

Azia,Uma fiava,Outra tecia,

Outra benziade azia,

em nome de Deus e da Virgem Maria

(Boletim trimestral 3 Comissão Catarinense de Folclore /1950)

Reza contra zipra “Para a zipra,Zipra, zipelão,

Que dá na pele da peleDá no osso do osso

Dá no tutano do tutanoCai no mar.

Pede a Deus Nosso SenhorQue esta zipra não torne a dar”

(Benzedura registrada em Tubarão, no Sul do Estado)

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Bruxas, lobisomens & Cia

Eram temidos os lobisomens, as mulas sem cabeça e as bruxas escaveiradas, certas velhas mirradas de fome que à meia-noite voavam à procura de re-cém-nascidos para lhes chupar o sangue. Acredita-va-se que as bruxas atravessavam o oceano seguin-do os navios dos imigrantes. Presentes em todas as culturas, mas de diferentes formas, elas estão nas histórias contadas de boca em boca depois do es-curecer. As bruxas de origem portuguesa, tão bem retratadas pelo pesquisador Franklin Cascaes, cos-tumam se transformar em mariposas e penetrar nas casas pelos buracos das fechaduras, chupar o sangue das crianças ou mesmo dos adultos. A marca do chu-pão tem nome: “melancolia”. Outra pista fácil para se reconhecer uma bruxa: observar se ela cumprimenta oferecendo a mão esquerda para apertar.

Segundo o escritor Lucas Boiteux, em uma coletâ-nea de pequenas lendas catarinenses, elas apare-cem “quando de um casal nascem sete meninas, sem nenhum varão permeio”. Nesses casos, “a primeira ou a última filha será, fatalmente, uma bruxa”. Para se evitar o triste destino “faz-se mis-ter que a mana mais velha seja madrinha da mais moça”, ensina o pesquisador.

O encantamento do lobisomem segue a mesma li-nha. É o primeiro ou sétimo filho de um casal. Da mesma maneira, o mais velho deve batizar o mais novo para evitar a maldição. Artigo da década de 50, da Comissão Catarinense de Folclore, trouxe a descrição atribuída ao lobisomem pelos antigos. Acreditava-se que “a pessoa que carrega este fado é, geralmente, de físico pouco agradável: magro, macilento, escaveirado, de olhos fundos e de ca-belos fouveiros.... Dizem que sua sina é percorrer entre meia-noite e o primeiro canto do galo sete ci-dades. Os cães os pressentem de longe e ladram, atemorizados, a sua passagem”.

Já as concubinas de padres têm destino ainda pior: viram mulas-sem-cabeça depois de mortas. Aliás, dizia-se no município de Tijucas, que se reconhe-ce facilmente a amante de um padre, à noite, pe-las faíscas que soltam dos calcanhares. Para se ter certeza se a mulher é mesmo essa, lança-se ao fogo um ovo enrolado em uma linha com o nome dela, reza-se três vezes a seguinte oração:

A mulher do padreNão ouve missaNem atrás dela

Há quem fique...Como isso é verdade,

Assa o ovoE a linha fica...

Se for verdade, o ovo fica cozido e a linha não é queimada. Nos sítios do interior do Estado, o adultério, mesmo en-tre pessoas comuns, acabava em maldição. Se o compadre costuma ter tratos carnais com uma de suas comadres, sua alma vira boitatá. Para afugentar esta ameaça deve-se dizer: “Maria, vai buscar a corda do sino para prender o boitatá”.

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Nascimento e morte

Na Ilha de Santa Catarina há alguns rituais envol-vendo os momentos que marcam o início e o fim da vida. Nos nascimentos, o costume era mandar um dos filhos, ou parente mais chegado, correr de casa em casa dando a boa nova: “a mãe manda avisar que nasceu um criado a sua disposição”. Com as visitas que iriam ser recebidas, sempre vinha um presentinho...

No caso de morte, há a “coberta d’alma”, roupa de defunto vestida por um amigo como para dar indi-cação de que morto não voltará do outro mundo. Quando morriam os pais ou o marido, as mulhe-res vestiam-se de preto por seis meses. O homem usava o “fumo” que é uma tarja preta de fazenda presa à manga do paletó ou da camisa ou ainda fixa na gola do paletó ou casaco. Até a gravata tinha de ser preta e, antes da missa de sétimo dia, não se ia a festas.

Coisas do Demo

Pior ainda eram as lendas que descreviam as fa-çanhas e os poderes do Demo, também conhecido por Belzebu, Bode, Capeta, Cão, Canhoto, Coisa Ruim, Diacho, Dianho, Demônio, Espírito Mau, Inimigo, Lúcifer, Pé de Pato, Pedro Botelho, Por-queira, Quimbinga, Santa, Satanás, Tinhoso e tan-tos outros.

Até meados do século passado, muitas lendas e di-tos populares corriam sobre o bicho feio e alguns foram relatados no Boletim Trimestral da Sub-Co-missão de Folclore, de setembro de 1950. Não se deve falar sozinho, nem beber água no escuro, por-que o faz com o Diabo. É preciso que se note que a gente trabalha para Deus e para o Diabo. Vintém mal ganhado, o diabo leva. Na pataca do sovina, o diabo tem três tostões. Deve fugir-se dele como o Diabo da Cruz.

Principalmente não se deve dar esmola ao Diabo, nem fazer-lhe promessas. Pois “há pessoas afoitas que chegam a vender a alma ao diabo”, e outras, para encontrarem coisas perdidas ou alcançarem a realização de um desejo, costumam amarrar o rabo do diabo, dando um nó num barbante. E, não deve-mos nos benzer à primeira badalada do sino, pois essa, diz o povo, é a do Demo....

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Sabedoria indígena

Muita coisa se perdeu da cultura indígena em San-ta Catarina já que esse povo não conhecia a escrita e foi subjugado e praticamente exterminado pelos homens brancos. Alguns os consideravam seres in-dolentes e preguiçosos e pouca atenção foi dada ao seu patrimônio cultural, antes que já fosse tarde. O jornalista Ozias Alves pesquisou a história mitoló-gica dos guaranis Mbyás de São Miguel, no municí-pio de Biguaçu e resgatou uma lenda que explica a origem da humanidade. Os indígenas acreditavam em um deus supremo chamado “Nhanderu ete”, de forma humana, cujos olhos refletiam a infinida-de das cores e que vaga pelo cosmos num veículo voador chamado “Bairý”.

Segundo a mitologia guarani “Nhanderu ete” per-correu o “Nhe’ê Rekuagui”, o “lugar das almas”, o mundo dos espíritos e de lá trouxe “Nhande ypy”, o “Primeiro Homem”. O deus advertiu “Nhande ypy” sobre sua verdadeira missão: povoar a Ter-ra e não permitir que o egoísmo tomasse conta dos corações de seus descendentes. Por fim, previu que o egoísmo tornar-se-ia a raiz de todo o mal da humanidade, pois desencadeia a violência do ho-mem contra o homem. “Nhanderu ete” pediu aos habitantes da Terra que prezassem por sua memó-ria, cujo exemplo inspiraria os homens a praticar o bem. Nascia ali a religião guarani.

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O contestado: fé e coragem

O Meio-Oeste do começo do século XX é o cenário do maior fenômeno messiânico de Santa Catarina liderado por um misterioso monge, chamado José Maria, com milhares de seguidores capazes de morrer pela fé. A região era literal-mente uma terra sem dono, disputada por paranaenses e catarinenses, devastada pelos americanos e defendida com a própria vida pelos sertanejos. Ali aconteceu a Guerra do Contestado, provocada, entre outros fatores, pela ambição da Southern Brazil Lumber and Colonization Co. respon-sáveis pela primeira devastação ecológica industrialmente planejada na América Latina. A invasão causou o deses-pero dos caboclos ameaçados de perder suas propriedades para os estrangeiros. A empresa americana tinha negocia-do, com o governo brasileiro, o direito de explorar a madei-ra nativa dos dois lados da ferrovia construída.

Mergulhados no desespero e traídos pelo Estado, os serta-nejos, aparentemente a parte mais fraca do conflito, ganha-ram força e uma resistência movidas pela fé. A Guerra do Contestado tomou proporções inesperadas, mobilizando grande número de combatentes e vítimas, sendo considera-da uma das maiores revoltas camponesas do Brasil.

O conflito alastrou-se por dezenas de municípios, durou quatro anos (1912/16) e envolveu um terço da população catarinense. Pela primeira vez na história do Brasil, o avião foi usado como instrumento bélico. O confronto só teve fim em 1914, quando o General Setembrino de Carvalho, enviado do Rio de Janeiro com tropas federais, e aliado a soldados do Paraná e Santa Catarina, enfrentou os sertane-jos. Grande número de pessoas também foi vitimada pela fome e por uma epidemia de tifo. Era o fim da resistência histórica do movimento do Contestado e a vitória dos lati-fundiários.

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Mas entre o início e o fim dessa Guerra, desenrolou-se uma fantástica história de misticismo. Os historiadores Walter F. Piazza e Laura Machado Hübener relatam a existência de ou-tros monges, antes de José Maria, mas foi ele o protagonista dos mais incríveis episódios envolvendo batalhas sangrentas e sacrifícios. Sabe-se que José Maria dormia com três virgens e sobre ele corriam várias lendas. Era capaz de proteger as pes-soas da chuva, andar sobre as águas e combater as forças do mal representadas pelo “dragão de fogo” da estrada de ferro.

José Maria morreu em combate no acampamento de Irani, no início do conflito. Porém, mesmo morto, sua memória in-fluenciou o desenrolar da Guerra até o seu fim. Poucos meses depois de sua morte, correu a notícia de que o monge havia se manifestado através de uma de suas virgens, chamada Te-odora. Ele pedia a reorganização de seu exército e a reedifica-ção do acampamento de Taquarussu. Manuel, um rapaz de dezoito anos, foi eleito para comandar o acampamento para onde migraram milhares de pessoas esvaziando as cidades das redondezas.

O crescimento da Vila Santa foi combatido por duzentos solda-dos do Governo, repelidos duramente por um exército de cabo-clos liderados por um rapaz de apenas 15 anos, chamado Joa-quim, o “Menino de Deus”. O ataque provocou a transferência dos fanáticos para o acampamento de Caraguatá. Foi o início da chamada Guerra Santa e o surgimento de uma nova liderança, a virgem Maria Rosa. Era uma mulher incomum. Reza a lenda que com apenas 15 anos montava em seu cavalo branco e lide-rava os jagunços, com uma espada e uma espingarda. Usava muitas flores nos cabelos e era sempre vista com um longo ves-tido branco. Apesar da aparência angelical, espalhou o medo. Seu exército de jagunços era imbatível na mata.

O governo reagiu e a violência espalhou-se pela região. Se-gundo o jornalista Gilberto Dimenstein, em artigo publica-do na Revista Visão, em 04 de outubro de 1982, “os jagunços passaram a saquear e matar sertanejos pacíficos. Os soldados davam cabo do que sobrava: violavam mulheres, atacavam casas. Outro líder, Deodato, também conhecido por “São Joa-quim das Palmas”, era o mais cruel: chegava a desenterrar os corpos dos inimigos, pois acreditava que assim sua alma não iria para o céu. Diziam que matava o marido e, se a esposa chorava, matava também a mulher”. A verdade é que até os dias de hoje se ouve falar em José Maria. O monge depois de morto virou uma espécie de santo. Sua lembrança persistiu por todo o século XX, principalmente no Meio-Oeste e pelas cidades onde passou, incluindo a Lapa, Rio Negro, Mafra, Curitiba e outras, chegando até o Rio Grande do Sul.

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Coleção Museu de Arte de Santa Catarina - Luis Mazzey: “Empinando Papagaio”, sem data

A arte de brincar

O ziguezaguear de uma pandorga no céu, o rodo-pio alucinado dos piões, ingênuas cantigas de roda, a técnica para fazer um bodoque, intermináveis dis-putas de bolinhas de vidro ou a cabra cega sempre procurando um companheiro para rendê-la, com-põem um universo de brincadeiras infantis quase esquecido. As atividades, próprias para serem pra-ticadas ao ar livre – com muito espaço, nos quintais de casa e nas ruas, ou nos “campinhos” do bairro – começavam já na confecção dos brinquedos. Pou-cos artefatos eram encontrados prontos nas casas de comércio. Um teste para as habilidades manu-ais. Oswaldo Cabral foi um dos primeiros histo-riadores catarinenses a reconhecer a importância e resgatar esse segmento da cultura popular. “Os fol-guedos e brincadeiras infantis mais conhecidos em Santa Catarina, há trinta ou quarenta anos atrás, já estão na sua maioria desaparecidos”, lamentou no artigo publicado em junho de 1952.

“Um – dois – três – quatro – quantos – pelos – tem – o – gato – acabado – de – nascer – um – dois – três - quatro”. Cada palavra era pronunciada enquanto

os meninos atentos eram apontados com o dedo. Quem fosse apontado ao final da última palavra era automaticamente excluído da brincadeira. Assim se fazia a seleção de parceiros para os mais diversos di-vertimentos. Entre os jogos coletivos um dos mais famosos era a cabra cega. Meninos e meninas veda-vam os olhos de um jogador que se esmerava em perseguir e alcançar um companheiro para rendê-lo no seu posto de “cabra cega” e assim por diante.

Os menores brincavam de “ovo choco”. Formava--se uma roda, com os participantes voltados para o centro. O objetivo era derrubar um objeto atrás de um deles sem deixar que o escolhido percebesse a manobra. Mas, se a estratégia fosse notada, o candi-dato a ovo choco tinha a chance de correr atrás do desafiante até alcançá-lo e lhe passar o título.

O arco era uma brincadeira das mais simples. Bas-tava um aro para ser guiado por meio de uma vara ou arame duro, com a extremidade dobrada para que pudesse ser suspenso quando se desequilibras-se. O mais usado era de barril, principalmente o arco central. As rodelas das bocas de fogão à lenha também eram aproveitadas.

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As pandorgas envolviam uma técnica mais refinada e um tempo de preparo maior. Utilizava-se grude, cola caseira de farinha de trigo ou polvilho, taquaras finas de bambu para a armação, papel de seda colorido e tiras de pano com nós ou la-ços para fazer peso. Os papagaios eram mais comuns, às vezes eram até comprados na mercearia do bairro. Também tinham hastes de taquara como base, bem talhadas, de preferência. O simples era feito com duas varetas cruzadas. O formato varia-va: quadrado ou retangular, também podia ser redondo e che-gar até ao refinado hexagonal. Qualquer que fosse o modelo, a brincadeira chegava ao auge quando o brinquedo era levado pelo vento, exibindo as cores do papel de seda contra o céu, o revolteio dos rabos de pano impressionava e os fios eram muitas vezes transformados em “cortadeiras” quando cacos de vidro eram colados para cortar o fio das pandorgas rivais.

Como contam os mais “antigos”, era raro o menino que dei-xava de levar seu pião a escola. Cada um fabricava o seu. Os mais rústicos eram confeccionados em brejaúva, espécie de palmeira nativa, os mais elegantes eram de madeira e de fo-lha. O pião não era feito para brincadeiras solitárias, mas sim para as competições no recreio ou depois da escola.

Verdadeiras armas primitivas, os bodoques tinham formato de arco de duas cordas. Eram confeccionados com madeiras de araçás ou marmeleiros e serviam para lançar pelotes de barro ou outros objetos. Já as fundas feriam e até matavam pássaros ou outros animais menores. O folclorista Osvaldo Cabral informa que as crianças o chamam de setra ou seta. Em Portugal, também recebe o nome de funda, fisga ou ati-radeira. Na descrição da pesquisadora Elizabeth Lannes Ber-nardes, “esse brinquedo é composto de três partes: o gancho ou forquilha (cabo), o elástico e a malha. Tem a forma de um “Y” e é construído com madeira de laranjeira, goiabeira ou jabuticabeira. Nas extremidades superiores amarram-se duas tiras de borracha ou elástico. As outras pontas das tiras ficam amarradas em um pedaço de couro formando a funda, a ma-lha, onde se coloca o projétil (mamona verde, pedrinhas), que é atirado no alvo com o impulso da borracha distendida”.

As petecas de couro ou de papel eram jogadas em círculo. Usava-se o termo “vadiar” para quem ia brincar de peteca. As bolinhas de vidro eram atração no começo do século XX, as brincadeiras mais usuais eram a Nica, Bóca e Três Bocas. Jogava-se “de véras” ou de brincadeira. Na primeira moda-lidade, quem perdia entregava seu arsenal para o vencedor.

Coleção Museu de Arte de Santa Catarina

Tércio da Gama: “Boi de Mamão”, 1984

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“Está esquentando, está pegando fogo!” Era a senha para avisar que o “chicote queimado” estava escon-dido nas proximidades. A brincadeira consistia em esconder uma peça que fizesse as vezes de chicote queimado. Quem escondia, controlava a brincadeira avisando quem estivesse longe (frio), perto (morno) ou muito perto (quente, pegando fogo).

A amarelinha era um jogo mais demorado e o pre-ferido das meninas. Desenhavam-se casas no chão, em sequência, e o desafio era transpô-las, aos pulos, muitas vezes em um pé só, sem queimar as linhas.

Carniça ou pastelão era uma brincadeira muito simples de rapazes. Enquanto um deles ficava cur-vado os outros pulavam por cima das costas.

Longe das facilidades modernas, era difícil, e até mesmo dispendioso, encontrar uma bola de fute-bol. Então recorria-se às pelotas feitas com um pé de meia de mulher recheado de papel e pano, eram divertidas, mas não quicavam!

Na pesquisa de Cabral, ainda foram registradas: brincadeira do acusado; da bota, do garrafão; da bandeira; de briga-de-galos; da bola-de-pano; de circo; de quadrilha e de batalhão.

Elizabeth Bernardes aponta a origem das brinca-deiras infantis. Segundo ela, “adivinhas, parlendas, cantigas de roda, histórias de príncipes, rainhas, assombrações, bruxas e brinquedos, como a pipa, o pião, o bodoque e os jogos de pedrinhas, a ama-relinha, entre outros – foram trazidos pelos portu-gueses e fazem parte da cultura europeia”. A pipa ou papagaio fez um longo caminho até chegar ao Brasil. Foi inventada na China e levada à Europa de onde foi trazida pelos imigrantes. Lannes con-firma que é difícil precisar a origem de brincadei-ras africanas. Da tradição indígena, ficaram as tra-moias com barbantes, uma delas é conhecida como cama-de-gato, e a preferência por jogos imitando animais.

“adivinhas, parlendas, cantigas de roda, histórias de príncipes, rainhas, assombrações, bruxas e brinquedos, como a pipa, o pião, o bodoque e os jogos de pedrinhas, a amarelinha, entre outros – foram trazidos pelos portugueses e fazem parte da

cultura europeia”

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Adivinhações e perguntas

As adivinhações são tradições orais que com-pletam o universo das brincadeiras, tanto in-fantis quanto adultas. Eram feitas para diver-tir e passar o tempo na época em que muitos lares ainda não tinham televisão, por exem-plo. A maioria tem conotação ingênua e abor-da atividades do cotidiano. Algumas, devido à rápida evolução tecnológica, nem se apli-cam à atualidade. Como essa adivinhação do tempo das vassouras ainda feitas de piaçava. “Que é, que é? Vem do mato, corre a casa toda e vai parar em um canto?”

Que é, que é? São três irmãs numa casa:

Uma vai e não torna; uma quer ir e não pode; a outra fica

até morrer?Resposta: A fumaça, a labareda e a brasa

Que é, que é?Tem cabeça, mas não é bicho;

Tem dente, sem ter boca;Tem barba, mas não é bode?

Resposta: alho

Que é, que é?Entre taboas e taboletas

Está uma dama enfeitada;Quer chova, quer faça sol

Sempre a dama está molhada?Resposta: a língua

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Coleção Museu de Arte de Santa Catarina

Zacarias Carvalho de Lima: “Rendeira”, 1980

Renda de Bilro

A arte de fazer renda é aprendida desde a infância. Oval de concha, cocada, rodinha de arco, flor de café e pé de galinha são alguns dos pontos repas-sados pelas mulheres portuguesas e de mãe para filha, durante séculos, até chegarem a Santa Cata-rina pelas mãos da primeira geração de imigrantes açorianos que atravessaram o oceano Atlântico, no século XVIII.

As rendas são confeccionadas pelo ágil manusear dos bilros de madeira, tendo como apoio almo-fadas cilíndricas duras e o auxílio de alfinetes e cartões furados (piquês). As rendeiras, com movi-mentos rítmicos tecem a mais conhecida e criativa

forma de artesanato catarinense que compõem pe-ças diversas, “toalhas, banquetes, colchas, toalhas quadradas, retangulares, redondas, ovais, trilhos e jogos e toalhinhas as mais variadas”, segundo re-lacionou o pesquisador Doralécio Soares em artigo publicado na revista da Comissão Catarinense do Folclore, em 1957 .“

As meninas que começavam bem cedo a fazer ren-da, também aprendiam a fazer poesia. Os bilros ocupavam as mãos enquanto delicadas trovas e quadrinhas de versos ingênuos acompanhavam o trabalho, reflexos de uma época que já não existe mais. Essa tradição ainda é praticada atualmente, em muito menor número, e é um dos atrativos tu-rísticos do Estado de Santa Catarina.

“Eu butei renda na caixaNo trancelin e escaninho

Perco eu minhas passadasPra te ver cantar menino

Butei renda na caixaNo escaninho o retroz

Eu vivo muito agravadaE muito ofendida de vós”

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A arte no barro

A olaria é outra arte tradicional e representativa da cultura açoriana em Santa Catarina. O ofício passou de pai para filho e conservou-se por ser utilitário, além de decorativo. Nas casas dos descendentes de açorianos ainda se experimenta o gosto refrescante da água conservada nas moringas. O município de São José, na Grande Florianópolis, é o reduto dessa técnica que se tornou arte.

Segundo o resgate histórico feito pela Escola de Oleiros Joaquim Antônio de Medeiros, de São José, em 1940, cerca de 50 olarias estavam em funciona-mento na cidade, produzindo grande variedade de peças – caçarola, alguidar, mata-fome, boião, mo-ringa, sopeira, açucareiro, frigideira, bule, chaleira, xícara, pires... A produção era comercializada nas cidades próximas e até em outros estados. Na lista de mercadorias ainda constavam miniaturas como panelas, louças e fogões, que serviam de brinquedo para a criançada, e demais peças de decoração.

A Escola de Oleiros Joaquim Antônio de Medeiros foi fundada em 1992 com a finalidade de recuperar, valorizar e repassar o ofício. A curiosidade é que Jo-aquim Antonio de Medeiros, já falecido, era ex-pro-prietário de uma olaria que funcionava no prédio onde está instalada a escola. No local, são oferecidas oficinas de iniciação à cerâmica ainda com a velha técnica da roda de oleiro feita de madeira e movida com os pés. Centenas de alunos frequentam os cur-sos anualmente, muitos voltados para a criação de peças artísticas.

Peças em barro com casarios portugueses ao fundo: típica paisagem do município de São José

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Quadrinhas de Pão por Deus

Lá vai meu coraçãoNas asas de uma andorinha

Vai pedir Pão por DeusA minha amada bentinha.

ouLá vai meu coração

Neste lindo ramalheteVai pedir um Pão por Deus

Que me mandes um presente.ou

Lá vai meu coraçãoNo bico de uma rolinha

Vai Pedir um Pão por DeusOh! madrinha me dê uma sombrinha

(Coletânea do Museu da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC)

“Quando chega a primavera, Toda a terra fica em flor, Só se vê menina e moça, de braços dados com o seu amor!” A florada do ipê marcava o início do envio de mensagens ingênuas como essa, de amor, amizade e simpatia, transmitidas por cartões rendilhados chama-dos de Pão por Deus. Há mais de 200 anos de registros na Ilha de Santa Catarina de recados singelos escritos nas mais variadas figuras de papel, em recortes geomé-tricos. O coração era o formato preferido, circulando entre namorados, parentes e amigos. Esse tipo de co-municação comum às comunidades portuguesas era praticado até o final do ano. Na explicação do maior estudioso catarinense do tema, o folclorista Nereu do Vale Pereira, “o Pão por Deus é uma das formas arcai-cas de comunicação epistolar. Uma mensagem pedi-tória ou de busca em uma correspondência amorosa”.

Apesar das inúmeras referências açorianas ao Pão por Deus, suas primeiras raízes podem ter nasci-do nos mosteiros alemães, durante a Idade Média, como “bilhetes espirituais”. Em Santa Catarina, a tradição é uma correspondência amorosa, mas também é uma expressão de pedido, de dádiva. Nereu do Vale Pereira diz em seu livro Contributo Açoriano para a Construção do Mosaico Cultural Catarinense: “a pessoa que recebe o Pão por Deus fica como que obrigada a cumprir o pedido espe-cialmente se for um presente material, e deve ser remetido acompanhado de um bolo confecciona-do em forma de coração”. Na maioria dos casos relatados, a pessoa agraciada, também, até o Na-tal, está obrigada a mandar um mesmo bolo à pes-soa que o atendeu.

Pão por Deus

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Ao longo dos séculos, o artesanato indígena conservou a beleza exótica e a profusão de cores que causou espanto ao homem

branco há quinhentos anos. Colorido oriundo de tintas naturais, provenientes de árvores e frutos, e enfeites feitos de plumas, folhas,

sementes, grãos e flores.

Cestas e trançados

O artesanato indígena foi o primeiro meio de comunica-ção com os europeus. Em 1500, Pero Vaz de Caminha nar-rou por carta, ao rei de Portugal, a impressão que teve dos homens “pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobris-se suas vergonhas”. Nas mãos traziam arcos e setas. Mas como prova de boas-vindas arremessaram um “sombreiro de penas de ave compridas com uma copazinha de penas vermelhas e pardas, como de papagaio. E outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas que querem parecer de aljôfar”.

Ao longo dos séculos, o artesanato indígena conservou a beleza exótica e a profusão de cores que causou espanto ao homem branco há quinhentos anos. Colorido oriundo de tintas naturais, provenientes de árvores e frutos, e enfeites feitos de plumas, folhas, sementes, grãos e flores.

No Estado, encontra-se também uma variedade de cerâ-micas e cestarias geralmente confeccionadas a partir de folhas de palmeiras nativas. A finalidade? Inúmeras. Para guardar alimentos, objetos e até tornar-se um berço. Ou, simplesmente para a beleza do olhar. A arte de trançar fibras inclui a criação de outras peças de grande impor-tância no dia-a-dia dos índios e cada vez mais valorizadas diante da tendência mundial de estreitar os laços com a natureza. São redes, esteiras, balaios, peneiras e chapéus.

Flautas e chocalhos são utilizados ao longo dos séculos para fazer brotar a música, tanto em festividades comuns, quanto nos rituais sagrados. Atualmente, encontram lugar de destaque na decoração urbana como forma de lembrar aos brasileiros quem foram os primeiros habitantes desta terra. O artesanato indígena catarinense pode ser encontra-do com facilidade, inclusive no centro de grandes cidades como Florianópolis. O direito dos índios de produzir e ven-der seus produtos é protegido pelo sistema jurídico brasi-leiro, que garante a livre venda de seu artesanato.

O Estatuto do Índio reza que o artesanato indígena deve ser estimulado como forma de elevar o padrão de vida das tri-bos, o que é considerado também pela Convenção 169 - da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, ratificada pelo Brasil.

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Capítulo IV

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Festas religiosas e populares

As festas religiosas e populares têm raízes nas formas de diversão coletiva dos colonizadores e coloniza-dos. A forte religiosidade, a fartura das mesas, o amor pela música e o prazer pela confraternização são características comuns aos imigrantes que construíram este Estado. Recém estabelecidos, assim que ven-ceram as primeiras dificuldades do cotidiano – adaptar-se à comida e ao clima – já trataram de improvisar bandas para interpretar canções em seu idioma natal. No repertório, canções que abordavam desde os pequenos acontecimentos do dia-a-dia, como a lida de um sapateiro, até os problemas de amor. Os alemães tinham as kerbs, os italianos, as sagras, os negros, os batuques na senzala e assim por diante. Na pequena Itapiranga, no Oeste, por exemplo, nasceu a primeira Oktoberfest do Brasil. Mas, foi em Blumenau que a comemoração tomou ares de espetáculo e incentivou a projeção de festividades de outras etnias. Essa tra-dição de festejar, tanto as pequenas quanto as grandes conquistas, se transformou no roteiro mais famoso do Estado, as festas de outubro.

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A Oktoberfest de Blumenau cresceu tanto que atu-almente é considerada a maior festa típica do País e consta entre as maiores festas populares do Bra-sil. A cidade, que já tem características germâni-cas, inclusive na arquitetura de prédios públicos, transforma-se em um imenso palco a céu aberto. Os blumenauenses têm orgulho de exibir suas rou-pas de estilo germânico e saem às ruas enfeitados, procurando superar sempre o quesito originalida-de. Assim surgiu a centopéia do chope, uma bici-cleta com vários lugares que circula alegremente, disputando espaço com carros alegóricos, bandas, dançarinos e, é claro, os visitantes. A animação das bandas alemãs atrai milhares de turistas, inclusive do exterior. São mais de 700 mil pessoas que brin-cam e dançam e consomem mais de 450 mil litros de chope, uma média de 0,6 litros per capita.

A acolhedora Itapiranga é chamada de “berço nacional da Oktoberfest”. A festa acontece desde 1978, junto ao Complexo Oktober, na comunidade de Linha Becker. A Oktober de Itapiranga mantém o charme das festividades do interior, onde todos se conhecem. Com apenas 14 mil habitantes, a ci-dade, margeada pelo Rio Uruguai, foi emancipada politicamente em 30 de dezembro de 1953 e fica a 192 quilômetros de Chapecó. O Extremo-Oeste do Estado conserva a cultura germânica nas suas mais autênticas raízes e consegue preservá-la nos seus hábitos e costumes. Os alemães foram o segundo povo a chegar nesta região, depois dos índios, no ano de 1926.

A Oktoberfest de Blumenau cresceu tanto que

atualmente é considerada a maior festa típica do País e consta entre as maiores festas populares do Brasil.

A cidade, que já tem características germânicas,

inclusive na arquitetura de prédios públicos, transforma-se em um

imenso palco a céu aberto.

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A Fenarreco, em Brusque, é o maior festival gas-tronômico das festas de outubro. Criada em 1986, para divulgar um prato típico alemão - o “ente mit rotkohl” - ou marreco com repolho roxo, o evento ganhou novos atrativos e, hoje, além de culinária, oferece música, apresentações típicas e as festas que embalam os visitantes até altas horas da ma-drugada. Essa também é a receita de sucesso da Festa das Origens ou “Heimatfest”, realizada em Forquilhinha, que ganhou o título de município mais alemão do Sul de Santa Catarina.

Jaraguá do Sul resgatou uma tradição celebrada em todas as partes da Alemanha, a Schützenfest. No sé-culo XVIII, cada aldeia reunia os melhores atiradores

para compor um grupo de defesa. Anualmente, havia uma festa para escolher o melhor de todos. Essa tradi-ção atravessou os séculos e é revivida em competições esportivas do tiro-rei e tiro-rainha, desfiles alegóricos e bailes animados por bandas típicas. Boa comida e bom chope garantem a alegria dos participantes.

A Oberlandfest, em Rio Negrinho, no Planalto Nor-te, segue a mesma tradição, sendo realizada desde 1991. A diversão fica por conta do concurso de tiro ao alvo, chope em dúzia, concurso de serrador e outras atrações de uma genuína festa alemã como desfiles no centro da cidade e apresentações folcló-ricas não somente de grupos alemães, mas também de outras etnias.

Criada em 1986, para divulgar um prato típico alemão - o “ente mit rotkohl” - ou marreco com repolho roxo, a Fenarreco ganhou novos atrativos e, hoje, além de

culinária, oferece música, apresentações típicas e as festas que embalam os visitantes até altas horas da madrugada.

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Já a Bananenfest, em Corupá, reúne as tradições europeias ao cultivo de uma fruta bem brasileira, a banana. A festividade tem como objetivo divulgar o município como Capital Catarinense da Banana, difundir seu uso e aproveitamento na culinária e o manejo adequado para produção da fruta e demais matérias primas possíveis de serem exploradas jun-to à bananeira. Além, é claro, de afirmar a cultura local e o amor de seu povo pelo trabalho. O muni-cípio tem 12.500 habitantes, fica aos pés da Serra do Mar, em um vale rodeado de quedas d’água e de Mata Atlântica. Apesar do nome, em língua indíge-na que significa “lugar de muitas pedras”, Corupá recebeu, a partir de 1897, colonizadores alemães, italianos e poloneses. Chegou a chamar-se “Hansa Humboldt”. A influência étnica está presente na ar-quitetura, nos costumes e nas tradições.

A Festa do Imigrante, em Timbó, confirma uma ca-racterística da colonização catarinense, a proximi-dade das colônias italianas e alemãs. A festa é um tributo a essas duas culturas. Tem comida típica da Alemanha e da Itália. Tem chope e o encorpado vinho colonial. Os desfiles alegóricos reúnem gru-pos folclóricos das duas origens. É uma mostra da multifacetada colonização catarinense que apenas somou o melhor de todas as etnias.

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Em Florianópolis, acontece a Fenaostra – Festa Na-cional da Ostra e da Cultura Açoriana. A cidade é a maior produtora de ostras do Brasil. A iguaria atrai visitantes de todos os lugares e o evento tornou-se mais uma oportunidade de mostrar as belezas e os encantos das tradições portuguesas. A Marejada, em Itajaí, também é chamada de Festa Portuguesa e do Pescado. A gastronomia é a base de frutos do mar. O bacalhau é um dos principais ingredientes. Shows típicos, feira de produtos artesanais e apresentação de folclore açoriano fazem parte da comemoração que busca a fidelidade às raízes. É a maior festa por-tuguesa do Brasil, com mais de 600 atrações e a visi-tação de milhares de turistas todos os anos.

A Tirolerfest acontece na cidade mais austríaca do Brasil, desde 1934, um ano após a chegada dos pri-meiros imigrantes que fundaram Treze Tílias. É uma autêntica vila tirolesa incrustada no Meio-Oeste cata-rinense caracterizada pela arquitetura alpina. Quase todas as construções têm uma torre e um galo, sím-

bolo da disposição do tirolês para o trabalho. As elaboradas esculturas em madeira, produzidas pe-los artistas locais, espalham-se nos umbrais de por-tas, nas varandas e nos detalhes de decoração. Mais de 60% da população de cinco mil habitantes des-cende dos primeiros imigrantes. A cidade abriga o único consulado austríaco de Santa Catarina e o único do Brasil localizado numa cidade do interior. Há vários grupos de dança tirolesa com coreogra-fias mantidas através das gerações. A Banda dos Ti-roleses foi fundada pelo Maestro Johann Mitterer, em 1933, ainda no navio que trouxe os fundadores da cidade. O grupo nunca interrompeu as ativida-des e atualmente são 41 integrantes que se apresen-tam em todo o País. Durante a Tirolerfest também são servidos pratos típicos. Os mais famosos são o “goulach” (molho de carne), o “scheiterhaufen” (torta de maçã) e o “spätzel” (mini nhoque com queijo). Todos os anos, grupos vindos da Áustria se juntam aos músicos locais para animarem mais ainda a festa.

Em Florianópolis, acontece a Fenaostra – Festa Nacional da Ostra e da Cultura

Açoriana. A cidade é a maior produtora de ostras do Brasil. A iguaria atrai visitantes de todos os lugares e o evento tornou-se mais

uma oportunidade de mostrar as belezas e os encantos das tradições portuguesas.

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Sagras, Kerbs e Sakura Matsuri

Os eventos maiores, contudo, não roubam o charme das comemorações comunitárias realizadas duran-te todo o ano, nas pequenas cidades, conforme suas origens. As festas alemãs do interior ainda guar-dam o espírito das “kerbs”, as comemorações mais esperadas do ano nas antigas colônias. Chegavam a durar uma semana. Na época da Santa Catarina colonial era uma oportunidade de unir a família. Para as moças significava a chance de ganhar rou-pas novas confeccionadas pelas costureiras locais. Os rapazes ganhavam calças e sapatos que eram ar-tigos raros. O ritual incluía, além das roupas novas, a faxina das casas para recepcionar os parentes. Na falta de geladeiras, as bebidas eram colocadas em um balde pendurado no poço, onde a água gelada se encarregava de manter a temperatura da cerveja caseira. E por fim, chegava a hora do congraçamen-to em torno de boa comida e muita música. A tra-dição sobreviveu ao tempo. As kerbs continuam a ser realizadas em vários municípios de colonização germânica, mas com duração de três dias.

São muitas as festas italianas que surpreendem os visitantes nos pequenos municípios catarinenses. Esses imigrantes tinham o costume de realizar um banquete em honra do padroeiro, denominado “La sagra”. Ocasião em que a polenta era aposentada e os pratos especiais a base de carne e massa eram servidos. O estudioso Doralécio Soares chamou a atenção para a fartura e a alegria nas tradicionais festas italianas do interior, “quase sempre são ao redor das igrejinhas ou capelas não faltando às mesmas, muito vinho, a graspa – aguardente de bagaço de uva – e muita comida. É comum as famí-lias ligadas à igreja prepararem grande quantidade de pratos para os parentes e amigos que vierem de longe comerem à vontade”.

As festas alemãs do interior ainda guardam o espírito das

“kerbs”, as comemorações mais esperadas do ano nas

antigas colônias. Chegavam a durar uma semana. Na época

da Santa Catarina colonial era uma oportunidade de

unir a família. Para as moças significava a chance de ganhar roupas novas confeccionadas

pelas costureiras locais.

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Gastronomia que agora é elemento importante no cenário turístico estadual: macarrão caseiro, a autêntica polenta, iguarias pouco conhecidas como a puína (queijo pré-fer-mentado) e outros queijos coloniais, salames, carnes e gali-nhas ensopadas, saladas de batatas com ovos ou de “radi-cio”, pães e tantos outros. Todos saboreados em pequenas cidades que, de quebra, podem estar localizadas em um belo cenário, desses comuns em terras catarinenses, com rios cristalinos, montanhas e ar puro. Mas, como lembram os antigos, as festas italianas não tinham apenas a comida como objetivo e sim comemorar a alegria. Nessas ocasiões, como observou o folclorista Doralécio Soares, quase sem-pre, os italianos cantam horas a fio. Afinal, como se diz em Santa Catarina, a colonização italiana se fez cantando, em vários dialetos: veneto, milanez e fiulano. Cantava-se para festejar e para esquecer, “cantare come na olta”.

Para comprovar a versatilidade do folclore catarinense, em setembro acontece um verdadeiro espetáculo para os olhos e para a alma. É a Festa da florada da Cerejeira (Sakura Matsuri), que acontece no município de Frei Rogério, em exaltação à milenar tradição japonesa. A festa é promovida pelo núcleo nipônico do município. É uma oportunidade de conhecer a comunidade e seus hábitos. São realizadas diversas apresentações culturais que vão desde o cerimo-nial do chá, passando pelas delicadas danças orientais, pelo Kendô (luta), e outras exibições como caligrafia japonesa e festival de comidas típicas, onde se pode acompanhar o preparo do moti-tsuki (bolinho de arroz). Cerca de 1500 pessoas participam do evento anualmente.

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A influência étnica na devoção aos santos e suas festas

A fé, nas suas mais diversas formas, acompanhou os povos que construíram Santa Catarina. São mui-tas as festas dedicadas a santos, com fortes elemen-tos folclóricos geralmente bem identificados com algumas etnias. Entre elas, a Nossa Senhora do Ca-ravaggio, com os italianos, Nossa Senhora dos Na-vegantes, com a colonização portuguesa, e Nossa Senhora do Rosário, com os afro-descendentes. Es-sas manifestações se destacam por sua antiguidade e beleza como acontece com a procissão de Nosso Senhor dos Passos, em Florianópolis.

Com influência portuguesa, etnia que colonizou o litoral e está diretamente ligada à atividade pes-queira, as festas realizadas em louvor a Nossa Se-nhora dos Navegantes, em geral oferecem um es-

petáculo singular, repleto de simbolismos, que tem como ponto alto as procissões marítimas, protago-nizadas por embarcações de diversos tipos enfeita-das em honra à Santa.

De acordo com Evaldo Pauli, a procissão maríti-ma de Nossa Senhora dos Navegantes além de ser um fenômeno folclórico no litoral de Santa Cata-rina, que acontece no início do mês de fevereiro, tem uma origem mais antiga. “Já os primeiros tex-tos mitológicos da antiguidade se referem ao apelo dos navegadores a entidades protetoras dos peri-gos no contexto das ondas. Ao tempo dos cristãos a proteção passou a se configurar com a fisiono-mia de Nossa Senhora Mãe de Jesus. Na Idade Média, quando da navegação da Itália ao Oriente, com predomínio da navegação dos venezianos, firmou-se definitivamente a fé em Nossa Senhora dos Navegantes”, relatou o estudioso.

Com influência portuguesa, etnia que colonizou o litoral e está diretamente ligada à atividade pesqueira, as festas realizadas em louvor a Nossa Senhora dos Navegantes, em geral oferecem um

espetáculo singular, repleto de simbolismos, que tem como ponto alto as procissões marítimas, protagonizadas por embarcações de

diversos tipos enfeitadas em honra à Santa.

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Procissão do Nosso Senhor dos Passos: santo ligado às lendas marinhas

Uma das festas mais famosas, realizada desde a década de 1890, acontece no município de Navegantes. É a manifes-tação de fé e devoção mais tradicional da região Norte. A Festa de Nossa Senhora dos Navegantes mobiliza toda a comunidade por dez dias com novenas e missas, procissões terrestre e fluvial e apresentações musicais.

Em Joinvile, a festa de Navegantes acontece no bairro Es-pinheiros, também com procissão espiritual e bênção dos barcos dos trabalhadores do mar. A imagem da santa é le-vada em um percurso pela Baía da Babitonga. Em São Fran-cisco do Sul, também na região Norte, a procissão marítima começa na Praia da Enseada. No Sul do Estado, o muni-cípio de Laguna organiza a festa para Nossa Senhora dos Navegantes desde 1912, tendo como referência a sua Igreja no Bairro portuário de Magalhães. Em Florianópolis, a ce-rimônia de rara beleza é realizada em um dos mais belos cartões postais da Capital, a Lagoa da Conceição.

Oswaldo Cabral lista outros santos ligados às lendas ma-rítimas litorâneas, que “através da narrativa de seus mila-gres, que passam de geração em geração”, continuam a me-recer a devoção dos catarinenses. Entre eles, estão o Senhor Bom Jesus dos Passos, de Florianópolis, Santo Antônio dos Anjos, da Laguna, e Nossa Senhora da Lapa, da Freguesia do Ribeirão da Ilha, também em Florianópolis.

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Santos e santuários catarinenses

Os italianos, reconhecidos pela forte fé católica, es-tabeleceram santuários que abrigam festas e pro-cissões de intensa visitação por todo o ano. Um dos mais antigos é dedicado a Nossa Senhora do Cara-vaggio, no chamado Vale dos Milagres, em Brus-que. Na cidade existe uma igreja elevada à con-dição de Santuário. Também abriga o Seminário Menor Metropolitano Nossa Senhora de Lourdes, fundado em 1927, que originou o Museu Arquidio-cesano Dom Joaquim. A coleção de arte sacra teve início em l933, com o recebimento de uma pequena coleção particular de propriedade de Joca Brandão em troca dos estudos de um de seus filhos. A im-ponência da atual sede do museu, datada de 1907, e a magnitude da coleção, estimada em quatro mil peças, impressiona os visitantes.

Mais recentemente, Amábile Lúcia Visintainer, uma imigrante italiana estabelecida no Vale do Rio Tijucas, tornou-se a primeira Santa do Brasil, a cha-mada Santa Paulina. A pequena cidade de Nova Trento, onde a Santa cresceu e morou com sua fa-mília, tornou-se polo religioso de intensa visitação.

Também descendente de imigrantes, Albertina Berkenbroker foi beatificada pelo Vaticano. É con-siderada mártir por ter sido assassinada aos 12 anos de idade, no dia 15 de junho de 1931, para preser-var a sua pureza espiritual e corporal e defender a dignidade da mulher, inspirada na fé e na fideli-dade a Deus. Sua beatificação tornou a Vila de São Luiz, no município de Imaruí, Sul do Estado, em ponto de convergência de fiéis.

Mais recentemente, Amábile Lúcia Visintainer, uma imigrante italiana estabelecida no Vale do Rio Tijucas, tornou-se a primeira Santa do Brasil, a chamada Santa Paulina. A

pequena cidade de Nova Trento, onde a Santa cresceu e morou

com sua família, tornou-se polo religioso de intensa visitação.

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Pelo Estado afora, cada município catarinense realiza suas festas em honra de seus padroeiros misturando o religioso e o profano, como muitas vezes são as origens dos próprios santos. São Sebastião, por exemplo, pertence ao folclore ca-tólico geral. É comemorado como mártir cristão, em 20 de janeiro. Diz-se que foi oficial da Guarda de Diocleciano, Im-perador Romano. O pesquisador Evaldo Pauli afirma que São Sebastião teve sua presença bastante estimulada em território catarinense por ser padroeiro da Arquidiocese do Rio de Janeiro, que teve jurisdição sobre o Estado até 1892. São Sebastião se fez bastante conhecido, invocado quer pe-las pessoas doentes, quer pelos criadores de gado. Ao longo do litoral, as igrejas dedicadas a este Santo surgiram bas-tante cedo e em número maior que em outras regiões.

São Francisco de Assis (1182-1226), fundador das ordens menores, também chamadas franciscanas, e que incluem a dos capuchinhos, é um santo muito presente na religiosi-dade de Santa Catarina. Registra-se a presença de monges franciscanos em colônias de imigrantes alemães e italianos. Em Florianópolis, tornou-se marcante a Igreja de São Fran-cisco, onde se instalou a Ordem Terceira, a que pertenceu o folclórico Irmão Joaquim. É muito difundido entre os ca-tarinenses, o folclore da bênção dada aos animais, no dia 4 de outubro, quando o santo é comemorado pelo calendário litúrgico da Igreja Católica.

Santo Antônio de Lisboa, ou de Pádua (1195-1231), da Or-dem Franciscana, é português de nascimento. Adquiriu logo fama na Itália e, em seguida, em todo o mundo cató-lico. No interior da Ilha de Santa Catarina, já dava nome à Freguesia de Santo Antônio de Lisboa antes mesmo do estabelecimento de imigrantes açorianos, em 1748.

Igreja Nossa Senhora das Necessidades - Santo Antônio de Lisboa - Florianópolis

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A mais antiga e a maior celebração religiosa cata-rinense, tombada pelo Conselho Estadual de Cul-tura como Patrimônio Cultural Imaterial de Santa Catarina, a procissão do Nosso Senhor dos Passos, em Florianópolis, é realizada há cerca de 240 anos e reúne mais de 30 mil fiéis. O ritual representa o último encontro de Maria com o seu filho Jesus, pouco antes da crucificação. É composto por qua-tro momentos principais: a lavação da imagem do Senhor Jesus dos Passos na Quinta-Feira Santa; a Procissão do Carregador, na manhã de sábado; a procissão da transladação das Imagens do Senhor dos Passos e de Nossa Senhora das Dores, no sába-do à noite; e a procissão propriamente dita, realiza-da no domingo.

De acordo com dados da Irmandade do Senhor dos Passos, do século XIV ao XVIII, em Portugal, a Pro-cissão se realizava na Quinta-Feira Santa, mas de-vido à controvérsias litúrgicas mudou de data até se estabelecer definitivamente nas quintas-feiras da semana anterior ao Domingo de Ramos.

Na antiga Desterro, hoje Florianópolis, a primeira celebração teria acontecido em 1766, em uma quin-ta-feira. Dois anos após a chegada da imagem e da fundação da confraria “Irmandade do Senhor Je-sus dos Passos”, conforme a primeira prestação de contas dessa Irmandade, datada de 27 de setembro de 1767. Ali estão registrados até os pequenos deta-lhes como as despesas com “sermões, fitas, tecidos, linhas, cera, feitio de balandrau, entre outras, todas para a realização da Procissão de 1766”.

A Procissão pouco mudou em mais de duzentos anos no Brasil. Continua sendo um momento de profunda religiosidade popular que transforma o centro da Capital em uma capela a céu aberto no caminho do sofrimento, crucificação, morte e res-surreição de Cristo. Autoridades comparecem ao lado de fiéis comuns que se acotovelam para apre-ciar o espetáculo da fé.

As ruas no centro da Capital, como a Tiradentes e a Menino Deus, são decoradas com tapetes, sem-pre com motivação religiosa alusivas à festividade, como a pomba da paz e a hóstia. Os devotos costu-mam enfeitar as portas e janelas de suas residências de roxo, a cor da irmandade.

O cortejo é aberto por um estandarte chamado Guião onde se lê a sigla S.P.Q.R – Senado de Todo o Povo Romano – e segue reconstituindo os passos do Calvário, numa representação da “Via Crucis”. Um dos momentos mais comoventes é o canto da Verônica anunciando a dor de Cristo.

A grandeza do evento deve-se também ao fato de ser composto por duas procissões – a imagem do Nosso Senhor Jesus dos Passos e a imagem da Nos-sa Senhora das Dores saem de lugares diferentes para se encontrarem na Catedral Metropolitana de Florianópolis, em frente à Praça XV de Novembro, onde é proferido o “Sermão do Encontro”. Depois, todos juntos caminham para o fim da celebração indo até a capela do Menino Deus, no Morro da Boa Vista.

Nosso Senhor dos Passos: procissão tombada

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Nossa Senhora do Rosário: devoção negra

Desde os séculos XV e XVI, os negros já se con-gregavam nas irmandades de Nossa Senhora do Rosário em Portugal. No Brasil, a devoção foi tra-zida pelos primeiros escravos. O essencial dessas confrarias ou irmandades é a sua íntima conexão com as cerimônias de coroação dos reis negros. Es-ses cerimoniais, de acordo com a tradição africana, iniciaram-se com a figura de Chico Rei, ou Ganga Zumba Galanga, rei Congo dos Quicuios, que foi trazido como escravo para o Brasil, juntamente com sua corte, no princípio do século XVIII.

Os registros históricos da Irmandade de Nossa Se-nhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pre-tos, fundada em 1640, no Rio de Janeiro, relatam que Chico, por ser um bom trabalhador e pertencer a um senhor caridoso, obteve a permissão de traba-lhar em seus dias de folga em uma mina abandona-da, onde encontrou um veio de ouro que o tornou um homem rico. Alforriou-se, fazendo o mesmo com seu filho e, pouco a pouco, com todo o restante de seu povo, chegando a formar um pequeno Es-

tado congo, dentro da sociedade mineradora, nos moldes da organização africana.

A primeira festa organizada por Chico Rei em lou-vor à santa ocorreu na Igreja de Santa Efigênia e Nossa Senhora do Rosário de Alto Cruz, na anti-ga Vila Rica, em 1747. As festividades do congado, nome genérico dado aos diversos grupos vincu-lados ao culto do santo de devoção, aparecem en-tão sob forma de reprodução simbólica da história tribal, com a coroação dos reis de congo, as trocas de embaixadas e a representação das lutas entre as monarquias negras, e dessas contra o colono escra-vizador.

De Minas Gerais, a tradição festiva africana dis-seminou-se por todo o Brasil. Por ocasião de sua festa surgem outras manifestações da cultura afri-cana que se adaptaram ao sincretismo religioso para continuar existindo, como a dança do Catum-bi. Outra santa negra é Nossa Senhora Aparecida. Diz-se que sua primeira estátua foi encontrada, em 1717, em um rio no interior de São Paulo. A santa ganhou espaço no território nacional tornando-se padroeira do Brasil.

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Festas Juninas ou Joaninas

As festividades populares, ou folclóricas, costumam ter como base o calendário religioso. Assim são as festas de origem açoriana realizadas no mês de junho, que também têm origem na devoção católica. São consagradas a Santo Antônio, dia 13, São João, dia 24, e a São Pedro, dia 29. Elas têm motivação religiosa, mas divertimentos profanos. O folclorista Nereu do Vale Pereira afirma que as festas de ju-nho também podem ser chamadas de “joaninas” por serem dedicada às fogueiras de São João.

A fogueira é mesmo um dos maiores atrativos e muitas comunidades competem entre si para ver quem consegue construir a mais alta. Atualmente, o título está com o mu-nicípio de São João do Itaperiú, com uma fogueira de 30 metros de altura. A festa junina da cidade é também uma das maiores do Estado.

A Festa de São João realizada no município de Penha, na lo-calidade de Armação de Itapocoroy, cujo nome ainda con-serva a lembrança dos índios Carijós e significa muro de pedra, chama a atenção pela originalidade. É a festividade mais antiga do local, realizada há mais de 250 anos. A ima-gem de São João Batista é venerada na capela do mesmo nome, construída em 1759. A procissão em homenagem a São João é realizada por terra, e a procissão para São Pedro, padroeiro dos pescadores, acontece por mar. No decorrer das festividades, há queima de fogueiras e fogos, apresen-tações folclóricas e outros shows.

Como nos velhos tempos, a pequena capela de São Pedro, na praia de Naufragados, uma comunidade isolada no Sul da Ilha de Santa Catarina, onde só se chega a pé, ou por mar, também realiza todos os anos a missa em homenagem a este santo, protetor da atividade pesqueira, em sinal de reconhecimento pela proteção. O culto simples revela que apesar das diferenças entre as várias festividades realiza-das em Santa Catarina, a finalidade é a mesma, a devoção e o gosto pela confraternização e alegria.

As festas juninas garantem ainda a preservação das danças folclóricas portuguesas como a quadrilha, o pau de fita e de alegorias como o tradicional casamento caipira, com o pai da noiva geralmente armado para garantir a presença do noivo e o divertimento do público. A gastronomia in-clui produtos típicos da época de inverno: pinhão, aipim, batata-doce com melado, amendoim torrado, e bebidas quentes, em geral o tradicional quentão, mistura de vinho, cachaça e ervas aromáticas – canela e gengibre.

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Em Santa Catarina, a tradição de cultuar o Divino Espírito Santo chegou com os açorianos, entre 1748 e 1756. Mesmo com influência de outras culturas, manteve-se fiel ao rito original. Seu encanto é a união entre o sagrado – orações e romarias – e o festivo – festas e folguedos. O Ciclo do Divino Es-pírito Santo tem o poder de mobilizar a comunida-de durante vários dias por ser realizado em etapas: novenas, peditórios, cantorias, missa até chegar ao auge com a festa, com dois dias de duração, e di-versas atrações entre as quais a coroação do casal imperador. A data é pentecostes (maio a junho), mas para coincidir com aniversários de freguesias, ou outros acontecimentos importantes, não é raro que esse prazo se estenda até setembro. O pesqui-sador e folclorista Nereu do Vale Pereira diz que essa festa foi incoporada por outras etnias e hoje é realizada em praticamente todas as cidades.

A origem é europeia. O culto ao Divino Espírito Santo nasceu em 1296, na cidade de Alenquer, em

Portugal. Isabel de Aragão, chamada de Rainha Santa, prometeu cultuar o Espírito Santo caso se resolvessem as desavenças entre seu marido, dom Diniz, e seu filho. O pedido foi atendido e, um dia por ano, um mendigo era coroado e tornava-se rei. Em Santa Catarina, um casal de festeiros é escolhi-do para representar Dom Diniz e a Rainha Isabel, vestindo-se a caráter, com muito esmero, a ponto das roupas serem confeccionadas com muitas se-manas de antecedência, e sempre sob um certo si-gilo para promover ainda mais o encanto da festa.

Na Grande Florianópolis, nos municípios de Santo Amaro da Imperatriz, São José, e também em co-munidades da ilha de Santa Catarina: Ribeirão da Ilha, Trindade, Lagoa da Conceição, Rio Vermelho e Campeche, o culto é encontrado na sua forma mais original. Na comunidade de Penha, é realiza-do há mais de 160 anos e ainda são usados a coroa e cetro em prata lavrada, confeccionados em 1837, que vieram de Portugal no século XIX.

Festa do Divino Espírito Santo

“De-me licença que entreDentro de sua moradaUma Bandeira DivinaE a Coroa Sagrada”

(Cântico da Bandeira do Divino)

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O Ciclo do Divino Espírito Santo é inspirado na fé, mas envolve todos os sentidos. Desde seu início com a Ban-deira do Divino, cortejo que anuncia de porta em porta que é chegada a hora de arrecadar donativos para a reali-zação da festa. A romaria começa e termina com cânticos acompanhados por músicos. Geralmente uma mulher conduz a bandeira presa a um mastro adornado com a a bandeira do Divino que traz a figura da pomba sagrada, flores e fitas coloridas. Durante o percurso, fiéis querem pegar e beijar a bandeira. Os símbolos do culto ao Divino são sagrados – bandeiras, coroa e cetro – e ficam expos-tos nos Impérios do Divino, que atualmente existem em poucos lugares, como na Freguesia do Ribeirão da Ilha, ao Sul de Florianópolis.

A festa acontece em dois dias. No primeiro, é realizado o “cortejo imperial” que geralmente parte da casa do casal festeiro ou casal imperador, até a Igreja onde é realiza-da a missa festiva. No segundo dia, acontece a festa e a tão esperada coroação do imperador e da imperatriz que recebem as homenagens da comunidade. Antes dos fes-tejos acabarem é escolhido o “casal imperador” do ano seguinte. As festividades são encerradas com a posse do novo casal.

Uma das tradições do Divino são as “massas”, ou ex-vo-tos, feitos em agradecimento por uma promessa relativa à questão de saúde. Essas massas de pão são geralmen-te moldadas no formato da parte do corpo curada pelo Divino. Com tantas peculiaridades, a Festa do Divino é mesmo a mais popular do calendário de comemorações de origem portuguesa. Devido a sua pompa e beleza, tornou-se também um dos grandes atrativos turísticos de Santa Catarina.

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Coordenação GeralKarin VerzbickasRóger Bitencourt

EdiçãoEdinéia Rauta

Karin Verzbickas

Direção de arte e projeto gráficoBruno Pagani

TextosRossana Espezin

ConsultorNereu do Vale Pereira

ImpressãoGráfica Impressul

Tiragem2.000 exemplares

Leonel Arcângelo PavanGovernador do Estado

Coleção Museu de Arte de Santa Catarina

Página 8João Otávio Neves Filho: “Boi de Mamão”, 1982

Página 15Marcos Troncoso: “Bernúncia”, 1984

Página 46 e 47Susana Turiansky: “Cenas de Folclore”, 1956

Página 51Luiz Gonzaga Cardoso Ayres: “Dança de Engenho”, sem data

Página 68Valda Costa: “Boi de Mamão”, 1989

Página 90Luis Mazzey: “Empinando Papagaio”, sem data

Páginas 93Tércio da Gama: “Boi de Mamão”, 1984

Página 98Zacarias Carvalho de Lima: “Rendeira”, 1980

Arquivo fotográfico

Alex de Carvalho / Amir Sfair Filho / Daniel Sliwinsk / Divulgação Santur /

Epa Machado / Florianópolis C&VB / Inês Bail / Iolita Cunha / Joy Cletson / Marcio Costodio /

Milton Ostetto (Tempo Editorial) / Nicko Del Guercio / Noir Stúdio / Norton José /

Renita Geller / Rogério Berbeki Figueiredo / Tarcísio Mattos (Tempo Editorial) / Valentim Larantis

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PESQUISA NO CADASTRO DO ISBN

RESULTADO

Palavra Pesquisada: Folclore catarinense, um mosaico cultural popular

ISBN: 978-85-99833-04-9

TÍTULO: Folclore catarinense, um mosaico cultural popular

AUTOR: Karin Verzbickas

AUTOR: Rossana Ezpezin

EDIÇÃO: 1

ANO DE EDIÇÃO: 2010

LOCAL DE EDIÇÃO: FLORIANÓPOLIS

TIPO DE SUPORTE: PAPEL

PÁGINAS: 144

EDITORA: FÁBRICA DE COMUNICAÇÃO

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