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Livro - Para Todos Que Perderam Tudo (de Flávio Matos e Maick Thiago Lenin)

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PARA TODOS QUE

PERDERAM TUDODe Flávio Matos &

Maick Thiago Lenin (MaicknucleaR)

A Teoria dos Gatos PardosEditora Independente

© 2014 MaicknucleaR/AltacasATodos os Direitos Reservados

Copyright © 2014 MaicknucleaR

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LAPSOS HORRENDOS NA ANALOGIA DIMENSIONAL, ESPAÇO E TEMPO *** 1 ***

Beira da rodoviaL: -23,4793398L: -46,5620908

*** 2 ***Terminal de cargas

L: -23,4855259L: -46,5639373

*** 1 ***Dor espiritual macabra.Meu mundo inteiramente bagunçado. Um dominó infernal.Deletérios de um baralho marcado. A vida nas lentes dementes, na

era dos letrados blasés e cheirosos, pomposos e retarda(o)tarios mentais.Necessito vomitar minha alma para afogar o capeta. Deus me salve. Aceite como penitência essa punheta. Que se reúnam à fila dos amaldiçoados por minha honestidade e bebam esse sêmen que é minha dor, engenho e sabedoria. A vergonha dos eruditos, o flagelo do mundo, o conhecimento frio e fundo dos quintos, sextos e sétimos do inferno na Terra. Boa noite, eu sou o anfitrião de sua queda. Sejam bem-vindos ao pesadelo com sabor de asfalto que lhes apresento. O quinto movimento da minha sinfonia carniceira da decomposição de suas ideias anteriores. Preparem-se, não serei gentil. Seus olhos e genitais jamais serão os mesmos.

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*** 2 ***Estou há duas horas tomando essa sopa de vidro moído na filial

cármica do pesadelo e suas terminações bélicas anti-humanas. Nestamaldita antessala do esquartejamento anímico. Morada putrefata dopéssimo augúrio. Sucursal do autodegredo angelical... Bem, pode até seruma descrição exagerada desta fétida boca de lobo no qual submergisorrateiramente com todos os meus sonhos, sentimentos e aspirações,mas não há definição melhor para quem está com a cara atolada na lamada perdição. Na amálgama pútrida onde a desilusão dá uma festa furadade quinze anos onde você é o escopo caótico e único convidado e amelhor atração desta pegadinha divina são os penetras que mijam emsua cara enquanto você lambe o cu do demônio, ali, sem forças, nasarjeta, sem jazz e mutuamente os draconianos generais da desordemperturbadora transmitem via web sua desmotivação ao cavar uma covarasa no fundo deste poço nada lírico. Quisera eu ser pior neste retratomalfalado de inexistência humana que ao se defrontar com o inferno,não esboça nada mais que um sorriso insalubre, sardônico e suicida.Atravessa a rua, tresloucado, sem ver a hora, pois os lapsos em seutempo no espaço são frutos de uma insônia descomunal que se perpetrajunto a sua hedionda e laboriosa vida de merda. Voltando ao sórdidosalão da exposição imoral do julgo alheio ele aperta o gatilho, mas nemnisso tem sorte. A porra da arma trava. Jonatan adentra o recinto epergunta o que ele faz com aquela 357 e ele apenas responde: “Estavalustrando-a com cera de ouvido, mas só encontro sangue em minhaorelha”.

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*** 1 ***As vagas promessas de sono facilmente conciliado há muito

perderam os matizes da pureza e o fino engenho da verdade, do quetalvez fosse belo e pudesse, mesmo que de leve, tocar a frágil superfícieda paz. Noite após noite, deitado, descoberto, naveguei em meu própriosuor, atirado de pesadelo em pesadelo até sentir o baque surdo dodespertar abrupto na escuridão total. Assombrado pelas memóriascruéis de amor e remorso formando um carrossel do qual não pude hámeses descer. Um vasto bestiário reside entre as cortinas, atemorizandoa vigília cega neste quarto, neste infinito claustro pleno de frio e dor, dedemoníacas descobertas. A náusea me ataca sempre de surpresa até opróximo desmaio e desvario. A saliva espessa escorre dos meus lábios,debilmente, pendente enquanto me agarro ao cesto de lixo que se tornamais pesado pelo volume do fétido líquido. Pela manhã me sinto umherege aborto da aurora. Expulso sem vida de seu útero a cada nascer doSol. Seus primeiros raios varam as persianas dilapidadas como navalhasdouradas de luzes impressas na parede, avançando vagarosamente como passar do tempo até tocarem minha pele. Com os inchados olhosentreabertos vejo pequenos rubis gotejarem lentamente de meuantebraço arruinando mais um lençol branco.

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*** 2 ***Bebo ácido na fonte dos devaneios. O nariz verte bactérias que

surfam no sangue exangue por onde corre minh'alma combalida,constipada, de relações congestionadas com a selvageria deste mundoperfeito e feliz. Não austral. Nem aurora. Apenas este protocolo insossodos sábios incultos nos botecos da conspiração. Os conchavos ocultosque fecham portas para a terra prometida de garotas e drogas. Noitesinfindas e talk-shows debiloides nos écrans da vaidade.

A geoengenharia causadora da intempérie. O trovão no tempo secoe seus raios de vicissitude: Para todos que perderam tudo. Da alma àfamília. Do amor ao sustento. Do rim à oportunidade dos sonhos e quehoje lambem o asfalto sujo que fica a centímetros do tapete vermelhoque leva à desejada Sião carnal. Prazeres de artifício. Fogos de verdade.Strip tease, drinques e alguns livros raros. Coca, fodas e a equação dasinfonia absurda de quem toca um violino desafinado nos escanteios davida. Nos zeros à esquerda da linha imaginária chamada margem social.

Isto não é um lamento. Não é um drama fabricado na China. Nemchega a ser um cântico aos excluídos. Trata-se da exposição não burlescada corrupção não metafórica que degrada os não aceitos pela novaordem social industrializada em seus moldes de plástico fraco e popstarsdescartáveis. É o gemido sincero de quem sente a dor pulsante no fígado.Da leva insone que venceu todas as batalhas, mas cansou-se da guerra eprocura o botão ao lado do banco para poder se ejetar.

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*** 1 ***O navio partiu sem nenhum de nós. Ainda abraçados pelo cheiro de

pólvora da mais pungente solidão. O asfalto molhado tinha o sabor dosanos inglórios de injúrias mal arquitetadas, de penúrias sem conta. Ossonhos certos não foram ainda sonhados. As visões de redenção nãoforam até agora vistas. Deixados à mercê do monstro de concreto, aço evidro, teatro de chão quadriculado e castiçais soturnos, das cortinasmofadas e do amálgama de odores de guerra. Cheiro do suor da plateiatransitando pelas calçadas, reflexos decadentes de querubins natimortosrolando pirâmide abaixo. Havia fogo, urros de dor e coroas de espinhoscom nossos nomes em etiquetas chiques naquela noite. O navio partiusem nenhum de nós, sumindo dentro da névoa, nos deixando desoladose necrófagos na íris do ânus do inferno. A morte pelo fogo, fome ou pelafoice dançava ao redor em passos macios, em compassos sombriostemperados pelo guinchar dos ratos, pelo adejar das asas dos maisimundos pombos e as risadas estridentes das putas mais escrotas que ametrópole falhou em abortar. Um dia, no passado, a luz da Lua nosenchia como cálices, difusa e magnífica, mas não hoje; não mais.

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*** 2 ***Nem o cúmulo de todos os seus medos podem destilar em

proporções homeopáticas as insignes inconstâncias de não se ter o queprocura. Certamente um primeiro ato repetido inúmeras vezes em umlapso temporal que dobra o manto do espaço-tempo em fatos dolorososrecorrentes enquanto a barba cresce, a melanina enfraquece e o cabelobranco aparece. É como se fosse a operação do erro. A manipulaçãomaior dos fatos vitais. Como se decrépitos senhores iluminados sentadoscom o reto no topo de uma pirâmide maligna, sob influência demalévolos seres interdimensionais, transformassem todas as nossastentativas em ilustres fiascos. Como se todas as bolas que chutamos emdireção ao gol fossem magneticamente desviadas em direção à trave, emnome de algumas sórdidas apostas. Um vasto portfólio cujos méritos sãocursos presenciais, empíricos, na danação desta dolorosa vida. Pois oprimor há muito fora morto. A futilidade e a maquiagem, ou seja, oreboco que esconde a podridão das almas em decomposição há muitoestão em voga. Isso é confirmado com consumo, marcas e produtos quesão feitos de tapete de esconder sujeira, demência e a pequenez dosseres. O artista já não faz mais arte, faz conluio, conchavo, confraria,paga doses de bourbon em portas de teatros para comprar seus minutosde fama ou um boquete malfeito em um banheiro imundo.

Não. Não caprichei na prosa poética. Nem deveria. Vocês estãomuito mal-acostumados. Querem sugar de mim toda a miríade criativaque pilhas de seus clássicos e estudados textos não puderam lhe prouvernesses séculos de textolatria... O que vale mais: a primazia ou o poderdos que têm tentáculos de influência, que faz qualquer babaca chegar aotopo? Bom. Sabemos a resposta. Seu livro de cabeceira deve ser fraco,mas o sistema de coisas que rege o planeta doutrinou muito bem osmacaquinhos cult para acreditar que qualquer coisa que atinja “fama” éprimor. E sim. Fui lá. A reunião era na Vila Olímpia e o professor, querdizer, a cheia de preconceitos “professora” de Literatura da Universidadeda Cidade quis me diminuir. Expôs, à mesa, conhecimentos mil. Viagensa países interessantes. Histórias dignas das aventuras de Tintim, masquando lhe pedi seu texto, percebi que ele era digno de limpar bundas.Pobre homem que leva rola no cu. “Professor”. Seu texto era tão pífioquanto sua ufania sem sal. Via-se em seus olhos o medo. Notava-se otravar epilético de todas as suas funções motoras diante das dez linhasque lhe mostrei do meu texto. Era o peso de mil mares contra umplâncton viajado, contador de história, professorzinho de literatura de

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merda que se dizia discriminado só por que dava seu cu gordo e tentavame rebaixar a qualquer custo por eu ser de um bairro pobre e não gozarda mesma dialética pra boi dormir. Bem. Convivam com isso. E ressalto:esta é para todos que perderam tudo. E agora sou um tipo de vingadorespumando loucura e ódio que veio lhe abater simplesmente dizendoisto: estamos na lama. Não temos amigos, mulheres, dinheiros, viagensdignas de Tintim e uma estante abarrotada de poeira, nem cartazes comnossos rostos em portas de teatro. Não falamos bosta em talk shows demerda, mas temos tudo aquilo por que vocês matariam, morreriam,pagariam, pagam, vendem a alma, o cu, a mãe, para ter e não têm: umtalento nato.

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*** 1 ***Ah, sim... Essa crítica da frágil empáfia. Rigidez cadavérica das

opiniões embasadas na diarreia dos embalsamados pensamentos atuais.A dor de conviver com a pseudo dor de quem senta o rabo num pináculode idiotice e vive à margem virgem de um mundo torpe. Um pedestal devidro fino onde se equilibram babacas. Quimeras com micoses em baresfinos me sorriem com execráveis bafos de coca e Shakespeare. Lhesapresento num chicote gravado em couro a palavra "qualidade"; e sevocês, um dia, se sentirem mentalmente estuprados dentro deum McDonald´s, não há nada de errado. Suas joias, beijos e carros serãopó de que a narina dos gênios mal fará catálogo, o seu fim está maispróximo do que sua capacidade de soletrar... Curvem-se e aceitem ocabresto dos mais competentes. De hoje em diante a mula carregará osacro, os idiotas carregarão o fardo, a dor em transfusão para quem lhecouber encontrará destino. Vocês que se devorem e que se fodam, antesque os façamos...

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*** 2 ***Não sou elegível ao pódio e suas vaidosas solenidades. Minha

frustração está em débito automático e ainda não consegui me matarjogando roleta-russa. Não consegui nenhuma das Brasileirinhas na camae até o pão francês está difícil neste vernissage fantasma. Viro o campeãode um reino caótico onde só há desgaste e desgosto a cada centímetroandado para trás. Má conexão de dados, inerte, multifuncional emmatéria de ficar travado. Sombra fria da noite onde a matilha dos nãoamados forma um exército solitário de desesperança enlatada ostentadaem prateleiras gélidas e empoeiradas que gozam das visitas noturnas deratos e insetos escrotos, parasitas da solidão alheia e a multidão sacrados que se jogaram de uma ponte imaginária. Já não consigo dormir enovamente balbucio coisas sem sentido enquanto transo feito um animalcom uma mulher qualquer que cedeu às minhas veleidades e teve ahonra de pagar o motel. Eu durmo enquanto fodo e digo coisas como“paralelepípedo” entre um gemido, coisas como “ornitorrinco” entrecada gota de suor. Déjà vu. A explosão de quem vai dormir em cima dapresa correndo o risco de ser assaltado, de ter até as cuecas levadas, semgrana pra pagar a hospedagem.

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*** 1 ***Eu sinto as enormes vagas do oceano do meu azedume me

acertando sequencialmente. Sinto o cheiro nojento do meu suordescendo. As lentes dos meus óculos embaçam com o vapor de raiva quemeu corpo instintivamente expulsa e eu masco todo o ódio por todos quepõe as solas dos pés estúpidos neste mundo. As gotas de água salgadame escorrem pelas sobrancelhas vindas da testa e das têmporas. Eu mesinto mais demoníaco e menos tolerante com os extremistas retardados,com os dissidentes sem um bom plano. Sinto nojo e os classifico comobatráquios retardados. Pena não ser cristão o bastante para osconsiderar coitados. Afoitos, coiotes, palhaços. Nada assim, nem umtraço de design divino, blocos estúpidos de babaquice bruta vistas emum espelho puxa-saco garantindo felicidade pelos planos mal traçadosque suas mentes narcisistas amam e com um roto sorriso se punhetampara esporrar no seu amor: sua própria cara. Espelhos feitos para quemprecisa de seus próprios mundos segundo seus reflexos, chicotes paraquem se interesse em ditar regras. O gás lentamente se infiltra, avontade aparentemente preguiçosa se propaga e quando estiveremsufocando, seus globos oculares vão reclamar uma imagem, umalembrança, vaga e longínqua e saberão que o meio do caminho é seu fim.

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*** 2 ***O esforço descomunal de trabalhar sendo escorraçado,

achincalhado e vilipendiado pelos mais débeis retardados desta grande efuncionalmente analfabeta nação. Recebendo encargos como umprovento sujo do meu esforço exagerado de aturar a infantilidadeimediatista de adultos debiloides que fazem enormes montes de cagadase querem que alguém lhes passe talquinho enquanto eles mesmos rolamna própria merda se debatendo e chorando. Ganho 30% menos que umlixeiro para atender telefone e toda essa arte que outrora eu expeliaagora é suprimida, reprimida pelo cansaço, estresse psicossomático e afalta de sono que me faz balbuciar palavras desconexas durante várioscolapsos de fraqueza. Penúria. Paupérrimo. Estou gordo de ruim. E hojeé como se eu fosse um alvo dos merdinhas de merda. Como se as garotascuspissem sempre no centro deste alvo e retirando assim, perenemente,os 360 pontos do meu level de vida e a essa altura confesso: troquei 120livros por drogas. Não só eu. Mas o coautor desta profanação literáriaque você agora lê esteve comigo na intermission. E o ápice foi trocar “Oscem melhores contos brasileiros do século” por erva. E confesso jáperdendo totalmente o tom da poética que um dia houvera em minhaprosa, que 50 gramas de maconha foram muito mais válidos que ostrechos desta antologia absurdamente burra

.

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*** 1 ***Conforme a vida se afunila, a doença se faz mais aguda, a loucura

se avoluma; os sonhos se tornam mais espirais e negros, a dor é mais dordo que o eterno. Aqueles olhos pálidos, azuis duros e sorumbáticos deuma assassina do feto que seria meu futuro, meu herdeiro e minhamaldição, ainda me encaram nos malditos sonhos que agitam as cortinaspúrpuras durante as tempestades. Meu rosto encovado, hirsuto, meucabelo desgrenhado banhado no lodo não remete surpresa, não conhecesol nascente nas ideias que pululam como vermes no peito gordo eapodrecido de um advogado. A sorte, vadia de costumes tortuosos nãofaz ponto nessa esquina. Os venenos administrados várias vezes por dianão resolvem mais o tédio, o bolor das esperanças e o otimismo dasnovas ideias. Fitando o horizonte, as nuvens desenham fracassos jáesperados, meu filho morto, a dor da derrota, o caos que turbilhona aordem dos fatos me atinge como uma brisa com cheiro de floresfúnebres. Os dias seguem em cortejo sem som algum.

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*** 2 ***Quem dera fosse homeopático. São intervenções cirúrgicas nasquais o anestésico é a própria dor. Como um dichavar de florescapengas que se nutrem da suja água da vala, do esgoto pútrido einumano. O sexo selvagem sobre campos de bisturis seminovosuntados com fezes humanas e bílis de dinossauros. Calibres eabortos nas manhãs de domingo. Quisera que fosse um sonhoruim, mas esta é a vida, a minha, a biografia autorizada que sepassa por ficção por-que os leitores nunca passaram por tamanhodegredo e acreditam ser tudo fruto de uma mente doente emasoquista.

19h 29

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*** 1 ***E quanto a mentira até agora nos elucidou uma mais florida

realidade? Nos poupou de quedas abissais? Pelas madrugadas eternas,quantas vezes o láudano nos inflou as artérias e deu novo fôlego parabuscar o inútil, o sagrado, o impossível? As dores das entranhas denossas vaidades já podres e mortas não têm mais atrativos, o tresandarfétido do jogo manjado é perfume corriqueiro depois de tantasmadrugadas nas bocas dos vira-latas servindo como abrigo quandotodos perdem tudo e escorrem pela saliva por noites a fio.

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*** 2 ***Artérias abissais. Cracolândias vasculares. In vitro evito o castigo,

mas no lombo só chibatada seca. Becos intravenosos e chupadas de umamulher feia atrás do latão de entulho. Mesclado. Dedo preto e pulmãocinza. Uma ode aos excluídos, mesmo não sendo. Maltrapilho da novaera. Mais foda que mil Picassos e recolhendo bitucas de cigarros empontos de ônibus. Diariamente a família ressalta o nada que você é, foi eserá. Amigos de uso. Meganhas e magnatas se abarrotando sob a garoaque esparge os rastros químicos lançados por aviões ocultos naatmosfera sem lei. A coca arde da narina à têmpora. Mais uma bitucaidílica. Mais uma moça bonita atravessando a rua ao se deparar comigosem saber que trago no sovaco o poder poético de desnudá-la somentesendo o que realmente sou, mas que não aparento ser. A era dos mal-amados. O século do EU. A eternidade de vazio e aparências ocas ebonecas infláveis falantes que agradam aos olhos e corrompem a alma. Odesejo faz um homem cometer homicídio. Mas no estado em que meencontro nem o suicídio é opção. Rezando pela queda certeira de umsatélite sobre minha têmpora dolorida. Peço um café puro pra levar ecomo sempre o atendente, assim como todos os outros atendentes,entende perfeitamente o que quero dizer, mas finge que não. Nemmeganha nem magnata. Um vulto se passando por humano tãoefervescentemente fodido que nem os pobres demônios se preocupamcom “ele”.

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*** 1 ***Eu vi os olhos das lendas chorarem nas copas das árvores que

assistiam, se movendo, chapados. Os ídolos viraram entorpecentes, asfolhas do livro de Levítico foram a seda de tardes intermináveis empraças amaldiçoadas, onde a lama e o sagrado se encontram com plateiade milhões de vermes pagadores de impostos. Zumbis amigos nosfalavam em línguas de anjos que realmente não ouvimos com atenção.Histórias maravilhosas foram contadas sem que uma vírgula do destinose alterasse. Aqui, adolescência é uma flor polinizando napalm egravidez indesejada. Os frutos podres dos pais tortos são o futuro, apartir desse umbral, ninguém é bem-vindo.

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*** 2 ***De todas as suas restrições vitais, as aspirações à vida foram todas

tiradas da lista. E este lugar cativo no camarote dos perdedores me fazbrilhar em destaque entre os quasímodos. Devo ser horrendo. Estoupassando pela vida sem saber o que é amor, ou amizade. As pessoas sedesvencilham de mim mesmo eu não sendo chato, mas sei que por estarfora dos “padrões grupais” midiáticos, doutrinários, sectários, asseclaspsicológicos, influi muito nessas contrações horrendas que sinto emminha alma cansada de ser retalhada por navalhas espirituais. Vivemosem terras sem lei, mas os opulentos não sentem a frieza de uma 9mmdirecionada à sua cara. Vou pular do ônibus em movimento pra ver seacordo, pra ver se tudo isso não passa de um sonho ruim inacabado emque os cérberos do inferno roem lascivamente meus joelhos e umsoldado cego e demente hasteia a bandeira da desilusão em meu peito.

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*** 1 ***Quantos morreram metralhados sem aviso pela esperança etiveram seus nobres restos aparentemente imortais jazendo sob asbotas de idiotas? Talvez também cansados demais para lamber asbolas do destino em troca de migalhas? Implorando por umsegundo do doce odor da genitália da sorte? Certamente não nós.De quem as famílias desgraçadamente construídas foram tiradas,os que tiveram os sonhos bestialmente amputados; e disseram quenão mais! O vapor do ódio que move pistões, o apito incômododessa locomotiva só cessará longe demais de um último suspiro.Um suspiro com o inequívoco odor de enxofre que feliz ouinfelizmente ainda não se fez último. As dores vieram, passaram,continuaram em novos tormentos com suas dolorosas proles eainda assim, mascamos o peiote de nova, espinhosa e inimagináveldor. E a recebemos, de olhos abertos, de papilas amargas. Que osabor desse sacrifício mental, tão sangrento e simbólico quantoasteca nenhum poria defeito, não nos endeuse, nunca nos sublime,mas envie a mensagem certa, o grito da morte que por enquantonão será nossa apesar do sabor salgado do sangue nos lábios; queisso seja meramente um aviso. Se há um demônio lá fora, hámilhares aqui dentro. Eis quem realmente alguém há de temer...esse será bom.

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*** 2 ***E todas as pestes que corroem a alma vieram congregar rindo da

minha cara enquanto minha vereda fede mais que carniça. Cansado derepetir que estou cansado e mudanças são apenas teorias meigas e fofasvindo de pessoas que têm tudo fácil na vida... Pra playboy tudo (sempre)dá certo, inclusive respirar. Já meu desvio no septo me faz sangrarenquanto corro vendo as famílias felizes em vitrines e dias de sol tãopromissores quanto jogar pôquer com cadáveres. Tão promissoresquanto aquela garota linda e descolada que está com você no rolê e numdesviar de olhar, some de mãos sorrateiramente dadas, com outro, rumoa um rolê bem melhor onde o sujeito poderá pagar indelevelmentebebidas, drogas, motéis com teto solar e vai cheirar toda a cocaína podredo universo em cima do seu belo corpo nu e vendido. Quantas vezes mepassaram a perna nesta valsa? Quantas vezes alguém que se “enquadra”me roubou sem saber (alguém que eu pensava ser amigo e de repentefica levando tudo o que tenho, sem trabalhar ou mover seu digníssimorabo)? São provas cabais de que o universo maçonicamente conspira.Meu erro foi nascer diferente, ser naturalmente insurgente, dissidenteperante as mazelas tão naturalmente aceitas pela sociedade demente.Excluso até o osso nesse ossário de merda. Neste show de horrores quechamam de vida e eu vejo um dia lindo, flores resplandecentes, criançasandando de bicicleta, casais tomando sorvete e mais uma vez estou aqui,só, sem bicicleta, sem qualquer nesga de algo que se assemelhe a umfuturo. Com uma pasta rota, contendo o segredo da vida e todos agemcomo se eu fosse um fantasma sem graça. O atendente continua fingindoque não entende o que falo como se eu fosse personagem de um filmepornô russo e as belas garotas só olham em minha face para poderemvirar, com empáfia, suas caras que recendem a porra. Tô cansado.Cansado de falar que estou cansado. Maldita 8 miles, São Paulo dailusão, sem final feliz.

Page 23: Livro - Para Todos Que Perderam Tudo (de Flávio Matos e Maick Thiago Lenin)

*** 1 ***Estradas e vermes e séculos de bílis acumuladas usando fantasias

com orelhas de coelho. Devaneios que dançam com bafo de vômito emfrente das narinas virgens de tantos ainda descobrindo a vida pútrida nanoite desta Gomorra repleta de botecos. Pobres filhos de putas semnome caídos ao amanhecer em postos de gasolina desativados. Fetos daVila Madalena nos fecundos últimos anos dos anos noventa. Eu metornei o fantasma do Natal passado pra quem ainda se injeta nobanheiro um misto de uma balada eletrônica. O que dói ainda dói comoa querida picada que proporciona a beleza do mundo entorpecido ecolorido demais, ou a dor do preto e branco, o slow motion do cinemamudo que oblitera minhas íris sob o efeito surdo e submarino tampandoirremediavelmente meus tímpanos. A obliteração total de meus sentidos,o mergulho no oceano negro do desespero tão comum e óbvio, de certaforma, justifica o afogamento, possivelmente voluntário. Afinal, nóssempre somos quem concretam os sapatos.*próprios sapatos

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*** 2 ***O limiar entre uma bela canção e a vontade de saltar de paraquedas

com um colchão amarrado nas costas. Boa noite. Vou sonhar com vocêaqui neste lado triste da cidade. Dedicando todos os anos da minha vidaa todos os amores não correspondidos por falta de CEP e destinatário. Avelha medida em que se utiliza, de um lado, o pão que o diabo esfregouseu milenar rabo em cima e no flanco direito uma velha dedicatóriaconseguida à base de chantagem emocional. “Para todos que perderamtudo”, seria mais justo que “continue sempre assim”. To love somebody,senhora Nina Simone, é necessário ter as posses das quais não disponhoe a beleza cavalar dos incautos que flanam pedantes pelos belos bairros“diferenciados”, exclusivos em seus atos e efeitos de exclusão. Eu ficomuito triste em feriados nacionais e dias de festa coletiva, pois é quandoposso admirar, tal qual uma panorâmica aérea e cinza da cidade iníqua,o reflexo torpe da minha solidão desvairada. E todos estes rastros sobrea carteira separados pela minha falta de identidade com o comum,rotineiro, usual e suas convenções dementes e socialização psicótica eesse fluxo sanguíneo escorrendo da narina seca e o rosto que doí porcompleto como uma sinusite hiperbólica de uma psicossomatização dealgo que se refere à alma, uma dor incontínua de que só faz a mínimaideia aquele que sabe o que é perder tudo ou algo que ama, busca, sonha,deseja com todas as forças. É hora de dormir pra amanhã se unir à levade zumbis robotizados e nem o sono aprecia minha ilustre companhia.As velhas canções já não fazem sentido. Somente as tristes em Si bemolmenor, Lá com sétima menor e aqueles solos feitos por quem um diatambém já lambeu destroços de cataclismos pessoais... Lilí, um “boanoite” caprichado faz falta... Tanta falta que nem sei como recepcioná-lodevido à falta de prática em ouví-lo.

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*** 1 ***Nesses dias de garoa na terra do crack e BOVESPA os amores ainda

andam abraçados, espremidos sob guarda-chuvas e ainda assimempoeirados e rodeados por moscas. O amor é o sarcófago maisconfortável onde se podem deitar dois mumificados. A exumação demeus poucos amores somados aos esqueletos no quintal tornariadesnecessário enumerar e catalogar a podridão dessa falência. Eu vejo osbeijos apaixonados nas lojas de sapatos e pontos de ônibus, o que meevoca a erupção de um engulho que caso eu resolvesse dar nome talvezdeixasse de ser órfão, mas inequivocamente os protagonistas dessespobres enfeites da afeição também sentem o azedo e amargo; no esôfagoe na alma. A questão é sempre a mesma: quem realmente se importa? ea resposta é sempre a mesma, tão óbvia que se torna ridículo postular. Etambém uma vez desgraçadamente enamorados eu e a minha Lilithpessoal esperamos um ônibus, beijamos gostoso na garoa, tomamosbanho de chuva forte e fria e tomamos banhos de champanhe e sangue.Ah, o que a maioria de nós não daria para lançar a peste em cima dessesbelos dias. Dizimá-los da face da memória. Dar goladas insanas edesesperadas na margem do rio Lete. Esquecer o fermentar do ódio edecepção subjacentes e estar pronto pra mais nenhuma. Infelizmente aface do limbo não conhece nem sequer um esboço de sorriso, e perdidosolhamos ao redor e nada, nada parece familiar; além do velho sabor.Aquele velho sabor. Contudo, os aromas de um passado inglório aindaesboçam sorrisos rasgados por navalhas de nostalgia; e os sons antesconhecidos ainda valsam pelos nossos tímpanos. As imagens passadasatormentam os sonhos, por coincidência ou azar, nos levam de volta aoponto do qual não pudemos retornar.

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*** 2 ***É uma solidão tão forte que dói. É a expressão carnal de sérias

deficiências espirituais. Como se Deus não quisesse que eu tivesse umpunhado de bons momentos, vivências, histórias, amores, amizades, finsde tardes comendo pipoca ou fazendo uma longa caminhada na praia.Eram os deuses alcoólatras? Ainda temos Paris para escarrar em suasruas. E uma guilhotina para cupidos viciados em heroína que vivem mecolocando em situações extremamente desagradáveis aos padrõeshumanos de qualidade emocional. Como se todas as belas garotas dacidade viessem constantemente se aproximando de mim, esboçandointeresse íntimo e verdadeiro, mas na hora de oficializar os afagos, osdedos perdidos entre seus lisos fios de cabelo, das mais diversascolorações, o demônio pousasse em suas belas omoplatas e dissesse paraque elas me olhem com nojo, como se tivessem se arrependido deestarem ali comigo, como se eu não tomasse banho ou escovasse osdentes, como se eu fosse a representação humana da palavra escória, ouentulho. E toda vez essa dor de não entender. Deitando em lençóis denavalhas e por educação ainda as guiando ao ponto de ônibus maispróximo. E todas essas frustrações que enchem minha caixa d'água e melavam com isso que parece uma praga rogada por alguém do passado.Onde foi que me perdi no tempo, quando foi que me tornei tão exímioperdedor? É como carregar um diamante enorme com aspecto de merdae toda essa população sedenta pelo consumo de nesgas desta mesmapedra não conseguissem atentar para o fato de tamanho brilho e valorque estão à sua frente; tudo o que conseguem observar é a aparência quecausa engulho e deixam de lado a abertura de portas e coração que oslevaria à tão desejada redenção. Talvez eu seja um filho indesejado dagaroa. Um aborto ambulante das divinas leis. E queria eu dizer que estaspéssimas experiências rendem bons textos, mas o circuito literário, talqual estas belas, interesseiras e desalmadas donzelas, vivem fazendominha cara de privada e, quando não, de bidê.

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*** 1 ***Seus finos e longos dedos e lânguidos suspiros desejavam além de

severos orgasmos um montante cavalar de dinheiro. Por issoespecialmente, me tornei assassino. Esmagar aquela gananciosa traqueiaera como depositar todos os fundos dos quais dispunha em algofinalmente útil. E finalmente o fiz. Os lençóis eram de um toque tãoangelical que naquela cama não poderia deixar de ter sido daquelamaneira. Sua respiração ofegante, meu esforço sociopata; o cheiro dojantar jogado ao lado da cama em poucas horas já apodrecendo...Aqueles olhos; iluminados por vezes em ódio e paixão; tantas outrasvezes sob a brasa do ressentimento. Olhos tão conhecidos que agoraperdiam sua cor, pareciam tão anômalos e estranhos no momento de seuestertor. Seu hálito seco regurgitou seu último odor, que eu um dia amei,e persegui, direto em minhas narinas; dentro da minha boca aberta emembasbacamento. Nossa cama estava exalando vapores mentolados,carregando malditos auspícios do que viria depois quando pela últimavez visse aqueles olhos entreabertos, e seus dentes ligeiramenteirregulares gradeando suspiros extrema e futilmente sexuais. Então,lacrimejaram essas joias, e apertei também em lágrimas as órbitas, atéromperem os vasos oculares. Até as merecidas lágrimas de sangueescorrerem, as quais eu tanto me fiz merecedor. Debruçado, muito maisconvicto do que odiando, me empenhei em matar a dor do meu peitonaquela tarde ensolarada. As cortinas infladas conspiravam a meu favore o quarto nem era tão grande. Minhas mãos eram as asas e armas daraiva e justiça represadas em meu espírito; e quando sua tosse e seusufocar se tornaram a sua última e fúnebre sinfonia, não pude deixar degozar na camisola azul; quando suas carótidas finalmente desistiram,quando suas narinas finalmente repousaram e o silêncio dominou ocômodo... O único som a preencher minha mente era o tímido farfalhardas cortinas. A janela entreaberta me soprou os segredos manjados desepultamentos no monte de ossos daquela colina que me era tão familiarpara defenestrações prévias. A terra estava fofa e os galhos das copassinistras das árvores desfolhadas acenavam ao vento enquanto aenterrava, talvez presumindo o adeus. Quanto à mortalha, prefirosilenciar. Torrões de terra caíam naquela face tão imaculada e bela, mas,sim, tão pútrida e decomposta precocemente por mentiras, traições, elúbricos sonhos acumulados em todo o seu ser. Ironicamente umcachorro uivava em tom melancólico enquanto lhe jogava as últimas páde terra. Desejei por certos minutos, ao final de tudo isso, algum

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silêncio. Desejei em segredo absoluto e com vergonha, seu sorriso. Entãohouve a penúltima e a última pá de terra. E a noite estava linda.

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*** 2 ***É como se importar bem mais do que a pessoa com quem você se

importa. Nem todos os domingos podem ser perfeitos e eu não queropressionar ninguém a nada. As chantagens emocionais em busca dequalquer tipo de afeto já não gritam mais em meu corpo como umviciado sem heroína suficiente no sangue, mas a deficiência de qualquertipo de carinho, de carícia, do mínimo reconhecimento de “você” comoum ser vivente, humano, que tem necessidades emocionais típicas dessamaldição que é a condição humana leva um homem a uma junção desofrimento, cordas, pontes, ódio, frustração e, por fim, revolta. É comofazer bungee jump com uma corda no pescoço e uma camiseta com osdizeres “eu só tentei amar”. Quando você é a escória humana e não tembem algum para ostentar, ninguém para lhe defender das conspirações,nada no bolso, nada a mostra, nada que lhe qualifique e enquadre nospadrões psicóticos de vivência o dito amor se torna inexistente. O amor éuma teoria da conspiração e nesta frase cabem duas formas dediscernimento. Estou na pior delas. Amar é uma fraude, um jogo decartas, mágica em um cassino falido. São tantas as dores e as reprises defrustrações que chegamos ao limiar humano entre a frieza absurda ou oautoflagelo constante em busca de anestesia. Roleta-russa com armaautomática. É o velho mundo colorido e só eu em preto e branco. Já citeiisso em textos antigos e alguém famoso roubou a frase e ganhou oscréditos. A vida como uma eterna vitrine, uma assadeira enorme do ladode fora da padaria, girando frangos voluptuosamente e nesse cenário euestou ali, com o rabo no chão e ele não balança, só babo, me humilhandopelos restos que possam cair do papel-alumínio. Me sinto tão triste quejá não há mais pelo que chorar, não há mais o que perguntar aouniverso, as respostas são todas simples, é a teoria da mágica no cassinofalido, tudo é animal, selvagem. As danças de acasalamento são feitascom carros bonitos, roupas lustrosas, cargos e diplomas e nós, eu, aquina lateral cheia de entulho da vida apenas olho, sonho, sabendo que osferiados jamais chegarão. Esperando a mensagem que não vem na rede“social”. Esperando que Deus finalmente veja que sou uma boa pessoa eque não merecia passar sempre por isso. Isso cansa e cansei de ficarcansado de estar cansado. A vida é uma luta. A vida é angústia. Tantasdefinições de tantas pessoas diferentes e todas estavam erradas mesmoque estivessem certas. E já perdi o fio da prosa. A poética deu-se um tirona boca utilizando uma calibre doze punheteira. Nada do que eu digamuda nada. Nada do que eu clame é ouvido. Nada do que eu tento se

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efetiva. Apenas surtos psicóticos transmutados em sensação demudança, de motivação enganosa. E essa esperança imbecil de que algomude, esse programa implantado milenarmente em nossas caixascranianas para que possamos servir à sociedade para quando precisaremde um alvo, para quando quiserem cuspir suas mazelas. Prefiro receberos cuspes na testa que fazer a semiótica do cuspe aos que cospem. Pormais que eu represente a escória, eles jamais entenderiam qualquerlevantamento filosófico de discernimentos subjetivos meus. E mesmoassim sirvo de carpete no hall de entrada de hotéis chiques por que nãoestou devidamente trajado para suas convenções retardadas. E fico euvendo seus álbuns de fotos, toda a sua felicidade, sem ter a mínimamotivação para lamber o chumbinho que foi colocado embaixo da pia.

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*** 1 ***Resolvi acordar cedo pra mascar o resto das naftalinas, e

possivelmente apertar o maldito sifão que vaza incitando meu ódio pelapia da cozinha. Depois de pensões plenas de pulgas e piolhos, o rastejarno assoalho que foi o café da manhã, almoço e jantar de uma infinidadede cupins na mais voraz larica, temo não estar em posição de reclamar.Mas a porra da pia vaza. Cada gota é um adendo à loucura que seinstaura no chiclete mastigado que reside dentro do meu crânio. Eucomeço a cultivar ódio, e a miséria latente me lança seu bafo ancestral,acompanhando os milhares de nasceres do mesmo Sol sobre meu todoempoeirado catre. Em muitos dias é desgraçadamente cedo para tantamelancolia, porém é geralmente tarde demais para delinear a mitologiada miséria. Talvez eu divague nostalgicamente pelos dias em que bebiasuco de sarjeta. Talvez eu sinta falta do amor que me era dedicado porinsetos e parasitas. Os desgraçados mosquitos nem sequer vêm meacordar de conturbados cochilos aos quais me dedico em tardes tórridasde um inclemente verão. Não mais resolvem dar rasantes rentes aosmeus ouvidos, completando minha inequívoca humilhação. Como viveruma vida perfeita com uma etiqueta gravada Made in Taiwan fatalmenteembutida? A necessidade de tacar merda em um Van Gogh original,atear fogo em um bispo ou assassinar um filhote de gato persa não maisme encantam. Talvez seja um indício da putrefação advinda da idade.Quem sabe se a escuridão com o tempo substitui a fibra? E se tornarmórbido seja o curso natural das avalanches de pura desilusão que ossedimentos dos anos nos brindam? Um cansaço estranho, uma fadiga naalma que poucos podem discernir corretamente, um caráter moribundovai tornando ideias hediondas em hipóteses sedutoras. Ah, o tempo.Uma de várias putas ingratas na existência. E essa pia que meatormenta. A merda do sifão que pinga, pinga e pinga...

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*** 2 ***É como anular um belo dia perfeito com uma única frase e ainda

acreditar nela! O vórtice incredibilíssimo e revoltante de lambervoluptuosamente o olho do furacão enquanto se barbeia com uma velhanavalha e sai para a rua em busca de afeto nos braços das prostitutasmais baratas da cidade. Beijar a boca de lobo enquanto recolhe os restosde seu próprio ventre vendido como carne grega em sebos que têm oodor draconiano de flatulência e suor de punheteiros. Suas velhasanotações impressas em calhamaços disformes que foram distribuídos aconhecidos como se fossem um zine qualquer, mas que continha a arcada aliança literária. No polo norte da cidade cinza os talentos se perdemem belas linhas brancas dispostas no verso da carteira, separadas com aprópria identidade e sugadas friamente com notas de 2 encardidas peloacúmulo das dores. Mas busco o prazer e a importância solenes aoverificar quanto o grande irmão me espiona. Ele invade meu quarto ànoite e muda minhas coisas de lugar para construir seu reinado do medoe baixar ainda mais minhas energias vitais, mas nesse ponto ele se fodelindamente, pois 1984 é um manual pro algoz e uma cartilha de fugapara os “algoritmos”. Ser egrégio é estar no limiar da decepção, nocúmulo e no acúmulo da injustiça e saber que mesmo assim os senhoresdo mundo se preocupam com você devido às pesquisas feitas em umpassado recente. Talvez eu não esteja tão nos coliformes fecais como euimaginava, ou talvez eu seja vítima de um MK Ultra qualquer e medissocie fácil da realidade, pois cada vez mais balbucio coisas semsentido, como se eu estivesse vivendo outra vida, ao mesmo tempo, emoutro lugar, mais importante e cheio de intrigas e conspirações, como sefosse uma insônia arredia. Mas não. Por enquanto peço mais um copo decafé ruim em uma padaria do Brás, vendo as maloqueirinhas gostosas dolargo da Concórdia, onde há tudo, menos qualquer esboço deconcordância humanitária. Nem a puta feia me deu um oi e colocar acaderneta amassada sobre o balcão molhado torna-se um ato deinsanidade perante a demência dos que não são capazes de qualquerátomo de compreensão. Penso em comprar uma coxinha, mas esses 3reais farão uma falta imensa no dia de amanhã. Já me dei ao luxo decomprar um copo de café ruim, o que me propôs um novo status, quaseum patrão, um senhorzinho, o dono da casa grande.

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*** 1 ***Após os incontáveis passos conduzidos a caminho do nada

residente na abissal garganta de um especialmente sombrio penhasco, àsvezes, com uma intragável alegria temperada com gélido horror nospermitimos olhar para baixo ansiando um mergulho. Depois do coraçãode todas as vontades esmagado entre as mãos tornar-se mero torrão deterra, sem que dele se possa tirar qualquer tipo de sumo, sem nuncasentir o sabor e o aroma de qualquer espécie de néctar, a distânciacoberta por todos esses erráticos, cambaleantes e desesperados passos,revela o mundo como um quarto escuro. Um quarto desconhecido ondese acorda na madrugada mais negra de um local estranho aos sentidos,tropeçando na mobília que não se conhece ou adivinha. As preces secas eamargas, embalsamadas no espírito e moribundas na garganta não têmsenão um estertor transmitido por um resignado suspiro. E em frente àboca de sorriso roto desse infindável abismo, esparsas árvores de copasdilapidadas e troncos retorcidos são as únicas testemunhas do queparece ser o fim de um caminho. Suas folhas, sob o véu opaco dessanoite parecem azuis e desidratadas. A Lua ferida e envergonhada nãoousa abrir suas cortinas. Nuvens finas e fúnebres lhe obliteram semqualquer dificuldade o que em infinitos dias foi seu brilho. Já não hásentido nas expiações, e meu próprio sangue já não tem a sanha e vervepara jorrar pelas feridas. Quando meus pés se equilibravam bêbadossobre um mar de paralelepípedos e cada piscar destes já fatigados olhosparecia durar minutos de escuridão até recuperar o foco do mundo, euao menos os sentia. Sentia as solas em seus contornos irregulares, emseus desníveis tão odiosos que constituíam até certo ponto, charme eidílio. Aqui, em tão ríspido e definitivo ponto, meus pés hoje descalços etorpes não sentem o orvalho do gramado pelo caminho, meus ombrosnus já não discernem com seu tato o pouso dos insetos. Acabaram-setodos os metros e os passos. Desde os dias em que as queridas navalhasescanhoavam esta face agora tão envelhecida pelo sol inclemente, pelodelicioso tabaco e as inevitáveis amarguras, nunca mais lhe sangraramcom lágrimas. Sinto falta das aves noturnas, dos órgãos internos em bomfuncionamento, da velha insanidade conhecida. Ouço um sublime refrãoentoado por harpas e o abismo me encara de volta. Frio e rígido noponto de onde não existe retorno, com nada mais do que um serrar deolhos me distanciando do eterno despencar. E um corpo doente,aspirante a cadáver, em plena queda sem suas mínimas funções anseiaatingir o fundo que desgraçadamente nunca chegará. As asas

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emprestadas, semelhantes às exóticas folhas de begônias, agora meservem. Não para que voe, mas para que, sob a forma de algum bibelôpodre no mundo mortuário, me acompanhe até a perdição. O cheiro e ogosto do abismo e do musgo, das ervas-daninhas nas paredes que meacariciam e poderiam me acalentar até o quinto círculo do inferno, ondetomarei morada e instaurarei anarquia entre o tédio dos demônios, sefazem vistos e fáceis. Nesta noite de fim e asas macabras, de adejares queme levam para o subterrâneo e edificam meu maldito trono.

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*** 2 ***Muito sonho pra pouco sono. Sem aviso-prévio. Lambendo a

amargura que fora mijada na escadaria da ilusão. Vômito conceitual emtelas de artistas seminus que encenam performances piratas em feriadosnão usuais em casas desconhecidas cheias de elogiossegundointenciosos e toda a malícia de quem vai te roubar com frasesbem colocadas e uma retórica digna de uma ninfa bege, drogada earmada até os dentes soltando um leve bafo de porra e morte por entreos postes desvairados e todo esse LSD diluído em paredes alquebradaspelas calçadas cheias de merda humana desta cidade e estes seresnoturnos que visitam meus sonhos fazendo com que eu gritemudamente enquanto todo meu corpo é incapaz de reagir aos estímulosde socorro que tento expelir perante a presença do mal. Nada mais justoos sonhos emularem a vida em uma cusparada alien/demoníaca quetranscende as dimensões só para literalmente me foder a vida. Dou umbeijo na boca da sorte e sinto o azedo gosto gripal. Ainda há esperançacomo ar no saquinho de batatas fritas e desgosto na vitamina sem açúcarque tomo durante as frias manhãs de outubro. Não há redenção noscacos de vidro ou nos domingos no parque e, já antevendo a merda emque isso vai dar, dou um tiro no céu (da boca) e cheiro um chemtrail,pois minha Lilí, não é a Lilith, mas causou o mesmo mal.

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*** 1 ***Há entre as belas decepções semeadas nos descampados da alma

do homem, onde seu valor se resume ao pó que agora encara e inspirafrente as colunas incólumes que se erigem por algum mórbido motivo, oeterno assombro das novidades encapsuladas em severos sonhosprévios. Eles, sozinhos, se tratam da classe dos monólitos encarregadosda destruição, da sanidade e da vontade de qualquer ser que encaravasucessivas perdas e jornadas fracassadas. A morte de um espíritoiluminado uma vez pelo que um dia foi a inclinação ao divino, toma seulugar aqui. Uma vez concluídas suas inúteis tarefas e remidas asinevitáveis dores do percurso, o veneno de todos os espinhos e saboreshorríveis que revoltam o paladar produz em si os hálitos mais pútridosque se possa encarar com certa dignidade, talvez com a estoicaresignação que lhes dedico... Uma vez abandonados a dignidade e todosos despojos de sacrifícios de fogo, sangue e alma deixados pelas encostase pelos altares totalmente mortos na memória, se inicia um novo sonho.Após e apesar de cegar violentamente sua própria Calíope, para que seupergaminho roto e a maldita pena não mais pesassem no futuro, – umesforço completamente inútil –, a caminhada pesarosamente continua.Onde essas malditas patas de ser humano pisam agora? De qual mundohorrendo me torno agora intruso? Seja como se configure, jamais voume omitir em relatar esses erros, essas falsas conquistas, as invariáveisdesventuras. O ardor e a dor de estar inserido no lento vórtice queinevitavelmente me levará em total desespero por uma marédesconhecida de uma dimensão qualquer de pesadelo sólido. Pois bem,nesse momento alamedas formadas pelos ossos das costelas do queparece ter sido imensas baleias me ladeiam, atravessando um tiposoturno de areia cheia de cristais estranhos, levemente roxa. E se é querealmente exista um horizonte aqui, ele é róseo e ameaçador, deitadosobre o profundo negrume da eternidade, ausente de um oceano. Ospilares e as facetas maliciosas, a transformação desse sacana colóquiometafísico que abrange um corpo, tão débil, frágil e supersticioso sefixam com tanta força nas imagens que se assomam frente a mim agora,dentro desse novo mundo, essa realidade vertiginosa onde moram odestino e o desespero que há muito se insinuam em noites belas daminha esquecida cidade, com seu perfume, sua umidade noturna e seuseternos vícios. Aqui não há mares ou luas. A órbita se encerra semsatélites, sem esperança, fervendo, um mero, insignificante pontocompleto em ódio, um ser sem mais do que seu sangue. Encerrado há

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tanto tempo em uma redoma com vista para uma única estrela, quemuitas vezes nem sequer aparecia.

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*** 2 ***No fundo eu só queria ser feliz. Mas Deus insiste em pregar suas

peças e preencher minhas pernas com cimento. Aqui todos os sonhos sedesvanecem. No termostato de uma alma que já virou cinza. Já nãosurgem mais inspirações para escrever... De volta à roleta-russa com avelha automática sinto o horror do estampido e todo esse sangue queescorrera por minhas narinas com desvio de septo, ao longo desta tristevereda, se findou. Não ouso sonhar com paraísos inexistentes. Ou comanjinhos abissais com cheiro de amaciante. E bate aquela insana vontadede ligar para alguém para ler o último e sucinto capítulo do meu novolivro. Mas não, ela não está mais lá, no panteão depravado e sagrado domeu desejo pueril e lascivo. Devasso no meu sacro antro secreto ondeessa amálgama de dor torna-se um vórtice indelével de um prazerremanescente, pictórico. [Vontade de ler pra alguém]. Restam as baratase o sórdido gosto amargo da solidão desse sujeito tão bem relacionadoque pareço ser. “Tudo que fica é o que deixamos no lixo”, já escrevi isso ea crítica não parou para ouvir. E não há mais desespero nadesesperança. Só um registro insano de dias nada fáceis, para todos queperderam tudo.

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RevisãoTayra Alfonso

capaChico Tchello

produção e formatação on lineMaicknucleaR

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