89
O principal objetivo desta pesquisa é sobretudo evidenciar, a partir do instrumental analítico e concei- tual da geograa, uma das expressões da (re)produ- ção espacial urbana, neste caso, uma análise das con- dições e contradições das diferentes políticas públicas habitacionais que tiveram em curso na cidade do Rio de Janeiro durante os últimos 100 anos e a reexão de como estes movimentos ocorrem na contemporanei- dade. Numa espécie de denúncia, exponho a relação entre o modelo que os gestores públicos decidiram para suas políticas habitacionais e a expansão do capital imobiliário na cidade, evidenciando as fortes relações entre os setores público/privado em contex- tos onde interesses econômicos se sobrepõem aos interesses sociais. Apresento este livro como mais uma forma de “levante” urbano contra as mais diversas contradições, frutos desta sociedade urbana capitalis- ta, cada vez mais desigual e refém de suas próprias invenções. Surge então, mais uma frente na busca pelo direito à cidade, onde não podemos parar de lutar para sermos sujeitos de nossas cidades! Este livro surge de uma pesquisa que desenvolvi, para o meu trabalho de conclusão de curso durante meus dois últimos anos (2011 – 2012) de gradua- ção em Geograa dentro da Universi- dade do Estado do Rio de Janeiro / Faculdade de Formação de Professo- res (UERJ/FFP). Neste período, dentro da própria instituição, participei ativamente do Núcleo de Pesquisas Espaço e Economia (NuPEE), coorde- nado pelos professores Dr. Floriano José Godinho de Oliveira (FFP/PPFH- -UERJ), Msc. Desirré Guichard Freire (FFP-UERJ), Dr. Guilherme da Silva Ribeiro (DEGEO-UFRRJ) e Dr. Leandro Dias de Oliveira (DEGEO-UFRRJ), aos quais dedico esta publicação e toda minha recente carreira acadêmica, pois fora onde, primordialmente, adquiri atributos fundamentais para me tornar um prossional com a sensibilidade e rigor cientícos / geográcos. Além de diversos outros professores e estudantes de todos os cursos da UERJ/FFP. Que esta publica- ção sirva como incentivo aos demais recentes pesquisadores para que possamos nos expressar e lutar a partir do instrumental e visão que o conhecimento nos oferece e forma. Nascido e criado na cidade do Rio de Janeiro, no bairro de Jardim Sulacap. Graduado em Geograa, licenciatura, pela UERJ/FFP. Atualmente cursando Mestrado em Geograa Humana pela Universidade de Coimbra.

Livro edgar mcmv

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Livro baseado no trabalho de conclusão de curso para obtenção do título de licenciatura plena em Geografia pela UERJ / FFP

Citation preview

O

principal objetivo

desta pesquisa

é sobretudo

evidenciar, a partir do instrumental analítico e concei-

tual da geogra!a, uma das expressões da (re)produ-

ção espacial urbana, neste caso, uma análise das con-

dições e contradições das diferentes políticas públicas habitacionais que tiveram

em curso na cidade do Rio

de Janeiro durante os últimos 100 anos e a re"exão de

como estes m

ovimentos ocorrem

na contemporanei-

dade. Num

a espécie de denúncia, exponho a relação entre o m

odelo que os gestores públicos decidiram

para suas políticas habitacionais e a expansão do capital im

obiliário na cidade, evidenciando as fortes relações entre os setores público/privado em

contex-tos onde interesses econôm

icos se sobrepõem aos

interesses sociais. Apresento este livro como m

ais uma

forma de “levante” urbano contra as m

ais diversas contradições, frutos desta sociedade urbana capitalis-ta, cada vez m

ais desigual e refém de suas próprias

invenções. Surge então, mais um

a frente na busca pelo direito à cidade, onde não podem

os parar de lutar para serm

os sujeitos de nossas cidades!

Este livro surge de uma pesquisa que

desenvolvi, para o meu trabalho de

conclusão de curso durante meus dois

últimos anos (2011 – 2012) de gradua-

ção em G

eogra!a dentro da Universi-

dade do Estado do Rio de Janeiro / Faculdade de Form

ação de Professo-res (U

ERJ/FFP). Neste período, dentro

da própria instituição, participei ativam

ente do Núcleo de Pesquisas

Espaço e Economia (N

uPEE), coorde-nado pelos professores D

r. Floriano José G

odinho de Oliveira (FFP/PPFH

--U

ERJ), Msc. D

esirré Guichard Freire

(FFP-UERJ), D

r. Guilherm

e da Silva Ribeiro (D

EGEO

-UFRRJ) e D

r. Leandro D

ias de Oliveira (D

EGEO

-UFRRJ), aos

quais dedico esta publicação e toda m

inha recente carreira acadêmica,

pois fora onde, primordialm

ente, adquiri atributos fundam

entais para m

e tornar um pro!ssional com

a sensibilidade e rigor cientí!cos / geográ!cos. Além

de diversos outros professores e estudantes de todos os cursos da U

ERJ/FFP. Que esta publica-

ção sirva como incentivo aos dem

ais recentes pesquisadores para que possam

os nos expressar e lutar a partir do instrum

ental e visão que o conhecim

ento nos oferece e forma.

Nascido e criado na cidade do Rio de

Janeiro, no bairro de Jardim Sulacap.

Graduado em

Geogra!a, licenciatura,

pela UERJ/FFP. Atualm

ente cursando M

estrado em G

eogra!a Hum

ana pela U

niversidade de Coimbra.

Minha Casa, Minha Vida

EDITORA MULTIFOCO

Rio de Janeiro, 2013

Minha Casa, Minha Vida

A expansão do capital imobiliário e o “centenário” das políticas públicas habitacionais na metrópole Carioca

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

EDITORA MULTIFOCO

Simmer & Amorim Edição e Comunicação Ltda.Av. Mem de Sá, 126, LapaRio de Janeiro - RJCEP 20230-152

CAPA E DIAGRAMAÇÃO Guilherme Peres

Minha Casa, Minha Vida: a expansão do capital imobiliárioe o “centenário” das políticas públicas habitacionais na metrópole Carioca

RAMOS, Edgar de Almeida Rios

1ª EdiçãoOutubro de 2013ISBN: 978-85-8273-423-0

Todos os direitos reservados.

É proibida a reprodução deste livro com !ns comerciais sem

prévia autorização do autor e da Editora Multifoco.

Ao meu pai, Álvaro, por ter me feito aprender e ensinar

a dimensão e importância geográ!ca da vida

SumárioIntrodução 19

Breve debate sobre o papel do cientista e do geógrafo 23

1. A geografia, a produção do espaço urbanoe a questão habitacional 27

1.1 – O espaço urbano no contexto do espaço geográfico:Uma aproximação teórica; 28

1.2 – A (re)produção do espaço urbano dentro dasociedade contemporânea 32

1.3 – A questão habitacional; 35

2. A Urbanização do Rio de Janeiro e o Centenáriodas Políticas Públicas na metrópole 45

2.1 – Processo de Urbanização do Rio de Janeiro; 45

2.2 - A O centenário das políticas publicas habitacionais do Rio de Janeiro; 48

3. As políticas contemporâneas para habitação:Da “Nova República” ao Projeto “Minha Casa, Minha Vida” 57

3.1 - A Nova República e a “via crúcis” institucional das políticas públicas 58

3.2 - O projeto “Minha Casa, Minha Vida”, sua espacialidade noRio de Janeiro e sua relação com o a expansão do capital imobiliário 61

3.3 – Condomínios “Minha Praia I, II e III”; 70

Considerações Finais 78

Bibliografias 81

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

9

Agradecimentos

Durante os quatro anos vividos por mim, cursando a Licenciatura Plena em Geogra!a dentro da Faculdade de Formação de Professo-res da UERJ, me enriqueceram de tal forma que agradecer a cada parte deste todo seria uma tarefa muito longa. Sendo assim, o que escrevo aqui, na parte dos agradecimentos buscará contemplar cada pessoa, experiência, viagens, aprendizados, ensinamentos, que tive a oportunidade de aqui viver com tamanha intensidade.

Acredito que primordialmente tenho que agradecer aos gradu-andos e graduados em Geogra!a e demais licenciaturas que passa-ram pela FFP durante os anos em que estive presente neste lugar. Aos grandes mestres que tive o prazer de dialogar sobre o palavrea-do da geogra!a. Com isso, agradeço imensamente ao departamento de Geogra!a da UERJ/FFP que !zeram de mim, durante esses 4 anos, um geógrafo com a consciência do meu inacabamento en-quanto ser humano, e com a capacidade e rigor cientí!co neces-sários para que façamos da ciência, especi!camente da geogra!a, um instrumento de inteligibilidade do mundo, de comunicação do mundo, para o mundo, com o mundo.

Dentro do cotidiano da FFP, tive o imenso prazer de conviver com diversos trabalhadores que vivem o mesmo espaço da univer-sidade, sendo que de maneira distinta de nós, graduandos. A todos os funcionários da xerox, da cantina, da limpeza, da segurança, da administração e secretaria, que também dão vida ao espaço univer-sitário, muito obrigado.

Ainda dentro do espaço acadêmico, agradecer ao Núcleo de Pesquisa Espaço e Economia – NuPEE, por dois anos de pesqui-

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

10

sas, encontros, seminários, palestras, diálogos muito enriquece-dores, que me permitiram escrever este trabalho com o rigor que pede a Ciência Geográ!ca e fazer grandes amigos e amigas, obri-gado a todos!!!

A cidade de São Gonçalo, da qual não poderia me esquecer, por todos esses anos que aqui escolhi viver e pude conhecer melhor seus lugares, seus moradores e ter experiências incríveis!

Aos irmãos e irmãs que aqui tive o prazer de conhecer e que levarei para a vida toda. Aos que moraram comigo e enfrentaram as di!culdades de se viver “sozinho”, muito obrigado pela convivên-cia sob o mesmo teto durantes tantos anos! Aos ingressos na turma 2009.1 das quais tenho imensas recordações positivas e grati!can-tes! Aos mais antigos, por toda sabedoria cotidiana e geográ!ca que puderam me transmitir, assim como aos mais novos, com os quais pude continuar o ciclo de aprender e ensinar de maneira indissoci-ável e prazerosa!

Agradeço também as pessoas que me acompanham desde an-tes do meu ingresso na universidade! Familiares, amigos de infân-cia, adolescência, de vida!!! Vocês são e sempre foram incríveis, e sem vocês, seria muito mais difícil de concluir esta etapa em minha vida!! Sem contar que é também pra vocês que eu “encho o saco” falando sobre geogra!a né!

Aos professores e funcionários da Escola Municipal Visconde de Porto Seguro e do Colégio Pedro II – Unidade: Realengo, que !zeram parte da minha construção enquanto estudante desde o ensino fundamental, muito obrigado!

Por !m, não gostaria de deixar aqui uma lista de nomes, so-brenomes, apelidos, que !zeram e fazem parte desta história, deste lugar muito importante para a minha vida e a vida de tantas pesso-as! Pre!ro que cada um se assuma enquanto parte destas histórias e destas experiências, só assim terei certeza de que não esqueci de ninguém! Acredito de fato que o espaço universitário, como qual-quer outro espaço destinado a educação, é um lugar em sua essên-cia libertador, instigante, cheio de possibilidades e desa!os, que são

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

11

frescos em minha memória e são visíveis marcas dentro da minha formação acadêmica, cotidiana e na minha prática social enquanto educador, enquanto cidadão, enquanto gente!

Gentes, muito obrigado!!!!!!!!!

“Esse é o caos, esse é o mundo em que você convive hoje!Século XXI, pra geração do século XXI,o que, que você vai fazer pra mudar?Cruzar os braços e reclamar,ou você vai ser a revolução em pessoa?”

- Mano Brown, Racionais Mc’s

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

15

Resumo

Data do início do século XX as primeiras intervenções públicas no campo habitacional na cidade do Rio de Janeiro, por meio de diversos projetos de habitações sociais destinadas a assen-tamento, remoções ou ofertas de habitação social. Tais políticas ocorreram em diferentes conjunturas, com diferentes contextos econômicos, sociais e políticos. Contudo, o principal problema que se propôs solucionar não fora alcançado, pois, o dé!cit habi-tacional da cidade ainda aparece como um dos principais proble-mas urbanos e ser enfrentado. A partir da análise de um levanta-mento geohistórico das diversas políticas públicas habitacionais postas em prática no Rio de Janeiro, relacionando-os com o pro-cesso de acumulação capitalista e especi!camente a expansão do capital imobiliário na cidade. Evidenciando suas diferenças mas, principalmente, traçando suas semelhanças no que diz respeito à insu!ciência dessas políticas no combate ao dé!cit habitacional e ao direito à cidade, servindo não somente, porém, de manei-ra primordial, para a manutenção da lógica capitalista de (re)produção do espaço urbano. Com uma base teórica pautada nas ideias de um espaço geográ!co visto pela ótica dialética e social, onde sua (re)produção é pautada sobre os valores da sociedade capitalista contemporânea. Podemos revelar suas contradições a partir da análise tanto das políticas públicas que crivaram nossa cidade durante o século XX, mas principalmente analisar o atual movimento de produção do espaço urbano carioca. Onde se re-velam, uma sobreposição de relações entre os diferentes atores que disputam o espaço urbano, e nele se inserem de alguma ma-

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

16

neira, sempre desigual, e essa desigualdade se mostra presente no espaço urbano carioca.

Palavras chave: Políticas Públicas Habitacionais, Programa “Minha Casa, Minha Vida”, Segregação socioespacial

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

17

Lista de figuras

Figura 1 65

Divisões Administrativas da Cidade do Rio de Janeiro (Áreas de Planejamento)

Figura 2 67

Programa “Minha Casa Minha Vida” – Famílias de 0 a 3 salários

Figura 3 67

Programa “Minha Casa Minha Vida” – Famílias de 3 a 6 salários

Figura 4 68

Programa “Minha Casa Minha Vida” – Famílias de 6 a 10 salários

Figura 5 76

Shapes dos bairros oficiais da Prefeitura do Rio, Barra da Tijuca e Jacarepaguá

Figura 6 76

Programa “MCMV” na baixada de Jacarepaguá

Figura 7 77

Área de expansão do capital imobiliário “dentro” da Barra da Tijuca

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

18

Lista de abreviações

ADEMI - Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário

BNH - Banco Nacional de Habitação

CEF - Caixa Econômica Federal

COHAB – Conjuntos Habitacionais

COI - Comitê Olímpico Internacional

DHP - Departamento de Habitação Popular

FCP - Fundação Casa Popular

FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FIFA - Federação Internacional de Futebol Associado

IAP - Institutos de Aposentadoria e Previdência

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPPUR – Instituto de Pesquisa de Planejamento Urbano e Regional

MCMV - Minha Casa, Minha Vida

OGU - Orçamento Geral da União

ONG’s – Organizações Não-Governamentais

ONU – Organização das Nações Unidas

PlanHab - Plano Nacional de Habitação

SBPE - Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos

SFH - Sistema Financeiro de Habitação

SMU – Secretaria Municipal de Urbanismo

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

19

Introdução

Esta pesquisa busca a partir da análise de um levantamento geo-histórico das diversas políticas públicas habitacionais postas em prática no Rio de Janeiro (desde as vilas operárias, ainda no início do século XX, até projetos contemporâneos como o “Minha Casa, Minha Vida”), relacionando-os com o processo de acumulação ca-pitalista e especi!camente a expansão do capital imobiliário na ci-dade. Evidenciando suas diferenças mas, principalmente, traçando suas semelhanças no que diz respeito à insu!ciência dessas políti-cas no combate ao dé!cit habitacional e ao direito à cidade, servin-do não somente, porém, de maneira primordial, para a manutenção da lógica capitalista de (re)produção do espaço urbano.

Entramos no século XXI em um contexto onde a sociedade urbana já atinge um estágio avançado, o meio técnico-cientí!-co-informacional possibilitou nos últimos 40 anos a expansão da ideologia e da prática capitalista para até então lugares isolados do mundo ocidental capitalista. Mais da metade da população mundial já vive em aglomerações urbanas, nas cidades, e o res-tante da população, rural, que incluem sociedades de resistência como tribos indígenas latino americanas, tribos africanas e outras organizações sociais que ainda vivem fora da ordem global ca-pitalista, mas em permanente disputas com este movimento de globalização e dos "uxos, principalmente de capital e informação. Vale ressaltar que de acordo com o último relatório da ONU sobre urbanização no mundo, a América Latina é a região com maior número de pessoas vivendo em áreas urbanas, cerca de 86% do total da população da região.

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

20

No Brasil, onde mais de 84% da população já vive aglomerada nas grandes metrópoles, e nas demais cidades, médias e pequenas, antigos problemas atingem proporções inimagináveis. Em contra-partida, o “desenvolvimento” destas mesmas metrópoles, fazem surgir no meio do caos, espaços que exaltam esta “era (pós-)mo-derna”, grandes empreendimentos como shoppings, condomínios fechados de luxo, eventos de proporções globais, nos fazem crer que existe um outro lado próspero nesta sociedade global urbana, porém, a grande maioria da população não pode usufruir, nem se-quer entrar, mesmo que estejam “de portas abertas”, como no caso dos shoppings centers, nestes espaços, que são vendidos nas gran-des cidades como espaços públicos de consumo, lazer e segurança.

Estes processos contraditórios são expressões desta sociedade urbana. De um lado, uma pequena parcela da população da cidade que possuí a possibilidade de utilizar os avanços tecnológicos e inovações capitalistas mercadológicas e do outro lado, uma gran-de massa de trabalhadores proletários, que também buscam como ideal, serem consumidores destas mesmas mercadorias inovadoras e cheias de signi!cados, cada vez mais deturpados pela crescente indústria da propaganda e marketing.

É neste cenário que o problema da moradia, um dos mais anti-gos e já debatidos assuntos da dita sociedade urbana, ainda se apre-senta como um desa!o para os governantes, para os pesquisadores e para a vida na cidade. Sabe-se que na cidade do Rio de Janeiro, cerca de 1.393.314 de pessoas vivam em situações de domicilio sub-normais de acordo com o censo de 2010 do IBGE, nas mais de 1000 comunidades da cidade, e outros milhares pessoas vivam em situa-ção de rua pela “Cidade Maravilhosa”. Estes números são fáceis de serem percebidos no cotidiano da cidade.

Basta que façamos um passeio pelo bairro de classe média do Maracanã, localizado na Zona Norte da cidade, considerado uma periferia próxima ao centro, onde se encontra o estádio Mario Fi-lho, o mundialmente famoso, Maracanã. Veremos famílias moran-do embaixo de viadutos mesmo durante as obras da copa, e bem à

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

21

sua frente, mais de 17.000 pessoas vivendo em péssimas condições habitacionais na Favela da Mangueira, famosa comunidade carioca que ocupa algumas encostas bem em frente ao bairro.

Ao “pé” do morro da Mangueira, encontra-se outra comuni-dade, conhecida como “Favela do Metrô”. Esta por sua vez, está com seus dias contatos, já que o grandioso Maracanã receberá a !nal da Copa do Mundo de Futebol de 2014, existe a necessidade da construção de um grande estacionamento para carros para os eventos esportivos, e é onde a comunidade está localizada que será construído o estacionamento.

Algumas casas já foram demolidas e algumas famílias realo-cadas para habitações populares que foram construídas na própria comunidade vizinha. Outras famílias que se recusam a sair da co-munidade, resistem bravamente, contando com quase nenhum au-xílio na luta por parte de governantes, intelectuais, salvo algumas exceções que buscam reverter esta situação para que ali permane-çam as famílias e que não só continuem habitando, mas também que se construa moradias com condições dignas para a população de baixa renda.

A situação acima exposta, é sem dúvidas, bem mais complexa como apresentada aqui, porém, nos serve para justamente expres-sarmos tal complexidade da produção do espaço das metrópoles ur-banas, com entraves cada vez mais acirrados entre os agentes que lutam pelo direito à cidade, e outros, pela acumulação ainda maior de capital como as ações da grande maioria dos empreendedores imobiliários etc.

Neste trabalho, além de levantarmos a situação geral do muni-cípio do Rio de Janeiro, no que tange a questão habitacional dentro do programa “Minha Casa, Minha Vida” do governo federal, utili-zaremos, em uma outra escala, uma área da cidade para dialogar-mos estes con"itos e analisarmos as ações destes diferentes agentes que disputam o território carioca. Priorizando a ação do Estado, com suas políticas públicas na área de habitação, e suas relações com os demais agentes hegemônicos e contra hegemônicos.

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

22

Cabe ressaltar que, diversos outros espaços dentro da cidade do Rio de Janeiro poderiam ser utilizados como exemplo para es-tas contradições inerentes ao sistema capitalista de produção do espaço urbano.

A princípio temos como objetivo explanar a respeito dos en-foques teórico/metodológicos selecionados para melhor analisar-mos esta complexa realidade (Capítulo 1). Primeiramente fazendo uma análise da construção do conceito de espaço geográ!co para a geogra!a, a partir de autores como Paul Claval, Ruy Moreira, Milton Santos e trabalhando com os conceitos de produção e re-produção do espaço, cidade/sociedade urbana de Henri Lefebvre, Ana Fani Alessandri Carlos, David Harvey, dentre outros e dos agentes e escalas da produção do espaço urbano do Roberto Lo-bato Corrêa, assim como obras de Arlete Moyses Rodrigues, Lucio Kowarick, Ermínia Maricato, dentre outros, para trabalharmos a questão habitacional.

Em seguida trabalhar a evolução urbana da cidade do Rio de Janeiro e o surgimento da questão da moradia na cidade (Capítulo 2), onde aparece em destaque o livro de Maurício de Abreu, A Evo-lução Urbana do Rio de Janeiro, e diversos outros autores que vão abordar as diferentes políticas habitacionais urbanas que tiveram em curso na cidade do Rio de Janeiro durante todo o século XX, dando destaque a Nabil Bonduki, Nelson de Nobrega Fernandes, dentre outros.

Por !m, chegando em um contexto mais contemporâneo, ex-plorar a fase de esfacelamento institucional das políticas públicas brasileiras, a partir da entrada da ideologia e política do neolibe-ralismo e de crises econômicas que atravessaram o Brasil desde a década de 1980. E também analisar a nova fase das políticas públicas habitacionais com o surgimento do Estatuto das Cidades em 2001, assim como a chegada de um governo de esquerda e a criação do Ministério das Cidades em 2003, a partir disso, che-garmos ao surgimento da atual política pública habitacional, o programa do Governo Federal “Minha Casa, Minha Vida” dentro

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

23

da cidade do Rio de Janeiro, analisando sua espacialidade, con-dições e contradições. Para melhor exempli!car tal análise, fora feito um estudo de caso de três empreendimentos do programa no bairro de Curicíca em Jacarepaguá, onde as disputas na cida-de estão mais acirradas, tendo em vista que é nas proximidades deste bairro, onde está a Barra da Tijuca que é para onde estão sendo localizados os maiores investimentos públicos e privados em infraestrutura e urbanismo, além de analisar documentos de instituições como ADEMI, demonstrando o movimento de expan-são do mercado imobiliário na cidade (capítulo 3).

Breve debate sobre o papel do cientista e do geógrafona sociedade contemporânea

Antes de dar início a pesquisa, creio ser de extrema importância debater um assunto anterior ao tema proposto, que é o papel do in-telectual nesta cenário de constantes mudanças e con"itos nas mais diferentes áreas do conhecimento, da realidade, da cidade. Esta pre-ocupação decorre do fato de observar cada vez mais o distancia-mento do intelectual para/com a sociedade que ele está inserido.

Podemos atribuir tal realidade a diversos fatores, o que creio ser o mais expressivo, é associação da universidade com o mercado de trabalho, ou seja, a produção do conhecimento aliada a pro-dução e acumulação de capital. Neste sentido, o conhecimento se apresenta a serviço dos diferentes ramos corporativos, empresariais que buscam uma mão-de-obra cada vez mais quali!cada, porém, altamente alienada.

Contra esta lógica, surgem pesquisas como esta, onde, em pri-meiro lugar, está a vontade e o rigor cientí!co na luta contra o po-der hegemônico e seus agentes ligados a lógica capitalista de produ-ção do espaço. Sendo assim, surge além da pesquisa cientí!ca, uma denúncia de práticas abusivas para com os moradores do Rio de Ja-neiro. Para Foucault, o intelectual tem “uma tripla especi!cidade”:

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

24

“a especi!cidade de sua posição de classe (pequeno burguês

a serviço do capitalismo, intelectual ‘orgânico’ do proletaria-

do); a especi!cidade de suas condições de vida e trabalho,

ligadas à sua condição de intelectual (seu domínio de pes-

quisa, seu lugar no laboratório, as exigências políticas a que

se submete, ou contra as quais se revolta, na universidade,

no hospital etc.); !nalmente, a especi!cidade da política de

verdade nas sociedades contemporâneas.” (Foucault, 1993).

Esta visão, nos ajuda a entender a posição do intelectual à par-tir de sua própria formação intelectual, e mais ainda, na sua forma-ção socioespacial. A idéia de cidadão, acima da ideia de intelectual surge como ponto principal para a re"exão sobre a posição ocupada pelos trabalhos acadêmicos dentro da sociedade. Outro autor que nos ajuda apoiando este debate é Manuel Correia de Andrade, que diz, especi!camente sobre os geógrafos:

“Deve-se levar em conta que o geógrafo não é apenas um

pro!ssional, mas sobretudo um cidadão, e como tal deve,

dentro de seus padrões sociais e morais, procurar empregar

o seu saber primordialmente na procura de soluções para a

sociedade e, secundariamente, na obtenção de seus interes-

ses. Não achamos que a geogra!a deva ser primordialmen-

te ideológica, mas seria utópico querer retirar dela toda a

participação ideológica que foi inculcada na formação do

cientista. E a atividade como cientista não retira do geógrafo

as ideias e preconceitos que ele adquiriu em sua vida e em

sua formação.” (Andrade, 1994).

É indo de acordo com estas duas visões que buscamos aqui de-senvolver este trabalho. Em primeiro lugar, pensando na sociedade e em um problema secular que não se pretende solucionar, porém, evidenciar suas contradições para que seja possível a elaboração de perspectivas de luta e resistência por parte da própria sociedade. E

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

25

em segundo plano, contudo não menos importante, a necessidade de nos tornarmos ativos, sujeitos, dentro deste cenário de entraves e con"itos antagônicos das classes sociais dentro da cidade.

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

27

C a p i t u l o 1

A geografia, a produção do espaçourbano e a questão habitacional

“Saber pensar o espaço para saber nele se organizar,

para saber ali combater.”

- Yves Lacoste.

Saber pensar, organizar e combater no espaço são ações dos se-res humanos desde que passamos a nos organizar em sociedade. Cienti!camente, a geogra!a foi de!nida pelos gregos enquanto seu sentido etimológico, ou seja, o estudo “gra!a” da terra “geo”. À partir desta de!nição, os geógrafos gregos foram os primeiros a cartografar o globo terrestre, criando representações de continentes, mares, recursos naturais etc. Já se havia o conhecimento da esfe-ricidade da Terra, devido aos conhecimentos advindos da astrono-mia, bastante desenvolvida naquela sociedade. Assim como noções de localização, com o surgimento da noção de latitude e longitude, conhecimentos estes, que servem, também, para as conquistas e o expansionismo do Império Romano. (CLAVAL, 2010).

A ciência moderna geográ!ca, retoma a ideia do “estudo da terra” daquela geogra!a clássica grega, porém, devido aos inúmeros avanços tecnológicos e teóricos, os geógrafos possu-íam maiores informações a respeito do espaço terrestre e sua complexidade. Quase sempre a serviço do Estado Moderno, a ciência geográ!ca servia para cartografar rotas comerciais, ter-ritórios, traçar estratégias de guerra, de gestão territorial, assim

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

28

como para legitimar os valores da sociedade moderna, dentro das universidades e escolas, se apresentando como uma ciência da descrição do mundo.

“A função ideológica essencial do palavreado da geogra!a

escolar e universitária foi sobretudo de mascarar, através de

processos que não são evidentes, a utilidade prática da aná-

lise do espaço, sobretudo para a condução da guerra, assim

como para a organização do Estado e a prática do poder.”

(LACOSTE apud. MOREIRA, 1999).

1.1 – O espaço urbano no contexto do espaço geográfico: Uma aproximação teórica;

Atualmente, com a renovação crítica da geogra!a da década de 70, a geogra!a se apresenta como uma ciência voltada para as contradi-ções socio-espaciais advindas deste cenário de mascaras, estratégias e principalmente da prática do poder, por parte do Estado, mas prin-cipalmente, por parte das corporações capitalistas. O materialismo histórico dialético de Marx aparece como fundamento teórico meto-dológico desta nova geogra!a. E apesar do debate de que em Marx o conceito de espaço, objeto da geogra!a, é negligenciado, aparecendo de maneira marginal e de!nido da mesma maneira como as ciências burguesas o de!niam, como receptáculos, como um espelho da pró-pria sociedade. Os geógrafos neomarxistas introduzem o espaço den-tro da teoria marxista, já que para a geogra!a crítica (e não somente ela), o espaço é seu conceito-chave (CORRÊA, 1995).

Durante toda essas transformações sociais desde a Grécia An-tiga até a era digital da globalização ocidental do século XXI, a geo-gra!a se apresentou como sendo a ciência da organização do espa-ço e em muitos dos casos, negligenciou seus próprios fundamentos de cienti!cidade. E isto deve-se ao fato de que os geógrafos não postularam uma teoria do espaço que seja realmente uma teoria

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

29

social (MOREIRA, 1999). Entendem alguns teóricos da geogra!a, que o fato da aproximação da nossa ciência com a teoria marxista fora o fato da intensi!cação das contradições sócio-espaciais nos países centrais e também nos países periféricos (SOJA e HADJIMI-CHALIS apud. CORRÊA, 1995).

Caberá a autores como LEFEVBRE (1976), SANTOS (1978, 1988, 1996), a formulação de um conceito de espaço que privilegie seu caráter social. Para o autor Francês o espaço se distancia de sua dimensão pura, absoluta, “vazia”, como de!nido pela geogra!a tradicional do século XIX, onde as ideias de ideologia, de temporali-dade, de vivência são postas de lado para analise do espaço. Como também abandona a ideia de que o espaço é produto da sociedade, resultado, pura e simplesmente das relações de produção de cada civilização, constituídos a partir de uma visão funcional do espaço.

Ainda a!rma que o espaço não pode ser interpretado somente como mediação entre a visão pura, absoluta que representaria um “ponto de partida” e o “ponto de chegada” que seria justamente seus viés engessado de espelho das relações de produção, como produto social.

A esta mediação estão vinculadas ideias sobre o espaço como um instrumento político com intenções de manipulação por par-te de certo grupo, classe social hegemônica, em uma tentativa da reprodução dos meios de produção, do qual também fazem parte a força de trabalho. Esta de!nição serve somente para a socieda-de capitalista do século XIX, in!nitamente menos complexa que a sociedade dita “pós-moderna”, "exível que vivemos atualmente. (LEFEBVRE, 1976)

A!rma então Lefebvre, que o espaço social é não somente a reprodução dos meios de produção (relacionados ao sentido eco-nômico de produção), como é também, essencialmente vinculado com a reprodução das relações sociais de produção. Estas, por sua vez, perpassam a dimensão econômica, adentram a cultura, através das instituições educacionais (escolas, universidades), as artes etc. Apesar de Lefebvre não ser geógrafo em sua formação, sua contri-

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

30

buição para a construção teórica de um conceito de espaço social é bastante proveitosa para a geogra!a. Para CORRÊA (1995),

“Esta concepção de espaço marca profundamente os geógra-

fos que, a partir da década de 1970, adotaram o materialismo

histórico e dialético como paradigma. O espaço é concebido

como lócus da reprodução das relações sociais de produção,

isto é, reprodução da sociedade.” (CORRÊA, 1995).

O outro autor que atribuirá ao espaço o seu caráter social é Mil-ton Santos, in"uenciado em boa parte, porém não somente pelas obras de Henry Lefebvre (CORRÊA, 1995). Para SANTOS, em seu livro mais completo a respeito do objeto geográ!co, “A Natureza do Espaço”, de 1996, o espaço, objeto da geogra!a, “é o conjun-to indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações.” Partindo da ideia do mesmo autor de que o espaço geográ!co é formado por !xos e "uxos, que também interagem entre si, com os !xos permitindo ações e se modi!cando a partir delas, numa relação dialética (SANTOS, 1978, 1982, 1988).

“De um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma

como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações

leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos

preexistentes. [E assim que o espaço encontra a sua dinâmi-

ca e se transforma.” (SANTOS, 1996).

É bem verdade que este pensamento, assim como o pensa-mento do francês Henry Lefebvre, estão ligados e tem como base !losó!ca o materialismo histórico dialético, ambos autores fazem questão de tecer críticas a uma visão “reducionista” da dialética se tratando da análise do espaço. A complexidade vista nos dias de hoje, dentro das relações sociais de produção, fazem com que ne-cessitemos de um cuidado especial na hora de tratar desta relação dialética entre as forças produtivas e as relações de produção, onde

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

31

tais propriedades do modo de produção se entrelaçam e se rede!-nem constantemente.

Sendo assim, Milton Santos vai dizer que para que possamos analisar o espaço de modo com que tenhamos tais cuidados espe-ciais, devemos superar a visão simplória desta dialética, que tem como temporalidade, o século XIX, e nos focarmos nos indissociá-veis sistemas de objetos e ações, que vão nos permitir uma maior profundidade em relação as suas características atuais do nosso momento histórico em relação ao espaço geográ!co.

“Considerar o espaço como esse conjunto indissociável de

sistemas de objetos e sistemas de ações, assim como esta-

mos propondo, permite, a um só tempo, trabalhar o resulta-

do conjunto dessa interação, como processo e como resulta-

do, mas a partir de categorias susceptíveis de um tratamento

analítico que, através de suas características próprias, dê

conta da multiplicidade e da diversidade de situações e de

processos.” (SANTOS, 1996).

E ainda, o autor vai nos elucidar que o espaço geográ!co di-fere-se do espaço social, proposto por Lefebvre por conta de sua dimensão territorial, não em seu sentido físico e delimitador, mas sim, em seu sentido de apropriações, disputas, ou seja, o uso, sendo assim, é o “território usado” o real sentido do espaço dito geográ!co.

Por !m, apesar de o debate sobre a teorização do conceito de espaço seja amplamente traçado dentro das ciências sociais, Milton Santos escreve que cabe apenas aos geógrafos uma de!nição con-sistente de espaço geográ!co, sendo inconcebível “empréstimo” de de!nições de outras ciências por mais próximas que estas estejam, por mais que seja ele in"uenciado por !lósofos, sociólogos, como Durkheim, Lefebvre e de explicitar que tais autores contribuíram para o debate teórico da geogra!a, somente o geógrafo traçará e de!nirá seus próprios conceitos.

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

32

1.2 – A (re)produção do espaço urbano dentro da socie-dade contemporânea

Se o espaço geográ!co vai ganhar sentido a partir de seu uso por parte da sociedade que o transforma a partir das técnicas, é daí que o espaço urbano vai também ganhar um valor analítico bastante importante, dentro de um cenário global onde as cidades, dentro de uma sociedade atualmente cada vez mais urbanizada, se apresen-tam como o lócus da reprodução das relações sociais de produção.

Leituras de autores como CARLOS (2007, 2010), CORRÊA (1995) e HARVEY (2005), vão nos apontar caminhos bem elucida-tivos a respeito do espaço urbano e de sua (re)produção a partir do modo de produção capitalista. Para Corrêa (1995):

“Eis o que é espaço urbano: fragmentado e articulado, re"e-

xo e condicionante social, um conjunto de símbolos e cam-

po de lutas. É assim a própria sociedade em uma de suas

dimensões, aquela mais aparente, materializada nas formas

espaciais.” (Corrêa, 1995).

Vemos na citação do autor, a aproximação da ideia de espaço urbano próxima a ideia do próprio espaço geográ!co, ou seja, um espaço das contradições, lutas, apropriações e sentido da própria vida humana. A cidade, dentro da sociedade urbana contemporâ-nea, se apresenta como expressão máxima das nossas relações so-ciais de vida, a dimensão mais aparente, a própria materialização das relações, como nos escreve o autor.

Nesta mesma linha de pensamento, mas tratando a respeito não somente o espaço urbano, o geógrafo americano David Harvey nos aponta uma re"exão sobre como o capitalismo rearranja o es-paço a partir de seus interesses e tensões gerados:

“a natureza desigual da acumulação capitalista concebe um

espaço ambíguo, que, ao mesmo tempo em que se pretende

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

33

universalizante, produz desigualdades e assimetrias, tensões

e con"itos. Tais contradições do capitalismo se revelam na

formação e na recon!guração do espaço e são, portanto, ele-

mentos a serem observados” (Harvey, 2005)

Nesta passagem, o autor nos adverte também para as contradi-ções inerentes ao sistema capitalista de produção e seus re"exos na (re)produção do espaço. Assim como o caráter con"ituoso e de dispu-tas, além da desigualdade, fruto indissociável das práticas capitalistas.

O conceito de produção, amplamente debatido por Marx e di-versos autores de correntes marxistas, vão permitir a análise geo-grá!ca uma maior capacidade analítica de como o modo de produ-ção capitalista reestrutura o espaço, a partir de diferentes práticas e agentes, o que vai sendo modelado são as próprias práticas socio-espaciais, advindas da própria sociedade em (re)construção.

A geógrafa Ana Fani Alessandri Carlos, em diferentes publi-cações sobre a dimensão da produção do espaço, busca ir além da contribuição geográ!ca clássica voltada para sua organização e localização espacial. Isso se deve a ideia e a necessidade de se pensar a totalidade da sociedade e a produção do espaço dentro da sociedade contemporânea vai nos trazes muito mais do que apenas materialidades, aspectos físicos urbanos, mas também, como apon-ta LEFEBVRE (2008), o surgimento de subjetividades a partir da vida nas cidades dentro da sociedade urbana. Para CARLOS (2007):

“… a noção de produção se vincula à produção da huma-

nidade do homem e diz respeito às condições de vida da

sociedade numa multiplicidade de aspectos, e como é, por

ela, determinado. A noção de produção tal qual proposta por

Marx aponta, por sua vez, para a reprodução e evidencia a

perspectiva de compreensão de uma totalidade que não se

restringe ao plano do econômico, mas abre-se para o enten-

dimento da sociedade em seu movimento mais amplo, o que

pressupõe uma totalidade mais ampla e muda os termos da

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

34

análise espacial. Noção ampla envolve a produção e suas re-

lações mais abrangentes, e signi!ca, neste contexto, o que se

passa fora da esfera especí!ca da produção de mercadorias,

e do mundo do trabalho (sem, todavia, deixar de incorpo-

rá-lo) para estender-se ao plano do habitar, ao lazer, à vida

privada, guardando o sentido do dinamismo das necessida-

des e dos desejos que marcam a reprodução da sociedade.

Neste sentido, a noção de reprodução abre como perspectiva

analítica o desvendamento de uma realidade em constitui-

ção.” (CARLOS, 2007).

Ou seja, o que vemos atualmente, é uma produção que perpas-sa a própria dimensão material da cidade, que busca cada vez mais a criação de um urbano subjetivo, dentro da mente e sendo corpo-ri!cado nas mais diferentes esferas da produção, seja ela material, ou imaterial. Basta que observemos a quantidade de propagandas a respeito do “bem estar” que a vida urbana nos oferece no que diz respeito aos shopping centers, aos condomínios fechados (caso se possa pagar por uma unidade de moraria ou apenas por um passeio no shopping). Sobre isso, citando Lefebvre, a autora complementa:

“Para Lefebvre, a produção atravessa no século XX um perí-

odo de modi!cação qualitativa, pois antes a produção quan-

titativa predominava quase que exclusivamente (coisas e

objetos), e a partir dos anos 60, começa-se, a produzir, cada

vez mais, imagens, textos, signos, compondo um conjunto

de produção imaterial - o que vai caracterizando, no entan-

to essa produção é sua ambiguidade, isto, é a produção de

imagens, signos permite sonhar, inventar, mas na maioria

dos casos esta produção imita e simula uma realidade já

existente.” (CARLOS, 2007)

A (re)produção do espaço urbano acaba por exaurir a própria criatividade humana, reduzindo-a cópias e modelos “bem sucedi-

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

35

dos” de empreendimentos, de estilos de vida, de práticas sócio-es-paciais que vão sendo incorporadas e transplantadas para novos espaços, sem levar em consideração as especi!cidades da vida ur-bana de cada lugar.

Tal perspectiva de análise, apontada por estes autores citados, vão nortear a possibilidade de uma pesquisa que busca elucidar tais contradições, disputas entre atores que vivem a experiência da sociedade urbana. Alguns atores, como os grandes capitalistas, se apropriam do urbano como lócus privilegiado para a reprodução das relações sociais de produção capitalista, e outros, principalmen-te o cidadão pobre e mais comum das grandes cidades, se apro-priam como seus espaços de convívio, o espaço vivido, a dimen-são da vida social e espacial das pessoas, que vão, em muitas das vezes, se contrapor, mas ao mesmo tempo se adequar, aos espaços que vão sendo (re)produzidos dentro das nossas cidades.

1.3 – A questão habitacional;

A questão habitacional vai se acomodar ou se incomodar, dentro deste potencial analítico sobre o espaço urbano. Por um lado, pode-mos dizer logo de cara o quanto as políticas públicas habitacionais que incidiram sobre o espaço urbano e ainda atuam sobre ele, são de caráter quase que em sua totalidade econômico e vertical, como diria SANTOS (2001).

Econômico por conta de serem práticas voltadas, em muitas das vezes, para interesses privados de alguns grupos sociais, como também para alavancar economicamente o mercado em épocas onde as crises cíclicas do capitalismo e seus desdobramentos são mais fortes, buscando reduzir as taxas de desemprego (visto que o trabalhador da construção civil carece muitas das vezes de quali-!cação, podendo assim, ser empregado qualquer cidadão necessi-tado de trabalho para sobreviver) e com isso, gerar uma possível dinamização econômica. E vertical por serem projetos vindos de

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

36

“fora” para “dentro”, ou seja, não respeitando o interesse de seus moradores (nem locais e nem futuros) de fato, em suma, a popu-lação mais pobre da cidade, que são as classes “atendidas” por tais políticas públicas.

Com isso, tanto o caráter econômico das políticas públicas ha-bitacionais, quanto seu caráter vertical, vão ser balizadores destas políticas no que diz respeito a seus resultados desastrosos e in-capazes de solucionar o fardo da habitação e do direito a cidade dentro da sociedade urbana, principalmente se tratando de países de urbanização mais recente, como o caso do Brasil e consequente-mente da cidade do Rio de Janeiro, escala espacial de estudo deste trabalho. A professora da UNICAMP Arlete Moysés Rodrigues, nos traz grandes contribuições sobre o debate da habitação e condições de moradias no Brasil, em uma passagem muito bonita diz:

“De alguma maneira é preciso morar. No campo, na pe-

quena cidade, na metrópole, morar como vestir, alimentar,

é uma das necessidades básicas dos indivíduos. Historica-

mente mudam as características da habitação, no entanto é

sempre preciso morar, pois não é possível viver sem ocupar

espaço”. (RODRIGUES, 1988)

O caráter básico da necessidade de morar, habitar, faz com que, seja qual for a situação social vivida, encontrar-se-á uma ma-neira de apropriação dos espaços vividos. Exemplos como as auto-construções das favelas, como também da ocupação das ruas dos subúrbios como extensão de suas áreas de lazer, convivência, vão nos trazer diferentes atribuições do morar, que perpassam de ma-neira ampla a questão apenas da moradia. Não podemos assim dei-xar de relacionar a questão da habitação com o direito a cidade de maneira ampla, como infraestrutura digna para o ir e vir dentro da cidade, instalações de saúde, educação, lazer, assim como acesso a diversos serviços, todos esses aspectos dizem respeito ao problema da habitação.

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

37

Justamente as populações mais pobres, não possuem tais di-reitos garantidos, vivendo a margem em quase todos os aspectos citados. Sempre havendo então, a necessidade de se criarem me-canismos e ações improvisadas, alternativas, para que haja a pos-sibilidade de morar na cidade. As políticas públicas nesse sentido deveriam agir para a garantia e manutenção desses direitos para com essas populações, para que a experiência urbana seja mais proveitosa, criativa, e o cidadão tenha papel ativo nesta construção social de seus espaços e da cidade como um todo.

Dentro da grande cidade capitalista, onde a produção do es-paço se deu e se dá de maneira desigual, gerando assimetrias e desigualdades, as características das habitações variam bastante. A partir da condição socioeconômica da população, os espaços de moradia vão estar segregados e as classes sociais separadas, algu-mas propositalmente, como nos casos dos condomínios fechados, onde a separação da cidade é vista com bons olhos por parte de seus moradores que identi!cam na cidade um espaço hostil para a vida em seus lares.

O mercado imobiliário vai ter um papel fundamental nesta construção desigual da habitação nas cidades, assim como as clas-ses subalternizadas que são obrigadas a morarem longe dos espa-ços de interesse coletivo, sem infraestrutura, muitas das vezes com a necessidade de autoconstrução de suas casas, além dos que nem possibilidade de casa possuem e vivem nos espaços públicos (vias, praças) das nossas cidades. A respeito deste tema nos traz RODRI-GUES (1990):

“Desde as mansões até os cortiços e favelas a diversidade é

muito grande. Esta diversidade deve-se a uma produção di-

ferenciada das cidades e refere-se à capacidade diferente de

pagar dos possíveis compradores, tanto pela casa/terreno,

quanto pelos equipamentos e serviços coletivos. Somente os

que desfrutam de determinada renda ou salário podem mo-

rar em áreas bem servidas de equipamentos coletivos, em

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

38

casas com certo grau de conforto. Os que não podem pagar,

vivem em arremedos de cidades, nas extensas e sujas “pe-

riferias” ou nas áreas centrais ditas “deterioradas”. Nestes

arremedos de cidades, há inclusive os que “não moram”, vi-

vem embaixo de pontes, viadutos, em praças, em albergues,

não têm um teto !xo ou !xado no solo. Nestes arremedos de

cidades, mergulha-se num turbilhão de miséria, de sujeira, o

que torna cada dia mais difícil ter força para resistir a estas

cidades e aos efeitos da miséria.” (RODRIGUES, 1990).

Em tempos onde a propriedade da terra se apresenta enquanto mercadoria geradora de lucro, tal produção desigual do espaço de mo-radia por parte do mercado imobiliário e diversos outros setores capi-talistas se torna prática comum e inclusive necessária para a própria manutenção de sua lógica de reprodução. Sendo a habitação mais um mercado como outro qualquer, seus interesses jamais se alinharão aos interesses do cidadão mais pobre que não tem condições de pagar pelo produto, tendo este que buscar alternativas para a sua manutenção na cidade. Sobre esta produção desigual, nos fala Lúcio Kowarick:

“A produção de habitações resulta de uma complexa rede de

agentes, inclusive comerciais e !nanceiros, na qual o con-

trole sobre a terra urbana constitui um fator fundamental no

preço das mercadorias colocadas no mercado. Do ponto de

vista da realização do capital, os interesses tendem a pro-

duzir uma mercadoria socialmente adequada quanto ao seu

padrão de habitabilidade para as faixas de renda mais eleva-

das, vedando o acesso para a grande maioria dos trabalha-

dores que precisam [...], por conseguinte encontrar outras

fórmulas para se reproduzir nas cidades enquanto mercado-

ria para o capital.”(KOWARICK, 1993).

Com isso, as políticas públicas na área da habitação vão man-ter a lógica do mercado, ao invés de atribuírem como protagonistas

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

39

os cidadãos que necessitam de habitação de qualidade. A manuten-ção da reprodução das relações capitalistas de produção por parte do Estado, vai fazer com que SANTOS (1996) intitule a urbanização brasileira como um “processo de urbanização corporativa” cons-tituída por “[...] uma expansão capitalista devorante de recursos públicos, uma vez que são [processos] orientados para os investi-mentos econômicos, em detrimento dos gastos sociais”.

O capital imobiliário se apresenta como o principal receptor de investimentos (privados e públicos) no que diz respeito ao processo de urbanização atual, dentro de uma sociedade concentradora de renda e excludente. LEFEBVRE (2001) então está certo ao a!rmar que “o setor imobiliário se torna tardiamente, mas de maneira cada vez mais nítida, um setor subordinado ao grande capitalismo. [...] Visando à subordinação do espaço que entra no mercado para o investimento dos capitais.”. Sendo assim, instaura-se uma lógica de estratégias e ações por parte dos capitais, com auxilio do Esta-do que geram grandes fontes de renda para o capital imobiliário e por sua vez é totalmente incompatível aos interesses da sociedade como um todo, principalmente se levarmos em consideração as ca-madas populares da sociedade.

Constituindo-se enquanto mercadoria, a habitação será uma das mais caras, devido a alta valorização da terra urbana e outros aspectos. Este alto custo, vai expressar mais um pilar da desigual-dade no acesso ao bem da moradia, para a professora da USP, Ermí-nia MARICATO (1997) a habitação, enquanto mercadoria é:

“A habitação é uma mercadoria especial, que tem produção

e distribuição complexas. Entre as mercadorias de consumo

privado (roupas, sapatos, alimentos, etc.) ela é a mais cara.

Seu preço é muito maior do que os salários médios, e por

isso o comprador demora muitos anos para pagá-la ou para

juntar o valor que corresponde ao seu preço. Dizemos que é

uma mercadoria que tem longo período de circulação e por

isso exige um !nanciamento prévio para o consumo, pois

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

40

em geral os trabalhadores não dispõem de tanto dinheiro à

vista. (MARICATO, 1997).

Porém tal realidade não é exclusiva da contemporaneidade, ve-remos autores como os próprios Marx e Friedrich Engels, em espe-cial, que a questão da habitação, já se postulava enquanto um pro-blema anteriormente as eras modernas do capitalismo, do comercial ao !nanceiro. ENGELS (1988) nos traz uma contribuição importante:

“Esta falta de habitação não é algo próprio do presente; ela

não é sequer um destes sofrimentos próprios do moderno

proletariado [...] ela atingiu de uma forma bastante parecida

todas as classes oprimidas de todos os tempos. [...] Aquilo

que hoje se entende por falta de habitação é o agravamento

particular das más condições de habitação dos trabalhadores

que resultaram da repentina a"uência da população às gran-

des cidades.” (ENGELS, 1988)

Neste contexto, resgatando o debate acerca da de!nição de habi-tação, cabe ressaltar mais uma vez a ideia de que habitar é sobretudo ir além da dimensão da casa, da moraria. Sendo a questão da habita-ção referente a um conjunto de práticas sociais acumuladas historica-mente e simultaneamente, é um local onde se realizam aprendizados indispensáveis para a produção social. MARICATO (1997) a!rma que “a casa não é uma ilha na cidade”, ou seja, deve se ter ciência de que a casa faz parte de um todo que é a cidade, assim como seus moradores, construtores e protagonistas dessa realidade. Porém, ao analisarmos os discursos hegemônicos do capital imobiliário e do próprio Estado neste assunto, veremos uma quanti!cação do problema, que é tratado quase sempre como uma questão de quantidade de casas para quantidade de família necessitadas, ou interessadas em comprar.

“Tanto as autoridades governamentais ligados à política de

habitação quanto os representantes do capital imobiliário

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

41

refere-se frequentemente à questão da habitação em termos

numéricos de dé!cits ou projeções de unidades isoladas a

serem construídas. Essa forma simplista de tratar o tema ig-

nora que a habitação urbana vai além dos números e das

unidades. Ela deve estar conectada às redes de infraestrutura

(água, esgoto, energia elétrica, drenagem pluvial, pavimen-

tação) e ter o apoio dos serviços urbanos (transporte cole-

tivo, coleta de lixo, educação, saúde, abastecimento, etc.)”

(MARICATO, 1997).

A partir desta visão, toda e qualquer análise sobre a questão habitacional deve estar relacionado tanto aos fatores quantitativos, mas sobretudo as fatores qualitativos e o interesse da própria popu-lação. Com isso, ao analisarmos o problema habitacional veremos, com a ajuda de KOVARICK (1993) que um dos problemas relacio-nados ao tema é a garantia e a manutenção de bens e serviços por parte do Estado para com as populações mais pobres:

“O problema habitacional está diretamente atrelado ao for-

necimento de bens de consumo coletivo, no qual a ação do

estado tem ganho crescente importância, pois os investi-

mentos públicos são cada vez mais responsáveis por esse

componente também básico da reprodução da força de tra-

balho.” (KOWARICK, 1993).

Sendo assim, para que seja garantido o acesso ao direito à ha-bitação, !ca a cargo do poder público, isso no que diz respeito a parte teórica do direito e projetos, pois se tratando dos progra-mas habitacionais providos pelas esferas públicas, principalmente se tratando das classes mais baixas (faixa de renda familiar até 3 salários mínimos), tais preocupações não aparecem na prática, e o direito à habitação nos projetos resume-se em promover uma habi-tação sem a preocupação com o habitar, com o viver, com o bairro e a cidade onde está inserido os projetos, ou seja, as famílias da

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

42

cidade. Numa espécie de manutenção da reprodução da força de trabalho, afastados das áreas mais valorizadas da cidade, mas que em contradição, se tenham acessos viabilizando a locomoção dos trabalhadores em direção ao Centro e zonas ricas, principalmente prestadores de serviços não especializados e trabalhadores do co-mércio, transportes estes baseados em ônibus, trens e metrô com apenas uma linha para o “subúrbio”.

Transportes estes que não atendem os interesses da população, e sim, o "uxo de trabalho, tanto que os transportes públicos, todos nas mãos de concessionárias privadas, nos !nais de semana oferecem um serviço reduzidíssimo, con!rmando a tese de que o seu funcio-namento não se dá para o trabalhador, morador da cidade afastada e sim para o deslocamento da força de trabalho, visando a reprodução do capital. Para citar apenas um dos direitos que estão diretamente ligados ao direito à habitação de qualidade, que de acordo com os au-tores citados, vão além de prover a habitação em si, mas em garantir o direito à cidade, a partir da questão habitacional.

Porém, dentro das próprias ciências que se obrigariam em suas pesquisas a levar em consideração as questões relacionadas a ha-bitação, como arquitetos, urbanistas, até engenheiros civis, não se preocupam em desenvolver, a não ser quando contratados direta-mente pelos !nanciadores privados ou pelos governos, por inte-resse próprio e pro!ssional, para desenvolverem planos diretores e outros projetos que não levam em consideração muitas realidades da cidade, como se o seu pro!ssionalismo não tivesse de levar em consideração as dimensões mais complexas do viver a cidade, o di-reito a ela para todos. Neste sentido concorda a autora, MARICATO (2008) que amplia a crítica aos próprios planos desenvolvidos por estes pro!ssionais.

“Não obstante, nas escolas de arquitetura e urbanismo, estu-

da-se “arquitetura”, estuda-se “urbanismo” e “planejamento

urbano” e, em apenas algumas lacunas ou disciplinas espe-

ciais dependendo da sensibilidade e engajamento de um ou

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

43

outro professor estuda-se a moradia social. Ela é vista como

algo à parte da grande arquitetura e do grande urbanismo.

O mesmo acontece na elaboração dos Planos Diretores. A

moradia social quando está presente é um capítulo a parte.

Quando muito um apêndice.” (MARICATO, 2008)

Cabe agora tentar analisar quais motivos para existirem tais defasagens tanto dos projetos habitacionais vinculados aos gover-nos, quanto da própria formação destes pro!ssionais, que neles podemos incluir também geógrafos. As questões políticas, ideológi-cas e principalmente os fatores econômicos vão ser decisivos para tais decisões. Chegando estes projetos habitacionais a serem vistos como meramente econômicos, sem expressão nenhuma se tratando de sanar o dé!cit habitacional das cidades ou criar meios para que isto seja um caminho possível. Pelo contrário, os governos vão de encontro as cartilhas neoliberais, onde parcerias entre o público e privado, concessões para iniciativas privadas, leilões de serviços públicos são vistos como a solução para o desenvolvimento eco-nômico e social! Neste cenário, a especulação imobiliária, seletivi-zação espacial, autosegregação de bairros de classes média e alta, além de próprias políticas públicas que incentivam tais práticas que vão contra os interesses da própria cidade e dos moradores de seus bairros, principalmente das regiões mais pobres.

A professora Angêla Maria Gordilho SOUZA (2000), em seu tra-balho sobre as tensões na con!guração urbana de Salvador a partir da dimensão da questão habitacional, vai atribuir ao poder público a provisão da chamada habitação social, para que seja possível uma melhora na vida dos citadinos em relação aos dé!ctis habitacionais. Em uma passagem Souza nos traz este papel importante atribuído ao Estado, aos governos em suas diferentes esferas:

“[...] a ampliação da produção habitacional para as camadas

de renda mais baixa, com a intervenção efetiva do Estado,

que assume o controle na produção da chamada ‘habitação

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

44

social’ [...] O Estado do Bem-Estar, acaba por promover o

!nanciamento da produção habitacional, bem como assume

a produção dos chamados bens de consumo coletivo – infra-

estrutura, transporte, equipamentos comunitários etc. [...] A

intervenção pública, através da provisão de ‘habitação so-

cial’, desempenhará um papel fundamental em relação aos

persistentes dé!cits de habitação.” (SOUZA, 2000)

Vemos com esse debate que o Estado, na sua posição político-administrativa, responsável pelo planejamento, pelos investimen-tos e pela implementação das políticas públicas tem como uma de suas obrigações, fornecer o necessário para que seja assegurados aos cidadãos o direito a cidade, ou seja, o bem-estar na vida ur-bana. Porém, o que se observa é um poder público voltado para outros interesses, menos públicos, deixando assim de atender de maneira satisfatória a imensa população e com isso, legitimando e alargando o abismo social e negando aos mais pobres os seus direi-tos sociais, dentre eles o acesso a boa moradia.

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

45

C a p i t u l o 2

A Urbanização do Rio de Janeiroe o Centenário das Políticas Públicas na metrópole

“Rio de Janeiro meu mais belo problema”

- Pichação do Centro do Rio de Janeiro

A cidade do Rio de Janeiro, desde a época do Brasil Colônia, pas-sando pelo Brasil Imperial e chegando ao pais Republicano, possuiu importante prestigio e serviu inclusive de modelo urbano para mui-tas cidade do Brasil de todas estas épocas. Fora capital do país de 1763 até 1960, e sobretudo a cidade mais populosa do Brasil até a década de 50 do século XX, quando perde em números absolutos para a cidade de São Paulo. Todas essas características !zeram do Rio de Janeiro uma cidade de muitos investimentos e consequente-mente de muita desigualdade socioespacial.

2.1 – Processo de Urbanização do Rio de Janeiro;

Apesar de ser uma cidade fundada ainda no século XVI, sua estru-tura urbana vai começar a se con!gurar e adensar a partir da vinda da Família Real Portuguesa para cá, isso já no século XIX. Até en-tão, a cidade colonial do Rio de Janeiro era restrita geogra!camente entre os morros do Castelo, São Bento, Conceição e Santo Antônio e durante os três séculos anteriores a luta foi intensa contra os brejos,

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

46

areais, lagunas, próprias do ambiente de restinga e mata atlântica onde se localizava o sitio da cidade (ABREU, 2011).

Apesar de no século XIX, haverem inúmeras transformações no espaço urbano carioca, é apenas no início do século XX, que come-çaremos a identi!car as ações mais efetivas de caráter da produção do espaço da cidade de uma maneira contraditória, con"ituosa e com atuação efetiva do Estado e dos diferentes capitais que se ins-talavam na cidade. Neste sentido, as classes menos abastadas, vão passar a sofrer, quase que incessantemente, durante todo o século XX e início do século XXI, com mais ou menos intensidade em al-gumas épocas, com o caráter excludente e desigual da (re)produção do espaço dentro da cidade.

Políticas públicas “higienistas” como as que buscavam com o discurso da “insalubridade” das moradias dos pobres do centro do Rio, expulsa-los para áreas mais distantes da cidade, se misturavam com outras políticas públicas que visavam aberturas de terras com investimentos em infraestrutura para uma classe mais abastada, que já, desde o século XIX (com a Princesa Isabel escolhendo mo-rar em Botafogo), buscavam se afastar da desordem que assolava o centro do Rio de Janeiro. Sendo assim, a Zona Sul do Rio de Janeiro vai passar a ser um eixo de expansão imobiliária para os mais ricos, em contrapartida, os mais pobres, vão seguindo ocupando as áreas que os interesses dos capitais e do Estado não são, ainda neste mo-mento, prioridades.

As ocupações das encostas dos morros do grande maciço da Ti-juca, assim como do próprio centro da cidade, vão nos indicar a se-gregação que vai se seguir como modelo urbano no Rio de Janeiro até os dias de hoje. Diversos quilombos de séculos passados, assim como ocupações mais pobres, vão sendo incorporadas pela cidade no decorrer do século XX, sem que estas áreas recebam qualquer tipo de investimentos, assim como receberam e recebem as áreas onde interessa aos diferentes agentes do capital e do próprio Esta-do, gerando e agravando a desigualdade socioespacial que se torna um problema secular. (CAMPOS, 2004)

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

47

Anteriormente a essas políticas seletivas do Estado para com a cidade do Rio de Janeiro, vemos uma lei especí!ca, em âmbito nacional, que vai delimitar o acesso a terra e ser um marco para o acumulo da desigualdade e da criação da segregação socioespacial que será imposta até hoje na metrópole carioca. A Lei de Terra, de 1850, vai fazer com que a única maneira de se adquirir terras no Brasil, seja através do mercado, sendo assim, a terra deixaria de ser apenas privilégio de sesmeiros e posseiros e passaria a ser merca-doria, geradora de lucros para seus proprietários. E o que também tornaria possível a marginalização dos espaços não “negociados” e ocupados de maneira autônoma como no caso dos próprios quilom-bos e das atuais favelas da cidade.

Neste sentido, baseada nos escritos de Marx, nos esclarece a historiadora paulista Regina Maria Gadelha:

“a acumulação de capital implica em que a terra deixe de ser

uma condição natural de produção para se transformar em

uma mercadoria, passível de compra e venda no mercado.

Ou seja: deixa de ser um bem social para se tornar proprie-

dade privada.” (GADELHA, 1989)

Neste caminho de apropriação da terra enquanto valor de tro-ca, no caminho para o século XX e dos loteamentos de bairros da Zona Sul e Norte da cidade pelo mercado imobiliário, era apenas a este que interessava e dizia respeito a questão habitacional, sem que houvesse qualquer tipo de interferência direta do Estado em questões sociais como habitação por exemplo. Esta era uma das características marcantes dos governos liberais da república velha, onde o “livre mercado” era o único responsável pela ampliação e manutenção do direito a habitação da cidade.

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

48

2.2 - A O centenário das políticas publicashabitacionais do Rio de Janeiro;

Porém, dentro destes governos liberais, houve um em especial que este cenário de intervenções do Estado com a questão da habitação social surge, sendo inclusive, o pioneiro neste segmento. Ao obser-varmos o governo de Hermes da Fonseca, veremos que tais projetos de políticas públicas para habitações populares não só foram pro-jetados como construídos conjuntos de habitações para as classes trabalhadoras da cidade. (FERNANDES e OLIVEIRA, 2010)

Diversos motivos vão ser analisados por estes autores que vão trazer desde viagens e conhecimentos da situação das cidades eu-ropéias, pelas quais o Marechal Hermes visitou antes mesmo de se tornar presidente da república em 1910, assim como a pressão dos sindicatos das fábricas do bairro da Gávea, até então subúrbio mais distante da parte Sul da cidade (FERNANDES e OLIVEIRA, 2010).

Além do conjunto habitacional da Gávea, um projeto impor-tante do governo de Hermes da Fonseca foi a criação de um bairro no até então longínquo subúrbio distante, que viria a ter seu pró-prio nome, o bairro de Marechal Hermes, que foi construído a partir de um projeto que incluía além de centenas de habitações sociais (o projeto era um bairro para 5000 pessoas), contava com 4 escolas, creche, comércios, teatro além de uma estação de trem da Estrada de Ferro Central do Brasil.

Apesar de inaugurada em 1914 pelo próprio presidente Ma-rechal Hermes, o bairro com seu próprio nome estava incomple-to e do projeto original, por exemplo, das quatro escolas proje-tadas, apenas duas estavam prontas e foram entregues aos seus moradores, assim como muitas residências !caram incompletas e outras nem chegaram a ser construídas. O início da Primeira Guerra Mundial, além de próprios problemas com relação ao tipo de política que se implantava dentro de um cenário liberal, fo-ram os principais entraves para a conclusão de tais projetos em sua totalidade.

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

49

Com isso, se analisarmos o bairro de Marechal Hermes após a saída de seu pseudônimo da presidência, o que se verá é o abando-no por parte dos poderes públicos, chegando inclusive a prefeitura da cidade negar o serviço de coleta de lixo de seus moradores por alegar ser uma “área federal” (FERNANDES e OLIVEIRA, 2010).

O tempo foi passando e o espaço se deteriorando a partir de uma lógica de abandono de investimentos públicos para com o bairro pro-letário. Somente com a chegada de Vargas a presidência que este cenário do liberalismo vai dar lugar as políticas mais !rmes de inter-venção direta do Estado na economia e em questões que antes eram de quase exclusividade interesse do mercado privado capitalista.

Um dos fatores que vai atribuir e con!rmar uma contribuição efetiva na questão da habitação social no Brasil por parte do antigo presidente da república velha Marechal Hermes da Fonseca, é que Getúlio Vargas não só vai retomar algumas das obras inacabadas do bairro de Marechal Hermes, como também vai construir mais 500 habitações populares e ainda incluirá novos aparelhos urbanos (um cinema moderno CineLux além de um grande hospital) ao bairro proletário, isso tudo na década de 30 e o presidente Vargas ainda iria durante as décadas de 40 e 50 lanças mais projetos para o bair-ro de Marechal Hermes, !nalizando com um teatro que inclusive, estava dentro do projeto inicial ainda da primeira década do século XX. Além de lançar um conjunto habitacional perto de Ben!ca, Manguinhos, onde o Marechal chegou a projetar habitações sociais, porém que não chegaram a ser construídas em sua época.

Esta contribuição do governo do Marechal Hermes da Fonseca, anterior ao período de Getúlio Vargas e do início de um projeto de governo voltado para a intervenção estatal na economia vai contra-por teses como as de Nabil Bonduki, que em seu trabalho “A Ori-gem da Habitação Social no Brasil” vai atribuir somente ao período de Vargas esta origem, negligenciando as políticas desenvolvidas décadas antes. (FERNANDES e OLIVEIRA, 2010).

Contudo, é realmente a partir da década de 30 que de fato teremos uma política voltada especi!camente para a produção da

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

50

habitação social como um projeto de governo. E isto se deve ao fato da nova fase dentro de um contexto internacional da nossa política econômica que vão traçar o rumo de um Brasil moderno, voltado para a dinâmica urbana e industrial.

Neste contexto, o papel do Estado ganhará força e será um dos indutores principais de questões que até o momento eram de maneira geral, tratados pela “mão livre” do mercado. A questão habitacional será uma dessas esferas onde o Estado começará a traçar estratégias políticas voltadas para este aspecto. Diversos são os fatores que interferem nesta decisão, porém, podemos apontar como principais fatores a necessidade de adequação da massa de trabalhadores as dinâmicas modernas de produção, a pressão dos próprios trabalhadores por melhores condições de trabalho e vida, mas sobretudo, a necessidade de se instaurar no Brasil um projeto de modernidade, evidente inclusive nos projetos dos próprios con-juntos que surgiram nesta época.

Em uma resenha sobre a tese, que virou livro de Nabil Bon-duki, feita por RIBEIRO (1999), ele nos contempla com uma análise sobre o período de “Vargas”:

“Na “Era Vargas” um outro diagnóstico e um novo consenso

são elaborados. O alto custo dos aluguéis e as preocupações

do Estado em promover a integração dos operários à ordem

social e política, peça fundamental do populismo, incentiva

um intenso debate entre vários intelectuais e técnicos em

torno da função social da moradia. Constrói-se a noção da

habitação como um serviço público a ser provido pelo Es-

tado na forma da promoção da casa própria em lugar do

aluguel.” (RIBEIRO, 1999)

Compreendemos esta época “pioneira” do Estado no campo da habitação desde a década de 1930 até o ano de 1964 com o sur-gimento do BNH, que analisaremos posteriormente. Dentro desses mais de 20 anos, temos a atuação dos IAP (Institutos de Aposenta-

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

51

doria e Previdência) e a Fundação Casa Popular, além do DHP (De-partamento de Habitação Popular) que atuava no Rio de Janeiro, até então, Distrito Federal como principais agentes de produção da habitação popular no Brasil.

De acordo com KOURY, BONDUKY e MANOEL (2003), apenas os IAP’s e a FCP, “!nanciaram ou construíram mais de 140.000 unidades habitacionais, sendo que os dois órgãos implantaram, respectivamen-te, cerca de 279 e 143 conjuntos habitacionais em todo o país.”. E estes, ainda de acordo com os autores, os conjuntos deste período, além de pioneiros em relação aos projetos modernos arquitetônicos do Brasil, foram cruciais para o desenvolvimento de um modo de vida urbano, voltado para as lógicas modernas de produção que se instalavam nas grandes cidades do Brasil, especialmente Rio de Janeiro e São Paulo.

Os modelos que os arquitetos brasileiros utilizavam em seus modelos para a construção dos conjuntos habitacionais vinham de modelos europeus, adaptados para as nossas condições espaciais e culturais. Nesta época, a preocupação por parte dos pro!ssio-nais em relação a se criar habitações salubres e que dinamizavam e representavam a vida moderna urbana eram relevantes para a construção de tais conjuntos. Porém, além de pouco signi!cativas se comparado ao crescimento das cidades, tais políticas não foram capazes de atender de fato aos interesses de seus moradores e sim de um projeto mais amplo, o da modernidade.

No Rio de Janeiro, temos como exemplos de conjuntos desta época, tanto dos IAP, quanto da FCP e DHP os IAP da Penha, de Realengo, além do Pedregulho, na Gávea, os “subúrbios modernos” de Guadalupe, Pavuna, Ricardo de Albuquerque, Anchieta, Barros Filhos etc. Nos a!rma Tromposwsky em seu artigo sobre a Funda-ção Casa Popular e sua atuação na produção espacial da cidade do Rio de Janeiro, especi!camente sobre o recente bairro de Guadalu-pe que a própria FCP fundou e nomeou:

“Consolidado como bairro na década de 1950, Guadalupe

pode ser considerado como um subúrbio moderno, assim

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

52

como os bairros de Pavuna, Anchieta, Ricardo de Albuquer-

que ou Barros Filho (Soares,1965), por exemplo, os quais

tiveram o seu desenvolvimento promovido pelo "uxo de

investimentos que se materializou através de indústrias, lo-

teamentos, conjuntos habitacionais, etc. em função da fa-

cilidade de acesso, do atrativo custo da terra, da topogra!a

favorável ou ainda da disponibilidade potencial de mão-de

-obra que decorreu da implantação da avenida das Bandei-

ras, viabilizando o “preenchimento dessa zona suburbana

apoiado na zona equipada mais próxima” (Bernardes, 1968)

– que, no caso, foram os subúrbios próximos ou imediatos

de Deodoro, Marechal Hermes, Honório Gurgel, Irajá e tam-

bém Anchieta.” (TROMPOWSKY, 2004)

Vemos com isso que as políticas habitacionais da época ser-viram não somente para amenizar o dé!cit habitacional e tentar suprir a demanda por moradia da população mais pobre e crescente urbana do Rio de Janeiro, mas principalmente para consolidar um modelo de sociedade e de crescimento econômico pautado nos ide-ais modernos e marcado por inúmeras contradições, numa cidade em que sua expansão se dá em nome do acumulo de capitais e con-centração de riquezas, em um cenário de segregação socioespacial em agravamento e expansão.

As décadas seguintes, que vai de 1960 até o !nal dos anos 80, vão seguir um modelo de intervenção direta do Estado na questão habitacional, porém, não mais se preocuparam com a arquitetu-ra, modelo, localização dos projetos e sim em fazê-los em grandes quantidades a !m de gerar empregos e seguir o modelo de desen-volvimento centralizador e urbano-industrial, plano que se seguia desde os anos 30.

Este modelo de sociedade vai inchar ainda mais os centros urbanos e a cidade do Rio de Janeiro cresce a ritmos intensos nesta época. Diversas favelas são retiradas de bairros onde o valor do solo urbano já se tornara caro, em áreas onde os governos e os setores

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

53

do capital investiam, o que evidencia uma seletividade urbana den-tro das políticas públicas de uma maneira geral, assim como dos investimentos privados.

Favelas em bairros como Lagoa, Gávea (antigos bairros proletá-rios), nesta época, já haviam se valorizados e não havia mais espa-ço para os seus moradores mais pobres, sendo assim, são expulsos para os subúrbios mais distantes da cidade, movimento este que não é novidade na cidade e nem se extinguiria com as políticas da época, pelo contrário, as contradições aumentam.

ABRAMO e FARIA (1998) escrevem sobre este movimento na dinâmica imobiliária, consequentemente no uso e con!guração do espaço urbano na cidade do Rio de Janeiro:

“No início dos anos 60 já surgiam as consequências do pro-

cesso de urbanização iniciado na década de 30: aumento

populacional, carência de habitação, segregação social, aju-

dados pelo aumento de concentração de renda nas mãos das

classes sociais mais abastadas.

No período pós 64, a política de arrocho salarial leva a um

processo de concentração de renda, incidindo na estrutura

urbana através da remoção de favelas dos locais mais valori-

zados da zona sul, e no aumento da especulação imobiliária,

o que impulsionou o deslocamento da classe alta em direção

a São Conrado e Barra da Tijuca (Abreu, 1987). Além disso,

a criação do Sistema Financeiro de Habitação – SFH –, dire-

cionado às camadas médias, desconcentrou o investimento

imobiliário para a zona norte e subúrbio, e provocou o boom

imobiliário da Barra da Tijuca na década de 70.” (ABRAMO

e FARIA, 1998).

Nesta época, pós-golpe militar de 1964, surge no governo um Sistema de Financiamento de Habitação, o SFH, que tinha como órgão executivo o BNH, Banco Nacional de Habitação, que utiliza-va recursos do FGTS e do SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

54

Empréstimo), o que demonstra claramente que as políticas habita-cionais, apesar de dialogarem com os governos estaduais, vão ser centralizadas pelo Governo Federal. Além disso, por estarem atre-ladas ao crescimento econômico do país, as políticas habitacionais, vão ter um caráter econômico, o que acarreta em consequências para a qualidade e e!cácia do projeto. Os subúrbios distantes da Zona Oeste da cidade vão receber vários programas ligados ao BNH e aos seus repasses aos governos locais, como as COHABs durante este período.

Sobre esta época, Adauto Lucio Cardoso, professor do IPPUR, nos esclarece:

“Ao priorizar o !nanciamento para as camadas de mais

alta renda, que se con!guravam como demanda efetiva e

que atraíam a preferência dos setores empresariais ligados

à área, a atuação do Banco conseguiu de fato produzir um

novo boom imobiliário, gerando efeitos multiplicadores re-

levantes. Já o !nanciamento às camadas de menor renda

revelou-se inadequado para as populações mais empobreci-

das (faixas de até 3 salários mínimos) e gerou uma inadim-

plência sistemática nas camadas de renda que conseguiram

acesso aos recursos, comprimido pelo gargalo representado

pela ausência de subsídios combinada ao arrocho salarial e

à exigência de correção real dos débitos, dado o alto custo

da moradia em relação aos níveis de rendimento. A faveli-

zação e o crescimento das periferias são apontados como

consequência do fracasso e da ine!cácia da ação do BNH.”

(CARDOSO, 2008)

O resultado da atuação do BNH, extinto em 1986, para a si-tuação do dé!cit habitacional no Rio de Janeiro, assim como para o de melhoria da qualidade de vida da população mais pobre, fora trágico, apesar do número expressivo de moradias que foram construídas durante estas décadas. Como nos mostram os dados

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

55

apresentados pelo professor Adauto Cardoso, apenas pouco mais de 30% das moradias, destinavam-se as camadas mais pobres da população da cidade:

“Após duas décadas de política habitacional foram produzi-

das cerca de 4,5 milhões de unidades, com 48,8% do total

destinadas aos setores médios, e 33,5% formalmente desti-

nadas aos setores populares.” (CARDOSO, 2009)

Além disso, completa BONDUKI, sobre a atuação do BNH du-rante os anos 60, 70 e 80:

“Os aspectos !nanceiros e a massi!cação da produção pre-

dominaram sobre a qualidade, gerando homogeneidade,

desrespeito às diferenças regionais e culturais, despreocupa-

ção com a inserção urbana e os impactos ambientais. Sem

subsídios diretos, o acesso dos mais pobres ao !nanciamen-

to se inviabilizou; as favelas e os loteamentos periféricos

foram o seu destino. Conjuntos habitacionais sem qualida-

de, indiferenciados, criaram a falsa ideia de que a habitação

popular não podia ser compatível com uma boa arquitetura,

apesar de algumas exceções, pouco valorizadas pelos estu-

diosos.” (BONDUKI, 2011)

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

57

C a p i t u l o 3

As políticas contemporâneas parahabitação: Da “Nova República” ao Projeto “Minha Casa, Minha Vida”

Com a abertura política e a chegada da “Nova República” ao país, com o já relatado esvaziamento de crédito e consequentemente ex-tinção do BNH, o campo da habitação dentro das políticas públicas vai sofrer uma série de mudanças que vão marcar uma nova era, numa espécie de “empurra-empurra” entre os anos de 1986 e 2003 (ano de criação do Ministério das Cidades), nada mais nada menos do que sete ministérios ou estruturas administrativas diferentes vão ser responsáveis pelo setor da habitação social, momento que o au-tor ARRETCHE (1996) intitula como “uma longa via-crúcis institu-cional.”, onde poucos investimentos públicos federais para o setor serão destinados e o mercado, quase que livremente, comandará a partir de seus agentes e interesses (incorporadoras, construtoras, proprietários fundiários), os rumos da construção civil e da habita-ção nas cidades brasileiras. (BONDUKI, 2008)

Quebra-se a centralização que o Governo Federal havia inicia-do ainda na década de 1930, quando iniciou-se o período interven-cionista do Estado na economia. Agora, ou seja, a partir da década de 90, o que veremos são os ares do neoliberalismo dando as cartas dentro de um cenário de mais expansão das cidades, consequente-mente, de sua população favelada, vivendo em situações precárias de moradia e direito à cidade.

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

58

3.1 - A Nova República e a “via crúcis” institucionaldas políticas públicas

Com a instauração na nova constituição brasileira, de 1988, onde buscou-se atribuir uma maior autonomia aos Estados e Municípios do país, as políticas habitacionais também seguiram este modelo, no período anterior (1930 – 1985), as políticas públicas voltadas para o campo da habitação social eram centralizadas pelo Gover-no Federal que repassava a partir de diversos acordos as verbas para as cidades e estados que viriam a receber tais políticas. Neste momento, os próprios municípios e estados serão os protagonistas nestas políticas habitacionais, como exemplo temos em São Paulo o “habitação social em São Paulo no governo Erundina (1989/1992) e o Programa Novas Alternativas, no Rio de Janeiro, criaram re-ferências inovadoras, restabelecendo o vínculo entre arquitetura e habitação.” (BONDUKI, 2011).

Dentro do Governo de Fernando Henrique Cardoso, dois pro-jetos foram desenvolvidos para as políticas públicas habitacionais, porém, sem resultados expressivos em relação ao dé!cit habitacio-nal e a qualidade das habitações fornecidas. Os programas “Ha-bitar Brasil” e o “Morar Município” vão utilizar recursos do FGTS e também do OGU (Orçamento Geral da União), porém, como já relatado anteriormente, em um período de ajustes institucionais e orçamentários, e principalmente com a chegada do “Plano Real”, os recursos enfrentam obstáculos para serem utilizados nas políticas. Nas palavras de Adauto Cardoso:

“Todavia, esse processo sofreu forte in"uência do ajuste

!scal promovido pela adoção do Plano Real, o que levou

a uma expansão limitada dos investimentos habitacionais.

A di!culdade de expansão do "uxo de recursos para a mo-

radia deveu-se, por um lado, à alta sensibilidade do FGTS

à crise econômica6 e também à política de contenção de

despesas, que passa a ser largamente utilizada pelo gover-

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

59

no como estratégia de enfrentamento do dé!cit público.”

(CARDOSO, 2008)

Nas palavras do autor !ca clara a postura neoliberal de conter gastos da esfera pública a partir da ausência em esferas de interesse público, dos mais pobres. Em contrapartida, o mercado imobiliário continuará fornecendo e ditando as cartas dentro do setor. Para demonstrar isso, o autor nos trás uma série de dados que mostram a atuação destes programas no período entre 1995 e 1998. Onde os programas ligados ao setor privado, que buscam atender a de-manda das classes médias, vão superar as metas (163% de famílias atendidas pelo Habitar-Brasil) e 272% (Carta de Crédito), enquanto que o programa Pró-Moradia, voltado para as classes populares não ultrapassarão os 70% da meta de famílias atendidas para o período. (CARDOSO, 2008).

Outro autor que analisa os programas Habitar-Brasil, Pró-Mo-radia e a Carta de Crédito na época é o professor Cláudio Hamilton M. Santos. Para ele, as diferentes fontes de !nanciamento dos pro-gramas serão a chave para entender porque um rendeu mais que o outro, a!rma ele:

“Embora bastante parecidos, os programas aqui focados

apresentam algumas diferenças importantes. A principal

diz respeito a suas fontes de recursos. Enquanto o Habi-

tar-Brasil é !nanciado com recursos do Orçamento Geral

da União (OGU), o Pró-Moradia é !nanciado por um fundo

gerado a partir de contribuições mensais compulsórias dos

trabalhadores empregados no setor formal da economia, o

Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). A princi-

pal implicação desse fato é que, ao contrário dos !nancia-

mentos concedidos com recursos orçamentários (que não

precisam ser repostos), os !nanciamentos concedidos com

recursos provenientes do FGTS têm necessariamente de ser

ressarcidos a !m de evitar o seu esgotamento. Isso faz que

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

60

as exigências !nanceiras (notadamente quanto à capaci-

dade de pagamento de estados e municípios) para a apro-

vação dos !nanciamentos para o Pró-Moradia (que utiliza

recursos do FGTS) sejam muito mais rígidas do que para o

Habitar-Brasil, dado que os seus !nanciamentos (que uti-

lizam recursos do OGU) são concedidos a fundo perdido.

Essa é a principal razão, apontada pelo próprio governo,

para a diferença de desempenho dos dois programas. Ao

contrário do Habitar-Brasil, o desempenho do Pró-Moradia

!cou abaixo do esperado, e houve sobra de recursos por-

que grande parte dos municípios brasileiros (notadamente

nas regiões mais pobres do país) não tem condições de

atender às exigências !nanceiras para a participação no

programa.” (SANTOS, 1999)

No segundo mandato do presidente FHC, um programa vin-culado a Caixa Econômica Federal, chamado PAR (Programa de Arrendamento Residencial), também utilizando recursos do FGTS e do Orçamento Geral da União vai buscar atender a demanda ha-bitacional das classes populares, através do !nanciamento do setor privado que enviaria projetos de empreendimentos para receberem o !nanciamento da CEF. Programa que se assemelha bastante a maneira como o programa “Minha Casa, Minha Vida” atua hoje em dia. Em sua análise sobre o funcionamento e abrangência do programa, o autor Adalto Cardoso a!rma:

“Do ponto de vista institucional, governos municipais e es-

taduais participam através do cadastro e seleção prévia dos

adquirentes e eventualmente através da doação de terrenos

e na redução de exigências urbanísticas, visando redução

de custos. Com base neste cadastro, empresas privadas or-

ganizaram empreendimentos e receberam os !nanciamen-

tos diretamente da CEF11. Embora tenha contribuído para

atender uma parcela importante da demanda habitacional, o

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

61

programa tendeu a se concentrar na franja superior da faixa

de renda pretendida.” (CARDOSO, op. Cit.)

3.2 - O projeto “Minha Casa, Minha Vida”, suaespacialidade no Rio de Janeiro e sua relação como a expansão do capital imobiliário

No início do século XXI, algumas modi!cações dentro da legisla-ção brasileira, como a aprovação do Estatuto das Cidades em 2001, assim como o surgimento do Ministério das Cidades, em 2003, vão iniciar um novo ciclo de investimentos e programas de políticas públicas voltadas para o setor de habitação social.

O Estatuto das Cidades, projeto de 1988 que só foi aprovado 13 anos depois de seu surgimento veio com o principal ponto positivo a necessidade e obrigatoriedade de que todo município (com mais de 20 mil habitantes) deve contar com um plano diretor, que deve ser capaz de organizar, !scalizar e gerir o solo urbano das cidades, também previa uma maior participação popular nas tomadas de decisões sobre as cidades, contendo um capítulo (cap. IV) somente para este ponto, onde a gestão democrática da cidade é entendida como papel fundamental na construção de uma cidade com maior justiça social, ambiental etc.

Em 2003, o surgimento do Ministério das Cidades, já durante a “Era Lula” fez com que uma ampla instituição do poder execu-tivo se voltasse para as demandas urbanas, num processo que já caminhava desde a Constituição de 1988 e havia sido alimentado pela criação do Estatuto das Cidades em 2001. Porém, devido a subordinação tanto da Caixa Econômica Federal, quanto dos re-cursos do FGTS em relação ao Ministério da Fazenda, acabam por fazerem do Ministério das Cidades, uma instituição que não tem capacidade de gerir programas habitacionais. De acordo com Nabil Bonduki:

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

62

“Apesar do avanço que representou a criação do ministé-

rio, é necessário ressaltar que uma das suas debilidades é

sua fraqueza institucional, uma vez que a Caixa Econômica

Federal, agente operador e principal agente !nanceiro dos

recursos do FGTS, é subordinada ao Ministério da Fazenda.

Em tese, o Ministério das Cidades é o responsável pela ges-

tão da política habitacional, mas, na prática, a enorme capi-

laridade e poder da Caixa, presente em todos os municípios

do país, acaba fazendo que a decisão sobre a aprovação dos

pedidos de !nanciamentos e acompanhamento dos empre-

endimentos seja sua responsabilidade.” (BONDUKI, 2008)

Em 2005 surge o PlanHab, Plano Nacional de Habitação, um desdobramento de reuniões dos Conselhos das Cidades, provenien-tes do Ministério das Cidades, onde busca-se a criação de um arran-jo que de suporte institucional, de governo, processual e !nanceiro para o setor da habitação social. De acordo com a cartilha do pró-prio PNH, o que busca-se com a criação deste plano:

“O PlanHab tem como objetivo estruturar uma estratégia

para enfrentar a questão habitacional e urbana, um dos

mais dramáticos problemas sociais, buscando articular

uma política de inclusão com o desenvolvimento econômi-

co do país. as necessidades de habitação nos próximos 15

anos, horizonte temporal do PlanHab, atingem cerca de 35

milhões de unidades habitacionais, uma dimensão signi!-

cativa, que agrega o dé!cit acumulado e a demanda futura,

gerada pela formação de novas famílias.” (Plano Nacional

de Habitação, 2010)

Dentro das políticas do PlanHab, temos o Programa “Minha Casa, Minha Vida”, um grande projeto que articula o Governo Fede-ral, com as demais esferas de governo, assim como o capital imobi-liário e por último, os cidadãos, principalmente os de baixa renda.

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

63

Uma citação importante, presente na própria cartilha do programa nos demonstra o seu objetivo inicial e o!cial:

“A meta é ambiciosa: construir um milhão de habitações,

priorizando famílias com renda de até 3 salários mínimos,

mas que também abrange famílias com renda de até 10 salá-

rios mínimos. Isto só será possível com uma ampla parceria

entre União, estados, municípios, empreendedores e movi-

mentos sociais. Trata- se de um esforço inédito em nosso

país, mas necessário e viável.” (Caixa Econômica Federal,

Governo Federal)

Analisando os dados disponibilizados pela própria CEF em suas publicações relacionadas ao programa “MCMV”, veremos que o dé!cit habitacional por renda, é bastante elucidativo. O dé!cit habitacional identi!cado segundo a faixa de renda para as famílias de 0 a 3 salários mínimos, é de 90,9%, para as famílias entre 3 e 5 salários mínimos, 6,7% e em relação as famílias com renda entre 6 e 10 salários mínimos, apenas 2,4%. Sendo assim, a prioridade não poderia ser outra, a necessidade de provisão de moradia de quali-dade dentro das cidades brasileiras, para as famílias até 3 salário mínimos é um problema de toda a história das políticas públicas habitacionais no país.

Em relação aos papéis atribuídos a cada ator dentro do pro-grama, podemos fazer um pequeno quadro explicativo, resumindo suas funções:

-União: Financiadora do programa e analisadora de projetos;

-Estados e municípios: Cadastramento da demanda e seleção

das famílias a partir do cadastro único;

-Construtoras e incorporadoras: Apresentação de projetos

para às superintendências regionais da CAIXA. Podendo ha-

ver parcerias com Estados, municípios, cooperativas, movi-

mentos sociais ou independentemente;

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

64

-Caixa Econômica Federal: Analise simpli!cada, contratação

dos projetos, acompanhamento da execução do projeto, libe-

ração de recursos nos prazos devidos e comercialização das

habitações quando prontas.

Estas diferentes atribuições que interconectam o poder público em suas diferentes esferas e o poder privado, principalmente o ca-pital imobiliário, vão traçar o real cenário do programa Minha Casa Minha Vida, dentro da cidade do Rio de Janeiro. Cenário este, bas-tante diferente e menos contagiante do que os discursos lidos e ana-lisados nas cartilhas, cadernos o!ciais, propagandas dos programa.

Na cidade do Rio de Janeiro, dentro do programa “Minha Casa, Minha Vida”, entre os anos de 2009 e 2011, passaram pela SMU da prefeitura, 272 projetos relacionados, totalizando 57.479 unidades habitacionais. Das quais 67,27% localizam-se na Área de Planeja-mento 5, enquanto que na AP 2, não passa de 0,37% das unida-des do programa. Em relação a faixa de renda, dos 272 projetos aprovados pela SMU, apenas 29,42% atendem as famílias entre 0 e 3 salários mínimos, sendo mais de 40% para famílias entre 3 e 6 salários e 25% famílias entre 6 e 10 salários mínimos. Con!ra os mapas s tabelas abaixo:

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

65

Figura 1: Divisões Administrativas da Cidade doRio de Janeiro (Áreas de Planejamento)

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

66

Tabela 1: Programa “MCMV” por Área de Planejamento (anos 2009 – 2011)

MCMV-RJ 2009 2010 2011 Total p/ AP Total (%)

AP – 1 2 0 11 13 4,77

AP – 2 0 0 1 1 0,37

AP – 3 7 31 9 47 17,27

AP – 4 8 8 12 28 10,29

AP – 5 41 122 21 183 67,27

Total 58 161 53 272 100

Unidades 19560 28551 9368 57479 100

Fonte: SMU – Sistema de Licenciamento e Fiscalização – SISLIC: Assessoria de

informações Urbanísticas – U/CGPU/AIU

Tabela 2: Programa “MCMV” por enquadramentode renda (Anos 2009 – 2011).

MCMV – RJ 2009 2010 2011 Total renda Total (%)

0 a 3 salários 24 49 7 80 29,42

3 a 6 salários 9 90 13 112 41,18

3 a 10 salários 4 8 1 13 4,77

6 a 10 salários 18 16 34 68 25

Total 58 161 53 272 100

Fonte: SMU – Sistema de Licenciamento e Fiscalização – SISLIC: Assessoria de

informações Urbanísticas – U/CGPU/AIU

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

67

Figura 2: Programa “Minha Casa Minha Vida”– Famílias de 0 a 3 salários

Figura 3: Programa “Minha Casa Minha Vida” – Famílias de 3 a 6 salários

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

68

Figura 4: Programa “Minha Casa Minha Vida”– Famílias de 6 a 10 salários

Neste sentido, analisando os dados das tabelas, assim como a espacialidade contraditória e didática do programa “Minha Casa, Minha Vida” podemos tecer críticas e comentários sobre tal atuação do programa em relação a ampliação do mercado imobiliário, assim como sua expansão para novas áreas de mercado.

A demanda solvável do mercado imobiliário, por sua vez, vai ocupar os solos mais caros da cidade, ao contrário do que fora analisado na espacialidade do programa do Governo Federal. Não que os imóveis do Programa “Minha Casa Minha Vida” não sejam rentáveis, pelo contrário, com a alta demanda e do dé!cit habita-cional da cidade que ultrapassam 1.390.000 domicílios. Apresen-tando um crescimento de 27,5% em relação aos domicílios em condições subnormais desde o ano 2000. Os empreendimentos são lucrativos para as construtoras, a!nal são !nanciados com dinheiro público e comercializados em alguns casos pela própria iniciativa privada.

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

69

Tabela 3: Crescimento populacional (total e da população favelada)da cidade do Rio de Janeiro 2000 - 2010

Rio deJaneiro

2000 2010Diferença

2000 - 2010Crescimento

(%)

População Total

5.857.904 6.288.588 430.684 7,35%

População residente em

domicílios particulares ocupados

em aglome-rados sub-

normais

1.092.476 1.393.314 300.838 27,5%

Fonte: Censo demográfico, IBGE 2010.

Tabela 4: Lançamentos imobiliários residenciais, empreendimentose unidades – Município do Rio de Janeiro (2007 – 2010)

Ano Empreendimentos Residenciais Unidades

2007 88 12591

2008 54 10106

2009 63 10663

2010 103 16787

Total 308 50147

Fonte: ADEMI, Relatório Anual e Relatório Mensal - 2010,via internet: http://www.ademi.webtexto.com.br/index.php3

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

70

Tabela 5: Total de Empreendimentos e Unidades doprograma “Minha Casa, Minha Vida” e de lançamentos residenciais

do capital imobiliário no Rio de Janeiro

Total Total Empreendimentos Total Unidades

Minha Casa, Minha Vida(2009 – 2011)

272 57479

Lançamentos Privados(2007 – 2010)

308 50147

Fonte: SMU e ADEMI

Se considerarmos a espacialização do programa do Governo Federal dentro da cidade do Rio de Janeiro e contrapormos aos lançamentos imobiliários exclusivos do setor privado, podemos ob-servar uma produção espacial dual e contraditória. Como escrevi em um artigo relacionado a expansão do capital imobiliário para a região da Barra da Tijuca, apresentado no Encontro Nacional de Geógrafos de 2012, em Belo Horizonte:

“uma onde os lançamentos de “luxo” eclodem pelos mais

variados bairros que se valorizam, à medida que os inves-

timentos principalmente públicos vão crescendo no local.

E outra onde os bairros geralmente recebem os projetos de

habitação do governo em parceria com o capital privado ca-

recem da falta de investimentos em infraestrutura e serviços

urbanos, causando a desvalorização futura e precarização

da qualidade de vida na cidade.” (RAMOS, 2012)

3.3 – Condomínios “Minha Praia I, II e III”;

David Harvey, em seu livro “A produção capitalista do espaço”, nos trás uma de!nição interessante que se enquadra perfeitamente no

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

71

estudo do surgimento e crescimento do bairro da Barra da Tijuca e seus atuais con"itos decorrentes deste acumulo de contradições e transformações socioespaciais.

“a natureza desigual da acumulação capitalista concebe um

espaço ambíguo, que, ao mesmo tempo que se pretende uni-

versalizante, produz desigualdades e assimetrias, tensões e

con"itos. Tais contradições do capitalismo se revelam na for-

mação e na recon!guração do espaço e são, portanto, ele-

mentos a serem observados” (HARVEY, 2005)

Na década de 1960, o grande bairro da Barra da Tijuca que hoje ostenta um status como um dos mais caros e so!sticados bair-ros da metrópole carioca, era antes, abrigava uma grande restinga, contendo algumas fazendas que faziam parte da baixada de Jacare-paguá. Paralelamente, a Zona Sul já se apresentava como o núcleo do alto padrão de vida do Rio de Janeiro, que não contendo seu rá-pido crescimento e desenvolvimento, sendo necessária a expansão deste modelo para as localidades próximas ainda não urbanizadas.

Uma grande obra do governo, a abertura da auto estrada La-goa – Barra, foi a principal indutora do processo de urbanização de alto padrão pelo capital privado. Nota-se, portanto, que no início do processo de urbanização do bairro, diferentes agentes produtores do espaço agiram de forma articulada, com as práticas intervencionistas do Estado, grande precursor da chegada dos diferentes capitais priva-dos. Abreu nos trás uma contribuição valiosa a este respeito:

“Em segundo lugar, levou a um processo intenso de espe-

culação imobiliária que, logrando êxito, determinou a ex-

pansão da parte rica da cidade em direção a São Conrado e

Barra da Tijuca, contando, para isso, com a ajuda decisiva

do Estado. Data do !m da década de 60 a construção da

primeira etapa da auto-estrada Lagoa-Barra, um investi-

mento caríssimo que inclui a perfuração de vários túneis e

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

72

a construção de um trecho em pistas superpostas encrava-

das na rocha.” (ABREU, 2008).

A respeito destas relações entre Estado e capital privado no processo de expansão do urbano carioca, !naliza o autor, “De fato, a preparação desta novíssima ‘zona sul’ pelo Estado, em associa-ção com o capital privado, vem reeditar, no !m do Século XX, um comportamento antigo, já conhecido dos cariocas desde o século anterior.” (ABREU, 2008). A lógica observada neste bairro atualmente em sua dinâmica espa-cial é fruto de um processo maior, para além da escala dos bairros, tais ações são resultados de um modelo político implantado à partir da década de 80 nas cidades capitalistas, onde estas passaram a se organizar e a agir como empresas, em busca de investimentos, capitais, grandes eventos esportivos, culturais, políticos etc.

Uma reestruturação produtiva, que envolve, primordialmente os capitais imobiliários e fundiários, em detrimento de outras reestru-turações produtivas urbanas, que tinham como principais indutores as indústrias e seus modos de produção. Nesta nova reestruturação, o empresariamento urbano lidera as ações dentro do espaço urbano, contaminado pelas lógicas do clientelismo, patrimonialismo e do cor-porativismo (RIBEIRO, 2011). Essas três lógicas são trabalhadas pelo autor, que as de!ne como sendo o “esquartejamento” da máquina pública, que passa a funcionar dentro das lógicas citadas.

Participam deste complexo de relações, ONGS, que em alguns casos utilizam dinheiro público para realizar serviços que deveriam ser prestados pela própria esfera públicas. A exploração, por parte de grupos ilegais de serviços básicos urbanos, como no caso das vans, no subúrbio e do comércio ambulante, ambos partes impor-tantes do circuito econômico subterrâneo de nossas grandes cida-des. As empreiteiras de obras públicas, concessionárias dos servi-ços públicos, como por exemplo, o setor dos transportes coletivos, assim como também o mercado imobiliário, formam uma verdadei-ra coalizão mercantil, voltada para a acumulação de capital.

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

73

De fato, esta competição entre as “cidades-empresas”, não pri-vilegia as necessidades de suas populações, já que seus interesses estão voltados para a “venda” da cidade para os que podem inves-tir nela, para as grandes organizações mundiais FIFA, COI, para o capital imobiliário, numa espécie de “feira” do solo urbano, onde não são respeitados quase nenhum limites monetários, sociais, am-bientais (VAINER apud. PRADO, 2011).

Atualmente a Barra da Tijuca continua sendo o grande bair-ro receptor dos maiores investimentos públicos em infraestrutura para ocupação do solo, por possuir ainda um grande potencial especulativo devido a sua extensão e localização. Estão em curso obras como as rodovias “Transoeste”1 e “Transcarioca”2 que visam interligar pontos da cidade, ao bairro, atendendo principalmente os interesses da especulação, tendo em vista que 80% dos "uxos de transporte, por viagens feitas pelos cariocas, são em outra di-reção. Seus limites foram alterados conforme o adensamento do tecido urbano pela orla, chegando aos anos 2000, a se interiorizar para os limites do subúrbio, onde se localizam diversas favelas que surgiram junto ou até mesmo anteriormente ao bairro da Bar-ra da Tijuca.

Cidade de Deus, Rio das Pedras, entre outras, são exemplos de ocupações que surgiram na região em detrimento do surgimento e avanço da Barra da Tijuca. Por sua vez, estas áreas não são contem-pladas com os investimentos das esferas públicas, nem depois de rapidamente ocupadas, através da prática da autoconstrução irregu-lar, dando outro caráter espacial as favelas, mesmo as construídas inicialmente pelo poder público como conjuntos habitacionais e

1. Rodovia que liga Santa Cruz, Campo Grande a Barra da Tijuca, que contou com a abertura de túneis, remoções de comunidades pobres em diversos pontos da obra.

2. Rodovia que liga a Barra da Tijuca ao Aeroporto Internacional, na Ilha do Governa-dor. Com 38 km de extensão, a rodovia liga dois pontos distantes e quase sem cone-xão entre seus moradores, sendo assim, o projeto, que também conta com remoções de comunidades pobres, privilegia os interesses privados.

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

74

algumas em áreas de risco e quase sempre insalubres, sem sanea-mento básico e/ou acesso a água potável.

O evento “PAN 2007”33 mostrou este evidente crescimento para o interior do bairro, onde foram escolhidas áreas da fronteira perifé-rica para que fossem construídos a vila dos atletas, além de parques de competições como as arenas de basquete (atual Arena HSBC), de natação, dentre outros esportes. Bem próximo a estas instalações, que se localizam ao lado do Autódromo de Jacarepaguá, encontra-se a comunidade “Vila Autódromo” que ocupa o local há mais de quatro décadas, isto é, anterior aos processos de urbanização por parte do Estado e capitais privados.

Inicialmente composta por famílias de pescadores, que se aproveitavam da abundância de peixes da Lagoa de Jacarepaguá que na época, era totalmente limpa, a “Vila Autódromo” vive hoje uma época de intensas batalhas contra o poder público e contra o capital, que já forçam a saída da comunidade da região devido à “poluição visual” causada a uma área que é parte da “nobre” Barra da Tijuca. Seus moradores, através de uma associação, com muita luta e mobilização comunitária, além do engajamento de intelectuais das mais variadas áreas e de movimentos sociais, es-tão na luta para que a comunidade possa permanecer em seu lugar de origem, a!nal, ela é anterior a este processo devastador de urbanização e venda da cidade.

A uma distância de menos de 2 quilômetros da comunida-de, encontra-se a obra dos condomínios “Minha Praia I, II e III” pertencentes ao projeto habitacional do Governo Federal “Minha Casa, Minha Vida” de âmbito nacional, que conta com diversas unidades na cidade do Rio de Janeiro. Em sua maioria, como já relatado por esta pesquisa, são selecionados bairros de menor prestígio social e custo do solo mais baixos para alocação destes empreendimentos para as classes mais pobres, sendo quase to-

3. Jogos Pan-Americanos, Rio de Janeiro, 2007.

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

75

dos localizados nos subúrbios da Zona Oeste, principalmente nos bairros de Campo Grande e Santa Cruz.

A única unidade presente no bairro da Barra da Tijuca (na ver-dade localiza-se o!cialmente no bairro de Curicíca, Jacarepaguá, mas é vendido como Barra da Tijuca), por sua vez, poderia ser considerada um avanço, uma vez que trata-se de um condomínio destinado as classes mais populares sendo construído dentro de um bairro de alta atuação do mercado fundiário, especulativo, co-mercial, etc. Porém, a sua localização dentro da “Barra da Tijuca” é analisada como uma estratégia de ampliar ainda mais a fronteira para novos investimentos privados no bairro, isto porquê o em-preendimento se localiza além da “última fronteira”, que já fora ultrapassada outras vezes, entre os bairros da Barra da Tijuca e de Jacarepaguá, bairro de áreas pobres e classe média que abriga di-versas comunidades carentes, algumas controladas por milicianos.

O citado empreendimento, segue os moldes de um condomínio fechado do bairro em que se pretende se situar. Ou seja, perpetua-se a lógica da segregação e negação à cidade, devido aos serviços do dia-a-dia serem todos prestados dentro do próprio condomínio, não sendo necessária a locomoção de seus moradores para os en-tornos de seus condomínios para consumir serviços e produtos do cotidianos. Observamos com isso, a utilização de !nanciamento público, de um projeto vinculado com um programa habitacional de âmbito federal, que legitima toda uma lógica excludente de cida-de, além de servir como expansor da fronteira periférica do nome Barra da Tijuca.

Vale ressaltar ainda que, entre os condomínios e a Barra em si, existe uma vegetação remanescente que será em breve devastada para o surgimento de mais empreendimentos do capital privado visando a aplicação do nome “Barra da Tijuca” em áreas situadas a mais de 5, 6 quilômetros da orla da praia. Torna-se até irônico o condomínio ser nomeado como “Minha Praia I, II e III” devido a grande distância da orla da Barra da Tijuca. Algumas fotos para elucidar tais re"exões:

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

76

Figura 5: Shapes dos bairros oficiais da Prefeitura do Rio,Barra da Tijuca e Jacarepaguá.

Figura 6: Programa “MCMV” na baixada de Jacarepaguá.

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

77

Figura 7: Área de expansão do capital imobiliário“dentro” da Barra da Tijuca

Essas três imagens, vão nos dar a dimensão do debate aqui exposto sobre as diferentes estratégias de atuação dos diferentes agentes que participam desta disputa pela cidade e pela produção do espaço urbano, disputa que para alguns, é apenas poder per-manecer em seus lugares de origem, anteriores as disputas atuais.

O primeiro (mapa 5) diz respeito aos mapas dos bairros da ci-dade do Rio de Janeiro que demonstra claramente que a localização dos empreendimentos Minha Praia I, II e III estão FORA do territó-rio da Barra da Tijuca (ponto vermelho no mapa), do qual já esteve fora até a Vila Autódromo, que hoje em dia já se localiza “dentro” da fronteira do bairro.

O segundo mapa (mapa 6) mostra a ausência do programa “Mi-nha Casa, Minha Vida” na região da baixada de Jacarepaguá, que nos mostra os bairros de Vargem Grande, Vargem Pequena, Jacarepa-guá, Barra da Tijuca dentre outros. Os poucos empreendimentos que se localizam na região, além de serem afastados dos solos mais caros, destinados aos empreendimentos privados que não param de surgir

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

78

na região, são destinados as famílias entre 6 a 10 salários mínimos, ou seja, não atende realmente a população de baixa renda, a qual sofre com mais de 90% do dé!cit habitacional da cidade.

E por !m, um mapa elaborado por mim mesmo (mapa 7), no qual eu demonstro as áreas “vazias” que já estão sendo incorpora-das com o selo “Barra da Tijuca” e serão edi!cadas em breve, como já se pode observar na imagem de satélite, uma das áreas já consta com um uma abertura de ruas de terra, para o início do loteamen-to. E em azul a Vila Autódromo, localizada ainda mais próxima do “coração” da Barra da Tijuca.

Considerações Finais

O desenvolvimento deste trabalho, após quase um ano de pesqui-sas, vai nos evidenciar um cenário já bastante claro para o meio acadêmico que estuda as questões urbanas nas cidades brasileiras, e também para os próprios cidadãos cariocas, muitos dentro de movimentos sociais urbanos que se apropriam do discurso acadê-mico, além de serem percursores de conhecimentos decorrentes da própria prática de luta pela cidade, e outros, cidadão comuns que por mais que não se apropriem do discurso acadêmico ao ponto de reconhecerem de fato a desigualdade do espaço urbano carioca, são expostos no dia-a-dia a situações que vão comprovar tais con-tradições e analisa-las de maneira primordial, sentindo na pele, as desigualdades criadas e reproduzidas.

De fato, a ideia é levar ainda mais este discurso da cidade “par-tida”, das desigualdades socioespaciais para o maior número de pessoas possíveis, para que sejam evidenciadas tais con"itos e con-tradições e para que se possa de vez erradicarmos tais disparidades sociais que são, ao meu ver, nocivas para a vida urbana cada vez mais violenta, segregada, vazia de signi!cados lúdicos, sem uma apropriação de todos os citadinos com toda a cidade, se é que isso é possível em algum modelo urbano.

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

79

A partir das análises dos diferentes programas habitacionais no Rio de Janeiro, além de debates com outros pesquisadores que desenvolvem pesquisas sobre as políticas habitacionais pelo Bra-sil, podemos indicar que para além de habitacionais, as políticas públicas para habitação, são antes de tudo, políticas econômicas, visando diferentes interesses especí!cos de cada contexto histórico, geográ!co, político, social, econômico.

E atualmente, não vemos diferença, em um contexto onde o país passa por um momento de grandes investimentos internacio-nais, a construção civil é um dos setores da economia com mais pessoas empregadas, o que faz com que o país permaneça com uma taxa de desemprego baixa, além do mais, se tratando do programa “Minha Casa, Minha Vida”, além da geração de empregos “tem-porários” já que as obras não duram para sempre, a manutenção da lógica da cidade segregada permanece e se agrava, servindo o programa para a manutenção de uma lógica de (re)produção do espaço a partir dos interesses do capital imobiliário, representado pelas incorporadoras, construtoras, grandes proprietários fundiá-rios etc. Ficando a margem deste processo, porém não de maneira passiva, toda massa de cidadãos que não participam diretamente desta construção de uma cidade segregada, mas que lutam por seus direitos, pelo direito de permanecerem na cidade, e dela terem o necessário para uma vida digna, de qualidade.

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

81

Bibliografias

ABREU, Maurício de Almeida. A evolução urbana no Rio de Janeiro. 2.

Ed. Rio de Janeiro: IPLANRIO, Zahar, 1987.

____________. Sobre a memória das cidades. In: CARLOS, Ana Fani Ales-

sandri, SOUZA, Marcelo Lopes de, SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão

(org.) A produção do espaço urbano. São Paulo: Contexto, 2011.

ABRAMO, Pedro e FARIA, Teresa Cristina. Mobilidade Residencial na ci-

dade do Rio de Janeiro: Considerações sobre os setores formal e infor-

mal do mercado imobiliário. In XI Encontro Nacional de Estudos Popula-

cionais da ABEP. Minas Gerais, 1998.

ANDRADE, Manuel Correia de. A geogra!a e a sociedade. In: SOUZA,

Maria Adélia A. de, SANTOS, Milton, SCARLATO, Francisco Capuano, AR-

ROYO, Monica (org.) Natureza e sociedade de hoje: Uma leitura geográ!ca.

2. Ed. São Paulo: Hucitec, 1994.

ARRETCHE, Marta. A descentralização como condição de governabili-

dade: solução ou miragem? Espaço & Debates. S.Paulo, v.16, n.39, 1996.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Estatuto da Cidade – Lei n. 10.257 de

10 de julho de 2001, que estabelece as diretrizes gerais da política urbana.

BONDUKI, Nabil, KOURY, Ana Paula, MANOEL, Sálua Kairuz. Análise Ti-

pológica da Produção de Habitação Econômica no Brasil (1930 – 1964).

In 5º Seminário DOCOMOMO Brasil. São Carlos, 2003.

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

82

__________, Nabil. Da Vila Operária de Marechal Hermes ao Minha

Casa Minha Vida. Jornal O Globo online. http://oglobo.globo.com/rio/

da-vila-operaria-de-marechal-hermes-ao-minha-casa-minha-vida-2772888.

07/05/2011.

__________, Nabil - Política habitacional e inclusão social no Brasil: re-

visão histórica e novas perspectivas no governo Lula. Revista Eletrônica

de Arquitetura. Rio de Janeiro – RJ. ISSN 1984- 5766/ Nº 1-2008

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, Cartilha Minha Casa, Minha Vida, 2011.

CAMPOS, Andrelino. Do quilombo à favela – A produção do “espaço cri-

minalizado” no Rio de Janeiro. 2ª edição. Editora Bertrand Brasil, 2007.

CARDOSO, Adauto Lucio. Política Habitacional no Brasil: balanço e per-

spectivas. Site do Observatório de Metropoles, 2008.

CARLOS, Ana Fani Alessandri. A “Geogra!a Crítica” e a crítica da geogra-

!a. In: IX Coloquio Internacional de Geocrítica. Porto Alegre, 2007.

_______, Ana Fani Alessandri. Da “organização” à “produção” do espaço

no movimento do pensamento geográ!co. In: CARLOS, Ana Fani Ales-

sandri, SOUZA, Marcelo Lopes de, SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão

(org.) A produção do espaço urbano. São Paulo: Contexto, 2011.

CLAVAL, Paul. A Terra dos Homens: a geogra!a. Editora Contexto, 2010.

CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. Editora Ática, Série Princí-

pios, 1995.

ENGELS, Friedrich. A questão da habitação. São Paulo: Acadêmica, 1988.

FERNANDES, Nelson da Nóbrega y Alfredo César Tavares de OLIVEIRA.

Marechal Hermes e as (des) conhecidas origens da habitação social no

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

83

Brasil: o paradoxo da vitrine não-vista. Scripta Nova. Revista Electrónica

de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Bar-

celona, 1 de agosto de 2010, vol. XIV, nº 331 (87). <http://www.ub.es/

geocrit/sn/sn-331/sn-331-87.htm>. [ISSN: 1138-9788].

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1993.

GADELHA, Regina M. D’Aquino Fonseca. A lei de terra (1850) e a aboli-

ção da escravidão, capitalismo e força de trabalho no Brasil do século

XIX. In. Revista de História, São Paulo, n.º 120, jan./jul.1989.

HARVEY, David. A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Annablu-

me, 2005.

KOWARICK, Lúcio. A espoliação urbana. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

LEFEBVRE, Henri. Direito à Cidade. São Paulo: Centauro, 2008.

__________, Henri. Espacio y Politica. (1972) Barcelona, Peninsula, 1976.

__________, Henri. A Cidade do capital. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2001.

LIMA, Z. B. A questão da habitação. In: VIII Encontro Baiano de Geogra-

!a/ X Semana de Geogra!a da UESB, 2011, Vitória da Conquista. Questões

Epistemológicas: a prática social da geogra!a atual, sua relevância e con-

tribuição para a Bahia contemporânea, 2011.

MARICATO, E. Brasil 2000: qual planejamento urbano? In: Cadernos

IPPUR, vol XI n° 1 e 2, jan/dez 1997. Rio de Janeiro: IPPUR, 1997.

_________, E. Conhecer para resolver a cidade ilegal. Disponível em

www.usp.br Acesso em: novembro, 2012.

_________, E. Habitação e Cidade. São Paulo: Atual, 1997.

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

84

_________, E. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. 3 ed.

Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2008

MOREIRA, Ruy. Pensar e Ser em Geogra!a. 1999.

Plano Nacional de Habitação. Versão para debates. Brasília: Ministério

das Cidades/ Secretaria Nacional de Habitação Primeira impressão: Maio

de 2010.

RAMOS, Edgar de A. R.. A expansão do capital imobiliário e a relação

com Projeto “Minha Casa, Minha Vida” na metrópole carioca. In: XVII

Encontro Nacional de Geógrafos, Belo Horizonte, 2012.

RIBEIRO, Luiz Cézar de Queiroz. Resenha de Origens da Habitação Social

no Brasil: Arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa

própria BONDUKI, Nabil. In: R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS No

1 / MAIO 1999.

_______, Luiz Cesar de Queiroz. Desa!os da questão urbana. In: Revista

Le Monde Diplomatique Brasil, Edição de Abril, 2011.

_______, Luiz C. Q. & CARDOSO, Adaulto L. Plano Diretor e Gestão De-

mocrática da Cidade In, RBEIRO, Luiz C. Q. & CARDOSO, Adaulto L. (org.)

Reforma Urbana e Gestão Democrática: promessas e desa!os do Estatuto

da Cidade. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2003.

RODRIGUES, Arlete Moisés. Moradia nas cidades brasileiras. São Paulo:

Contexto, 1990.

SANTOS, C. H. M. Políticas Federais de Habitação no Brasil: 1964/1998.

In: INEA – Textos para discussão Nº 654. Brasília, 1999.

SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emo-

ção. Hucitec, São Paulo, 1996.

E D G A R D E A L M E I D A R I O S R A M O S

85

_______, Milton. Metamorfoses do Espaço Habitado, HUCITEC, São Pau-

lo, 1988.

_______, Milton. Espaço e Método, Nobel, São Paulo, 1985, (3ª edição: 1992).  

_______, Milton Por uma geogra!a nova, HUCITEC-EDUSP, São Paulo, 1978.  

_______, Milton. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI

/ Milton Santos, María Laura Silveira. – 1ª ed. – Editora Record, Rio de

Janeiro, 2001.

SOUZA, Angela G. Limites do habitar: segregação e exclusão na con!-

guração urbana contemporânea de Salvador e perspectivas no !nal do

século XX. Salvador, EDUFBA, 2000.

SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a Cidade. Rio de Janeiro. Bertrand Bra-

sil, 2001.

________. ABC do desenvolvimento urbano. Rio de Janeiro: Bertrand

Brasil, 2010.

VAINER, Carlos. Cidade de Exceção: re"exões a partir do Rio de Janeiro, 2011.

VAINER, Carlos. Apud. PRADO, Débora. Copa e Olimpíadas: o que real-

mente está em jogo? In: Revista Caros Amigos, no 168, 2011.

VALENÇA, Márcio Moraes.  Globabitação. Sistemas habitacionais no Bra-

sil, Grã-Bretanha e Portugal. São Paulo: Terceira Margem, 2001.

TROMPOWSKY, Mário. A FCP – Fundação Da Casa Popular e a implanta-

ção de uma política habitacional no Brasil: o processo de uma experiên-

cia governamental no campo da habitação popular. In: Anpur Seminário

de História da Cidade e do Urbanismo - Sessão temática 4 “Políticas Públi-

cas e Instrumentos do Urbanismo”. 2004.

M I N H A C A S A , M I N H A V I D A

86

Sites Visitados

http://www.ademi.org.br/ <Acesso em dezembro, 2012>

http://www.em.ufop.br/ceamb/petamb/cariboost_!les/cartilha_estatu-

to_cidade.pdf <Acesso em janeiro, 2013>

http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNH/ArquivosPDF/

Publicacoes/Publiicacao_PlanHab_Capa.pdf <Acesso em janeiro, 2013>

http://www.adh.pi.gov.br/caderno_habitacao_minha_casa_minha_vida.

pdf <Acesso em agosto, 2012>

http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/ <Acesso em dezembro, 2012>

Este livro foi composto em ITC Slimbach pelaEditora Multifoco e impresso em papel pólen so! 80 g/m".