Livro Sociologia Do Conhecimento

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    Universidade regional do noroeste do estado do rio grande do sUl UnijU

    vice-reitoria de gradUao vrg

    coordenadoria de edUcao a distncia ced

    c eu d

    s l-tx

    Iju, Rio Grande do Sul, Brasil2012

    e W s

    sociologia doconHeciMento

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    2012, Editora UnijuRua do Comrcio, 136498700-000 - Iju - RS - BrasilFone: (0__55) 3332-0217Fax: (0__55) 3332-0216E-mail: [email protected]

    Http://www.editoraunijui.com.br

    Editor: Gilmar Antonio Bedin

    Editor-adjunto: Joel Corso

    Capa: Elias Ricardo Schssler

    Designer Educacional: Jociane Dal Molin Berbaum

    Responsabilidade Editorial, Grca e Administrativa:

    Editora Uniju da Universidade Regional do Noroestedo Estado do Rio Grande do Sul (Uniju; Iju, RS, Brasil)

    Catalogao na Publicao:Biblioteca Universitria Mario Osorio Marques Uniju

    S586s Silva, Enio Waldir da.

    Sociologia do conhecimento / Enio Waldir da Silva. Iju : Ed.Uniju, 2012. 108 p. (Coleo educao a distncia. Srie livro-texto).

    ISBN 978-85-419-0006-5

    1. Sociologia. 2. Sociologia do conhecimento. 3. Sociologia do

    conhecimento Novos desaos. I. Ttulo. II. Srie.CDU : 316

    316.25

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    Sumrio

    CONHECENDO O PROFESSOR ..................................................................................................5

    APRESENTAO ...........................................................................................................................7

    UNIDADE 1 IDENTIDADE DA SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO ..............................11

    Seo 1.1 A Sociologia do Conhecimento as conceituaes ...........................................11

    Seo 1.2 O Conhecimento na Viso dos Clssicos a origem .........................................24

    Seo 1.3 A Sociologia do Conhecimento no Sculo 20 a consolidao. .......................39

    Seo 1.4 Conhecimento e Cultura nos Anos 70 ................................................................45

    UNIDADE 2 A SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO NO

    FINAL DO SCULO 20 Novos Desaos. ........................................................51

    Seo 2.1 Democratizar a Cognicidade ..............................................................................53

    Seo 2.2 O Contedo Esquecido pela Cincia: a aetividade ..........................................62

    UNIDADE 3 A UNIVERSIDADE E O CONHECIMENTO ....................................................67

    Seo 3.1 O Que Foi e o Que Uma Universidade............................................................67

    Seo 3.2 A Universidade e as Cincias Humanas, Hoje ...................................................73

    Seo 3.3 Universidade Comunitria e as Aes Solidrias. .............................................81

    3.3.1 A Solidariedade Como Meio e Fim da Ao Universitria .............................84

    REFERNCIAS .............................................................................................................................97

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    sociologia do conHeciMento

    Conhecendo o Professor

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    Nasci no segundo dia do ms de evereiro de 1963. Sou o dcimo

    quarto lho, o penltimo, de Oracy Pires Pereira da Silva e Doralia

    Teixeira Santos da Silva. Fui o nico deles que saiu da lavoura para

    estudar. Este evento aconteceu no municpio de Erval Seco, Rio Grande

    do Sul, na localidade chamada Ponte da Guarita. Permaneci ali at os

    15 anos trabalhando nos 15 hectares em que meu pai era meeiro. Sa

    quando terminei a 8 srie. Por iniciativa de minha me, me bandeei

    para a cidade trabalhar pelo estudo. Redentora, depois Palmeira das

    Misses. Ali tornei-me gaudrio de carteirinha e corao, no CTG 35.

    Aprendi tambm nessa poca, com 18 anos, a azer distino entre os

    objetivos dos partidos polticos e compreender a excluso social. Em

    uma visita de campanha de vestibular da, ento, Fidene, entendi que o

    curso de Filosoa perguntava o porqu das coisas, principalmente o

    porqu da vida, do trabalho, do conhecimento, da misria, da riqueza.

    Entendi que este era meu curso. Fiz vestibular. Passei. Me bandeei,

    de novo, para Iju. Aps um ano de entrevero entre desemprego, capi-

    nadas de terrenos, servente de pedreiro, boia-ria e outras atividades,

    acabou o dinheiro do Fundo de Garantia que trouxe de Palmeira, mas

    empreguei-me em uma serraria. Oito meses depois melhorei de vida

    quando ui trabalhar como garom em um restaurante: ali tinha co-

    mida, aluguel, roupa limpa e ganhava o salrio para pagar o curso de

    Filosoa. timo. Entrei para o Partido Comunista Brasileiro PCB ,minha aculdade paralela. No ltimo ano do curso o restaurante em

    que trabalhava oi vendido. Novamente quei desempregado, mas

    agora, ao menos, com a conscincia losca e comunista em ranco

    desenvolvimento. Fazer bicos para ganhar a vida agora era mais cil.

    Como garom temporrio, como boia ria nas lavouras de soja (nal

    de 1986) levava o debate poltico. No pude mais pagar o curso, devia

    todo o ltimo semestre, mas, graas ao esoro de trabalho e ao dilogo

    losco-poltico, o amigo e dono da granja quitou as prestaes docarn da aculdade. Um presento. At hoje no sei como agradecer,

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    posto que um ms capinando nabo na lavoura dava apenas para

    pagar alguns dias de sobrevivncia. A surgiu uma grande chance:

    o concurso para proessor de Filosoa na aculdade onde me ormei.

    Trinta horas de estudo valeram a aprovao e em 2 de evereiro de

    1987 iniciei a construo desta nova identidade:proessor do Ensino

    Superior. Graas ao apoio da Uniju, de janeiro a julho de 1988 estu-

    dei, como aluno especial, Cincia Poltica na Universidade Federal

    de Minas Gerais UFMG Belo Horizonte. Em julho do mesmo ano

    iniciei o Mestrado em Sociologia na Universidade Federal do Rio

    Grande do Sul UFRGS. Entre ministrar aulas, estudar e escrever

    a dissertao nal, quei meio doido e casei (hoje continuo nessa e

    tenho trs lhas). Meu primeiro trabalho escrito oi a dissertao de

    Mestrado: O Ensino Superior Regional a Regio Noroeste do Estado

    do Rio Grande do Sul, em 1993. Em 1999 ui cursar o Doutorado na

    mesma universidade e deendi a tese de Sociologia intitulada:A Ex-

    tenso Universitria Concepes e Prticas, em 2003. Ento, desde

    1987 desenvolvo atividades de docncia na rea das Cincias Sociais

    na Uniju. Alm destas atividades tambm atuei na coordenao da

    Formao Geral Humanstica; ui membro do Conselho Universitrio,

    representante dos docentes; subchee do Departamento de CinciasSociais e coordenador do curso de Sociologia. Continuo pesquisando

    sobre o tema relao cincia e sociedade, envolvendo a universidade,

    atores sociais que se relacionam com ela e o papel da ormao uni-

    versitria na sociedade atual.

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    sociologia do conHeciMento

    Apresentao

    Este texto aborda alguns aspectos da Sociologia do Conhecimento, de orma a esclarecer

    a identidade, a emergncia do tema e os desaos deste ramo da cincia sociolgica. Vamos

    mostrar que, ao aproundarmos o estudo das relaes sociais, a Sociologia se depara com alguns

    enmenos que no pode ignorar durante o processo investigativo: o mundo do conhecimento, a

    intelectualizao presente no universo social, expresso de diversas ormas, na cincia, nas aes,

    nas instituies, nas organizaes, nos processos, etc., e no prprio sujeito da pesquisa.

    So elementos que se encontram antes do ato de construir conhecimentos, no processo

    de produo e nos resultados dos esoros sistemticos de produo de saberes, nem sempre

    observados pelo investigador. Muitas vezes este no percebe nem mesmos seus potenciais para

    a investigao, geralmente adquiridos na educao escolar.

    Este ramo da Sociologia j provou que existe uma natureza social no conhecimento ao

    abordar: as relaes entre cincia e sociedade, dimenses socioculturais para a construo do

    conhecimento, ohabitus cientco, as dimenses empricas do conhecimento, o papel das abs-

    traes e generalizaes, as interaes entre saber cientco e saberes populares e os lugares

    especiais construdos para a produo de conhecimentos, como o caso da universidade, etc.

    Entre tantas obras existentes sobre o tema, esta pretende ser mais uma colaborao ao debate

    e objetiva introduzir os alunos da Sociologia em um dilogo sobre o prprio saber sociolgico.

    Pretende-se tambm, colaborar com os uturos pesquisadores para que eles se situem no universo

    que envolve o processo de produo sistemtico de construo de conhecimentos cientcos.

    Neste sentido, possvel armar que, em cada indivduo, h a presena de conhecimentos

    entremeados nas suas circunstncias de sentir, pensar, alar, agir e escrever. um desao muito

    grande querer decirar a complexidade destas relaes e descrever at que ponto estas so ruto

    dos conhecimentos sistematizados, e isto se torna mais amplo ainda por estarmos acostumados

    a pensar que existem dierenciais entre os conhecimentos cientcos e outros tipos de saberes.

    Normalmente nas escolas se az um esoro para dierenciar o conhecimento cientco do

    conhecimento popular, do senso comum, mostrando que este se trata de conhecimento parcelar,

    imediato e resultado de aes cotidianas e o outro ruto da capacidade cientca de indivduos,

    adquiridas em escolas ou laboratrios de pesquisa.

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    Hoje, no entanto, no mais possvel produzir conhecimentos, especialmente nas Cincias

    Sociais, sem se considerar os saberes que emergem das relaes sociais vividas pelos sujeitos,

    que surgem da arte, da religio, da Filosoa, do senso comum e das dimenses aetivas prprias

    da lgica humana. Todos os indivduos esto infuenciados por estes potenciais simblicos que

    intererem em seus azeres cientcos (saberes escolarizados).

    Os grandes pesquisadores sempre se preocuparam em refetir sobre o modo de desenvolver

    suas pesquisas, interrogando-se sobre os percursos e processos e no apenas sobre resultados,

    pois as metodologias de pesquisas no so meramente tcnicas, mas posies epistemolgicas

    diante de objetos e as perguntas sobre ele, alm de ser uma prtica sociolgica que conronta

    vises de mundo, valores, expectativas, argumentaes e posies histricas dos sujeitos, estando

    a pesquisa diante das relaes sociais.

    O pesquisador precisa ter capacidade refexiva para sempre se situar no processo de pro-

    duo de conhecimento, pois se incluir no mundo que pesquisa entender as relaes sociais

    de que az parte: os cotidianos, as culturas, as prticas, os interesses, as paixes, as capacidades,

    as alas, os papis, as experincias, os instrumentos, os resultados j obtidos pela cincia, etc.

    O carter sacro do conhecimento cientco torna-se, hoje, uma prtica social eita em condies

    institucionais para se poder azer a produo de conhecimentos.

    O conhecimento possui dimenso social, pois todo o pesquisador carrega consigo a car-

    ga social/cultural que orienta o seu entendimento. O socilogo dever saber sempre vigiar seu

    prprio conhecimento de orma que as verdades cientcas encontrem um melhor caminho de

    legitimao e socializao, tenham pertinncia diante dos grupos que precisam do conhecimento

    ou das comunidades cientcas. Nunca pode esquecer, por exemplo, que ele, pesquisador, e os

    outros so seres humanos, movidos pela ora de aetividades oriundas da lgica da vida.

    Ao longo deste texto vamos estudar estas realidades. Comearemos mostrando as possveis

    identidades que a Sociologia do Conhecimento possa ter, a emergncia destas refexes sobreelementos relacionais presente nos esoros para produzir conhecimentos cientcos, como se

    orma o habitus cientco, o papel das abstraes, das generalizaes, das socializaes e das

    institucionalizaes da cincia. Em seguida traaremos a trajetria deste ramo de estudo e as

    tendncias atuais.

    Em um segundo momento trabalharemos com elementos que desaam a pesquisa em

    Cincias Sociais hoje, dedicando especial ateno a duas abordagens da Sociologia do Conhe-

    cimento, presentes em Boaventura de Sousa Santos e Humberto Maturana.

    No ltimo tpico vamos abordar o papel da universidade atual, diante da cincia e das

    novas relaes sociais.

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    sociologia do conHeciMento

    Antes de voc entrar na unidade a seguir leia as consideraes de Edgar Morin1 sobre o

    que conhecimento:

    O Conhecimento

    Naturalmente, o ensino escolar ornece conhecimento, ornece saberes. Porm, apesar de sua un-

    damental importncia, nunca se ensina o que , de ato, o conhecimento. E sabemos que os maiores

    problemas neste caso so o erro e a iluso. Ao examinarmos as crenas do passado, conclumos que

    a maioria contm erros e iluses. Mesmo quando pensamos em vinte anos atrs, podemos constatar

    como erramos e nos iludimos sobre o mundo e a realidade. E por que isso to importante? Porque o

    conhecimento nunca um refexo ou espelho da realidade. O conhecimento sempre uma traduo,

    seguida de uma reconstruo. Mesmo no enmeno da percepo, atravs do qual os olhos recebem

    estmulos luminosos que so transormados, decodicados, transportados a um outro cdigo, que tran-sita pelo nervo tico, atravessa vrias partes do crebro para, enm, transormar aquela inormao

    primeira em percepo. A partir deste exemplo, podemos concluir que a percepo uma reconstruo.

    Tomemos um outro exemplo de percepo constante: a imagem do ponto de vista da retina. As pessoas

    que esto prximas parecem muito maiores do que aquelas que esto mais distantes, pois a distncia,

    o crebro no realiza o registro e termina por atribuir uma dimenso idntica para todas as pessoas.

    Assim como os raios ultravioleta e inravermelhos que ns no vemos, mas sabemos que esto a e nos

    impem uma viso segundo as suas incidncias. Portanto, temos percepes, ou seja, reconstrues,

    tradues da realidade. E toda traduo comporta o risco de erro. Como dizem os italianos tradotore/

    traditore. Tambm sabemos que no h nenhuma dierena intrnseca entre uma percepo e uma

    alucinao. Por exemplo: se tenho uma alucinao e vejo Napoleo ou Jlio Csar, no h nada que

    me diga que estou enganado, exceto o ato de saber que eles esto mortos. So os outros que vo me

    dizer se o que vejo verdade ou no. Quero dizer com isso que estamos sempre ameaados pela aluci-

    nao. At nos processos de leitura isto acontece. Ns sabemos que no seguimos a linha do que est

    escrito, pois, s vezes, nossos olhos saltam de uma palavra para outra e reconstroem o conjunto de uma

    maneira quase alucinatria. Neste momento, o nosso esprito que colabora com o que ns lemos. E

    no reconhecemos os erros porque deslizamos neles. O mesmo acontece, por exemplo, quando h um

    acidente de carro. As verses e as vises do acidente so completamente dierentes, principalmente

    pela emoo e pelo ato das pessoas estarem em ngulos dierentes. No plano histrico h erros, se

    me permitem o jogo de palavras, histricos. Tomemos um exemplo um pouco distante de ns: os de-

    bates sobre a Primeira Guerra Mundial. Uma poca em que a Frana e a Alemanha tinham partidos

    socialistas ortes, potentes e muito pacistas, e que, evidentemente, eram contrrios guerra que se

    anunciava. Mas, a partir do momento em que se desencadeou a guerra, os dois partidos se lanaram,

    massivamente a uma campanha de propaganda, cada um imputando ao outro os atos mais ignbeis.

    Isto durou at o m da guerra. Hoje, podemos constatar com os eventos trgicos do Oriente Mdio a

    mesma maneira de tratar a inormao. Cada um preere camufar a parte que lhe desvantajosa para

    colocar em relevo a parte criminosa do outro. Este problema se apresenta de uma maneira perceptvel

    e muito evidente, porque as tradues e as reconstrues so tambm um risco de erro e muitas vezes

    1 Morin, Edgar. Os sete saberes necessrio educao do uturo. Publicado no Boletim da Semtec-MEC. Inormativoeletrnico da Secretaria de Educao Mdia e Tecnolgica. Ano1, n. 4, Junho/Julho de 2000.

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    o maior erro pensar que a idia a realidade. E tomar a idia como algo real conundir o mapa

    com o terreno. Outras causas de erro so as dierenas culturais, sociais e de origem. Cada um pensa

    que suas idias so as mais evidentes e esse pensamento leva a idias normativas. Aquelas que no

    esto dentro desta norma, que no so consideradas normais, so julgadas como um desvio patol-

    gico e so taxadas como ridculas. Isso no ocorre somente no domnio das grandes religies ou das

    ideologias polticas, mas tambm das cincias. Quando Watson e Crick decodicaram a estrutura do

    cdigo gentico, o DNA (cido desoxirribonuclico), surpreenderam e escandalizaram a maioria dos

    bilogos, que jamais imaginavam que isto poderia ser transcrito em molculas qumicas. Foi preciso

    muito tempo para que essas idias pudessem ser aceitas. Na realidade, as idias adquirem consistncia

    como os deuses nas religies. algo que nos envolve e nos domina a ponto de nos levar a matar ou

    morrer. Lenin dizia: os atos so teimosos, mas, na realidade, as idias so ainda mais teimosas do

    que os atos e resistem aos atos durante muito tempo. Portanto, o problema do conhecimento no

    deve ser um problema restrito aos lsoos. um problema de todos e cada um deve lev-lo em contadesde muito cedo e explorar as possibilidades de erro para ter condies de ver a realidade, porque

    no existe receita milagrosa (Morin, 2000, p. 1).

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    sociologia do conHeciMento

    Unidade 1

    identidade da sociologia do conHeciMento

    oBjetivo desta Unidade

    Estudaroconceito,aemergnciaeasprincipaisabordagensdaSociologiadoConhecimento.

    Temos a pretenso, com isso, de criar uma identidade para a Sociologia do Conhecimento, que

    nos undamente para abordar realidades sociais, rutos de aplicao de conhecimentos.

    as sees desta Unidade

    Seo 1.1 A Sociologia do Conhecimento as conceituaes

    Seo 1.2 O Conhecimento na Viso dos Clssicos a origem

    Seo 1.3 A Sociologia do Conhecimento no Sculo 20 a consolidao

    Seo 1.4 Conhecimento e Cultura nos Anos 70

    s 1.1

    a s chm u

    A Sociologia do Conhecimento investiga as interligaes entre categorias de pensamen-

    to, reivindicaes do conhecimento e realidade social do pensamento. Esta denio inicial

    insere-se na constatao de que as descobertas cientcas e os avanos tecnolgicos, ocorridos

    especialmente a partir do nal do sculo 19 e sua acelerao ao longo do sculo 20, a crena nopoder da cincia e da razo serviram para legitimar sua autoridade e necessidade e dar origem

    a algumas arrogncias.

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    Esta perceptvel nos discursos que deendem a razo cientca como a nica onte vlida

    de conhecimento. Funda-se ainda na modernidade a tentativa de dierenciar conhecimento cien-

    tco, a partir da matriz losca original, dos conhecimentos de segunda ordem, como lgica,gnoseologia, teoria do conhecimento, Filosoa da cincia, epistemologia ou que outro nome

    ainda se queira dar a esse domnio.

    Advm de Descartes e tem continuidade em Locke, Hume, Kant e Hegel, a ponto de o

    problema do conhecimento tornar-se ponto undamental da Filosoa moderna.

    Destes momentos refexivos surge a Sociologia para construir uma viso de que o prprio

    sujeito que pensa ou investiga deve se perceber no ato de conhecer, inserir-se no objeto de co-

    nhecimento. O ato individual de conhecer o resultado de uma complexa cadeia de operaese desenvolvimentos lgico-simblicos, que se inicia com o processamento de inormaes por

    parte de um crebro, ele mesmo envolvido no processo evolutivo da inteligncia humana.

    Esta compreenso, no entanto, mais antiga, tendo percorrido, desde a Antiguidade Clssi-

    ca, vrios caminhos que se cruzam, mas que se assentam na lgica. Ao identicar as regras bsicas

    de uncionamento do pensamento, a lgica oi certamente a primeira expresso do conhecimento

    racional, explcito e consciente, sobre o prprio conhecimento, cuja continuidade e ampliao

    para outros aspectos do conhecer, posteriormente, undaria o campo epistemolgico.

    A Sociologia do Conhecimento pode ser denida, em termos gerais, como o conjunto dos

    esoros intelectuais que se dedicam a investigar as realidades sociais do conhecimento. Esta

    genrica denio pretende inserir a compreenso de que este campo da Sociologia se dedica

    a estudar como as relaes de oras polticas e sociais, de um determinado momento histrico,

    se relacionam com a vida intelectual, enatizando os mtodos e os condicionamentos do pensa-

    mento para abordagens das realidades sociais. Ou seja, busca a compreenso de que os sistemas

    cognitivos possuem ortes relaes entre o coeciente existencial do conhecimento incluindo

    os coecientes humanos (aspectos pragmticos, polticos e ideolgicos) e os coecientes sociais

    (variaes nas relaes entre quadros sociais e conhecimento).

    A Sociologia do Conhecimento uma rea da Sociologia que nasce na Europa (Alemanha,

    Frana) e se desenvolve nos Estados Unidos em meados do sculo 20. Inicialmente ela se ocupa-

    va com a diversidade de valores presentes nas atitudes, modos de pensar de grupos sociais que

    produzem universos mentais de interpretao do mundo, numa mesma sociedade. Compreendia-

    se que o modo de produo da vida material determina o carter geral dos processos sociais

    e intelectuais da vida como dizia Marx (1997), e que os pensamentos derivados dos sujeitosdependem de sua base de existncia. Alm disso, as categorias de pensamento variavam de

    acordo com a organizao social qual indivduos esto associados.

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    sociologia do conHeciMento

    Para alm desta tendncia que acredita que as respostas cientcas so dadas pela prpria

    natureza, enquanto s bases sociais cabe apenas o papel de mediador esto estudos como os

    de Bourdieu, deendendo a tese de que a cincia uma atividade intelectual autodeterminadae a comunidade cientca como um sistema social interdependente com outros sistemas com

    regras denidas pelos prprios cientistas (Bourdieu, 1983).

    Estas tendncias da Sociologia do Conhecimento so herdeiras do contexto dos anos 70,

    quando vai se dedicar ao estudo das relaes entre cincia e sociedade, quando se percebe a

    emergncia de grupos de pesquisas instalados dentro das universidades e centro de pesquisas

    de grandes empresas e institutos de pesquisa privados e estatais. Vai se evidenciar que as cin-

    cias azem parte de estratgias do Estado e das empresas. Entende-se que as unes da cincia

    esto diretamente ligadas ao tipo de sociedade em que emergem os paradigmas dos grupos

    que ela desenvolve e que so parte das oras produtivas condicionadas pelas estruturas sociais

    que modelam e dirigem seu curso, seus mtodos e o uso de seus resultados. Esta interpretao

    reposiciona a cincia no interior das teorias marxistas da ideologia, no contexto das relaes de

    dominao da sociedade moderna. Ela teria, ento, carter de instrumento de dominao racional

    e tcnica da sociedade (Habermas, 1982).

    Esta interpretao entendeu que um dos ambientes adequados s relaes cientcas, para

    a produo de conhecimentos, seria a universidades e oi a ela que os setores produtivos recor-

    reram quando perceberam que no poderiam dar conta, sozinhos, da velocidade e complexidade

    das inovaes tecnolgicas (Santos, 1986).

    Assim sendo, hoje a Sociologia do Conhecimento transita por uma enorme quantidade de

    temas ligados s cincias: para construir os entendimentos das relaes entre o conhecimento

    ormal (cientco), que a universidade dimensiona, e a sociedade, produtora de variadas deman-

    das; as relaes entre as instituies culturais produtoras de bens simblicos, legitimadores das

    prticas e os indivduos que a ela recorrem; nas relaes das instituies culturais com outrasinstituies; a realidade educacional a partir dos contextos e condicionantes sociais e culturais

    das ormas de pensamento que infuenciam na produo do conhecimento; as instituies a partir

    de aes programadas conscientemente para obter determinados ns (Goldmann, 1972), etc.

    A Sociologia do Conhecimento tornou-se um dos ncleos constitutivos da Teoria Sociol-

    gica. Ou seja, um momento de coroao das perspectivas tericas que orientam as refexes

    sociolgicas. Alm de ser uma Sociologia da Sociologia tambm uma baliza do estatuto teri-

    co de nossa cincia, que pretende entender sua essncia, no somente por meio de uma visohistrica da cincia, mas tambm por undamentar uma epistemologia dos saberes cientcos

    traduzidos das vivncias humanas.

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    Entre tantas tentativas de esclarecer a identidade da Sociologia do Conhecimento destaca-

    se a de Rodrigues (2002), que considera seus objetivos identicar, conhecer, explicar e validar os

    nexos existentes entre as condies sociais, posicionadas historicamente, e as produes culturais

    de atores individuais e coletivos, oriundos da interao de contedos cognitivos desses atores com

    a prpriarealidade coletiva (tipos de instituio, crenas, doutrinas,racionalidades sociais).

    Estaramos armando, ento, que uma refexo e uma refexividade do conhecimento

    (um conhecimento do conhecimento) que pe a descoberto o sujeito situando-o como parte do

    ato de conhecer.

    Nesse sentido que o tema generalizao se tornou um problema epistemolgico central

    na Sociologia do Conhecimento. A possibilidade de universalizar verdades que oram constru-

    das com base em um processo de pesquisa particular em uma realidade particular. Por isso,

    devemos traar os limites do que queremos dizer e mostrar claramente que sobre uma parte

    que queremos nos dedicar.

    Isso Bourdieu (1983) denomina de construo do objeto. O grande desao nosso construir

    um objeto. A generalizao consiste em atribuir a uma totalidade o que oi observado em um

    nmero limitado de indivduos ou de casos singulares. D lugar ao genrico, isto , a classes de

    objetos, a conceitos ou proposies que se reerem ao caso mdio, ao caso tpico ou ao normal

    do gnero.

    A generalizao a operao intelectual que rene em uma classe, em um conceito ou

    em uma proposio um conjunto de objetos singulares com caractersticas comuns. Reere-se a

    um nmero nito ou indenido de indivduos, nisso dierindo da universalizao. Aplica-se aos

    indivduos de uma classe, de um conceito ou de uma proposio dada.

    Por exemplo, o conceito de computador geral. Distingue-se de coletivo, que se aplica

    a indivduos como grupo. O conceito de rebanho coletivo. O geral se unda na operao de

    generalizao, enquanto o coletivo se unda na totalizao do singular. O geral distingue-se do

    universal, que um caso extremo, no qual todos os indivduos, sem exceo, esto includos.

    Nas reas das Cincias Humanas e Sociais, no que se reere generalizao, existe um

    divisor de guas que separa os mtodos positivistas dos demais. Nos processos de explicao

    no positivistas reeridos a estruturas, a casos, a tipos e a enmenos , a generalizao ,

    orosamente, restrita. Pode-se generalizar os conceitos por exemplo, um conceito institudo

    especialmente para uma pesquisa, como o de capital burocrtico; pode-se estabelecer pro-

    posies como a de que os trabalhadores encontram rmulas para sobreviver ao trabalho ,

    mas no se pode atribuir a uma classe (muito menos a uma totalidade) o que oi observado ouinerido num dado segmento espao-temporal. Isso s possvel nos processos de explicao

    ditos positivistas (posit: o que est posto).

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    sociologia do conHeciMento

    Estes utilizam sistemas de inerncia indutivos vale dizer, mtodos e tcnicas em que o

    raciocnio parte de dados particulares (atos, experincias, enunciados empricos) , determinan-

    do por uma sequncia de operaes cognitivas de extenso, extrapolao ou analogia classes

    mais gerais, indo dos eeitos causa, das consequncias ao princpio, etc.

    pelo poder de ruptura e de generalizao que se reconhece e que se conhece o modelo

    terico de uma pesquisa (Bourdieu, 1994). A generalizao precisa de condies para se eetivar.

    Em primeiro lugar, vericar se os materiais analisados so de uma amostra representativa de um

    universo especco de materiais e, em segundo lugar, observar se as relaes vericadas entre

    determinadas condies e suas consequncias so universalmente vlidas (vejam: a denio de

    capitalismo de Weber e de Marx so generalizaes que servem para nossa ideia de capitalismo

    at hoje, mas o capitalismo que voc percebe a em sua cidade, em sua regio, em seu pas?

    Convm lembrar que o estabelecimento de leis cientcas est relacionado ao projeto de pesquisa,dependendo do desenvolvimento dos conceitos e da ormao de hipteses (Bourdieu, 1994).

    A orma mais simples de enunciado sobre como uma coisa unciona uma generalizao, ou

    seja, uma observao sobre como duas ou mais variveis se relacionam: mulheres recebem salrios

    menores do que os homens... H muitos desacordos entre os socilogos se essas generalizaes

    uncionam para explicar as coisas, pois parece que a generalizao apenas resume algo a ser ex-

    plicado. A generalizao pode sugerir uma ormulao terica correlata, mas isso no suciente

    para torn-la puramente terica... em Sociologia no armamos abstratamente alguma coisa sem

    relacion-la empiricamente. Generalizao esoro de teorizao. A comparao e a generaliza-

    o, tal como ocorrem de orma sistemtica na Cincia e na Filosoa, esto associadas abstrao.

    Emerge em um momento em que o pensamento capaz de operar por meio de conceitos e proposi-

    es, podendo alar voo em direo de hipteses e teorias, por no estar mais preso a materialidade

    de objetos concretos particulares. Generalizar separar mentalmente para tomar em considerao

    uma propriedade que no pode ter existncia ora do todo concreto ou intuitivo em que aparece.

    Dierenciar e comparar com o objetivo de encontrar, entre as dierenas aparentes, as similaridades

    e os padres, as regularidades, enm, que do origem generalizao (Barbosa, 1998).

    na socializao do conhecimento que vamos esclarecer como zemos nossos estudos,

    os caminhos, os impactos, as concluses parciais e as concluses gerais a que chegamos. Quemquiser duvidar de nossas verdades cientcas ter de azer os mesmos caminhos e provar que

    pode duvidar e chegar a outras concluses.

    a que a cincia se torna grandiosa: poder socializar os dierentes pontos de vista. Isso,

    no entanto, pode chegar a um relativismo exagerado. Por isso precisamos pr as verdades em

    dilogo e chegar a um entendimento mais unvoco sobre tal enmeno (no precisa ser um nico

    entendimento, mas esorar-se para unir o mximo). Sem isso, teramos o irracionalismo...

    Na medida em que temos algumas convergncias de entendimentos sobre atos/enmenos,

    ento se consagra conhecimentos, conceitos, metodologias, expresso sobre realidade, que podeser usada para orientar prticas polticas, culturais, sociais, educacionais, econmicas, jurdicas...

    Isto quer dizer que se instituiu o saber, reconhecido pela comunidade cientca.

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    Sabe-se que a pesquisa no apenas a pretenso de descre-

    ver atos reais, mas se apresenta como construo que diz respeito

    a atos socialmente construdos. H, portanto, uma distncia entre

    interpretao e realidade.

    As especializaes no seio da Sociologia (Sociologia do tra-

    balho, Sociologia rural, Sociologia religiosa, Sociologia dos tempos

    livres, Sociologia dos meios de comunicao social, etc.) trouxeram

    uma compartimentao interna que devido multidimensionalidade

    e complexidade das realidades sociais, desintegra toda a possibili-

    dade de conceber a sociedade como um todo, constituindo umaunitas

    multiplex. A Sociologia geral torna-se no mais o conhecimento deum sistema complexo e multidimensional, mas ora um saco vazio,

    ora uma teoria abstrata em que se dissolvem, aqui o sistema, ali o

    complexo e o multidimensional. Somos abandonados a uma alter-

    nativa perversa: Sociologia em migalhas ou Sociologia abstrata. De

    um lado, as pesquisas echadas e sem horizonte, do outro as teorias

    arbitrrias e racionalizadoras (Morin, 1998).

    A Sociologia no pode perder de vista o concreto, os aconte-

    cimentos, os enmenos da vida cotidiana, do presente, os grandes

    problemas antropossociais. Trata-se, como arma Morin (1998), de

    simultaneamente rever os problemas das teorias undamentais e de

    interrogar o presente imediato, incluindo os acontecimentos.

    Como a cienticidade parcial e inacabada em toda a Sociologia,

    todo o socilogo parcialmente um cientco e parcialmente um cidado

    e, no entanto, deve tentar atingir um conhecimento pertinente, correndo

    os seus riscos intelectuais, e ao mesmo tempo, viver o seu mundo eminter-relaes. Enquanto intelectual, a receita de Morin

    empenhar-se pessoalmente na sua interrogao dos enmenos e dos

    acontecimentos; aventurar-se no seu diagnstico e no seu prognstico;

    problematizar de maneira crtica o que parece evidente e natural,

    mobilizar a sua conscincia e a sua refexo de humano e de cidado,

    elucidar os seus pares intelectuais. Tanto deve pesquisar e utilizar

    dados veis e vericveis como desenvolver um pensamento pessoal.

    Em vez de se reugiar numa gria annima que cr cientca, deveempenhar-se numa escrita singular, e assim se armar plenamente

    como autor (1998, p. 13).

    Unitas multiplex

    significa unidade

    do mltiplo.

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    sociologia do conHeciMento

    Pela socializao do conhecimento o socilogo esclarece como ez os estudos, os caminhos,

    os impactos, as concluses parciais e as concluses gerais a que chegou. Quem quiser duvidar

    das verdades cientcas ter de, ao menos, azer os mesmos caminhos e provar que pode du-

    vidar e chegar a outras concluses.

    a que a cincia se torna grandiosa: poder socializar os dierentes pontos de vista. Isso, no

    entanto, pode chegar a um relativismo exagerado. Por isso precisamos pr as verdades em dilogo

    e chegar a um entendimento mais unvoco sobre aquele enmeno (no precisa ser um nico

    entendimento, mas esorar-se para unir o mximo. Sem isso, teramos o irracionalismo...).

    Na medida em que temos algumas convergncias de entendimentos sobre atos/enmenos,

    ento se consagra conhecimentos, conceitos, metodologias, expresso sobre a realidade que pode

    ser usada para orientar prticas polticas, culturais, sociais, educacionais, econmicas, jurdicas...

    Isto quer dizer que se instituiu o saber, reconhecido pela comunidade cientca.

    Embora isso parea tarea da epistemologia, o destaque est ao mostrar que a gnese so-

    cial do conhecimento parte da ora de validade para um contexto histrico determinado. Se

    as pocas aetam as ideias dos homens, estas tambm aetam as pocas e se tornam igualmente

    atos passveis de serem investigados. Isto quer dizer que no existem conhecimentos particu-

    lares, individuais: o saber sempre est vinculado a uma orma social, o que torna impossvel a

    produo de uma verdade nica.

    A epistemologia, disciplina oriunda da Filosoa, se diz incumbida de estabelecer o estatuto

    de verdade e objetividade do conhecimento cientco, vericando a gnese em si do conhecimento

    e no a sua lgica temporal, circunstancial, local e cultural dos dierentes contextos. Trata-se,

    ento, de uma dinmica mais realista e empirista que marca o dierencial da Sociologia do Co-

    nhecimento e a epistemologia.1

    No vamos nos prender nestas indagaes mais abstratas que certamente so importantes

    para o socilogo, mas que podem estar relacionadas ao seu condicionamento refexivo sobre

    as prprias possibilidades de azer cincia. Queremos aqui destacar melhor o lugar do conhe-

    1 No vamos nos dedicar aqui a esta polmica sobre o que Sociologia do Conhecimento e epistemologia. Basta-nosreerenciar que esta az parte dos aportes da Filosoa que no est preocupada essencialmente com os elementosempricos dos conhecimentos. Sua antstica colaborao buscada nas prprias abstraes e aquela parte daSociologia, que inversamente, se dedica s relaes sociais eetivas no tempo e no espao. A quem interessar sabermais sobre este embate leia: Espinosa, Emilio L.; Garcia, Jos M. G.; Alberto, Cristbal T. Los problemas de laSociologa del conocimiento: sociologa del conocimiento y epistemologa. In: La sociologia del conocimiento y deLa cincia. Madrid: Alianza Editorial, 1994. p. 127-147. Dizem os autores: A ortodoxia acadmica neopositivista doCrculo de Viena solucionou este problema distinguindo com Hans Reichenbach o contexto social da descoberta doconhecimento e o contexto de sua justicao, ou seja, distinguindo entre a gnese dos conhecimentos e a sua validade.Com isso se tratava de assinalar que mesmo que os conhecimentos possam emergir de ormas sociais concretas, suavalidade terica como conhecimento verdadeiro (ou also) deve car margem das anlises sociais, pois diz respeito aargumentos abstratos lgico-experimentais, cuja elaborao cabe Epistemologia ou Filosoa da Cincia. A anlisesocial da gnese nada poderia dizer sobre a validade dos conhecimentos (Lamo de Espinosa e colaboradores, 1994, p.128).Traduo livre de Rodrigues, 2002.

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    cimento na sociedade e o lugar da sociedade no conhecimento. Sabemos da diculdade desta

    empreitada, mas podemos colocar os seguintes pressupostos que so inerentes produo de

    conhecimento em Sociologia:

    Pressuposto I A Dierencialidade de Maniestao dos Fatos/Realidades: Signica que

    embora se tenha um saber instalado, que interpreta as realidades/atos/enmenos sociais, em

    Sociologia se exige que se busque relacionar este conhecimento anterior com o tempo e espao

    de agora, do tempo presente, pois os atos sociais no se maniestam da mesma orma nos die-

    rentes tempos e espaos.

    Pressuposto II A Insero do Sujeito do Conhecimento nos Fatos/Realidades: Embora se

    valorize muitos os aspectos analticos/refexivos do conhecimento, preciso considerar que este

    saber partiu de um sujeito com trajetrias existenciais inseridas em realidades que infuenciam

    em seu potencial refexivo. Trata-se das trajetrias culturais e escolares do pesquisador.

    Pressuposto III Objetividade da Busca do Conhecimento ou Posio Histrica Diante dos

    Fatos/Realidades: Embora o sujeito e o objeto estejam circunstanciados pelo tempo e espao,

    preciso dimensionar os objetivos pelo quais o conhecimento oi produzido e sua insero nas

    relaes de poder. Trata-se de mostrar que o pesquisador sempre tem umaposio de classe (um

    mundo que deende) nas relaes sociais existentes. Estas posies podem no ser correspon-

    dentes s situaes de classe (condies econmicas reais que possui).

    Pressuposto IV As Potencialidades de Socializao do Saber: Signica entenderque o co-

    nhecimento precisa ter potencialidades para ser socializado e dialogado, ou seja, ser democrtico

    e democratizante, pois todo o saber deve elucidar a vida e no desprez-la. Ou seja, se no levar

    isso em conta, estamos apenas diante de uma tcnica de poder e no de um saber cientco. Dito

    de outra orma: o conhecimento relevante deve ser discernido na gramtica social.

    Pressuposto V Ao Orientada do Sujeito/Ator do Conhecimento nos Fatos/Realidades: O

    prprio sujeito do conhecimento precisa encontrar no seu saber potnciais de orientao da vida

    prtica e inserir-se no mundo em que pesquisa. Considerando as lutas universais presentes em

    uma circunstncia histrica, o sujeito do conhecimento deve se inserir em um movimento social

    e societal. Nesse momento podemos dizer que os conhecimentos devem se dirigir para ortalecer

    os seguintes movimentos sociais universais: Movimento Ecolgico: Meio Ambiente; Movimento de

    Mulheres: Cultura de Igualdade e Dierena; Movimento pelo Bom Uso da Terra Sustentabilida-

    de; Movimentos Culturais Direito Dierena; Movimento pelos Direitos Humanos Dignidade

    da Pessoa; Movimento da Economia Solidria Trabalho, Renda e Solidariedade.

    Desse modo a produo do conhecimento deve ter como papel bsico libertar as intelign-cias, uma vez que a atual sociedade ruto da natureza intelectual e espiritual dos indivduos.

    Devemos azer cincia para alm de um tempo histrico, de uma vida particular, de um governo,

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    de uma empresa, de um mercado, de um local, ou seja, contribuir para o mundo, desvendando

    as relaes e determinaes, nem sempre maniestadas nas diversas dimenses da vida humana

    em sociedade. Na totalidade destas, o ser em sociedade, o azer, o saber, o comunicar-se, o poder,

    no possuem denotaes independentes, pois se armam pelo transpasse de uns nos outros,

    identicam-se e permitem a compreenso de seus movimentos somente no conronto de seus

    outros. A reciprocidade e as representaes incidem sobre a vida em sociedade, que produto

    e produtora da orma como o homem se situa na realidade e a si mesmo. O trabalho, o existir

    social, os processos cognitivos, os signos, as relaes de poder, so lugares sociais em que se

    produz conhecimento e nele incidem (Marques, 1997).

    Para atingir esta vigilncia sobre prprio trabalho de pesquisa, vamos elucidar aqui al-

    guns passos que so importantes em uma pesquisa cientca. Trata-se das primeiras abstraesnecessrias para iniciar um procedimento de pesquisa: a realizao do projeto a escolha de

    um tema que proporcione a criao de um objeto, que se justica cienticamente, socialmente e

    praticamente. O outro passo vericar que produes j abordaram este objeto, para que, assim,

    se possa tirar uma novidade na minha abordagem, na minha problematizao, no meu problema

    de pesquisa e elucidar minhas hipteses. Na ase seguinte passo a identicar o processo de pes-

    quisa com o quadro cientco existente, com as dimenses tericas reerentes, onde se escoram

    os conceitos utilizados na metodologia escolhida. Por ltimo devo mostrar como vai se dar a

    pesquisa no tempo e no espao que possuo, na realidade onde ela se insere e se conclui.

    Este esquema uma exposio lgica de como possvel abordar uma realidade. O domnio

    das tcnicas e dos procedimentos de elaborao e apresentao dos tratados, estudos e pesqui-

    sas garante a qualidade ormal do material em questo, acilitando os critrios de avaliao dos

    mesmos. Trata-se de, a partir de algumas diretrizes operacionais, desenvolver um instrumental

    de apoio s atividades didtico-cientcas dos proessores que buscam desenvolver competncias

    especcas nos seus alunos em ormao.

    Sabe-se que a questo da competncia supe no apenas o domnio de contedos e tc-

    nicas prprios especicidade da atividade prossional, como tambm o domnio de aspectos

    relacionados orma e sistematizao do prprio pensar.

    O processo de produo do conhecimento sobre o mundo social passa necessariamente

    pela reelaborao daquilo que vemos, na orma de representaes. Ou seja, para tentar compre-

    ender o mundo preciso, num primeiro momento, desconstru-lo, assim como az o mecnico

    de automveis, que para compreender seu objeto, qual seja, o motor, precisa desmont-lo para

    depois remont-lo, agora munido de um saber enriquecido pela prxis.

    Assim, o cientista social ao se deparar com seu objeto, precisa desenvolver uma atitudecrtica de orma a desmontar este objeto, na orma de categorias conceituais, buscando o seu

    entendimento, tambm enriquecido pela prxis. Esclarecendo que:

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    1 TEMA: Realidade que ser estudada: escolha do tema (importncia social x importncia

    cientca).

    2 OBJETIVOS: Delimitar os elementos eetivos que vo ser abordados, o objeto de estudo ee-tivo, o que vai procurar no tema.

    3 JUSTIFICATIVA: Como originou o interesse em estudar o tema. Temos trs tipos de justi-

    cativa:

    Interesses Cientfcos: contribuies para as cincias.

    Interesses Polticos-Sociais: implicaes nas relaes sociais que a investigao poder

    atingir.

    Interesses Prticos Especfcos: dimenses institucionais prticas elementares que a pes-quisa responde.

    4 REVISO BIBLIOGRFICA: Mostrar que pesquisas j abordaram seu objeto de estudos e o

    dierencial que esta pesquisa ter em relao quelas. Trata-se de expor a sntese da anlise

    compreensiva eita pela pesquisa bibliogrca dos autores pesquisadores mais prximos

    ao nvel de investigao do seu estudo (outras monograas, textos, artigos, teses e livros de

    autores no paradigmticos). No se trata da teorizao, mas de um mapeamento do conhe-

    cimento existente para garimparseu objeto.

    5 PROBLEMA DE PESQUISA:

    A) Problematizao: mostrar quais as impresses j obtidas do objeto investigado, as receptivi-

    dades do investigador com as inormaes, as inquietaes, as novas dimenses suscitadas

    e os indicativos iniciais das principais interrogaes.

    B) Defnio do Problema de Pesquisa: azer a derradeira pergunta sobre a realidade e os

    entendimentos j obtidos. A pergunta deve azer o rompimento com o senso comum e os

    conhecimentos j existentes sobre o objeto. Esta pergunta deve ter uma densa relao com

    os objetivos e ao mesmo tempo encaminhar a abordagem terica que embasa a refexo

    do tema.

    6 HIPTESES: Hipteses so proposies que antecipam a resposta para a pergunta do pro-

    blema de pesquisa. A uno da hiptese conduzir a constatao inicial da realidade a ser

    investigada, azer a conexo necessria entre a teoria e a realidade, azer a crtica, desaar

    e provocar o interesse pelo tema.

    7 QUADRO TERICO: Delinear a viso terica do investigador sobre o objeto da pesquisa,

    apontando os autores paradigmticos que tm possveis relaes com a congurao da

    pesquisa que se est azendo. o possvel enquadramento da pesquisa no horizonte tericode sua rea de conhecimento. No necessariamente a liao terica, mas sim a relao

    sinalizadora do ortalecimento de escolas cientcas ou de modelos explicativos, pois evi-

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    sociologia do conHeciMento

    dente que o uso de conceitos tem relao com seus criadores. no quadro terico que so

    demonstrados os conceitos que vo ser utilizados, seus signicados e as possveis mudanas

    de sentido que havero na presente pesquisa: os pesquisadores precisam precaver-se contra

    a tendncia de refetir a realidade social sem a problematizarem, produzindo dados sem teoria

    e a idia de que a teoria sem dados pode alar em nome da realidade (May, 2004).

    8 METODOLOGIA: Combinao entre teoria e prtica (indutivismo e dedutivismo), em que

    se pode dividir os mtodos em Cincias Sociais para:

    8.1: BUSCA DE DADOS: Destacar o objeto no tempo e no espao, sendo a amostragem que

    exige metodologia adequada para a sua abordagem. a escolha dos mtodos e das tc-

    nicas que vai utilizar para recolher os dados, organiz-los e analis-los. descrever o

    mtodo escolhido. Geralmente a metodologia est vinculada ao problema de pesquisa, s

    hipteses e ao quadro terico refexivo antes enunciado. O mtodo coordena as tcnicas

    de coleta, a busca de inormaes e delimita a amostra.

    Mtodos nas Cincias Sociais: Estudo bibliogrco, Estudos Comparativos, Observao

    Participante, Estatstico, Estudo de Caso, Reconstruo Histrica, Histria Oral, Histria de Vida,

    Observao Participante, Entrevista Dialgica, Pesquisa Documental, Pesquisa Comparativa.

    Tcnicas de Pesquisas em Cincias Sociais: Anlise de documentos, pesquisa bibliogrca,

    anlise de dados estatsticos, entrevistas, questionrios, histria de vida, histria oral, anlise de

    mensagens, anlise de discursos, tcnicas visuais...

    8.2: INTERPRETAO DOS DADOS:

    Mtodo positivista

    Mtodo dialtico

    Mtodo compreensivo

    Interacionismo.

    9 PLANEJAMENTO DA EXECUO

    Organograma da Ao:Apontar os passos na pesquisa no tempo e no espao em que vaiser realizada e concluda.

    Quadro 1

    ATIVIDADES 1 2 3 4 5 6 5 8 9 10 11 12BUSCA E ORGANIZAO DOS DADOS X X XANLISE, DESCRIO DOS DADOS X X X

    INTERPRETAO DOS DADOS X XESCRITA FINAL X XREVISO FINAL X

    COMUNICAO DOS RESULTADOSOU APRESENTAO X

    Fonte: Elaborao do autor.

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    A pesquisa cientca deve ser planejada, antes de ser executada. Isso se az mediante

    uma elaborao que se denomina projeto de pesquisa. O projeto de pesquisa um documento

    que descreve os planos, ases e procedimentos de um processo de investigao cientca a ser

    realizado.

    Talvez uma das maiores diculdades, de quem se inicia na pesquisa cientca, seja a de

    imaginar que basta um roteiro minucioso, detalhado, para seguir e logo a pesquisa estar rea-

    lizada. Na verdade o roteiro existe: so as diversas ases do mtodo; entretanto uma pesquisa

    devidamente planejada, realizada e concluda no um simples resultado automtico de normas

    cumpridas ou roteiro seguido. Antes deve ser denida como obra de criatividade, que nasce da

    intuio do pesquisador e recebe a marca de sua originalidade, tanto no modo de empreend-la

    como de comunic-la. As ases do mtodo podem ser vistas como indicadoras de um caminho,dando, porm, a cada um, a oportunidade de maniestar sua iniciativa e seu modo prprio de

    se expressar.

    evidente que a Sociologia deende um pluralismo metodolgico para as pesquisas. Os

    procedimentos para compreender o mundo social tornam-se objetos de interpretao confituosa

    e onte de ricas argumentaes. A observao a construo intersubjetiva dos signicados. Na

    pesquisa social temos de considerar a imensa relevncia que existe entre o pesquisador e o ator

    social, o que infuencia na denio do objeto de pesquisa.2

    Todo o processo de pesquisa deve expressar-se na escrita. Esta escrita tem uma dimenso

    especial. Segundo Mario Osorio Marques (1998):

    [...] uma das minhas primeiras aprendizagens oi a constatao de que o desao da escrita o come-

    la, no seu todo e em cada uma de suas partes. Isso porque s escrevendo se escreve, no se trata de

    preparar-se para o escrever. ele um ato inaugural, comeo dos comeos... iniciar sem pressa... depois,

    assunto puxa assunto... escrever puxa leituras que puxam o reescrever.

    Marques (1998) tenta nos mostrar a atividade especial que a escrita no processo pes-

    quisante, armando que preciso escrever antes e pensar depois: escrevia-se antes o que se

    pensava. Agora entendo o contrrio: escrever para pensar, uma orma de conversar.

    A pesquisa s se inicia pela denio do seu comeo (o tema ou assunto, o problema, a

    hiptese...) o ttulo o comeo... Quando encontro o ttulo tenho um comeo... Pode modicar

    depois... quem escreve quer se ver e procura amigos para conversar... quando temos na cabea

    um assunto, em toda a parte topamos com reerenciais a ele. Escrever uma paixo. Quando se

    tem um ttulo-tema-problema-hiptese vive-se com ele o dia todo. Dorme-se com ele, acorda-se

    com ele.

    2 Rudio, Franz Victor. Introduo ao projeto de pesquisa. 31. ed. Petrpolis: Vozes, 2003.

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    sociologia do conHeciMento

    Entende-se que o texto escrito contm as palavras que revelam o outro, que se aviva no

    ato da leitura. Elimina-se pontos de vista privilegiados, pois o autor e o leitor se equilibram no

    sentido do texto e nas aberturas possveis para as mltiplas culturas presente nos dois.

    Vivemos um tempo de cultura escrita. A linguagem escrita e este o desao da expresso

    cientca.

    Gostaramos de ter um tempo para escrever. No adianta, no o temos e se o tivssemos duvido que

    escrevssemos melhor. A criatividade no bicho que se agarre; ela surge nos interstcios, na ima-

    ginao, de orma que, quando menos se espera, escrever preciso... [...] H gente que no comea

    alegando precisar de tempo. Andam procura no do tempo perdido, mas do tempo que no lhe do.

    Falta tempo ou alta paixo? ... O tempo pastoso, algo se espicha ou se comprime como se quer,

    que se amolda a nossos amores... escrever no obrigao inspida... [...] Escrever preciso e nissoest o contra-ponto do dito popular viver preciso, porque viver entender-se consigo mesmo,

    dizendo-se a si ao dizer-se a outrem na ala do ace-a-ace, ou melhor, da ala-escuta, ou no dizer-se

    olha em branco. Viver sem saber no viver... [...] Entender as razes do apelo a essa segunda orma

    de reconciliar-se consigo mesmo, a do escrever, chegar a ser proundo, no raso... para o proessor

    escrever princpio de vida, impulso vital e problema prossional de um ser sempre pesquisante que

    ensina a pesquisar, a aprender a aprender... usa-se o suporte sico da olha (ou tela), suporte histrico

    da gramtica e do dicionrio para que se escreva para conversar (Marques, 1998).

    A palavra alada se prolonga na palavra escrita, em que a linguagem se torna memria e

    energias intelectuais concretizadas, reservatrios de contextos de experincias que servem para

    interpretao do mundo.

    A Sociologia do Conhecimento reserva um papel especial para a linguagem: o de mediadora

    da experincia humana. Ela concretiza o mundo pensado e potncia desveladora da palavra

    que suplanta a prepotncia subjetiva dos interlocutores, desalojando-os do empenho da impo-

    sio monolgica dos prprios pontos de vista subjetivos ou xamente objetivados. Na escrita,

    no texto, o signicado supera o autor e o intrprete tem de relacionar o texto com sua prpria

    situao, pois sujeito histrico concreto que possui seus conceitos, crenas, ideais, critrios,

    normas e culturas (Marques, 1993).

    Assim, convidamos voc a conversar lendo o texto que mostra a origem e o desenvolvimento

    das preocupaes da Sociologia do Conhecimento nas Cincias Sociais.

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    s 1.2

    o chm v c m

    Na Sociologia clssica j vemos este esoro para mostrar que os entornos sociais esto

    sempre a provocar os produtores de conhecimentos, sejam eles cientcos ou conhecimentos so-

    ciais (conhecimentos simples, advindos das experienciaes de vida). Em Marx, estaria expresso

    nos conceitos de Materialismo Histrico e na Dialtica, em Dukheim em Categorias Sociais e em

    Weber emAnidades Eletivas (Rodrigues, 2005).3

    Na viso de Marx, o sistema social moderno um sistema criado por uma classe, a burgue-sia, com mecanismos para garantir o controle e a ordem que lhe interessa. Tudo ca submetido

    lgica deste sistema. Esta lgica distribuda pela ideologia, pelas prticas econmicas e pelo

    conjunto de instituies que agrega poderes de organizao e coao. Toda a teoria de Marx

    possvel de ser inserida neste esoro de explicar as relaes sociais e a dinmica do pensamento

    na sociedade.

    Em sua expresso materialismo buscada a base na realidade sensvel vivenciada

    pelos homens (no mundo do trabalho, da economia), para congurar uma teoria propositiva,

    da possibilidade objetiva, que pretendia revolucionar as ideias para transormar as ormas de

    interpretaes das realidades. Essa era a essncia de suas reerncias, a dialtica. Por exemplo,

    as lies da histria humana sempre oram vistas sob o ponto de vista dos vencedores, dos do-

    minadores. Sua uno (da teoria) era tambm recuperar a histria da sociedade pela viso dos

    vencidos, dos operadores (dos operrios), para justicar sua assertiva de pretender azer uma

    revoluo nas ormas de organizao social da sociedade (com sua teoria do poder, da poltica e

    da dominao). Ou seja, podemos ler nas milhares de pginas escritas por Marx a diversidade

    de temas tratados, ora tentando elaborar um conjunto de novas concepes globais de sociedade,

    de homem e de mundo e ora querendo contribuir modestamente, por meio de pesquisas, para aluta revolucionria do movimento operrio.4

    A teoria de Marx trata-se de uma proposta cientca (baseada em mtodos de pesquisa),

    uma teoria do conhecimento que recupera a dialtica (que nos desaa a buscar um motivo para

    buscar saberes), uma teoria da economia poltica (propondo uma sociedade igualitria) e tambm

    uma cincia da sociedade, pois uma teoria que compreende os problemas centrais da nossa

    sociabilidade humana e prope solues que no so somente na lgica pensada, mas na prtica

    3 Rodrigues, Leo Peixoto. Introduo ao conhecimento, da cincia e do conhecimento cientco. Passo Fundo: UPF, 2005.p. 14

    4 Silva, Enio Waldir da. Teoria Sociolgica I. Iju: Ed. Uniju, 2008.

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    social. Enquanto mtodo de pesquisa, temos a possibilidade de conhecermos a ns mesmos no/e

    pelo processo de conhecimento da sociedade em que vivemos. A dialtica o movimento recpro-

    co entre teoria e prtica, entre sujeito e objeto e um processo de constante passagem fuida deuma determinao a outra no processo histrico (Silva, 2008). Os desdobramentos da essncia

    prtica da teoria, consolidados no lema unidade de teoria e prtica, dependem da elevao

    conceitual do proletariado condio de sujeito e objeto do processo histrico, mediando assim

    a relao entre conscincia e realidade.5

    Ao esclarecer o papel da dialtica para o proletariado, Marx pressupe desvendar a ideia

    de trabalho que se apresenta ao trabalhador e aos demais membros da sociedade. Com uma

    organizao corprea, o homem se destina a manter relaes contnuas com a natureza circun-dante e assim vai destinguindo-se do animal na produo de seus meios de existncia e a se

    autoproduzir na produo da realidade humano-social.

    Como atividades prospectiva, o trabalho marca a eccia do uturo sobre o presente, pela

    representao antecipatria da necessidade, pelo recurso ao instrumento, suspensivo da ao

    imediata, e pelo recurso ao smbolo com que se az obra coleitva. o conhecimento que orienta e

    dinamiza a prtica e esta ultrapassa o saber no apelo ao risco da imaginao, ao questionamento,

    inveno do uturo, e pelo qual a solidariedade do rito e do mito conduz o grupo para almda experincia imediata. Alm de catagoria antropolgica, o trabalho a categoria da teoria do

    conhecimento, reerindo-se ao homem como seu esquema de agir e pensar.

    Podemos ver em Karl Marx que as conguraes de conhecimento se deslocam da mera

    descrio dos objetos dados para a procura das ormas de produo do real, contituindo-se a

    conscincia em determinante da realidade, ao mesmo tempo que por ela determinada e ge-

    rando a ambas. Com isso Marx enrenta e responde necessidade de dierenciar a conscincia

    burguesa tipicada na mentalidade original da economia poltica, de um saber que proporcionaa emancipao social. Trata-se da compreenso de um estado impregnado pelas representaes

    caractersticas de um perodo particular da sociedade, em que a primazia cabe s oras mate-

    riais. Em consequncia, deve-se distinguir em primeiro plano a conscincia alienadacomo a

    maniestao da sociedade capitalista em nvel da produo espiritual. Por undamentar-se no

    etichismo da mercadoria e na incapacidade da estrutura social para dominar as oras produti-

    vas que ela prpria suscitou como aprendiz de eiticeiro, a sociedade capitalista leva ao primado

    das oras produtivas materiais. Da que o plano das ideias e a produo intelectual neste tipo

    5 Ver em Lukcs, G. Histria e conscincia de classe: estudos de dialtica marxista. 2. ed. Rio de Janeiro: Edit. Elos,1989 p. 289, e em Marx, Karl. O capital. Crtica da economia poltica. So Paulo: Diel, Livro 1, 1979.

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    de sociedade seja caracterizado pela conscincia alienada, como orma de objetivao em que

    as oras sociais perdem suas caractersticas sociais e nessa perda so projetadas para ora de si

    (no etichismo da mercadoria).6

    desta crtica aos pensadores burgueses que a Sociologia tirar a reerncia undamental

    para a compreenso do carter ideolgico, pois se a sociedade capitalista leva ao primado das

    oras produtivas materiais a mentalidade da economia poltica, logicamente congura uma

    conscincia misticada ou ideolgica porque est impregnada pelas representaes(coletivas)

    caractersticas de um perodo particular da sociedade em que a primazia cabe s oras mate-

    riais.

    Isso signica que, sejam de apelo poltico como as mencionadasimagens-sinais, sejam

    de apelo moral como asimagens simblico-ideais, todas asimagens ideolgicas pressupem a

    transposio em valores e ideais da ora de atrao dos produtos materiais como campos prtico-

    inertes,uma vez que surgem por alta da identicao com a realidade. H, a, a constatao

    de que qualquer cincia uma atividade social prtica e, portanto, comporta um coeciente

    humano, notando que este o posicionamento e a ormulao de Marx nas clebres Teses sobre

    Feuerbach.

    Em decorrncia, constata-se que a ideologia no passa de um gnero particular do conhe-

    cimento: o conhecimento poltico que se arma em todas as estruturas e em todos os regimes,mas cuja importncia e cujo papel variam.

    Qualquer movimento dialtico est ligado em primeiro lugar praxis social. A alienao

    possui os seguintes aspectos: a objetivao; a perda de si; a medida da autonomia do social; a

    exteriorizao do social mais ou menos cristalizada; a medida da perda de realidade ou desre-

    alizao de que dependem, em particular, as ideologias como maniestaes da conscincia

    misticada; a projeo da sociedade e dos seus membros para ora de si prprios e a sua disso-

    luo nessa projeo ou perda de si (Lumier, 2011).

    A dialtica aplicada ao sistema capitalista para mostrar que o trabalho alienado em

    mercadorias; o indivduo alienado a sua classe; as relaes sociais alienadas ao dinheiro, etc. Para

    Lukcs (1989), a dialtica revolucionria e serve para mostrar as razes argumentativas para o

    m da alienao, que comearia a acontecer com o m na explorao do homem pelo homem, ou

    seja, quando or possvel promover uma organizao da produo igual e uma distribuio igual,

    a partir da autogesto e cogesto; promover o m das classes sociais, o m dos privilgios dos

    lugares sociais e o m de estruturas polticas que asseguram estes privilgios e a desigualdade,

    6 Conorme Lumier, Jacob. A Utopia do saber desencarnado, a crtica da ideologia e a sociologia do conhecimento. In:. Acesso em: 12 dez. 2011. Jacob (J.) Lumier. In: As Aplicaes da Sociologia doConhecimento. Veja mais sobre este autor em . Acesso em: 12 nov. 2009.

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    criando um novo Estado, como uma nova esera pblica, o trabalho como livres disposies de

    iguais, no uma obrigao externa imposta por outrem, o m da propriedade privada e a avor

    do livre desenvolvimento cultural do homem promoo da igualdade da totalidade do gnero

    humano.7

    Ento, a assertiva que parece ser a mais central nesta teoria da liberdade esta: o homem

    s ser livre quando o trabalho or livre. Para chegar a esta liberdade, no entanto, preciso se

    libertar da ideologia burguesa (uma outra lgica para pensar o mundo que a dialtica proporcio-

    na revoluo no pensamento, como diria hoje Edgar Morin como queres liberdade se no

    sabes o que te prende? Se souberes o que te prende preciso saber como se libertar e depois

    de liberto deves saber o que azer com tua liberdade); para azer isso preciso se organizar(or-

    ganizar quer dizer planejar, decidir e agir e isso poltica por isso, no tempo de Marx, o canalconcreto o partido poltico); no entanto, de ato, a liberdade s alcanada quando o mundo

    da necessidade no reinar mais entre os homens (por isso mudar o modo de produzir, distribuir

    e consumir e isso economia de ato).

    Para ilustrar a posio de Marx vamos expor aqui as teses histricas do autor:

    TESES SOBRE FEUERBACH

    Karl Marx

    Tese I

    O deeito undamental de todo materialismo anterior inclusive o de Feuerbach est em que s

    concebe o objeto, a realidade, o ato sensorial, sob a orma do objeto ou da percepo, mas no como

    atividade sensorial humana, como prtica, no de modo subjetivo. Da decorre que o lado ativo osse

    desenvolvido pelo idealismo, em oposio ao materialismo, mas apenas de modo abstrato, posto que

    o idealismo, naturalmente, no conhece a atividade real, sensorial, como tal. Feuerbach quer obje-

    tos sensveis, realmente dierentes dos objetos de pensamento; mas tampouco concebe a atividade

    humana como uma atividade objetiva. Por isso, em A Essncia do Cristianismo, s considera como

    autenticamente humana a atividade terica, enquanto a prtica somente concebida e xada em suamaniestao judia grosseira. Portanto, no compreende a importncia da atuao revolucionria,

    prtico-crtica.

    Tese II

    O problema de se ao pensamento humano corresponde uma verdade objetiva no um problema da

    teoria, e sim um problema prtico. na prtica que o homem tem que demonstrar a verdade, isto , a

    realidade, e a ora, o carter terreno de seu pensamento. O debate sobre a realidade ou a irrealidade

    de um pensamento isolado da prtica um problema puramente escolstico.

    7 Silva, Enio Waldir da. Sociologia Jurdica. Iju: Ed. Uniju, 2012. p. 110.

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    Tese III

    A teoria materialista de que os homens so produto das circunstncias e da educao e de que,

    portanto, homens modicados so produto de circunstncias dierentes e de educao modicada

    esquece que as circunstncias so modicadas precisamente pelos homens e que o prprio educador

    precisa ser educado. Leva, pois, orosamente, diviso da sociedade em duas partes, uma das quais

    se sobrepe sociedade (como, por exemplo, em Robert Owen). A coincidncia da modicao das

    circunstncias e da atividade humana s pode ser apreendida e racionalmente compreendida como

    prtica transormadora.

    Tese IV

    Feuerbach parte do ato da auto-alienao religiosa, do desdobramento do mundo em um mundo

    religioso, imaginrio, e outro real. Sua tarea consiste em decompor o mundo religioso em sua base

    terrena. No v que, uma vez realizado esse trabalho, o principal continua por azer. Na realidade, oato de que a base terrena se separe de si mesma e xe nas nuvens um reino independente s pode ser

    explicado atravs da dilacerao interna e da contradio desse undamento terreno consigo mesmo.

    Este ltimo deve, portanto, primeiro ser compreendido em sua contradio e em seguida revolucio-

    nado praticamente mediante a eliminao da contradio. Por conseguinte, depois de descobrir, por

    exemplo, na amlia terrena o segredo da sagrada amlia, preciso criticar teoricamente aquela e

    transorm-la praticamente.

    Tese V

    No satiseito com o pensamento abstrato, Feuerbach recorre percepo sensvel. No concebe,

    porm, a sensibilidade como uma atividade prtica, humano-sensvel.

    Tese VI

    Feuerbach dilui a essncia religiosa na essncia humana. Mas a essncia humana no algo abstrato,

    interior a cada indivduo isolado. , em sua realidade, o conjunto das relaes sociais. Feuerbach, que

    no emprende a crtica dessa essncia real, v-se, portanto, obrigado:

    1 a azer caso omisso da trajetria histrica, xar o sentimento religioso em si mesmo e pressupor

    um indivduo humano abstrato, isolado;

    2 nele, a essncia humana s pode ser concebida como espcie, como generalidade interna, muda,

    que se limita a unir naturalmente os muitos indivduos.

    Tese VII

    Feuerbach no v, portanto, que o sentimento religioso , tambm, um produto social e que o indi-

    vduo abstrato que ele analisa pertence, na realidade, a uma orma determinada de sociedade.

    Tese VIII

    A vida social essencialmente prtica. Todos os mistrios que desviam a teoria para o misticismo

    encontram sua soluo racional na prtica humana e na compreenso desta prtica.

    Tese IXO mximo a que chega o materialismo perceptivo, isto , o materialismo que no concebe a sensibilidade

    como uma atividade prtica a percepo dos dierentes indivduos isolados da sociedade civil.

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    Tese X

    O ponto de vista do antigo materialismo a sociedade civil; o do novo materialismo, a sociedade

    humana ou a humanidade socializada.Tese XI

    Os lsoos no zeram mais que interpretar o mundo de orma dierente; trata-se, porm, de modic-lo.

    Escrito por Marx durante a primavera do 1845. Redigido e publicado pela primeira vez em

    1888, por Engels como apndice da edio em olheto parte de seu Ludwig Feuerbach.

    Publica-se de acordo com o texto da edio em olheto parte, de 1888, aps conronto com

    o manuscrito de Marx. Acesso livre na Internet. Google.com.br

    Podemos armar que em Marx vemos uma compreenso prounda desta relao que existeentre o mundo das ideias e realidade social, mas no que esta seja a determinante daquela, ou

    seja, jamais se poderia transormar o mundo sem ter uma ideia do que este mundo, mas no

    se transorma o mundo apenas pelas transormaes de ideias que se tem dele.

    Norbert Elias (2008) assim se reere a Marx:

    [...] Engels e Marx no derivam suas hipteses do carter eternamente determinante da base econ-

    mica de uma anlise do poder relativo dos grupos econmicos especializados na relao com outros

    grupos, mas, sim, da convico de que possvel descobrir leis, necessidades, regularidades

    apenas nos aspectos econmicos da sociedade. Em sua carta a Bloch, Engels arma, de modo ex-

    plcito, o que, reqentemente, est apenas sugerido em outras armaes de Marx e tambm nas

    suas: a saber, que eles consideravam somente a base econmica como sendo estruturada e todos os

    outros aspectos da sociedade como desestruturados, ou, conorme Engels armou, como um monte

    de acidentes (i.e., de coisas e eventos cujas conexes internas so to remotas ou to impossveis de

    se vericar que ns as consideramos como ausentes, podendo-se ignor-las).8

    Marx (1997) expressou que seu trabalho sustentou desde o primeiro momento, a partir de

    condutas cientcas, uma importante concepo das relaes sociais. Ele tencionava ampliar ajovem cincia econmica para alm de Adam Smith e David Ricardo, subordinando, porm, todas

    as suas armaes ideia de que apenas os aspectos econmicos das relaes sociais seriam

    estruturados, consistindo, por essa razo, em um possvel tema de uma cincia da sociedade.

    As erramentas recebidas por ele da emergente cincia econmica tinham-no ajudado

    sobremaneira a romper as barreiras intelectuais que um treinamento losco impe aos que se

    expem a ele. Na realidade, Marx ampliou e transormou o uso dessas erramentas para alm

    do nvel da cincia econmica de sua poca.

    8 Elias, Norbert. Sociologia do conhecimento: novas perspectivas. In: Revista Sociedade e Estado, Braslia, v. 23, n. 3,p. 515-554, set./dez. 2008.

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    Podemos, acilmente, reconhecer, de maneira retrospectiva, que seu trabalho representa a ltima

    tentativa realizada no sculo XIX de se ultrapassar a dierenciao crescente da cincia social entre

    as especialidades econmica e sociolgica. Mas tambm podemos perceber, relembrando, que ele

    conceituou todo aspecto da sociedade que ele concebeu como estruturado i.e., no acidental como

    um aspecto econmico, buscando, da melhor orma que pde, apresent-lo como tal. Na poca de

    Marx, poderamos ter acilmente a impresso de que os aspectos econmicos eram os mais bem

    estruturados da sociedade, mesmo porque talvez ossem os nicos aspectos sujeitos s regularidades e

    leis reconhecveis e, por isso, capazes de se tornar objeto principal de uma cincia. A prpria escolha

    de Marx por tais expresses indica as diculdades que ele encontrava para ampliar, alm dos limites

    usuais, o conhecimento do desenvolvimento da sociedade e, com isso, os limites da cincia da sociedade

    sua disposio. Ele oi, por um lado, um pioneiro da transormao do pensamento em um perodo

    em que conceitos reicados, que pareciam reerir-se a objetos sociais extra-humanos e impessoais,

    oram substitudos por outros, que expressavam com maior clareza as relaes ou interdependncias

    de agrupamentos humanos (por exemplo, no caso do termo relaes de produo). Por outro lado,

    ele prprio elevou para outro patamar essas tendncias reicadoras pelo uso de conceitos como

    inra-estrutura e superestrutura, que do a impresso de apontar para um conjunto de elementos

    separados da rede dos grupos que os seres humanos ormam entre si sobretudo na orma como esse

    dualismo representado, como uma caracterstica estrutural de quase todas as sociedades, sem levar

    em considerao o grau e o padro de suas divises do trabalho e, especialmente, da proporo na

    qual as atividades econmicas vm se tornando especializadas, se tomadas em um determinado

    estgio do desenvolvimento (Elias, 2008).

    Para este autor, proveitoso perceber as vantagens sociolgicas propostas por Marx e

    enxergar melhor a maneira pela qual uma anttese problemtica, tal como entre sociedade

    e conscincia, oscila entre um signicado sociolgico com reerncia a um tipo de problema

    muito limitado e especco e um signicado losco que parece abarcar o tempo e a eternida-

    de de todo o mundo dos homens. O modelo de Marx um genuno avano cientco disposto

    em um molde losco especulativo iniciou uma tradio de pensamento que, desde ento,

    se az presente em todos os campos, tanto entre os no marxistas como entre os marxistas. Essepensamento dominou, com particular, ora as pesquisas em Sociologia do Conhecimento (Elias,

    2008, p. 529).

    A Sociologia do Conhecimento, entretanto, no preservou a herana marxista o dualismo

    bsico entre sociedade e conscincia. Em geral, segundo Elias, as teorias sociolgicas con-

    temporneas do conhecimento abandonaram as suposies especulativas de Marx e suas impli-

    caes sobre o desenvolvimento das sociedades, substituindo-as por um tipo de conhecimento

    cientco e no ideolgico da sociedade. Elas oram alm e rejeitaram no apenas o modelo dedesenvolvimento social de Marx, mas abandonaram inteiramente o conceito de desenvolvimento

    de sociedade, de uma mudana estruturada de longo prazo em uma direo especca.

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    Ao invs disso, recorreram ao conceito de mudana social dos historiadores, segundo o

    qual essa mudana seria essencialmente sem estrutura. A esse respeito, o conceito de mudana

    social, que undamenta os problemas da Sociologia do Conhecimento contempornea, mais

    ou menos idntico aos conceitos corporicados nas principais escolas de Sociologia terica do

    nosso tempo. De acordo com elas, somente um dado estado da sociedade, somente condies

    sociais estticas so estruturadas; a prpria expresso estrutura social apresenta-se como uma

    regra exclusivamente em tais condies.

    Modicaes nas condies da sociedade, por outro lado, so concebidas como sem estru-

    tura. Na Sociologia atual no se ala de estrutura de mudana social, tampouco isso explorado.

    Especialistas contemporneos em teoria sociolgica e em Sociologia do Conhecimento guardam

    em comum com a maioria dos historiadores a impresso de que as mudanas sociais tm a apa-

    rncia de uma peregrinao sem m de grupos que vm e vo. O conhecimento, as ideias detodos esses grupos so vistos como igualmente vlidos ou invlidos.

    O termo histrico, como se pode perceber, usado em dois sentidos dierentes. Grande

    parte dessa conuso deve-se ao ato de que no h uma distino clara entre eles. Os que empre-

    gam esse termo no esclarecem de orma ntida quais dos dois signicados esto lhe atribuindo.

    Ele pode ser usado no sentido em que o empregavam Marx, Comte e muitos outros socilogos

    do sculo 19 e comeo do sculo 20, em reerncia s mudanas estruturadas e, em geral, s mu-

    danas estruturadas de longo prazo em uma direo especca. E ele pode ser usado no sentido

    em que a maioria dos historiadores e socilogos contemporneos o az, isto , em conexo com

    as mudanas sociais que no possuem estrutura.

    Certos modelos de pensamento encontraram suas mais sosticadas expresses no que a

    tradio epistemolgica tem inltrado proundamente em nossa linguagem comum, embora,

    dicilmente, estejamos conscientes disso. Eles produzem, por conseguinte, um vis implcito,

    uma predisposio despercebida, tanto nas investigaes sociolgicas quanto em outras, em

    avor de certos hbitos de pensamento em oposio a outros.

    J Durkheim ez um esoro para desenvolver um quadro terico-epistemolgico que pu-

    desse assegurar as bases de conhecimento sociolgico, concebendo o homem com uma dupla

    natureza: individual e social. De certa orma, para ele todas as representaes so sempre men-

    tais, expresses simblicas ou refexo da realidade emprica.9

    Parece clara a inspirao kantiana de Durkheim, ao pensar ormas e categorias nos marcos

    de uma undamentao do conhecimento, a partir da identidade ormal, uncional e gentica das

    representaes coletivas com as categorias, ligando-as ao processo coletivo de representao

    para deriv-las empiricamente de determinaes prprias da sociedade.10

    9 possvel ver isso na obra Durkheim, Emile.As ormas elementares da vida religiosa. So Paulo, Edies Paulinas:

    1989. E em: Regras do mtodo sociolgico. So Paulo, Cia. Editora Nacional: 1990.10Pinheiro Filho, Fernando.A noo de representao em Durkheim.En publicacion: Lua Nova, 61. Cedec, Centro de

    Estudos de Cultura Contempornea, So Paulo, Brasil: Brasil, 2004. Acesso ao texto completo: http://www.scielo.br/pd/ln/n61/a08n61.pd.

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    E como um objeto essencialmente social s passvel de apropriao legtima pela Socio-

    logia, o discurso losco torna-se inoperante na questo. Historicamente, esse projeto abriga-se

    no contexto do impacto que a consolidao das cincias, e em especial da cincia positiva dosatos sociais, tem sobre a Filosoa pensada como uma teoria da totalidade dos entes e sua repre-

    sentao. A constituio de ontologias regionais a respeito do mundo passa para o domnio das

    cincias que se autonomizam, reivindicando para si a primazia de uma notao crvel do real

    porque empiricamente demonstrvel. Assim, est implcito na reduo social das categorias que

    um saber sobre o conhecimento um saber sobre o mundo, e a proposio da sociedade como

    seu espao de constituio lgica remete clivagem de uma regio estipulvel pela cincia.11

    Durkheim pensa o conhecimento a partir da tradio da Filosoa crtica e com ela, demons-

    trando apreo pela trama dos conceitos em Kant em si legtima embora insuciente no diag-

    nstico durkheimiano, de sorte que preciso avanar do ponto em que o kantismo se detm.

    Sobre esta ligao de Durkheim com Kant, argumenta Pinheiro:

    [...] Assim, tanto o lsoo como o socilogo concordam que o conhecimento tenha um problema

    essencial de undamentao racional. Dado esse piso comum, a soluo durkheimiana se constitui

    alicerada na denio das categorias como uma espcie do gnero das representaes coletivas,

    identicando-as. Mas, se o inteiro signicado dessa operao s pode ser recuperado luz do legado

    kantiano que pretende superar, e com especial nase na incorporao da vertente neocriticista, cabe

    antes az-lo surgir de seus prprios mveis internos, a partir das concepes de natureza humana e

    representao. A categoria tambm um enmeno, mas de tal generalidade que no pode reduzir-se

    cadeia emprica que a precede. Se a sntese sob categorias enomnica, ela maior do que a pura

    soma dos elementos dispersos na experincia. Desse modo, para Durkheim o segmento mais abran-

    gente do mundo emprico a experincia coletiva, a categoria totalidade tem por substrato a prpria

    sociedade e toda categoria, como representao coletiva, resultado de uma sntese sui generis a partir

    do ato dos homens associados, sem possibilidade de remisso conscincia individual. De certo modo,

    a teoria das representaes coletivas, esteio da nova epistemologia sociolgica, aproveita a estrutura

    do sistema de Renouvier modicando-lhe o contedo, ao conceber categorias como representaes

    coletivas. Mas essa passagem tem para Durkheim a dimenso de ato undante de uma nova ordem

    intelectual. Rebatendo as categorias para o plano da sociedade, a Sociologia desponta como a disci-

    plina a que caberia por direito tratar das questes epistemolgicas. Mais que a superao do dilema

    empirismo versus apriorismo, a manobra de Durkheim visa superar a Filosoa por dentro de seu campo.

    Do ponto de vista da contribuio Sociologia contempornea, torna-se irrelevante discutir se logrou

    az-lo. Mais importante salientar que, nessa tentativa, abre espao para pensar o plano simblico

    no como refexo, mas como instituinte da realidade social (2004, p. 208).

    11Durkheim, mile . Pragmatismo e sociologia. Porto: RES Editora, 1988.

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    sociologia do conHeciMento

    A chave para a compreenso da origem da dualidade da natureza humana, expressa na

    imagem do homem como ser dividido entre corpo e alma, est na ciso constitucional que isola

    e ope dois mundos distintos. De um lado, como emanaes da base orgnica, as sensaes e

    os apetites egostas, de oro estritamente individuais; de outro, as atividades do esprito, como o

    pensamento conceitual e a ao moral, necessariamente universalizveis.

    Essa a rmula dohomo duplex,12 constatao de um duplo centro de gravidade da vida

    interior: H, de um lado, nossa individualidade, e, mais especialmente, nosso corpo que a unda;

    de outro, tudo aquilo que, em ns, exprime outra coisa que no ns mesmos (p. 318). O esprito

    humano seria um sistema de enmenos em tudo comparvel aos outros enmenos observveis.

    Tomado como coisa, objetivao que supera as idiossincrasias dos psiquismos individuais, ele

    revela por meio de sua origem na sociedade a sua verdadeira natureza.

    Durkheim associa a oposio encontrvel nos atos entre corpo e alma quela que desen-

    volve nas ormas entre sagrado e proano. Existe uma hierarquia entre as unes psquicas que

    redunda numa sacralizao da alma em relao escassa nobreza do corpo proano: A dualidade

    de nossa natureza no portanto seno um caso particular daquela diviso das coisas em sagra-

    das e proanas que encontramos na base de todas as religies, e ela deve se explicar segundo os

    mesmos princpios (Id., p. 327).

    Ora, as coisas sagradas tm uma autoridade que impe s vontades individuais como eeitoda operao psquica de sntese das conscincias individuais em que se d sua gnese. Os estados

    mentais gerados nesse processo encarnam-se em ideias coletivas que penetram as conscincias

    individuais permitindo sua comunicabilidade. Para alm das maniestaes da biologia humana,

    esses estados da conscincia (...) nos vm da sociedade; eles a traduzem em ns e nos atam a

    alguma coisa que nos supera. Sendo coletivos, eles so impessoais; eles nos dirigem a ns que

    temos em comum com os outros homens (Id., p. 328). A dualidade da natureza humana guarda

    uma homologia estrutural com a dualidade de ontes que conormam o homem; quais sejam, o

    corpo biolgico e a sociedade.

    A sociedade a nica onte da humanidade do homem; por meio dela que se transcende

    a pura vida orgnica que a condio do homem tomado em sua individualidade. Apenas a

    vida coletiva az do indivduo uma personalidade, dando orma conscincia moral e pensa-

    mento lgico que tm origem e destinao social. O indivduo no ainda realidade humana,

    mas apenas abstrao que s se peraz no meio social. Antes de sua constituio na e pela ora

    coletiva, no se pode alar propriamente de homem, mas de um ser que se reduz ao organismo

    animal. A humanidade do homem coisa social, que se cristaliza por mecanismos de coero

    (Pinheiro, 2004, p. 7).

    12Durkheim, . (1970). Sociologia e Filosoa. So Paulo: Ed. Forense, 1970.

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    Ilustrando a posio de Durkheim, leia o texto a seguir:

    O QUE UM FATO SOCIAL?

    Antes de procurar qual mtodo convm ao estudo dos atos sociais, importa saber quais atos chamamos

    assim. A questo ainda mais necessria porque se utiliza essa qualicao sem muita preciso. Ela

    empregada correntemente para designar, mais ou menos, todos os enmenos que se do no interior da

    sociedade, por menos que apresentem, com uma certa generalidade, algum interesse social. Mas, dessa

    maneira, no h, por assim dizer, acontecimentos humanos que no possam ser chamados sociais.

    Todo indivduo come, bebe, dorme, raciocina, e a sociedade tem todo o interesse em que essas unes

    se exeram regularmente. Portanto, se esses atos ossem sociais, a Sociologia no teria objeto prprio,

    e seu domnio se conundiria com o da Biologia e da Psicologia. Mas, na realidade, h em toda socie-

    dade um grupo determinado de enmenos que se distinguem por caracteres denidos daqueles que

    as outras cincias da natureza estudam.

    Quando desempenho minha tarea de irmo, de marido ou de cidado, quando executo os compro-

    missos que assumi, eu cumpro deveres que esto denidos, ora de mim e de meus atos, no direito e

    nos costumes. Ainda que eles estejam de acordo com meus sentimentos prprios e que eu sinta inte-

    riormente a realidade deles, esta no deixa de ser objetiva; pois no ui eu que os z, mas os recebi

    pela educao.

    Alis, quantas vezes no nos ocorre ignorarmos o detalhe das obrigaes que nos incumbem e pre-

    cisarm