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Fonética e Fonologia do Português Brasileiro Florianópolis - 2011 Izabel Christine Seara Cristiane Lazzarotto-Volcão Vanessa Gonzaga Nunes Período

Livro_fonetica e Fonologia

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  • Fontica e Fonologia do Portugus Brasileiro

    Florianpolis - 2011

    Izabel Christine SearaCristiane Lazzarotto-VolcoVanessa Gonzaga Nunes2

    Perodo

  • Governo FederalPresidente da Repblica: Dilma Vana RousseffMinistro da Educao: Fernando HaddadSecretrio de Educao a Distncia: Carlos Eduardo BielschowskyCoordenador da Universidade Aberta do Brasil: Celso Jos da Costa

    Universidade Federal de Santa CatarinaReitor: Alvaro Toubes PrataVice-Reitor: Carlos Alberto Justo da SilvaSecretrio de Educao a Distncia: Ccero BarbosaPr-Reitora de Ensino de Graduao: Yara Maria Rauh MllerPr-Reitora de Pesquisa e Extenso: Dbora Peres MenezesPr-Reitor de Ps-Graduao: Maria Lcia de Barros CamargoPr-Reitor de Desenvolvimento Humano e Social: Luiz Henrique Vieira da SilvaPr-Reitor de Infra-Estrutura: Joo Batista FurtuosoPr-Reitor de Assuntos Estudantis: Cludio Jos AmanteCentro de Cincias da Educao: Wilson Schmidt

    Curso de Licenciatura Letras-Portugus na Modalidade a DistnciaDiretora Unidade de Ensino: Felcio Wessling MargottiChefe do Departamento: Izabel Christine SearaCoordenadoras de Curso: Roberta Pires de Oliveira e Zilma Gesser NunesCoordenador de Tutoria: Renato Miguel BassoCoordenao Pedaggica: LANTEC/CEDCoordenao de Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem: Hiperlab/CCE

    Comisso EditorialTnia Regina Oliveira RamosIzete Lehmkuhl CoelhoMary Elizabeth Cerutti-Rizzati

  • Equipe de Desenvolvimento de Materiais

    Laboratrio de Novas Tecnologias - LANTEC/CEDCoordenao Geral: Andrea LapaCoordenao Pedaggica: Roseli Zen Cerny

    Produo Grfica e HipermdiaDesign Grfico e Editorial: Ana Clara Miranda Gern; Kelly Cristine SuzukiResponsvel: Thiago Rocha Oliveira, Laura Martins RodriguesAdaptao do Projeto Grfico: Laura Martins Rodrigues, Thiago Rocha OliveiraDiagramao: Karina Silveira, Marcela Goerll, Gabriela Dal To Fortuna, Thiago Felipe Victorino, Laura Martins Rodrigues, Flaviza RighetoFiguras: Bruno Nucci, Lissa Capeleto, Robson Felipe Parucci, Thiago Felipe Victorino, Felipe Oliveira GallTratamento de Imagem: Gabriela Dal To Fortuna, Thiago RochaReviso gramatical: Tony Roberson de Mello Rodrigues

    Design InstrucionalResponsvel: Vanessa Gonzaga NunesDesigner Instrucional: Vernica Ribas Crcio

    Copyright 2011, Universidade Federal de Santa Catarina/LLV/CCE/UFSCNenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrnico, por fotocpia e outros, sem a prvia autorizao, por escrito, da Coordena-o Acadmica do Curso de Licenciatura em Letras-Portugus na Modalidade a Distncia.

    Ficha Catalogrfica

    S439f Seara, Izabel Christine Fontica e Fonologia do Portugus Brasileiro / Izabel Christine Seara. Florianpolis : LLV/CCE/UFSC, 2011. 119p. : 28cm ISBN 978-85-61482-07-7 1. Lngua portuguesa Fontica. 2. Lngua portuguesa Ortografia e silabao. I. Ttulo. CDU: 801.4

    Catalogao na fonte elaborada na DECTI da Biblioteca da UFSC

  • Sumrio

    Apresentao ...................................................................................... 7

    Unidade A - Fontica ........................................................................ 9

    1 A Fontica e a Fonologia: suas Funes e Interfaces.......................11

    2 Fontica Articulatria .................................................................................17

    2.1 Aparelho Fonador .............................................................................................17

    2.2 Prosdia e Entoao ........................................................................................22

    3 Segmentos Fonticos .................................................................................25

    3.1 Segmentos Voclicos .......................................................................................25

    3.2 Segmentos Consonantais ..............................................................................47

    3.3 Transcrio Fontica ........................................................................................61

    Unidade B - Fonologia ...................................................................65

    4 Fonologia ........................................................................................................67

    4.1 Os Fonemas .........................................................................................................72

    4.2 Os Alofones .........................................................................................................73

    4.3 Sons Foneticamente Semelhantes .............................................................76

    4.4 Arquifonemas e Neutralizao ....................................................................79

    4.5 Os Traos Fonolgicos .....................................................................................83

    4.6 Transcrio Fonolgica ...................................................................................89

    5 Estrutura Silbica e Acento no Portugus Brasileiro .......................95

    5.1 Onset Silbico ....................................................................................................96

    5.2 Coda Silbica ......................................................................................................97

    5.3 Classificao dos Tipos Silbicos do PB ...................................................101

    5.4 As Semivogais e a Estrutura Silbica do PB ...........................................102

    5.5 Acento .................................................................................................................103

  • 6 Processos e Regras Fonolgicas ...........................................................107

    6.1 Processos Fonolgicos ..................................................................................109

    6.2 Regras Fonolgicas ........................................................................................111

    Referncias ...................................................................................... 117

  • Apresentao

    E ste texto apresenta a Fontica e Fonologia do Portugus Brasileiro. Nosso objetivo que o estudante, com base em sua prpria lngua, possa compreender os fenmenos relativos s propriedades articula-trias dos sons do portugus brasileiro.

    Nossa experincia nas aulas de Fontica e Fonologia tem nos mostrado que os textos que tratam dessa rea fazem sempre referncia a fenmenos e processos ocorridos em vrias lnguas estrangeiras. O desconhecimento dos alunos das lnguas que aparecem como exemplo nesses textos tem dificultado e, at mesmo, limitado o conhecimento dos estudantes em relao sua lngua materna nesse campo. Por essa razo, tentamos focalizar especialmente o portugus brasileiro.

    A Unidade A trata da Fontica. Apresenta o aparelho fonador e os vrios seg-mentos por ele produzidos, distribudos nas duas grandes classes de segmen-tos fonticos: as vogais e as consoantes. Traz tambm uma pequena discusso acerca dos conceitos de Fontica e Fonologia.

    A Unidade B discorre sobre a Fonologia. No Captulo 4, so apresentadas as di-ferentes teorias fonolgicas e seus pressupostos. Em seguida, so exibidos os fo-nemas e suas variantes, assim como os mecanismos para o estabelecimento dos fonemas de uma lngua. Os fonemas so ento definidos a partir de seus traos distintivos, segundo aqueles apresentados por Chomsky e Halle (1968). No Ca-ptulo 5, as estruturas silbicas do portugus brasileiro so discutidas a partir das posies e status dos segmentos, se consonantais ou voclicos. Por fim, no Captulo 6, as alteraes conhecidas como processos fonolgicos e que ocorrem na cadeia da fala em funo das vizinhanas fonticas so vistas atravs de exem-plos, formulados por regras fonolgicas que explicitam os segmentos alterados, as modificaes sofridas e as condies em que tais modificaes ocorreram.

    Ao longo do texto, tanto na unidade que trata da Fontica quanto na da Fono-logia, so exibidas transcries fonticas e/ou fonolgicas, buscando a profici-ncia dos estudantes na transcrio de dados de fala.

    As Professoras

  • Unidade AFontica

  • Captulo 01A Fontica e a Fonologia: suas Funes e Interfaces

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    1 A Fontica e a Fonologia: suas Funes e Interfaces

    Neste primeiro captulo, identificaremos o objeto de estudo da Fontica e da Fonologia, refletindo sobre a distino entre elas.

    A maior parte da literatura que trata de Fontica e Fonologia vem tentando fazer uma distino entre elas que no tem convencido aqueles que se aventuram nessas reas. Primeiramente, deve-se dizer que tanto a Fontica quanto a Fonologia tm como objeto de estudo os sons da fala. Ou melhor dizendo, tanto a fontica quanto a fonologia investigam como os seres humanos produzem e ouvem os sons da fala. Em segun-do lugar, deve-se observar que difcil, seno impossvel, fazer fonologia sem antes entender de (ou fazer) fontica. preciso, ento, conhecer um pouco mais sobre o status de cada uma dessas subreas, sem tentar fazer uma distino simplista de suas funes ou modos de ao.

    Qualquer comunicao realizada com sucesso, seja ela um simples cumprimento, seja um discurso poltico, pressupe alguns requisitos b-sicos para os interlocutores: um funcionamento fsico adequado do cre-bro, dos pulmes, da laringe, do ouvido, dentre outros rgos, respons-veis pela produo e audio (percepo) dos sons da fala. Alm desses, deve haver o reconhecimento da pronncia de cada um dos interlocu-tores, pois, mesmo que tivessem os rgos da fala e da audio em per-feito estado, essa comunicao poderia no ter sucesso se um deles no compreendesse a lngua falada pelo outro. Outro ponto importante a se considerar a adequada interpretao das ondas sonoras (sons) emitidas pelo falante e captadas pelo ouvinte. Dessa maneira, pode-se observar que a fala pode ser descrita sob diferentes aspectos, uns mais prximos do que se convenciona chamar de Fontica, outros mais prximos do que se convenciona chamar de Fonologia.

    Podemos estudar a fala a partir da sua fisiologia, ou seja, a partir dos rgos que a produzem, tais como a lngua, responsvel pela articulao da maior parte dos sons da fala; e a laringe, responsvel principalmente pela produo de voz que leva distino entre sons vozeados (sonoros) e no-

  • Fontica e Fonologia do Portugus

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    vozeados (surdos). Podemos tambm estud-la a partir dos sons gerados por esses rgos, ou seja, com base nas propriedades sonoras (acsticas) transmitidas por esses sons. Podemos ainda examinar a fala, sob a tica do ouvinte, ou seja, da anlise e processamento da onda sonora quando realiza a tarefa de percepo dos sons, dando sentido quilo que foi ouvido. Todos esses aspectos podem ser considerados pela Fontica.

    consenso que a fala tem como principal objetivo o aporte de sig-nificado, mas, para isso, deve se constituir em uma atividade sistema-ticamente organizada. O estudo dessa organizao, que dependen-te de cada lngua, considerada Fonologia. Assim, a Fonologia pode ser vista como a organizao da fala focalizando lnguas especficas. Logo, poderamos dizer que uma descrio de como segmentos voc-licos (vogais) podem ser produzidos e percebidos seria fornecida pela Fontica, j uma descrio das vogais do portugus brasileiro a partir de seus traos opositivos seria proporcionada pela Fonologia.

    Vamos a alguns exemplos do que se pode estudar sobre o PB, nes-sas duas reas. Inicialmente preciso colocar que, quando falamos de vogais e consoantes, referimo-nos a sons e no a letras. Assim, palavras como cassado e caado possuem as mesmas consoantes apesar de serem grafadas com letras diferentes. J palavras como olho em eu olho e o olho apresentam vo-gais diferentes, mesmo sendo grafadas com letras iguais. Podemos ainda diferenciar um som , como um zunido, de um som , como um assobio. A diferena entre esses sons est, respectivamente, na vibrao ou no das pregas vocais, encontradas na laringe. Isso pode ser alargado para a observao de que, nas palavras mesmo e mescla , a letra s corresponde a dois sons diferentes, conforme pode ser observado nas respectivas transcries fonticas. Isso se deve caracterstica de vozeamento da consoante que segue a letra s; no primeiro caso ela vozeada (sonora) e, no segundo, no-vozeada (surda). Podemos verificar tambm, a partir de estudos apro-priados, que vogais diante das consoantes e so mais longas do que diante das consoantes e , cujos exemplos podem ser vistos nos pares de palavras coda/diga e cota/dica, respectivamente.

    Essas abordagens so exemplos de estudos sobre os sons do PB. Aquelas que dizem respeito s medidas de durao de vogais diante de

    Doravante PB

  • Captulo 01A Fontica e a Fonologia: suas Funes e Interfaces

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    certas consoantes ou ao comportamento da laringe durante o vozea-mento e as suas consequncias acsticas so julgadas abordagens mais fonticas do que fonolgicas. J aquelas que tentam: identificar as carac-tersticas que distinguem as vogais do PB; ou classificar os sons como vozeados e no-vozeados; ou formular regras que tentem estabelecer padres de vozeamento de consoantes surdas diante de consoantes so-noras; ou ainda classificar os sons como fonemas de uma determina-da lngua ou variantes de um mesmo fonema, so julgadas abordagens mais fonolgicas do que fonticas.

    Assim parece que podemos considerar que foneticistas lidam com medidas precisas, amostragem do sinal de fala, estatsticas, enquanto os fonlogos lidam com a organizao mental da linguagem, com as dis-tines sonoras concernentes a lnguas em particular, ou seja, estabele-cem quais so os sons que servem para distinguir uma palavra de outra, ou quais so as regularidades de distribuio dos sons captadas a partir daquilo que o falante produz, ou ainda, quais so os princpios que de-terminam a pronncia das palavras, frases e elocues de uma lngua.

    Uma outra tentativa de diferenciar Fontica e Fonologia est relacio-nada caracterstica de universalidade concedida Fontica, uma vez que ela trataria de aspectos mais gerais da produo dos sons da fala, enquanto a fonologia trataria de aspectos mais especficos das lnguas naturais. No entanto, essa tentativa cai por terra quando pensamos que mesmo a Fono-logia tem procurado estabelecer notaes e terminologias universais para descrever a organizao de vrias lnguas do mundo. E, mesmo sob um enfoque mais fontico, tem-se estudado articulatria e acusticamente seg-mentos de lnguas especficas, no somente caractersticas gerais.

    Uma outra maneira de diferenciar Fontica de Fonologia est re-lacionada faceta emprica prpria da Fontica, todavia tanto a inves-tigao de sistemas lingusticos quanto da organizao mental da fala, realizadas pela Fonologia, so baseadas na observao.

    Assim, vamos dizer que a separao que faremos aqui serve apenas de apoio didtico para uma apresentao mais clara de todos os aspectos envol-vidos na construo de significados sob o olhar da Fontica e da Fonologia. A lngua que ser evidenciada pela Fonologia ser o PB e as caractersticas fonticas tambm sero referentes ao PB, lngua-alvo do presente texto.

    Lnguas naturais so ln-guas que se desenvolveram sem interveno formal externa, ou seja, esponta-neamente.

  • Fontica e Fonologia do Portugus

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    At aqui se apresentou um pequeno resumo das funes da Fontica e da Fonologia. Agora, ento, voc pode ver com mais clareza o quanto nos servimos dessas duas maneiras de se observar os fatos lingusticos em nosso dia a dia. No entanto, at pouco tempo atrs, a Fontica e a Fonolo-gia vinham sendo relegadas a uma rpida apresentao e classificao dos sons voclicos e consonantais e sua relao com o sistema ortogrfico em vigor. Ou seja, basicamente a relao grafema-som. Aspectos tambm im-portantes como a prosdia e entoao e a variedade fontica relativa s di-versas pronncias regionais, por exemplo, no tm tido espao adequado de discusso no s no ensino mdio, mas tambm em nvel universitrio.

    Em nvel universitrio, todavia, essa postura vem mudando e, em conversas com acadmicos dos cursos de Letras, tem-se percebido um olhar mais cuidadoso sobre essas reas. Isso tem ocorrido medida que os estudantes percebem que o estudo de uma lngua pressupe conhe-cimentos no s morfolgicos e sintticos, mas tambm fonolgicos e fonticos, haja vista que o entendimento de processos morfolgicos e/ou sintticos muitas vezes prescindem de princpios fonolgicos. O crescen-te nmero de laboratrios de fontica e a facilidade de obteno de ins-trumentos para anlise acstica do sinal de fala tambm tm contribudo para esse interesse. Um dos instrumentos de acesso livre via Internet o software Praat. Com ele, gravamos e analisamos dados de fala natural e, dessa forma, melhoramos nossa intuio sobre a nossa prpria lngua.

    Outro fator que tem levado a uma maior procura dessas reas por estudantes, professores e linguistas so os diferentes campos de trabalho que necessitam fundamentalmente da Fontica e da Fonologia. So eles:

    Alfabetizao: indispensvel para os professores que atuam na alfabetizao, quer de adultos, quer de crianas o conhecimento de Fontica e noes sobre o funcionamento da Fonologia de sua lngua, para que esses professores melhor atendam s necessidades de seus alu-nos. Existem tcnicas fonolgicas que, empregadas em atividades com os alunos, podem faz-los se debruar com interesse sobre os fatos da lngua. Alm disso, fundamental saber lidar com a variao fontico-fonolgica - que sempre vai existir - e levar o aluno a compreender essas variaes, para relacion-las aos elementos grficos. Especialmente em relao s variaes fonticas que sofrem influncias de natureza social,

    Obtido livremente pelo endereo eletrnico:

    . Desenvolvido por Paul

    Boersma e David Weenink do Departamento de Fo-

    ntica da Universidade de Amsterd

  • Captulo 01A Fontica e a Fonologia: suas Funes e Interfaces

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    a sua compreenso permite lidar mais adequadamente com o precon-ceito lingustico que pode surgir na sala de aula.

    Ensino de Lnguas: Aqui requerido ao profissional da rea conhe-cer no apenas o sistema fonolgico da lngua materna do aluno, como tambm o da lngua estrangeira que ensina. Comparando esses sistemas sonoros, o professor ter ideia dos problemas que iro surgir em funo de diferenas ou semelhanas entre a lngua materna e a lngua estrangei-ra. Vrias pesquisas tm evidenciado que o professor de lngua estrangeira que d instrues explcitas de fatos fontico-fonolgicos ao seu aluno pode acelerar o processo de aquisio da lngua estrangeira.

    Fonoaudiologia: O fonoaudilogo lida com alteraes no processo de aquisio da fonologia da lngua, bem como com alteraes fono-lgicas decorrentes de problemas neurolgicos e auditivos. Para isso, fundamental que compreenda os mecanismos articulatrios, acsti-cos, neuroniais e cognitivos relacionados produo e recepo da fala. Alm disso, no trabalho com o aprimoramento e reabilitao vocal, pre-cisa compreender a relao entre a produo dos sons e a fisiologia do aparelho fonador.

    Fontica Forense: Essa uma rea que tem crescido bastante nos ltimos anos, crescimento relacionado principalmente evoluo dos instrumentos laboratoriais de anlise de fala. Tem-se trabalhado na linha de verificao de locutor que busca determinar se uma fala gravada (de uma pessoa suspeita de um crime, por exemplo) a mesma de um crimi-noso (ou seja, verificar se a voz X a voz de um determinado indivduo) ou na linha de identificao de locutor, na qual se busca determinar de quem determinada fala (voz X comparada a vrias outras vozes).

    Tecnologias da Fala: Nesse campo, tem-se trabalhado sobre trs frentes: Sntese e Reconhecimento de Fala e Interao via Fala. Na sn-tese de fala, um computador (mquina) vocaliza um texto escrito bus-cando a mesma inteligibilidade e naturalidade da fala humana. No reco-nhecimento de fala, a mquina reconhece o que um locutor humano lhe diz e realiza a tarefa solicitada. Nesses dois sistemas, os desenvolvedores necessitam de um conhecimento de Fontica e de Fonologia da lngua envolvida nessas tecnologias. Atualmente, a naturalidade de tais siste-mas est estreitamente relacionada a uma boa modelagem prosdica.

  • Fontica e Fonologia do Portugus

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    A interao via fala a integrao da sntese com o reconhecimento de fala e corresponde aos chamados sistemas de dilogo homem-mquina. Esses sistemas so utilizados para aplicaes via telefone para compra de passagens areas, liberao de cartes de crdito, dentre outras pos-sibilidades. Nesses sistemas, a sntese de fala empregada para gerar as perguntas que a mquina deve fazer ao usurio, como tambm para responder s solicitaes do usurio. J o reconhecimento de fala utili-zado para que a mquina entenda o que o usurio deseja.

    Traduo: Os profissionais dessa rea necessitam conhecer os sis-temas sonoros das lnguas envolvidas na traduo para melhor adequar o seu trabalho lngua-alvo de traduo. Para os intrpretes, esse co-nhecimento tambm fundamental para que no haja dificuldade de compreenso oral no momento de uma sesso de trabalho.

    Leia mais!

    CALLOU, Dinah; LEITE, Yonne. Iniciao fontica e fonologia. 5 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. p. 11-12.

    CAVALIERE, Ricardo. Pontos Essenciais em Fontica e Fonologia. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. p. 15-25.

    Nestes textos, voc encontrar uma apresentao do objeto de estudo da Fontica e da Fonologia e uma tentativa de delimitao dos estudos fon-ticos e fonolgicos.

  • Captulo 02Fontica Articulatria

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    Fontica Articulatria

    Definiremos, neste captulo, a fontica articulatria e identificaremos os rgos articuladores da fala.

    A Fontica Articulatria definida como o estudo dos sons da fala na perspectiva de suas caractersticas fisiolgicas e articulatrias. Para se entender os mecanismos de articulao desses sons, precisa-se ini-cialmente conhecer os diferentes rgos responsveis pela realizao dos sons das lnguas naturais, ou melhor, o aparelho fonador humano.

    2.1 Aparelho Fonador

    Fonador quer dizer aquele que produz voz. A fala o resultado da articulao desse som. Os rgos que utilizamos para produzir os sons da fala no tm como funo principal a articulao dos sons. Eles ser-vem primeiramente para respirar, mastigar, engolir, cheirar. A partir des-ses atos, j se pode ter ideia de quais so os rgos envolvidos na fala. O conjunto desses rgos chamado de aparelho fonador. Vejamos uma ilustrao do aparato que utilizado para a fala na Fig. 1.

    Pela Fig. 1, vemos o aparelho fonador dividido nas regies subgl-tica e supragltica. Essa diviso acontece a partir da glote, em funo de ser acima dela que se encontram as cavidades responsveis pelas res-sonncias vocais. A glote o espao entre as pregas vocais localizadas na laringe (ver Fig. 3).

    Abaixo da glote, encontram-se a traqueia, dois pulmes e o diafrag-ma, responsveis pelo suprimento da fonte de energia que gera os sons da fala. O diafragma constitui-se em uma estrutura em forma de abbada que separa a cavidade torcica da abdominal. Acima do diafragma, esto dois pulmes que acompanham os movimentos da caixa torcica. Quan-do ela se expande, os pulmes fazem o mesmo, enchendo-se de ar a inspirao. No movimento contrrio, de sada de ar a expirao o ar pulmonar nunca totalmente expelido. Sua capacidade pulmonar em silncio ou repouso varia de 40 a 60%. A traqueia um tubo de estrutura fibrocartilaginosa que vai da cavidade torcica laringe.

    2

    A voz pode ser definida como o som produzido a partir da vibrao das pre-gas vocais. No confunda voz com fala.

  • Fontica e Fonologia do Portugus

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    Figura 1. Aparelho fonador humano (PARKER, 2007, p.137)

    Acima da glote, localizam-se as cavidades farngea, oral e nasal. A cavidade farngea constituda da faringe, que dividida em trs por-es: nasofaringe, orofaringe, laringofaringe. Essa cavidade pode ter seu tamanho modificado a partir do levantamento ou abaixamento da la-ringe. A cavidade oral composta pela boca, na qual esto localizados a lngua, o palato duro e mole (ou vu palatino), a vula, os alvolos, os dentes e os lbios. Na cavidade nasal, encontram-se as narinas.

    Os rgos articuladores envolvidos na produo da fala dividem-se em ativos e passivos. Os articuladores ativos, aqueles que se movimen-tam para a realizao dos diferentes sons da fala, so constitudos: pela lngua (que se divide em pice (ponta), lmina e dorso) e lbio inferior, que alteram a cavidade oral; pelo vu do palato, que responsvel pela abertura e fechamento da cavidade nasal; e pelas pregas vocais. Os arti-culadores passivos compreendem o lbio superior, os dentes superiores, os alvolos (regio crespa, logo atrs dos dentes superiores), o palato duro (regio central do cu da boca) e o palato mole (final do cu da boca).

    Para mais imagens do

    aparelho fonador, aces-

    se o site http://www.

    cefala.org/fonologia/

    aparelho_fonador.php

  • Captulo 02Fontica Articulatria

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    Ponta da Lngua

    Alvolos

    Dentes

    Lbios

    Epiglote

    Lmina da LnguaPalato Duro

    Dorso da Lngua

    Cavidades Nasais

    Vu do Palato

    vula

    Faringe

    Pregas Vocais

    Figura 2. Esquema detalhado dos rgos articulatrios ativos e passivos do aparelho fonador humano.

    Os sons do PB e de grande parte das lnguas naturais so produzi-dos com fluxo de ar egressivo, ou seja, ns emitimos os sons do por-tugus quando o ar se dirige para fora dos pulmes. Para que haja a fala, primeiro preciso que o ar entre nos pulmes (inspirao). Para que ocorra a inspirao, necessrio que o volume dos pulmes au-mente. Esse aumento de volume faz com que a presso do ar dentro dos pulmes diminua, ficando menor do que a presso atmosfrica, o que permite a entrada do fluxo de ar vindo das cavidades superiores. O movimento de deslocamento do ar de regies de alta presso para regies de baixa presso. Em seguida, a presso do ar passa a ser igual da presso atmosfrica e o fluxo de ar para. Quando o volume dos pulmes diminui, na fase de expulso do ar, h um aumento da presso de ar dentro dos pulmes. Assim, a presso atmosfrica torna-se menor do que a presso pulmonar e o ar se desloca para fora dos pulmes, ocorrendo a expirao. nesse momento que a fala geralmente ocorre. Esse controle da presso nos pulmes atingido pelas crianas entre 6 e 7 meses de idade, quando elas comeam os seus primeiros balbucios.

    Este desenho esque-mtico, adaptado para este texto, foi obtido no seguinte endereo: .

  • Fontica e Fonologia do Portugus

    20

    Na produo da fala, a expirao dura em mdia de 4 a 20 segun-dos, sendo significativamente mais longa do que a inspirao. Na res-pirao em silncio, a fase expiratria relativamente constante com durao mdia de cerca de 2 segundos.

    Na respirao normal, o ar passa livremente pelas cavidades su-pralarngeas. Na fala, ocorrem resistncias ao fluxo de ar vindas das constries na laringe (pela vibrao das pregas vocais, ver Fig. 3) e nas cavidades acima da laringe.

    Pregas vocais afastadas: respirao e sons no-vozeados

    Pregas vocais prximas: Fonao

    Glote

    Figura 3. Glote e pregas vocais na respirao, na produo de sons vozeados e no-vozeados (PARKER, 2007, p.137).

    Essa relao entre volume e presso pode ser melhor entendida se pen-

    sarmos nos pulmes como uma sala de 2m2. Nessa sala, esto 10 pes-

    soas (perodo antes de puxar o ar para dentro dos pulmes). Em funo

    do tamanho da sala, muito provavelmente as pessoas no devem estar

    espremidas umas s outras. No entanto, se o nmero de pessoas cresce

    para 200, 300 (entrada de ar nos pulmes), provavelmente a presso

    entre elas ser grande, uma vez que agora estaro espremidas umas s

    outras. Vai chegar um momento em que a presso dentro da sala ser

    to grande que ser preciso expulsar as pessoas da sala para que a

    presso diminua, o momento de expulso do ar dos pulmes. Se, do

    lado de fora da sala, no houver muitas pessoas, ou seja, se a presso

    no for grande, as de dentro da sala podero ser empurradas para fora

    e novamente a sala vai apresentar uma menor presso entre as que

    nela restarem. O mesmo acontece com os pulmes, pois normalmente

    no expelimos todo o ar que h dentro deles.

  • Captulo 02Fontica Articulatria

    21

    Ocorre ainda que, quando falamos, as pregas vocais podem estar aproximadas (fechadas), bloqueando o ar que sai dos pulmes. Com esse bloqueio, a presso abaixo das pregas aumenta, fazendo com que elas se separem. O ar passa e a presso diminui, fechando-as novamente. O ar , ento, solto em curtas lufadas de ar. o chamado ciclo vibratrio (ver Fig. 4). Quando h vibrao das pregas, so produzidos os sons chamados vozeados ou sonoros. As pregas vocais podem, ainda, estar afastadas parcialmente, com o ar passando sem restries pela laringe, produzindo os sons chamados de no-vozeados ou surdos (ver Fig. 3).

    1 2 3

    4 5 6

    7 8 1

    Figura 4. Configurao dos movimentos das pregas vocais em um ciclo vibratrio (MATEUS, 1990, p.89)

    Para ter uma ideia melhor do que so sons surdos e sonoros, com

    uma das mos espalmada sobre o pescoo, logo abaixo do queixo,

    produza o som . Voc no sentir nada em sua mo. Eis um exemplar de um som surdo, ou no-vozeado. Agora, ainda com a

    mo espalmada sobre o pescoo, produza o som . Voc agora sentir uma vibrao na mo. o exemplo de um som sonoro, ou

    vozeado. O que voc sente a vibrao das pregas vocais.

  • Fontica e Fonologia do Portugus

    22

    Outro movimento necessrio classificao dos sons da fala o do vu do palato (a chamada campainha). Quando est levantado, ele blo-queia o ar para as cavidades nasais e os sons produzidos so chamados de orais. No entanto, quando um som da fala produzido com o vu do palato abaixado, permitindo a sada do ar tambm pelas narinas, tm-se os chamados sons nasais.

    Assim, a nomenclatura dos sons da fala estabelecida a partir dos lugares em que os articuladores ativos tocam os passivos, como tambm da forma como o ar sai do trato oral e/ou nasal. Cada um dos segmentos de fala do PB ser descrito detalhadamente no Captulo 3, sendo tam-bm mostrada a relao entre o nome do segmento e a sua articulao.

    2.2 Prosdia e Entoao

    Apesar de muitos estudiosos no colocarem de maneira clara as reas que cobrem os estudos da prosdia e da entoao, e de muitas vezes chamarem os estudos sobre a entoao de prosdia, preferimos iniciar nossa conversa deixando claro que, quando estivermos nos re-ferindo a aspectos que dizem respeito a unidades maiores como as sen-tenas, estaremos tratando da entoao. Quando falarmos de prosdia, estaremos nos referindo a aspectos fnicos relativos aos fonemas da ln-gua dentro de uma slaba ou vocbulo. Para a prosdia, trs parmetros acsticos so considerados: a intensidade, a curva de f0 (pitch) e a dura-o. Na entoao, um importante parmetro de anlise a curva de f0 (contorno de pitch).

    Para a percepo das diferenas entre sons orais e nasais, produza

    a vogal e feche as narinas com as mos, voc perceber que esse som no ser alterado, pois ele no necessita que o ar saia tam-

    bm pelas cavidades nasais, uma vez que ele oral. Agora, produza

    o som e feche as narinas com as mos. Voc perceber que esse som ser sensivelmente alterado, praticamente no sendo produzi-

    do, pois, para que seja realizado, necessrio que o ar passe somen-

    te pelas cavidades nasais.

    Variaes de altura do tom larngeo

  • Captulo 02Fontica Articulatria

    23

    A definio de entoao apresentada por Dubois parece deixar ex-plcita essa distino. Para ele, entoao so

    [...] variaes de altura do tom larngeo que no incidem so-bre um fonema ou slaba, mas sobre uma seqncia mais longa (palavra, seqncia de palavras) e formam a curva meldica da frase. So utilizadas, na fonao, para veicular, fora da simples enunciao, informaes complementares [...] reconhecidas pela gramtica: a interrogao (frase interrogativa), a clera, a ale-gria (frase exclamativa) etc (Dubois, 1973, p. 217).

    A prosdia parte da fonologia que estuda os traos fnicos que se acrescentam aos sons da fala e que devem ser descritos com referncia a um domnio maior do que um simples segmento. Dubois (1973) apre-senta os trs elementos pesquisados pela prosdia de uma forma bastan-te clara: o acento dinmico (de energia), relacionado fora com que o ar expelido dos pulmes; o acento de entoao (de altura), referente fre-quncia de f0; e a durao, relativa sustentao sonora de um fonema.

    Assim, pela prosdia veremos algumas diferenas observadas en-tre slabas tonas e tnicas no PB. Parece ser consenso, se levarmos em conta somente a nossa experincia lingustica, que a slaba tnica teria maior energia e maior durao do que as slabas tonas. Agora, se o nosso objetivo verificar as diferenas de entoao entre, por exemplo, uma frase declarativa e uma interrogativa, o contorno de pitch j su-ficiente para tal distino.

    Leia mais!

    MALMBERG, Bertil. A fontica: no mundo dos sons da linguagem. Lisboa: Livros do Brasil, 1954. p. 39-50.

    CRISTFARO SILVA, Thas. Fontica e Fonologia do Portugus: Roteiro de Estudos e Guia de Exerccios. 6 ed. So Paulo: Contexto, 2002. p. 23-32.

    Nessas pginas, voc poder observar outras descries do aparelho fonador.

  • Captulo 03Segmentos Fonticos

    25

    3 Segmentos Fonticos

    Aqui, identificaremos os movimentos articulatrios de vogais e consoantes e seus respectivos rgos articuladores. Classificaremos tambm os segmentos

    fonticos a partir de seu ponto e modo de articulao e vozeamento.

    Bom, agora vamos iniciar a apresentao dos diferentes sons da fala, discutindo em detalhes aqueles que pertencem ao quadro do PB. Aqui, apresentaremos os sons a partir de seus movimentos articulat-rios. Os sons de fala sero vistos como fones e no fonemas, uma vez que a sua caracterstica distintiva ainda no est sendo considerada.

    A diviso tradicional entre vogais e consoantes em nvel de arti-culao deve ser entendida a partir da liberao do fluxo de ar dos pul-mes. Nas vogais, no h nenhum impedimento a essa passagem de ar, ou seja, os segmentos voclicos so produzidos com o fluxo de ar passando livremente ou praticamente sem obstculos (obstrues ou constries) no trato vocal. J as consoantes so articuladas a partir de alguma obstruo no trato oral, seja ela parcial ou total. Uma outra dife-rena entre esses dois tipos de sons que as vogais so vozeadas, isto , so produzidas com a vibrao das pregas vocais, enquanto as consoan-tes podem ou no ser produzidas com vibrao das pregas vocais. Assim podem ser vozeados ou no-vozeados.

    Em termos de classificao fontica, as vogais so analisadas por meio dos seguintes parmetros: altura, avano/recuo da lngua e ar-redondamento dos lbios. J, para as consoantes, utilizam-se as caracte-rsticas de ponto articulatrio (lugar de articulao), modo articulatrio e sonoridade.

    3.1 Segmentos VoclicosVogais so sons produzidos com o ar saindo dos pulmes (fluxo de

    ar egressivo). Os sons voclicos se diferenciam dos consonantais pela ine-xistncia de obstruo sada de ar no trato vocal. Eles devem ser pro-duzidos de modo que o estreitamento gerado pelo movimento dos articu-

  • Fontica e Fonologia do Portugus

    26

    ladores no produza frico. Sua emisso realizada com a vibrao das pregas vocais, sendo por isso considerados sons vozeados ou sonoros.

    As vogais podem ser ainda classificadas como orais e nasais. Na produo das orais, o vu do palato fecha a passagem cavidade nasal, fazendo com que o ar saia somente pelo trato oral. Nas vogais nasais, o vu palatino encontra-se abaixado, permitindo que o ar passe tambm pelas cavidades ressoadoras nasais. A Fig. 5 a seguir mostra como o vu do palato se posiciona na produo de vogais orais (a) e nasais (b).

    Figura 5. Posio do vu do palato na produo de vogais (a) orais (como na produo da vogal

    da palavra l) e (b) nasais (como na produo da vogal da palavra l). Adaptado de Oliveira e

    Brenner (1988, p. 46).

    Para a classificao articulatria das vogais, esto envolvidos o cor-po da lngua e os lbios. O corpo da lngua pode movimentar-se ver-ticalmente, levantando-se ou abaixando-se, ou horizontalmente, avan-ando ou recuando. A mandbula auxilia na abertura do trato oral para a diferenciao entre vogais abertas e fechadas. O parmetro que define o movimento vertical da lngua denominado altura e o que define o movimento horizontal (avano/recuo) denomina-se anterioridade/pos-terioridade. H ainda a possibilidade de os lbios estarem distensos ou arredondados. O movimento de arredondamento dos lbios ocorre na produo de vogais ditas arredondadas. As demais so articuladas com os lbios distensos e so classificadas como no-arredondadas.

  • Captulo 03Segmentos Fonticos

    27

    No PB, apenas as vogais (), () e so arredondadas (como em av, av, tatu, respectivamente). Produza essas vogais e

    observe que, na sua pronncia, os lbios se arredondam e se proje-

    tam para frente. Em francs, outras vogais so arredondadas, como

    o i, por exemplo. Nesse caso, geralmente, falantes nativos do PB

    podem ter dificuldades na produo dessas vogais arredondadas,

    visto que esse no foi um hbito adquirido para o PB.

    Para produzir esta vogal arredondada, pronuncie um e, susten-tando essa pronncia, v arredondando os lbios. Voc perceber

    que a qualidade dessa vogal vai se modificando. Quando os lbios

    estiverem arredondados como na pronncia de um , voc ouvi-r a vogal alta anterior arredondada da lngua francesa, representa-

    da pelo smbolo fontico .

    Com relao altura da lngua, no PB, existem quatro nveis:

    Altas: Aquelas em que o dorso da lngua se eleva ao mximo es-treitando o trato, mas sem produzir frico (produo de e ). Observe, na Fig. 6, a posio da lngua para a pronncia de vogais altas. Nessa figura, nota-se que, apesar de a lngua elevar-se consideravelmente, no h obstruo total do trato.

    Mdias-altas: Aquelas em que o dorso da lngua encontra-se em uma posio intermediria entre a posio mais alta e a mais baixa, localizando-se, no entanto, mais prximo da po-sio mais alta (produo de e ). Observe, na Fig. 6, como o grau de abertura do trato maior do que o apresentado para as vogais altas.

    Mdias-baixas: Aquelas em que o dorso da lngua encontra-se em uma posio intermediria entre a apresentada nas vogais altas e aquela mostrada para as vogais baixas. A lngua locali-za-se, no entanto, em uma posio mais prxima vogal baixa (produo de e ).

  • Fontica e Fonologia do Portugus

    28

    Baixas: Aquelas em que a lngua se encontra na posio mais baixa no trato oral (produo de e ). Observe, na Fig. 6, que a abertura do trato na articulao das vogais baixas bem mais ampla do que a apresentada para as vogais altas e mdias.

    Outros autores (MALMBERG, 1954; MAIA, 1991) tm classificado as vogais em funo da abertura/fechamento do trato oral. Dessa for-ma, como na pronncia das vogais altas o trato oral est mais fechado do que na pronncia das vogais baixas, as altas so classificadas como fechadas e as baixas como abertas, as demais seriam meio-fechadas e meio-abertas. De acordo com Mateus et al. (1990), essa classificao leva em considerao a maior audibilidade das vogais.

    Ainda conforme o avano ou recuo da lngua, as vogais podem ser classificadas como:

    Anteriores: Aquelas em que a lngua se dirige para a parte an-terior do trato vocal, mais especificamente em direo aos alv-olos, mas sem qualquer tipo de bloqueio no trato oral. Na pro-duo de vogais anteriores, a lngua se eleva para frente, como se observa na pronncia de , e . Veja, na Fig. 6, a posio da lngua na produo das vogais e , levando em conta apenas o eixo horizontal.

    Posteriores: Aquelas em que o dorso da lngua se movimenta para a parte posterior do trato oral na direo do palato mole, sem, porm, apresentar bloqueio passagem do ar. Nas vogais posteriores, o dorso da lngua progressivamente se eleva para trs, como ocorre na pronncia de , e . Verifique, pela Fig. 6, a posio da lngua em relao ao eixo horizontal, na produo das vogais e .

    Centrais: Aquelas em que a lngua encontra-se em posio mais centralizada. Na pronncia da vogal , a lngua est abaixada e um pouco mais avanada do que para a produo da vogal . Observe, na Fig. 6, essa centralizao.

    Produza as vogais e em sequncia e

    observe como a boca est mais fechada para e

    mais aberta para .

    Essa vogal encontrada em posies tonas, prin-

    cipalmente em final de palavras.

  • Captulo 03Segmentos Fonticos

    29

    Altas

    Mdias

    Baixa

    Figura 6. Posio da lngua em relao altura (eixo vertical) e ao avano/recuo (eixo horizontal) no trato oral.

  • Fontica e Fonologia do Portugus

    30

    Na Fig. 6, pode ser observado o movimento tanto vertical quanto horizontal para a produo de cinco vogais orais , , , e . So imagens de ressonncia magntica, mostrando os movimen-tos realizados para a produo de sons voclicos.

    As vogais podem ser classificadas ainda pela posio assumida pe-los lbios. Na Fig. 7 a seguir, ilustra-se a posio dos lbios em funo da altura da vogal.

    Arredondadas: Vogais produzidas com os lbios arredonda-dos. So elas: , e . Tambm, pela Fig. 6, pode ser vista a projeo dos lbios para frente, denotando arredonda-mento na produo das vogais e . As vogais arredon-dadas so tambm chamadas de labializadas.

    No-arredondadas: Vogais produzidas com os lbios distendi-dos. So elas: , , e . Na Fig. 6, observa-se a produo das vogais , e , para as quais os lbios no esto projetados para frente.

    Altura da Lngua Lbios Distendidos Lbios Arredondados

    Alta

    Mdia Alta

    Esses esquemas em movimento podem ser

    visualizados no endereo eletrnico http://tinyurl.

    com/sonsvocalicos

  • Captulo 03Segmentos Fonticos

    31

    Mdia Baixa

    Baixa

    Figura 7. Posio dos lbios em termos dos graus de altura que a lngua assume (adaptado de CRISTFARO SILVA, 2002, p.69)

    Levando-se em conta esses trs movimentos, verifica-se que as vo-gais e so produzidas com os lbios projetados para frente (ar-redondados ou protrusos) e com a lngua posicionada para trs, estando em posio mais alta na articulao da vogal . J, nas vogais e , os lbios no se projetam para frente como nas vogais posteriores, ficando distendidos. A lngua, sendo o articulador mvel, que se movi-menta para frente, colocando-se em posio mais alta para a vogal . Na vogal , os lbios no esto projetados para frente e a lngua est em uma posio baixa e central (nem para frente nem para trs).

    Geralmente, a visualizao das vogais esquematizada a partir de quadrilteros, que representam a cavidade oral, situando as vogais nas posies respectivas do corpo da lngua. A Fig. 8 a seguir ilustra essa esquematizao. Esse modo de representar as vogais serve apenas de referncia, uma vez que, em dados de fala natural, as vogais apresen-tam grande variao.

  • Fontica e Fonologia do Portugus

    32

    F1

    F2

    (kHz)

    (kHz)

    0,4

    0,8

    2,5 1,1

    [ ]

    [ ]

    [ ]

    [ ][ ]

    [ ][ ]

    Figura 8. Representao acstico-articulatria das vogais com relao ao quadriltero voclico do PB (RUSSO; BEHLAU, 1993, p. 36).

    3.1.1 Vogais Cardeais

    Para que se pudesse fazer comparaes entre as vogais de diferentes lnguas, foram determinados pontos ideais de articulao de vogais, que serviriam como referncia para a localizao das vogais de diferentes lnguas. Esses pontos so estabelecidos a partir de limites articulatrios. Essas vogais so chamadas de cardeais e, em princpio, no pertencem a nenhuma lngua especfica.

    Vogais Cardeais Primrias

    Para o estabelecimento dos pontos de referncia para vogais car-deais primrias, so produzidas duas vogais. Conforme Cagliari (1981), a primeira (VC 1) deve ser pronunciada com a ponta da lngua para baixo e o mais elevada possvel, sem causar frico quando a corrente de ar passar por esse estreitamento, ficando a maior constrio nas regi-es palatoalveolar e palatal. A segunda vogal (VC-5) deve ser produzida com a lngua na posio mais retrada e abaixada possvel na poro posterior do trato oral, tambm sem causar nenhuma frico. A regio de maior constrio nesse caso a faringe.

    A partir da posio da primeira vogal e conservando sempre a ln-gua na posio mais avanada possvel, marcam-se trs pontos equidis-

  • Captulo 03Segmentos Fonticos

    33

    tantes, auditiva e articulatoriamente, sendo que o terceiro deles deter-mina a posio da lngua mais avanada e abaixada possvel. Surgem ento as vogais cardeais primrias VC-1, VC-2, VC-3 e VC-4.

    Com a posio da segunda vogal (VC-5), anteriormente menciona-da, e conservando-se a lngua o mais recuada possvel, determinam-se mais trs pontos equidistantes, auditiva e articulatoriamente, em dire-o do palato, novamente sem causar frico. Da so estabelecidas as vogais cardeais primrias VC-5, VC-6, VC-7 e VC-8.

    VOGAIS CARDEAIS PRIMRIAS

    VC-1

    VC-2

    VC-3

    VC-4 VC-5

    VC-6

    VC-7

    VC-8

    Figura 9. Diagrama esquemtico das vogais cardeais primrias (CRISTFARO SILVA, 1999, p. 4)

    A Fig. 9 apresenta o diagrama esquemtico das vogais cardeais pri-mrias. Para essas vogais, considerada a posio dos lbios. Para a ar-ticulao das vogais VC-1 a VC-4 no h protruso dos lbios, mas, para as vogais VC-5 a VC-8, h uma crescente projeo dos lbios para frente e estreitamento do orifcio labial.

    Vogais Cardeais Secundrias

    As vogais cardeais secundrias articulam-se com a mesma posio da lngua das vogais cardeais primrias, porm com a posio dos lbios invertida. Surgem assim as vogais VC-9, VC-10, VC-11, VC-12, VC-13, VC-14, VC-15 e VC-16. Por exemplo: a VC-9 tem a posio da lngua empregada na articulao da VC-1 (ponta da lngua para baixo e o mais elevada possvel) e a posio dos lbios empregada para a articulao de VC-8 (protruso labial). J a VC-16 apresenta a posio da lngua

  • Fontica e Fonologia do Portugus

    34

    utilizada na articulao da VC-8 e a posio dos lbios empregada na articulao de VC-1. Veja, no Quadro 1 a seguir, como se articulam as demais vogais secundrias.

    Vogal cardeal secundria

    Posio da lngua da VC

    Posio dos lbios da VC

    VC-9 1 8

    VC-10 2 7

    VC-11 3 6

    VC-12 4 5

    VC-13 5 4

    VC-14 6 3

    VC-15 7 2

    VC-16 8 1

    Quadro 1. Correspondncia da posio dos articuladores lngua e lbios para a articulao das vogais cardeais secundrias.

    Alm das vogais cardeais secundrias apresentadas no Quadro 1, ainda temos as vogais cardeais secundrias perifricas. Em uma posio de lngua intermediria entre aquela empregada na articulao de VC-1 e a empregada para VC-8, encontram-se as vogais secundrias perif-ricas VC-17 (sem protruso dos lbios) e VC-18 (com protruso labial semelhante da VC-8). Com a lngua em posio intermediria entre a articulao de VC-2 e VC-7, localizam-se as vogais secundrias VC-19 (sem labializao) e VC-20 (com labializao similar empregada para VC-7). Por fim, em posio de lngua intermediria entre a articulao de VC-3 e VC-6, encontram-se as vogais secundrias perifricas VC 21 e VC-22. Na Fig. 10 a seguir, o diagrama esquematizado exibe a locali-zao das vogais cardeais secundrias.

  • Captulo 03Segmentos Fonticos

    35

    VOGAIS CARDEAIS SECUNDRIAS

    VC-9

    VC-10

    VC-11

    VC-12 VC-13

    VC-14

    VC-15

    VC-16VC-17 VC-18

    VC-19 VC-20

    VC-21 VC-22

    Figura 10. Diagrama esquemtico das vogais cardeais secundrias (CRISTFARO SILVA, 1999, p. 6)

    A partir dessas consideraes, podemos analisar vogais e usar o diagrama apresentado na Fig. 11 a seguir para posicionar as vogais pes-quisadas. Vrios estudiosos (CAGLIARI, 1981; CRISTFARO SILVA, 1999; CALLOU, MORAES e LEITE, 1996) tm empregado essa meto-dologia para verificar a qualidade de sons voclicos do PB. Os resulta-dos dos estudos de Cagliari (1981) so mostrados na Fig. 12 a seguir.

    VOGAIS

    CentralAnterior

    Alta/Fechada

    Mdia-Alta/Meio-Fechada

    Mdia-Baixa/Meio-Aberta

    Baixa/Aberta

    Posterior

    Figura 11. Quadriltero que esquematiza as posies verticais e horizontais do corpo da

    lngua na produo das diferentes vogais cardeais (adaptao do AFI).

    Caso no possamos ou no queiramos representar a qualidade das vogais atravs do diagrama voclico, podemos transcrever essas vogais

    Alfabeto Fontico Interna-cional (AFI). Informaes disponveis no endereo: . Acesso em 15 abril 2011.

  • Fontica e Fonologia do Portugus

    36

    usando o smbolo das vogais cardeais mais prximas (Fig. 11) e adicio-nando diacrticos. Conforme Cagliari (1996), as vogais que no tm a qualidade das cardeais podem ser representadas pelos diacrticos, apre-sentados no Quadro 2.

    elevadaVogal tem a qualidade levemente acima da qualida-de da vogal cardeal utilizada para representar a vogal que se quer identificar.

    abaixadaVogal tem a qualidade levemente abaixo da qualida-de da vogal cardeal utilizada para representar a vogal que se quer identificar.

    retradaVogal tem qualidade mais posterior do que a da vo-gal cardeal utilizada para representar a vogal que se quer identificar.

    recuadaVogal tem qualidade mais anterior do que a da vogal cardeal utilizada para representar a vogal que se quer identificar.

    centralizadaVogal tem qualidade mais centralizada do que a da vogal cardeal empregada para representar a vogal que se quer identificar.

    Quadro 2. Diacrticos para detalhamento fontico de segmentos voclicos (CAGLIARI, 1996, p.46)

    Para mostrarmos como utilizar esses diacrticos, transcreveremos algumas das vogais exibidas no esquema de localizao das vogais, apre-sentado na Fig. 12, com detalhes fonticos representados pelos diacrti-cos. Compare o smbolo encontrado na Fig. 11, que esquematiza a posio das vogais cardeais, e na Fig. 12, que apresenta dados coletados por Cagliari (1981), referentes pronncia das vogais do PB presentes nos exemplos exibidos nessa figura. O smbolo representa a vogal baixa central. Na Fig. 12, essa vogal exibe uma qualidade mais centrali-zada do que aquela verificada na Fig. 11. Assim, ela poderia ser transcri-ta como: . J, a vogal localiza-se, no quadriltero voclico da Fig. 12, em uma posio mais elevada do que a observada no quadrilte-ro apresentado na Fig 11. Dessa maneira, ela seria transcrita como . A partir dessas constataes, poderamos dizer que a vogal baixa do PB () mais centralizada do que a sua vogal cardeal correspondente. E ainda que a vogal do PB () menos baixa do que a sua correspon-

    Diacrticos so sinais grfi-cos adicionados a um sm-

    bolo fontico para repre-sentar deslocamentos em

    relao qualidade das vogais cardeais. Esses ele-mentos auxiliam a repre-

    sentao dos sons da fala, pois os smbolos fonticos no do conta de todas as

    variantes encontradas na fala natural.

  • Captulo 03Segmentos Fonticos

    37

    dente vogal cardeal. Com isso, poderamos fazer um levantamento de outras pesquisas sobre vogais de outras lnguas (como francs ou ingls) e, comparando-as tambm s vogais cardeais, observar as diferenas en-tre os segmentos voclicos do PB e das demais lnguas.

    LocalizaoExemplosVogais

    vi

    chove

    v

    p

    cada

    cama

    p

    robtodo

    urubu

    Figura 12. Diagrama voclico com a localizao das vogais mais comuns do PB com exemplos, tirado de Cagliari, 1981, p. 50.

    3.1.2 Vogais Nasais

    At agora, observamos o comportamento fontico de sons voc-licos produzidos com o levantamento do vu do palato, tendo, como passagem para o fluxo de ar, somente as cavidades orais. No entanto, existem segmentos voclicos que so produzidos com o vu do pala-to abaixado, levando a corrente de ar a passar tanto pela cavidade oral quanto pela nasal. Esse tipo de articulao traz modificaes mais acen-tuadas para umas vogais do que para outras.

    As vogais articuladas com a lngua em posio elevada, como as altas e , apresentam um pequeno abaixamento do vu palatino. Assim, a configurao do trato oral para produo dessas vogais orais ( e ) e nasais ( e ) so bastante similares. Na Fig. 13, voc pode observar a configurao do trato oral e nasal na produo das vogais nasais altas.

  • Fontica e Fonologia do Portugus

    38

    (a) (b)

    Figura 13. Movimentos articulatrios para a produo de vogais nasais altas: (a) anterior , (b) posterior

    A articulao de vogais nasais que so produzidas com a lngua na posio mais baixa necessita de um maior abaixamento do vu palatino para elas soarem como nasais. Nesse caso, h uma diferena bastante grande entre a articulao de uma vogal baixa oral e uma nasal. o que ocorre com a vogal baixa central. Dessa forma, para representar a vo-gal oral emprega-se o smbolo , no entanto, devido a essa diferena articulatria (e portanto acstica), a representao de sua contraparte nasal seria mais adequada atravs do smbolo fontico (SEARA, 2000). Na Fig.14, pode-se visualizar os movimentos articulatrios en-volvidos na produo dessa vogal nasal.

    Figura 14. Movimentos articulatrios para a produo da vogal nasal baixa central: .

  • Captulo 03Segmentos Fonticos

    39

    As vogais que so realizadas com um gradual abaixamento da lngua, como as mdias, tero, na produo de suas vogais nasais cor-respondentes, um abaixamento tambm gradual do vu do palato. No caso do PB, existem apenas vogais nasais mdias altas, e . No francs, por exemplo, s ocorrem vogais nasais mdias baixas. Ob-serve, na Fig.15, como o trato oral se configura para a produo das vogais nasais mdias do PB.

    (a) (b)

    Figura 15. Movimentos articulatrios para a produo de vogais nasais mdias: (a) anterior , (b) posterior .

    Vejamos, de forma mais clara, as modificaes ocorridas no nvel da cavidade oral quando as vogais so nasais. Nas Figuras 16 e 17, so apresentados dados retirados de uma pesquisa sobre vogais nasais na fala florianopolitana (SEARA, 2000). Atravs desses esquemas voclicos (elaborados a partir das duas primeiras frequncias de ressonncias orais - F1 e F2), vemos que, em contexto tnico (Fig. 16), as diferenas so mais acentuadas entre orais e nasais do que em contexto tono (Fig. 17). Observamos tambm que, no dialeto florianopolitano, a vogal nasal que mais diferenas apresenta em relao sua produo oral a vogal baixa. Analisando o contexto tnico (Fig. 16), verificamos ainda que as vogais altas e mdias anteriores, quando nasais, tornam-se mais anteriores, isto , o avano da lngua maior quando o vu do palato est abaixado. J, nas posteriores, ocorre o inverso, a lngua apresenta um recuo maior, tor-nando as nasais mais posteriores. Em relao altura da lngua, as mdias

    Se voc tiver interesse em conhecer mais detalhes sobre frequncias de res-sonncia, leia Istre (1983, p. 01-72) e Mateus et al. (1990, p. 51-144).

  • Fontica e Fonologia do Portugus

    40

    e a baixa apresentam maiores alteraes no abaixamento ou elevao da lngua quando so produzidas com o abaixamento de vu palatino.

    2880

    190

    280

    370

    460

    550

    640

    730

    820

    3190 2570F2

    F1

    910

    2260 1950 1640 1330 1020 710

    Vogal oral [i]

    Vogal nasal [i]

    Vogal oral [e]

    Vogal nasal [e]

    Vogal oral [a]

    Vogal nasal [a]

    Vogal oral [o]

    Vogal nasal [o]

    Vogal oral [u]

    Vogal nasal [u]

    Contexto tnico

    Figura 16. Espao bidimensional definido pelas mdias de F1 x F2 das vogais orais (linha grossa) e nasais (linha fina) em contexto tnico. (SEARA, 2000, p. 141).

    2860

    180

    260

    340

    420

    500

    580

    660

    740

    3180 2540F2

    F1

    820

    2220 1900 1580 1260 940 620

    Vogal oral [i]

    Vogal nasal [i]

    Vogal oral [e]

    Vogal nasal [e]

    Vogal oral [a]

    Vogal nasal [a]

    Vogal oral [o]

    Vogal nasal [o]

    Vogal oral [u]

    Vogal nasal [u]

    Contexto tono

    Figura 17. Espao bidimensional definido pelas mdias de F1 x F2 das vogais orais (linha grossa) e nasais (linha fina) em contexto tono (SEARA, 2000, p. 143).

  • Captulo 03Segmentos Fonticos

    41

    3.1.3 Propriedades Articulatrias Secundrias

    Alm das propriedades anteriormente apresentadas para a defini-o de segmentos voclicos, ainda podemos caracteriz-los a partir de algumas propriedades articulatrias secundrias, como: durao, des-vozeamento, nasalizao e tenso.

    Durao: uma medida relativa, podendo ser usada para fins comparativos. Os diacrticos empregados para marcar a dura-o so: . Assim, vogais longas so representadas como ; vogais com durao mdia, como ; e as bre-ves, como . Qualquer vogal pode apresentar essa proprie-dade. Esses smbolos s devem ser usados quando, de fato, tal caracterstica for relevante para a lngua.

    Desvozeamento: Normalmente, as vogais so segmentos vo-zeados (sonoros), isto , em sua articulao as pregas vocais vibram. No entanto, esses segmentos podem ser produzidos sem essa vibrao, ocorrendo assim o desvozeamento. O dia-crtico que representa a no-vibrao das pregas vocais, quan-do estas deveriam vibrar, . No PB, o desvozeamento de vogais acontece em posio tona final de palavra, por exemplo em vocbulos como papo, que deve, nesse caso, ser transcrito como: .

    Nasalizao: Como j vimos anteriormente, o diacrtico que assinala a nasalizao o . Alm das vogais nasais, que ocorrem com o abaixamento do vu do palato, deixando o flu-xo de ar sair por duas cavidades (a oral e a nasal), temos vogais que so nasalizadas em funo dos contextos vizinhos. o que ocorre em palavras como cama, ninho, tenho, nas quais o abai-xamento do vu do palato para a articulao da consoante na-sal adjacente realizado antes da completa articulao da vogal que antecede esse segmento nasal. Isso faz com que tais vogais sejam percebidas como nasalizadas. Em contexto tnico, essa nasalizao mais perceptvel do que em contexto tono. Essas palavras so transcritas, respectivamente, como: , e .

    Propriedades definidas conforme Cristfaro Silva (2002, p. 71)

  • Fontica e Fonologia do Portugus

    42

    Tenso: Segmentos tensos so aqueles realizados com maior esforo muscular e opem-se a segmentos frouxos. No PB, as vogais tonas finais como em safri e pato so frouxas em rela-o s tnicas finais de jacu e saci.

    3.1.4 Encontros Voclicos

    No PB, atesta-se a ocorrncia de encontros de dois ou trs segmen-tos voclicos aos quais se d respectivamente o nome de ditongos ou tritongos. Eles so formados, em geral, pelas vogais altas anterior e posterior . Quando essas vogais ocupam as posies perifricas da slaba so chamadas de semivogais e apresentam menor proeminncia acentual se comparadas s vogais que acompanham. Nesse caso, so re-presentadas respectivamente pelos smbolos fonticos e .

    Ditongos

    Os ditongos constituem-se de dois segmentos voclicos. H, no entanto, duas possibilidades de sequncia em uma mesma slaba:

    vogal + semivogal ou semivogal + vogal

    As sequncias finalizadas por semivogal so sempre inseparveis e so chamadas de ditongos decrescentes, pois terminam pela vogal com menor proeminncia acentual. Na sequncia semivogal + vogal, chama-da de ditongo crescente, j que finalizada pelo segmento de maior pro-eminncia (a vogal), h a possibilidade de esses dois segmentos consti-turem slabas separadas.

    Dessa forma, na palavra meu temos um ditongo decrescente que inseparvel, e assim se constitui em uma nica slaba. Trata-se dos tambm chamados verdadeiros ditongos. Na palavra Mr-cia, temos um ditongo crescente e tal palavra pode ser transcrita como: a) ., sendo a sequncia semivogal + vogal pronunciada em uma mesma slaba; ou b) .., transcrio na qual percebe-mos a presena de duas vogais, representando cada uma ncleos de s-labas diferentes.

    So encontrados como smbolos das semivogais e para ; e

    para . O smbolo usado para repre-

    sentar a vogal assilbica.

  • Captulo 03Segmentos Fonticos

    43

    Veja, no Quadro 3 a seguir, a lista de ditongos crescentes e decres-centes, nasais e orais do portugus brasileiro, com exemplos para cada um deles.

    Decrescentes CrescentesOrais Nasais Orais Nasais

    gaita mo farmcia quando

    leite me srie pinguim

    ideia tem bipsia

    oito pe biologia

    jia muito quase

    circuito tnue

    aula

    deu

    papel

    abriu

    roubo

    sul

    lenol

    Quadro 3. Levantamento dos ditongos crescentes e decrescentes orais e nasais do PB com respectivos exemplos.

    Monotongao

    Monotongao o processo pelo qual o ditongo passa a ser pro-duzido como uma nica vogal. Nesse caso, h um apagamento da se-mivogal. Frequentemente, monotongam-se os ditongos , e , os dois primeiros quando diante de , e , como em peixe , queijo e freira . J o ditongo monotonga-se em qualquer ambiente.

    Vamos agora fazer a transcrio das palavras apresentadas no Qua-dro 4. Nele, podem ser observados os ambientes que favorecem o apa-gamento da semivogal. Observe tambm os contextos em que isso no ocorre.

    Os ditongos crescentes

    que so formados pela

    semivogal [ ] so in-

    separveis. Alguns au-

    tores (CAVALIERI, 2005;

    C R I S T FA R O - S I LVA ,

    2002) consideram que

    esse segmento cons-

    titui consoantes com-

    plexas, como [ ] em quase, representando a

    velarizao ou labializa-

    o da consoante.

  • Fontica e Fonologia do Portugus

    44

    baixa

    encaixe

    sai

    peixe

    roteiro

    pensei

    solto

    gol

    manteiga

    leiga

    vou

    ouviu

    ouro

    traio

    queijo

    freira

    depois

    meiga

    Quadro 4. Exemplos de ambientes de ocorrncia e no-ocorrncia de monotongao de ditongos decrescentes do PB.

    Tritongos

    Nos encontros de trs segmentos voclicos, em que somente um de-les ocupa o pico silbico, temos os chamados tritongos. Alguns estudio-sos consideram os tritongos como a fuso de um ditongo crescente e um decrescente; outros consideram que tritongos, precedidos de oclusivas

    Observe na lista apresentada pelo Quadro 4 que a palavra manteiga

    monotonga-se, apesar de no apresentar o ambiente condiciona-

    dor. Tal fenmeno se deve a causas idiossincrticas, visto que, em

    palavras como leiga, meiga etc., esse fenmeno no se manifesta.

  • Captulo 03Segmentos Fonticos

    45

    velares, seriam certamente consoantes complexas seguidas de ditongo. Assim, em palavras como Uruguai, transcrita como ,o dgrafo gu representaria uma consoante velar arredondada ou labializa-da (CAVALIERI, 2005; CRISTFARO SILVA, 2002).

    Hiatos

    H ainda encontros de duas vogais, cada uma constituindo o pico de uma slaba. Nesse caso, temos os hiatos. So exemplos de hiato as pala-vras: sa e ba, transcritas, respectivamente, como: ... O hiato pode ser intravocabular, quando ocorre dentro de uma palavra; ou intervocabular, quando consequncia do encontro entre uma vogal final de uma palavra e a vogal inicial de outra.

    Temos hiatos nas seguintes sequncias (CAVALIERI, 2005):

    a) Entre vogais iguais tonas: caatinga, coordenao.

    b) Entre vogais iguais, em que a segunda tnica: alcolico, xiita.

    c) Entre vogais iguais, sendo a primeira tnica: voo, veem.

    d) Entre vogais diferentes tonas: doao, estereotipado.

    e) Entre vogais diferentes, sendo a primeira tnica: Maria, pavio.

    f) Entre vogais diferentes, sendo a segunda tnica: hiato, freada.

    Os hiatos presentes nos itens (a) e (b) tm a tendncia crase (con-trao). Por exemplo, as palavras coordenao e alcolico podem ser pronunciadas como e . Os hiatos exibidos no item (c) so simplificados e sofrem uma ditongao, dessa forma veem pode ter a pronncia . Os que aparecem no item (e) tendem a ditongar-se quando a vogal final uma mdia. o que acon-tece com pavio , mas no ocorre com Maria .

    3.1.5 Ordem para Classificao de Vogais

    Quando classificamos os sons voclicos, primeiramente considera-mos a altura da lngua, em seguida os classificamos em funo de movi-mento horizontal da lngua, isto , quanto sua anterioridade (avano)

  • Fontica e Fonologia do Portugus

    46

    ou posterioridade (recuo) da lngua. Por fim, anotamos as caracters-ticas relativas ao arredondamento dos lbios, caso seja pertinente (ver Quadros 5 e 6 a seguir).

    Exemplo: vogal alta posterior arredondada.

    Anterioridade/Posterioridade da Lngua

    Altura da Lngua

    Anterior Central Posterior

    Arredondada No-Arredondada Arredondada No-Arredondada

    Pr-

    tni

    ca

    Alta

    Mdia Alta

    Mdia Baixa * *

    Baixa

    Tni

    ca

    Alta

    Mdia Alta

    Mdia Baixa

    Baixa

    Ps-

    tni

    ca

    Alta

    Mdia Alta ** **

    Mdia Baixa

    Baixa

    Quadro 5. Fonemas voclicos do PB em posio pr-tnica, tnica e ps-tnica.

    * Esses segmentos s vo aparecer em palavras derivadas como cafezinho, bolinha, nas quais as slabas tnicas so, respectivamente, zi e li, mas cujas slabas pr-tnicas fe e bo possuem um acento secundrio herdado de suas correspondentes palavras de origem.

    ** Esses segmentos aparecero de forma minoritria em algumas regies do Brasil, como por exemplo na capital do estado do Paran.

  • Captulo 03Segmentos Fonticos

    47

    Vogal Classificao Exemplos Transcries*

    Vogal alta anterior no-arredondada

    picado digo

    Vogal alta anterior no-arredondada (tona final de palavra)

    tapete

    Vogal mdia alta anterior no-arredondada

    tereitapeteleite

    Vogal mdia baixa anteriorno-arredondada

    pezinhop

    Vogal baixa anterioracabapacata

    Vogal baixa central (tona final de palavra) pacata

    Vogal mdia baixaarredondada

    pozinhop

    Vogal mdia altaarredondada

    coladotodopato

    Vogal alta posteriorarredondada

    tabuladotudo

    Vogal alta posteriorarredondada (tona final de palavra)

    tudo

    Quadro 6. Classificao das vogais do PB com exemplos e transcries (AFI).

    * As transcries feitas com os colchetes ([ ]) referem-se produo das palavras exemplifica-das, e o smbolo () sinaliza que a slaba que o segue a tnica da palavra (ou seja, nas transcries

    fonticas, esse smbolo deve ser colocado antes da slaba tnica).

    3.2 Segmentos Consonantais

    Como vimos inicialmente, os segmentos consonantais dividem-se em dois grandes grupos: os denominados segmentos surdos ou no-vozeados, produzidos sem vibrao das pregas vocais, e os chamados sonoros ou vo-zeados, produzidos com as pregas vocais em vibrao. Esse parmetro rela-cionado vibrao ou no das pregas vocais definido como vozeamento.

  • Fontica e Fonologia do Portugus

    48

    Ainda se pode dizer que consoantes distinguem-se de vogais, pois, enquanto estas ltimas deixam que a corrente de ar vinda dos pulmes pas-se livremente, as primeiras, para serem articuladas, apresentam uma obs-truo ao fluxo de ar no trato oral. Tal obstruo pode ser total ou parcial. H consoantes que apresentam uma obstruo momentnea e total pas-sagem do ar pelas cavidades supraglticas e aquelas em que h somente um estreitamento do canal bucal. A maneira como o ar passa pelas cavidades supraglticas definida como modo de articulao. Para a caracterizao de consoantes, deve-se levar em conta tambm a posio dos articuladores passivos e ativos quando produzem tais segmentos. A relao entre esses articuladores definida como o lugar ou ponto de articulao.

    Para que possamos observar com mais clareza quais so os rgos envolvidos nos movimentos para a produo de consoantes, vamos re-ver, na Fig. 18 a seguir, o aparelho fonador com seus rgos ativos e pas-sivos estilizados. Na Fig. 19, sero apresentados em detalhes os rgos ativos e passivos localizados na cavidade oral.

    Narinas

    Supragltica

    Subgltica

    AlvolosCavidade Oral

    CavidadeNasal

    Vu do Palato

    Palato Mole

    Pregas Vocais

    Pulmes

    Traqueia

    Laringe

    LnguaLbios

    Cavidade Farngea

    Glote

    Foras respiratrias

    Palato Duro

    Figura 18. Modelo funcional do trato vocal humano estilizado, adaptado de Clark e Yallop (1995, p. 12).

  • Captulo 03Segmentos Fonticos

    49

    Alvolos

    Palato mole ou velum

    Palato duro

    Dorso da lngua

    Lmina da lngua

    pice da lngua

    vula

    Dentes superiores

    Dentes inferiores

    Figura 19. Trato oral com seus rgos ativos (lngua, lbios, palato mole) e passivos (dentes superiores, palato duro, alvolos) em detalhes, adaptado de Cristfaro Silva (2002, p.31).

    3.2.1 Vozeamento

    As consoantes so classificadas quanto ao vozeamento como:

    Surdas ou no-vozeadas: produzidas sem a vibrao das pre-gas vocais: pata, faca.

    Sonoras ou vozeadas: produzidas com a vibrao das pregas vocais: bode, zona.

    3.2.2 Ponto de Articulao

    Quanto ao ponto de articulao, as consoantes so classificadas como (CRISTFARO SILVA, 2002, adaptado):

    Bilabial: lbio inferior (articulador ativo: mvel) toca no lbio superior (articulador passivo): mame, papai;

    Labiodental: lbio inferior (articulador ativo) vai em direo aos dentes incisivos superiores (articulador passivo): farofa, fava;

    Dental: pice ou lmina da lngua (articulador ativo) toca ou vai na direo dos dentes incisivos superiores (articulador pas-sivo): tato, dados;

    Alveolar: pice ou lmina da lngua (articulador ativo) toca ou vai na direo dos alvolos (articulador passivo): tato, dados;

  • Fontica e Fonologia do Portugus

    50

    Alveopalatal: parte anterior da lngua (articulador ativo) toca ou se dirige para a regio medial do palato duro (articulador passivo): chata, tchau, j, xarope;

    Palatal: parte mdia da lngua (articulador ativo) toca ou se en-caminha para a parte final do palato duro (articulador passivo): ganho, telha;

    Velar: dorso da lngua (articulador ativo) toca ou vai na direo do vu do palato tambm chamado de palato mole (articulador passivo): casa, gato e algumas pronncias de r: rato (dialeto carioca e florianopolitano);

    Uvular: dorso da lngua (articulador ativo) vai em direo vula, como em algumas pronncias de r;

    Glotal: msculos da glote so os articuladores desse tipo de segmento, que ocorre tambm na pronncia de r no dialeto de Belo Horizonte.

    As classificaes apresentadas neste texto usam como ponto de re-

    ferncia os lugares de articulao. Colocamos isso porque h uma

    grande quantidade de nomes que querem dizer a mesma coisa (ou

    quase a mesma coisa) e, pela sua variedade, trazem confuso rea.

    Os exemplos a seguir usam em sua nomenclatura, alm do lugar de

    articulao, o nome dos rgos ativos e o ponto em que eles tocam

    nos articuladores passivos, para a realizao da constrio conso-

    nantal. Vejamos algumas dessas correspondncias:

    Apicodental ou Linguodental: Dental

    Apicoalveolar ou Lnguoalveolar: Alveolar

    Apicopalatal ou Linguopalatal ou

    ps-alveolar:

    Palatoalveolar

    e Alveopalatal

    Dorsopalatal: Palatal

    Dorsovelar: Velar

  • Captulo 03Segmentos Fonticos

    51

    3.2.3 Modo de Articulao

    Como j vimos, o modo de articulao est relacionado ao tipo de obstruo produzida no trato vocal. Na Fig. 20 a seguir, podemos veri-ficar as constries realizadas na produo das consoantes oclusivas e fricativas em relao s vogais. Notamos que, para as consoantes, o trato vocal encontra-se muito mais fechado do que para as vogais.

    Oclusivos

    Fricativos

    Vogais altasVogais mdias-altasVogais mdias-baixasVogais baixas

    Figura 20. Constries do trato oral nas produes voclicas e consonantais (MASSINI CAGLIARI e CAGLIARI, 2001, p. 128).

    Segundo o modo de articulao, as consoantes classificam-se em:

    Oclusiva/plosiva: produzida com uma obstruo total e mo-mentnea do fluxo de ar nas cavidades supraglticas, realizada pelos articuladores (ativo e passivo), da chamada de oclusiva. Quando a exploso acstica gerada na liberao da ocluso percebida, esse segmento pode ser tambm chamado de plo-sivo. O vu do palato encontra-se levantado, sendo o fluxo de ar encaminhado apenas para a cavidade oral: paga, data, acaba. Em aga, o som emitido com uma obstruo total nos lbios. Na palavra aa, os sons e so pro-duzidos com uma obstruo total na regio que vai dos dentes aos alvolos. Em aaba, na realizao do som , h uma obstruo total localizada no vu do palato.

  • Fontica e Fonologia do Portugus

    52

    Figura 21. Configurao articulatria das consoantes plosivas bilabiais: a) surda e b) sonora .

    Nasal: produzida com uma obstruo total e momentnea do fluxo de ar nas cavidades orais. H, no entanto, um abaixamen-to simultneo do vu do palato, permitindo a liberao do ar pelas cavidades nasais. O ar ento saindo dos pulmes ressoa tambm na cavidade oral antes de ser expelido somente atravs das cavidades nasais. So exemplos de palavras com sons na-sais: mano, banho. Em ao, o som apresenta uma obstruo no trato oral que ocorre nos lbios; j em , a obs-truo ocorre nos alvolos. Na palavra bao, a consoante nasal realiza a obstruo oral no palato duro.

    Figura 22. Configurao articulatria da nasal alveolar sonora .

    Fricativa: produzida com um estreitamento do canal bucal, ou seja, uma ocluso parcial, realizada pelos articuladores, fazendo com que a passagem do fluxo de ar nas cavidades supraglticas

  • Captulo 03Segmentos Fonticos

    53

    gere um rudo de frico. O vu do palato encontra-se levanta-do, e o fluxo de ar encaminhado apenas para a cavidade oral: fava, saca, azar, chato, jato. Na palavra aa, as duas consoantes fricativas e so produzidas com o lbio in-ferior se dirigindo para os dentes superiores, mas sem toc-los efetivamente, j que a obstruo apenas parcial. Em aca e aar, as fricativas e so produzidas formando um estreito canal no meio da lngua enquanto se dirigem aos alvo-los. As consoantes e (presentes nas palavras ato e ato, respectivamente) oferecem uma constrio no trato na regio do palato duro, produzida com a parte anterior da lngua em direo regio ps-alveolar. Para essas fricativas, pode-mos classific-las como sibilantes (as alveolares e ), ou como chiantes (as ps alveolares e ). Temos ainda as fricativas velares e , uvulares e e as fricativas glotais e , que correspondem aos sons de r, como nas palavras cota e coda ou cota e coda. Para as velares, o dorso da lngua se dirige regio do palato mole (velum); e, para as glotais, nas quais os ligamentos da glote se comportam como articuladores, a frico ocorre na laringe. Os r fricativos ocorrem no falar carioca, no de Belo Horizonte e tambm no de Florianpolis, quando na posio final de slaba. J, em incio de slaba, a maioria dos dialetos do PB realizam a vibrante mltipla como fricativa.

    Figura 23. Configurao articulatria das fricativas labiodentais: a) surda e b) sonora .

  • Fontica e Fonologia do Portugus

    54

    Africada: produzida com uma ocluso total e momentnea do fluxo de ar, seguida de um estreitamento do canal bucal, geran-do um rudo de frico, logo aps o relaxamento da ocluso. Aqui tambm o vu do palato encontra-se levantado, e o flu-xo de ar passa apenas pela cavidade oral: tchau , tia e dia (no dialeto carioca). Essas consoan-tes so todas produzidas com a parte anterior da lngua tocando na regio ps-alveolar e depois se afastando, gerando frico. As consoantes e se diferenciam apenas pelo vo-zeamento, sendo a primeira no-vozeada e a segunda vozeada.

    Figura 24. Configurao articulatria da africada alveopalatal surda , produzida com a

    sequncia de dois movimentos articulatrios: a) ocluso total e b) bloqueio parcial com frico.

    Tepe (ou tap): produzida com uma ocluso total e rpida do fluxo de ar nas cavidades orais. O vu do palato est levantado, impedindo a passagem do ar pelas cavidades nasais: caro , prato . O som apresenta uma ocluso per-cebida como uma batida bastante rpida da ponta da lngua nos alvolos, permitindo uma ocluso total, mas extremamente breve. Essa consoante tambm conhecida como vibrante simples, por apresentar ape-nas essa nica batida.

    Figura 25. Configurao articulatria do tepe .

  • Captulo 03Segmentos Fonticos

    55

    Vibrante: a ponta da lngua ou a vula provocam uma srie de ocluses totais muito breves, seguidas por segmentos voclicos extremamente curtos. A passagem do ar pelas cavidades nasais tambm est bloqueada: roda, carro. A vibrante alveolar aciona esta srie de rpidas ocluses tocando a ponta da ln-gua nos alvolos. J a vibrante uvular realiza a sequncia de bloqueios tocando, atravs da vibrao da vula, o dorso da lngua. Essa consoante tambm chamada de vibrante mltipla em funo das mltiplas batidas, em oposio vibrante sim-ples, que apresenta um nico bloqueio.

    Os dois sons de r que o PB distingue so muitas vezes chamados de vibrante simples (o tepe ou r fraco) que aparece na palavra caro, e de vibrante mltipla (a vibrante propriamente dita ou r forte) que aparece na palavra carro.

    Retroflexa: produzida com o levantamento e encurvamento da ponta da lngua (articulador ativo) em direo ao palato duro (articulador passivo), ou melhor, com a elevao do reverso da ponta da lngua em direo ao palato (DUBOIS, 1973). As ca-vidades nasais esto obstrudas pelo levantamento do vu pala-tino no permitindo que o ar passe atravs delas. O som retro-flexo pode ser percebido na pronncia do r no dialeto caipira ou por um americano produzindo palavras como: mar e porca .

    Aproximante: articulada com uma constrio que maior do que a requerida para uma vogal, mas no radical o suficien-te para produzir turbulncia da corrente de ar. So produzidas com a cavidade nasal bloqueada pelo vu do palato, impedindo a passagem de ar pelas narinas. So consideradas aproximantes no PB um representante dos rticos com ponto de articulao alveolar e as semivogais e . As aproximantes so normalmente vozeadas.

    Lateral: produzida com uma ocluso central, deixando que o ar escape pelas laterais do trato oral. O vu do palato encontra-se

    Rticos compreendem uma classe de segmentos que representam os sons de r sejam eles fricativos, vibrantes, tepes ou aproxi-mantes.

  • Fontica e Fonologia do Portugus

    56

    levantado, e o fluxo de ar passa apenas pela cavidade oral. Nas palavras: lata, sal, telha, encontramos, respectivamente, a late-ral alveolar vozeada (ata), produzida com uma obstruo realizada com a ponta da lngua no centro dos alvolos; a lateral velar (vozeada) (sa), realizada atravs do bloqueio com o dorso da lngua na regio central do palato mole (variante ve-larizada produzida em algumas regies do Rio Grande do Sul em posio final de slaba) e a lateral palatal (tea) (tambm vozeada), produzida com a parte anterior da lngua tocando no centro do palato duro.

    No Quadro 7 a seguir, so apresentados os fonemas do PB, organi-zados segundo modo e ponto de articulao, e grau de vozeamento. No Quadro 8, ser oferecida, para cada segmento consonantal, a classifica-o das consoantes com exemplos e transcrio.

    Os smbolos usados at aqui baseiam-se naqueles propostos pela Associao Internacional de Fontica, no entanto alguns outros smbo-los so usados na literatura. Apresentaremos, no Quadro 9, esses smbo-los e seus correspondentes no Alfabeto Fontico Internacional.

  • Captulo 03Segmentos Fonticos

    57

    Pont

    o de

    Art

    icul

    ao

    Bila

    bial

    Labi

    o-de

    ntal

    Den

    tal o

    u A

    lveo

    lar

    Alv

    eo-p

    alat

    alPa

    lata

    lVe

    lar

    Glo

    tal

    Uvu

    lar

    Voze

    amen

    to

    (Sur

    da/S

    onor

    a)Su

    SoSu

    SoSu

    SoSu

    SoSu

    SoSu

    SoSu

    SoSu

    SoModo de Articulao

    Ocl

    usiv

    a

    Afr

    icad

    a

    Fric

    ativ

    a

    Nas

    al

    Tepe

    Vibr

    ante

    Retr

    oflex

    a

    Late

    ral

    Apr

    oxim

    ante

    Quadro 7. Fonemas consonantais do PB classificados segundo seu vozeamento, modo e ponto de articulao.

  • Fontica e Fonologia do Portugus

    58

    Consoante Classificao Exemplos Transcries*

    Consoante oclusiva bilabial surda paca

    Consoante oclusiva bilabial sonora bata

    Consoante oclusiva dental-alveolar surda toca

    Consoante oclusiva dental-alveolar sonora

    data

    Consoante oclusiva velar surda cada

    Consoante oclusiva velar sonora gota

    Consoante africada alveopalatal surda tia

    Consoante africada alveopalatal sonora dia

    Consoante fricativa labiodental surda faca

    Consoante fricativa labiodental sonora vaca

    Consoante fricativa alveolar surda

    sacacs

    Consoante fricativa alveolar sonora

    azarcasar

    Consoante fricativa alveopalatal surda

    chataxcara

    Consoante fricativa alveopalatal sonora

    jacagema

    Consoante fricativa velar surda

    carrocorta

    Consoante fricativa velar sonora corda

  • Captulo 03Segmentos Fonticos

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    Consoante Classificao Exemplos Transcries*

    Consoante fricativa glotal surda corta

    Consoante fricativa glotal sonora corda

    Consoante fricativa uvular surda

    roda parte

    Consoante fricativa uvular sonora barba

    Consoante nasal bilabial sonora mala

    Consoante nasal alveolar sonora nata

    Consoante nasal palatal sonora sonho

    Consoante tepe alveolar sonora caro

    Consoante vibrante alveolar sonora

    riocarro

    Consoante vibrante uvular sonora

    rota turvo

    Consoante retroflexa alveolar sonora porca

    Consoante apro-ximante alveolar sonora

    prato

    *Consoante lateral alveolar sonora lata

    Consoante lateral palatal sonora palha

    Consoante lateral velar sonora mal

    Quadro 8. Classificao dos fonemas consonantais do PB com exemplos e transcries.

    * A lateral alveolar tem como variante uma consoante velarizada, representada pelo smbolo , que pode ser encontrada em coda silbica (mal ) em algumas regies do Brasil, como em

    Porto Alegre, por exemplo. No entanto, tambm pode vocalizar-se em posio final de slaba, sendo transcrita, nesse caso, como uma semivogal .

  • Fontica e Fonologia do Portugus

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    Smbolo AFI Smbolo correspondente

    /

    /

    /

    /

    Quadro 9. Outros smbolos fonticos encontrados na literatura da rea.

    3.2.4 Propriedades Articulatrias Secundrias

    Alm das caractersticas articulatrias apresentadas anteriormen-te, podemos ainda classificar as consoantes por propriedades articu-latrias secundrias, tais como: labializao, palatizao, velarizao e dentalizao. Essas propriedades so dependentes de contexto, sofrendo efeitos de segmentos vizinhos. Para anotarmos tais propriedades, usa-mos diacrticos.

    Labializao: arredondamento dos lbios na realizao de uma consoante. Normalmente, a consoante que exibe essa pro-priedade adjacente a uma vogal que produzida com o ar-redondamento dos lbios, seja essa vogal oral (, , ) ou nasal (, ). O diacrtico utilizado para representar tal propriedade . Assim, palavras como bolo e sua podem ser transcritas como segue: ,

    Palatizao: levantamento da lngua em direo ao palato duro. Esse fenmeno ocorre geralmente quando as consoantes so seguidas de . O diacrtico empregado para descrever tal fenmeno . Dessa maneira, palavras como (ele) qui-ta, guia podem ser transcritas como: , , respectivamente. Nesse caso, as consoantes e apre-sentam um lugar de articulao mais anterior do que apresen-tariam se fossem produzidas diante de vogais posteriores como em .

    Propriedades definidas segundo Cristfaro Silva

    (2002, p. 35)

  • Captulo 03Segmentos Fonticos

    61

    Velarizao: levantamento da parte posterior da lngua em di-reo ao vu do palato, simultaneamente articulao de um segmento consonantal. Em alguns dialetos do sul do Brasil e do portugus de Portugal, a consoante lateral se velariza em posio final de slaba (coda silbica), como em mal e balde. Para a representao dessa propriedade, empregamos o smbo-lo . Nesse caso, as palavras mal e balde podem ser transcri-tas como: , , respectivamente.

    Dentalizao: algumas consoantes do PB so articuladas como dentais ou como alveolares. Essas diferenas so consideradas apenas variantes dialetais. Uma dessas consoantes que variam em seu ponto de articulao conforme o dialeto o . Para marcar a dentalizao (por exemplo no dialeto paulista), utili-zado o diacrtico: . Assim palavras como tapa e tudo podem ser transcritas, para esse dialeto, como: , , respectivamente.

    3.3 Transcrio Fontica

    Agora, voc j conhece como so articulados os segmentos vocli-cos e consonantais do PB. Ambientou-se tanto classificao articula-tria desses segmentos quanto aos smbolos que os representam. Assim, voc j capaz de realizar transcries fonticas. O que vem a ser isso? Isso quer dizer que voc tem capacidade de representar (atravs de sm-bolos) os sons emitidos por um falante do PB quando produz sua fala. A transcrio fontica feita entre estes colchetes: . Existem duas maneiras de se fazer transcries fonticas: a restrita e a ampla.

    Na transcrio restrita, todos os detalhes fonticos, incluindo pro-priedades secundrias, so considerados. Na transcrio ampla, so explicitados apenas os aspectos mais gerais dos segmentos. Isso feito uma vez que fenmenos como certas propriedades secundrias (labia-lizao, por exemplo) so previsveis pelo ambiente em que o segmento a ser transcrito se encontra. Assim a transcrio da palavra quilo como representa uma transcrio restrita e, como , uma transcrio ampla. Na primeira, considerou-se a palatizao da

  • Fontica e Fonologia do Portugus

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    consoante velar (que diante de vogais anteriores acaba sendo produzida com a lngua fazendo a ocluso em um ponto mais anterior do que o ponto velar) e, na produo da lateral diante de vogais arredondadas, considerou-se o movimento de projeo dos lbios. Na segunda trans-crio, isso no foi levado em conta.

    Os smbolos aqui apresentados so baseados no Alfabeto Fonti-co Internacional (AFI). Ele foi desenvolvido por foneticistas com o pa-trocnio da Associao Fontica Internacional. Apresenta uma notao padro para a representao fontica de todas as lnguas do mundo. A maior parte de suas letras originaram-se do alfabeto romano, e algumas do grego. Seus smbolos dividem-se em trs categorias: letras (represen-tando sons bsicos), diacrticos (que auxiliam a melhor especificar esses sons bsicos) e suprassegmentos (que denotam caractersticas como: velocidade, tom e acento tnico).

    Alm do AFI, outros alfabetos fonticos tambm esto disponveis. Um deles o Speech Assessment Methods Phonetic Alphabet (SAMPA), em portugus: Alfabeto Fontico dos Mtodos de Avaliao da Fala. Ba-seia-se no AFI, adotando o mximo de seus smbolos. No entanto, como era um sistema de escrita fontica para computador, quando os smbo-los no estavam disponveis eram adotados outros, como, por exemplo, [@] para a vogal neutra correspondente ao e do portugus lusitano da palavra doce, representado no AFI pelo smbolo ; ou ainda [2], que correspondia ao som voclico da palavra deux em francs, representa-do no AFI pelo smbolo . Uma desvantagem do SAMPA a de sua tabela s ser vlida para a lngua qual foi adaptada. Uma verso mais flexvel do SAMPA foi desenvolvida em 1995 por John C. Wells, profes-sor de Fontica na Universidade de Londres. Nesse alfabeto, era prevista uma nica tabela, independente do idioma.

    Para mais informaes, consulte o endereo:

    .

    Acesso em 02 jun 2008.

    Para mais informaes, consulte o endereo:

    .

    Acesso em 02 jun. 2008.

  • Captulo 03Segmentos Fonticos

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    Na Unidade A, voc conheceu os movimentos e rgos articuladores

    de segmentos voclicos e consonantais do PB. Tambm observou as

    transcries fonticas e j capaz de transcrever dados de fala.

    Leia mais!

    MALMBERG, Bertil. A fontica: no mundo dos sons da linguagem. Lisboa: Livros do Brasil, 1954. p. 53-98.

    CRISTFARO SILVA, Thas. Fontica e Fonologia do Portugus: Ro-teiro de Estudos e Guia de Exerccios. 6 ed. So Paulo: Contexto, 2002. p. 32-116

    Nestes textos, voc ter mais informaes sobre os mecanismos articula-trios de vogais e consoantes, no apenas do PB, mas tambm das lnguas em geral.

  • Unidade BFonologia

  • Captulo 04Fonologia

    67

    Fonologia

    Neste captulo, refletiremos sobre as diferentes abordag