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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ARTES DA UNICAMP
Ávila, Carla Cristina Oliveira de. Av55i Itinerâncias e inter-heranças: do ritual do Congado da Zona
da Mata Mineira, ao processo de criação da performance em dança contemporânea. / Carla Cristina Oliveira de Ávila. – Campinas, SP: [s.n.], 2007.
Orientador: Inaicyra Falcão dos Santos. Dissertação(mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes. 1. Memória. 2. Congada-história. 3. Cultura popular. 4. Dança-Brasil. I. Santos, Inaicyra Falcão dos. II.Universidade Estadual de Campinas.Instituto de Artes. III.Título. (lf/ia)
Título em ingles:“ traveling through heritage: Brazilian popular dance to the creative process in contemporary dance” Palavras-chave em inglês (Keywords): Memory – Congada-history – Dance-Brazil Titulação: Mestre em Artes Banca examinadora: Prof. Dr. Cássia Navas
Prof Dr. Maristela Moura Silva Lima Prof Dr. Regina Muller Prof. Dr. Angelo Assis Data da defesa: 04 de Julho de 2007 Programa de Pós-Graduação: Artes
Ponto de Partida.
Geralmente uma dissertação divide‐se em capítulos, e tem vários critérios e tópicos a serem
contemplados. Está comprovado nos anos de trajetória histórica da academia, que a ciência
construiu seu caminho de pesquisa, e esta se formaliza em um produto compacto
dissertativo. Tais regras e formas devem ocorrer a fim de que a dissertação se torne de
compreensão universal, a fim de ser compartilhada com outros pesquisadores e leitores.
Esta dissertação pretende ter um diferencial, desenvolveremos aqui um conceito integral, no
qual o ʺtudo está inserido no Todoʺ e onde as partes, podem também ser todo.Elas não
dependem necessariamente umas das outras, podem ser independentes, e juntas, podem
também, ser um todo. Por isso se torna desnecessário falar de capítulos nessa dissertação, ou
termos um único livro compactado em mãos.
Ao construirmos esse trabalho optamos por transitar pela “imagem texto” ( utilização dos
recursos visuais e iconográficos colhidos a campo, registro da construção do processo de
criação, são contemplados não apenas pelas palavras). Tal formato permite‐nos estender
nosso trabalho a fronteiras ainda insuficientemente exploradas, mas que já existem.
Ao apresentar esta dissertação , através de um formato mais livre e criativo, pretende‐se
contribuir para a vivência e a visão de uma alternativa diferenciada , para os trabalhos
acadêmicos em arte, que nos permita articular o artista e pesquisador que existe em nós, e
possibilitar a nossos leitores uma vivência que abranja outros aspectos dos sentidos ,
despertando em cada leitor a inspiração para levá‐lo a reflexões mais próximas da prática.
Desejamos apresentar um caminho que nos levasse ao reencontro do Ser criativo ,aliado aos
requisitos de Ser um pesquisador na academia, contemplando seus processos e partindo da
premissa de que esta é uma tarefa plenamente exeqüível .
Para realização de nosso trabalho muitas reflexões foram desenvolvidas, para
implementarmos tal proposta.
A inquietude e a força deste trabalho geraram inúmeras perguntas, que com certeza,
gerarão tantas outras em nossos leitores. Algumas destas reparto‐as aqui, com a
problematização Freiriana, que nos ajudará posteriormente a assimilar os contextos aqui
trabalhados.
‐A tarefa do todo e do independente neste formato será compreensível ao leitor, será que é
realmente positiva?
‐O que vai acontecer se eu ousar fazê‐lo?
‐Terei capacidade criativa para transmitir essas viagens imaginárias?
‐ Serei capaz de me conectar com aquilo de que as comunidades produzem e transpô‐las
nesse formato diferenciado, atendendo a demanda da academia?
‐Poderei transmitir imageticamente para a academia o vivenciado ?
‐Terei disposição para sair das fórmulas habituais de um trabalho acadêmico, e contemplá‐
las de maneira mais artística?
‐Como apresentar imagem em texto como complementares e não visando a ilustração da
obra?
‐É possível deixar claro ao leitor que tais imagens pretendem ser texto, e um canal para a
própria interação entre autor e leitor?
Como é possível observar, a lista de questionamento é longa, mas limitando‐a por aqui,
deixo tais questões a fim de propiciar uma imersão ao universo desta pesquisa‐arte. E sobre
tudo abrir espaço ao leitor, para que tenha em mente que ele também é parte deste processo e
não está fora da leitura, mas age como interlocutor, interagindo e escolhendo a melhor
maneira para se ler e compreender este trabalho.
Este formato de dissertação procura de certo modo, “dramatizar, ritualizar e virtualizar” o
processo de pesquisa em artes vivido no construir deste material, dando voz aos narradores
desta memória, exemplificando e ilustrando o universo simbólico das manifestações
populares e os contextos de arte fragmentados ‐ “tradições e traduções” nos tempos da pós‐
modernidade.
Apresentação Esta “pesquisa‐arte”,compõem‐se de diversos elementos: • Brochura sobre Congado, cultura popular ,
memória , oralidade e tradição, com um vídeo/
curta – metragem GENGIBRE
• Imagens‐textos, discussões reflexivas e
teóricas sobre:
Ritual, Real e Virtual: o saber rizomático de
uma tradição
• Narrativas híbridas de um processo criativo em dança contemporânea do brasil : A Performance • Um CD‐rom da Performance em Dança Contemporânea : “Rosarina: contas que contam memórias”. O vídeo‐documentário Gengibre foi realizado durante os dois primeiros anos de pesquisa de campo, entre cafés, diálogos e refeições com a comunidade. As imagens‐ textos estão distribuídos em cadernos que discutem e pretendem refletir um pouco do amplo universo das manifestações populares brasileiras, no caso específico do Congado da Zona da Mata Mineira, e seus possíveis diálogos com o processo de criação e composição artística em uma performance em dança contemporânea. A composição da performance em Dança Contemporânea : “Rosarina: contas que contam memórias” dialogam com os símbolos e signos do congado inspirando‐se em suas matrizes, e reconstruindo‐se no contexto “rizomático” das artes na contemporaneidade.
Todos esses materiais estão reunidos dentro desta pasta‐capa.
Acredito que ser quem somos hoje, é resultado de uma história que vai muito além da que conhecemos em nosso cotidiano, esta “além”. E por isso as muitas pessoas e coisas a serem agradecidas. Logo aqui estão as gratidões mais latentes: Agradeço imensamente a DEUS que fez e faz coisas inexplicáveis em minha vida! À minha MÃE, Jany Ap. Oliveira de Ávila, promotora e parceira de meus sonhos e conquistas. À mestra, Professora, e amiga, Inaicyra Falcão dos Santos, incentivadora e iluminadora de meus caminhos na vida e na academia. À Profa.Cássia Navas por suas contribuições e compreensão deste trabalho, à Profa. Regina Muller, por sua atenção e disponibilidade desde a graduação, e a Profa. Isabel Marques pelos múltiplos ensinamentos nos anos de dança‐educação. Às professoras Walquíria Coelho e Claudia Dubard pelos primeiros passos em dança. As Amigas irmãs de Dança; Mimi Ferreira, Talita Ferreira Terra Cunha, Juliana Couto, Paula Salles, Ló Guimarães, Kátia Figueiredo, amigas da dança, da partilha na formação, nos aprendizados, batalhas, vitórias e na Vida! Às amigas de trabalho em dança e de Sonho, Elisa Fraga, Evanize Siviero, Laura Pronsato, Nathália Dias, Solange Caldeira e Teinha –Maristela Moura Silva Lima , que tanto me incentivaram, apoiaram e ajudaram nos passos desta caminhada. As amigas da academia e da vida, do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa, UNICAMP por tantas discussões inspiradoras, em especial, Lara Machado e Sayonara Pereira, acompanhantes de cada projeto idealizado. Aos amigos‐alunos e integrantes do grupo Interdisciplinar de pesquisa e extensão sobre Cultura Popular Gengibre – UFV, em especial Janahína Araújo e Jaqueline Zeferino por terem me apresentado Sr. Dola, Patrícia Reis pelo presente da edição sensível de imagens, Raquel Lara pela voz e imensa sensibilidade, Lara Linhalis pela perseverança e carinho, Ananda Assis, pela dedicação e cuidado e por essas serem membros fundadoras deste projeto tão especial em minha vida! A Jaqueline Bambrília e Débora Cássia, intérpretes de Rosarina e toda a equipe técnica, o meu carinho. As comunidades do Congado de São José do Triunfo e Ganga Zumba, nas figuras do Sr. Dola e Sr.Zeca e Sr.Pedrinho Catarino, por me acolherem de braços abertos. Aos amigos de “infância” ancestral e adulta; Cristiane Fiorim amiga space forever, Carminha R. Freitas, Fabiana Salgueiro, Sara Paulilo, Adriana Portela, Victor Schimpl, Otto Eberlin, Marcelo Moschetta, Ferdi´s e Wall, Rafael, Chris, Rob e Tiago Rendelli, por tanta vida escrita e celebrada em conjunto! Ao Alex e Yoly, André e Lucinha Snoopy, Roriz, representando todos meus amigos espalhados pelo mundo! A minha família querida e inspiradora de minhas tradições e ancestralidades felizes. As” famílias” que me acolhem e acolheram no decorrer de minha vida, os Almeida , Oliveira, Pinheiro, os Ferreira, Terra Cunha, Fiorim Fulgsan, os Rossler de Freitas , Doctus, Maciel, Salgueiro e atualmente a família do Bossa: Josita e Rafa Viana, , Simone , Luís e Bibinha, Antonio, Márcia e crianças, o meu muito obrigada, por tudo mesmo!Kátia Fraga pela vivacidade e carinho, Mábio pela “sensibilidade agrícola” e Djobim pela fiel e silenciosa parceria !!! Ao meu eterno Duke, fiel amigo de todas as horas, Mike Klawitter. Aos amigos e professores do Departamento de Artes e Humanidades, a Universidade Federal de Viçosa, e aos meus queridos alunos do curso de graduação em Dança, em especial as turmas de 2003 e 2004, acompanhantes e parceiros de ensino‐aprendizagem. E finalmente a você leitor e por sua possível contribuição, MUITO OBRIGADA Carla Ávila [email protected]
Resumo
Este trabalho tem como foco a pesquisa em danças do Brasil; articulando as
matrizes afro‐brasileiras do Congado de São José do Triunfo Zona da Mata
mineira, MG, para a construção dos processos criativos nas linguagens de
performance e em dança contemporânea.
Através de imagens, textos e recursos multimídia, a pesquisa visa articular, os
contextos do Real, Ritual e Virtual aliando‐os aos recursos do processo de
criação em dança contemporânea aos elementos técnicos de montagem cênica.
Reflete como tais processos criativos envolvendo tradição e tradução, projetam
as artes para novos territórios, possíveis platôs para uma sociedade
transformada.
Abstract
The purpose of this paper is to research Brazilian dances by tracing the African
Brazilian origins of the Congado from São José do Triunfo, in the southeast of
the State of Minas Gerais, for the construction of creative processes in the
performance languages and contemporary dance.
Using images, texts, and multimedia resources, the study aims to trace the Real,
Ritual, and Virtual contexts by joining the resources of the contemporary dance
creative process to the technical elements of staging.
It reflects on how these creative processes, involving tradition and translation,
push the arts into new territories, possible grounds for a transformed society.
O sol caiO sol caiO sol caiO sol caiO sol caicapítulo 1
Carla Ávila
Todos os textos e fotos aqui apresentadas são frutos do material desenvolvido pelo Grupo
Interdisciplinar de pesquisa sobre cultura Popular, Gengibre – do qual sou coordenadora e
orientadora, e alguns dos textos são citações das monografias abaixo desenvolvidas por
integrantes do grupo, das quais fui orientadora e co-autora.
Araújo, J; Ávila ,C ,2005, Para Sempre Congado ! , UFV .Viçosa – MG
Reis,P; Ávila C, 2005, O processo de criação do Curta – Gengibre, UFV – Viçosa - MG.
Linhalis,L; Ávila,C, 2006, A representação das “manifestações culturais populares tradi-
cionais” na mídia televisiva comercial: um olhar reflexivo sobre o Congado na série
Identidade Brasil. UFV – Viçosa – MG.
PESQUISA DE CAMPO
Realizadas durante os anos de 2004, 2005 e 2006
O Congado
O Congado de São José do Triunfo e suas especificidades
Entrevista com Sr. Dola e Sr. Zeca
Descrição do processo de criação e aspectos técnicos do
vídeo documentário “GENGIBRE” em anexo
03
alternadamente, sua autonomia e sua heteronomia. O caminho é estreito,
difícil, instável mas acredito que seja, hoje em dia, o único possível.
(CHARTIER; Roger, 1994, p13)
A única confiança é que nesse caminho difícil, a caminhada é
nossa certeza, e deve ser construída na fé, de que se pelo menos, ainda
não encontrarmos uma “saída”, estamos percorrendo territórios da
cultura popular, essenciais para o mapeamento de nós mesmos en-
quanto indivíduos e sociedade.
As direções e localizações dos contextos de onde viemos e que dire-
ções percorremos, é fundamental para sabermos o que seremos no futuro.
Se construiremos uma sociedade do esquecimento, sem memórias
e tradições coletivas populares, submetidas apenas aos exercícios de po-
der, de instituições privadas ( museus ,bibliotecas , centro de memória) ou
se escolheremos a possibilidade de viver o tempo, alicerçando-se nas expe-
riências vividas, reconhecendo o tempo e os aprendizados adquiridos atra-
vés dele, criando registros coletivos populares ( orais, reais, virtuais e ou
midiáticos) e projetos de memória advindos destes.
Livres em seus formatos e linguagens, possibilitando-nos uma
contemporaneidade articulada nos diferentes saberes, híbrida em suas for-
mas culturais, respeitosa das diferenças, e consciente de seu povo, suas
histórias, memórias e tradições.
81
Itinerâncias e inter-heranças:
do ritual do Congado da Zona da Mata Mineira,
ao processo de criação da performance em dança contemporânea
Mestrado em Artes
Carla Cristina Oliveira de Ávila
Orientadora
Inaicyra Falcão dos Santos
Universidade Estadual de Campinas
Instituto de Artes
Programa de pós-graduação em Artes
Arte, Cultura e Sociedade
Campinas
2007
Itinerâncias e inter-heranças:do ritual do Congado da Zona da Mata Mineira,ao processo de criação da performance em dança contemporânea
VEJAMOS REFLETINDO
---------------------------------------------------------------------------------pg.11
POÉTICA DE UM RITO
--------------------------------------------------------------------------------pg. 13
Metodologia
Justificando
Objetivando -------------------------------------------------------------------------- --- pg 17
RITUAL, REAL E VIRTUAL: O SABER RIZOMÁTICO DE UMA TRADIÇÃO
O saber rizomático de uma tradição
------------------------------------------------------------------------------pg26
RitualAncestralidade: o espaço do mito e sua a – temporalidade no saber popular no Congado
----------------------------------------------------------------------------- -pg30
O contraponto dos Rizomas-------------------------------------------------------------------------------pg36
RealO campo da vivenciaManifesto da dança do congado do Triunfo: valores estéticos e artísticos
-----------------------------------------------------------pg41
VirtualDiálogos possíveis:Itinerâncias e inter heranças na dança contemporânea e nas tradições populares brasileiras
----------------------------------------- -------------pg50
Vejamos Refletindo
Poética de um rito
11
No mundo de hoje, as mudanças são grandes. No Congado, mudamos algumas coisas
para ver se assim fica melhor. Mas, qualquer adaptação necessária há de ser feita pelos
próprios congadeiros a partir da tradição e das raízes, a partir da espiritualidade recebida
na irmandade. Falamos de uma identidade dinâmica e brasileira. O Congado e a “irmandade
do rosário dos Homens Pretos” são fruto de muita criatividade desde o princípio. Esta
criatividade é de beleza e fé, mas principalmente de necessidade e sobrevivência.
A identidade faz parte do tripé: história, identidade e cultura. As raízes do Congado estão na
África, principalmente nos povos bantus. Toda identidade tem uma história. Até mesmo a identidade
de uma pessoa tem tudo a ver com a história dela desde criança; tudo que ela aprendeu dos
pais, da escola, da vida. Uma identidade cultural surge na história de comunidades ou povos.
No Congado, os antepassados, as almas dos escravos, o fundador da irmandade, reis, rainhas,
capitães falecidos são lembrados e reverenciados. A cultura congadeira é fiel aos ancestrais.”
Frei Francisco Van der Poel para a Federação dos
Congados de Minas Gerais, em maio de 2005
No presente trabalho não existe a pretensão de explicar e compreender em toda a sua complexidade o Congado, nem ao menos descrever
seus ritos e seus processos de criação, origem e relação com a religião ou sincretismo.
Assim sendo a questão que permanece é: Por que a escolha do Congado como eixo dessa pesquisa?
Como a própria afirmação acima faz, a identidade de um indivíduo, se dá através da constituição de sua história, do que aprendeu com
seus entes queridos, na comunidade, nos espaços que ocupou e em suas relações com os mesmos. Assim sendo, não posso ignorar a
minha própria identidade e todo o percurso desta. Sou brasileira, filha da classe média com origens familiares bastante humildes, minha
mãe foi a primeira a se formar em meio a cinco irmãos, filha de avós não letrados, mas sábios a suas maneiras, em seus territórios.
A cultura popular é sábia e por essa constatação deu-se meu interesse e respeito pelo povo.Continuando a trajetória pessoal, desde
cedo deparei-me com as artes em minha vida, e com seus sentidos. O SENTIDO DA ARTE. No princípio como toda menininha comecei
a freqüentar as aulas de dança do bairro mais próximo a minha casa. Mas ali encontrava algo bastante erudito, diferente das artes vistas
no seio das comunidades que observava. Desde cedo minha família sempre estimulou na observação e na relação com o outro e seus
meios, por isso não foi por acaso que deste o início de minha vida, as duas atividades que mais valorizava, eram viajar e dançar.
Assim sendo a cada viagem, mergulhava em novos espaços, com outros horizontes e outras geografias, passava horas observando os
corpos da comunidade visitada seus moveres e costumes. Alimentava-me de tudo que eles comiam, e optava pelo mergulho na cultura
daquele espaço. A medida que fui crescendo a paixão apenas aumentou, e os quilômetros percorridos também. Até hoje preservo tais
Vejamos refletindo
12
paixões, e a cada novo quilômetro percorrido, percebo o quanto compreendo pouco de todo esse universo da identidade dos povos, maso quanto esta é essencial para a cultura e o quanto a cultura é essencial para a identidade.
Retornando ao Congado o escolhi, por que reconheci neste uma fonte profunda de identidade e sobretudo de cultura de nosso povo brasileiro.Refleti sobre o poder de uma irmandade e sua importância em tantos outros papéis de nossa carente sociedade.O teoria do Corpo e Ancestralidade- Inaicyra dos Santos ( 2002) também é outro fator ao qual me apego, uma vez que as tradições existentes no Congado, estabelecem uma trama forte, com fios tecidos de muitos tempos atrás. Antes de sermos Brasil antes mesmo de nossa identidade.
A devoção, a resistência, a união, a fidelidade, a coragem, a persistência, a força de vontade, as histórias de vida, a humildade, o respeitoe a beleza também foram fatores decisivos para a escolha da comunidade do Congado de São José do Triunfo.
Destaco que além de todos os aspectos escolhidos, meu maior foco ainda permanece na arte. A mesma arte inserida no seio daquelascomunidades de minha infância. Aquela mesma arte, do início, da ingenuidade, que fazia o diferencial dos espaços percorridos, nãoaquela erudita que via nas aulas de dança, mas aquela nascida da vontade do povo de contar e recontar sua própria história e resgatarsua própria essência.
Por isso vejo nesse objeto de pesquisa um manancial, para o processo criativo em dança contemporânea, uma dança com identidade, essência, vitrine de nossas próprias vivências, reflexiva de nossa própria história, traduzindo nosso mover híbrido, disperso nos espaços e ciber- espaços da contemporaneidade.
13
POÉTICA DE UM RITO
Refletir sobre os contextos históricos e sociais da dança do Congado, é também repensar o dançar dos ancestrais africanos, as relações destes com o sagrado, suas tradições e sobretudo compreender a subjetividade dentro do âmbito do real cotidiano.
Por meio da presente pesquisa e com a reflexão prática da mesma, pretende-se através do processo criativo em dança, abordar essas reflexões, de maneira artística e simbólica, propondo-se portando contemplar os aspectos subjetivos da manifestação popular
da dança do Congado, que brota da realidade vivida através das pesquisas de campo.
Os primeiros contatos com a Comunidade do Congado de São José do Triunfo, deram-se a mais de dois anos atrás, onde a cada encontro ou manifestação das danças e cantos estávamos presentes, na forma de um grupo de pesquisa chamado Gengibre.
Esse grupo acompanhou o Congado nos anos de 2004, 2005, criando no início de 2006 um vídeo-documentário o qual contemplávamos todos os aspectos da cultura, da ancestralidade e as tradições presentes no Congado de São José do Triunfo, e em
sua comunidade.
O curta-metragem Gengibre é parte integrante deste trabalho e esta incorporado a essa dissertação.
A vivência que se tem ao visitar o Congado de São José do Triunfo, em Minas Gerais, é como se por apenas algumashoras pertencêssemos a um outro plano, mais elevado, a presença do ritual e o sagrado são essenciais
para a realizaçãoda festa, fazendo-nos tornar-nos ainda que momentaneamente partículas divinas, vinculando-se a todo um
cosmos deintegração e parceria com o Universo.
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Entre os anos de 2004 e 2005 registramos as festas do Congado realizadas em outubro, e as noites de manifesto, em maio. Na festa de maio de 2005 elaborou-se as reflexões abaixo, que dialogam com o fazer criativo da presente pesquisa.
Em noite de “Manifesto da Dança”, como eles mesmos chamam o Congado realizado no dia 12 e 13 de maio, emreferência ao dia 13 de maio, dia dos escravos (palavras da comunidade), o povo sai na rua para cantar e dançar ao som
dos cantos ancestrais do Congado, festejo que ultrapassa o tempo e parece nos transportar para um outro espaço.Ao visitarmos aquela comunidade vivenciamos uma experiência que transcende as rotinas da vida acadêmica.Entrepeles negras, morenas, caboclas e brancas, a mescla de um povo busca sua identidade.Com suas memórias ancestrais,o domínio é do corpo, dos pés no chão de pó e do tilintar das espadas, que cortam o vento, abençoando e abrindo oscaminhos dos homens.
Ao vivenciar tais experiências, constata-se um manancial de matrizes dramáticas e artísticas, que podem ser modificadas e adaptadaspara a cena, nos propiciando uma “matéria prima” rica em significados, sentidos e contextualizações que dialogam constantemente comnossos mitos de origem, buscando um refletir sobre nossa identidade e sobre novas vias de se criar em dança, sobre a perspectivaBrasil.
Quando se vive um breve momento de pertencer a um outro tempo e espaço, não conhecidos por nossa vã realidade,a vida transforma-se profundamente, em apenas um segundo, sua essência ancestral se revaloriza. Num arrepio, umcalafrio - é isso que te dá-, entradas para caminhos que se encontram num outro plano.
Em meio a todas essas informações e sensações, as heranças imateriais nos são doadas, e a entrega dos patrimôniosimateriais é a mais pura demonstração de fé, reverência e obediência: canto e dança.Os espaços pertencidos e conquistados se re-elaboram e a interação entre ocupação, relacionamentos e as poéticassimbólicas dos olhares se eternizam em um canto, e naquele momento a dança permite que os corpos sejam atemporais,sem idades, com as mesmas possibilidades de movimento. Dançam, cantam e a ancestralidade cai sobre todos.
Esses e outros relatos e impressões da pesquisa de campo desenvolvida nos anos de pesquisa, pretendem ser transpostas, para umacomposição coreográfica que contemple questões da interação espaço, intérprete e público, buscando uma proximidade do fazer artísticoaos corpos da platéia, além de propor um constante refletir de nossa identidade e origem.
Naquele ritual, o plano espiritual embebeda todos aqueles que ali estão e, em um certo “estado de Graça”, a vida sai dasua rotina. Percebe-se, que a lida cotidiana, com os pequenos problemas do dia-a dia nos ocupa com coisas tão menores,e seguimos dando a elas tanta importância.
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E no exato momento, a dimensão do rito é maior que tudo.O tempo de espera, os espaços hierárquicos do Congado, postos que foram construídos a custa de muita dignidadee perseverança, e as interações entre comunidade, a mobilização do povo são forças que resistem e de fato seMANIFESTAM para construção de um espaço imaterial da memória que nutre a todos.
O Congado de São José do Triunfo - “Manifesto da Dança” -, partículas divinas de uma comunidade que une corpo,coração, memória e céu!
METODOLOGIA
Olga Simpson nos conta que estamos vivendo uma sociedade do esquecimento as pessoas não tem mais otempo da escuta das trocas. O mundo é corrido demais para se ouvir.Ou melhor dizendo ouvir o corpo físicocoletivo e individual. A tecnologia aos poucos substitui o tempo do corpo físico, do pulso cardíaco e a vida seestabelece via satélite. Transmutam-se completamente as formas de comunicação, e perpetuação da memória.Por isso é preciso repensar o ouvir, e o verbo, estabelecendo novos meios de registrar as tradições, repensarquais os papeis desta em nossa sociedade contemporânea e como está, que também não é estática, produzPossibilidades de diálogo com nossos questionamentos atuais. Por isso proponho através dessas imagens palavras,uma pesquisa qualitativa, “sendo ela indutiva, ou seja, desenvolvem-se conceitos, idéias e entendimentos a partir de padrões encontrados nos dados, os quais analisamos as relações humanas, ao invés de coletarmos dados para comprovar teorias, hipóteses e modelos preconcebidos”. (DIAS, Claúdia, 2000,acesso 27/08/2006).
Durante o trabalho buscou-se analisar as relações inter-pessoais, por meio do contato com os congadeiros de São José do Triunfo, a comunidade Ganga Zumba, com os intérpretes e o público, e através de discussões pessoais, que trouxeram de forma subjetiva as matrizes da manifestação popular estudada, e como a mesma manifesta seus sentidos nos diferentes territórios, permeando ritual, real e virtual. Como registro e instrumento para a coleta de dados foi criado, pelo grupo de pesquisa GENGIBRE (2005), um memorial descritivo e um acervo de fotos e vídeos, onde se registrou toda a memória oral, os símbolos, cantos e danças do Congado.Todo esse material advindo do campo, somado as experiências corporais no meio das manifestações populares do congado, auxiliou-nos no processo de criação. Consistiram em encontros, com a finalidade de desenvolver a produção e a montagem de Rosarina: contas que contam memórias, a Performance, trazendo assim, as experiências práticas e reflexivas de cada intérprete e direção, aliadas a todos os elementos essenciais de uma montagem cênica.
17
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Uma prática analítica do tipo rizoma procura analisar a linguagem efetuando um descentramento sobre outrasdimensões e outros registros, pois a análise lingüística que se fecha sobre a própria linguagem só o faz “em umafunção de impotência”. (DELEUZE e GUATARRI, 2004,p 16)
Portando nosso foco durante a pesquisa era específico porém , múltiplo, alinhavando cada foco indicado em uma rede de informações a serem apresentadas na forma da performance e do presente trabalho escrito.
Isto equivale a dizer que estaríamos, neste caso, subordinando linguagem à linguagem apenas, definindo-a aomesmo tempo como ponto central e elemento local. Uma analítica rizomática, ao contrário, procurar “estabelecerconexões transversais entre os estratos e os níveis, sem centrá-los ou cercá-lo, mas atravessando-os, conectando-os”.(GUATARRI e ROLNIK, 1986,p 322)
Por meio da construção dessa rede de relações através da experiência vivida por cada integrante subsidiamos a análise, interpretação e síntese da pesquisa fenomenológica, feita por meio de leituras,apreciação das imagens, vídeos, entrevistas, discussões, e reflexões.
A fenomenologia permite-nos rever o mundo e suas relações através do entendimento a respeito das coisas mais básicas; como nossa compreensão de homem e de mundo. Focando-se no fenômeno, que neste caso são as matrizes simbólicas e míticas do Congado e suas relações com a vida e arte contemporânea.
A fenomenologia, vista sob a ótica de PONTY,M,1999,p02, é a [...]“filosofia que repõe a existência, e não pensa que se possa compreender o ser humano e o mundo de outra maneira senão a partir de sua ‘facticidade’”. O autor rejeita dualidade e entende que a ambiguidadeexistente na condição humana,tenta superar a própria dicotomia entre objetividade e subjetividade, estabelecendo a percepção como foco da consciência e elegendo a vivência junto as pessoas, primeiramente uma compreensão vinculada ao corpo, ou seja, corpórea, e só a partir daí então a mesma será refletida.
Esse processo é nítido em nossa metodologia e será visto e revisto no decorrer de cada módulo.
19
A formação histórica do povo brasileiro explica um traço especial, ainda que não exclusivo,da atual cultura no Brasil: - a sua forte tendência para o sincretismo. O ‘brasileirismo’ pode
caracterizar-se através de uma capacidade particular pela arte combinatória, por uma argutacapacidade de misturar, de mesclar tudo, de articular o um e o múltiplo, de trabalhar com a
lógica da inclusão, enfim, de privilegiar a diversidade, a variedade e a complementariedade.
Clodovis Boff ,1995
JUSTIFICANDO EOBJETIVANDO
A importância de pesquisar cultura popular reside no entendimento coletivo de que é necessário valorizar o saber local e dar ouvidos asuas vozes, sem apropriar-se de seus bens culturais.
Partindo das pesquisas sobre corpo e ancestralidade, de Inaicyra F. dos Santos e a pesquisa sobre, memória e história oral de VonSimpson, juntamente as leituras e discussões do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em cultura Popular – Gengibre , constata-se que; amemória imaterial dos povos primitivos é a grande responsável pela formação da identidade, pelo corpo e cultura brasileira. Registrá-lae estudá-la serão sem dúvida auxílios nos processos reflexivos em busca de uma nova compreensão e diálogo com nossos múltiploscontextos globais e locais em tempos de contemporaneidade.
Aliado a essas justificativas, o objetivo desta reflexão contempla os aspectos expressivos e simbólicos das danças populares brasileiras e suas itinerâncias e inter-heranças no processo de criação em dança contemporânea.O estudo do Congado, o respeito pela memória dessa comunidade, e o diálogo com suas matrizes africanas, nos fortalecem enquanto nação brasileira ajudando-nos a compreender melhor, nossos hábitos, e nossa própria cultura valorizando as nossas diversidades.
O constante pensar e dançar as tradições dos cantos e danças do Congado mineiro, nos possibilita uma imersão no imagináriocultural e nos antigos valores de nosso povo, transpondo esses mesmos valores, para o universo da dança contemporânea, propondooutras possibilidades de diálogo entre o popular, sua tradições, e contextos.
20
Outro aspecto a ser apontado, é que o Congado de São José do Triunfo, é realizado como ato de fé e não espetáculo artístico. Nestacomunidade grande parte do manancial das tradições produzidas vêem por histórias de corpos e tradições negras. Que tem sua forçaartística e dramática arraigada nas tradições ancestrais e na fé daquele povo. É possível constatar uma riqueza de valoresestéticos e artísticos na manifestação , porém não há intencionalidade da comunidade em espetacularizar a mesma. Assim sendo,na releitura artística construída com matrizes deste mesmo Congado , buscar-se-á uma reeinterpretação estética do rito, deixando osaspectos sincréticos do rito a margem da proposta artística.
***
A releitura desse congado propõe, ampliar a reflexão acima, adaptando a estética do festejo e seus sub-textos a um processo de criação em dança, que busca estabelecer pontes entre a dança contemporânea e as danças populares, entre academia e comunidade, retratando as narrativas daquela irmandade pelo viés de uma outra linguagem a ser construída com os diferentes “sotaques” . Somatória de culturas que poderão convergir para uma mesma reflexão e questionamento de nossa identidade cultural. Contemplando abordagens míticas, simbólicas e sensíveis, no espaço tempo, independente de classes sociais, etnia e ou religiosidade.
Portanto a Arte enquanto linguagem do sensível, nos possibilitará esta vivência rica em conteúdos históricos sociais daconstituição do ser brasileiro, e de seus aspectos originários.
Objetivando especificamente através do apreciar, analisar, registrar e refletir sobre a manifestação e o rito do Congado, como essa rede de informações contribuem no processo de composição coreográfica e de um espetáculo cênico, resultante em uma performance em dança contemporânea. Performance que sugere a leitura artística do rito, poetizando o sensível da manifestação, para o corpo e espaço cênico contemporâneo.
Partindo das concepções de espaço, de dança e do sensível, no rito, nos embasaremos nos teóricos Deleuze e Guatarri, buscando a transposição desses conceitos para a criação coreográfica e cênica de uma performance.Construindo uma rede de relações e significados instrumentalizando outras propostas em processos de criação artística.
Uma prática analítica do tipo rizoma procura analisar alinguagem efetuando uma descentralização sobre outrasdimensões e outros registros, pois a análise lingüísticaque se fecha sobre a própria linguagem só o faz “em umafunção de impotência”.
(DELEUZE e GUATARRI, 2004,p16)
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Olga Von Simson (1997) nos conta que estamos vivendo uma sociedade do esquecimento, as pessoas não tem mais o tempo da escuta das trocas. O mundo é corrido demais para se ouvir.Ou melhor dizendo ouvir o corpo físico coletivo e individual. A tecnologia aos poucos substitui o tempo do corpo físico, do pulso cardíaco e a vida se estabelece via satélite. Transmutam-se completamente as formas de comunicação, e perpetuação da memória. Por isso é preciso repensar o ouvir, e o verbo, estabelecendo novos meios de registrar as tradições, repensar quais os papeis desta em nossa sociedade contemporânea e como esta que também não éestática produz possibilidade de diálogo com nossos questionamentos atuais.
[...]Uma analítica rizomática, procura“estabelecer conexões transversais entre os estratos e
os níveis, sem centrá-los ou cercá-lo, mas atravessando-os,conectando-os”.
(GUATARRI e ROLNIK, 1986, p 322)
As imagens deste trabalho foram
realizadas por mim durante a
pesquisa de campo, contem fotos,
desenhos e gravuras, que
procuram apresentar as imagens
nos contextos vivenciados, e
articulá-las com o texto.
Propiciando outros elementos para
o imaginário do leitor.
RITUAL REAL E VIRTUAL: O SABER RIZOMÁTICO DE UMA TRADIÇÃO
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O saber rizomático de uma tradição
Inspirada no próprio saber do povo “folkclore” - costumo me referir ao aprendizado das tradições orais ,como aquela brincadeira decrianças, chamada telefone sem fio.Ali, imersos na palavra, crianças contam e recontam suas compreensões uns aos outros, gerando uma tensão que aprisiona a todos e aofinal será traduzida em mensagem, e avaliada como tal.O mesmo acontece, ao nos perguntarmos acerca da pesquisa que pretende ter como objeto o saber popular. Nele estão contidos todosos elementos necessários para o jogo e para a criação de tensão, que causa de certa forma a expectativa e a atenção ao tema, até quese absorva a mensagem. Certa ou equivocada, porém sem deixar de ser mensagem.Como no próprio brincar a oralidade transformadora do saber primeiro,vai moldando a palavra, metamorfoseando a mensagem doemissor criador. Tornando a mensagem final, a portadora da “ mensagem-verdade”, produzida naquele momento.Portanto falando-se de pesquisa com base em imagens, oralidade e memória, é complexo falar de dados absolutos. Pois cada um destessão puro mover, transformam-se a cada narrativa e reconstroem-se nas palavras de seu mediador e suas próprias projeções, pois a cadafala a história contada se reconstrói. E por sua vez, amplia-se o diálogo, através das projeções do pesquisador e do público ao fruir a obra.Possibilitando um refletir da reconstrução de nossa identidade cultural.Se fossemos criar um esquema visual da brincadeira do telefone sem fio, acabaríamos por se assemelhar com um rizoma.
Não podemos negar que a América em sua trajetória histórica, é aquela em que o europeu branco da elitedominante , macho perdeu sua civilidade no terror de suas conquistas, ao longo de nossas costas litorâneas,conquistando os povos que aqui habitavam. Originando uma mescla de culturas híbridas desde nossosprimórdios, raízes.Assim sendo a América torna-se,”(...)ao mesmo tempo árvore e rizoma”.
(DELEUZE e GUATARRI, 2004: 31)
Desterritorialização, territorialização e reteriorização, permeiam nossos corpus culturais desde nossa colonização. Refletindoum “modos vivente”, nada estático.Ao focarmos nessas concepções, no viver contemporâneo, percebemos que a idéia de raiz única originária, não é suficiente paraexplicar as complexidades contemporâneas de comunicação e propagação cultural, seja ela popular ou não.Portanto, acredito que a melhor forma de ilustrar, nosso processos atuais de tradição oral nas manifestações populares, e na descriçãodo processo criativo em dança contemporânea do presente trabalho, seja explicando a idéia de rizoma.
RIZOMA é uma raiz que não é única, e que não preenche apenas um mesmo espaço semantendo estática. Rizoma é uma espécie de raiz que esta em metamorfose constante,transformando-se em outras raízes,desconectando-se ou não de seu eixo, tornando-seela mesma um outro eixo, para que dela saiam outros rizomas.
No dicionário botânico encontramos a definição abaixo:
Em botânica, chama-se rizoma a um tipo de caule que algumasplantas verdes possuem, que cresce horizontalmente, muitas vezessubterrâneo, mas podendo também ter porções aéreas. O caule doLírio e da bananeira são totalmente subterrâneos, mas certos fetosdesenvolvem rizomas parcialmente aéreos. Certos rizomas, comoem várias de capim (gramíneas), servem como órgãos de reproduçãovegetativa ou assexuada, desenvolvendo raízes e caules aéreos nosseus nós. Noutros casos, o rizoma pode servir como órgão de reservade energia, na forma de amido , tornando-se tuberoso, mas com umaestrutura diferente de um tubérculo .
Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas,inter-ser, intermezzo. Os rizomas ainda podem ser transportados para outro território distante de seu caule, que continuará crescendo. Ou seja, mesmo passando por uma desterritorialização, territorialização ou reteriorização, ele não se esgota, continua se recriando e possibilitando novos rizomas.
Associação claramente possível dos povos africanos transplantados para as Américas.
É interessante destacar que os rizomas, são também subterrâneos, ou periféricos, ouseja, crescem sob a terra, lançando- se esporadicamente para fora dela , para que secriem novos rizomas, podem também serem transportados por intermediários (abelhas,vento e outros) e se reorganizarem em troncos de árvores ou em outras superfícies, seenraizando subterraneamente de novo.
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Assim como nas tradições populares brasileiras, que segundo Olga Von Simpson (1997), essas se perpetuam através das memórias subterrâneas, das memórias coletivas da comunidade ou através da memória individual de um ancião da memória, detentor dos saberes ancestrais.
Vale destacar que em sua maioria as tradições das manifestações populares brasileiras, são marginais e também periféricas da nossasociedade, permeando subterraneamente toda nossa cultura, sem que as elites assumam suas influências em nosso cotidiano (excetoquando interessa ao capital da indústria cultural).
Esse paralelo das manifestações populares brasileiras e o rizoma, nos possibilita inúmeras relações que pretendem ser desenvolvidasmais profundamente, nos tópicos a seguir.
Para tanto é importante que fique claro que a árvore é filiação, corre para o fundo da terra e para cima, porém é estática, mas o rizoma éaliança, rizoma é a possibilidade da rede de conexões e resistência, é a possibilidade de inúmeras re-interpretações, é a reinvenção domesmo, é a multiplicidade sem a descaracterização da essência.
GENGIBRE
“.....Eu danço por que isso é uma raiz,né!? Isso é uma cultura negra, isso num deveacabar.Raiz que acaba,acaba tudo,né?Se perder a raiz,cabou o fruto.”
Fala final do Rei do Meio do Congado no vídeo documentário Gengibre
O curta metragem Gengibre, referente à pesquisa de campo desenvolvido neste trabalho, finaliza-se com a frase acima, comprovandoa idéia dominante da “raiz- árvore” em nosso contexto ocidental.
Ao ampliar as pesquisas e as mentalidades relacionadas as manifestações populares brasileiras e suas influências no processo decriação da dança contemporânea no Brasil, proponho uma reflexão sobre as “raízes rizomativas”, associando-a a imagem do gengibre,nome originário do Grupo interdisciplinar de pesquisa, sobre manifestações populares brasileiras, do qual sou fundadora, e do curtametragem de dezessete minutos, desenvolvido pelo mesmo.
Aplicando os mesmos preceitoscitados anteriormente, pretende-secom a idéia da palavra gengibre,referir-se a esse contexto rizomático, no auxílio e desenvolvimento deum pensamento sobre as tradiçõespopulares brasileiras, mais híbrido, menos estático e excludente,pronto para elaborar, re- elaborar emanter viva as tradições de nossacultura brasileira em contextoscontemporâneos.Exemplificando melhor o saberrizomático de uma tradição:- a relação da tradição popularbrasileira do Congado de São Josédo Triunfo, e suas relações como processo criativo em dançasbrasileiras, e como desenvolveu-setais compreensões.
Dividir-se-á o presente livreto emtrês diferentes contextos: ritual ,reale virtual
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RITUAL
Ancestralidade: o espaço do mito e sua a – temporalidade no saber popular do congado
O Mito é como um organismo: desenvolve-se, transforma-se e se renova semcessar. É o poeta que realiza essa transformação. Mas não a realiza em obediência
a um simples desejo arbitrário. O poeta estrutura uma nova forma de vida para oseu tempo e interpreta o mito de acordo com as suas novas evidências interiores.O mito só se mantém vivo por meio da contínua metamorfose da sua idéia. Mas a
idéia nova é transportada pelo veículo seguro do mito. Isto já é valido para a relaçãodo poeta com a tradição, na epopéia homérica.
Jaeger , Werner
Relacionando o conceito de mito proposto acima, podemos perceber que o mito pode ser explicado sob a mesma perspectiva rizomáticacitada anteriormente.
Portanto pretende-se aqui, discutir a dimensão do Mito no contexto ritual e nos contextos vividos no panorama da história da dança,enquanto suporte para os processos de criação em dança contemporânea.
Dentro de toda história das civilizações e das culturas dos diferentes povos, o mito sempre ocupou um papel de destaque na formaçãodo pensamento humano e na adoção de condutas, a medida que fomos evoluindo percebe-se um desprendimento, ou uma tendência deempurrarmos os aspectos míticos de nosso viver para planos subterrâneos de nossa contemporaneidade.
“Supõe-se que o comportamento mítico das antigas colônias desaparecerá depois que estas adquiriram sua independência política.”,(Elíade,M.1972; 9). O autor continua afirmando que afastar-nos de nossa essência mítica não nos ajudará a compreender nem nosso passado , nem vislumbrarmos uma idéia de futuro.
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Isto por que o mito,ocupa uma dimensão enorme de nossa formação cultural. E defini-lo é tarefa árdua, pois muitos o interpretaram eainda teorizam a seu respeito.
Na presente pesquisa optamos pela definição abaixo:
O mito é uma realidade cultural extremamente complexa, que pode ser abordada e interpretada através de perspectivasmúltiplas e complementares. A definição que a mim, pessoalmente, me parece a menos imperfeita, por ser a maisampla, é a seguinte: o mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, otempo fabuloso do “princípio”. Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, umarealidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal,um comportamento humano, uma instituição. É: sempre, portanto, a narrativa de uma “criação”: ele relata de que modoalgo foi produzido e começou a ser. O mito fala apenas. do que realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente. Ospersonagens dos mitos são os Entes Sobrenaturais. Eles são conhecidos sobretudo pelo que fez no tempo prestigiosodos primórdios. Os mitos revelam, portanto, sua atividade criadora e desvendam a sacralidade (ou simplesmente a
“sobrenaturalidade”) de suas obras. Em suma, os mitos descrevem as diversas, e algumas vezes dramáticas, irrupçõesdo sagrado (ou do “sobrenatural”) no Mundo. É: essa irrupção do sagrado que realmente fundamenta o Mundo e oconverte no que é hoje. E mais: é em razão das intervenções dos Entes Sobrenaturais, que o homem é o que é hoje, umser mortal, sexuado e dependente de sua cultura.
(Eliade M , 1972:11)
Entretanto os mitos, ao serem transpostos no tempo e espaço através da memória e da oralidade de um povo, se deformam sem perdersua essência, exatamente como o conceito rizomático, apresentado do gengibre.
No congado de São José do Triunfo o mito que permeia a manifestação do Congado, é contado a nós, por seus integrantes mais idosos,lideres daquela comunidade. É esse o mito que dá sentido ao Congado de São José Do Triunfo e que traz relevância para tudo aquilo queacontece ainda hoje, transmitindo valores, princípios, crenças para aquela comunidade.
Santos, Inaicyra (2001), afirma que o mito é importante como instrumento de comunicação de uma cultura. No contexto do Congado é evidente a reverência e a tradição, que permeia todos os atos dos fazeres vinculados a festa, demonstrando-nos como a oralidade da forma à cultura, ea perpetua arraigando-a através do mito, os fazeres do Congado.
Voltando ao aspecto mítico do Congado de Nossa Senhora do Rosário de São José do Triunfo – MG, conta-se que foi formado por ChicoRei -Francisco da Natividade, um dos escravos vindo da África, que em suas horas de folga da escravidão, formou uma irmandade dospretos, vindo a se organizar como Congado.Segundo a crença da população local, Nossa Senhora do Rosário foi encontrada em umagruta. Os brancos foram buscá-la para levá-la para a igreja, com padres, banda de música, e a Santa “não aceitou” e voltou para a gruta.Então, Chico Rei reúne seu grupo de Congado com pau, tambores, lata, saia de côco, penacho na cabeça, cantando e dançando parabuscá-la e retirá-la da gruta.
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Sr. Dola e seu Sr. Zeca,guardiões do Congado de São José do Triunfo, narram o fato mítico com as seguintes palavras:
“ Quando chegaram à gruta a Santa estava sentada na pedra.Ela “deu de balanciá” e eles cantaram para ela:“Ô Maria, Ô Maria, nóis viemos te buscar, Maria”.Pegaram ela e levaram para a Igreja cantando:“Desimbaraiá, desimbaraiá, (bis)Só Deus é quem sabe desimbaraiá”
No mito contado, após a condução da Santa realizada pelos negros, esta permanece na igreja, demonstrando a aceitação do rito realizadopelos negros, com todo o caráter da pobreza e das diferenças deste grupo em relação aos brancos. Assim somente os negros foram capazes de levá-la ao altar, tornando-se esta a padroeira dos congadeiros de São José Do Triunfo.
Logo toda vez que se realiza o Ritual do Congado de São José Do Triunfo, estes rememoram o mito de Nossa Sr do Rosário, dançandoe cantando em reverência a mesma.
Constata-se na manifestação do Congado de São José Do Triunfo e em muitas outras manifestações populares brasileiras atrama de relações míticas com os Ritos de celebração das festas.
“Não se pode realizar um ritual, a menos que se conheça a sua origem, isto é, o mito que narra como ele foi efetuadopela primeira vez. Não se sabe de onde vem a dança, Não se deve falar a respeito.Se se ignora a origem da dança,Nãose pode dançar.”
(Vienna Modling,1995:87)
Fazendo uma conexão com a citação acima e transpondo-a para a contemporaneidade, é possível constatar e relacionar tais fatos aocontexto da história da dança, principalmente em se tratando de danças, onde seus protagonistas utilizam como meio seus próprioscorpos que são permeados de cultura e de suas próprias histórias míticas e ancestrais.
Santos,Inaicyra ,(2001), acerca do corpo e a ancestralidade afirma, “No contexto simbólico, os mitos transmitem os valores, os princípios, as crenças, os ritos reforçam, moldam a vida da comunidade, onde a função da arte é de presentificar a força da natureza ou a de um ancestral.”.
A ancestralidade está ligada aos nossos antepassados e as heranças imateriais que estes nos deixaram, através da cultura e de nossoscorpos , portanto ao o utilizarmos em nossas rotinas diárias, imprimimos nossos saberes ancestrais nas ações cotidianas, ainda queinconscientemente.
Deleuze e Guatarri, 1988, ao analisarem a relação paciente e psicanalista, afirmam que “A melhor posição para se ouvir o inconscientenão consiste necessariamente em ficar sentado atrás de um divã.”. (GUATARRI, 1988:189). O que procuro exemplificar com isto, é que omito na história da humanidade, e a forma em que estes permeiam todas as civilizações desde seu princípio até na contemporaneidade( ainda que por vias subterrâneas e menos explícitas), nos provê, um rico elemento para que o inconsciente se manifeste e dele brotemnovos sentidos e conexões para criarem e recriarem outros conceitos em diferentes níveis dos saberes, ampliando as formas de ver erepresentar nossa existência.
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“... Não há dúvida de que o destino do gênero humano é tocado pelos mitos, que influenciam suas decisões, tamanho éseu poder de difusão e de multiplicidade de formas de representação.”
(Eliade M,1972:16)
Portanto o saber do povo, através da transmissão de suas tradições míticas orais, de seus cantos, alimentos, ritos e na presente pesquisaessencialmente na dança do Congado, possibilitam sabiamente um articular com o inconsciente e a ancestralidade.
Carl Jung (1875-1961), afirma em suas teorias que inconsciente e sonho são essenciais para a compreensão do mundo e de nós mesmos, assimsendo, ao fazermos uso dos mitos em nosso cotidiano deixamos um canal para que o inconsciente se articule com nossas históriasancestrais, temos aí uma via de reflexão ação-poderosa nos processos de criação em dança contemporânea.
O caráter mais profundo do mito – em instâncias psicológicas – é o poder que ele tem sobre nós, em geral involuntário,atrelado à trama da civilização. Assim visto, o mito passa a exercer um poder de coerção sobre os que nele se identificam.Seu enunciado desarma as instâncias críticas, reduz ao silêncio à razão, e opera com a imaginação a criação de novoselementos representacionais que nos tocam de maneira profunda, [...] O mito é uma construção social, históricae ancestral, se ainda se quiser, uma imagem arcaica de nosso inconsciente... O mito é nosso arquétipo, diria Jung; ounosso reflexo no espelho do inconsciente, afirma Lacan. (Rogemont D,2003:28)
Roger Bastide, 1948, apud Rank, considera o mito um sonho coletivo de um povo, a diferença que este destaca, é que o sonho é individual, e o mito é coletivo. Logo, o sonho é a expressão da libido pessoal, enquanto que o mito é a libido dos povos. Vale destacar o papel dessas libidos, e o quanto as mesmas se “IN-corporam”, dentro das culturas, principalmente as contemporâneas.
Daolio,1994 nos fala que, “O homem, por meio do seu corpo, vai assimilando e se apropriando dos valores, normas e costumes sociais, num processo de inCORPOração”. Ao assimilarmos a cultura de um determinado povo absorvemos toda uma rede de valores e regras conscientes e inconscientes, corporais e ancestrais.
Se partirmos do princípio de que cultura para Bosi(1992) , é tudo que está sobre a terra e abaixo da mesma, ou seja, tanto a cultura do cultivo dos alimentos que estão sobre a terra , as ações, os moveres, quanto os ensinamentos dos mitos e tradições de nossos antepassados que estão sob a terra, os pensares e a maneira de perceber o inconsciente produzido pela mesma. Nos deparamos com o próprio conceito de Corpo e Ancestralidade de Santos, Inaicyra (2002), estabelecendo a forte ligação que o corpo e seus moveres, exercem na maneira de interagir com o mundo e significá-lo através de seus mitos , e por sua vez, como a oralidade, perpetuada nas tradições, cantos , danças e mitos , são geradoras de um mover que “inCORPOra” tal ancestralidade.
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Essas incorporações são produto do trabalho e dos valores vigentes no espaço,comunidade que aquele indivíduo se desenvolveu. Ocorpo vai assimilando essas marcas, e segundo sua cultura ancestral as carrega em seu corpo, ainda que inconscientemente. Assima cultura e a ancestralidade, podem ser uma maneira pela qual o homem encontra a si mesmo, encontra o mundo (o outro) e sevê(articulando-se nele).
No contexto do Congado e na Cultura Africana, Leda Martins,(1997:18) bem ilustra a idéia acima:
Em sua execução e repetição, o ritual evocaria, para o africano, um desses momentos sagrados da tradição, no qual ogrupo está em relação direta com o seu meio e enfrentaas grandes instâncias da vida, recriando e traduzindo práticasancestrais e formas de expressão imemoriais.
Por que sagrado e cultura, em comunidades que preservam suas tradições, não se dissociam. O viver,reflete suas crenças permeadasde mitos, que por sua vez refletem seus ritos, a sua cultura e ancestralidade.
Como mito, ancestralidade, cultura, memória, oralidade estão intrinsicamente ligadas ao Ritual ao corpo e espaço, justifica-se assim adimensão a-temporal e rizomática tanto nos saberes das danças populares , quanto no contexto das danças contemporâneas.
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A origem etimológica da palavra mito advém do grego: mythos, derivado de dois verbos: mytheyo (contar, narrar, falar alguma coisa para outros) e mytheo(conversar, contar, anunciar, nomear, designar). Para os gregos, mito é um discurso pronunciado, ou proferido, para ouvintes que recebem como verdadeira a narrativa, porque confiam naquele que a narra. No ponto de vista histórico, sobretudo na hermenêutica, o mito pode distinguir-se em três pontos de vista: o de uma forma atenuada de intelectualidade, uma forma autônoma de pensamento ou de vida, e como um instrumento de controle social.
Chauí, Marilena
Ao refletir as relações entre mito e dança, mergulhamos na história da dança e nas memórias de seus pesquisadores, os quais nos trazem a constatação de que independente dos períodos históricos e ou da diversidade dos estilos e estéticas da dança produzidos nos séculos passados, verifica-se o quanto os mitos permeiam e ou acompanham as tradições ou as vanguardas do processo criativo em dança, como uma seta que corta os diferentes platôs históricos nos diferentes contextos vividos.
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O contraponto dos Rizomas
No mundo da dança, é comum vermos nitidamente, as concepções dos fazeres técnicos e criativos, arraigadas ao formato de dança
teatral - “acadêmica clássica.”
Os coreógrafos e intérpretes podem ser múltiplos em repertórios de variadas técnicas corporais. Porém dificilmente disponibilizam
seus corpos para linguagens em danças populares brasileiras. Pelo fato, destas ainda se encontrarem nas áreas periféricas da
cultura, as “relações de poder” e de valores na dança ainda se associam fortemente a uma performance técnica vinculada aos
valores da cultura renascentista e romântica européia, ou na vanguarda hoje já estática e formatada dos modernistas norte-
americanos , em sua maioria de elite, mantendo-se fiel ao perfil de nossos conquistadores, que impuseram e ainda impõem, seus
dogmas e sua cultura no modo de vida dos nativos aqui vigentes.
A dança apreciada e consumida pela elite dominante, perpetua-se ainda hoje na contemporaneidade, por mais eclética e ousada a
dança no formato teatral, ainda é privilégio de poucos. Ficando restringido aos de menos posse, as danças ditas populares.
É fácil constatar o abismo que divide a dança popular da dança teatral, e seus respectivos intérpretes e públicos. Porém ao
olharmos a história da dança sobre uma perspectiva outra, procurando as redes de relações entre elas, e como os mitos da
humanidade as permeiam, é possível notar a “Trama da ancestralidade” de suas essências comuns.
Há ainda muitas outras idéias equivocadas a cerca das manifestações populares, limitando-as apenas a reproduções folclóricas,transposições de ritos para o palco sem um tratamento artístico, descaracterizando a identidade do rito e também da dança teatral. Não contemplando nenhum dos estudos propostos.
A lista de fatores, que cria o abismo entre as danças populares e as danças teatrais, segue com um número infindo de diferenças,e equívocos.
Sendo assim, proponho na presente pesquisa a construção de reflexões e fazeres capazes de pensar a dança popular
brasileira e a dança teatral na cena da contemporaneidade. Importando mais que enumerar seus equívocos, dicotomias
e suas diferenças, propor o diálogo e as inúmeras possibilidades entre as mesmas.
A descrição dos pensamentos do Anti-Édipo, nos Mil Platôs,
apresentada Delleuze e Guatarri (2004), é de uma preocupação de
outra ordem: “o que se propõe com os “platôs” é justamente
esta tentativa, a de constituir um pensamento que se efetue
através do “múltiplo” - e não a partir de uma lógica binária,
dualista, do tipo “um-dois”, “sujeito-objeto”, que se efetue
por dicotomia, tal como vemos na psicanálise, na lingüística
e na informática -, de modo a construir uma teoria das
multiplicidades que fosse imanente, que colocasse propostas
concretas de pensamento ao invés de simplesmente se
limitar à crítica da psicanálise.”
Na seqüência, será iniciado um narrativa que dialoga com as
impressões do momento real, vividos ,durante os dois anos
de pesquisa de campo, assim sendo, a narrativa a seguir
, reflete as impressões vividas e observadas na realidade
da comunidade, sob a perspectiva do sensível e não tendo
em primeiro plano os aspectos racionais. Deu-se ênfase,
na poética dos sentidos vivenciados dentro do espaço real
do Rito do Congado de São José do Triunfo. Permitindo um
fruir artístico da manifestação articulados aos meus olhares
estéticos e artísticos, visando a concepção de um espetáculo
em dança contemporânea inspirado nas manifestações
brasileiras.
REAL O CAMPO DA VIVENCIA
Manifesto da Dança do Congado de SJT: valores estéticos e artísticos
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Construçãocontemporâneado popularConstruçãotroca diálogospontes passosdançaritmo pulsocorAÇÃOCoração sentidotato olfatopaladar visãoPele presençaAusênciaPersistênciaAssistênciaIntangênciaMatériaMetafísicoCorpoInconscienteDANÇA
Macho e fêmea
EspadaPausCapaPassosSaltosForça
RaízesArgilaFogoCírculo ciclos vidaVelhice meio iníciosRitos de passagem
RitosRitos de memóriaDiálogos
Construçãocontemporânea dadança
Perpetuação apropriaçãomemóriaContemporaneidadeFuturoreal virtual ritual
Passos do congadoSímbolo SignoDança corpo movimentoTempo espaço fluência pesoMúsicaCanto chuvaFloresCampo de floresCampo de chuvaTerreno fértilSementeFeijão milhoTamboresPelePele do tambor
5..Fitas flores fotosGrãos água coraçãoasas água penascérebroÁguaImagem fogo velaroupa coroa espadaforça vida mastroPassado presente futuroRelações de poderPersistênciaResistênciaDesistênciaEsquecimentoMemória tradição oralidad
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O ESPAÇO DO HOMEM,ESPAÇO DAS CORTINAS
ESPAÇO DO CÍRCULODA CAMINHADA
ESPAÇO DO CORTEJOespaço das imagens,ESPAÇO do público
ESPAÇO DA DANÇÁESPAÇO DO PASSO,
DO ANDAIME, DO DATAESPAÇO DA GRAMA,
ESPAÇO DO CONCRETOESPAÇO
Ex PASSO
PASSOPASSO
ESSE PASSOEsse passo passado
ESPAÇOPASSADO FUTURO PRESENTE
reICongoRainhaCom
Com GoConga
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NESTE MOMENTO TRAGO OS SENTIMENTO QUE METOCARAM NA VIVÊNCIA REAL A CAMPO...
Entre ventos e sombras, o Triunfo de corpos negros resistemao esquecimento envolto em suas tradições.
Dia de manifesto a fé se mistura com a matéria, e a carneacolhe os planos mais abstratos de arte e expressões.
Os tambores tocam se misturando ao ritmo de nosso órgãocardíaco, e o respirar torna-se puro fluxo energético deperpetuação das identidades. Dando vida as histórias contadaspelos antigos pela cadência, força, espaço e leveza, através docorpo canto e dança.
Tempo, espaço, peso e fluência toda a técnica está lá, mesmonão estando.
Toda a verdade daqueles corpos viventes, pulsa puramemória.
Que diferentemente do habitual, não se esgota naquele tempoe espaço, mas perpetua-se metafisicamente através da Arte.
Ali diferentemente da independência e auto-suficiência, tãoalmejada por nós na contemporaneidade, não há o eu individual,mas há um eu coletivo, criador e perpetuador das memórias,tradições e ancestralidade daquele povo.
Um coletivo que mesmo com o nós, preserva o “Eu essencial”e comparte sem se esquecer de si, sem se esquecer dosoutros.
E outros esses todos, aos outros da carne e da memória.
O Dança permeia os corpos, que são perpassadospela memória, que transitam no tempo espaço e queconstroem os sentidos do real daquele contexto,do que é essencial naquela comunidade.
No rito, toda as penas, lamúrias e dores do viver,são explicados e dão um basta nos infindosquestionamentos pós-modernos da cidade. Nosdizendo silenciosamente, que precisamos demuito pouco para viver, nos lembrando o quantojá foi intensamente árdua a vida e o trabalho nopassado.
O encontro desses fazeres no rito, dão sentido aodia-a-dia daquela comunidade e motivam o viver.Através da fé manifestada, perpetua-se tambéma gratidão pelas conquistas alcançadas. Sem aslamúrias da urbanidade.
O Rito na sua ação, no momento em que éconstituído em moveres, com todos os seusintegrantes, seus sons, suas danças, percursose discursos, transforma-se em algo maior quea própria fé.Se é que isso é possível?
Maior, pois suas subjetividades simbólicase estéticas, são tão poéticas e inexprimíveis,quanto os desígnos religiosos, porém não selimita somente a isto. Alia-se a esses fatores,uma rede de relações, estabelecidas atravésdos sentidos desenvolvidos em diferentescontextos, que abrangem múltiplos fatores denossa sociedade contemporânea.
Assim sendo reúnem-se naquele espaço vários
corpos, com diferentes idades, formações,atividades físicas e intelectuais.
O “comum” no senso da comunidade, permite ainclusão, e todos que respeitam e se permitemabrir-se para planos menos concretos, semgrandes necessidades de razões e verdadesoberanas, tem a oportunidade de imergiremnaquela cultura ancestral, por que no momentodo Rito não existem palavras explicativas datradição, há apenas os sentidos.
E é esse não saber teórico, tão efetivamentebuscado em nossas vivências cotidianas, quepermite que o Rito torne-se compreensível. Poisprimeiramente ao ser tocado pela manifestaçãopopular, as reverberações das imagens, dasdanças e cantos produzidos, ecoam dentro denós, e nos fazem rememorar nossas essências,permitindo uma reflexão que re-valoriza e questionanossas próprias identidades e escolhas.
Não há intenção por parte da comunidade, queocorra toda essa gama de sentidos estéticos esimbólicos. Eles apenas se formam. Assim comosementes anteriormente depositadas em solofértil ou não, germinam com múltiplas formas epossibilidades, algumas vingam outras secam .
Destaco que estas “sementes” podem sertambém apreciadas por uns e ignoradas poroutros.
Assim, a manifestação deste povo aliada aosfazeres estéticos inconscientes, das mãos
que semeiam sentidos, resguardam-se do
esquecimento. Propiciando á olhares estrangeiros
como os meus, uma beleza descontextualizada
da fé, e da técnica, porém por seu poder
artístico, causa-nos tanta perplexidade quanto as
performances de dança teatral e comoção pelo
fato de serem, tão verídicas quanto as emoções
vivenciadas pelas experiências do Rito !
VIRTUAL
Diálogos possíveis:Itinerâncias e inter heranças na dança contemporânea e nas tradições populares brasileiras
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“O arco ficou tenso e as flechas foram lançadas, cabe a nós agarrálase atirá-las para novos rumo, para alvos ainda mais distantes.”
NIETZSCHE“Além do bem de do mal”
Como sabemos a contemporaneidade é permeada por redes tecnológicas e virtuais. As espacialidades do mundo virtual,estederam-se de tal forma que o tempo e espaço tomaram outros formatos que não os concebidos por nossos ancestrais.Hoje é possível estarmos ainda que virtualmente em diferentes tempos e espaços, a Internet , os computadores celulares e asinvenções do enorme repertório das maquinas tecnológicas transforma a humanidade em uma aldeia global.
Por sua vez esse mesmo movimento que nos empurra para uma identidade globalizada, nos faz repensar em nossa identidadelocal, forçando-nos a rever nossos valores e nossas origens.
Diante de tantos apelos globalizantes, é fácil se perder na homogeineidade dos valores tecnológicos virtuais.
Assim sendo constatamos que a contemporaneidade é permeada por redes rizomáticas que interconectam as sociedades nos maisdiferentes âmbitos,ampliando conceitos antes muito bem delimitados, dissolvendo as fronteiras-espaciais, deixando o mundo cada vezmais interligado.
“(...) a globalização não é propriamente uma experiência do nosso tempo, mas um processoque se situa na continuidade de uma gênese técnica que tem suas raízes na longa históriada modernidade, entendida como ruptura em relação às coações e aos constrangimentos doespaço e do tempo que delimitam a experiência tradicional”.
(SOVIC, Liv; PRADO;AIDAR José Luiz, 2001).
Partindo dessa gênese ocidental de que as raízes da globalização estão na modernidade, proponho uma amplitude rizomática dessesolhares sobre o contextos das tradições populares.
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DIÁLOGOS POSSÍVEIS: ITINERÂNCIAS E INTER-HERANÇAS NO ESPAÇO TEMPO DAS DANÇASTRADIÇIONAIS POPULARES E NA DANÇA TEATRAL.
Como já citado anteriormente, uma das características do rizoma, é uma segunda espécie de conjunto de linhasde uma linha. Assim sendo, relaciono, a condição imposta a nós pela globalização, como uma linha rizomáticaestendida da própria condição pós – moderna, cuja qual também é conectada a uma linha que acompanha todoo desenvolvimento humano, permeado pelos ritos e mitos ancestrais, como citado no tópico anterior. Portantopor mais distantes que possamos “arremessar nossas flechas”, não é possível esquecermos, do arcopropulsor de nossa força, ou seja nossas origens ancestrais.
Assim destaco novamente a idéia de que mesmo em um contexto virtual globalizado, é possível encontrar olocal originário, ancestral. Sem retirar destes, seu atributos característicos.
Segundo Hall (1999), particularismos culturais, seja no âmbito sagrado ou social, são realidades no mundo “global”atual.A partir do final do século XX, as identidades locais, fortalecem-se, um exemplo que é possível detectarmosclaramente é a do “racismo cultural” (absolutismo étnico) e na formação de “identidades defensivas”, como are-identificação com as culturas de origem ou o revival do tradicionalismo cultural, da ortodoxia religiosa e doseparatismo político.
A tendência em direção à ‘homogeneização global’, pois, temseu paralelo num poderoso revival da ‘etnia’, algumas vezes devariedades mais híbridas ou simbólicas, mas também frequentementede variedades exclusivas ou ‘essencialistas’ [...]
(HALL, S,2004: 42)
Assim sendo, “cada vez que percorremos maiores distâncias enquanto flechas, mais nos lembramos de nossoarco” , quanto mais imersos na globalização mais nos rememoramos de nossos valores locais.
Uma observação mais reflexiva sobre o panorama local-mundial, nos assegura a existência de tendências tãomúltiplas quanto contraditórias em relação à contemporaneidade, mais uma vez reforçando seu caráter rizomáticoe sem pré-determinações.
Valorizando a idéia de que não devemos nos ater,a [...] nem o triunfo do ‘global’, nem a persistência, em suavelha forma nacionalista, do ‘local’ ”, afirma Hall,2004.
Logo propõem-se nesta pesquisa, o diálogo entre as múltiplas possibilidades das danças tradicionais populares,no caso o Congado , possibilitando uma rede rizomática de múltiplas relações com o processo de criação dedanças no contexto contemporâneo. Construindo pontes e linhas rizomáticas, para novas re-leituras míticas, dosprocessos criativos das danças contemporâneas.
Reforçando a idéia do presente caderno, que enfatiza o quanto somos atravessados e constituídos, em nossosplatôs históricos por estas linhas rizomáticas, míticas e ancestrais de nossas origens híbridas brasileiras.
Continuando a reflexão sobre os diálogos da dança contemporânea e as danças nas tradições populares,associando-as mais uma vez, as idéias de Deleuze e Guatarri,2004, destaca-se que:
Rizoma é o contrário da estrutura, pois esta se apresenta constituída como um “(...)conjunto de pontos e posiçõesque opera por correlações binárias entre os pontos e relações biunívocas entre as posições” ( DELEUZE eGUATARRI, 2004: 32)
Logo as limitações das mentalidades equivocadas de raiz e árvore do universo contemporâneo das dançasteatrais e tradicionais populares, vigentes na academia e fora dela. Limita nossas concepções de processocriativo em dança, a um conceito de estrutura arbórea, aprisionando a criação artística a um mesmo repertóriofixo nas florestas de nossos conhecimentos, arraigados a mentalidade Ocidental.
Aumentando cada vez mais os abismos entre a dança teatral e tradicional popular. Transferindo à estas um juízode valor e relações de poder, desencadeando disputas e discussões infundadas e constantemente abordadasno meio acadêmico atual, criando e recriando um ciclo repetitivo e vicioso no emaranhado do labirinto dessasdisputas.
Portanto, pretende-se associarmos a idéia de rizoma, para que possamos construir, diálogos pertinentes eenriquecedores, na complexidade de nossos patrimônios culturais, sem nos esquecermos da importância do mito
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e da ancestralidade.
O rizoma, por sua vez, procede por variação, conquista, captura, é heterogêneo, um mapa “[...] sempredesmontável, conectável, reversível”. (DELEUZE e GUATARRI, 2004: 33)
Por conseguinte qualquer ponto do rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo assim como odiálogo e as possibilidades de conexão das danças tradicionais brasileiras as danças teatrais.
Logrando um convívio descentralizado e menos atribulado entre as partes .
Descentramento do sujeito, negação da genealogia, afirmação de uma heterogêneseem oposição à ordem filiativa do modelo de árvore e raiz. O rizoma é distinto disso tudo,pois não fixa pontos nem ordens - há apenas linhas e trajetos de diversas semióticas,estados e coisas, e nada remete necessariamente a outra coisa.... o rizoma é umaprodução de inconsciente (individual, dual, coletivo, social), e não uma representaçãode conteúdos desprovidos de significância e de subjetivação. Fazer um rizoma étraçar estas linhas [...] A esquizo-análise se apresenta como uma tentativa de umapragmática das linhas, de produção de rizoma, de seus bloqueios nas raízes, suasrupturas em linhas de fuga, a transformação das árvores em rizomas subterrâneos ou aéreos.
(Borges;Cabral,2006:06)
A transformação das mentalidades entre as danças teatrais e as danças tradicionais populares, só serão viáveisatravés desta amplitude de visões.
Traçando um paralelo com a modernidade, deparamo-nos com a máquina e seu “poder de realização de mãode obra”, assustando os indivíduos que acreditavam , que a máquina poderia substituir o homem.
Porém a aliança estabelecida entre homem e máquina, nos trouxe a este mundo virtual da contemporaneidadeem que vivemos, certificando-nos o quanto as trocas rizomáticas são positivas nos nossos contextos vividos.
É a aliança entre o homem e a máquina, ( e não a luta contra asmesmas) para constituir outras máquinas que já não são nem umnem outro, mas elementos constitutivos de uma ontologia maquínicano qual tudo é coextensivo a tudo.” (Borges:Cabral,2006:08)
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Destacando-se o lema de que tudo é co-extensivo, sugere-se diálogos possíveis, entre os processos criativos nasitinerâncias e inter-heranças no espaço tempo ,das danças tradicionais populares e na dança teatral.
Deleuze afirma que “são os organismos que morrem, não a vida.”, portanto na complexidade mítica da historiada humanidade e das danças contidas nelas, parafraseio-o, indicando que [...]“são as visões e a oralidade que se esgotam, não a ancestralidade”.
Torna o homem contemporâneo das façanhas que os Deuses efetuaram in illo tempore. A revolta contra a irreversibilidade; do
Tempo ajuda o homem a “construir a realidade” e, por outro lado,liberta-o do peso do tempo morto, dando-lhe a segurança de que
ele é capaz de abolir o passado, de recomeçar sua vida e.recriar oseu mundo.A imitação dos gestos paradigmáticos elos Deuses, dos
Heróis e Ancestrais míticos não se traduz numa “eterna repetiçãoda mesma coisa”, numa total imobilidade cultural.
(Mircea Eliade,1972:124)
A seguir proporse-á a narrativa de um processo de criação em dança contemporânea, inspirada nos saberes que permeiam o Ritual da Dança do Congado , seus sentidos míticos símbolicos e ancestrais, traduzindo-os para uma linguagem artística e estética dos conteúdos desenvolvidos em dança teatral.
É importante notar que tais processos não se fixarão na reprodução do mito, nas discussões de seus valores sincréticos rituais, originários ou religiosos.
Não se pretenderá transpor o ritual para cena, por que este é único, a multiplicidade dos fazeres artísticos, poéticos e simbólicos do rito, nos nutrem criativamente. Possibilitando-nos transcendê-los, não no sentido de superioridade, mas no sentido de metamorfose, através das interconexões híbridas com os múltiplos elementos do mito, da dança, dos cantos, das relações e do inconsciente.
A Dança transcenderá o congado real, por que não pretende reproduzi-lo ou sê-lo. A concepção do espetáculo contemplaráum roteiro, que parte da própria compreensão do rito em diálogo com as vivências ancestrais dos intérpretes criadores.
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E será com narrativas híbridas de um processo criativo em dança contemporânea do Brasil, que se dará a performance proposta neste trabalho, que nutre-se e inspira-se na cultura e manifestações populares tradicionais brasileiras, desenvolvida primeiramente pelo povo, e voltada para todas as classes do mesmo.
Podendo vir a ser apreciada pelas diferentes camadas sociais, independente de sua formação acadêmica,e ou econômica, pois ali estará sendo refletida a própria história ancestral do corpus brasileiro, tocando nosarquétipos míticos comuns a todos seres humanos, propiciando-nos uma reflexão de nossas identidades culturaise ancestrais.
“Assim sendo independentemente do espaço ou tempo,-Ritual, Real e Virtual, verifica-se a pertinência do MITO em nossas vidas. Pois através dele ampliamos nossos olhares e compreendemos as diferentes perspectivas e formas de produção cultural, nas distintas esferas sociais e intelectuais. Servindo-nos como pontes entre o passado, presente e futuro, ajudando-nos, a nos compreendermos nos planos individuais e coletivos, provando sua a-temporalidade e fonte rica de mananciais inconscientes, ancestrais, poéticos, estéticos e criativos.”
Carla Ávila
NARRATIVAS HÍBRIDAS DE UM PROCESSO CRIATIVO EM DANÇA CONTEMPORÂNEA
DO BRASIL : A PERFORMANCE
ITINERÂNCIAS E INTER-HERANÇAS:do ritual do congado da zona da mata mineira, aoprocesso de criação da performance em dança contemporânea
Mestrado em Artes
Carla Cristina Oliveira de Ávila
OrientadoraProf.Livre Docente Inaicyra Falcão dos Santos
Universidade Estadual de CampinasInstituto de Artes
Programa de pós-graduação em ArtesArte, Cultura e Sociedade
UNICAMP2007
NARRATIVAS HÍBRIDAS DE UM PROCESSO CRIATIVO EM DANÇA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL: A PERFORMANCE.
1. PERCURSO DA PERFORMANCE EM DANÇA CONTEMPORÂNEA ... pg 08 2. ITINERÂNCIAS DA OBRA ARTÍSTICA ................................................ ... pg 09 2.1. INTER-HERANÇAS DA DANÇA CONTEMPORÂNEA ................................. pg 10 2.2 . INTER-HERANÇA DA PERFORMANCE ............................................. pg 15 3. INTER-HERANÇAS DA PERFORMANCE EM DANÇA CONTEMPORÂNEA pg 21 3.1. PRÁXIS ........................................................................................................ ... pg 25 3.2. SINOPSE .................................................................................................... ...... pg 28 3.3. TRIÁDES ......................................................................................................... pg 29 4. ITINERÂNCIAS CRIATIVAS DE UMA PERFORMANCE EM DANÇA CONTEMPORÂNEA ........................................................................... pg 34 4.1 TRAJETÓRIAS DA CRIAÇÃO ARTÍSTICA ........................................... pg 39 4.1.1. PRIMEIRO PERCURS0:CORPO E ANCESTRALIDADE pg 39 4.1.2. SEGUNDO PERCURSO:ESTRUTURA CRIATIVA TRIÁDICA pg 41 4.2. PERCURSO DOS ESPAÇOS ........................................................................... pg 47 4.2.1. ESPAÇO MÍTICO ............................................................................. pg 52 4.2.2. ESPAÇO CÊNICO ........................................................................................... pg 57 4.2.3. ESPAÇO COLETIVO ..................................................................... pg 62 4.3. PERCURSO DA DANÇA ................................................................. pg 70
4.3.1. DANÇA E ANCESTRALIDADE pg 73 4.3.2. DANÇA E BRASILIDADE pg 77 4.3.3. DANÇA E CONTEMPORANEIDADE pg 81 4.4 PERCURSO DOS SENTIDOS pg 86 4.4.1. SENTIDOS PASSADOS pg 88 4.4.2. SENTIDOS DA CULTURA pg 91 4.4.3. SENTIDOS IMAGÉTICOS pg 95 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS pg 101
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NARRATIVAS HÍBRIDAS DE UM PROCESSO CRIATIVO EM DANÇA NARRATIVAS HÍBRIDAS DE UM PROCESSO CRIATIVO EM DANÇA
CONTEMPORÂNEA DO BRASIL : A PERFORMANCECONTEMPORÂNEA DO BRASIL : A PERFORMANCE
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Esta narrativa trata de um processo de criação em
dança, inspirado nos saberes que permeiam o Ritual da Dança do Congado, seus sentidos míticos simbólicos e ancestrais, traduzindo-os para uma linguagem artística e estética, que dialoga com os conteúdos da performance contemporânea.
É importante ressaltar que tal processo não se fixará na reprodução do mito, ou nas discussões de seus valores sincréticos rituais, originários ou religiosos. Nem se pretenderá, tão pouco, transpor o ritual para cena, porque este é único, e pertencente ao seu contexto territorial com sua própria identidade cultural local.
As multiplicidades, a riqueza, e a complexidade no ritual do Congado tornam-se fonte de um manancial de informações para o artista e seus fazeres artísticos, poéticos e simbólicos, constatando o quanto o rito nos nutre como uma nascente de matéria prima para construções de obras criativas em artes.
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Semen
Nos antigos rincões da mata virgemFoi um sêmen plantado com meu nomeA raiz de tão dura ninguém comePorque nela plantei a minha origemQuem tentar chegar perto tem vertigemEnsinar o caminho, eu não seiDas mil vezes que por lá eu passeiNunca pude guardar o seu desenhoComo posso saber de onde venho Se a semente profunda eu não toquei?
Esse longo caminho que eu traçoMuda constantemente de feição Mas aquela semente que sonheiÉ a chave do tesouro que eu tenhoComo posso saber de onde venhoSe a semente profunda eu não toquei?
Tantos povos se cruzam nessa terraQue o mais puro padrão é o mestiçoDeixe o mundo rodar que dá é nissoA roleta dos genes nunca erraNasce tanto galego em pé-de-serraE por isso eu jamais estranhareiSertanejo com olhos de nisseiCantador com suingue caribenho
Como posso saber de onde venho Se a semente profunda eu não toquei?
E eu não posso saber que direçãoTem o rumo que firmo no espaçoTem momentos que sinto que desfaçoO castelo que eu mesmo levanteiO importante é que nunca esquecereiQue encontrar o caminho é meu empenhoComo posso saber de onde venhoSe a semente profunda eu não toquei?
Como posso saber a minha idadeSe meu tempo passado eu não conheçoComo posso me ver desde o começoSe a lembrança não tem capacidadeSe não olho pra trás com claridade
Se a semente profunda eu não toquei?
Como posso pensar ser brasileiroEnxergar minha própria diferençaSe olhando ao redor vejo a imensaSemelhança ligando o mundo inteiroComo posso saber quem vem primeiroSe o começo eu jamais alcançareiTantos povos no mundo e eu não seiQual a força que move o meu engenho
Como posso saber de onde venhoSe a semente profunda eu não toquei?E eu ...Não sei o que fazer nesta situaçãoMeu pé...Meu pé não pisa o chão.
Mestre Ambrósio
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1.PERCURSO DA PERFORMANCE EM DANÇA CONTEMPORÂNEA
2.ITINERÂNCIAS DA OBRA ARTÍSTICA
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1.PERCURSO DA PERFORMANCE EM DANÇA CONTEMPORÂNEA
A seguir, será descrito todo o percurso reflexivo da construção do fazer artístico no processo criativo desta pesquisa. Para tanto, serão expostos os vários pensares e saberes que envolveram a concepção artística dessa obra.Foi no fazer, que a obra foi trilhando seu percurso e adquirindo forma, verificou-se uma riqueza de linguagens artísticas na busca pela expressão das reflexões dos sentidos e teorias vividos no campo e no calor dos diálogos com pesquisadores do grupo “Rituais e Linguagens; a elaboração estética” da UNICAMP e o “Grupo Interdisciplinar de Pesquisa sobre Cultura Popular –Gengibre” da UFV, e os tantos autores estudados que refletem os temas desta pesquisa.Para elucidar tal percurso, é necessário trazer à superfície os questionamentos constantes com os quais me deparei. Quais aspectos das manifestações populares são realmente artísticos? Há ou não a intenção artística e estética nessas manifestações? Como fazer um espetáculo que aborde tais temas, sem reproduzir o ritual na cena? É possível reler o material de campo e transcender a manifestação, num formato de arte contemporânea? Isso é uma releitura artística? É dança contemporânea? Ópera contemporânea? Ou seria uma performance? Mas arte, performance e dança contemporânea não desembocam em um fim semelhante? Afinal, o foco central deste trabalho artístico ainda é o corpo e o movimento, e os diversos espaços-tempo, que estes ocupam. Constatou-se, no labirinto destes questionamentos, que à medida que eram respondidos se confundiam ainda mais .
A primeira e talvez a mais difícil reflexão travada neste texto, foi a busca por uma definição da obra
artística prática, conclusiva deste trabalho uma vez que, na procura por definições, freqüentemente
percebia as diversidades de conceitos desenvolvidos no âmbito das artes na pós-modernidade. As
dúvidas maiores eram quanto à categoria que este trabalho se encaixa. Por ter suas características
formais e conceituais essencialmente híbridas, sobrepostas e fragmentadas, e por utilizar de várias
linguagens artísticas como dança, vídeo, canto, performance, ritual, instalações artísticas, cenário,
percussão, era complicado entender e defini-la em uma categoria específica.
Assim sendo, decidi-me por um aprofundamento nos conceitos de performance e dança
contemporânea dos quais entendo, que este trabalho mais se aproxima.
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Num primeiro momento, a definição deste trabalho será tida como “Obra artística”, não como obra acabada ou perfeita em seu sentido estético, mas sim como obra aberta, produto de um processo artístico. À medida que formos clareando os conceitos de performance e dança contemporânea nos tópicos, chamá-lo-emos de “performance em dança contemporânea”, acredito ser importante tais relatos, para a compreensão da construção e embasamento teórico do processo criativo no fazer deste trabalho.Nos módulos anteriores, ao analisarmos a obra de Deleuze e Guatarri, constatamos que esta é marcada pelo jogo das relações múltiplas e coexistentes, de certa forma complementares. Não há pensamentos binários.
O que conta é que a árvore raiz e o rizoma - canal não se opõem como dois modelos: um ( a árvore) age como modelo e como decalque transcendente, mesmo que engendre suas próprias figuras/fugas: o outro (o rizoma) age como processo imanente que reverte o modelo e esboça um mapa, mesmo que constitua suas próprias hierarquias, e inclusive ele suscite um canal despótico.(HAESBAER E BRUCE, 1995, p31)
Transpondo essa idéia para a pesquisa de produção, constatamos que o processo de criação deste produto artístico, mescla as características da dança na cena contemporânea, o conceito de performance e work in progress .
Posteriormente, discutiremos os caminhos percorridos para a formação de tais conceitos, destacando-se que os mesmos são extremamente complexos de se determinar hermeticamente
caracterizando-se por inúmeras influências e sobreposições culturais, históricas e sociais, na gênese de suas formações.
Deste modo, não serão atribuídos a estes, demarcações específicas, hegemônicas, uma vez que as visões de arte contemporânea, performance, work in progress, dança e corpo na cena contemporânea segundo vários pesquisadores estudados, dentre eles: Beuys (1921-1986), Bhabha (1994), Cohen(2001), Dunchamp(1887-1868), Glusberg(1932), Sally Banes (1980) e os próprios Deleuze e Guattari (1980), são conceitos que buscam escapar aos aspectos analíticos, em sua essencialidade, pois procuram escapar de definições. Sendo assim, mais do que conceituá-los, pontuar-se-á alguns aspectos da ideologia destas linguagens; isto devido a suas formas livres, híbridas e fluídas até certo ponto anárquicas, não estáticas e mutantes, assemelhando-se ao rizoma.
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2.1.INTER-HERANÇAS DA DANÇA CONTEMPORÂNEA
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Ao pensarmos nas heranças deixadas à Dança Contemporânea, pensamos nos legados proporcionados pelos bailarinos desbravadores da modernidade e da pós-modernidade.Estes pesquisadores do movimento corporal e de suas
expressividades serão descritos a seguir. Cada trabalho por eles desenvolvido, deixa-nos um legado de informações e experiências, à medida que as experimentações em dança são realizadas, tais vivências são re-utilizadas e transformadas em novas concepções.Estas inter-heranças utilizadas por nós até os dias de hoje,
oferecem-nos uma reflexão do que vem a ser a dança na atualidade, e mais, especificamente a Dança Contemporânea produzida neste trabalho.Se pesquisarmos a gênese da Dança Contemporânea, nos deparamos com Delsarte, Dalcroze, Isadora Duncan, Laban, Kurt Joos, Wigmam, Ruth Saint-Denis, Martha Graham e tantos outros, que através de suas peculiaridades, buscavam o rompimento da estética da escola clássica, e uma dança que exprimisse melhor seus anseios e reflexões críticas sobre as realidades vivenciadas. Uma dança que falasse mais do real e dos sentimentos do homem, afastando-se das fábulas e da leveza dos corpos dos antigos ballets.Contextualizando este período com os princípios da dança moderna, adotaremos a mesma disposição histórica citada por MOURA (2001), no período pós-moderno, aqui referindo-se aos diversos estilos e técnicas de dança desenvolvidas a partir do final da década de 50, ao longo das décadas de 60 e 70 até início dos anos 80 – quando o termo “nova dança” passa a integrar o vocabulário dos historiadores da área.É o início do período moderno, caracterizado na dança pela oposição aos padrões estabelecidos, buscando a transgressão das normas impostas, uma subversão da ordem estabelecida. A partir deste momento, pode-se cogitar em buscar novos parâmetros para uma arte que posteriormente também cristalizou seus conceitos. Os relatos da dança de Isadora Duncan (1878 – 1927), contam-nos que esta produzia uma dança livre inspirada nos elementos da natureza, referenciando os ideais estéticos gregos da antiguidade, concebia o corpo belo e livre, e dançava com os pés descalços, libertos das sapatilhas e das amarras inconscientes dos padrões da forma.
Isadora Duncan (1878 – 1927)
Loïe Fuller (1862 – 1928), é a dançarina que explora os recursos elétricos recém descobertos, daquela época. Apaixonada pelos recursos cênicos sua dança é muito mais voltada para os efeitos de iluminação, cenário e figurino, que para o movimento em si. Era por meio do movimento articulados aos aparatos técnicos que Fullertransformava sua corporeidade e dança, em borboleta, nuvem e outros. Por esse ângulo vemos o trabalho dos coreógrafos Alwin Nikolais (1910-1993), Merce Cuningham(1919), e as pesquisas feitas na escola de design, arquitetura e artes plásticas de vanguarda –Bauhaus- Alemanha (1919-1933), como herdeiros de sua obra, que sem abrir mão da dança, constroem uma imagética da performance e do movimento.A partir de 1840, houve a abertura da China, e a atenção do Ocidente se volta para o Oriente. Dentre esses atentos está a dançarina Ruth Saint-Denis (1879-1868), que ao unir-se a Ted Shawn(1891-1972), cria uma escola de dança voltada para um treinamento corporal que misturava técnicas ancestrais de diversas culturas, aliados as idéias de Delsarte, que aliava o corpo aos sentimentos, acreditava que os gestos reforçavam o sentimento, e estes reforçavam os gestos.
Alwin Nikolais's 1959 work Allegory. (Photograph from theDance Division, New York Public Library for the PerformingArts, Astor, Lenox, and Tilden Foundations.)
As convenções estéticas que determinaram a direção da Denishawnforam aquelas da segunda metade do século XIX, quando o exotismo, na forma da Art Noveau, lança-se contra a brutalidade da Revolução Industrial. Uma reação ao mecânico e ao moderno, o estilo expresso pela Denishawnconfigurava a busca por um tempo menos conturbado, um apelo à santidade, à religiosidade. Era também um luxo que somente uma sociedade mais abastada poderia pagar. Embebido em um exotismo derivado de mitos e lendas do Oriente Próximo e Médio, da Índia e Américas antigas, o estilo Denishawn exibia glamour, o brilho de jóias e tecidos, e uma certa sensualidade envolta em mistérios.(BANES, 1994, apud MOURA, 2001, p129)
As maiores heranças deixadas provenientes da escola Denishawn, além de suas pesquisas vinculadas a um corpo apto em diversas linguagens, foram seus estudantes que transformaram-se em ícones da dança moderna, construindo um rastro de tendências e linguagens em dança, utilizadas até os nossos dias.
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Alguns dos nomes mais influentes são sem dúvida Martha Graham, (1894-1991), DorisHumphrey (1895-1958) e Charles Weidman (1901-1975), que segundo MOURA (2001) estes buscavam novas formas de expressar liberdade na dança moderna.Humphrey e Weidman utilizam inicialmente em seus trabalhos a temática da cultura americana e
da expressão dos problemas e aflições de sua época, por meio de um repertório de movimento pessoal e mais orgânico. Doris Humphrey observando seu próprio corpo em luta contra a gravidade desenvolve sua teoria de “fall and recovery” (queda e recuperação), contraste rítmico e de dinâmicas, desenho espacial e de uso dos gestos. Charles Weidman, é um homem ligado intimamente ao teatro, tendo desviado a dança moderna para as necessidades cênicas, pois, a seu ver, a teatralização reforça a expressão do corpo, tornando-a mais compreensível para o público. Orienta sua dança para a sátira, e preocupa-se com os problemas especificamente americanos. Martha Graham, é a que nos deixa uma enorme influência, é considerada por muitos como a própria definição de dança moderna.
Em uma carreira longa, Martha tornou-se uma personalidade única em seu campo. Com um repertório que explora desde os temas do folclore e cultura americanos, a mitologia grega e as angústias do mundo contemporâneo, Martha se comprometeu em estabelecer e criar uma nova forma de arte. (MOURA, 2001,p135)
Em suas pesquisas do movimento, Graham é influenciada por Mary Wigman (1886-1973) e Ronny Johansson(1891-1979), trabalhando o controle do tronco no chão, da pélvis, centro do corpo. Desta retirava toda a intenção do movimento, pois ali, é onde acreditava ser a fonte de energia para a realização de uma dança mais visceral, cheia de dramaticidade e significado.Muitos, também, foram os influenciados pela
herança de Graham entre eles Erick Hawkins
(1909-1994) , Lester Horton(1906-1953), MerceCunningham (1919), Paul Taylor (1930), Alvin Ailey (1931-1989).
Martha Graham em "Errand into the Maze”,
(1947). Photo of Martha Graham by the AssociatedPress
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Não podemos deixar de citar o legado da escola alemã para a construção da Dança Contemporânea e sua importante influência da teatralidade e sua carga expressiva que são reproduzidas até hoje.
Kurt Jooss (1901-1979), ex-aluno de Laban (1879-1958) misturava a liberdade da dança moderna,
especificamente a dança expressionista, com a técnica da dança clássica, acreditando que ambas eram complementares.
Jooss desenvolveu idéias consideradas avançadas para a época. Ele acreditava que o expressionismo era a forma artística mais apropriada para a dança, que a dança deve ser mais teatralizada, menos estilizada e artificial na utilização dos gestos. Que tanto a dança clássica quanto a moderna deveriam se aproximar e trabalhar de forma conjunta – uma como complemento da outra. O balé deveria se conscientizar que a dança moderna era a autêntica representante das idéias daquele tempo, e os dançarinos modernos deveriam aceitar que, para serem bem sucedidos tecnicamente, deveriam trabalhar também a técnica clássica.( MOURA, 2001,p136)
Jooss in The Green Table, c. 1935
(credit: H. Roger-Viollet)
Não é raro vermos essa opinião, atualmente, em muitos coreógrafos e bailarinos.Jooss também deixou sua marca na ex-aluna Pina Bausch (1940), que divulgou amplamente o conceito de “dança- teatro”-“Tanztheater”, com a sua companhia Wuppertal. A coreógrafa é hoje um dos ícones da Dança Contemporânea, utilizada muitas vezes como referencial. Outros expoentes na produção de Dança Contemporânea em seu início são: TwylaTharp (1941), Maurice Béjart(1927), Meredith Monk(1942), Trisha Brow(1936), Maguy Marin (1951) só para citar alguns deles.
BANDONEON/ FOTO: Francesco CarboneTeatro Schauspielhaus / Wuppertal 1991
Dominique Mercy
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No Brasil, a gênese da Dança Contemporânea se encontra na obra de Klauss Vianna (1928-1992), e estende-se a inúmeras companhias como : Corpo, Débora Colcker , Quasar e Cena 11. Refiro-me aqui, às mais conhecidas, pois sabe-se hoje que muito material de pesquisa e produções artísticas individuais estão em plena atividade; Henrique Rodovalho, Mário Nascimento, Luiz de Abreu, Wagner Schwartz, Ana Vieira e tantos outros que é difícil enumerá-los.
Portanto, através das heranças a nós deixadas, trilhou-se o formato de Dança Contemporânea vigente, e segundo AGG, (2005), foi a proposta da ‘Dança Livre’ de Duncan, que se transformou nas gerações seguintes em Dança Moderna “tradicional”, com estruturas técnicas tão específicas e rígidas quanto às da dança acadêmica, gerando o desejo em outros bailarinos de encontrar novos caminhos na dança, dando início à Dança Contemporânea.
Nessa busca de re-significação da dança, compreendemos que a Dança Contemporânea formou-se possuindo uma abordagem e estruturação técnica, porém mais flexível e criativa em sua estrutura, absorvendo várias expressividades cênicas e permitindo maior participação criativa dos bailarinos. Seu caráter é o da experimentação, dança metamórfica que se inter-relaciona com o contexto psicológico, político e social vigente. Respeitando o indivíduo, sua corporeidade, seus limites e diversidades. Um intérprete criativo, sensível às indagações propostas, apto a articular seus conhecimentos e transformá-los em movimento através de improvisações e criações inusitadas. As partilhas são constantemente realizadas com o grupo e os seus coreógrafos.
Na Dança Contemporânea há um rompimento do paradigma professor e coreógrafo, detentor da razão absoluta. Nesta linguagem é estabelecida uma nova relação entre coreógrafo/bailarino, professor/aluno. As fronteiras são tênues. O preparo corporal do ator-bailarino é cada vez maior e a pesquisa dedicada a seu papel nas obras é mais intenso, transformando-os de certa forma em pesquisadores-intérpretes. Isto torna um bailarino mais autônomo e consciente de seus talentos e dificuldades. O pensamento crítico, advindo deste constante pesquisar, é também estímulo para a manutenção de seus estudos, visão crítica sobre o mundo e o domínio cada vez mais diverso das novas linguagens. A Dança Contemporânea propõe-se a ser híbrida, busca uma identidade e diálogo com a cultura em questão e não comporta mais a simples reprodução das formas, e do virtuosismo descontextualizado.
Dentro deste contexto, a concepção da Dança Contemporânea não pode ser “engavetada”; tem em seu formato o livre uso de sons, voz, palavra, atuações cênica-dramatúrgicas, instrumentos e movimento, pausas cênicas, repetições, rupturas, sobreposição, recursos tecnológicos, instalações, uso de espaços inusitados, apresentações aleatórias em espaços cotidianos e ou alternativos, sem regras pré-estabelecidas para que possa ser formatada como tal. Reunindo ritual, tradições, tecnologias, virtualidades e toda a sorte de movimentos possíveis em tempos e espaços pós - modernos. Logo, tal reflexão procura demonstrar o quanto o trabalho aqui apresentado herda os bens a nós deixados por essa linguagem em dança.
2.2.INTER-HERANÇAS DA PERFORMANCE
[...]numa classificação topológica de performance esta se colocaria no limite das artes plásticas e das artes cênicas, sendo uma linguagem híbrida que guarda características da primeira enquanto origem e da segunda enquanto finalidade[...].
COHEN, 2004
A idéia de performance fundamenta-se nas reflexões sobre a relação do corpo-obra; é uma expressão plástica cênica, onde acontece uma ação. Ela conecta-se com um terreno interdisciplinar, entrando em contato com várias linguagens artísticas, é antes de tudo uma forma de se expressar cenicamente. Não é apenas demonstrar um vídeo ou um quadro pronto, mas sim à ação do fazer, contextualizados ao momento vivido, só assim pode vir a ser performance. A performance distancia-se do teatro convencional, porém utiliza-se de uma intenção dramática, na qual símbolos e signos levam a um “texto” construído através da articulação das poéticas dos corpos presentes.
Para o percurso da arte da performance, seguindo a trajetória da história da arte, começa nos rituais tribais, passa pelos dramas da Paixão da Idade Média e pelos espetáculos do Renascimento, dando formas para as idéias conceituais da arte, passa pelos futuristas e dadaístas, pela Body Art , funcionando sempre como tubo de ensaio para outras formas , sinalizando contribuindo para o nascimento de novas vertentes. (GOLDBERG 1979, apud MAIA, 2001,p 03)
COHEN (2004), destaca que podemos entender performance como uma função do espaço e do tempo. Performances são efêmeras e acontecem unicamente naquele dado momento.Ao definir espaço - tempo, o pesquisador entende que o espaço deve ser compreendido da forma mais ampla possível, ou seja, pode acontecer em qualquer local que comporte pessoas, performers e público; em praças públicas, halls, salões, parques, quadras, arenas. Não é necessário termos o edifício - teatro para que as mesmas ocorram.
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Sobre o tempo, este também deve ser compreendido de forma mais ampla possível, não há há obrigatoriedade de um tempo limitado. Existem relatos de performances espetáculos que duraram segundos e outros que duraram doze horas ou até mesmo dias.
Cohen disserta também sobre as características ideológicas de uma performance e a questão da hibridez. Performances são essencialmente híbridas, caracterizando-se por ser a evolução dinâmico-espacial de uma arte inicialmente estática.
É importante compreender que a vanguarda do conceito de performance é originária de artistas sobrevindo das artes plásticas e não do teatro.
Na produção artística desta pesquisa, que se inspirou nas bases da cultura popular do Congado, adequando-se ao conceito de performance no contexto da Dança Contemporânea, também dialoga, perfeitamente, com a ideologia do work in progress, descrito e pesquisado por Cohen, no qual a arte está em trabalho e em percurso-processo, onde a produção se estabelece em dupla via do sensível e do intelectual, associando-se a paradigmas emergentes na contemporaneidade dos campos da ciência e da linguagem, desestabilizando por um lado, sistemas clássicos de narrativa (escola aristotélica) e norteando-se por estruturas de organização, hibridação, superposição .
A criação pelo work in progress, opera-se através de redes de leitmotive, da superposição de estruturas, de procedimentos gerativos da hibridização de conteúdos, em que o processo, o risco, a permeação o entremeio criador-obra, a interatividade de construção e a possibilidade de incorporação de acontecimentos de percurso são as ontologias da linguagem. (COHEN, 2004,p 01)
A concepção desta obra artística não foi linear, e considera-se ainda não terminada, em um formato único padronizado. Sem dúvida ainda está em processo, pois em se tratando de uma concepção rizomática, não estática, tal proposta artística, assemelha-se à vida, constantemente em movimento e imprevisível. É claro que na performance temos estruturas que distinguem os diferentes momentos cênicos, porém tais balizas são flexíveis e passíveis de adaptações.No processo de criação, adotado nesta performance, é possível constatar que a idéia gerativa se dá através da releitura dos símbolos, arquétipos e signos primeiros apresentados no rito do
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Congado, e posteriormente, os mesmos são relidos e re-significados nos processos criativos das concepções coreográficas e nas estéticas escolhidas para a performance, nos elementos visuais e plásticos da obra artística .
Esclarecendo melhor esta idéia, Cohen disserta neste contexto: “Poiesis enquanto cena gerativa , primária, abstrata, com estatuto próprio enquanto ‘realidade”- sem contraponto. Mimesis como cena reprodutiva, iconográfica, secundária em sua realidade primeira.” (COHEN, 2004,p10)
Esta contraposição, também é nítida se voltarmos nosso olhar para a história da construção
das obras de artes pós estruturalistas e de seus autores, originados de produções de work in
progress e estudos da performance na cena contemporânea.
Nascendo do contexto do pós- estruturalismo sob a égide da desconstrução, essa cena assinala a contemplação do múltiplo, da pluralidade em contraparte ao logismo linear aristotélico -cartesiano, a redução da solução psicológica. Incorpora-se o enlevo, a multiarte, as soluções collage relativística, teoria do caos, fractalidade, quântica, criam novos logismos que incorporam o acaso, a descontinuidade, a assimetria, a complexidade, o fenômeno em toda sua escala mediando o sujeito expressante no bojo da cena. É o momento de Deleuze - do isso e do aquilo, da construção rizomática, da visão cúbica, simultaneísta, da criação de outro estatuto do real.(COHEN, 2004,p25)
Historicamente, nas artes da modernidade, o conceito de performance vem dialogando através dos tempos com os movimentos das pinturas performáticas de Pollock e Kaunellis, pintores vanguardistas que propunham a “Live art” arte ao vivo ou ainda arte viva, aproximação direta com a vida, são exemplos experiências com a Body Art, na qual o artista é sujeito e objeto de sua arte, tornando-se uma escultura viva, o próprio veículo de sua expressão, o “corpo extenso” e nas artes cênicas os “happenings” da década de 60.De forma cronológica é possível associar a performance com o séc XX, porém, antropologicamente, segundo Cohen,
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[...]o nascimento da performance se dá com o
próprio ato do homem. Dessa forma, há uma corrente ancestral da performance que passa pelos primeiros ritos tribais, pelas celebrações dionisíacas dos gregos e romanos, pelo histrionismo dos menestréis e por inúmeros outros gêneros, calcados na interpretação extrovertida, que vão desaguar no cabaret do séc XIX e na modernidade . (COHEN, 2004, p41)
Novamente, ao vermos os caminhos constituídos pela cronologia da performance, observamos que não é um conceito hierárquico, e sim múltiplo e coexistente das diversas artes, associando-se ao modelo filosófico de Deleuze e Guatarri, da árvore e do rizoma-canal e a performance em Dança Contemporânea aqui descrita.
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3.INTER-HERANÇAS DA PERFORMANCE EM DANÇA CONTEMPORÂNEA
3.1 - PRÁXIS 3.2 - SINOPSE 3.3 - TRIÁDES
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3.INTER-HERANÇAS DA PERFORMANCE EM DANÇA
CONTEMPORÂNEA Rosarina: Contas que contam memórias
Pequeno Histórico Após os dois primeiros anos de pesquisa com o grupo interdisciplinar Gengibre, o contato
com a comunidade de São José do Triunfo, a leitura e compreensão dos textos de
pesquisadores relacionados ao assunto. Depois da produção do curta-metragem Gengibre e a
discussão do resultado do mesmo entre os pesquisadores e a comunidade do Congado de São
José do Triunfo, voltamos-nos para um momento de introspecção e decantação.
Eram muitas as informações e muitos elementos a serem elaborados para a transposição
consciente em um processo criativo de performance.
Para tanto, mergulhamos em reflexões sobre o cotidiano vivido da comunidade do Congado e
a comunidade acadêmica de Viçosa. Nosso olhar e sentidos, tornaram-se mais aguçados
quanto à questão das influências e heranças culturais deixadas à nossa sociedade
contemporânea pela cultura ancestral africana. Levantaram-se inúmeras questões sobre o papel
do negro na sociedade atual.
De certo que, na comunidade do Congado de São José do Triunfo tivemos inúmeros
encontros, mas eles se limitavam a um registro da história oral, relatos vividos pelos
antepassados e relatos do congado nos dias atuais. As entrevistas e interações nunca passaram
de um convívio entre pesquisador e sujeito.
Com o passar dos encontros deparamo-nos com nossas limitações, uma vez que, éramos
acadêmicos vindos de um outro contexto, com visões pouco claras da realidade da
comunidade afro - brasileira em questão.
Surgiram novos questionamentos.
Concomitantemente, uma das lideranças de outra comunidade congadeira, da região de Ponte
Nova, chamada Ganga Zumba, procurou-nos em busca de parcerias a fim de obter auxílio e
suporte acadêmico para que a comunidade resgatasse sua identidade cultural e que os mesmos
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compreendessem a importância do desempenho do congado daquela região, pois há muito
tempo vinha se desfazendo.
Esta primeira conversa buscou um diálogo entre as atividades realizadas pela comunidade e os
trabalhos de pesquisa realizados por nosso grupo. Procuramos, então, ouvir à comunidade, a
fim de compreender como poderíamos contribuir nos trabalhos já desenvolvidos pelos
moradores. Muitas foram as sugestões e logo nos identificamos com algumas atividades
realizadas na área cultural, principalmente àquelas que possuiam matrizes africanas, como a
dança e música afro-brasileira e o Congado.
Esta parceria tornou-se cada vez mais consistente, e no final do ano de 2004 tornou-se um
projeto de extensão que compreendia a ação social, a pesquisa de campo, reflexão teórico -
prática, ensino e o registro documental acerca das manifestações culturais populares e
identitárias do grupo Ganga Zumba de Ponte Nova, e entre estas o próprio Congado.
Por meio do projeto, estabeleceu-se um diálogo entre o saber “local” do grupo Ganga Zumba,
com as formas de saber “acadêmico”, buscando uma relação dialética e proveitosa para ambas.
Por meio desta interação, trabalharam-se as dificuldades enfrentadas pelo grupo no contexto
contemporâneo, estabelecendo debates dentro da comunidade e reflexões acerca da cultura e
resgate da memória coletiva local. Dessa forma, pôde-se “traduzir” a cultura do grupo,
buscando atingir suas especificidades, a fim de seu maior entendimento no meio acadêmico e
social em geral. Com isto, a pesquisa buscou novas formas de conceber a realidade cultural
específica daquelas comunidades, levando em consideração a lógica diferenciada de seus
processos constitutivos, a ancestralidade e as formas de transmissão do passado coletivo local.
Tal vivência, somada ao conhecimento anterior do Congado de São José do Triunfo, nos
permitiu um conteúdo e um grande repertório sobre os diversos aspectos do ser afro-
brasileiro, a importância desta herança cultural no contexto social e político além da
preservação desse patrimônio imaterial. Portanto, por meio destas pesquisas e inter - relações
do cotidiano de ambas as comunidades, muitos daqueles questionamentos citados
anteriormente foram sanados e levados poeticamente para cena da performance.
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Histórico reflexivo do processo de criação Segundo Inaicyra Falcão dos Santos (2002), para se pensar a tradição africano-brasileira, como
forma verdadeiramente expressiva na criação artística, torna-se necessário levar em
consideração, os valores da cultura em questão. Portanto, partimos do pressuposto de
conhecermos todas as rotinas das comunidades do Congado de São José do Triunfo e a
comunidade Ganga Zumba, suas tradições orais e culturais que permeavam o ritual do
congado daquelas regiões, além da ancestralidade das comunidades pesquisadas e dos
intérpretes da performance.
Na construção destas reflexões, para estruturação do processo criativo, deparamo-nos com a
nossa própria história ancestral e com a formação educacional em relação aos contextos afro -
brasileiros, repensamos questões intrínsecas da relação do negro no contexto histórico e social
brasileiro e suas influências em nossa identidade individual e nacional.
A artista - pesquisadora Inaicyra Falcão dos Santos (2002) destaca ainda, que toda essa tradição
afro-brasileira estudada em ambas as comunidades, devem ser consideradas como agentes de
integração, uma vez que, em um contexto educativo e ou no processo criativo, é necessário
termos noções de coerência e organicidade, encontrados no próprio rito, no fazer e na
perpetuação de uma tradição. Conseqüentemente, para se criar um processo artístico é
necessário o conhecimento da arte teorizado, e a integração desses elementos para convergir
no enriquecimento de nossa cultura.
Tal visão verificou-se no fazer prático, caracterizada por diversos estímulos de duas
comunidades afro-brasileiras e suas tradições orais, suas memórias, seus ritos, cantos e danças;
permitindo também que ambas as comunidades pertencessem `a performance, aparecendo
como agentes realizadores e significadores da mesma.“Foi sempre na tradição africano-brasileira que
busquei inspiração, informação, tanto no aspecto profissional quanto na filosofia de vida. Esta expressão
estabeleceu a origem da hipótese de criação, de uma expressão artística no cenário da dança-educação
brasileira” (SANTOS, 1996, p04)
Para Santos (1996), o referencial prático-teórico-metodológico, deve traduzir uma poética
intertextual com uma idéia de significação de movimentos corporais, de imagens, de ritmos, de
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palavras e de elementos cênicos. Para tanto, é necessário que todo eixo central de um processo
de criação em artes deve estar enraizado na mitologia, repertório ancestral de cada indivíduo e
em sua capacidade de domínio artístico corporal.
Transpondo esta visão para o processo prático desta montagem, e seguindo os passos da
criação, sugeridos pela autora - artista e pesquisadora que serão apresentados a seguir, deu-se
este processo de criação.
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3.1 -PRÁXIS
Para melhor compreendermos o rizoma canal desta performance, como esta se deu de forma
prática, será apresentado uma breve descrição da práxis da pesquisa, e em seguida uma sinopse,
da performance em Dança Contemporânea nomeada como:
Rosarina: Contas que contam memórias.
Por terem sua essência cultural na África, manterem-se vivos até os dias de hoje, os Congados,
de maneira geral, especificamente o Congado de São José do Triunfo, caracterizam - se por
serem e conterem em si mesmo uma carga cênica e dramática riquíssima. O Congado é
composto por texto, cantos, danças e interpretações chamadas de embaixadas, aproximando o
rito ao olhar de um público leigo, a um espetáculo grandioso a céu aberto. É claro que
compreendemos e respeitamos o caráter religioso e sincrético de tal manifestação.
MARTINS (1997), descreve com clareza a importância dos ritos afro - brasileiros, e seu
conteúdo ímpar na reflexão de nossa identidade cultural, contando-nos em seus livros
inúmeros detalhes das especificidades de tais ritos.
Todos os rituais religiosos afro – brasileiros operam um elenco de
signos cênicos – plásticos, rítmicos, de movimento, gestos e cor _
que,aliados ao caráter metamórfico e invocativo das funções rituais,
lhes empresta uma tessitura dramática de profundo apelo
comunitário, em muito similar aos dramas- rituais africanos, sua
origem mais remota. ( MARTINS, 1997, p58)
A autora destaca que os descendentes africanos ao se reorganizarem enquanto comunidade
em seus ritos, criava uma técnica de sobrevivência de duplo sentido, pois as coisas nunca eram
o que pareciam ser, ou seja, subjugados a um dominador, os ritos afro-brasileiros do congado
assumiam uma crença européia cristã, porém, a essência de suas expressões é de origem
ancestral africana.
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Os congados ou reinados representam uma outra forma de
expressão cultural assentada na teatralização. Também eles se
fundam em uma estrutura de dupla fala e de significado mascarado,
como uma encruzilhada de significantes que manifesta,
dramaticamente, o mesmo processo de jogo e aparência que já
assinalei. Os congados são festivais consagrados a Nossa Senhora
do Rosário, a Santa Efigênia e a São Benedito. Os santos celebrados
são católicos. Assim, na superfície, a celebração é cristã; entretanto,
na estrutura latente das cerimônias e da organização ritual,
predominam padrões de expressão africanos ou afro-brasileiros. O
ritmo da percussão, a coreografia das danças, as vestimentas e
adereços dos grupos, a técnica coral e, mesmo, as letras das músicas
e cantos, que, em alguns casos, são uma mistura de antigas línguas
africanas e do português, criam um evento dramático que reatualiza
formas tradicionais de reuniões e celebrações, revivendo modelos
de teatralização de rituais africanos. (MARTINS, 1997,p59)
Assim, percebe-se nitidamente, como já discutido, a complexidade de uma manifestação
popular de origem afro-brasileira como os congados, bem como a pertinência dos valores
cênicos e dramáticos, apresentados nas mesmas, além de seu caráter eminentemente
rizomático.
Tais observações e pesquisas nos presenteiam com uma infinda quantidade de matéria prima
para um processo de criação em Dança Contemporânea, possibilitando-nos ultrapassar o rito,
não no sentido de superioridade, mas no âmbito da metamorfose, sobreposição.
Através dos significados lidos no ritual, criam-se interconexões híbridas com a dança, o canto,
os símbolos e signos do congado e suas relações com o inconsciente, e a produção em artes na
contemporaneidade, permitindo a performance transcender o congado real, porque não
pretende reproduzi-lo ou sê-lo, mas sim relê-lo, absorvendo seus sentidos e articulando-os as
temáticas atuais dos processos criativos em Dança Contemporânea.
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A performance em Dança Contemporânea inspirada nas manifestações do Congado de São
José do Triunfo – Viçosa MG, produziu uma dança que se nutre e inspira-se na cultura e
manifestações populares tradicionais brasileiras desenvolvida essencialmente com a intenção de
contemplar a todas as classes sociais sem quaisquer distinções, podendo vir a ser apreciada
pelas diferentes camadas sociais, independente de sua formação acadêmica e ou econômica,
pois ali se reflete a própria história ancestral do brasileiro, tocando nos arquétipos míticos
comuns aos seres humanos, propiciando-nos um mergulho em nossa identidade cultural e
história ancestral.
A idéia rizomática de compreensão teórica da presente pesquisa e a concepção do espetáculo
contemplam um roteiro que parte da própria compreensão do rito, em diálogo com as
vivências ancestrais dos intérpretes criadores, e as linguagens em artes contemporâneas, vídeo
instalação, coral, músicos ao vivo, poesias e Dança Contemporânea.
Partindo de vértices como o congado, a Dança Contemporânea, a ancestralidade africana, a
contemporaneidade, a pesquisa aqui proposta estende-se como uma rede até chegar à pesquisa
aqui descrita.
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3.2 - SINOPSE
Rosarina: Contas que contam memórias
Rosarina: Contas que contam memórias tem como foco uma performance - instalação de
Dança Contemporânea, que propõe uma itinerância espacial e visual e o resgate de uma inter –
herança de nossos conceitos de identidade e cultura popular, proporcionando ao público uma
interação como interlocutores da própria performance.
O público tem a oportunidade de perpassar as instalações artísticas dos espaços cênicos, nas
quais tem chances múltiplas de fruições através de imagens, que oferecem um mergulho
individual em sua própria história cultural ancestral.
Nesta performance são abordadas questões sobre a cultura afro-brasileira e sua importante
contribuição ao conceito de identidade e ancestralidade, por meio da atuação de um elenco
eclético formado por pesquisadores da cultura popular, atores, cantores, intérpretes-bailarinos,
dançarinas e coro de vozes negras da comunidade Ganga Zumba de Ponte Nova.
Tendo em vista a necessidade de repensarmos e valorizarmos a cultura popular brasileira,
como esta dialoga com a contemporaneidade e a formação de nosso povo, o espetáculo
contempla e reflete sobre os problemas sociais contemporâneos locais e globais, discorre sobre
os arquétipos e símbolos da cultura popular da Zona da Mata Mineira, especificamente, os
Congados de São José do Triunfo e de D. Quininha, de Ponte Nova, a importância da
preservação e valorização dos mesmos para compreendermos o conceito de identidade de um
povo e de seu patrimônio imaterial em tempos contemporâneos.
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3.3-TRÍADES
A produção e criação artística desta pesquisa, não só pretende mostrar os múltiplos aspectos
de nossa identidade brasileira, mas também toda a conjunção de ser afro - brasileiro em
tempos pós-modernos no Brasil. Partindo dos temas discutidos e levantados pelas
comunidades dentro do cotidiano e das suas tradições, nos contextos lidos e interpretados
durante os dois anos de pesquisa, e através de diálogos com as diferentes linguagens artísticas,
apoiados na cena contemporânea, utilizamos de interpretações cênicas, poesia, canto, dança,
projeções de imagens, instalações que permitiam interações com o público, comunidade e
intérpretes. Propomos um questionamento constante, de forma poética simbólica e sensível, de
como esses elementos podem ou não trazer à tona uma consciência e ou reflexão dos espaços
e tempos internos e externos vividos em nossa sociedade contemporânea.
Através das leituras e releituras, dos textos e subtextos vivenciados no campo e nos estúdios
durante os processos de criação, a performance foi construída, dividindo-se e subdividindo-se,
trifurcando-se constantemente em textos tríades, permeados pelo que descreverei como Real,
Virtual e Ritual, descritos em planos poéticos e simbólicos.
Assim, imagens - recortes de minha percepção artística do rito, foram transpostas para a cena
de maneira híbrida, num jogo de relações múltiplas, coexistentes e complementares, em um
primeiro momento até mesmo caóticas. Porém, com a duração das entre-cenas, todos os
símbolos e os emaranhados sígnicos se conectavam, propiciando uma leitura das redes de
continuidades descontínuas.
O espaço vivido no campo da pesquisa foi trazido para o espaço cênico, porém sem a intenção
de reproduzi-lo. Esse trazer, teve o escopo de estender ao público as sensações corporais,
sonoras, sígnicas e reflexivas do momento vivido no Congado enquanto “observador –
pesquisador - fruidor”. Tais compreensões foram re-significadas artisticamente, através do
processo criativo da performance, oferecendo abstratamente ao público uma extensão dessa
percepção, superposição, sendo projetado e percebido por meio de nossas múltiplas ações
artísticas sobre o espaço cênico, fazendo com que as releituras dos diversos sentidos sejam
sobrepostas umas às outras, criando uma lógica e uma estética sincrônica e ao mesmo tempo
dialética do ritual, virtual e real.
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Tais ideais; Ritual, Virtual e Real , serão descritos a seguir, dentro da visão utilizada no
processo de criação desta performance, remetendo-se, dialeticamente, aos contextos já
apresentados.
Ritual
O Ritual permeia a performance como o espaço da vivência de campo, transpõem-se de lá os
sentidos simbólicos e míticos, as idéias do sagrado e do profano, a fé manifestada através da
festa de maneira poética, artística e simbólica. Os moveres e as emoções geradas através destes
gestuais e ações do campo, na observação do rito, são recriados e reinterpretados através dos
processos de criação, fomentando uma dramaturgia que não reproduz a realidade do ritual,
mas sim o imaginário ritualístico e os aspectos artísticos, propondo ao público um
distanciamento do cotidiano e uma ritualização artística da cena.
Virtual
O Virtual nesta performance caracterizou-se pelos recursos audio-visuais, filtrados através da
pesquisa de campo e transpostos para a instalação cênica, de forma seletiva e em constante
diálogo com os diferentes atos e dramatizações dos intérpretes.
O Virtual tem seu papel essencial, pois pretende trazer à cena o espaço da não matéria, do não
vivido fisicamente pelo público, da metafísica, do plano das idéias do imaginário, da memória,
do subconsciente, da tecnologia que permeia e dialoga constantemente com nossa maneira de
ver e compreender nossa contemporaneidade.
O plano virtual cruza a concepção artística nos diferentes atos e tais interferências contribuem
com o hibridismo e as contextualizações das diversas linguagens artísticas propostas pelos
intérpretes e pelas releituras míticas recriadas, re - memorizadas pelo próprio público.
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Real
O Real na performance pretende trazer a consciência do efêmero do momento vivido ,
considerando suas diferentes facetas. Os atos propõem espacialidades – tempo diversos, com
uma rede de sensações de causa e efeito, que permitem uma fruição da performance, sob a
perspectiva de distintos espaços tempo, ou seja, o real da ancestralidade das dançarinas da
comunidade em cena, o real do gestual das intérpretes, o real da memória do canto entoado
naquele espaço–tempo, que pertence a ritos passados, mas que se reconta naquele dado
momento.
Sendo assim, o real aqui, é interpretado sob a égide da conscientização e absorção da obra. A
causa e efeito gerados pelas sensações originadas através da performance naquele dado
momento.
PERFORMANCE
ROSARINA
Corpo e Ancestralidade
ESTRUTURA TRIÁDICA
INCUBAÇÃO
SATURAÇÃO
ILUMINAÇÃO VERICAÇÃO
REAL
RITUAL
VIRTUAL
4.ITINERÂNCIAS CRIATIVAS DE UMA PERFORMANCE EM DANÇA
CONTEMPORÂNEA
Para melhor compreensão do processo desta criação, dividirei este relato em dois eixos -
percursos, rizoma-canal, que se ramificam em outros seguimentos e que, por sua vez, se
reconectam uns aos outros, construindo uma rede de significados, resultante na performance
em Dança Contemporânea.
No primeiro percurso, o processo de criação ampara-se na estrutura prático-metodológica das
etapas sugeridas pela pesquisadora Inaicyra Falcão dos Santos (2002), em seu livro Corpo e
ancestralidade e serão descritas a seguir.
O segundo percurso, baseia-se como dito anteriormente, na concepção rizomática
sustentando-se em uma estrutura criativa triádica. Tal estrutura será descrita a seguir sob a
perspectiva de três eixos que perpassam todo o processo de criação. São estes o Real, Ritual e
Virtual, já discutidos e demonstrados na tabela a seguir, que permite uma visualização geral dos
aspectos - temas contemplados e desenvolvidos nesta performance, para impulsionar a
estruturação do processo criativo.
A idéia desta tabela utilizada neste processo criativo, aparece nos estudos de Cohen, a qual
denomina de storyboard e leitmotiv ; “ ...no campo em que estamos definindo como work in process,opera-se
com maior número de variáveis abertas, partindo-se de um fluxo de associações, uma rede de
interesses/sensações/sincronicidades para confluir, através do processo , em um roteiro/storyboard.”(COHEN
, 2004,p 17)
A tabela demonstrada posteriormente delimita interesses, sensações e sincronicidades, que
desembocaram em signos e símbolos do Real, Ritual e Virtual, os quais deram propulsão a
todo o processo criativo, ajudando a delimitar a criação em seus múltiplos aspectos:
composição coreográfica, cenário - instalações, figurino, projeções, vídeo instalações, trilha
sonora, cantos , poemas, textos e subtextos da performance.
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Tal tabela, propulsiva da criação deste processo, pode ser identificada como leimotiv.
[...] termo leitmotiv é originário da música e literatura: uma primeira
tradução possível seria vetor, dando conta dos diversos impulsos e
tracejamentos que compõem a narrativa... a utilização de leitmotiv,
como estruturação, permite operar com redes, simultaneidades e o
puzzle em que está se tecendo o roteiro storyboard[...]Os leitmotiv
encadeiam confluências de significados, tanto manifestas quanto
subliminares, compondo, através de seu desenho, a partitura do
espetáculo. (COHEN, 2004, p25)
A tabela é o ponto de partida do segundo percurso, gerando toda a rede de criação de que um
processo em artes se alimenta para, daí então, prosseguir com suas itinerâncias.
Nos tópicos serão descritos e contextualizados os processos de criação iniciados pelo storyboard
e leitmotiv, empregados na construção dos espaços, na construção dos sentidos e na construção
da dança, que tiveram como propulsão, o quebra-cabeça apresentado na tabela.
É importante destacar que os aspectos - temas são sintetizados em palavras chaves que
compõem essa rede de significados para o processo criativo, porém, tais palavras não existem
para que sejam retratadas na cena. A palavra e seus sinônimos não se reproduzirão literalmente
na cena, mas estes ocorrerão como estímulos criativos, dos sentidos articulados aos elementos
da cena, construindo uma rede de significados múltiplos, propondo ao público a sua
transcendência.
COHEN(2004) entende que, todo esse percurso se completa com as manifestações
contemporâneas do happening e da performance, em que trabalhos como os dos artistas Allan
Kaprow (1927-2006), Joseph Beuys (1921-1986), Cris Burden (1946), entre outros, inseminam
uma nova concretização cênica, concretizações estas, similares a descrita aqui, porém, com
ênfase nas performances das artes corporais em diálogo com as outras linguagens, e não
somente nas artes visuais em performance.
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A tabela proposta aqui, estabelece uma rede de ligações tríades, rizomáticas, que também
dialogam metodologicamente com a teoria de Cohen, sob a perspectiva da abstração,
desfiguração e recriação instauração.
O transporte não-mimético na cena da poeisis é obtido por três
vias: Na cena da abstração – dimensionada de forma visionária
no movimento suprematista (movimento iniciado pelo pintor
abstracionista russo Kasimir Malevitch (1878-1935), e
caracterizado por arranjos pictóricos de austeras formas
geométricas); por via da deformação- , transporte distorcido da
cena primeira (exemplo os personagens de Maiakóvsky – uma
tragédia são “homem de uma perna”, “mulher gigantesca”) e
pela via da recriação e instauração e de uma poética.
(COHEN, 2004, p10)
Portanto, todas as palavras apresentadas na tabela foram desenvolvidas para o processo
criativo, nas três vias da cena propostas acima, ou seja, tais aspectos-temas, ao dialogarem uns
com os outros, formam uma rede de significados, as quais foram pensadas e criadas sob as
perspectivas da cena da abstração, deformação e recriação. Não reproduzindo o rito primeiro a
representação do real, ou a reprodução da manifestação popular do congado em nenhum
momento, mas sim a reinterpretando e relendo seus mitos, símbolos e arquétipos originários
para um contexto crítico e reflexivo de nossa contemporaneidade.
36
TABELA TRIÁDICA
ASPECTOS
01 02 03
TEMPORAL
PASSADO PRESENTE FUTURO
ESPACIAL
RITUAL REAL VIRTUAL
SIMBÓLICO
COROA ROSÁRIOS ESPADA
HISTÓRICO ÁFRICA PORTUGAL
BRASIL COLONIA BRASIL CONTEMPORÂNEO
ESPETACULAR
CORTEJO RODA DO MASTRO
PALCO COM TELÕES
MANIFESTAÇÃO POPULAR
CONGADO VÍDEO DOCUMENTÁRIO
PERFORMANCE EM DANÇA
CONTEMPORÂNEAINTÉRPRETES
SUJEITO A SUJEITO B SUJEITO C
RECURSOS DE CENA
DANÇA MÚSICA AO VIVO INSTALAÇÕES E PROJEÇÕES
37
Este transporte cria as redes de significado estabelecidas pelas múltiplas tríades dos aspectos -
temas desta performance. Tais tramas apresentadas na tabela são as matérias-primas criativas
para a construção dos três pilares essenciais para a compreensão do processo criativo na
prática, no momento de materialização de tais idéias.
- Construção do espaço (mítico, cênico e público) - Real
-Construção da dança (ancestral, do Brasil e contemporânea) - Ritual
-Construção dos sentidos (cultura/ ancestrais/ artísticos)- Virtual
É importante destacar que cada aspecto do processo criativo, subdivide-se em Real, Virtual e
Ritual, assim como o próprio texto desta “dissertação rizomática” e por sua vez, esses aspectos
da criação descritos acima, “re-subdividem” - se em suas especificidades.
Por exemplo: Construção do espaço em um primeiro plano relaciona-se ao contexto real,
porém em suas subdivisões contempla a tríade proposta, ou seja:
- espaço do público, relaciona-se com o Real
- espaço mítico , relaciona-se com o Ritual
- espaço cênico, relaciona-se com o Virtual
Posteriormente, cada um deles será descrito com suas especificidades, clareando suas inter-
relações no processo criativo.
Destaca-se que na prática da performance, tais construções criativas descritas teoricamente no
presente texto, não se apresentam seccionados no fazer artístico, isto ocorre, dada às
características fluídas e híbridas de uma performance em Dança Contemporânea.
38
4.1 TRAJETÓRIAS DA CRIAÇÃO ARTÍSTICA
4.1.1 -PRIMEIRO PERCURSO
CORPO E ANCESTRALIDADE
SANTOS(2004) descreve seu processo de criação dividindo a estrutura prático -metodológica
em quatro etapas. Abaixo, descreverei sucintamente, a idéia de cada uma delas e relacionarei as
mesmas com o processo de criação da primeira etapa da performance em Dança
Contemporânea.
A primeira etapa é chamada de Saturação. Consiste em um movimento de absorção dentro de
todo o conteúdo significativo de um determinado tema, mito e ou manifestação popular, no
caso o Congado de São José do Triunfo e da Comunidade Ganga Zumba. Tal absorção de
conteúdos deverá focar-se sempre procurando trabalhar o sentido prático da vivência como
protagonista da ação.
Esta etapa foi vivenciada com as comunidades através das entrevistas, criação do vídeo,
registro da história oral e troca de experiências nos repertórios de cantos e danças daqueles
contextos.
A segunda etapa é chamada Incubação. Santos em seu livro cita PETERSON, 1991, p.22, que
define muito bem essa idéia afirmando que “O subconsciente é o depósito de tudo que você aprendeu e
experimentou na vida... O relaxamento é a chave do funcionamento do subconsciente."
Assim sendo, nesse momento reorganizamos todo o material coletado e deixamos que o
mesmo de certa forma decantasse. Foram vistos, relidos e re - significados, todo o material
coletado junto às comunidades, estabelecendo-se assim uma síntese poético simbólica como a
pesquisadora sugere.
A terceira etapa, segundo a artista pesquisadora, é a Iluminação. Consiste na elaboração e no
surgimento dos primeiros personagens e formas intrínsecas - os elementos corporais, rítmicos,
vocais e visuais. É o momento do surgimento do signo e dos símbolos inspiradores.
39
Este foi o momento em que o roteiro da performance foi se materializando, os personagens,
cantos, coreografias e a instalação cênica se esboçaram em sobreposição aos aspectos virtual,
real e ritual.
Tal etapa foi fundamental para o amadurecimento e contextualização teórico prática e
organicidade dos elementos criativos utilizados para a construção do processo de construção
da performance descrito no segundo momento.
A quarta etapa é chamada de Verificação. É o momento pós - materialização do espetáculo,
ou seja, a verificação só é possível de ocorrer após todas as etapas anteriores serem concluídas
no formato artístico. Como no presente trabalho, a verificação deve articular-se também com a
segunda etapa, no que diz respeito aos percursos de criação do espaço, dança e sentidos.
Descreverei neste tópico a Verificação ocorrida na performance Rosarina, pelo escopo do
processo de criação coreográfico.
Teoricamente a artista pesquisadora, conclui “ É perfeitamente lógico que a verificação venha no final
do processo criativo, pois aplicá-la antes causaria uma interrupção no fluxo de idéias."
(PETERSON, 1991, apud SANTOS, 2002, p26)
AVerificação é composta pela união da teoria e da prática, e o momento em que a
performance artística deverá ser avaliada como um meio de comunicação – expressão. É o
momento de constatar se o vocabulário de matrizes gestuais foi mesmo pesquisado, ou seja,
deverão ser identificados os movimentos e os “gestos pertinentes, aqueles que recorreram com maior
freqüência nas danças produzidas pelo ritmo escolhido, deve-se ainda observar a organização sistemática desses
dados, visando a possibilidade da reflexão permanente dos mesmos” (SANTOS, 2002, p28).
Na etapa de Verificação, SANTOS(2002), destaca que a construção oculta do conteúdo
figurado concretamente pelo corpo deve ter uma elaboração de uma linguagem específica
Devemos também, nos certificar que a construção se dá com base concreta no ritmo e nas suas
implicações no corpo, no espaço, na qualidade dos movimentos, nos gestos e nas palavras. E
por último, averiguar se todos os elementos do tema escolhido e pesquisado, no caso o
congado, influenciam os planos objetivos e subjetivos da performance.
40
4.1.2. SEGUNDO PERCURSO
ESTRUTURA CRIATIVA TRIÁDICA
Neste percurso serão descritos os trajetos escolhidos pela pesquisadora ao construir a
performance em Dança Contemporânea e como a mesma dialoga com as traduções da
tradição, nos contextos do espaço, da dança e dos sentidos.
A estrutura criativa triádica, que passa pelos territórios da Dança Contemporânea, do espaço e
sentidos na performance, oferece-nos inúmeras direções, o foco voltado às palavras-temas da
tabela funcionam como um vetor que indica o norte desta composição, como uma bússola.
Dependendo das intempéries provindas das inter-relações dessas direções no processo criativo,
constroem-se as redes de percurso que foram aqui mapeadas, provendo-nos o registro de
nossas itinerâncias criativas.
Cada território da performance em Dança Contemporânea, reflete a topografia específica de
ações dramáticas e dos aspectos técnicos de uma montagem cênica. Estes serão percorridos e
mapeados a fim de compreendermos melhor como se deu o processo de criação aqui
concebido.
O itinerário de nossa descrição compreenderá:
-O percurso dos espaços: que itinera pelo espaço mítico, espaço cênico e o espaço coletivo.
Este trajeto compreende a visualização de como o espaço e o tempo, e essas categorias
dialogam com um espaço memorável do mito e das relações com o espaço físico da obra.
-O percurso da dança: que itinera pela dança ancestral, do Brasil e contemporânea,
compreendendo um trajeto que vislumbra o horizonte que estamos desenhando na dança
produzida e pesquisada em nosso país.
- O percurso dos sentidos: que itinera pelos sentidos da cultura, de nossas ancestralidades e da
produção dos sentidos artísticos na contemporaneidade.
41
O espaço,fora de nós, ganha e traduz as coisas:
Se quiseres conseguir a existência de uma árvore,
Reveste-a de espaço interno, esse espaço
Que tem seu ser em ti.
Cerca-a com violência
Ela não tem limite, e não se torna realmente
uma árvore
Senão quando se ordena no seio de tua renúncia.
Rilke –Poema de junho de 1924, traduzido para o francês por
Claude Vigée, publicado na revista Lês Lettres, ano 4, nºs 14,15,
16 :13
42
43 43
VIRTUAL
REAL
TRAJETÓRIAS DA CRIAÇÃO ARTÍSTICA
4.2 – O PERCURSO DOS
ESPAÇOS
REAL
-CENÁRIOS
ESPACIALIDADES4.2.3-ESPAÇO
COLETIVO
4.3.3- DANÇA e
CONTEMPORÂNEI.
4.4.3 -SENTIDOS
ARTÍSTICO
4.2.2ESPAÇO
CÊNICO
4.3.2 –DANÇA
e BRASILIDADE
4.4.1- SENTIDOS DA
CULTURA
RITUAL
4.2.1-ESPAÇO MÍTICO
.3.1 -DANÇA e
ANCESTRALIDADE
.4.2- SENTIDOS
Antepassados
4.4- O PERCURSO DOS
SENTIDOS
VIRTUAL
Imagens e impressões
4.3- O PERCURSO DA
DANÇA
RITUAL
CORPO E MOV
NOS DIVERSOS CONTEXTOS
O PERCURSO DOS ESPAÇOS
46
4.2 – O PERCURSO DOS ESPAÇOS
Para se criar uma performance em artes do corpo, a concepção do espaço é crucial e
determinante para a construção e sentido da mesma. Por isso, descreverei aqui a concepção
criativa triádica resultantes das redes sígnicas desencadeadas através do storyboard e do leitmotiv,
já explanados .
São elas:
• o espaço mítico, referente aos espaços da ritualidade na cena;
• o espaço cênico, espacialidade e funções da estrutura cênica e instalações;
• o espaço coletivo, espacialidades sociais e espaços entre os intérpretes e o público, e
suas interações.
Aqui, teoria, prática e processo criativo se encontram, buscando a explanação da criação e do
papel das espacialidades nessa performance.
Ao falarmos de espacialidades remetemo-nos diretamente à compreensão do que é o conceito
de espaço. Muitas são as teorias sobre a compreensão do espaço, porém, o que há em comum
entre estas é que o fator tempo é quase intrínseco ao espaço. Portanto, quando refiro-me a
espaço e espacialidades na construção desta performance, estou falando também de tempo e
de relatividade nos diferentes contextos. Isso ficará mais claro, à medida que dissertarmos
sobre as construções das três espacialidades trabalhadas na performance: espaço Mítico ,
espaço Cênico e espaço Coletivo.
Alguns dos teóricos e artistas aqui citados, transformaram concepções e compreensões do
espaço-tempo na física, na filosofia e nos estudos da arte e da cultura.
Em uma entrevista feita pelo físico brasileiro Prof.Dr Miroel Silveira, SCHEMBERG(1979),
disserta sobre a teoria da relatividade de Einstein .
47
[...]a coisa fundamental na teoria da relatividade, restrita foi a
compreensão de que o espaço e o tempo não podiam ser separados,
pois espaço e tempo formam um a coisa só, o que depois foi
chamado de espaço-tempo. De modo que havia um contínuo que não
era simplesmente espacial, mas que era quadridimensional, com
quatro dimensões, das quais três estariam ligadas ao espaço e uma ao
tempo, e que quanto ao espaço e tempo ficavam relativas; o espaço
era relativo e o tempo era relativo. Apenas o absoluto era o espaço-
tempo, de maneira que, quando pensávamos apenas em coisas
espaciais, sem levar em conta o movimento do observador e do
tempo, a coisa se alterava, e para um observador a coisa parecia de
uma forma, diferente para outro observador. Daí o nome de
relatividade[...] (SCHEMBERG,1979, apud SILVEIRA, 1979, p05)
Na discussão da construção dos espaços, é evidente que espaço e tempo permeiam e são
fundamentais para fruir a performance. Uma vez que a mesma, ocorre em um fluxo de
sobreposições e dialoga cenicamente com os elementos do ritual, real e virtual, (espaço) nos
planos do passado presente e futuro ( tempo).
Do mesmo modo que na física o espaço-tempo é essencial, na filosofia MERLEAU-PONTY
(1999), compreende o espaço como o “meio pelo qual a posição das coisas se torna possível... potência
universal de suas conexões”, ou seja, o ser humano é corporal, e sê-lo é estar situado no mundo, na
espacialidade deste. Logo a corporalidade tem sua função espacial em função desta conexão,
mundo corpo, compreendendo que existir é em si ser no espaço.
MERLEAU-PONTY (1999), quando afirma que “o corpo é no espaço” refere-se também que
o corpo é no tempo, pois ambos são indissociáveis, pois entendendo o espaço como unificado
ao tempo, elabora-se no corpo - espaço passado, presente e futuro.
Na arte contemporânea, um exemplo de teoria e concepção dentro das artes é a obra de
Joseph Beuys (1921-1986), artista que desenvolveu uma linguagem das artes diferenciada,
dentro do espaço tempo na sua “teoria da escultura” e “Teoria da escultura social”, cujos
conceitos ajudaram-nos a expressar nossa concepção de espaço - tempo nesta performance.
48
Em várias obras de Beuys, como, “O chefe” (1964), “ 24 horas em nós e abaixo de
nós....embaixo da terra” (1965), ou em “Como explicar quadros a uma lebre morta” (1965), o
artista faz intervenções no espaço-tempo utilizando-se do corpo, sons, objetos, texturas e
esculturas/instalações, assim como nós nesta performance. Acerca da concepção espaço-
tempo, também disserta:
É certamente importante romper com o conceito físico de tempo e
eu acredito ter tido sucesso em desafiar isso através de um tempo
extremamente longo junto com movimentos extremamente lentos(...)
O tempo em seu discurso normal – como o tempo de um dia, por
exemplo – é simplesmente o lado físico do tempo(...) Você pode
imediatamente relacionar o espaço que ocupa a condição física já
dada de uma mesa. Mas inerente a isso há algo morto (...) Então a
mesa cabe neste conceito de espaço (morto). Na física moderna, o
conceito de tempo é completamente ligado ao espaço, como um
contínuo, e isto é correto: uma vez que ambos são espaciais, ou neste
sentido, temporais – espaciais. Eles são físicos como corpos. E eu
tento(...) tornar isto visível(...). ( TISDALL,1979, p98)
O espaço - tempo na cultura, também são idéias fundamentais para Homi K. Bhabha (2005).
A concepção de espacialidade e cultura, para ele é semelhante a qual esta performance
pretende expressar. O autor, disserta sobre o discurso colonial , relações de poder, conceitos
de hibridismos e pós - estruturalismo, propõe o lugar da cultura como o entre lugar deslizante
e marginal. E reforça a idéia de espaço-tempo como elemento essencial e formador das
mentalidades da cultura social e política , seja essa ancestral e ou contemporânea.
49
Quanto ao espaço cênico e a influência da produção cultural no espaço reflexivo das artes
contemporâneas:
[...]é o espaço da intervenção que emerge nos interstícios culturais
que introduz a invenção criativa dentro da existência. e , uma última
vez, há um retorno à encenação da identidade como interação, a re-
criação do eu no mundo da viagem, o re-estabelecimento da
comunidade fronteiriça da migração. O desejo de reconhecimento da
presença cultural como “atividade negadora”,( ....) afina-se com
minha ruptura da barreira do tempo de um “presente”culturalmente
conluiado[...] (BHABHA, 2005,p29)
Logo, sejam quais forem as perspectivas do espaço-tempo, e suas utilizações nos contextos da
física, da filosofia, das artes, ou da cultura, percebe-se que tais teorias formam uma rede com
nossas concepções na construção do espaço nesta performance, e que estas também são
essenciais para a expressão dos significados da mesma.
Em seguida, compreenderemos como o espaço da cena se estabelece não somente no espaço
físico - lugar, mas, sobretudo na passagem do real para a representação, e como se dá essa
passagem, nas três construções dos espaços propostos. COHEN(2004) define tal espacialidade
relacionada ao espaço cênico, como Topos, e o mesmo conceito será adotado para melhor
compreensão do processo criativo para a construção destes espaços.
Será nesse Topos ( lugar físico,psicológico, filosófico) que se darão as
relações entre os dois pólos definidos da expressão cênica (atuantes-
público). Essas relações ocorrem através do texto, por intermédio do
qual acontecerão todas as transposições características da arte (
passagem da vida para a representação, do real para o imaginário
simbólico,do inconsciente para o consciente,etc). (COHEN,
2004,p116)
50
Portanto o topos desta performance, não limita-se apenas à descrição do cenário e do espaço
cênico , mas transcende-a partindo da concepção de Topos.
[...] se tivermos em mente um modelo topológico, a
performance funcionará como uma linha de frente, uma arte de
fronteira,que amplia os limites do que ser classificado como
expressão cênica, ao mesmo tempo em que, no seu movimento
constante de experimentação e pesquisa de linguagem, funciona
como um espaço de rediscussão e releitura dos conceitos
estruturais da cena (forma de atuação, forma de transpor o
objeto para a representação, relação com o espectador, uso de
recursos, uso da relação tempo-espaço, etc).
(COHEN, 2004, p116)
A seguir, será descrita a topografia no processo criativo das construções das espacialidades na
performance, “Rosarina : contas que contam memórias”.
51
4.2.1 -ESPAÇO MÍTICO
Retomando o cerne de nossa inspiração para o processo criativo, o Congado de São José do
Triunfo, os signos, símbolos, mitos herdados da cultura africana que permeiam este rito, nos
debruçamos na compreensão desse espaço mítico que é atemporal e extemporâneo, e que nem
por isso deixa de ter seu local ancestral.
"Viver" os mitos implica, pois, uma experiência verdadeiramente
"religiosa", pois ela se distingue da experiência ordinária da vida
quotidiana. A "religiosidade” dessa experiência deve-se ao fato
de que, ao reatualizar os eventos fabulosos, exaltantes,
significativos assiste-se novamente às obras criadoras dos Entes
Sobrenaturais; deixa-se de existir no mundo de todos os dias e
penetra-se num mundo transfigurado, auroral, impregnado da
presença dos Entes Sobrenaturais. Não se trata de uma
comemoração dos eventos míticos mas de sua reiteração. O
indivíduo evoca a presença dos personagens dos mitos e torna-
se contemporâneo deles. Isso implica igualmente que ele deixa
de viver no tempo cronológico, passando a viver no Tempo
primordial, no Tempo em que o evento teve lugar pela primeira
vez. É por isso que se falar no "tempo forte" do mito: é o
Tempo prodigioso, “sagrado", em que algo de novo, de forte e
de significativo se manifestou plenamente. Reviver esse tempo,
reintegrá-lo o mais freqüentemente possível, assistir novamente
ao espetáculo das obras divinas, reencontrar os Entes
Sobrenaturais e re-apreender sua lição criadora é o desejo que se
pode ler como em filigrana em todas as reiterações rituais dos
mitos. Em suma, os mitos revelam que o mundo, o homem e a
vida têm uma origem e uma história sobrenaturais, e que essa
história é significativa, preciosa e exemplar. (MIRCEA
ELÍADE, 1972, p22)
52
No princípio da performance, “Rosarina: contas que contam memórias”, ouve-se ao longe o
reverberar dos tambores e os passos de um cortejo que ecoa seus cantos de memórias de
coragem, fé e resistência. Corpos carregados de história se manifestam rememorando um
tempo primordial, transportando os corpos da espacialidade cotidiana do público, a uma
reiteração mítica, com suas próprias referências de coragem, fé e resistência.
O cortejo prossegue sua caminhada até chegar a primeira instalação – roda mastro, nesse
espaço cênico é entoado cantos e introduzido os símbolos matriciais do espetáculo. Três
estandartes com as figuras da coroa, espada e as sementes. Para cada um destes, uma canção
diferente é entoada, buscando uma ritualização cênica, convidando o público ao silêncio
interior e a conectar-se com suas memórias e seus sentidos com o sagrado.
Foto: Reyner Araújo
A cena nada tem de religioso, porém propõe um espaço do sagrado, por ser este um momento
de introspecção e quebra do topos cotidiano, um espaço para a relembrar o tempo da memória
mítica e do espaço vivido. “O tempo não pode desaparecer sem deixar vestígios, pois é uma categoria
espiritual e subjetiva, e o tempo por nós vivido fixa –se em nossa alma como uma experiência situada no
interior do tempo.”( TARKOVSKY, 1998, p 66) .
53
E continua dissertando a respeito da re – memoração:
A história não é ainda o Tempo; nem o é, tampouco, a
evolução. Ambos são conseqüências. O tempo é um estado: a
chama em que vive a salamandra da alma humana....[...]Privado
da memória, o homem torna-se prisioneiro de uma existência
ilusória;ao ficar à margem do tempo, ele é incapaz de
compreender os elos que o ligam ao mundo exterior _ em
outras palavras, vê-se condenado à loucura..
( TARKOVSKY, 1998, p64)
Logo, o topos dessas primeiras interações cênicas entre intérpretes - público, mapeiam as
primeiras direções da performance proposta, possibilitando ao público reaprender e re-
significar sua lição criadora, a origem história significativa de sua essência. O mito do início,
das oposições, dos constantes combates, materializa-se simbolicamente. Alto e baixo, sagrado
profano, dia e noite, bem e mau, paz e guerra, rico e pobre, quente e frio, fartura e miséria,
todos esses significados são trazidos ao espaço cênico através da roda mastro repleta de tochas
de fogo de diferentes tamanhos e de pequenas lamparinas de velas que o público carrega. Ao
centro um grande mastro consome o fogo que é o marco inicial da performance, e à medida
que o espaço mítico desse topos estrutura-se e acontece com seus intérpretes nas danças e
cantos, são introduzidos os estandartes com os signos matriciais da performance.
Assim como na performance, esses múltiplos elementos cênicos se sobrepõem na busca da
construção dessa topologia inspirada no ritual original do congado, os próprios rituais afro-
brasileiros tem sua lógica de sobreposições e hibridismos.
54
Os rituais religiosos funcionam como expressão de um princípio
estrutural dialético, um intertexto que traduz, conceitual e
formalmente,uma visão de mundo diferencial, um cruzamento
semiótico discursivo, que explora padrões de referência culturais
distintivos, fabulando,na encruzilhada dos conflitos e tensões e
na urdidura da trama, o esboço de uma identidade alternativa
para as personagens e para esse próprio .
(MARTINS, 1997, p102)
Deve-se ter em mente que o sentido sagrado da performance, ocorridos naquele espaço-
tempo, não é religioso. Todavia busca a transcendência dos lugares comuns, dos espaços
cotidianos num mergulho ao conhecido, desconhecido, ou seja, o mergulho interior nas
histórias pessoais conhecidas, que nos levam há caminhos ancestrais que re-atualizam os mitos
dentro de nós, por vezes desconhecidos.
MIRCEA ELIADE (1972), reconhece que algo é sagrado, quando ele é transcendente, e para
que isso aconteça ele pode ser vivido ritualmente a partir de uma realidade desvelada, sendo
assim parte integrante da vida humana. “Esse mundo "transcendente" dos Deuses, dos Heróis e dos
Ancestrais míticos é acessível porque o homem arcaico não aceita a irreversibilidade do Tempo. Como
constatamos por diversas vezes, o ritual abole o Tempo profano,cronológico, e recupera o Tempo sagrado do
mito.” (MIRCEA ElIADE, 1972, p124)
Na ótica de Mircea Eliade o contato com as tradições míticas, também tornam o homem
contemporâneo, mais apto a viver e enfrentar as diversidades dos espaços internos e externos
construídos diariamente em sua existência, ajudando-o a construir o espaço - tempo “real”.
55
A revolta contra a irreversibilidade; do Tempo ajuda o homem a
"construir a realidade" e, por outro lado, liberta-o do peso do Tempo
morto, dando-lhe a segurança de que ele é capaz de abolir o passado,
de recomeçar sua vida e.recriar o seu mundo.A imitação dos gestos
paradigmáticos elos Deuses, dos Heróis e Ancestrais míticos não se
traduz numa "eterna repetição da mesma coisa”, numa total imobili-
dade cultural. (MIRCEA.ELIADE, 1972, p125)
Tal introspecção, propiciada pelo espaço mítico desta topologia, rememora nossas próprios
mitos interiores e nos possibilita seguir em frente, transportando-nos para um espaço externo,
mas ainda de passagem.
56
4.2.2ESPAÇO CÊNICO
Após a roda-mastro e do momento introspectivo, observa-se três estandartes fixados a terra,
simbolicamente remetendo-nos a cultura deixada a nós pelos ancestrais. Vê-se uma mulher e
uma criança pequena a brincar de roda no centro da cena, no alto dos estandartes tremulam as
bandeiras com os três primeiros símbolos matriciais da performance (coroa, espada e semente)
formando um corredor, no qual os intérpretes percorrem convidando o público a seguirem-no.
Ao fundo desse corredor há uma cortina, chamada por nós, de cortina da ancestralidade, cada
fio desta cortina forma um rosário da memória da própria pesquisa, fios da memória da
própria comunidade e seus símbolos - sentidos.
A trilha sonora é uma antiga cantiga de roda chamada Alecrim, e a mesma é cantada por três
gerações de mulheres, a primeira uma criança ainda pequena, a segunda uma mulher de meia -
idade e a terceira uma anciã. Todas cantam as mesmas palavras e que novamente nos faz
mergulhar em um lugar da memória dentro de nós.
“Alecrim , alecrim dourado
que nasceu no campo
não foi semeado
Oh, meu amor
Quem me disse assim
Que a flor do campo era o
Alecrim...”
Canto popular – domínio público
Simultaneamente a sonoridade da cantiga, o público é convidado a interagir na instalação
cênica da cortina da memória, desvelando os fios da memória, os quais também são divididos
em três temas.
57
A primeira etapa da cortina é formada por
flores de garrafas PET de plástico cortado,
retorcido e pintados, formando um
emaranhado de flores que caem do alto para a
terra, remetendo-me ao canto do ritual, “tá
caindo fulô, tá caindo fulô , cai do céu, cai na
terra, ohhh ta caindo fulô.” As flores,
propõem uma metáfora de tradição e
tradução, contemporaneidade e
ancestralidade, as flores elementos recorrentes
no canto, roupas e decoração dos congados.
Na instalação as mesmas são feitas de
materiais reciclados e que demoram um longo
tempo para desaparecerem da terra, são
metamórficas e utilitárias, comprovando seu
poder de resistência ao tempo.
A segunda etapa da instalação são corações de
isopor, pintados com as cores da
manifestação do Congado de São José do
Triunfo. Trazer a idéia de coração para a
instalação é remeter o público aos aspectos
viscerais, da resistência e perseverança do
viver e da perpetuação de uma tradição. Um importante aspecto da instalação é que tais
corações são feitos de lixo reciclado provenientes de pratos de isopor.
A terceira e última etapa da cortina da ancestralidade são fotos antigas e atuais do Congado de
São José do Triunfo, seus anciãos, crianças e membros adultos da comunidade em fotos
dentro do rito e no cotidiano contemporâneo, registradas durante os dois anos de pesquisa a
campo.
Cada integrante da performance, intérpretes e público perpassam esse “portal instalação” da
cortina da ancestralidade e após essa passagem é desvelada a topologia cênica seguinte, o
58
espaço do mergulho, as tantas contas que narrarão, as memórias propostas para a performance,
o ir ao “além” descrito por BHABHA (2004):
“Além”,significa distância espacial, marca um progresso, promete o
futuro; no entanto, nossas sugestões para ultrapassar a barreira ou o
limite - o próprio ato de ir além – são incognicíveis,
irrepresentáveis, sem um retorno ao “presente”, que no processo de
repetição, torna-se desconecto e deslocado. O imaginário da
distância espacial - viver de algum modo além da fronteira de
nossos tempos – dá relevo as diferenças sociais, temporais, que
interrompem nossa noção conspiratória da contemporaneidade
cultural.(BHABHA, 2004, p23)
Deste modo, o ir “além” para a performance aqui apresentada, é iniciado através do desvelar
da cortina ancestral, da conscientização dos espaços externos - internos, e internos - externos,
e prossegue sua trajetória de reflexões, rememorações e questionamentos sobre os planos Real,
Ritual e Virtual, do estar nesse tempo espaço do hoje, através da arte realizada no topos da
cena da performance.
Após esse figurativo rito de passagem proposto na cena, o público depara-se com noventa
cadeiras em semicírculo que propõe um espaço arena, circundado por quatro andaimes, quatro
bambus com tochas de fogo no alto e um telão de 4m de altura por 8 m de largura. Verifica-se
que a proporção que a performance vai se desenvolvendo, cada topos seguinte é mais
elaborado.
O corpo interferindo no espaço - tempo da instalação, e o material de que é formado a cortina
da ancestralidade, propicia aos participantes um momento de ação e conceituação, no ir
“além”, para Joseph Beuys, “o que buscava em suas performances/ações não estava ligado a
questões estéticas ou formais: o importante era demonstrar de maneira visual uma declaração
sobre seu modo de ver a vida e a arte.” (ROSENTHAL ,2002, p76)
Beuys em sua “Teoria da escultura”, tem como base a ação e os conceitos:
59
[...]procura recorrer a estados que não são intelectualmente
compreensíveis, ou melhor, diretamente compreensíveis. E no tempo
de absorção do movimento interno de cada pessoa de tentar
transformar uma imagem intuitiva em algo racional e ordenado, está o
processo de moldagem primária da escultura , a moldagem do
pensamento. Sua passagem do estado caótico e sem forma para um
estado ordenado e intelectualizado. (ROSENTHAL, 2002, p77)
Portanto ao passar a Cortina da Ancestralidade, ao perceberem suas cores texturas e fruírem o
aparente caos da passagem, o público assenta-se na sonoridade da canção do Alecrim, e tem
um tempo de pausa, tempo de absorção do movimento interno, reorganizando a partir de seus
repertórios/ ancestralidade, o seu processo de “moldagem primária”.
Depois do tempo de pausa, a performance prossegue no espaço da arena com vídeo -
instalações, coral, e Dança Contemporânea.
60
61
4.2.3ESPAÇO COLETIVO
“..... o espaço é a acumulação desigual de tempos.”
Milton Santos
A interação proposta na topologia seguinte: do espaço coletivo está em um nível menos físico,
ou seja, trata-se da compreensão topológica simbólica da coletividade, referente
essencialmente, ao campo das idéias, reconhecidas na filosofia como metafísicas. É a reflexão
de como o espaço e como as significações interpessoais e intrapessoais se estabelecem no
espaço da cena.
O público, ao assentar-se no espaço semicircular da arena criada para a performance, é alvo de
inúmeros estímulos visuais e informações poéticas, simbólicas e sensíveis, expressas através das
artes visuais e do movimento. Ao interagir com os cantos, danças, imagens e com as projeções
visuais no cenário-tela/ vídeo-instalações, depara-se com redes significativas de temáticas
contemporâneas, vividas no seu corpo inconsciente, social e conseqüentemente cultural
ancestral.
Tarkovsky (1998), acredita que arte e comunidade são parceiras, e que a arte utilizada de
maneira sadia enobrece o homem e suas comunidades, ajudando a cultura de um determinado
grupo a se manter viva. Daí, sua importante influência nas comunidades, isso porque sem a
arte não é possível que a vida germine.
A arte enobrece o homem pelo simples fato de existir. Ela cria
aqueles vínculos intangíveis que unem o gênero humano numa
comunidade e aquela atmosfera moral em que, como num meio de
cultura, a arte irá novamente germinar e florescer. De outro modo, ela
se transformará numa planta brava, como uma macieira em um
pomar abandonado. Se a arte não é utilizada de acordo com a sua
vocação, ela morre, e isso significa que ninguém precisa dela.
(TARKOVSKY, 1998, p 219)
62
No tocante a enobrecer, não se trata aqui de apenas uma idéia “romântica”, “sublime”, da arte
como enriquecedora de valores relacionados somente ao belo e ao bom, mas de dignificar no
plano reflexivo da estética e da crítica, das relações sociais e também das conscientizações dos
conflitos sociais, coletivos.
É a esta arte a que nos referimos, a que se encaixa nas concepções de Beuys, enquanto modo
de ver a vida nos contextos e valores da contemporaneidade, nas de Inaicyra Falcão dos
Santos, quando compreende que arte produzida, não se desvincula dos valores ancestrais
recebidos de uma determinada cultura, responsável por nossas crenças e formações primeira, e
que depois será aperfeiçoada através de técnicas específicas e escolhas dos múltiplos caminhos
da contemporaneidade, e sua ética – crono - ética.
O alicerce é a relação humana, o respeito ao outro, às diferenças e a si
próprio. Adquirir atitude etno-crono-ética revela que existe uma outra
noção de tempo e espaço, uma nova dinâmica, a de imergir no próprio
corpo e dizer este corpo é assim, tem essa memória, tem esse movimento,
tem essa qualidade. É despertar, ainda, para a necessidade do cuidado em
suas ações, a atividade própria do intérprete a partir de suas
possibilidades dentro do conteúdo proposto. Possibilita a conscientização
de transformações constantes, a vivencia e o respeito à diversidade plural
da qual fazemos parte. É desmistificar estereótipos, ampliando
horizontes, apontando assim, para um novo espaço de valorização das
relações saudáveis. O conteúdo toma a forma na sensibilização,
percepção, conscientização do corpo; nas ações corporais ancestrais e
textos míticos.(SANTOS, 2007, p02)
Este novo espaço, das relações saudáveis, vivenciado através e pelas artes, organiza o espaço
coletivo, reforça as habilidades e qualidades expressivas dos membros desta comunidade, e
revaloriza a cultura produzida por estes, equalizando os dramas sociais cotidianos.
De certa forma a discussão sobre o espaço coletivo dentro da performance, é uma discussão
quase antropológica, concernente à área de estudos antropológicos das formas expressivas, é uma
discussão sobre a noção de performance e drama no campo das ciências sociais. Apontaremos
63
abaixo alguns teóricos que dissertam sobre esses temas , mas ao dissertarmos sobre tais temas
migraríamos para uma outra raiz/rizoma a ser aprofundada, em outro contexto. Acreditamos
que tais pesquisadores devem ser mencionados, pois eles trazem significativas contribuições
para esta discussão, entre eles estão: Victor Turner (1982, 1987), Edward Bruner (1986),
Clifford Geertz (1978, 2001), Michael Taussig (1993), Richard Schechner (1985, 1988) e John
Dawsey (1999), que buscaram discutir tais contextos sobre as perspectivas dos “dramas
sociais”.
Salienta-se aqui uma das idéias de TURNER (1987), que esclarece-nos sobre os dramas sociais
na topologia coletiva, “...dramas sociais, correspondem a "units of aharmonic or disharmonic social process,
arising in conflicts situations.[...] portanto, entendido como unidade constitutiva do processo social.
(TURNER, 1987, p74)
Segundo BRITTO(2005), Turner procurou demonstrar como nos momentos mais críticos da
sociedade os "dramas sociais" tendiam a aparecer com mais freqüência. Deixando claro, a
relação entre ritual e conflito. Reforça que no processo da vida social, os dramas emergem
demarcando a relação dialética entre "estrutura”-realidade cotidiana e “anti-estrutura”-
momentos extraordinários , dramas sociais.
Partindo da idéia que arte é parte de nosso cotidiano e está vinculada a experiências vividas,
que ambas convergem para os dramas sociais, resultado das relações ritual e conflito,
afirmamos que o espaço coletivo, compreendido como tal é indispensável na formação do
nosso “eu”, e atua como agente conscientizador de nossa coletividade e ações relacionadas a
ela. .“O tempo constituí uma condição da existência do nosso “Eu”. Assemelha – se a uma espécie de meio de
cultura que é destruído quando dele não mais se precisa, quando se rompem os elos entre a personalidade
individual e as condições da existência. (TARKOVSKY, 1998, p64)
Logo, estarmos produzindo em uma performance contemporânea elementos ancestrais de uma
tradição, propicia-nos a reflexão e a retomada (ou não) dos valores coletivos, estéticos e
culturais, sugeridos por um determinado grupo social; a irmandade de Congadeiros de São José
do Triunfo e a Comunidade Ganga Zumba, em um determinado espaço, Zona da Mata
Mineira.
Neste caso, constata-se que não só na performance , mas também no próprio espaço do rito
de São José do Triunfo, nos tambores do Ganga Zumba, o espaço-tempo daquele evento é,
sem dúvida alguma, um ato comunitário, e tal fato é contado a nós pesquisadores pelos
64
congadeiros e músicos , que o fazer coletivo é parte da educação dos antigos, ou seja, é um ato
ancestral que ainda se reverbera nos espaços da contemporaneidade.
MARTINS(1995), demonstra o quanto a cultura de origem africana tem em seu cerne a idéia
de evento comunitário e a atribuição que lhe é dada através dos “dramas sociais”.
[...]A elaboração de uma linguagem cênico-dramática que atraia
e estimule a platéia, recuperando, para o teatro, sua concepção
de evento comunitário. Este, pela representação coletiva e do
coletivo, assim uma fala lúdica e dinâmica que induz a
sociabilização, a catarse, o movimento, a ação e o compromisso
do esplendor. (MARTINS, 1997, p87)
Joseph Beuys e Böll, em seu referendo livre - manifesto de 1971, busca uma unidade na
diversidade e afirma que:
Apenas a arte é capaz de desmantelar os repressivos efeitos do
antigo organismo social que continua a vigorar [...] ( conflitos
dos dramas sociais, grifo meu)[...] e deve ser desfeito para a
construção do “Organismo Social Como Um Trabalho De
Arte”. A mais moderna disciplina de arte – escultura
Social/arquitetura Social – apenas poderá fluir quando todas as
pessoas se tornarem criadoras,[...]arquitetos do organismo social.
Nós temos que sondar a origem da livre potencialidade da
produtividade individual (criatividade). A capacidade humana de
tornar os pensamentos ativos, em suas mais amplas formas[...]
(DURINI, 1997, p44)
Portanto, pertencer a uma comunidade, incorporar seus valores e repensá-los em um contexto
atual, é primordial para uma sociedade, mais eficaz no presente.
Nesta perspectiva, não basta apenas repensar tais contextos, é preciso presentificá-las e
compreendê-las no constante moto de construção do hoje :“O Atual (presente) é tanto mais difícil
de apreender, nas fases em que a história se acelera, quando nos arriscamos a confundir o real com aquilo que
65
não o é mais[...]o que se acha diante de nós é o agora e o aqui , a atualidade em sua dupla dimensão temporal e
espacial.” (SANTOS b, 2004, p14)
E no tocante às tradições e ao passado e sua presentificação o autor afirma:
O passado passou, e só o presente é real, mas a atualidade do
espaço tem isto de singular: ela é formada de momentos que
foram, estando agora cristalizados como objetivos geográficos
atuais; (“topologia”, grifo meu) essas formas-objetos, tempo
passado, são igualmente tempo presente enquanto formas que
abrigam uma essência, dada pelo fracionamento da sociedade
atual. Portanto o momento passado já não é, nem voltará a ser,
mas sua objetivação não equivale totalmente ao passado, uma
vez que está sempre aqui e participa da vida atual como forma
indispensável à realização social.[...] Todavia estamos
acostumados a pensar que o passado está morto, e que nada do
passado pode ser também presente . (BERTRAND, 1966, apud
SANTOS a, 2004, p14)
O Mastro, na performance ritual, representa a “ritualística da passagem”, na cortina da
ancestralidade, a multiplicidade de linguagens artísticas: com danças, poesias, cantos e vídeo-
instalação no “espaço semicircular”, revivem o espaço mítico do passado e propõem visões
reflexas dos papéis ocupados pelas forças conflitantes na sociedade; etnia, preconceito,
relações de poder, e suas possibilidades, são refletidas na performance como um espelho
atemporal que busca nas memórias dos repertórios passados, posturas conscientes no presente.
66
Roda mastro Performance
Rosarina
67
68
PERCURSO DA DANÇA
69
4.3 PERCURSO DA DANÇA
Dando continuidade aos percursos de construção da performance em Dança Contemporânea,
enfocaremos um outro ramo de nossa raiz/caule/rizoma. Será descrito o processo triádico da
construção da dança nesta performance.
Ao pensarmos em dança, compreendemos que o corpo e movimento são essenciais à mesma,
ambos acontecem dentro de um espaço-tempo, logo, o primeiro foco a que nos voltamos, é o
próprio título deste trabalho: “Itinerâncias e Inter-heranças: do ritual do Congado da Zona
da Mata Mineira, ao processo de criação da performance em Dança Contemporânea”. O corpo
que itinera percorre diferentes espaços e tempos, e herda conhecimentos deixados por nós
pelos ancestrais, assimilando seus “corpus culturais”. Dentre esses repertórios encontra-se latente
o ato de dançar .
Este corpo, dentro da matriz pesquisada do Congado da Zona da Mata Mineira, é
essencialmente um corpo que dança, canta, atua, com um corpo performático, carregado de
cultura e tradições, que presentifica o passado, em questões essenciais do presente.
Dançar é compreendido por muitos, como uma das artes mais primitivas do homem; dançava-
se em rituais de colheita, fecundidade, caça, morte e vida. A dança nas civilizações primitivas
estava intimamente ligada ao cotidiano vivido e conseqüentemente ao sagrado.
Se dançar é sinônimo de movimento, gesto e continuidades dentro de certas regras e medidas,
dançar necessariamente, também é estar no espaço-tempo.
O corpo que dança carrega e integra manifestações mentais,
emocionais e fisiológicas em simultaneidade à variante espaço
temporal. A dança encontra-se, dentro do conjunto das artes
dinâmicas, caracterizada pelo efêmero, tendo como elementos
fundantes a tríade corpo/espaço/tempo.
( PRONSATO, 2003, p24)
70
Logo, se ampliarmos nosso olhar sobre a dança e sua trajetória no espaço-tempo da
humanidade, compreendemos que ela permeia toda a existência humana, nos ritos tradições,
entretenimento e reflexões do viver. Ao afirmar isto, parto de uma totalidade corpórea onde a
dança vai além de uma performance, no sentido de apresentação virtuosa, mas refiro-me aqui
aos conteúdos intrínsecos e subjetivos da mesma.
Ao focarmos nos focar neste tópico, “o percurso da dança”, dividiremos nossa discussão-
reflexão, triadicamente, quando será proposta, a construção da dança sob as seguintes
perspectivas:
DANÇA ANCESTRAL, como a cultura é formada pelas danças provindas de nossos
ancestrais, e como a mesma é geradora de tradições dentro de uma determinada cultura..
DANÇA DO BRASIL, como essa cultura brasileira, que tem a dança arraigada em suas bases,
produz, ou não, uma dança permeada pela brasilidade, e como essas discussões anteriores
deságuam na DANÇA CONTEMPORÂNEA.
Tais contextos da dança, ancestrais, brasileiros e contemporâneos, são temas diretamente
ligados ao processo de criação dessa performance em Dança Contemporânea.
E para que não nos desconectemos da rede rizomática, no processo de construção da dança,
voltamos nosso olhar para a simplicidade do cotidiano espaço-temporal, nos aspectos do
Ritual, Real, e Virtual.
Quando uma família se reúne, esses se juntam em um espaço-tempo para celebrar a vida, a
morte ou inícios e términos de ciclos. Nesses momentos, há sempre movimento, gesto e
múltiplas ações. Se esses moveres forem um estilo específico de dança, ou um dançar livre com
sons característicos daquele contexto, podemos ver que as gerações ali reunidas absorvem uma
espécie de conhecimento que transcende o cotidiano vivido, e nos dá a possibilidade de
perpetuação desse mesmo conhecimento por muitas descendências, porque isso é um corpo de
cultura. Aprofundaremos tal conteúdo no tópico dança ancestral deste capítulo – vinculado ao
aspecto ritual.
71
A seguir, refletindo nosso cotidiano enquanto pesquisadora, constatamos que muito se fala de
dança “do Brasil” , “no Brasil”, e muito se produz de dança “sobre o Brasil”, ( NAVAS,
1999), no entanto compreender os respectivos espaços tempos dessa brasilidade e a produção
cultural advinda desses é muito complexo. A pesquisadora Cássia Navas, definidora dos
termos acima ajudar-nos-á nessa árdua tarefa; contextualizar nossa performance na construção
da dança do Brasil, no Brasil e sobre ele – vinculado ao aspecto real.
Na terceira e última tríade relacionada ao percurso da dança, discutiremos a performance
Rosarina, na Dança Contemporânea, apontando reflexões sobre a mesma no contexto
contemporâneo vivido e seu papel na formação das mentalidades da dança no Brasil -
vinculado ao aspecto virtual.
Tal tópico pretende refletir a importância da produção em dança no Brasil, seu poder de
registro e perpetuação da memória, sua função estética e seu teor enquanto instrumento
reflexivo de nossa formação cultural e geradora de arte.
72
4.3.1 DANÇA E ANCESTRALIDADE
“A Identidade é um ato de pertencer a aquilo que nos pertence”.
Jorge Barbosa
Compreendemos que no passado primitivo, as danças estavam extrinsecamente ligadas aos
rituais, ao corpo e a cultura de uma determinada comunidade, eram carregadas de valores e de
significados. Para repensarmos este contexto, voltaremos nosso olhar para as bases do
conceito de cultura, corpo e ancestralidade, e a relação dessas com os contextos do espaço –
tempo.
Iniciando pelo conceito de cultura, sob a perspectiva de BOSI(1987), observamos a
morfologia da palavra cultura: CULTURA, parte da idéia de culto e colonização, ambas
derivam do mesmo verbo latino colo, cujo particípio passado é cultus, e o particípio futuro é
culturus., ou seja, Colo, significou, no latim antigo, “eu moro”, “eu ocupo a terra”, e por extensão, “eu
cultivo o campo”. Bosi continua sua reflexão apontando que Cultus, não trazia apenas a questão
recursiva do cultivar, mas também, a resultante desse trabalho. Então, o ato do cultivar trazia
em si os ensinamentos e tradições das ações corpóreas dos mesmos e o próprio resultado de
tais ações. “Logo cultus não é apenas a nomeação de um Labor presente, é também, a memória coletiva de
uma comunidade que produziu este labor, ou seja, a palavra ENCARNA tanto o processo como o produto.”
(BOSI,1992, p42)
Conseqüentemente, o conceito de cultura para Bosi, consiste na idéia de pertencer.
Aprofundando-nos em tal idéia, Cultus se refere ao que foi trabalhado sobre a terra – cultivado,
não só o alimento em si, mas também seus ancestrais. O ato de produzir engloba
corpo/espaço/tempo.
Seguindo esse paradigma, Bosi afirma que a palavra Cultus engloba também o que foi
trabalhado sob a terra – os mortos (que devem, agora, ser cultuados).
73
Tais ancestrais cultuados nos ensinam o cultus do viver, como plantar, colher, como lidar com
as dificuldades do cotidiano, com base nas experiências advindas de sua corporeidade e seus
mitos em um determinado tempo e espaço. À medida que vamos evoluindo, nossos
repertórios corporais e no caso, o cultus, também são ampliados e ao morrermos deixamos tal
cultura para as próximas gerações.
Dando continuidade a essa análise, BOSI(1992, p51) ainda afirma, “Culturus significa; o que se
vai trabalhar, o que se quer cultivar. Aplica-se ao solo –agricultura, quanto aquele feito no próprio ser humano
– cultura”
Assim, essa rede de compreensão nos leva a entender que cultura está diretamente conectada a:
espaço-tempo, territorialidade e identidade cultural, e que estes nada mais são, que os próprios
contextos da ancestralidade.
Se cultura compreende também, a forma pela qual o homem encontra o mundo e se vê, logo ,
essa possibilidade cognitiva das formas da cultura está intimamente ligada às condições de
pluralidade de suas inscrições territoriais.
Ter identidade cultural é pertencer a aquilo que nos pertence, como diz BARBOSA(2004) no
início deste tópico. Se tomarmos consciência de nossa cultura, nos apropriarmos dela, seremos
indivíduos mais ativos e conscientes de nosso papel social .
E o que tudo isso tem a ver com a construção da dança ancestral?
Segundo DAOLIO(1994), é por meio do corpo, que o homem assimila a cultura e a
incorpora. Se dançar é sinônimo de movimento e do gesto, propiciados por um corpo que
incorpora o cultus de um determinado contexto territorial, já explanado anteriormente. Então,
o ato de dançar e repassar os conteúdos advindos desse mover, esta por sua vez intimamente
relacionado ao contexto territorial e ancestral.
SANTOS b(2002) , afirma “[...] O território é o fundamento do trabalho, o lugar da resistência, das trocas
materiais e espirituais e do exercício da vida.” Tal trabalho, material e espiritual no serviço da vida,
encaixa-se perfeitamente `a idéia de cultura/cultus/culturus de BOSI(1992) , que por sua vez
dialogam perfeitamente com a teoria do Corpo e Ancestralidade,SANTOS a(2002).
74
Seriam essas trocas, sinônimos dos mitos e arquétipos construídos por uma determinada
comunidade e cultura, em um determinado território. Ao serem transmitidas, essas
informações se incorporam no indivíduo permitindo que esse as carregue em sua trajetória
vivida. E no caso da dança, que o mesmo traduza e leve para a cena, movimentos que fazem
parte desse repertório cultural que não deve ser negado, mas valorizado e re - incorporado aos
seus diálogos com as artes produzidas por ele.
Contudo, este corpo múltiplo não se limita apenas a esses contextos, mas os transcende,
segundo SANTOS a( 2002), “O corpo, como instrumento de expressão é o elemento a serviço do simbólico
que revive as experiências míticas e criativas.” Ao reviver tais experiências transcende o cotidiano,
reelaborando - o e repensando o mesmo, através da arte por ele produzida.
Ao compreender e valorizar este corpo carregado de ancestralidade, o intérprete também se vê
no mundo e como tal, dialoga com suas impressões internas e externas na busca da construção
de sua dança.
MERLEAU PONTY (1994), acrescenta - nos que “[...] o mundo não é aquilo que eu penso, mas
aquilo que eu vivo, comunico-me com ele, mas não o possuo, ele é inesgotável. Há um mundo, ou antes há o
mundo.”
Por conseguinte o intérprete - bailarino, sempre terá a sua disposição “os mundos” internos e
externos, ancestrais e contemporâneos, propiciando-lhe uma infinidade de fontes matriciais,
para seus processos criativos em dança.
Nesse processo de apropriação e assimilação do corpus cultural, propomos uma releitura que
deverá transcender as matrizes estudadas, no formato de arte contemporânea. Na cultura afro -
brasileira, muitas são as matrizes que podem ser fontes de inspiração nesse processo de
criação. Afinal a riqueza de ritos e mitos ancestrais, manifestada nesses territórios é um
75
manancial que reforça a cultura, a memória e a resistência do povo africano e
conseqüentemente brasileiro.
As canções, os ritmos dos instrumentos de percussão, a dança,os
gestos, todos os movimentos do corpo, os mitemas culturais
conjugados em cena capturam o próprio pulsar rítmico da experiência
negra ancestral, engendrando uma percepção harmoniosa do corpo e
do espírito. Essa orquestração de palavras, sons, imagens, luzes e
sombras, máscaras e totens, cores, ritmos e cheiros cria uma lingua-
gem teatral sinestésica, envolvendo o palco e a platéia numa
atmosfera de receptividade e engajamento coletivos: o "evento",
então, torna-se o contexto da realidade, um campo de força
fenomenal, que é ritualizado. Para que este evento seja iluminador,
necessitamos de autores que sejam capazes de ir além do caráter
descritivo e de opressão sócio-gramatical, diretores que se prepararam
com o conhecimento das mitologias africanas e afro-americanas e que
sejam capazes de discernir a resposta motivada do povo negro a
certos ritmos; e atores que [...] possam mover-se, com segurança, no
ritmo das modalidades com graça e potência naturais.
(HARRISON, apud MARTINS, 1997, p 101)
Acreditamos que não nos basta “beber” das matrizes populares afro-brasileiras e reproduzi-las,
como afirma Harrison. É necessário termos diretores e elencos que se preparam, pesquisam e
compreendem as mitologias e o rito de determinado território, para que os mesmos sejam
capazes de discernir e para que sua produção seja de fato “iluminadora”.
“Torna-se imprescindível, pois, irmos mais a fundo nas buscas de informações e de nós mesmo, ir além dos
espaços corriqueiros, imutáveis desgastados, permitindo o surgimento do novo.” SANTOS a,(2002), e foi
nessa busca por ir “além” e pelo “novo” dentro de minhas referências, que a performance
pesquisada, se estabeleceu; bebendo das matrizes ancestrais da cultura afro-brasileira nos
contextos do Congado de São José do Triunfo e da comunidade Ganga Zumba, e dialogando
com os contextos da contemporaneidade, deu-se todo o processo de criação e composição
coreográfica desta performance em Dança Contemporânea.
76
4.3.2 DANÇA E BRASILIDADE
Ao pensarmos em dança e brasilidade, é preciso ter em mente a diversidade deste país e os
diferentes contextos que suas danças estão inseridas, etnias e culturas se miscigenam na
formação povo brasileiro, e as idéias de identidade e transitoriedade, devem sempre estar
presentes. Logo, afirmar que temos um perfil que determina o conceito de dança brasileira, é
estarmos aprisionados a uma visão equivocada.
Cada grande capital, ou pequena cidade nos interiores desses “Brasis” produz uma infinidade
de danças com uma diversidade riquíssima. E ao nos referirmos à dança e brasilidade,
entendemos que essas danças vão desde as mais ritualísticas situadas em terreiros de chão a céu
aberto, até às danças produzidas em grandes teatros, com toda a maquinaria e aparatos cênicos
necessários para que as mesmas ocorram.
A única certeza que temos ao pensarmos sobre “danças brasileiras”, é que estas são plurais,
múltiplas, híbridas e de uma diversidade criativa absoluta.
Como o foco deste trabalho é a performance em Dança Contemporânea, o recorte que mais
nos interessa dentro deste contexto é o que diz respeito à dança cênica produzida, abordando
os temas do Brasil e reflexões provenientes dele, em especial as danças produzidas no século
XX.
Para melhor definir esses conceitos, a pesquisadora NAVAS(2003), concebe as danças
brasileiras do séc. XX, divididas em três abordagens: a primeira é a da dança no Brasil,
referente a todas as manifestações coreográficas, cênicas ou não, que ocorrem dentro dos
limites geográficos de nosso país; a segunda abordagem é a da dança do Brasil, refere-se as
danças que pertencem aos habitantes do Brasil, são as obras criadas pelos cidadãos brasileiros,
danças tradicionais, e ou releituras de criações de domínio público, e a terceira e última se trata
da dança sobre o Brasil, se refere a danças que buscam traduzir um país chamado Brasil, não
necessariamente, baseando-se em suas características de origem, formação e
contemporaneidade, mas sim enquanto danças de múltiplos processos artísticos, que utilizam
de noções estética , sensíveis e técnicas.
77
No tocante a essa discussão, destaca-se aqui a importância da profissionalização dos artistas da
dança neste século e a conscientização dos territórios da danças populares, das danças cênicas e
nas danças e pesquisas desenvolvidas nas instituições de ensino superior, todas sob o território
brasileiro. Tal movimento reflexivo sobre as danças e a brasilidade, traz aos artistas-
pesquisadores, uma ampla perspectiva de re-significação de nossa cultura e o papel que a dança
ocupa dentro de nossas regiões e suas interferências na constituição da coletividade brasileira.
Essa re-significação na dança, perpassa desde os eventos mais populares da nação até as
companhias de dança mais famosas do país.
Se pensarmos nos estereótipos associados à dança no Brasil, vemos os grandes eventos sociais
e culturais de massa serem diretamente ligados ao dançar. A dança pode ser reconhecida como
símbolo de unidade, elemento aglutinador de nossa nação, qual o país que em pleno séc XI ,
pára quatro dias na semana para celebrar e dançar? É evidente que cada região tem suas
especificidades, e a manutenção destes bens culturais imateriais, também são distintos. Nessa
busca por uma identidade regional brasileira, vê-se as danças serem elementos identitários
destes eventos. Isso fica claro se observarmos as características do carnaval no Rio de Janeiro ,
São Paulo, Salvador e Parintins.
No contexto das danças cênicas, em meados da década de 70 e nos anos 80, companhias de
dança profissionais, começam a buscar uma projeção brasileira, identitária de sua arte. As Cias
de Dança: Stagium, Cisne Negro, Ballet da Cidade, o Ballet Folclórico da Bahia, e
posteriormente, o Corpo, levam para o palco cenas do cotidiano popular ou temas brasileiros,
músicos, lendas, etnias ou quaisquer elementos que pudessem remeter ao Brasil. Esse apelo
reflexivo, em busca de uma dança com essência brasileira, (se é que isso é possível), ainda era
superficial, no sentido de não tocar o cerne da multiplicidade e diversidade de que somos
feitos. Destacamos que a maioria dos corpos desses bailarinos, era construído através de
técnicas de dança européias ou americanas, e o formato desses espetáculos, também seguia
esses moldes.
Assim sendo é nítido, neste período os abismos que separam os contextos populares dos
eruditos, criando nestes, um juízo de valores infiel as heranças e influências deixadas a nós por
essas danças.
Não defendemos aqui nenhuma das partes, este texto propõe uma reflexão da dança e a
relação com a brasilidade. O foco central de tal reflexão versa sobre a necessidade de
78
desenvolvermos pesquisas, diálogos e registro desses múltiplos repertórios culturais, e de se
fazer dança no Brasil, do Brasil e sobre ele, sem pré conceituações e exclusões de estilos,
aprisionando as linguagens da dança no Brasil e sobre ele, a territórios estáticos e imutáveis.
Num país onde o melting pot fundador da trama cultural ainda esta
sobre o fogão, a diversidade extremada acaba por se transformar em
empecilho para a construção de um conceito unívoco de identidade
cultural. E essa parece ser uma dificuldade.[...] No Brasil este estado
de coisas produziu tecidos culturais a “ nossa moda”, olhados com
estranheza e preconceito: as fronteiras culturais que se estabelecem
pelo trânsito entre as margens que as constituem.
Essas fronteiras, como sítios rituais da passagem e do trânsito, são
espaços de múltiplas possibilidades, compostos por elementos que ao
prescindirem de uma forte “cola cultural”, operam pela constelação
das diferenças. Por esse motivo muitas vezes não são consideradas
territórios culturais, sendo relegadas a posições inferiores no
panorama das artes e da cultura..
(NAVAS, Cássia em Revue Noire, Brasil e
Brasilidades)
Sendo a dança um ato imanente do Brasil, reforçamos sua importância na trajetória dos muitos
pesquisadores e artistas brasileiros, que buscaram um diálogo constante com as matrizes
populares de nossa cultura, na investigação de um fazer artístico pesquisado, pensado e
meditado, ponderando o saber acadêmico e o saber popular. A começar pelos ancestrais:
Mário de Andrade, os artistas da Semana de Arte Moderna de 22, até chegarmos a Marília de
Andrade, filha de Oswald, fundadora do Curso de Graduação em Dança da Unicamp, no
Departamento de Artes Corporais. Ali, em meados dos anos 80, muitos professores plantaram
suas primeiras reflexões ou deram continuidade as suas pesquisas , absorvidos pela busca de
uma arte da dança, que dialogasse com as diversidades brasileiras: Antonio Nóbrega , Eusébio
Lobo, Joana Lopez, João Carvalho, Inaicyra Falcão dos Santos, Graziela Rodrigues, Patrícia
79
Noronha, Regina Muller, são alguns dos quais tive o privilégio de conviver e ter contato com
os questionamentos e as inquietações que os moviam.
Como detentora deste legado, vejo-me hoje na cadeira de “Folclore e Danças do Brasil”, no
curso de Graduação em Dança da Universidade Federal de Viçosa, MG, onde sou
pesquisadora e artista-docente, e neste trabalho, sigo a questionar e refletir nossa dança, pela
mesma trajetória de meus mestres, porém na vivência de um outro percurso, que dialoga com
o tempo e espaço vividos, ou seja, nos interiores das Gerais, onde a dança se manifesta mais
no âmbito popular e onde neste momento, há um forte desejo de que a dança cênica vinculada
à academia, às novas tecnologias, e às reflexões advindas destas se expandam, gerando um
novo campo de sementes, em meio às heranças e itinerâncias de nossos dançares.
Performance Rosarina, 2006
Intérpretes:Débora Cássia, Ananda Assis e Jaqueline Bambrilla Fotos:Reyner Araújo
80
4.3.3- DANÇA e CONTEMPORANEIDADE
Todo o estudo artístico - teórico para a realização desta performance em dança, se deu no
sentido de articular os fazeres da dança popular e a Dança Contemporânea, sem a intenção de
apresentá-los hierarquicamente atribuindo-lhes valores, e ou limitando-os enquanto expressão.
Por meio da sobreposição e inter-relação dos mesmos em cena, e através dos diferentes
processos criativos, descritos a seguir, atingimos um fazer artístico que abarca as características
das manifestações de dança popular do ritual do Congado de São José do Triunfo e dos
Tambores e a Dança do Ganga Zumba, sem deixar de contemplar as características já descritas
de uma Dança Contemporânea.
O processo criativo da composição coreográfica, em específico, se deu através de três
estímulos criativos:
- o primeiro foi a pesquisa de campo com as comunidades; com a absorção de seus gestos e
moveres, com o registro do curta-metragem GENGIBRE, o contato constante com os anciãos,
com a compreensão de seus ritos, o aprendizado de seus cantos e toques, e a percepção de
seus sentidos simbólicos.
- o segundo foi o contexto contemporâneo em que vivemos; notícias das guerras no oriente
Médio, problemas sociais e ambientais, racismo, relações de poder, problemas sociais e
políticos, a fome mundial, e a violência, esses eram alguns dos temas constantemente
discutidos e sintetizados em palavras/conceitos que nos transmitiam sensações e símbolos.
- o terceiro e mais sutil foram as memórias do corpo e ancestralidade dos próprios intérpretes e
seus repertórios vividos.
Estes conhecimentos articulados, a técnica, a dramaturgia da Dança Contemporânea e a
virtualidade dos recursos tecnológicos trouxeram para cena: hibridismo, fragmentação,
experimentações, diversidade de linguagens, imagens, texto, vídeo, frutos das relações sociais
entre o local pesquisado e o global adquirido.
Nos aspectos práticos da dança, em seu processo de construção, deparávamos
constantemente nos estúdios, com as dificuldades referentes a constituição de uma obra
contemporânea, que dialogasse diretamente com uma movimentação proveniente das matrizes
81
da manifestação estudada. O corpo e a dança coreografada, após anos de estudo acaba
adquirindo vícios, e o mergulho a novos caminhos sempre exigem um constante estado de
alerta, para não cairmos nos deslizes do senso comum.
Ao iniciarmos nossos trabalhos corporais um tema era proposto pelas intérpretes, este podia
ser uma imagem captada na pesquisa de campo; uma espada, por exemplo, um congadeiro
guerreiro, uma senhora com o terço, um tacho de comida, ou um canto ancestral.
Absorvíamos as memórias que este elemento nos trazia, ou os sentimentos, e ou imagens
advindos destes, relacionava-os com os contextos vividos na contemporaneidade, e na
corporeidade do intérprete, e ao passo que íamos improvisando movimentações nestes
laboratórios de dança, compúnhamos frases de movimento, que posteriormente eram
apresentadas e discutidas com o grupo, incluindo em alguns ensaios as equipes de imagem,
cenário e vídeo - instalações.
Todas essas improvisações e conteúdos eram discutidos e re-elaborados posteriormente pela
coreógrafa - diretora.
O caráter de experimentação e metamorfose era a tônica constante no desenvolver da
coreografia, as contribuições das comunidades também foram abarcadas na medida em que a
performance e as coreografias foram tomando forma. Uma das coreografias que a comunidade
apresenta, o “Cafezal”, é fruto de um trabalho de pesquisa que concentrou intérpretes e
comunidade, na rememoração das atividades de trabalho dos antigos, através do gestual e
sensações corporais que o grupo nos trazia, fomos re-lendo e compondo a coreografia .
Os processos coreográficos constataram na prática, o respeito ao indivíduo e a suas distintas
corporeidades. Nas cenas, intérpretes com formação cênica e intérpretes da comunidade, se
misturavam nos cantos, toques e dança, articulando seus conhecimentos distintos e
transformando-os em arte.
As fronteiras entre intérpretes - pesquisadores e comunidade, popular e erudito, global e local,
se encontravam e sobrepunham-se em um mesmo fazer artístico, reconhecendo-se em seus
domínios, mas tranversalizando-se em seus sentidos, como uma cadeia rizomática,
característica da pós - modernidade.
82
A Dança Contemporânea produzida neste trabalho foi híbrida, proveu identidade e trocas com
a cultura em questão, dialogando com as temáticas locais e mundiais, fugindo das formas pré-
estabelecidas. Ensinando a respeitar as diferenças e a considerar os múltiplos saberes,
mesclando experiências, moveres, ancestralidades, espaços e temporalidades, através do dançar.
Performance Rosarina, 2006 Intérpretes:Débora Cássia, Raquel Rezende , Ananda Assis e Carla Ávila
Fotos:Reyner Araújo
83
PERCURSO DOS SENTIDOS
84
85
4.4- O PERCURSO DOS SENTIDOS
No percurso dos sentidos serão refletidas as percepções dos níveis mais sensíveis e
metafísicos, são as observações dos sentires que preencheram os corpos/mentes/emoções, no
tocante ao processo de criação nessa performance em Dança Contemporânea.
Para melhor expressão e explanação, este percurso será também dividido em trajetórias
tríadicas. São elas:
• - os sentidos passados; vinculados aos planos rituais, serão descritos os processos de
reflexão dos sentidos no campo de pesquisa, durante as manifestações e celebrações da
comunidade e suas releituras para a cena.
• - os sentidos culturais; vinculados aos planos reais, tratarão das relações culturais e das
inter - relações entre comunidade e academia durante o processo de criação e
apresentação da performance, bem como as construções de sentido advindas desses
encontros.
• - os sentidos artísticos ; vinculados ao plano virtual , através da experiência deste
processo de criação, várias vivências sensoriais artísticas e materiais visuais, foram
produzidos, articulados ao conhecimento acadêmico e a sabedoria popular, criando um
acervo, voltado às próximas gerações.
Quando falamos em sentidos, compreendemos que este é um tema bastante subjetivo,
entretanto, no percurso vivido através desta pesquisa, deparamo-nos constantemente,
absorvendo ricas informações por uma comunicação que não utilizava necessariamente das
palavras.
Os gestos, olhares, sons, cheiros, sabores, os materiais de que eram feitos o ritual, os
alimentos, as orações, as alvoradas vivenciadas com a comunidade, o empenho e fé dos mais
idosos a crianças de tenra idade; tudo isso era percebido por outros sentidos que não só a
sonoridade e a escuta. Estávamos corporalmente naquele espaço, enquanto intérpretes-
pesquisadores, os corpos interagiam ao toque e canto dos tambores, havia uma reverberação
86
física das ações ali propostas e com toda a habilidade de nossos sentires, absorvíamos aquelas
vivências.
É interessante relatar que tais sentidos não se esgotavam nesses espaços, mas ao retornarmos
ao estúdio de dança, ou à ilha de edição do curta metragem, a cada apresentação do filme para
a comunidade, uma série de outras percepções eram re-elaboradas.
Portanto ao dissertar sobre essas vivências, entendo que estou elaborando os aspectos acima
listados junto ao processo de criação.
Ao pesquisarmos a palavra sentido, no dicionário, observa-se o misto de significados e o
caráter subjetivo da mesma.
SENTIDO: Adj. 1. V. sensível . 2. Pesaroso, triste,
plangente: 3.Melindrado, magoado, ressentido: 4.Em princípio
de putrefação; moído, passado: S. m. 5.Fisiol. Cada uma das
formas de receber sensações, segundo os órgãos destas. [São
cinco os sentidos: visão, audição, olfato, gosto e tato.] 6. Senso
(3). 7.Bom senso; juízo, tino: 8. Intento, propósito;
objetivo: 9. V. acepção (1): 10. Lado, aspecto, face: 11.Razão
de ser; cabimento, lógica: 12. Atenção; pensamento: 13.Cuidado,
cautela. 14. Consciência (1): 15. Orientação, direção, rumo: [Sin.
(p. us.), nesta acepç.: senso.]16.Filos. Faculdade de conhecer
de um modo imediato e intuitivo, a qual se manifesta nas
sensações propriamente ditas; senso.
( (AURÉLIO, 2006, v digital)
Portanto, dissertar sobre os sentidos, também é dissertar sobre o “in-consciente”, consciente,
os órgãos dos sentidos e suas percepções, o intuitivo, o inexprimível, o simbólico, e sensível,
enfim, é falar do universo das artes no plano menos tecnicista. Tendo em mente um
pensamento rizomático e não dual.
87
4.4.1- OS SENTIDOS PASSADOS
“A arte simboliza o significado da nossa existência.”
Tarkovski
Os sentidos passados foram aqueles que vivenciamos no decorrer de toda essa pesquisa,
especialmente no percurso em que se deram as visitas a campo, onde nossos sentidos,
emoções e memórias eram surpreendidos, proporcionando-nos um novo repertório de
sensações, sentimentos e experiências que convergiram para este trabalho artístico-teórico.
[...] o sentimento, como parte da nossa conduta
mental, onde o racional e o emotivo se confundem,
levam-nos a reagir, a ter opiniões, a decidir sobre o
que tem e o que não tem valor para nós. Embora
estabeleça julgamentos com o pensamento, contém
uma lógica totalmente diferente. (JESUS, 2004, p47)
Ao ampliarmos essa rede de sensações e de sentimentos, movido por inúmeros estímulos, já
citados anteriormente, adquiríamos também um repertório novo de emoções, pois a memória
e a percepção simbólica das manifestações ancestrais nos traziam tais reações, e re-significavam
nossas opiniões.
Se memória está associada a “[...] capacidade humana de reter fatos e experiências do passado e
retransmití-los às novas gerações através de diferentes suportes empíricos (voz , música, imagens textos, danças e
etc).” (SIMPSON, 1997, p02), o fato de fruir tal manifestação em sua complexidade, nos
capacitou e nos colocou como ouvintes das memórias dos congadeiros e herdeiros de tais
conhecimentos. Herdeiros enquanto sociedade, que respeita essas tradições e memórias, e não
enquanto sucessores, pois estes estão sendo gerados pela própria comunidade.
88
Tal idéia nos deu subsídios para entender, que cabe a nós, herdeiros desse saber coletivo,
desenvolver espaços para que essas tradições continuem a ser, repassadas a fim de que nossa
sociedade não se torne uma “sociedade sem sentidos”, sem percepções e memória.
SIMPSON(1997), ao descrever a nossa sociedade contemporânea entende que, nós pessoas
civilizadas e urbanas, nos grandes centros industriais, estamos cultivando o que esta chama de
sociedade do esquecimento. A autora afirma que, devido ao ritmo acelerado dos grandes
centros aliados a facilidade dos meios de comunicação , acabamos por nos afastar de nossas
origens , tradições e emoções. E por isso, assimilamos as informações de forma acrítica, sem
nenhum cuidado seletivo, uma vez que não nos identificamos, com os valores que fazem
sentido para nossa existência, perdemos nossa identidade.
A memória histórica e ancestral, detentora de nossas tradições perde a capacidade de seleção, o
poder de escolha, e gera uma “sociedade do esquecimento”. Estas sociedades, não têm
memória, produzem capital mas esquecem de suas percepções, sentidos e tradições.
Nessas sociedades é necessário que as instituições organizadas como; prefeituras, fundações,
museus e parques, através de pesquisadores e da própria arte, as atinjam e as comovam, para
que possam ampliar tais sentidos, e assim re-valorizar sua história.
Estar corporalmente sentindo a história acontecer, narrar seus percursos, documentar suas
trajetórias, ouvir os mais velhos, comer de seus alimentos produzidos em suas terras, ir à roça e
ver esses alimentos serem colhidos, cozinhar com a comunidade receitas antigas, perceber a fé
que o rito emana, sentir a reverberação dos tambores no próprio corpo, ver as famílias
educando seus filhos, e a tradição e a memória daquele povo ser revivida e construída
cotidianamente, nos faz compreender a importância desses repertórios do sensível, para que a
sociedade possa se libertar das amarras que aprisionam seus sentidos.
“[...] percebemos que o trabalho com o passado não nos aprisiona, mas nos conduz com muito maior segurança
para o enfrentamento dos problemas atuais.”(SIMPSON, 1997, p34). Ao traduzir tais sentidos para
uma performance em Dança Contemporânea, buscamos articular espaços de reflexão de
nossas memórias e tradições em relação aos contextos atuais. Evidenciando que tais trabalhos
artísticos, fazem-nos questionar, e repensar nossas origens, valores, considerando nossas
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trajetórias, elaboradas por meio de nossas vivências corpo/mente/sentidos, na busca de
respostas para as problemáticas contemporâneas.
Performance Rosarina, 2006 Intérprete: Ananda Assis
.Foto:Reyner Araújo
90
4.4.2- SENTIDOS DA CULTURA
Pensar em cultura e seus sentidos, é pensar em uma rede de significados e fazeres. Tal rede foi
a estrutura subterrânea de sustentação deste processo criativo, pois através da solidez das
culturas pesquisadas, em relação a cultura a que estamos subjugados, formou-se o emaranhado
que estabeleceu os pontos de partida para lançarmos as setas artísticas em busca desta
performance .
Para melhor compreender de onde partimos e em que direção rumamos, iniciaremos pensando
em palavras que estiveram associadas ao termo cultura, durante todo este trabalho, são elas:
ação, território, corporeidade, comunidade, hábitos e as artes.
Anteriormente no tópico dança e ancestralidade, tocamos em idéias relacionadas diretamente
com cultura e corpo, mas para melhor exprimir este conteúdo em relação ao processo de
criação desta performance, e aos sentidos da cultura, trouxemos algumas outras explicações
das áreas de ciências humanas. Tais explicações a seguir se adaptam, dentro dos saberes
antropológicos, arqueológicos, filosóficos, biológicos, nas ciências sociais e lingüísticas, e sem
dúvida no âmbito das artes.
Vejamos, cultura é em si mesmo ação, ato, ocorre desde o modo com que se cultiva a terra, a
procriação de animais e plantas, até as questões mais subjetivas desse atuar em conjunto, em
comunidade, e é neste contexto que os sentidos, aqui pensados, se apresentam.
A capacidade de simbolização própria da vida coletiva, base das relações sociais, também nos
dita um modo cultural, a maneira com que as pessoas educam seus filhos, os hábitos
adquiridos por esses, a maneira de se portar, e de realizar gestos e expressões lingüísticas, são
todos conteúdos culturais adquiridos através de um conjunto de características humanas que
não são inatas, e que se criam e se preservam ou aprimoram, através da comunicação e
cooperação entre indivíduos em sociedade.
Este convívio é permeado por inúmeros elementos simbólicos, dos quais alguns são
traduzidos em criações intelectuais e ou artísticas, também chamados de cultura.
91
O progresso e as civilizações bem organizadas são associados à cultura, as atividades e os
desenvolvimentos intelectuais, o refinamento, a instrução, a elegância, e a sabedoria produzidas
nesses centros e por esses indivíduos, também é cultura.
Portanto, na transmissão dessas múltiplas formas de fazer e compreender a cultura fazemos
inumeráveis uso de sentidos simbólicos e sutis, dos quais os artistas são mestres em traduzi-los
por meio da arte.
Uma das definições de arte no dicionário é [...] Atividade que supõe a criação de sensações ou de
estados de espírito de caráter estético, carregados de vivência pessoal e profunda, podendo
suscitar em outrem o desejo de prolongamento ou renovação [...] a capacidade criadora do artis a de
expressar ou transmitir tais sensações ou sentimentos.” (AURÉLIO, 2006).
t
Sem sequer, teorizarmos muito a respeito, percebe-se que arte, sociedade e cultura estão
diretamente ligadas a esses “sentidos”, a que nos referimos e dos quais fizemos uso constante
na criação deste trabalho:
- a estética - diversidade de linguagens artísticas utilizadas nesta obra;
- as vivências pessoais profundas - entendidas neste trabalho, como ancestralidade;
- a capacidade criadora capaz de expressão e transmitir sensações e ou sentimentos - dialogam
diretamente com o que acreditamos, ser as funções da memória e cultura.
Ainda assim, tais afirmações acima, não contemplam a abrangência dos sentidos da cultura, por
nós analisados.
Uma vez que a arte é uma expressão das aspirações e esperanças
humanas, ela tem um papel tremendamente importante a
desempenhar no desenvolvimento moral da sociedade _ ou, em
todo caso, é isso que se espera dela; se fracassar, isso só pode
significar que há algo de errado com sociedade.
( (TARKOVISKI,1999, p219)
As artes geradas por sentidos da memória, ancestralidade, tradições, dentro de um contexto
cultural; e esta cultura produzida por estes, dentro da sociedade, são partes de um rizoma que
emite um repertório extenso de saberes, poderoso em seu alcance, acessível em seu conteúdo,
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significativo em sua essência, capaz de ser força motriz da reconstituição de nossos valores,
fomentando uma sociedade menos ausente.
O mergulhar conjunto e compartilhado no passado nos faz
emergir mais conscientes quanto aos problemas
contemporâneos da vida da comunidade estudada e geralmente
nos conduz naturalmente a ações conjuntas e politicamente
conscientes visando sua superação.
(SIMPSON, 1997, pg05)
Assimilar e registrar os sentidos simbólicos de uma tradição popular relê-los em constante
diálogo com conteúdos sociais e artísticos, isolar destes símbolos, significados que possam ser
reinterpretados na cena de uma performance contemporânea, articulando os saberes populares
e acadêmicos para um fim artístico, torna nossa ação mais significativa e consciente, um
diferencial para as culturas em questão.
Logo, ao irmos além dos gestos cotidianos, não nos limitamos esta experiência de ser
intérprete -pesquisador à mera reprodução ou releituras de um determinado contexto cultural;
conscientes que o criar durante os laboratórios seriam também, expressar os sentidos mais
intrínsecos de uma cultura, contrapondo-se a um processo que visa a construção de um
personagem somente, ou a um relato de uma história. Compreendemos neste trabalho, que é
necessário olhar para o outro e para nós mesmos, com cuidados mais profundo, atentos aos
âmbitos mais amplos dessas comunidades, e aos conteúdos de sua cultura, para que os
processos criativos nos espaços da academia, não se preocupem apenas com o teor de suas
expressividades artísticas e seus desempenhos técnicos, deixando-nos iludir por uma arte alheia
à contemporaneidade, vazia em seus sentidos culturais.
93
[...] o artista aparece não como um mero explorador da vida,
mas como alguém que cria incalculáveis tesouros espirituais e
aquela beleza especial que pertence à poesia. Tal artista é capaz
de perceber as características que regem a organização da
existência. Ele é capaz de ir além dos limites da lógica linear,
para poder exprimir a verdade e a complexidade profundas das
ligações imponderáveis e dos fenômenos ocultos da vida. [...]
um artista pode alcançar a ilusão de uma realidade exterior, e
obter efeitos cuja naturalidade os faça em tudo semelhantes à
vida ,mas isto ainda será muito diferente de examinar a vida que
está sob a sua superfície.
(TARKOVSKI, 1998, p19)
94
4.4.3- SENTIDOS IMAGÉTICOS
Nesta etapa da descrição do processo criativo, revelaremos o papel das imagens. Falar dos
sentidos imagéticos é dissertar também sobre os sentimentos e os símbolos proveniente destes.
[...]a expressão do sentimento, em arte, não ocorre de maneira direta,
mas através de uma forma simbólica, visto que um símbolo é
qualquer artifício com o qual seja possível operar uma abstração e, no
caso da arte, realiza uma articulação e uma apresentação do
sentimento. (DANTAS, 1999, p18)
Várias vivências sensoriais e emocionais ocorreram no campo junto às comunidades. Tais
experiências em um primeiro momento foram expressas, tornando-se imagens e filmes audio-
visuais, que no princípio tinham a intenção apenas de registro. Ao revê-los, encontravam-se ali
inúmeras imagens que iam além do mero registro; elas nos contavam coisas, nos orientavam,
desvelavam espaços não vistos, sobretudo tinham seu valor poético e artístico. Muitas delas
estão espalhadas por este trabalho escrito, outras se tornaram vídeo instalação e promotoras de
novos textos, ao serem seqüenciadas junto a fotos de imagens vinculadas a cultura
contemporânea e sobrepostas nos corpos dos bailarinos, músicos e cantores durante a
performance, transcendendo seu primeiro papel anteriormente descrito.
Como vimos no início desta pesquisa, uma parte deste material também se tornou um curta-
metragem. Este após ser apresentado para a comunidade, gerou novos sentidos para a mesma,
e conseqüentemente, nos presenteou com novos sentimentos e sensações, que à medida que
eram amadurecidos, transformavam-se em símbolos e novas imagens, cerne desta
performance.
Três das imagens que mais nos tocaram, consistiram na : coroa, espadas e os grãos e alimentos
cozidos e compartilhados na festa. Tais signos apareciam e reapareciam com tamanha força nas
imagens que, comecei a olhá-los com mais atenção.
95
Outras imagens também nos tocaram como as flores, as capas, os fogos, as fitas, os tambores,
os imensos tachos de comida, o colorido da festa, o mastro, anjos, reis e rainhas. Porém dessa
diversidade foram escolhidas as imagens que melhor articulavam os sentidos das culturas em
questão e suas relações com a sociedade atual.
As outras, compuseram a performance e têm sua função expressa nela. Porém, a coroa, a
espada, e as sementes, foram fontes de registros e inspiradoras, nos deram elementos para
discussão e contextualização de todas os tópicos descritos até aqui, transversalizando todos os
processos de criação associados aos espaços, dança e os sentidos desta performance .
Um símbolo verdadeiro quando é inesgotável e ilimitado em seu
significado, quando exprime, em sua linguagem oculta (mágica e
hierática) de sinais e alusões, algo de inexprimível, que não
corresponde às palavras. Tem uma multiplicidade de faces e abriga
muitas idéias, permanecendo inescrutável em suas mais recônditas
profundezas[...]É formado por processos orgânicos, como um
cristal[...] Na verdade, é uma mônada, e, como tal, essencialmente
diferente de alegorias complexas e redutíveis, parábolas e símiles....
Os símbolos são inexplicáveis,e, diante da totalidade do seu
significado secreto, somos impotentes.
(VYACHESLAV, 1949, apud TARKOVISKI, 1998, p53)
Assim, tais imagens em sobreposição as linguagens artísticas da performance, conciliaram os
significados propostos, traduzindo os sentidos do campo, muitas vezes inexprimíveis por suas
complexidades e amplitude, representando-os em um simples elemento, recorrente nas cenas,
porém apresentados sobre diferentes perspectivas, ou seja, um elemento aparecia na vídeo -
instalação, e depois era tema de um coreografia, e posteriormente numa canção .
Segundo S. Moscovici, citado por Muniz Sodré, a ação de representar constitui-se enquanto
“(...) um processo de mediação entre conceito e percepção(...)” (MOSCOVICI, cit. SODRÉ,
1984, p. 76). Assim, se os discursos midiáticos operam representando a realidade, o que temos
nesse âmbito são mediações, ou seja, versões sobre os fatos da realidade, construídas por
96
indivíduos que se apropriam socialmente da linguagem para este fim. (ÁVILA;LINHALIS,
2006, p03)
É importante deixar claro que as imagens foram selecionadas e compiladas por nós, sem a
interferência da comunidade, assim tais imagens são parte de um domínio voltado para a
performance, e para tal, cumpre seus desígnios.
Sem acreditar que o público ao assimilá-las, está longe de absorvê-las com passividade ou total
aceitação, exibimos um fluxo constante de imagens em sobreposição as outras linguagens
artísticas, e por vezes apenas as apresentamos como elemento único da performance. Essas
ações propunham que uma leitura crítica fosse estabelecida pelo público, acreditando que este
é capaz de resistir, de se apropriar de modo reflexivo e crítico dos textos das mídias
apresentadas. Pois ao experimentarmos tal processo criativo, tínhamos noção de nossas
limitações em traduzir os incontáveis sentidos vivenciados durante dois anos, em quarenta e
cinco minutos de performance.
O artista nos revela seu universo e força – nos a acreditar nele ou a
rejeitá-lo como irrelevante e incapaz de nos convencer. Ao criar uma
imagem ele subordina seu próprio pensamento, que se torna
insignificante diante daquela imagem do mundo emocionalmente
percebida, que lhe surgiu como uma revelação. Pois, afinal, o
pensamento é efêmero, ao passo que a imagem é absoluta.
( (TARKOVISKI, 1998, p45)
Utilizamos pois, das imagens como mais um elemento de transcendência dos espaços
cotidianos, possibilitando interfaces com as outras linguagens da performance, entrelaçados de
significados que operavam como interlocutores da memória e emoções do público, permitindo
a este dialogar com seus sentidos internos, buscando respostas aos questionamentos propostos
por nós, e elaborados por si ao interagir com a performance; criando e recriando uma rede de
virtualidades e subjetividades, que fizessem intermediação entre suas memórias ancestrais e
seus contextos contemporâneos.
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Para TARKOVISKI(1998), a arte trata-se de um método incomparavelmente inferior as
possibilidades oferecidas pelas ligações associativas advindas das imagens, que possibilitam a
avaliação não só da sensibilidade mas também do intelecto, possuindo uma força intrínseca,
que se concentra na imagem e chega ao público na forma de sentimentos, gerando tensão,
numa resposta direta à lógica narrativa do autor. E foi com tal foco que a imagética dessa
performance foi construída.
Se lançarmos um olhar , mesmo que superficial, para o passado,para a
vida que ficou para trás, sem nem mesmo recordar seus momentos
mais significativos, iremos nos surpreender continuamente com a
singularidade dos acontecimentos de que participamos, com a
individualidade absoluta dos personagens com as quais nos
relacionamos. Esta singularidade é como nota dominante de cada
momento da existência; em cada momento da vida, o princípio vital é
único em si. O artista, portanto, tenta aprender esse princípio e torná-
lo concreto, renovando-o cada vez , a cada nova tentativa,mesmo que
em vão,ele tenta obter uma imagem completa da Verdade da
existência humana. (TARKOVISKI, 1998, p 122)
Uma última observação vale ser destacada dentro desse processo de criação, pois ao
recolhermos os materiais visuais para a performance, nos demos conta do quanto tais
comunidades, não tinham registros visuais de suas manifestações culturais.A proporção que
realizávamos nossas visitas, um acervo imagético das rotinas do congado, eram registrados, e
posteriormente doados a comunidade. Possibilitando, a nós e aos mesmos, uma reflexão do
quanto termos uma referência visual, mídias da manifestação, interfere no processo de
preservação das memórias. Pois ouvir e vivenciar tais tradições somente através das memórias
dos antepassados, exige uma determinada dinâmica, e ver este ancião realizando seu cantos e
danças, com sua entonações e variações próprias, é gerar um acervo dessas memórias dantes
consultadas somente pelas imagens internalizadas do passado.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi uma tarefa ímpar no tocante aos aprendizados adquiridos, estar imersa nessa rede que
abarcou comunidades, cultura, linguagens artísticas variadas procedentes de diferentes
contextos sociais. Ao documentá-los, e ao experimentar processos criativos advindos destes fui
surpreendida com inúmeros conhecimentos dinâmicos e através destes chegamos a
performance aqui descrita, atingir esses pontos rizomáticos e sair dos mesmos sem direções
exatas era como colocar-me a prova diariamente.
O percurso jamais deixava de procurar sentidos dentro das artes produzidas, discutir com as
comunidades a importância deste fazer e ficar atenta a coerência no tratamento das mesmas,
dentro e fora da performance.
Posteriormente, escrever sobre todos esses conteúdos de uma maneira coerente com a
dinâmica dos contextos vividos, foi outra tarefa árdua, mas profundamente rica não só para
mim, mas acredito para todos aqueles que de alguma forma estiveram envolvidos com esse
trabalho. Para nós artistas –pesquisadores, foi uma forma de relato distinto, marco para novas
experiências na busca de formatos artísticos que contemplem a gama criativa de intenções.Para
as comunidades um resgate e registro das memórias dos antepassados e das ações presentes na
busca por um espaço e identidade de suas tradições.
Este projeto, além do registro das manifestações das comunidades estudadas, e o foco nos
processos criativos da performance em Dança Contemporânea, também procurou tocar no
espaço de expressão dos pesquisadores-artistas na academia, cumprindo para tanto as
formalidades de um trabalho acadêmico, sem deixar de expressar seu lado criativo, atrevendo-
se a ir além, submetendo-nos a outras possibilidades de refletir teoricamente nossa prática,
logrando o material aqui apresentado, que não diferente de toda a proposta, visa sobrepor os
diversos saberes em uma rede rizomática de significados possíveis, através de incontáveis
percursos, sem hierarquizá-los.
101
Olhar para trás e observar as pegadas deixadas nos trajetos, nos dá a satisfação e a dimensão
do esforço colocado no mesmo. Compreender como é possível atingir o objetivo de criar
através de manifestações populares, perdidas em meio às serras, e transversar a mesma na
contemporaneidade das memórias de uma sociedade ocupada demais para ouvir a voz dos
ancestrais, nos deu a oportunidade de re-significar o próprio fazer artístico.
Constata-se, através de tal processo, a necessidade latente de olharmos para nosso passado no
presente e procurarmos nele pontos iniciais de novas construções de sentido. E a partir dessa
dinâmica, ampliar os espaços reflexivos de nossas atuações artísticas, através de uma arte que
versa sobre nossas próprias histórias, que fala do universo de nosso quintal, estando na casa do
mundo.
Tradição e contemporaneidade em artes são uma bela mescla de possibilidades para a criação
de nossos fazeres artísticos e sensíveis. Possibilitando tanto as comunidades geradoras de tais
tradições, quanto para a sociedade perdida em suas próprias dinâmicas tecnológicas; pontes de
diálogo e reflexão das diferentes perspectivas vividas, aumentando os espaços de partilha, e de
respeito ao próximo, num encontro com o essencial, reconhecendo que somos parte de um
mesmo todo mestiço, rico em suas tradições primeiras e fortes em suas possibilidades híbridas.
Tais processos criativos, envolvendo tradição e tradução, projetam as artes para novos
territórios, possíveis platôs para uma sociedade transformada, capaz de diminuir os vácuos de
sentido, e de expressões, em meio à catarse diária do viver cotidiano.
102
Performance Rosarina, 2006
Intérprete: Samira Catarino Foto:Reyner Araújo
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