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INSTITUTO BRASILEIRO DE POLÍTICA E DIREITO DO CONSUMIDOR CONTRATOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Vol. 1 EDITORA AFILIADA BIBLIOTECA DE DIREITO DO CONSUMIDOR (p. 1) INSTITUTO BRASILEIRO DE POLÍTICA E DIREITO DO CONSUMIDOR Vol. 1 - Contratos no Código de Defesa do Consumidor - 3ª edição, revista, atualizada e ampliada - Cláudia Lima Marques. BIBLIOTECA DE DIREITO DO CONSUMIDOR 1. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. revista, atualizada e ampliada - Cláudia Lima Marques. 2. Proteção do consumidor no contrato de compra e venda - Alberto do Amaral Júnior. 3. Responsabilidade civil do fabricante e a defesa do consumidor - José Reinaldo de Lima Lopes. 4. Responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto no direito brasileiro - Sílvio Luís Peneira Rocha. 5. Responsabilidade da empresa pelo fato do produto (Os acidentes do consumo no Código de Proteção e Defesa do Consumidor) - James Marins. 6. Controle das cláusulas contratuais abusivas - Teoria e prática - Coordena- ção: Antonio Herman V. Benjamin. 7. Proteção ao Consumidor - Maria Antonieta Zanardo Donato. 8. Código do Consumidor comentado. 2. ed. revista e ampliada, 2ª tiragem - Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim e James Marins. 9. Condições gerais do contrato de adesão e contratos de consumo sob a ótica do Código do Consumidor - Renata Mandelbaum. 10. Direito do consumidor - Aspectos práticos - Perguntas e respostas - Newton de Lucca. Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Marques, Cláudia Lima Contratos no Código de Defesa do Consumidor. o novo regime das relações contratuais / Cláudia Lima Marques. - 3. ed. rev., atual, e ampl., incluindo mais de 250 decisões jurísprudenciais. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1998. - (Biblioteca de direito do consumidor; v. 1).

Livro - Direito Consumidor - Marques, Claudia Lima - Contratos No Código De Defesa Do Consumidor - 1998

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  • INSTITUTO BRASILEIRO DE POLTICA E DIREITO DO CONSUMIDOR

    CONTRATOS NO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

    Vol. 1

    EDITORA AFILIADA

    BIBLIOTECA DE DIREITO DO CONSUMIDOR (p. 1)

    INSTITUTO BRASILEIRO DE POLTICA E DIREITO DO CONSUMIDOR

    Vol. 1 - Contratos no Cdigo de Defesa do Consumidor - 3 edio,revista, atualizada e ampliada - Cludia Lima Marques.

    BIBLIOTECA DE DIREITO DO CONSUMIDOR

    1. Contratos no Cdigo de Defesa do Consumidor. 2. ed. revista,atualizadae ampliada - Cludia Lima Marques.2. Proteo do consumidor no contrato de compra e venda - Alberto doAmaralJnior.3. Responsabilidade civil do fabricante e a defesa do consumidor - JosReinaldo de Lima Lopes.4. Responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto no direitobrasileiro - Slvio Lus Peneira Rocha.5. Responsabilidade da empresa pelo fato do produto (Os acidentes doconsumo no Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor) - James Marins.6. Controle das clusulas contratuais abusivas - Teoria e prtica -Coordena-o: Antonio Herman V. Benjamin.7. Proteo ao Consumidor - Maria Antonieta Zanardo Donato.8. Cdigo do Consumidor comentado. 2. ed. revista e ampliada, 2 tiragem-Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim e James Marins.9. Condies gerais do contrato de adeso e contratos de consumo sob aticado Cdigo do Consumidor - Renata Mandelbaum.10. Direito do consumidor - Aspectos prticos - Perguntas e respostas -Newtonde Lucca.

    Dados internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Marques, Cludia LimaContratos no Cdigo de Defesa do Consumidor. o novo regime das

    relaescontratuais / Cludia Lima Marques. - 3. ed. rev., atual, e ampl.,incluindo mais de250 decises jursprudenciais. - So Paulo : Editora Revista dosTribunais, 1998. -(Biblioteca de direito do consumidor; v. 1).

  • Bibliografia.

    ISBN 85.203.1691-31. Consumidores - Leis e legislao - Brasil. 2. Consumidores - Proteo-

    Brasil. 3. Contratos. 4. Contratos - Brasil. I. Titulo.II. Srie.98-4620 CDU-347.44:381.6 (81)ndices para catlogo sistemtico: 1. Brasil : Contratos e consumidores -Direito347.44:381.6(81) (p. 2)

    CLUDIA LIMA MARQUESCONTRATOS NO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDORO novo regime das relaes contratuais3 ediorevista, atualizada e ampliada,incluindo mais de 625 decises jurisprudenciaisBIBLIOTECA DE DIREITO DO CONSUMIDOR - 1EDITORA RTREVISTA DOS TRIBUNAIS (p. 3)

    INSTITUTO BRASILEIRO DE POLTICA E DIREITO DO CONSUMIDOR - v. 1Biblioteca de Direito do ConsumidorCONTRATOS NO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR3 edio - revista, atualizada e ampliada,incluindo mais de 625 decises jurisprudenciaisCLUDIA LIMA MARQUES1 edio: 1992 - 2 edio: 1995. desta edio: 1999EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS LTDA.Diretor Responsvel: CARLOS HENRIQUE DE CARVALHO FILHOCENTRO DE ATENDIMENTO AO CONSUMIDOR: Tel. 0800-11-2433Rua Tabatinguera, 140,Tel. (011) 3115-2433CEP 01020-901 - So Paulo, SP, BrasilTrreo, Loja 1 - Caixa Postal 678Fax (011) 3106-3772

    TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reproduo total ou parcial, porqualquermeio ou processo, especialmente por sistemas grficos, microfilmicos,fotogrficos,reprogrficos, fonogrficos, videogrficos. Vedada a memorizao e/ou arecuperao totalou parcial, bem como a Incluso de qualquer parte desta obra em qualquersistema deprocessamento de dados. Essas proibies aplicam-se tambm scaractersticas grficas daobra e sua editorao. A violao dos direitos autorais punvel comocrime (art. 184e pargrafos do Cdigo Penal) com pena de priso e multa, busca eapreenso e indenizaes

  • diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos DireitosAutorais).

    Impresso no Brasil (01 - 1999*)ISBN 85-203-1691-3 (p. 4)

    Aos meus mestres, brasileiros e alemese ao amigo Antnio Herman Benjamin,em agradecimento pelo estmuloe segura orientao intelectual.A Johannes Doll, esposo e companheiro. (p. 5)

    (p. 6, em branco)

    APRESENTAO

    "qui dit contractuel dit juste"{1}Em 1933, Louis Josserand manifestava sua preocupao com o

    fim daquilo que chamou a "idade de ouro"{2} da liberdade contratual. Aorevs do que temia o grande jurista francs, o princpio da autonomiada vontade - e de resto toda a teoria do contrato - hoje est mais fortedo que nunca, j que mecanismos foram e esto sendo idealizados paracorrigir suas imperfeies. E, entre todos os afetados por tais imper-feies e exageros da teoria contratual clssica, o consumidor despontacomo sua maior vtima.

    Na Exposio de Motivos do Segundo Substitutivo do Projeto deCdigo de Defesa do Consumidor (CDC), de autoria do DeputadoGeraldo Alckmin e que est na origem do texto hoje vigente, assimescrevemos: "a proteo do consumidor deve abranger todos osaspectos do mercado de consumo. Muitas vezes - como no caso depublicidade enganosa - o consumidor lesado sem que sequer tenhachegado a firmar efetivo contrato com o fornecedor. Mas no instanteda contratao que a fragilidade do consumidor mais se destaca. tambm neste momento que as normas legais existentes, especialmenteaquelas do Cdigo Civil, se mostram incapazes de lhe assegurarproteo eficaz".

    A proteo contratual do consumidor, de fato, est no mago dodireito do consumidor E, passado um ano da vigncia do CDC, nose publicou nenhuma obra que cuide, com exclusividade, do novoregime contratual instaurado.* (1) Palavras de Fouille, inspirado no pensamento de Kant.

    (2) Josserand, Louis "Le contrat dirig". In RecueilHebdmadaire, n. 32,chronique, 1933, p. 19. (p. 7)No , pois, sem razo que o Instituto Brasileiro de Poltica eDireito do Consumidor sente-se profundamente honrado em iniciar suacoleo Biblioteca de Direito do Consumidor, editada pela Revista dosTribunais, com o livro Contratos no Cdigo de Defesa do Consumidor.

    O Novo Regime das Relaes Contratuais, de autoria da professoraCludia Lima Marques.

    Conheci a professora Cludia Lima Marques no "1. CongressoEuropeu Sobre Condies Gerais dos Contratos", realizado em Coimbra,em maio de 1988, quando eu era o relator brasileiro. Logo em seguidaa visitei na Alemanha, onde ela conclua seu mestrado.

  • Em contato com seus professores alemes pude perceber a imensaestima que eles sentiam pela agora autora. Seu campo de pesquisa, jnaquela poca, se encaminhava para a proteo contratual do consu-midor.

    Alguns aspectos da personalidade de Cludia Lima Marques noposso deixar de ressaltar aqui, mesmo correndo o risco de dizer muitomenos do que gostaria ou do que ela merece.

    Sua juventude o primeiro trao que chama ateno de qualquerum que a encontre pela primeira vez. Mas por trs de suas feiesjovens, de imediato se percebe duas outras de suas qualidades: umgrande senso de responsabilidade - "germnica", se preferirem - e umavinculao perene com a defesa do interesse pblico. Realmente, emtodos os seus escritos e trabalhos vamos sempre encontrar o fio dapreocupao com os "vulnerveis" ou "dbeis" da sociedade industrial(weaker parties), massificados ou no. E, entre estes, a autora escolheuo consumidor como seu objeto de pesquisa e de formulao jurdica.

    Professora concursada da Universidade Federal do Rio Grande doSul, um dos membros mais ativos do Instituto Brasileiro de Poltica eDireito do Consumidor, com importante papel na criao de sua seogacha, a autora tem diversos artigos sobre esta matria publicados. ,sem dvida, um dos expoentes da nova gerao de juristas que despontano pas.

    Mas ser que o tema em questo merece realmente os estudos depessoa to qualificada? Ser que o consumidor e os contratos em que parte (contratos de consumo) so realmente dignos de uma pesquisaaprofundada? Ou, indo mais longe, no seria pretensioso desejar,atravs do estudo da posio jurdica do consumidor, reformar toda ateoria dos contratos? (p. 8)

    A resposta bem simples: sem consumidor no h sociedade deconsumo, sem esta no h mercado e sem mercado no h contrataomassificada. Assim, estudar e regular o status contratual do consumidor, em ltimo caso, afetar a grande maioria dos contratos firmados nocotidiano do mercado.

    A revoluo industrial trouxe consigo a revoluo do consumo.Com isso, as relaes privadas assumiram uma conotao massificada,substituindo-se a contratao individual pela coletiva. Os contratospassaram a ser assinados sem qualquer negociao prvia, sendo que,mais e mais, as empresas passaram a uniformizar seus contratos,apresentando-os aos seus consumidores como documentos pr-impres-sos, verdadeiros formulrios. Foi, por um lado, um movimento positivode transformao contratual ao conferir rapidez e segurana s transa-es na sociedade massificada. Mas o fenmeno trouxe, igualmente,perigos parA os consumidores que aderem globalmente ao contrato,sem conhecer todas as clusulas".{3}

    Mas no se imagine que a proteo contratual do consumidor sejaum problema brasileiro ou de terceiro mundo apenas. um temauniversal que, de uma forma ou de outra, vem sendo enfrentado pelolegislador desde o Cdigo Civil italiano de 1942.

    No Brasil, antes do CDC, no fazia mesmo sentido se falar emproteo contratual do consumidor, j que este, assim denominado,inexistia como entidade jurdica com perfil prprio. Havia, isso sim, jaum esforo da jurisprudncia no sentido de mitigar o rigor do nossoCdigo Civil e o apego descomedido da doutrina a certos princpios que,diante da sociedade de produo e consumo em massa, gritavam por

  • reforma.Quando falamos em contratos no Cdigo de Defesa do Consumi-

    dor estamos, efetivamente, cuidando de contratos de consumo. Equando estudamos os contratos de consumo ou sobre eles legislamosassim o fazemos em razo de algo que poderamos denominar devulnerabilidade contratual do consumidor. esse fenmeno jurdico- mas tambm econmico e social - que leva o legislador a buscarformas de proteger o consumidor* (3) Calais-Auloy, Jean. Droit de la Consommation. Paris, Dalloz,1986, p. 143. (p. 9)

    No plano da teoria do contrato, proteger o consumidor , antes demais nada, um esforo de pesquisa da tipologia dessa vulnerabilidade,de resto reconhecida ope legis (CDC, art. 4., I).

    Na vida do mercado, busca-se tutelar o consumidor principalmen-te em dois aspectos: na sua integridade fsico-psquica e na suaintegridade econmica. Muitos, com acerto, diro que a tutela da sadedo consumidor sobrepe-se sua proteo econmica. Mas a verdade que, alm dessa preocupao sobre em relao a que proteger oconsumidor (integridade fsico-psquica ou integridade econmica), htambm uma outra sobre o quando tutel-lo. E, neste ponto, a questocontratual se torna central.

    A fragilidade do consumidor manifesta-se com maior destaque emtrs momentos principais de sua existncia no mercado: antes, durantee aps a contratao. , portanto, com os olhos voltados para o itercontratual do consumidor que o legislador e os rgos de implemen-tao atuam. Em outras palavras: toda a vulnerabilidade do Consumidordecorre, direta ou indiretamente, do empreendimento contratual e todaa proteo ofertada na direo do contrato. Da a importncia queassume a matria contratual no amplo crculo de proteo do consu-midor.

    Muito mais do que ocorre com o resguardo da sade do consu-midor, a tutela da sua integridade econmica (a se incluindo a proteocontratual) uma questo de posio jurdica do sujeito amparado.Aqui a proteo se d em favor de quem contrata ou estimulado acontratar. O que se quer, por essa via, a alterao da correlao deforas, no plano econmico e jurdico, entre consumidores e fornece-dores, francamente desfavorvel queles. Como se v, e no h comofugir, tal tutela opera sobre ou ao redor do contrato de consumo.

    Para auxiliar na superao das dificuldades contratuais do consu-midor o direito tem articulado solues as mais diversas, muitas decarter cosmtico, outras atuando apenas no plano da informao eumas poucas reconhecendo, pura e simplesmente, que o princpio daautonomia da vontade exige uma profunda reflexo e, a partir, da,verdadeira reviso.

    importante, contudo, salientar que todo o esforo de reforma doregime contratual encetado pelo direito do consumidor no visa arrasare sim aperfeioar a liberdade contratual. Seria, por assim dizer, umatentativa - nem a primeira, nem a ltima - de preservar a essncia do (p.10)princpio. Conseqentemente, o direito do consumidor no contesta avalidade da liberdade contratual (da mesma forma que no ataca oregime da propriedade privada) mas, simplesmente, se insurge contraa forma como ela tem se manifestado, em especial no mercado deconsumo.

  • J em 1943, Friedrich Kessler, com muita propriedade, escreviaque "a liberdade contratual permite que as empresas legislem atravsde contratos e, o que at mais importante, legislem de uma formaautoritria sem que para tanto tenham que usar uma aparncia autori-tria. Os contratos de adeso, em particular, podem, pois, se tornarinstrumentos eficazes nas mos de senhores feudais todo poderosos daindstria e do comrcio, permitindo-lhes impor sua prpria nova ordemfeudal e subjugando um grande nmero de vassalos".{4}

    A liberdade contratual, realmente como princpio absoluto -sempre deu azo a inmeros abusos. Ora, eram exageros, relacionadoscom o discernimento do contratante dbil, ora eram percalos oriundosda liberdade plena de um dos contratantes e da ausncia de liberdadedo outro. Tudo a provocar discrepncia entre a vontade real e a vontadedeclarada do consumidor. A teoria jurdica, em tais circunstncias,servia somente para amparar um mito de equilbrio.

    Os institutos clssicos de conteno dos abusos criados peloprincpio da autonomia da vontade no amparavam, em absoluto, oconsumidor. Na fase da sociedade pessoal, antes do surgimento dasociedade de consumo, na medida em que, de regra, s uma pequenaparcela da populao detinha os meios de produo, evidente que suns poucos, de fato, contratavam repetidamente. E para esta minoriaos instrumentos tradicionais se mostravam eficazes, que no fossempara impedir, mas ao menos para reparar os vcios da liberdadecontratual.

    Com o aparecimento da sociedade de massa os partcipes nomercado se multiplicaram e os contratos explodiram em quantidade. Nasociedade moderna o contrato deixou de ser um privilgio da minoriae incorporou-se ao dia a dia do cidado comum, em especial doconsumidor E em uma situao de exploso contratual os remdioscontratuais clssicos mostraram-se totalmente inadequados.* (4) Kessler, Friedrich. "Contracts of adhesion - Some thoughtsabout freedomof contrat". In Columbia Law Review, vol. XLIII, maio, 1943, n. 4, p.640. (p. 11)

    sob esse pano de fundo que surge o CDC e, agora, o livro daprofessora Cludia Lima Marques.

    A autora, evidentemente, conhece o assunto da proteo contratualdo consumidor, mas no o esgota em seu livro. Como diz muitomodestamente, logo no prtico de seu trabalho, trata-se de "umacontribuio ao estudo dos reflexos do Cdigo de Defesa do Consu-midor no ordenamento jurdico brasileiro, especialmente no que serefere ao regime das relaes contratuais". Uma excelente e oportunacontribuio.

    Na primeira metade da Parte I, verdadeira introduo crtica,Cludia Lima Marques analisa "a renovao da teoria contratual",distinguindo, nos passos da Comisso das Comunidades Europias,contrato de adeso e contratos submetidos a condies gerais. Concluiafirmando que o CDC, como "conseqncia da nova teoria contratual"," um reflexo de uma nova concepo mais social do contrato, ondea vontade das partes no a nica fonte das obrigaes contratuais,onde a posio dominante passa a ser a da lei, que dota ou no deeficcia jurdica aquele contrato de consumo".

    Em seguida, na segunda metade da Parte I, a autora enfrenta umdos maiores desafios da interpretao do CDC, ou seja, a identificao,

  • dentre as diversas modalidades de contratos, daqueles que se submetemou no ao regime codificado. A questo da mais alta relevncia. Bastaque lembremos a polmica levantada pelos bancos - hoje totalmentesuperada - sobre a incluso de seus contratos na malha do CDC. Maisrecentemente, discutiu-se, nas pginas de O Estado de S. Paulo, aquesto dos contratos de transporte areo internacional.

    A primeira metade da Parte II cuida da proteo do consumidorna formao do contrato, analisando em profundidade o desapareci-mento da regra do caveat emptor e o surgimento de uma obrigao geralde informar, seja no momento publicitrio, seja em instante maisprximo da contratao propriamente dita ou at mesmo no mbito doprprio contrato.

    Finalmente, na ltima metade da Parte II, a autora dedica-se aproteo do consumidor quando da execuo do contrato. a queanalisa as regras bsicas norteadoras da interpretao dos contratos deconsumo, a proibio das clusulas contratuais abusivas, o controlejudicial dos contratos de consumo e os diversos tipos de vcios deprodutos e servios. (p. 12)

    Se certo que no concordamos em tudo e tudo com as posiesda autora, tambm podemos afirmar que no vacilaramos em subscre-ver sua obra por inteiro. E foi exatamente com esse esprito que arecomendamos editora e ao prprio Instituto de Poltica e Direito doConsumidor.ANTONIO HERMAN V. BENJAMINMembro do Ministrio Pblico de So PauloMestre em Direito pela University of Illinois, EUA.um dos redatores do Cdigo de Defesa do Consumidore presidente do Instituto Brasileiro de Polticae Direito do consumidor. (p. 13)

    (p. 14, em branco)

    SUMRIO

    Abreviaturas 21Introduo terceira edio 23Introduo segunda edio 27Introduo primeira edio 31PARTE I - A RENOVAO DA TEORIA CONTRATUAL1. A NOVA TEORIA CONTRATUAL 351. A concepo tradicional do contrato 371.1 Caractersticas principais 381.2 Origens da concepo tradicional de contrato 40a) O direito cannico 40b) A teoria do direito natural 41c) Teorias de ordem poltica e a revoluo francesa 42d) Teorias econmicas e o Liberalismo 431.3 Reflexos da teoria contratual e do dogma da autonomia davontade 44a) A liberdade contratual 45b) A fora obrigatria dos contratos 47c) Os vcios do consentimento 472. A nova realidade contratual 492.1 Noes preliminares: Os contratos de massa 49

  • 2.2 Os contratos de adeso 53a) Descrio do fenmeno 53b) A formao do vnculo 56c) A disciplina dos contratos de adeso 58 (p. 15)2.3 As condies gerais dos contratos (clusulas contratuais ge-rais) 59a) Descrio do fenmeno 59b) A incluso de condies gerais nos contratos 62c) A disciplina das condies gerais dos contratos 662.4 Os contratos cativos de longa durao 68a) Descrio do fenmeno 68b) A estrutura dos contratos cativos de longa durao 74c) Disciplina 772.5 As clusulas abusivas nos contratos de massa 803. Crise na teoria contratual clssica 843.1 Crise da massificao das relaes contratuais 843.2 Crise da ps-modernidade 894. A nova concepo de contrato e o Cdigo de Defesa do Consu-midor 1014.1 A nova concepo social do contrato 101a) Socializao da teoria contratual 102b) Imposio do princpio da boa-f objetiva 105c) Intervencionismo dos Estados 1164.2 O Cdigo de Defesa do Consumidor como conseqncia da novateoria contratual 117a) Limitao da liberdade contratual 118b) Relativizao da fora obrigatria dos contratos 122c) Proteo da confiana e dos interesses legtimos 126d) Nova noo de equilbrio mnimo das relaes contra-tuais 1332. CONTRATOS SUBMETIDOS S REGRAS DO CDIGO DE DE-FESA DO CONSUMIDOR 1391. Contratos entre consumidor e fornecedor de bens ou servios 1401.1 Conceitos de consumidor e de fornecedor 140a) O consumidor stricto sensu 140b) Agentes equiparados a consumidores 153c) O fornecedor 162 (p. 16)1.2 Contratos de fornecimento de produtos e servios 163a) Contratos imobilirios 166b) Contratos de transporte, de turismo e viagem 174c) Contratos de hospedagem, de depsito e estacionamento 182d) Contratos de seguro e de previdncia privada 187e) Contratos bancrios e de financiamento 197f) Contratos de administrao de consrcios e afins 206g) Contratos de fornecimento de servios pblicos 209h) Compra e venda e suas clusulas 215i) Compra e venda com alienao fiduciria 2162. Contratos de consumo e conflitos de leis no tempo 2182.1 Aplicao do Cdigo de Defesa do Consumidor e conflitos deleis 219a) Caractersticas do Cdigo de Defesa do Consumidor e refle-xos na sua aplicao 220b) O papel da Constituio Federal na interpretao e aplicaodo Cdigo de Defesa do Consumidor 225

  • c) Os critrios de soluo de conflitos de leis e suas dificul-dades 229d) Conflitos entre normas do Cdigo Civil, de leis especiais e deleis anteriores com o Cdigo de Defesa do Consumidor 242e) Conflitos entre normas do Cdigo de Defesa do Consumidore de leis especiais e gerais posteriores 2462.2 Aplicao do Cdigo de Defesa do Consumidor aos contratosanteriores 254a) As garantias constitucionais do direito adquirido e do atojurdico perfeito 257b) A garantia constitucional da defesa do consumidor 271c) A aplicao imediata das normas de ordem pblica 272CONCLUSO DA PARTE I 279PARTE II - REFLEXOS CONTRATUAIS DO CDIGODE DEFESA DO CONSUMIDOR3. A PROTEO DO CONSUMIDOR QUANDO DA FORMAODO CONTRATO 2831. Princpio bsico de transparncia 2861.1 Nova noo de oferta (art. 30) 288a) Vinculao prpria atravs da atuao negocial 294 (p. 17)b) Publicidade como oferta 304c) Informaes e pr-contratos 318d) Clusulas contratuais gerais 321e) Sano 3231.2 Dever de informar sobre o produto ou servio (art. 31) 324a) Amplitude do dever de informar do art. 31 325b) A publicidade como meio de informao 327c) Sano. As regras sobre o vcio do produto 3331.3 Dever de oportunizar a informao sobre o contedo do contrato(art. 46) 335a) Amplitude do dever de informar do art. 46, 1. 336b) Sano 3371.4 Dever de redao clara dos contratos 339a) Redao clara e precisa (art. 46) 339b) Cuidados na utilizao de contratos de adeso 340c) Sano 3412. Princpio bsico de boa-f 3422.1 Publicidade abusiva e enganosa 343a) Conceito de publicidade 344b) Publicidade como ilcito civil - A publicidade enganosa 347c) Publicidade como ilcito civil - A publicidade abusiva 3492.2 Prticas comerciais abusivas 352a) Prticas comerciais expressamente vedadas 353b) Obrigao de fornecer oramento prvio discriminado 360c) Respeito s normas tcnicas e ao tabelamento de preos 3612.3 Direito de arrependimento do consumidor (art. 49) 362a) A venda de porta-em-porta (door-to-door) 363b) Regime legal da venda de porta-em-porta 365c) Vendas emocionais de time-sharing e vendas a distancia 3744. PROTEO DO CONSUMIDOR QUANDO DA EXECUO DOCONTRATO 3891. Princpio bsico da eqidade (equilbrio) contratual 3901.1 Interpretao pr-consumidor. Viso geral 3911.2 Proibio de clusulas abusivas 401

  • a) Caractersticas gerais das clusulas abusivas 402 (p. 18)b) Da nulidade absoluta das clusulas abusivas 409b.1 Lista nica de clusulas abusivas 410b.2 Autorizao excepcional de modificao de clusulas 412c) As clusulas consideradas abusivas 415c.1 A lista do art. 51 416c.2 A norma geral do inciso IV do art. 51 421c.3 As clusulas identificadas pela jurisprudncia 4241.3 Controle judicial dos contratos de consumo 548a) Controle formal e controle do contedo dos contratos 549b) Controle concreto e em abstrato 550c) Papel do Ministrio Pblico e das entidades de proteo aoconsumidor 5521.4 Novas linhas jurisprudenciais de controle do sinalagma contratuale de recurso ineficcia de clusulas 553a) A tendncia de ineficcia de clusulas no informadas oudestacadas corretamente 554b) A tendncia de revitalizao do sinalagma no tempo e corre-o monetria 557c) A tendncia de controle da novao contratual e do equil-brio 5622. Princpio da confiana 5732.1 Novo regime para os vcios do produto 576a) Vcios de qualidade - vcios por inadequao 582b) Vcios de qualidade por falha na informao 590c) Vcios de quantidade 5912.2 Novo regime para os vcios do servio 592a) Vcios de qualidade dos servios 593b) Vcios nos servios de reparao 598c) Vcios de informao 5992.3 Garantia legal de adequao do produto e do servio 600a) Noes gerais 600b) Garantia legal e novo prazo decadencial 604c) Relao da garantia contratual com a garantia legal 6092.4 Garantia legal de segurana do produto ou do servio (Respon-sabilidade extracontratual do fornecedor) 615a) Deveres do fornecedor de produtos perigosos 618b) Limites da responsabilidade pelo fato do produto e do servio- (A responsabilidade do comerciante) 620c) Direito de regresso 630 (p. 19)2.5 Inexecuo contratual pelo consumidor e cobrana de dvidas 6322.6 Inexecuo contratual pelo fornecedor e desconsiderao dapersonalidade da pessoa jurdica 636a) Noes gerais 636b) A desconsiderao da personalidade da pessoa jurdica 637CONCLUSO DA PARTE II E OBSERVAES FINAIS 641BIBLIOGRAFIA 647 (p. 20)

    ABREVIATURAS

    CC ou CCB - Cdigo Civil BrasileiroCF - Constituio FederalCDC - Cdigo de Defesa do ConsumidorCNDC/MI - Conselho Nacional de Defesa do Consumi-

  • dor, Ministrio da JustiaCONDGs - condies gerais dos contratosBrasilcon - Instituto Brasileiro de Poltica e Direito doConsumidorBGB - Brgerliches Gesetzbuch (Cdigo Civil Alemo)BGH - Bundesgerichtshof (Corte Federal Alem)Dir. do Consumidor - Revista de Direito do Consumidor (So PauloBrasilcon)DROITS - Revue franaise de Theorie Juridique (Revis-ta, Paris)JECP - Juizados Especiais e de Pequenas CausasJZ - Juristen Zeitung (Revista, Tbingen)NJW - Neue Juristische Wochenschrift (Revista,Frankfurt)RDM - Revista de Direito Mercantil (So Paulo)Rev. AJURIS - Revista da Associao de Juzes do Rio Gran-de do SuL (Porto Alegre)Rev. eur. dr. consommation - Revue Europenne de Droit de la Consomma-tion (Louvain. Blgica)Rev. int. dr. comp. - Revue internationale de droit compar (Revis-ta, Paris)Rev. inf. legisl. - Revista de Informao Legislativa (SenadoFederal, Braslia)RT - Revista dos Tribunais (So Paulo) (p. 21)RF - Revista Forense (Rio de Janeiro)STF - Supremo Tribunal FederalSTJ - Superior Tribunal de JustiaTA - Tribunal de AladaTACiv - Tribunal de Alada CvelTJ - Tribunal de Justia (p. 22)

    INTRODUO TERCEIRA EDIO

    Sete anos aps a sua entrada em vigor, o Cdigo de Defesa doConsumidor, Lei 8.078/90, continua a despertar o interesse da doutrinabrasileira e, principalmente, dos prticos do direito. Sua incorporaoao sistema jurdico nacional foi surpreendente, sua assimilao najurisprudncia lenta, mas decisiva, e hoje o direito contratualbrasileirono pode ser completamente entendido sem um estudo profundo dosprincpios e avanos impostos por essa lei. A jurisprudncia brasileiraassimilou a maioria de seus novos conceitos e normas, mas resistiu aalguns avanos, como demonstrar a anlise de mais de 625 julgadosincorporados a esta obra. Nesse sentido, esta terceira edio deve-seno s ao aparecimento de abundante doutrina especializada, mas,principalmente, necessidade de traar um panorama nacional realistasobre a aceitao e utilizao do Cdigo de Defesa do Consumidor najurisprudncia brasileira. Ainda cedo para esboar um balano daefetividade dessa lei, mas as linhas jurisprudenciais j comeam acristalizar-se, por vezes, em interpretaes mais ousadas do que as dadoutrina, por vezes, ainda com um conservadorismo receoso com omomento atual da cincia do direito. O cmputo geral foi, porm,extremamente positivo e o CDC pode ser considerado uma lei de grandeutilizao prtica, como comprova o expressivo nmero de jurisprudn-

  • cias citadas.Assim, na primeira parte mais terica deste estudo, procuramos

    aprofundar a anlise desse momento atual, em que pese uma certa criseda cincia do direito, crise na insegurana jurdica, crise namultiplicidadedas leis, e propor novas sadas atravs de figuras e princpios tradici-onais do direito, agora revitalizados. Inclumos assim um novo estudosobre a chamada crise da ps-modernidade, procurando captar os seusreflexos no direito contratual brasileiro, pois, mesmo ciente da insegu-rana dessa denominao e da ousadia de uma tal anlise, pareceu-menecessrio e positivo propor uma discusso cientfica e crtica desse (p.23)novo tema, frente aos belos estudos da doutrina estrangeira que pudeacompanhar durante meu Doutorado na Alemanha.

    Na prtica, a grande discusso nacional continua sendo adefinioexata do campo de aplicao do Cdigo de Defesa do Consumidor,discusso esta que tende a aumentar com a eventual aprovao de umnovo Cdigo Civil, de um ainda maior nmero de leis especiais emesmo de uma legislao internacional com origem no Mercosul.Motivo pelo qual aumentamos e atualizamos, nesta edio, a anlisedo campo de aplicao da Lei 8.078/90 e dos eventuais conflitos comoutras normas. O CDC j possui sete anos de vigncia e, com oaumento da atividade Legislativa, resolvemos incluir um estudo sobreos conflitos do CDC com as j existentes leis especiais posteriores emmatria de contratos de consumo.

    Na segunda parte desta obra, ao analisarmos os reflexos contra-tuais do Cdigo, procuramos trazer as linhas jurisprudcnciais maissignificativas, as novas discusses judiciais e extrajudiciais sobre aforma e o contedo dos contratos de consumo, sem modificar, porm,o esprito, nem o plano da obra. A idia bsica continua sendoidentificar no direito brasileiro, no mercado e na prtica dos profissio-nais do direito (law in action) as inovaes e as discusses oriundasdos novos princpios introduzidos ou concretizados no Cdigo deDefesa do Consumidor.

    A pesquisa jurisprudencial executada no pode ser exaustiva, emvirtude da enorme produo jurisprudencial nacional existente sobre otema em face dos limites da autora. Tivemos como base a Revista deDireito do Consumidor, do Instituto Brasileiro de Direito do Consumi-dor, que j se encontra no 26 nmero, as pesquisas realizadas em todoo Brasil do Departamento acadmico do Brasilcon e as publicaes emrevistas e repertrios especializados. Tambm a abundante doutrinasobre o tema, em especial, os excelentes artigos e livros especializados,no podem ser totalmente exauridos, mas, na medida do possvel, foramconsiderados.

    Nesta edio, priorizamos a anlise da jurisprudncia (jabundan-te) dos Tribunais estaduais e aumentamos a anlise da jurisprudnciados Tribunais Superiores sobre temas que se referem a relaes deconsumo. Por fim, mantivemos o plano e o carter da obra, quedemonstrou ser til aos profissionais do direito e aos estudantesuniversitrios. (p. 24)

    Aumentada a parte terica e, especialmente, atualizada ecomplementada a anlise da jurisprudncia brasileira e das novas

  • prticas do mercado de consumo, espero que esta terceira edio possacontribuir efetivamente para um ainda maior entendimento e aplicaoprtica do Cdigo de Defesa do Consumidor e das demais leis deconsumo no mercado brasileiro.

    Junho 1998. (p. 25)

    (p. 26, em branco)

    INTRODUO SEGUNDA EDIO

    A necessidade de uma nova edio atualizada desta obra nasceu,em parte, da boa recepo que mereceu no Brasil inteiro; mas nasceu,principalmente, do forte impacto das normas protetivas dos direitos doconsumidor no ordenamento jurdico nacional, especialmente no direitocivil. Nestes trs primeiros anos de vigncia do Cdigo de Defesa doConsmidor formou-se uma abundante e frutfera doutrina especializa-da no tema, que s agora pde ser considerada e analisada conjunta-mente com a doutrina estrangeira no assunto.

    Esta segunda edio, porm, somente ganha verdadeiro sentido,quando analisada a prtica contratual do mercado brasileiro aps aentrada em vigor do Cdigo de Defesa do Consumidor. Foram asmudanas voluntrias no dia-a-dia das relaes de consumo e osreflexos da imposio dos novos princpios do Cdigo nas relaeslitigiosas que nos levaram a atualizar e a modificar - esperamos quepara melhor - esta obra, complementando a viso terica com os novosreflexos prticos do CDC no regime dos contratos.

    O ncleo principal desta segunda edio , portanto, a atualjurisprudncia brasileira e a anlise de suas tradicionais ou renovadaslinhas de pensamento em matria de relaes contratuais de consumo.Esta nova edio traz cerca de 267 decises jurisprudenciais brasileiras,no s dos Tribunais Superiores e Tribunais Estaduais principais, mastambm algumas decises originais de magistrados de primeiro graue das Cmaras Recursais dos juizados Especiais e de Pequenas Causas.Trata-se naturalmente, de uma pesquisa aleatria e incompleta, vincu-lada em muito as fontes limitadas da autora.

    A pesquisa jurisprudencial executada no teve pretenses de serexaustiva, nem foi seu intento reproduzir em detalhes as linhastradicionais do direito contratual clssico, ao contrrio, o levantamentotem carter exemplificativo e concentrou-se na influncia do CDC e das(p. 27)novas linhas doutrinrias do direito contratual na atuao diria eefetiva do Judicirio.

    Face a experincia acumulada nestes primeiros anos de aplicaodo Cdigo, esperamos que semelhante obra possa ajudar ao profissionaldo direito e aplicador da lei a identificar rapidamente a influnciamodificadora - ou no - dos princpios da boa-f objetiva e de eqidadecontratual no sistema do direito civil brasileiro, servindo a pesquisajurisprudencial especialmente para identificar a eficcia prtica da leinova e os campos onde sua aplicao ainda no aquela desejada.

    A jurisprudncia brasileira tem contribudo muito para o desen-volvimento e interpretao do Cdigo de Defesa do Consumidor,mesmo se observarmos que sua atuao ainda diferenciada, e, porvezes, at contraditria de Estado para Estado da Federao. Conside-ramos, porm, que a atuao concreta e prudente dos juzes brasileiros

  • est a merecer um destaque especial da doutrina, e se possvel nosentido original do pensamento dos julgadores. De forma a poderreproduzir com a mxima sinceridade intelectual o pensamento e a ratiodo julgador, superando a sua simples utilizao como apoio s opiniesemitidas na primeira edio, optamos por reproduzir nas notas derodap muitas das ementas das decises citadas, mesmo conscientes deque as ementas so plida representao do contedo dos acrdos edo pungente direito dos juzes nesta matria. Esperamos que estaopo no torne a leitura excessivamente pesada, e que, ao contrrio,possa ser um efetivo instrumento de pesquisa e de convencimento parao profissional do direito, ao possibilitar uma visualizao mais imediatada argumentao e da motivao aceita pela jurisprudncia citada.

    Entre a jurisprudncia analisada e reproduzida inclumos tambmdecises dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, tendo em vistaa importncia conquistada por estes Juizados na efetiva (e rpida)defesa dos interesses dos consumidores. De forma a evitar qualquerdiscusso sobre a legitimidade desta "fonte jurisprudencial", mencio-naremos apenas as decises das Cmaras Recursais, constitudas pormagistrados de carreira, decises que foram reproduzidas nos veculosoficiais de publicao dos Tribunais de Justia de cada Estado. Ajurisprudncia oriunda dos Juizados pouco conhecida ou divulgada,mesmo entre os conciliadores, rbitros e juzes. Nesse sentido, consi-deramos que sua divulgao pode ser fator importante para a conquistade uma maior harmonia de decises no pas, assim como contribuir para (p.28)uma salutar - e pouco existente - "troca de experincias" com as viastradicionais da Justia.

    Quanto s modificaes executadas no texto, foram includas, naprimeira parte do livro, anlise mais detalhada sobre os contratos delonga durao, sobre a definio de consumidor stricto sensu e agentesequiparados pelo CDC a consumidores, assim como sobre a aplicaodo CDC no tempo e os conflitos de leis oriundos de sua entrada emvigor. Especialmente modificada e complementada pela atual prticajurisprudencial apresenta-se a parte dois desta obra, onde foi includauma anlise mais detalhada do fenmeno da vinculao prpria atravsda negociao contratual, assim como novos ttulos sobre as caracte-rsticas das clusulas abusivas, sobre a autorizao excepcional demodificao de algumas clusulas pelo Judicirio e sobre as principaisclusulas abusivas identificadas pela jurisprudncia brasileira nestesprimeiros anos de vigncia do CDC.

    O Cdigo de Defesa do Consumidor, como lei nova erejuvenescedora do Direito Civil brasileiro, tem atrado a ateno dejuristas interessados na evoluo da cincia jurdica e dos instrumentoslegais garantidores de relaes sociais mais equilibradas e leais; temdespertado contnuo interesse nos profissionais do direito em geral,advogados, conciliadores, membros do Ministrio Pblico e magistra-dos. O CDC conseguiu em poucos anos transformar-se em umarealidade, uma lei de assumida funo social a impor um novo patamarde harmonia e de boa-f objetiva no mercado de consumo. Suaimportncia e seus reflexos positivos no ordenamento jurdico brasilei-ro, especialmente no que se refere ao novo regime das relaescontratuais, no podem mais ser negados. Esperamos que este trabalho,renovado e atualizado com a nova doutrina e jurisprudncia brasileirapossa ser uma contribuio vlida ao estudo e prtica das novas linhas

  • positivadas no Direito Civil ptrio pelo Cdigo de Defesa do Consu-midor.

    Dezembro 1994. (p. 29)

    (p. 30, em branco)

    INTRODUO PRIMEIRA EDIO

    1. Plano da obra

    I - O presente trabalho pretende ser uma contribuio ao estudodos reflexos do Cdigo de Defesa do Consumidor no ordenamentojurdico brasileiro, especialmente no que se refere ao regime dasrelaes contratuais. Trata-se de analisar o Cdigo, enquanto inovao,mas de explicit-lo, enquanto resultado da evoluo terica e doutrinriado direito como cincia. Este aspecto foi at agora pouco observadopelos autores que comentam as normas do Cdigo, como se esterompesse com a histria e a evoluo do pensamento jurdico. Bem aocontrrio, o Cdigo rompe com o pensamento individualista, liberal daconcepo clssica de contrato, mas representa a prpria evoluo, aprpria positivao da teoria da funo social do contrato, que desdeo sculo XIX aparecia nos ensinamentos ideais de mestres comoJehring, Morin e outros. Os juristas, acostumados com o pensamentotradicional, podero assim situar-se e situando-se, interpretar as normasdo Cdigo com maior embasamento, com maior segurana, entendendoe sua ratio, evitando assim interpretaes que deturpem o seu fim, queas tornem incuas ou radicais em excesso. O chamado Direito doConsumidor parte do Direito, parte da cincia, parte da evoluodo pensamento jurdico, criando novos conceitos, pensando topicamentee dando novo contedo a noes-chaves como a boa-f, a eqidadecontratual, a vlida manifestao de vontade, a equivalncia de pres-taes, a transparncia e o respeito entre parceiros Na fase pr-contratual.

    Este estudo volta-se, assim, tanto para aqueles que esto agoraaprendendo, quanto para os profissionais do direito, que a todomomento devem sugerir condutas, julgar e resolver problemas envol-vendo as relaes contratuais entre consumidores (todos) e fornecedo-res (profissionais). (p. 31)

    II - O presente trabalho divide-se em duas grandes partes. umamais terica, dedicada ao estudo da evoluo da Teoria Contratual, quetem por fim apresentar o Cdigo de Defesa do Consumidor (CDC)como conseqncia desta renovao no pensamento jurdico, e umasegunda, mais prtica, onde ser analisado o novo regime legal impostopelas normas do Cdigo quando da formao dos contratos de consumoe quando da execuo destes. Esta segunda parte estudar uma a umadas normas do Cdigo que possuem algum reflexo nas relaescontratuais, mesmo que este reflexo seja indireto, eventual ou futuro,pois as novas normas acompanham as relaes de consumo desde a suafase pr-contratual at uma nova proteo na fase ps-contratual. Aapresentao das normas do Cdigo ser sistematizada tendo em vistaos novos princpios bsicos que o CDC introduz no ordenamentojurdico brasileiro, de forma a facilitar a sua interpretao e o enten-dimento de sua ratio. Da mesma forma optamos pela transcrio dasprincipais normas no texto, para facilitar a leitura e a rapidez no

  • entendimento de nossas observaes.Em face da novidade do tema, recorremos, em muito nesta

    primeira edio, experincia do direito comparado, que nos foitransmitida, to sensatamente, pelos mestres alemes e suos. Por fim,cabe esclarecer que a exposio sobre o novo regime das clusulasabusivas propositalmente sinttica, porque o tema comporta, em faceda experincia do direito comparado, uma anlise monogrfica, que jest sendo preparada.

    O presente trabalho , portanto, amplo em sua anlise, pois ampla a aplicao da nova lei nas relaes contratuais no mercado brasileiro,mas no pretende ser mais do que um primeiro passo, uma primeiracontribuio para o entendimento desse fato novo, deste novo espritointroduzido no ordenamento brasileiro. um estmulo discusso, umamodesta tentativa de sistematizao, aberta crtica e crescimento, emface da novidade e da importncia do tema.

    2. Introduo ao tema

    A Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, conhecida comoCdigo de Defesa do Consumidor ou CDC, entrou em vigor em 11 demaro de 1991, representando uma considervel inovao no ordena-mento jurdico brasileiro, uma verdadeira mudana na ao protetora (p.32)do direito. De uma viso liberal e individualista do Direito Civil,passamos a uma viso social, que valoriza a funo do direito comoativo garante do equilbrio, como protetor da confiana e das legtimasexpectativas nas relaes de consumo no mercado.

    Em matria contratual, no mais se acredita que assegurando aautonomia de vontade e a liberdade contratual se alcanar, automa-ticamente, a necessria harmonia e eqidade nas relaes contratuais.Nas sociedades de consumo, com seu sistema de produo e dedistribuio em massa, as relaes contratuais se despersonalizaram,aparecendo os mtodos de contratao estandardizados, como oscontratos de adeso e as condies gerais dos contratos. Hoje estesmtodos predominam em quase todas as relaes entre empresas econsumidores, deixando claro o desnvel entre os contratantes - um,autor efetivo das clusulas, e outro, simples aderente. uma realidadesocial bem diversa daquela do sculo XIX, que originou a concepotradicional e individualista de contrato, presente em nosso Cdigo Civilde 1917. Ao Estado coube, portanto, intervir nas relaes de consumo,reduzindo o espao para a autonomia de vontade, impondo normasimperativas de maneira a restabelecer o equilbrio e a igualdade deforas nas relaes entre consumidores e fornecedores.

    O art. 1 do Cdigo de Defesa do Consumidor deixa claro que anova Lei representa exatamente esta interveno estatal, ordenada pelaConstituio Federal de 1988, em seus arts. 5, inciso XXXII e 170,incisoV. No Cdigo esto positivadas as novas regras para a proteo doconsumidor, as quais tm como fim justamente harmonizar e dartransparncia s relaes de consumo (veja art. 4, caput in fine CDC).

    O novo Cdigo pretende regular todas as matrias conexas srelaes de consumo na sociedade; ao nosso estudo, porm, interessasomente a mais representativa e abrangente destas relaes: a relaocontratual entre o consumidor e o fornecedor de bens ou servios.

  • Vrios enfoques poderiam ser dados ao estudo do novo regime dasrelaes contratuais entre consumidor e fornecedor de bens e servios.Neste estudo, vamos sistematizar as novas normas, relacionando-ascom os princpios bsicos institudos pelo Cdigo de Defesa doConsumidor, destacando o que elas tm de novo em relao aoordenamento jurdico brasileiro tradicional, pois somente o conheci-mento e o domnio dessas mudanas possibilitar uma adaptao semgrandes traumas dos contratos e das prticas comerciais existentes nomercado. (p. 33)

    (p. 34, em branco)

    Parte 1 - A RENOVAO DA TEORIA CONTRATUAL

    1 - A NOVA TEORIA CONTRATUAL

    SUMARIO: 1. A concepo tradicional do contrato - 1.1 Caracters-ticas principais - 1.2 Origens da concepo tradicional de contrato: a)O direito cannico; b) A teoria do direito natural; c) Teorias de ordempoltica e a revoluo francesa; d) Teorias econmicas e o Liberalismo- 1.3 Reflexos da teoria contratual e do dogma da autonomia davontade: a) A liberdade contratual; b) A fora obrigatria dos contratos;c) Os vcios do consentimento - 2. A nova realidade contratual - 2.1Noes preliminares: Os contratos de massa - 2.2 Os contratos deadeso: a) Descrio do fenmeno; b) A formao do vnculo; c) Adisciplina dos contratos de adeso - 2.3 As condies gerais doscontratos (clusulas contratuais gerais): a) Descrio do fenmeno; b)A incluso de condies gerais nos contratos; c) A disciplina dascondies gerais dos contratos - 2.4 Os contratos cativos de longadurao: a) Descrio do fenmeno; b) A estrutura dos contratoscativos de longa durao; c) Disciplina - 2.5 As clusulas abusivas noscontratos de massa - 3. Crise na teoria contratual clssica - 3.1 Criseda massificao das relaes contratuais - 3.2 Crise da ps-modernidade- 4. A nova concepo de contrato e o Cdigo de Defesa do Consu-midor - 4.1 A nova concepo social do contrato: a) Socializao dateoria contratual; b) Imposio do princpio da boa-f objetiva; c)Intervencionismo dos Estados - 4.2 O Cdigo de Defesa do Consumi-dor como conseqncia da nova teoria contratual: a) Limitao daliberdade contratual; b) Relativizao da fora obrigatria dos contra-tos; c) Proteo da confiana e dos interesses legtimos; d) Nova noode equilbrio mnimo das relaes contratuais.

    A idia de contrato vem sendo moldada, desde os romanos, tendosempre como base as prticas sociais, a moral e o modelo econmicoda poca. O contrato, por assim dizer, nasceu da realidade social. (p.35)

    Efetivamente, sem os contratos de troca econmica, especial-mente os contratos de compra e venda, de emprstimo e de permuta,a sociedade atual de consumo no existiria como a conhecemos. Ovalor decisivo do contrato est, portanto, em ser o instrumento jurdicoque possibilita e regulamenta o movimento de riquezas dentro dasociedade.{1}

    Para as partes, o contrato objetiva, fundamentalmente, uma trocade prestaes, um receber e prestar recproco. Assim, contrato de

  • compra e venda um sinalagma, em que um contratante assume aobrigao de pagar certo preo para alcanar um novo status jurdico,status de proprietrio (seja de um automvel, televiso ou mesmo debens alimentcios), enquanto o outro assume a obrigao de transferirum direito seu de propriedade, porque lhe mais interessante, nomomento, ser credor daquela quantia. A idia de troca, de reciprocidadede obrigaes e de direitos serve para frisarmos a existncia dentro danoo de contrato de um equilbrio mnimo das prestaes econtraprestaes, equilbrio mnimo de direitos e deveres. Note-se queo contrato remedia a desconfiana bsica entre os homens e funcionacomo instrumento, antes individual, hoje social, de alocao de riscospara a segurana dos envolvidos e a viabilizao dos objetivos alme-jados pelas partes.{2}

    Para a teoria jurdica, o contrato um conceito importantssimo,uma categoria jurdica fundamental trabalhada pelo poder de abstraodos juristas, especialmente os alemes do sculo XIX, quando sistema-tizaram a cincia do direito.{3} o negcio jurdico por excelncia,ondeo consenso de vontades dirige-se para um determinado fim. atojurdico vinculante, que criar ou modificar direitos e obrigaes paraas partes contraentes, sendo tanto o ato como os seus efeitos permitidose, em princpio, protegidos pelo Direito.* (1) Assim ensinam os mestres comparatistas Zweigert/Koetz, p. 7,sobre aevoluo desta viso econmica do contrato e sua importncia ainda nosdias de hoje, Poughon, Le contrat, pp. 47 e ss.

    (2) Como relembram os mestres da common law, o contrato, alm daexchangefuncton, possui uma importante funo de alocao de riscos na sociedademoderna, veja o excelente Atiyah, p. 716.

    (3) Sobre o sistema do direito e a evoluo dos conceitos daTeoria do Direito,veja a obra basilar de Karl Larenz, Metodologia e sobre a histria dopensamento jurdico, veja o excelente Wieacker. (p. 36)

    A concepo de contrato, a idia de relao contratual, sofreu,porm, nos ltimos tempos uma evoluo sensvel, em face da criaode um novo tipo de sociedade, sociedade industrializada, de consumo,massificada, em face, tambm, da evoluo natural do pensamentoterico-jurdico.

    O contrato evoluir, ento, de espao reservado e protegido pelodireito para a livre e soberana manifestao da vontade das partes, paraser um instrumento jurdico mais social, controlado e submetido a umasrie de imposies cogentes, mas eqUitativas.

    Este primeiro captulo , portanto, dedicado ao estudo dareferidaevoluo da teoria contratual, evoluo esta oriunda da realidade sociale da cincia do Direito, que, no Brasil, culminar com a criao doCdigo de Defesa do Consumidor.

    1. A concepo tradicional do contrato

    Na cincia jurdica do sculo XIX, a autonomia de vontade eraa pedra angular do Direito.{4} A concepo de vnculo contratual desseperodo est centrada na idia de valor da vontade, como elemento

  • principal, como fonte nica e como legitimao para o nascimento dedireitos e obrigaes oriundas da relao jurdica contratual.{5} Comoafirma Gounot,{6} "da vontade livre tudo procede e ela tudo sedestina".

    a poca do liberalismo na economia e do chamado voluntarismono direito. A funo das leis referentes a contratos era, portanto,somente a de proteger esta vontade criadora e de assegurar a realizaodos efeitos queridos pelos contraentes.{7} A tutela jurdica limita-se a* (4) Veja os clssicos ensaios de Michel Villey, "Essor etdcadence duvoluntarisme juridique" e de A. Rieg, "Le rle de la volont dans laformation de lacte juridique daprs les doctrines allemandes du XIXsicle", ambos nos Archives de Philosophie du Droit, vol. 4, Paris,Sirey,1957, pp. 87/98 e 126-132.

    (5) Assim, os comparatistas alemes Zweigert/Koetz, p. 7; vejatambm orecente Jacques Ghestin, "La notion de contrat", in Recueil Dalloz/Sirey,1990, n. 23, p. 147.

    (6) No original, "de la volont libre tout procede, elle toutaboutit", apudBessone, Natura Ideologica, p. 944.

    (7) Relembre-se aqui a noo clssica de negcio jurdico, comodeclarao devontade dirigida a um fim, tutelando o direito tanto esta vontade como osefeitos pretendidos pelas partes, veja a obra de Azevedo, pp. 6 e ss. (p.37)possibilitar a estruturao pelos indivduos destas relaes jurdicasprprias assegurando uma terica autonomia, igualdade e liberdade nomomento de Contratar, e desconsiderando por completo a situaoeconmica e social dos contraentes.

    Na concepo clssica, portanto, as regras contratuais deveriamcompor um quadro de normas supletivas, meramente interpretativas,para permitir e assegurar a plena autonomia de vontade dos indivduos,assim como a liberdade contratual. Esta concepo voluntarista e liberalinfluenciar as grandes codificaes do Direito e repercutir nopensamento jurdico do Brasil, sendo aceita e positivada pelo CdigoCivil Brasileiro de 1917.{8}

    1.1 Caractersticas principais

    Como primeira aproximao ao estudo da concepo tradicionalde contrato vamos examinar a definio do grande sistematizador dosculo XIX, Friedrich Karl von Savigny, segundo a qual, o contrato a unio de mais de um indivduo para uma declarao de vontade emconsenso, atravs da qual se define a relao jurdica entre estes("Vertrag ist die Vereiningung mehrerer zu einer bereinstimmendenWillenserklrung, wodurch ihre Rechtsverhltnisse bestimmt werden"){9}.

    Esta definio, em princpio simples, tem grande valor para anossa anlise, pois nela j podemos encontrar os elementos bsicos quecaracterizaro a concepo tradicional de contrato at os nossos dias:(1) a vontade (2) do indivduo (3) livre (4) definindo, criando direitose obrigaes protegidos e reconhecidos pelo direito. Em outras pala-vras, na teoria do direito, a concepo clssica de contrato est

  • diretamente ligada doutrina da autonomia da vontade e ao seureflexo{10} mais importante, qual seja, o dogma da liberdade contratual.* (8) Assim Couto e Silva, Perspectivas, p. 134.

    (9) Apud Zweigert/Koetz, p. 6.(10) Concordam Weil/Terr, p. 25, Rieg, p. 126, Larenz/AT, p. 35,

    Laufs, p. 255,Raizer, p. 12, Almeida Costa, p. 77, Reale/Nova Fase, p. 87, Couto eSilva,RT 655, p. 7, Gomes/Transformaes, p. 9, porm, para os comparatistasZweigert/Koetz, p. 9, Koendgen, p. 119 e Kramer/Muenchener, p. 1090, osdogmas teriam o mesmo nvel, sendo a caracterstica mais importante aliberdade contratual, a qual no seria simples "reflexo" ou elemento dodogmada autonomia da vontade. A tradio brasileira e francesa a queseguimos. (p. 38)

    Para esta concepo, portanto, a vontade dos contraentes, decla-rada ou interna, o elemento principal do contrato. A vontaderepresenta no s a genesis, como tambm a legitimao do contrato{11}e de seu poder vinculante e obrigatrio.

    Tendo em vista o papel decisivo da vontade a doutrina, alegislao e a jurisprudncia, influenciadas por esta concepo, iroconcentrar seus esforos no problema da realizao dessa autonomiada vontade;{12} somente a vontade livre e real, isenta de vcios oudefeitos, pode dar origem a um contrato vlido, fonte de obrigaes ede direitos.

    Nesse sentido, a funo da cincia do direito ser a de protegera vontade criadora e de assegurar a realizao dos efeitos queridos pelaspartes contratantes. A tutela jurdica limita-se, nesta poca, portanto,a possibilitar a estruturao pelos indivduos de relaes jurdicasprprias atravs dos contratos,{13} desinteressando-se totalmente pelasituao econmica e social dos contraentes{14} e pressupondo a existn-cia de uma igualdade e liberdade no momento de contrair a obrigao.

    Esta concepo clssica de contrato, individualista, liberal ecentrada na idia de valor da vontade, influenciar o pensamentobrasileiro,{15} sendo aceita pelo Cdigo Civil de 1917.{16}

    Mas a concepo clssica de contrato no fruto de um nicomomento histrico, ao contrrio, ela representa o ponto culminantee aglutinador da evoluo terica do direito aps a idade mdia e daevoluo social e poltica ocorrida nos sculos XVIII e XIX, coma revoluo francesa, o nacionalismo crescente e o liberalismoeconmico. A compreenso desta teoria clssica contratual exige,portanto, que se analise igualmente as origens dessa concepo,sempre tendo em vista o reflexo que estas influncias tericas e sociaistiveram no nascimento da doutrina da autonomia da vontade (1.2).* (11) Assim, Kramer/Muenchener, p. 1091 (ver 145, 3, b).

    (12) Concordam Zweigert/Koetz, p. 8.(13) Nesse sentido Raizer, p. 12.(14) Assim, o mestre de Porto Alegre, Couto e Silva/Perspectiva,

    p. 134.(15) Veja sobre a repercusso do pensamento Filosfico-jurdico

    europeu nopensamento jurdico brasileiro, a lio de Reale, Nova Fase, p. 219.

    (16) Assim, Pontes de Miranda/Fontes, p. 377 e Couto eSilva/Perspectiva,

  • p. 137. (p. 39) necessrio, igualmente, que se identifique que conseqncias

    jurdicas se originaram, nos ordenamentos jurdicos de quase todosos povos europeus e tambm entre ns, da aceitao desta concepoclssica de contrato (1.3).

    1.2 Origens da concepo tradicional de contrato

    A concepo tradicional de contrato, segundo frisamos, estintimamente ligada a idia de autonomia da vontade, eis porque possvel identificar suas origens analisando a evoluo deste dogmabasilar do direito. Segundo doutrinadores franceses,{17} quatro so asprincipais origens da doutrina da autonomia da vontade no direito:

    a) O direito cannico - O direito cannico contribuiu decisiva-mente para a formao da doutrina da autonomia da vontade e,portanto, para a viso clssica do contrato, ao defender a validade ea fora obrigatria da promessa por ela mesma, libertando o direitodo formalismo exagerado e da solenidade tpicos da regra romana.{18}O simples pacto faz nascer a obrigao jurdica, como fruto do atodo homem. o direito cannico que vulgariza a frmula ex nudo pactonascitur. Para os canonistas, a palavra dada conscientemente criavauma obrigao de carter moral e jurdico para o indivduo. Assim,livre do formalismo excessivo do direito romano, o contrato seestabelece como um instrumento abstrato e como uma categoriajurdica.{19}* (17) Assim Weill/Terr, p. 50 sobre as origens da doutrina daautonomia davontade.

    (18) Segundo Puig Pea, p. 2, o pactum ou conventio, no direitoromano,significava um simples acordo que por si s no gerava uma actio, nemvnculo obrigacional, sendo necessrio um plus (causa civilis) para setransformar em contractus: a forma especial, ou mais tarde, a execuoporuma das partes. De outro lado, se Roma possua um conceito mais objetivode contrato e diferenciado do atual, isto no impede que alguns doutrina-dores visualizem na relao de foras entre o disposto na lex e asinstituies do ius (incluindo aqui os atos jurdicos) um conceito deautonomia privada bastante semelhante ao atual, como espao reservadopara a auto-determinao dos indivduos, veja a controvrsia em Frezza,p.481 e Carressi, p. 265.

    (19) Assim concluem tambm Mazeaud/Mazeaud/Chabas, p. 53. (p. 40)

    b) A teoria do direito natural - na teoria do direito naturalqueencontramos, porm, a base terico-filosfica mais importante naformao dos dogmas da concepo clssica: a autonomia da vontadee a liberdade contratual. Como ensina Reale,{20} luz do DireitoNatural,especialmente devido s idias de Kant, a pessoa humana tornou-se umente de razo, uma fonte fundamental do direito, pois, atravs de seu

  • agir, de sua vontade, que a expresso jurdica se realiza. Kant{21}chegariamesmo a afirmar que a autonomia da vontade seria "o nico princpiode todas as leis morais e dos deveres que lhes correspondem". Estasidias de Kant tiveram muita influncia na Alemanha poca dasistematizao do direito e sero uma das bases da Willenstheorie,{22}para a qual a vontade interna, manifestada sem vcios, a verdadeirafonte do contrato, a fonte que legitima os direitos e obrigaes daresultantes, os quais devem ser reconhecidos e protegidos pelo direito.

    Para Wieacker,{23} os pandectistas do sculo XIX, aosistematizarema cincia do direito e os conceitos jurdicos, basearam-se na tica daliberdade - e do dever de Kant. Para este famoso historiador do direito, na ideologia do jusnaturalismo que vamos encontrar a fonte do queele chama "paixo burguesa pela liberdade". Efetivamente, no direitonatural que encontramos a base do dogma da liberdade contratual, umavez que a liberdade de contratar seria uma das liberdades naturais dohomem, liberdade esta que s poderia ser restringida pela vontade(Wille) do prprio homem.{24} O prprio Kant{25} afirmada que as pessoas* (20) Reale/Nova, p. 61.

    (21) Kant, "Kritik der Praktischen Vernunft" apud Reale/Nova, p.60.

    (22) Assim concluem tb. Zweigert/Koetz, p. 8.(23) Wieacker, p. 280.(24) Concordam igualmente Zweigert/Koetz, p. 8, em interessante

    estudo. ErnstWolf relembra que o 823 do BGB ao citar os bens e valores, os quaislesados originam a pretenso de ressarcimento por ato ilcito no direitoalemo, inclui "a liberdade", como interesse e direito natural do homem.Wolf, Ernst, "Vertragsfreiheit - eine Illusion?", FSKeller, p. 360.

    (25) Kant/Grundlegung zur Methaphysik der Sitten, p. 375: "Mansah denMenschen Durch seine Pflicht an Gesetze gebunden, man liess es sich abernicht einfailen, dass er nur seiner eigenen und dennoch allgemeinenGesetsgebung unterworen sei, und dass er nur verbunden sei, seineneigenen, den Naturzweck nach aber allgemeinen gesetzgebenden Willengemaess zu handeln". (p. 41)s podem se submeter s leis que elas mesmas se do, no caso, ocontrato. Wieacker chega a considerar o jusnaturalismo, com asinfluncias por ele recebidas da tradio catlica, como a fora maispoderosa no desenvolvimento do direito, depois do Corpus IurisCivile.{26} Mas no s as teorias tico-jurdicas tiveram influncia naformao de concepo clssica de contrato, tambm as teorias deordem poltica e econmica ajudaram a mold-la.

    c) Teorias de ordem poltica e a revoluo francesa - J seafirmouque o direito moderno nasce com a Revoluo Francesa,{27} neste sentidoqueremos destacar a influncia que a famosa teoria do contrato socialexerceu sobre o direito contratual. Esta teoria de Rousseau lana a idiado contrato como base da sociedade, sociedade politicamente organi-zada, isto , o Estado. Aqui vamos reencontrar o dogma da vontade livredo homem, pois, segundo esta revolucionria teoria francesa, a auto-ridade estatal tem o seu fundamento no consentimento dos sujeitos de

  • direito, isto , os cidados. Suas vontades se unem (em contrato) paraformar a sociedade, o Estado como hoje o conhecemos. Nas palavrasclebres de Rousseau: "J que nenhum homem possui uma autoridadenatural sobre o seu semelhante, e uma vez que a fora no produznenhum direito, restam, portanto, os contratos (as convenes) comobase de toda a autoridade legtima no meio dos homens".{28}

    Note-se que tambm aqui est presente a idia de renncia parteda liberdade individual. necessrio renunciar atravs do contratosocial, mas a prpria renncia expresso do valor da vontade. Ocontrato , assim, no s a fonte das obrigaes entre indivduos, ele a base de toda a autoridade. Mesmo o Estado retira sua autoridadede um contrato, logo a prpria lei estatal encontra a sua base. Ocontrato no obriga porque assim estabeleceu o direito, o direito quevale porque deriva de um contrato. O contrato, tornando-se um a priorido direito, revela possuir uma base outra, uma legitimidade essencial* (26) Wieacker, p. 297.

    (27) Assim Reale/Nova, p. 73.(28) Nas palavras originais, Rousseau, p. 45, L. I., Cap. IV:

    "puisque aucunhomme na une autorit naturelle sur son semblable, et puisque la forceneproduit aucun droit, restent donc les conventions pour base de touteautoritlgitime parmi les hommes". (p. 42)e autnoma em relao s normas: a vontade dos cidados.{29} A teoriado contrato social conduz, portanto, idia de importncia da vontadedo homem.{30}

    Destaque-se, por fim, a maior realizao da Revoluo Francesano campo do Direito Civil, o Cdigo Civil Francs de 1804. O CodeCivil, elaborado na poca napolenica, conjuga as influncias indivi-dualistas e voluntaristas da poca com as idias do Direito NaturalModerno: tendo, segundo Reale,{31} remota fonte hobbesiana. Marco dahistria do direito, esta codificao, que influenciada grande parte dosordenamentos jurdicos do mundo, coloca como valor supremo de seusistema contratual a autonomia da vontade, afirmando, em seu art.1.134, que as convenes legalmente formadas tm lugar das leis paraaqueles que as fizeram.{32} Esta viso extremamente voluntarista dodireito contratual influenciar vrias codificaes, inclusive a nossa,moldando para sempre a concepo clssica de contrato.

    d) Teorias econmicas e o Liberalismo - As teorias econmicasdo sculo XVIII, em resposta ao corporativismo e as limitaesimpostas pela igreja catlica, propem a liberdade como panaciauniversal.{33} Para estas teorias, basicamente necessria a livre movi-mentao das riquezas na sociedade.{34}

    Uma vez que o contrato o instrumento colocado disposiopelo direito para que esta movimentao acontea, defendem a neces-* (29) Assim Puig Pea, p. 3. J o mestre alemoCoing/Rechtsphilosophie, p. 33,observa que exatamente neste momento, o homem (Menschen) volta a servisto como cidado (Brger) e o direito dos homens (direito natural) vaicedendo espao para o direito dos cidados (direito civil ou brgerlichesRecht, em alemo), direito dos iguais na sociedade civil.

    (30) Assim Weil/Terr, p. 51.

  • (31) Reale, Nova Fase, p. 87 e Villey, p. 683.(32) No original: "Art. 1.134 - Les conventions lgalment formes

    tiennet lieude li ceux qui les ont faites", nossa traduo no texto foiinfluenciada poraquela de Reale, Nova Fase, p. 90, veja tambm sobre o sistema contratualdo Code Civil, Morin, Rvolte, p. 13 a 17.

    (33) Kramer/Krise, p. 22.(34) Veja Amaral, Autonomia, p. 26 e tb. o excelente Atiyah, p.

    277, o qualdestaca a importncia da idia de propriedade privada, a possibilitaressaliberdade de trocas de mercadorias na sociedade. (p. 43)sidade da liberdade contratual. Acreditava-se, na poca, que o contratotraria em si uma natural eqidade, proporcionaria a harmonia social eeconmica, se fosse assegurada a liberdade contratual. O contrato seriajusto e eqitativo por sua prpria natureza. Na expresso da poca: "Quidit contractuelle, dit juste".{35}

    O modelo do synalagma serve como base para esta viso econ-mica do contrato, a qual reafirmar ser este precipuamente uminstrumento de troca do "intil" pelo "til", visando a realizao deinteresses individuais daqueles que contrataram. Note-se aqui umadupla funo econmica do contrato: instrumentalizar a livre circulaodas riquezas na sociedade e ao mesmo tempo indicar o valor demercado de cada objeto cedido (sua nova "utilidade"). Evolui-se, assim,para considerar o contrato menos um instrumento de troca de objetos,mas sim uma troca de valores.{36}

    No sculo XIX, auge do Liberalismo, do chamado Estado Moder-no, coube a teoria do direito dar forma conceitual ao individualismoeconmico da poca, criando a concepo tradicional de contrato,{37} emconsonncia com os imperativos da liberdade individual e principal-mente do dogma mximo da autonomia da vontade.{38}

    1.3 Reflexos da teoria contratual e do dogma da autonomia da vontade

    A doutrina da autonomia da vontade considera que a obrigaocontratual tem por nica fonte a vontade das partes. A vontade humana assim o elemento nuclear, a fonte e a legitimao da relao jurdicacontratual e no a autoridade da lei. Sendo assim, da vontade que seorigina a fora obrigatria dos contratos, cabendo lei simplesmentecolocar disposio das partes instrumentos para assegurar o cumpri-mento das promessas e limitar-se a uma posio supletiva. A doutrinada autonomia da vontade ter tambm outras conseqncias jurdicas* (35) Assim Koendgen, p. 119, segundo Ghestin, "Lutile", p. 36 aexpresso de Fouille, veja em portugus Schwab/Ajuris 39, p. 17 "quem dizcontratual, diz justo".

    (36) Assim conclui tb. Poughon, pp. 54 e ss.(37) Veja detalhes na tese de Lobo, pp. 35 e ss. e em Bessone,

    Natura ideologica,p. 945.

    (38) Assim tambm, excelente, Reale, Nova Fase, p. 91. (p. 44)importantes como a necessidade do direito assegurar que a vontadecriadora do contrato seja livre de vcios ou de defeitos, nascendo a a

  • teoria dos vcios do consentimento. Acima de tudo o princpio daautonomia da vontade exige que exista, pelo menos abstratamente, aliberdade de contratar ou de se abster, de escolher o parceirocontratual,o contedo e a forma do contrato. o famoso dogma da liberdadecontratual.

    Vejamos, portanto, em detalhes estas conseqncias e reflexos nomundo do direito da aceitao da doutrina da autonomia da vontade:

    a) A liberdade contratual - A idia de autonomia de vontade estestreitamente ligada a idia de uma vontade livre, dirigida pelo prprioindivduo sem influncias externas imperativas. A liberdade contratualsignifica, ento, a liberdade de contratar ou de se abster de contratar,liberdade de escolher o seu parceiro contratual, de fixar o contedo eos limites das obrigaes que quer assumir, liberdade de poder exprimira sua vontade na forma que desejar, contando sempre com a proteodo direito.

    Para alguns novos autores alemes,{39} os dogmas da autonomia davontade e da liberdade contratual deveriam ter o mesmo nvel eimportncia na caracterizao da teoria tradicional do contrato. Evitan-do teorizar se o dogma da liberdade contratual teria sua origem nadoutrina da autonomia da vontade ou no, eles preferem uma anlisefuncional da teoria contratual, destacando que o contrato , para oliberalismo econmico do sculo XIX, um dos mais importantesinstitutos jurdicos, pois instrumentaliza a movimentao de riquezasna sociedade. Para estes autores,{40} a idia de liberdade contratualpreencheu trs importantes funes poca do liberalismo, momentode maturao da concepo tradicional de contrato. De um ladopermitia que os indivduos agissem de maneira autnoma e livre nomercado, utilizando assim de maneira optimal as potencialidades daeconomia, baseada em um mercado livre, e criando, assim, outraimportante figura: a livre concorrncia. De outro lado, nesta economialivre e descentralizada, deveria ser assegurado a cada contraente a* (39) Assim os comparatistas famosos, Zweigert/Koetz, p. 9, orespeitadocomentrio do BGB, Kramer/Muenchener, p. 1090 e a Habilitationsschriftde Koendgen, p. 119.

    (40) Koendgen, p. 119 a Kramer/Muenchener, p. 1091. (p. 45)maior independncia possvel para se auto-obrigar nos limites quedesejasse, ficando apenas adstrito observncia do princpio mximo:pacta sunt servanda. Koendgen{41} destaca aqui, que esta ampla liberdadede contratar pressupe juridicamente a aceitao de que a obrigaoassumida limitada a determinado ato e em determinado espao detempo. Ganha, assim, importncia para o direito o consenso, a vontadede indivduo, o Contedo e os limites desta vontade, interna oudeclarada. A terceira funo do dogma da liberdade contratual pode serdenominada como funo "protetora". Na viso liberal, o Estadodeveria abster-se de qualquer interveno nas relaes entre indivduos.Assim, se o indivduo era livre e tinha a possibilidade de se auto-obrigar, tinha direito tambm de defender-se contra a imputao deoutras obrigaes para as quais no tenha manifestado a sua vontade.

    Como se observa, mesmo nesta exposio alternativa do dogmada liberdade contratual este aparece intrinsecamente ligado autonomiada vontade, pois a vontade, que, na viso tradicional, legitima o

  • contrato e fonte das obrigaes, sendo a liberdade um pressupostodesta vontade criadora, uma exigncia, como veremos, mais terica doque prtica.

    Preferimos aqui destacar os reflexos que ambos os dogmastiveram na teoria contratual tradicional, assim temos, por exemplo, oprincpio da liberdade de forma das convenes, o da livre estipulaode clusulas e a possibilidade de criar novos tipos de contratos, notipificados nos Cdigos.

    Na teoria do direito, a liberdade contratual encontra umobstculosomente: as regras imperativas que a lei formula.{42} Mas no direitocontratual tradicional estas regras so raras e tm como funojustamente proteger a vontade dos indivduos, como, por exemplo, asregras sobre capacidade. No mais, as normas legais restringem-se afornecer parmetros para a interpretao correta das vontades das partese a oferecer regras supletivas para o caso dos contratantes nodesejarem regular eles mesmos determinados pontos da obrigaoassumida, como, por exemplo, as regras sobre o lugar e o tempo dopagamento.* (41) Koendgen, pp. 119 e 120.

    (42) Assim Carbonnier, p. 146 e Weil/Terr, p. 53. (p. 46)

    b) A fora obrigatria dos contratos - Se, para a concepoclssica de contrato, a vontade o elemento essencial, a fonte, alegitimao da relao contratual; se, como vimos, at mesmo asociedade politicamente organizada tem sua fonte em um contratosocial; se o homem livre para manifestar a sua vontade e para aceitarsomente as obrigaes que sua vontade cria; fica claro que, por trs dateoria da autonomia da vontade, est a idia de superioridade davontade sobre a lei.{43} O direito deve moldar-se vontade, deveproteg-la e reconhecer a sua fora criadora. O contrato, como diz o art. 1.134do Cdigo Civil francs, ser a lei entre as partes. A prpria lei,oriundado Estado, vai buscar o seu poder vinculante na idia de um contratoentre todos os indivduos desta sociedade. A vontade , portanto, a forafundamental que vincula os indivduos.

    idia de fora obrigatria dos contratos significa que uma vezmanifestada a vontade as partes esto ligadas por um contrato, tmdireitos e obrigaes e no podero se desvincular, a no ser atravsde outro acordo de vontade ou pelas figuras da fora maior e do casofortuito (acontecimentos fticos incontrolveis pela vontade do ho-mem). Esta fora obrigatria vai ser reconhecida pelo direito e vai seimpor frente tutela jurisdicional. Ao juiz no cabe modificar e adequar eqidade a vontade das partes, manifestada no contrato, ao contrrio,na viso tradicional, cabe-lhe respeit-la e assegurar que as partesatinjam os efeitos queridos pelo seu ato. Lembre-se por ltimo que,como corolrio da liberdade e autonomia da vontade, a fora obriga-tria dos contratos fica limitada s pessoas que dele participaram,manifestando a sua vontade (inter partes).

    c) Os vcios do consentimento - Do dogma da autonomia davontade, como elemento criador das relaes contratuais, retira-se opostulado que s a vontade livre e consciente, manifestada sem

  • influncias externas coatoras, dever ser considerada pelo direito. Aqui,portanto, a base da teoria dos vcios do consentimento, presente noCdigo Civil brasileiro, nos arts. 86 a 113. Se na formao do contratoestiver viciada a vontade de uma das partes, o negcio jurdico passvel de anulao. Como se v, a validade (e a eficcia) jurdica docontrato mais uma vez dependem da vontade criadora. A prpria* (43) Assim concluem Weil/Terr, p. 55. (p. 47)escolha, no art. 147, II do CC, da figura da anulabilidade rendehomenagem a autonomia da vontade, pois ao contrrio da nulidade, quedeve ser declarada ex officio pelo juiz, a anulabilidade s repercutirna validade e eficcia do ato se for manifestado o interesse das partesneste sentido e antes da prescrio da ao.

    Ao direito interessava, portanto, identificar qual vontade servede fonte e legitimao do contrato, se a vontade interna (posiodefendida pela Willenstheorie) ou se a vontade declarada (posiodefendida pela Erklrungstheorie).{44} Apesar da grande influnciaexercida por Savigny, defendendo a prevalncia da vontade interna,os cdigos se dividiram, especialmente o Cdigo Civil Alemo (BGB)de 1900, de um lado aceitando a figura do erro e de outro,preocupados com a segurana e a estabilidade das relaes jurdicase a proteo do terceiro de boa-f, confirmando o contedo do quefoi efetivamente declarado.{45}

    Ainda quanto s conseqncias do dogma da autonomia davontade, cabe destacar que se o consentimento viciado no obriga oindivduo, o consentimento livre de vcios o obriga de tal maneira quemesmo sendo o contedo do contrato injusto ou abusivo, no poderele, na viso tradicional, recorrer ao direito a no ser em casosespecialssimos de leso.{46} Os motivos que levaram o indivduo acontratar, suas expectativas originais, so irrelevantes.

    Nas discusses do fim do sculo XIX, no incio do sculo XX,sobre a prevalncia da vontade interna ou da vontade declaradaencontra-se j a semente da nova concepo de direito dos contratos. a discusso entre a viso filosfica e metafsica do contrato e umaviso mais social ou funcional do processo. Vejamos, portanto, comoa posterior evoluo da sociedade, com a revoluo industrial emassificao do consumo, acentuou ainda mais esta discrepncia entreo que os norte-americanos, corretamente, denominam law-in-the-bookse law-in-action.{47}* (44) Veja Nery, pp. 8 a 15.

    (45) Sobre a posio de compromisso dos 116 e seguintes doBGB, vejaKoendgen, p. 3.

    (46) Veja sobre a leso e clusula rebus sic stantibus. Couto eSilva/RT, p. 7 ea obra especfica de Caio M. da Silva Pereira.

    (47) Expresso de Friedman, apud Koendgen, p. 2. (p. 48)

    2. A nova realidade contratual

    2.1 Noes preliminares: Os contratos de massa

    Na concepo tradicional de contrato, a relao contratual seriaobra de dois parceiros em posio de igualdade perante o direito e asociedade, os quais discutiriam individual e livremente as clusulas de

  • seu acordo de vontade. Seria o que hoje denominaramos de contratosparitrios ou individuais.{48} Contratos paritrios, discutidosindividual-mente, clusula a clusula, em condies de igualdade e com o tempopara tratativas preliminares, ainda hoje existem, mas em nmero muitolimitado e geralmente nas relaes entre dois particulares (consumido-res), mais raramente, entre dois profissionais e somente quando de ummesmo nvel econmico.

    Na sociedade de consumo, com seu sistema de produo e dedistribuio em grande quantidade, o comrcio jurdico se despersona-lizou{49} e os mtodos de contratao em massa, ou estandardizados,predominam em quase todas as relaes contratuais entre empresas econsumidores.{50} Dentre as tcnicas de concluso e disciplina doschamados contratos de massa, destacaremos, neste estudo, os contratosde adeso e as condies gerais dos contratos ou clusulas geraiscontratuais.

    Como se observa na sociedade de massa atual, a empresa oumesmo o Estado, pela sua posio econmica e pelas suas atividadesde produo ou de distribuio de bens ou servios, encontram-se naiminncia de estabelecer uma srie de contratos no mercado. Estescontratos so homogneos em seu contedo (por exemplo, vrioscontratos de seguro de vida, de compra e venda a prazo de bem mvel),mas concludos com uma srie ainda indefinida de contratantes. Logo,por uma questo de economia, de racionalizao, de praticidade emesmo de segurana, a empresa predispe antecipadamente um esque-* (48) Em nosso trabalho O Controle Judicial das ClusulasAbusivas nosContratos de Consumo usamos o termo contratos paritrios, j Alpa, em "Lecontrat "individuel" et sa dfinition", Rev. int. dir. comp. 1988, 327,preferea expresso contrato individual.

    (49) Assim Pasqualotto/RT, p. 55.(50) Assim tb. Roppo, p. 313. (p. 49)

    ma contratual, oferecido simples adeso dos consumidores, isto ,pr-redige um complexo uniforme de clusulas, que sero aplicveisindistintamente a toda esta srie de futuras relaes contratuais.

    Alguns comparam esta predisposio do texto contratual a umpoder paralelo de fazer leis e regulamentos privados (lawmakingpower).{51} Poder este que, legitimado pela economia e reconhecido pelodireito, acabaria por desequilibrar a sociedade, dividindo os seusindivduos entre aqueles que detm a posio negocial de elaboradoresda "lex" privada e os que a ela se submetem, podendo apenas aderira vontade manifestada pelo outro contratante.

    Certo que os fenmenos da predisposio de clusulas oucondies gerais dos contratos e do fechamento de contratos de adesotornaram-se inerentes sociedade industrializada moderna: em espe-cial, nos contratos de seguros e de transportes j se observa autilizaodestas tcnicas de contratao desde o sculo XIX.{52} Hoje, elasdominam quase todos os setores da vida privada, onde h superioridadeeconmica ou tcnica entre os contratantes, seja nos contratos dasempresas com seus clientes, seja com seus fornecedores, seja com seusassalariados.{53}

    Note-se que estas novas tcnicas contratuais, de pr-elaborao

  • unilateral do contedo do contrato, tambm so utilizadas por empresaspblicas ou concessionrias de servios pblicos (por exemplo, nofornecimento de gua, luz, servios de transporte, correios,telefonia).{54}* (51) Veja sobre a discusso proposta, Bessone, NaturaIdeologica, pp. 947-951;o tema da natureza das clusulas predispostas e dos contratos por adeso,se predominantemente normativos ou voluntrios, j foi objeto de vriosestudos, entre os quais destacam-se as obras pioneiras de Saleilles eRaiser.A doutrina atual aceita o carter contratual, privado e voluntrio donegciojurdico concludo atravs da utilizao dessas novas tcnicascontratuais,o que no invalida a discusso proposta, pois como lembra Calais-Auloy,p. 121, a legitimao e o reconhecimento de um "poder regulamentador"a ser atribudo a determinados agentes sociais fenmeno conhecido nodireito pblico.

    (52) Assim Ulmer/Brandner/Hensen, p. 21 (Einl. 7), lembrando queRaiservisualizava os primrdios destas tcnicas j no sc. XV (?).

    (53) Assim o mestre francs Calais-Auloy, p. 141.(54) Veja a excelente exposio sobre o tema do mestre italiano

    Alpa/Diritto,pp. 185 e ss. (p. 50)Tambm em matria de contratos de trabalho, as tcnicas de contratarem massa so utilizadas.{55} A anlise dos contratos de trabalho, porm,escapa aos limites deste estudo. A ns interessa especialmente asrelaes contratuais entre consumidores e seus fornecedores de bens ouservios, sejam pessoas fsicas ou jurdicas, pblicas ou privadas,segundo as definies dos arts. 2 e 3 do novo Cdigo de Defesa doConsumidor.

    Por fim cabe lembrar que nas relaes de massa nem sempre oscontratos sero feitos por escrito, pois ao lado dos contratos de adeso,expressos em formulrios, existem os contratos orais, a aceitaoatravs das chamadas condutas sociais tpicas{56} os simples recibos, ostickets de caixas automticas.{57} Em nosso estudo, todos estes fenme-nos devem ser levados em conta.

    A prefixao de todo o contedo do contrato, ou de parte deste,de maneira unilateral e uniforme por s uma das partes contratantes nopassou despercebida aos estudiosos do Direito, existindo duas expres-ses para descrever esta realidade. De um lado prefere a doutrinagermnica a expresso "condies gerais dos contratos", ou na traduode Portugal "clusulas gerais contratuais", de outro, a doutrina francesautiliza a expresso "contratos de adeso".

    Note-se que a expresso "condies gerais dos contratos" enfatizamais a fase pr-contratual, onde so elaboradas estas listas independen-tes de clusulas gerais a serem oferecidas ao pblico contratante,enquanto utilizando a expresso contrato de adeso a doutrina francesadestaca o momento de celebrao do contrato, dando nfase vontadecriadora do contrato, vontade esta que somente adere vontade jmanifestada do outro contratante.

    Poderamos chegar concluso que os dois conceitos possuem omesmo contedo, visualizado de momentos diferentes. Esta concluso,

  • porm, apenas superficial e por sua simplificao no serve aoobjetivo de nosso estudo, que analisar estas modernas tcnicas, as* (55) Veja sobre o tema Gomes/transformaes, pp. 178 e ss.

    (56) A expresso de Larenz/AT, p. 471 ( 28, II).(57) Veja o interessante artigo de Koehler sobre a problemtica

    da contrataoautomatizada, muito em voga na Europa, tratando tambm da prestao deservios atravs de robs e computadores. (p. 51)quais abrangem tanto os contratos de massa por escrito como oscontratos orais ou no escritos.{58}

    Neste sentido, para dar maior clareza exposio, vamos inici-almente acatar a diferenciao feita pela Comisso das ComunidadesEuropias{59} entre contratos de adeso e contratos submetidos acondies gerais. Como contratos de adeso entenderemos restritiva-mente os contratos por escrito, preparados e impressos com anteriori-dade pelo fornecedor, nos quais s resta preencher os espaos referentes identificao do comprador e do bem ou servios, objeto do contrato.J por contratos submetidos a condies gerais dos negcios entende-remos aqueles, escritos ou no escritos, em que o comprador aceita,tcita ou expressamente, que clusulas, pr-elaboradas unilateral euniformemente pelo fornecedor para um nmero indeterminado derelaes contratuais, venham a disciplinar o seu contrato especfico.Tpico aqui seriam os contratos de transporte, contratos de administra-o de imveis e mesmo alguns contratos bancrios.

    As expresses condies gerais dos contratos e contratos deadeso no so, portanto, sinnimas, mas, segundo a doutrina e a leialem,{60} a expresso condies gerais pode englobar todos os contratosde adeso com formulrios impressos, contratos modelo e os contratosautorizados ou ditados pelos rgos pblicos, pois estes tambm socompostos por clusulas pr-elaboradas unilateral e uniformementepelos fornecedores, com a nica diferena que nestes casos as condi-es gerais esto inseridas no prprio texto do contrato e no em anexo.Eis porque muitos autores utilizam indistintamente os termos.{61}

    Neste estudo, vamos tratar separadamente os temas para que sepossa estudar os aspectos individuais de cada tcnica de contrataoem massa. Assim, analisaremos no primeiro ttulo os contratos deadeso, reservando o segundo ttulo para o estudo das chamadascondies gerais dos contratos.* (58) Concorda tb. Nery/Anteprojeto, p. 292, retirando, porm,outras concluses.

    (59) Em seu Bulletin des Communauts Europennes Supplment 1/84,p. 6,item 10.

    (60) Veja o pargrafo primeiro da lei alem (AGBG) eUlmer/Brandner/Hensen,p. 95, nota 66.

    (61) Os autores argentinos costumam denominar "contratos poradhesin acondiciones generales", pois o contrato de adeso est integrado porclu-sulas, e estas clusulas so condies gerais, veja Stiglitz/Stiglitz, p.52. (p. 52)

    Hoje, estas novas tcnicas contratuais so indispensveis aomoderno sistema de produo e de distribuio em massa, no havendo

  • como retroceder o processo e elimin-las da realidade social. Elastrazem vantagens evidentes para as empresas (rapidez, segurana,previso dos riscos, etc.), mas ningum duvida de seus perigos para oscontratantes vulnerveis ou consumidores. Estes aderem sem conheceras clusulas, confiando nas empresas que as pr-elaboraram e naproteo que, esperam, lhes seja dada por um Direito mais social.{62}Estaconfiana nem sempre encontra correspondente no instrumento contra-tual elaborado unilateralmente, porque as empresas tendem a redigi-losda maneira que mais lhe convm, incluindo uma srie de clusulasabusivas e inequitativas.{63}

    Nesta segunda edio, parece-nos til incluir, alm de umaanlisedos mtodos ou tcnicas de contratao de massa, uma anlise, aindaque preliminar, das atuais relaes contratuais complexas, por algunschamadas de "ps-modernas". Esta nova realidade aliaria os mtodosconhecidos de contratao de massa a relaes complexas de longadurao, envolvendo servios, uma cadeia de fornecedores organizadosinternamente e com uma caracterstica determinante; a posio decatividade dos clientes-consumidores. Denominaremos este fenmenode "contratos cativos de longa durao", face a incerteza que cerca omovimento ps-moderno e sua eventual importncia na cincia dodireito, e face tambm a nossa opinio pessoal de que a nova teoriacontratual, como aqui vamos analis-la, e as linhas "modernas" ecientficas de defesa dos interesses dos consumidores so suficientese aptas a fornecer respostas eqitativas a essa nova realidadecontratual,j vislumbrada no mercado.

    2.2 Os contratos de adeso

    a) Descrio do fenmeno - Contrato de adeso aquele cujasclusulas so preestabelecidas unilateralmente pelo parceiro contratualeconomicamente mais forte (fornecedor), ne varietur, isto , sem que* (62) Neste sentido vale lembrar a concluso de Mallinvaud, p.50, que o Direitodo Consumidor teria como funo "restabelecer nas relaes contratuais oequilbrio", logo a mesma funo que visualisamos no novo direito doscontratos (veja nesse Captulo, o ttulo 4).

    (63) No mesmo sentido Calais/Auloy, p. 143. (p. 53)o outro parceiro (consumidor) possa discutir ou modificar substancial-mente o contedo do contrato escrito.{64}

    O contrato de adeso oferecido ao pblico em um modelouniforme, geralmente impresso, faltando apenas preencher os dadosreferentes identificao do consumidor-contratante, do objeto e dopreo. Assim, aqueles que, como consumidores, desejarem contratarcom a empresa para adquirirem bens ou servios j recebero prontae regulamentada a relao contratual, no podero efetivamente discu-tir, nem negociar singularmente os termos e condies mais importan-tes do contrato.

    Desta maneira, limita-se o consumidor a aceitar em bloco (muitasvezes sem sequer ler completamente) as clusulas, que foram unilaterale uniformemente pr-elaboradas pela empresa, assumindo, assim, umpapel de simples aderente vontade manifestada pela empresa no

  • instrumento contratual massificado.{65} O elemento essencial do contratode adeso, portanto, a ausncia de uma fase pr-negocial, a falta deum debate prvio das clusulas contratuais e sim, a sua predisposiounilateral, restando ao outro parceiro a mera alternativa de aceitar ourejeitar o contrato, no podendo modific-lo de maneira relevante. Oconsentimento do consumidor manifesta-se por simples adeso aocontedo preestabelecido pelo fornecedor de bens ou servios.

    Podemos destacar como caractersticas do contrato de adeso: 1)a sua pr-elaborao unilateral; 2) a sua oferta uniforme e de cartergeral, para um nmero ainda indeterminado de futuras relaes con-tratuais; 3) seu modo de aceitao, onde o consentimento se d porsimples adeso vontade manifestada pelo parceiro contratual econo-micamente mais forte.

    O fenmeno dos contratos de adeso cada vez mais comumna experincia contempornea, produzindo-se em mltiplos domnioscomo, por exemplo, o dos seguros, o dos planos de sade, o dasoperaes bancrias, o da venda e aluguel de bens. Tambm asempresas pblicas e as concessionrias de servios pblicos empre-gam esta tcnica de contratao em massa. O Poder Pblico utiliza-se de contratos de adeso nas suas relaes diretas com os consu-* (64) Veja Bricks, p. 5, sobre as criticas a esta expresso veja,por todos, Nery,Anteprojeto, p. 288.

    (65) Assim Roppo, pp. 311 e 312. (p. 54)midores de seus servios e, na maioria das vezes, predispe asclusulas dos contratos que sero oferecidos pelos concessionriosaos consumidores.{66}

    Em regra os contratos de adeso so elaborados pelo prpriofornecedor-ofertante, mas tambm existem contratos oferecidos adeso, cujo contedo deriva de recomendaes ou imposies deassociaes profissionais. Neste caso a doutrina francesa os denomi-nava de "contratos-tipo" (contrats-types), pois a imposio como sefosse um regulamento que restringe a liberdade dos membros daquelaprofisso, hoje a expresso utilizada quase como um sinnimo decontrato de adeso.{67}

    Tambm a lei ou um regulamento administrativo pode "ditar" ocontedo de um determinado contrato, neste caso so denominados"contratos dirigidos" ou contratos "ditados", como por exemplo, noBrasil, os contratos oferecidos por administradoras de consrcios,ditados atravs de Portaria Ministerial.

    A expresso contrats dadhesion costuma ser atribuda ao profes-sor francs Raymond Saleilles, em sua obra do incio do sculo, o qualpretendia destacar atravs desta denominao que nestes contratossomente uma vontade predomina, a que dita a sua "lei", dita o contedodo contrato no mais a um individuo somente, mas a uma coletividadeindeterminada de pessoas, as quais vo se limitar a aderir sua vontade.Para o autor francs, o contrato de adeso se aproxima de umadeclarao unilateral de vontade, aproxima-se mesmo da lex romana,do regulamento, devendo esta caracterstica ser levada em conta quandoda interpretao dos contratos.{68}

    Realmente, no contrato de adeso no h liberdade contratual dedefinir conjuntamente os termos do contrato, podendo o consumidorsomente aceit-lo ou recus-lo. o que os doutrinadores anglo-americanos denominam contrato em uma take-it-or-leave-it basis.{69}

  • Sendo assim, por muito tempo discutiu a doutrina o cartercontratual ou no dos contratos de adeso. Para alguns, por sua* (66) Veja a excele