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Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp012671.pdf · universidade estadual do cearÁ – uece eluziane gonzaga mendes de espaÇo comunitÁrio a espaÇo do turismo – conflitos

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR UECE

    Eluziane Gonzaga Mendes

    DE ESPAO COMUNITRIO A ESPAO DO TURISMO

    CONFLITOS E RESISTNCIAS EM TATAJUBA, CAMOCIM/CE

    Dissertao apresentada ao Mestrado Acadmico em Geografia do Centro de Cincias e Tecnologia da Universidade Estadual do Cear, como requisito parcial para obteno do ttulo de mestre. rea de concentrao: Anlise Geoambiental Integrada e Ordenao do Territrio nas Regies Semi-ridas e Litorneas. Linha de Pesquisa: Sociedade, Espao e Cultura. Orientadora: Dr. Luzia Neide M. T. Coriolano

    Fortaleza - CE Abril - 2006

  • Universidade Estadual do Cear - UECE

    Mestrado Acadmico em Geografia - MAG

    Ttulo do Trabalho: De Espao Comunitrio a Espao do Turismo Conflitos e Resistncias em Tatajuba - Camocim/CE

    Autora: Eluziane Gonzaga Mendes

    Defesa em: 12 / 04 / 2006 Conceito obtido: Satisfatrio com louvor

    Nota obtida: 10,0

    Banca Examinadora

    Prof. Dr. Luzia Menezes Teixeira Coriolano (UECE) Orientadora

    Prof. Dr. Zenilde Baima Amora (UECE)

    Prof. Dr. Antnio Jeovah de Andrade Meireles (UFC)

  • FICHA CATALOGRFICA

    M538e Mendes, Eluziane Gonzaga De Espao Comunitrio a Espao do Turismo -

    Conflitos e Resistncias em Tatajuba, Camocim Cear /Eluziane Gonzaga Mendes. Fortaleza, 2006. 192 f.; il. Orientadora: Prof. Dr. Luzia Neide MenezesTeixeira Coriolano. Dissertao (Mestrado Acadmico em Geografia) Universidade Estadual do Cear, Centro de Cincias eTecnologia. 1. Comunidades. 2. Territrio. 3. Polticas. 4. Turismo.I. Universidade Estadual do Cear, Centro de Cincias eTecnologia. CDD: 380.609181131

  • s comunidades litorneas do Cear, exemplo de luta pela

    terra e pela vida.

    Aos meus pais, Francisco Mendes e Maria Gonzaga

    exemplos de fora e amor incondicional.

    A todos os que acreditam

    ser possvel a transformao da sociedade.

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus, agradeo pelo dom da vida. Por meio dela, deu-me a

    oportunidade de realizar este trabalho; concedeu-me razo, esprito investigativo,

    fora de vontade, rompendo os medos trazidos pela inexperincia na arte de

    pesquisar.

    O rompimento com o medo e a fora de vontade conduziram-me Prof.

    Dr. Luzia Neide M. T. Coriolano, que me aceitou como bolsista de Iniciao

    Cientfica, ainda na graduao em Geografia, e, mediante suas orientaes, inseriu-

    me no mundo da pesquisa. Ao cursar o Mestrado, na metade do caminho, aceitou

    acompanhar-me pelas trilhas da cincia que nos levou a Tatajuba. Portanto, minha

    imensa gratido pelas orientaes, amizade e confiana doadas em um ato

    recproco e verdadeiro.

    Ao Prof. Dr. Luiz Cruz Lima, primeiro orientador da pesquisa, coordenador

    do NETTUR-Laboratrio de Estudos do Territrio e Turismo, juntamente com a Prof.

    Dr. Luzia Neide Coriolano, meus agradecimentos pela amizade, apoio e confiana

    depositados no meu trabalho como componente do NETTUR, onde foram realizados

    todos os trabalhos de gabinete, e em meio a tantas atividades desenvolvidas no

    perodo do Mestrado.

    Ao Instituto Terramar, de modo especial a Rosa Martins, por me haver

    apresentado comunidade de Tatajuba. Com seu apoio, foi possvel escolher este

    lugar como foco da pesquisa, representando a realidade da turistificao do litoral

    cearense. Ainda no Terramar, agradeo as colaboraes de Sheila Nogueira e

    Jefferson de Sousa.

    Ao Ncleo de Educao Ambiental do IBAMA/CE, pela participao no

    Diagnstico Scioeconmico de Tatajuba. Em especial, sou grata pelo apoio

    recebido de gueda Coelho, com a concesso de informaes que foram

    imprescindveis para o desenvolvimento do trabalho.

  • Ao Prof. Dr. Antnio Jeovah A. Meireles, pelas preciosas crticas e

    sugestes, durante o Exame da Qualificao, e, especialmente a Prof. Dr. Zenilde

    Baima Amora, por sua colaborao no aprimoramento da metodologia da pesquisa e

    Prof. Ms. Ana Matos Arajo, pelas crticas e leituras dos fragmentos da pesquisa,

    incentivando-me com suas palavras de fora e estmulo.

    Aos professores ministrantes das disciplinas cursadas no Mestrado

    Acadmico em Geografia. Aos Professores Dr. Daniel Pinheiro e Dr. Lidriana de

    Souza, agradeo pela confiana e respeito a mim depositados ao realizar o

    ENGS2005. Assim como, sou agradecida aos colegas de curso que compartilharam

    das discusses, ansiedades e da realizao do I Encontro Nacional de Geografia e

    Sustentabilidade-ENGS2005: Ana Maria, Davis de Paula, Edilce Dias, Jader Sousa,

    Joo Srgio, Josimeire Barreto, Marcelo Gondim, Marlia Colares, Paulo Sucupira,

    Sergiano Arajo; e, em especial, a minha amiga Adriana Marques Rocha, pela

    sincera amizade, discusses tericas, leituras crticas e o compartilhar de sonhos e

    utopias, alm de tantas atividades realizadas no Mestrado e no NETTUR.

    A todos os meus colegas, bolsistas e estagirios do NETTUR

    Laboratrio de Estudos do Territrio e Turismo, em particular, Camila, Enyvldia,

    Inara, Kleiton e Marcela, pela ajuda, amizade, respeito e apoio doados em todos os

    momentos em que precisei de suas colaboraes, alm do constante incentivo para

    continuidade do trabalho de pesquisa. Em especial, agradeo ao querido Aridenio

    Quintiliano, pelo afeto, sincera amizade, diversas e constantes colaboraes, alm

    do incessante encorajamento.

    Aos moradores da comunidade de Tatajuba, pela amizade gerada ao

    longo das viagens de pesquisa e pelos depoimentos e entrevistas concedidas, em

    especial Maria do Livramento Carneiro dos Reis (Mariazinha), Maria Iolene Pontes,

    Antnio Carneiro dos Reis (Toinho), Maria Jos de Arajo (Dona Maz), Sr. Manoel

    Ricardo Arajo, Marlene Faanha, Ivan Bezerra, Pedro Ivo da Silva (Ivo), Edvandir

    de Souza Monteiro (Didi), Sr. Oswaldo Mateus, Maria Carneiro de Albuquerque (Tia

    Bio), Antnio Carneiro da Silva, Vera Carneiro de Souza, Joo Bastista dos Santos

    (Tita), Maria Ivaneide da Silva (nen) e ao Marcos Aurlio Pozzan.

  • s funcionrias Gerda, Jlia, Janana e ao Elesbo pelo atendimento s

    minhas solicitaes Secretaria do Mestrado.

    Ao Prof. Dias da Silva e Dona Luizinha da Silva, agradeo pela amizade

    e a correo de alguns textos preliminares da pesquisa.

    Ao amigo e professor de francs, Charles R. Teixeira, agradeo

    imensamente pela reviso do rsum deste trabalho.

    A todas instituies que cederam dados e informaes, complementando

    a pesquisa.

    Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico-

    CNPq-Brasil, pela concesso de bolsa de estudo, essencial ao desenvolvimento do

    trabalho.

    Aos meus amados pais, Francisco Mendes e Maria Gonzaga Mendes,

    pela dedicao, apoio e amor incondicional. Aos meus irmos, Evinaldo, Evenilson

    e Reginaldo, pelo apoio e admirao. Ainda no mbito familiar, agradeo em

    especial, a minha cunhada Cristiane Mendes, pelas constantes leituras dos textos,

    fora e admirao.

    Enfim, a todos os amigos que incentivaram o desenvolvimento desse

    trabalho, que acreditam na Geografia, na pesquisa cientfica e na existncia de uma

    sociedade mais justa e solidria. O meu muito obrigada.

  • RESUMO

    A turistificao do litoral, implementada pelas polticas privadas e pblicas

    preparam o territrio para receber as empresas, transformando os espaos

    comunitrios em locus do turismo, sendo os conflitos e resistncias imanentes a

    esse fenmeno. Esta dissertao teve como objetivo analisar a produo e a

    valorizao do espao litorneo para o desenvolvimento do turismo. A metodologia

    etnogrfica e a abordagem qualitativa conduziram a investigao e a teoria crtica da

    Geografia a anlise. A transformao do litoral em mercadoria, para o setor

    imobilirio e turstico um dos vetores da pesquisa que se realizou no Municpio de

    Camocim e na comunidade litornea de Tatajuba, que ao complementarem o

    turismo de Jericoacoara, tornaram-se objetos de interesse da especulao

    imobiliria e das empresas do turismo. Nesse lugar vivenciado conflito fundirio

    entre os residentes contra grileiros e especuladores imobilirios, que buscam se

    apropriar de terras para seus empreendimentos. O conflito que se apresentou pela

    desarticulao entre os moradores, por um lado, ocasionou a diviso interna, e de

    outra parte, despertou na comunidade a resistncia ao turismo de grandes

    empreendimentos e a descoberta de possibilidades, sendo o turismo comunitrio

    uma das perspectivas.

    Palavras-chave: 1. Comunidades 2.Territrio 3. Polticas 4. Turismo

  • RSUM

    La turistification de la zone ctire implante par les politiques privs et

    publiques preparent le territoire pour recevoir les entreprises, en transformant les

    espaces communautaires en locus du tourisme. Les conflits et les rsistences

    appartiennent ce phnomne. Cette dissertation a eu comme objective analyser la

    production et valorization de la zone ctire pour le dveloppement du tourisme. La

    methodologie etnographic et linvestigation qualitative sont t la base de la

    recherche et la thorie critique de la Gographie a t la base de lanalyse. La

    transformation de la zone ctire en marchandise du secteur immobiliire et

    touristique est un des lments de la recherche. Lespace de linvestigation est la

    commune du Camocim et la communaut des pecheurs de Tatajuba. Ces endroits

    ont t transform en objet dintrt de la spculation sour les terrains et par les

    entreprises touristiques. A Tatajuba il y a de conflit de terre entre les rsidents, les

    grileiros et les spculateurs (agents immobiliers), car les drnieres dsirent

    saproprier des terres natifes pour ses propres affaires. Il faut mettre en relief que

    Tatajuba fait partie de la region touristique de Jericoacoara, plage trs connue. Le

    conflit, qui inquiete les habitants, a instigu la division interne, en faisant que les

    habitants cherchent des nouvelles possibilits dont le tourisme communautaire est

    une des perspectives.

    Mots-cl: 1. Communauts 2. Territoire 3. Politique 4. Tourisme

  • SUMRIO

    1 INTRODUO .............................................................................................. 14

    2 A TRILHA METODOLGICA ....................................................................... 19 2.1 A Pesquisa Etnogrfica e a Abordagem Qualitativa................................... 21

    2.2 Os Momentos da Pesquisa ........................................................................ 26

    3 TATAJUBA O LUGAR E SUA PAISAGEM............................................... 32 3.1 As Vilas de Pescadores e suas Prticas Cotidianas .................................. 41

    3.2 A Atrao da Paisagem Litornea.............................................................. 60

    4 TERRITRIO DE CONFLITOS E RESISTNCIAS ...................................... 79 4.1 A Valorizao e a Especulao da Terra. .................................................. 85

    4.2 O Territrio Local em Disputa..................................................................... 95

    5 DE ESPAO COMUNITRIO A ESPAO DO TURISMO ......................... 117 5.1 As Contradies da Poltica de Turismo no Espao Cearense ................ 118

    5.2 Tatajuba: entre Passeios e Rotas Tursticas ............................................ 134

    5.3 O Turismo Comunitrio: Nova Proposta................................................... 142

    6 CONSIDERAES FINAIS ........................................................................ 161 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .............................................................. 165

    ANEXOS ........................................................................................................ 176

  • LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS APP - reas de Preservao Permanente

    BN - Banco do Nordeste do Brasil S.A

    CAEN Curso de Mestrado em Administrao e Economia da

    Universidade Federal do Cear

    CDPDH - Centro de Defesa e Promoo dos Direitos Humanos

    CNPT-IBAMA - Conselho Nacional de Populaes Tradicionais/IBAMA

    DPU Departamento do Patrimnio da Unio

    ETENE - Escritrio Tcnico de Estudos Econmicos do Nordeste / BN.

    IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovveis

    IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IDACE Instituto de Desenvolvimento Agrrio do Cear

    INSTITUTO TERRAMAR - Instituto Terramar de Assessoria Pesca

    IPECE Instituto de Pesquisa e Estratgia Econmica do Cear

    IPLANCE Fundao Instituto de Pesquisa e Informao do Cear

    MAG Mestrado Acadmico em Geografia

    NEA-IBAMA - Ncleo de Educao Ambiental/IBAMA

    NETTUR Laboratrio de Estudos do Territrio e Turismo

    ONG - Organizao No-Governamental

    PDDU - Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Camocim

    PDITS - Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentvel

    PNMT - Programa Nacional de Municipalizao do Turismo

    PRODETUR-CE - Programa de Ao para o Desenvolvimento do Turismo no Cear

    PRODETURIS-CE - Programa de Desenvolvimento do Turismo em rea Prioritria

    do Litoral do Cear

    RESEX - Reserva Extrativista

    SETUR Secretaria de Turismo do Cear

    UECE Universidade Estadual do Cear

    UFC Universidade Federal do Cear

    ZEE Zoneamento Ecolgico-Econmico

  • LISTA DE FIGURAS, MAPAS, QUADROS E GRFICOS

    NDICE DE FIGURAS 1 Rio Corea Camocim-CE......................................................................... 36

    2 Rio Corea e Vista da Beira Rio, Camocim-CE ........................................ 36

    3 Antigas casas de pescadores de Tatajuba................................................... 37

    4 rvore Tatajuba............................................................................................ 38

    5 Ponto de venda (leo e gasolina)................................................................. 43

    6 Igreja catlica, Tatajuba CE ...................................................................... 44 7 Praa de Tatajuba ........................................................................................ 44

    8 Casa de farinha Vila Nova......................................................................... 47 9 Agricultura de subsistncia........................................................................... 47

    10 Paisagem da Baixa da Tatajuba................................................................. 48

    11 Projetos do Pro-Renda .............................................................................. 48

    12 Vista da duna Branca ................................................................................. 50

    13 Canoas na regata de Tatajuba ................................................................... 56

    14 Canoa na Lagoa da Torta........................................................................... 56

    15 Paisagem panormica da gamboa de Tatajuba ......................................... 60

    16 Falsias vivas - litoral de Camocim-CE...................................................... 64

    17 Formao Camocim CE .......................................................................... 64

    18 Duna Barcana ............................................................................................ 69

    19 Dunas com eolianitos ................................................................................. 69

    20 Migrao das dunas sobre a gamboa ........................................................ 71

    21 Ecossistema manguezal............................................................................. 73

    22 Ponte sobre o mangue ............................................................................... 73

    23 rea de tabuleiros em Tatajuba ................................................................. 74

    24 Criao de cabras ...................................................................................... 74

    25 rea apropriada pela empresa imobiliria .................................................. 99

    26 Placa da empresa imobiliria ................................................................... 102

    27 Logstica projetada pelo PRODETUR-NE II ............................................. 107

    28 Associao Comunitria dos Moradores de Tatajuba ACOMOTA ........ 109

    29 Localizao de empreendimentos tursticos no litoral .............................. 130

  • 30 Estrutura do Boa Vista Resort & Conference Centre ............................... 132

    31 Koala Passeios Jericoacoara/CE .......................................................... 138

    32 Roteiro turstico CE-PI-MA em Jericoacoara............................................ 139

    33 Estrutura do Hotel Aventuras ................................................................... 140

    34 Pousada Verde Folha............................................................................... 148

    35 Casa da Marlene ...................................................................................... 148

    36 Pousada Brisa do Mar............................................................................. 149

    37 Pousada Santa Maria (em construo) ................................................... 150

    38 Pousada Santa Maria (em funcionamento) ............................................. 150

    39 Lagoa da Torta ......................................................................................... 153

    40 Barracas na Lagoa da Torta..................................................................... 153

    41 Buggies de passeios vindos de Jericoacoara........................................... 154

    42 X Regata Ecolgica de Canoas de Tatajuba, Camocim CE................. 157

    43 Canoa vencedora da X Regata de Tatajuba ............................................ 157

    NDICE DE MAPAS 1 Municpio de Camocim CE........................................................................... 33

    2 Acessos a Tatajuba.......................................................................................... 35

    3 Localizao das vilas de Tatajuba e rea do empreendimento

    turstico................................................................................................................. 42

    4 rea de Proteo Ambiental de Tatajuba, Camocim-CE

    Lei Municipal N 559/94....................................................................................... 67

  • NDICE DE QUADROS 1 Situao das posses existentes nas vilas de Tatajuba .............................. 101

    2 Proposta de doao de terras para Tatajuba ............................................. 114

    3 Equipamentos dos meios de hospedagem e complexos tursticos de

    Camocim ........................................................................................................ 127

    4 Meios de hospedagem de Tatajuba ........................................................... 147

    5 Barracas de Tatajuba ................................................................................. 152

    6 Trilhas e atrativos de Tatajuba ................................................................... 155

    7 Sntese da histria de Tatajuba, Camocim-CE........................................... 188

    NDICE DE GRFICOS 1 Principais atrativos tursticos de Jericoacoara............................................. 135

    2 Comunidades conhecidas pelos residentes e turistas de Jericoacoara ...... 137

  • 1. INTRODUO

    Esta dissertao intitulada De Espao Comunitrio a Espao do Turismo Conflitos e Resistncias em Tatajuba, Camocim-CE analisa a produo e a valorizao do espao litorneo para o desenvolvimento do turismo, a partir de

    conflitos, resistncias e contradies na produo socioespacial das comunidades

    de pescadores - especialmente em Tatajuba.

    O turismo temtica de relevncia para a Geografia, pois, nas ltimas

    dcadas, constitui um dos principais elementos na produo e consumo dos

    espaos. A modernidade cria inovaes tecnolgicas que se implantam nos lugares

    selecionados pelo capital, como os do turismo, atendendo esta demanda especfica,

    que exige infra-estruturas como condio para dinamizar o mercado global, nacional

    e local.

    No litoral nordestino e, em especial, no cearense, foram instalados

    resorts, aeroportos, grandes hotis, parques temticos, empreendimentos tursticos,

    na tentativa de realinhar o espao local ao locus global. Vrios equipamentos

    urbanos e tcnicos foram implantados para modernizar o litoral, direcionando-o para

    o turismo, tendo em vista os que podem usufruir dessa modalidade de consumo o

    lazer de viagem. A produo do espao para o turismo, no entanto, entra em conflito

    com os interesses das famlias que, por geraes, habitam secularmente no litoral,

    sendo pressionadas a cederem suas terras. Os espaos comunitrios so

    expropriados pelos especuladores imobilirios para venda de loteamentos e

    implantao de equipamentos tursticos, originando mais conflitos pela terra no

    litoral, somados aos existentes, como o da defesa da pesca artesanal.

    Os complexos tursticos so preferidos pelos turistas por serem

    reconhecidos como lugares seguros, mesmo os alocados em regies consideradas

    subdesenvolvidas, como o Nordeste. O territrio litorneo, antes espao dos

    chamados povos do mar, vivido por comunidades centenrias, alvo de

  • 15

    descaracterizao, quando moradores so expulsos de suas terras para dar lugar

    construo de empreendimentos tursticos e equipamentos de luxo. Esse processo

    gera nova configurao espacial e evidencia territrios dominados por

    empreendedores do turismo. Estas transformaes modificam o cotidiano local. Se,

    antes, predominavam relaes diretas entre pescadores e suas famlias com a

    natureza, agora, empresrios, empreendedores e comerciantes aparecem como

    mediadores dessas relaes e desfrutam deste privilgio.

    Os grandes empreendimentos tursticos alocam-se em reas dotadas de

    valor paisagstico, mas algumas, ocupadas por comunidades pesqueiras, portanto,

    desarticulam estas primeiras ocupaes. Apresentam a caracterstica peculiar, de

    receber turistas em suas dependncias e ocup-los com entretenimento, de tal

    ordem que no sobre tempo livre para interao e contatos fora de suas

    dependncias, o que inviabiliza o conhecimento da comunidade local. O valor

    paisagstico serve como ferramenta para atrair turistas que se encantam com os

    cenrios naturais e com a riqueza dos equipamentos tursticos, a maioria integrante

    do circuito hoteleiro mundial. Estas estncias de frias e do turismo das elites so

    objetos de engenharia projetados especificamente para o consumo do lazer, e

    constituem cones do turismo de sol e praia no Nordeste brasileiro.

    Com a valorizao do litoral cearense pelo turismo, ocorreu aumento da

    demanda de residentes para esse espao, desencadeando o processo de ocupao

    do litoral pelo veraneio (segundas residncias) e, posteriormente pelos servios

    tursticos. Dessa forma, desenvolveu-se o fenmeno da turistificao1 litornea em

    diversos pases. O processo de turistificao do litoral implementado pelas

    polticas privadas e pblicas, que preparam o territrio para receber os

    empreendimentos tursticos. Faz-se necessrio compreender o fenmeno turismo

    litorneo, assim como a transformao dos espaos pelo e para o turismo. O locus

    de investigao desta pesquisa o Municpio de Camocim e a comunidade litornea

    de Tatajuba, que ao complementarem o turismo de Jericoacoara, tornaram-se

    1 A despeito de este neologismo no possuir, ainda, registro dicionarizado, largamente utilizado no jargo das disciplinas vinculadas ao estudo cientfico do turismo, motivo porque se aceita pelo fato de no haver expresso correspondente na lngua culta com a conotao que se lhe confere no emprego, certamente, muito em breve, os lexicgrafos a oficializaro nas suas obras. O significado deste conceito, no entanto, ser definido nos prximos textos. Emprega-se a palavra, aqui, sempre em itlico.

  • 16

    objetos de interesse da especulao imobiliria, das empresas e Polticas Pblicas

    de Turismo.

    A escolha do objeto da dissertao decorreu da revalorizao deste litoral

    pelo novo Programa de Regionalizao do Turismo, com a indicao desta regio

    para integrar o roteiro Cear-Piau-Maranho (CE-PI-MA). O litoral oeste serve de

    exemplo de turismo regionalizado. Esta regionalizao integra os roteiros tursticos

    do litoral oeste cearense com o delta do Parnaba - e os lenis maranhenses, cuja

    inteno viabilizar demandas de consumo para esta moderna mercadoria o

    turismo.

    As polticas de regionalizao, a nova produo espacial e os novos usos

    contribuem para ensejar conflitos pela posse da terra e por espaos para a

    implementao do turismo. Tatajuba apresenta-se como uma das comunidades que

    enfrenta destemidamente a defesa de suas terras. Essa agressiva reordenao

    territorial e a cooptao de lugares para a produo de espaos tursticos situou o

    litoral cearense no menu do mercado mundial, ocasionando impactos

    socioambientais. Novas reas configuram-se, apesar de uma srie de embates pela

    apropriao e uso da terra.

    As polticas de turismo ampliam aes em todo o litoral oeste, objeto da

    disputa no mercado turstico globalizado, confrontando usos tradicionais com

    atividades modernas. Como atividade econmica estimulada pelas polticas pblicas,

    o turismo passou a ser considerado um dos principais vetores da reproduo

    socioespacial do litoral cearense, abrindo um campo de lutas entre os lderes

    comunitrios, grileiros, especuladores, empresas imobilirias e os promotores do

    turismo.

    Camocim revalorizado pelas empresas tursticas, que instalam seus

    empreendimentos, especialmente grandes hotis, resorts e centros de eventos e

    lazer, como o caso, do Condado Ecolgico de Camocim. A alocao desses

    empreendimentos tursticos exige extenses de terras da ordem de centenas de

    hectares, normalmente terras que tm grande valor paisagstico e que passam por

    litgio entre os que tm a posse e os que dizem ter o domnio, como o caso das

  • 17

    quatro vilas que compem Tatajuba, rea ocupada secularmente por pescadores, e

    que ameaada por empresrio que se declara proprietrio de todas as terras da

    comunidade.

    Nesse lugar, vivenciado conflito fundirio entre grileiros, especuladores,

    empresa imobiliria e residentes. Os primeiros buscam apropriar-se de terras para

    seus empreendimentos e a comunidade luta para defender suas posses. O conflito

    instigou parte dos residentes a resistir ao turismo de resorts e aos grandes

    empreendimentos imobilirios. As reaes so esboadas mediante a crtica ao

    turismo de elite, levando ao fortalecimento da organizao dos residentes em

    associaes para luta e a defesa de suas terras.

    A comunidade entende que este tipo de turismo nocivo ao litoral, e, a

    exemplo da Comunidade da Prainha do Canto Verde, busca desenvolver um turismo

    de forma que beneficie o lugar, que oferea oportunidades para a sobrevivncia

    local e participao na sociedade de consumo. Ressalta-se que a luta na

    comunidade de Tatajuba no homognea, existindo os que acreditam que a

    grande hotelaria trar benefcios imediatos. Estes colaboram com os especuladores,

    identificando terras vendveis e ajudando a enfraquecer a resistncia comunitria. A

    luta divide a comunidade, existindo residentes que so cooptados pelos interesses

    exgenos e os que so contra a construo dos equipamentos tursticos. Buscando

    entender a realidade de Tatajuba, foram levantados alguns questionamentos que se

    apresentam como norteadores desta pesquisa, bem como se formulou os objetivos

    que se pretendeu alcanar. Assim, interroga-se:

    em que medida os empreendimentos tursticos provocam transformaes sociais

    e territoriais no litoral, revalorizando Tatajuba e contrariando os interesses da

    comunidade?

    Quais so as terras em disputa e quem so os especuladores?

    Como ocorrem os conflitos de terras no litoral?

  • 18

    Quais so as principais estratgias das organizaes comunitrias?

    Quais so as polticas que reestruturam o litoral cearense para implantao dos

    empreendimentos tursticos?

    Como as polticas comunitrias podem romper com o modelo formal do turismo,

    promovendo melhor distribuio?

    Na construo e reconstruo do espao, os conflitos so imanentes.

    Nesse sentido, buscou-se compreender o fenmeno da produo e valorizao do

    espao de Tatajuba, mediante o mtodo de investigao etnogrfico, com

    abordagem qualitativa. Foram utilizados depoimentos, declaraes, histrias de

    vida, observao participativa e narraes sobre o fenmeno estudado, buscando

    interpret-lo luz das teorias e conceitos.

    Esta dissertao est apresentada em cinco partes. Primeiramente, foi

    esboado breve estudo sobre a metodologia etnogrfica e a abordagem qualitativa,

    como subsdios aos estudos geogrficos das comunidades e do turismo litorneo,

    delineando os momentos e os passos da pesquisa. Em seguida, buscou-se

    conhecer a comunidade de pescadores de Tatajuba, caracterizar o lugar, suas

    prticas cotidianas, os atrativos locais e as paisagens como objeto da disputa e de

    conflito. Na quarta parte, analisa-se a luta pela terra, utilizando-se conceitos

    geogrficos e econmicos, para compreender a organizao, valorizao e

    especulao de terras e/ou a questo fundiria.

    Ato contnuo, investiga-se a realidade de Tatajuba, elabora-se um

    panorama das contradies do espao e da poltica, refletido na produo de

    espaos privatizados e dos espaos do turismo, e a insero de Tatajuba nos

    passeios e rotas tursticas regionais, bem como as tentativas de elaborao do

    turismo comunitrio como proposta alternativa. Enfim, chega-se a consideraes que

    foram extradas do estudo terico-emprico, apoiadas na sntese cronolgica que

    revela os conflitos e as resistncias na comunidade de Tatajuba, Camocim-CE.

  • 19

    2. A TRILHA METODOLGICA

    Certo, ns no mudaremos o mundo, mas podemos mudar o modo de v-lo. Isto importante porque s assim poderemos escapar do dogmatismo epistemolgico e marcar um encontro com o futuro (SANTOS, 2004, p. 40).

    A pesquisa cientfica um ato de elaborao. Com efeito, prepara-se um

    caminho que possa contribuir para facilitar a apreenso da realidade emprica que

    dever ser teorizada, analisada e explicada. Nesse movimento, ensina Demo (1999,

    v. 14, p.10), preciso construir a necessidade de elaborar caminhos e no receitas

    que tendem a destruir o desafio da construo. Assim, cada pesquisador encontra

    uma trilha mais adequada aos seus objetivos.

    A natureza do objeto de pesquisa sugere caminhos para escolha do

    mtodo, de investigao e interpretao, apropriado para anlise. a natureza dos

    problemas que determina o mtodo, isto , a escolha do mtodo se faz em funo

    do tipo de problema pesquisado, anotam Ldke e Andr (1986, p.15). Admitiu-se

    que a fase exploratria contribuiria para a definio da natureza do fenmeno

    analisado. Deslandes (1994, p.32) define as etapas que determinam a explorao do

    fenmeno, expressando que

    a fase exploratria termina quando o pesquisador define seu objeto de pesquisa, constri o marco terico conceitual a ser empregado, definiu os instrumentos de coleta de dados, escolhe o espao e o grupo de pesquisa, define a amostragem e estabelece estratgias para entrada no campo.

    Assim, a fase exploratria facilitou a constituio dos momentos da

    pesquisa de campo e da escolha do caminho metodolgico. Segundo Minayo (1994,

    p.16), a metodologia o caminho do pensamento e a prtica exercida na

    abordagem da realidade. Neste sentido, a metodologia ocupa um lugar central no

    interior das teorias e est sempre referida a elas. No que se refere ao mtodo,

  • 20

    Demo (op.cit, p.24), assinala que a teoria coloca a discusso sobre concepes de

    realidade. O mtodo situa a discusso sobre concepes de cincia, dos conceitos

    explicativos da realidade.

    Outra explicao sobre mtodo foi retirada das concepes de Moraes e

    Costa (1999, p.27), que mostram duas etapas desse processo a de interpretao e

    a da pesquisa / investigao:

    O primeiro diz respeito concepo de mundo do pesquisador, sua viso da realidade, da cincia, do movimento etc. a sistematizao das formas de ver o real, a representao lgica e racional do entendimento que se tem do mundo e da vida. [...] mtodo de interpretao uma concepo para a conduo da pesquisa cientfica; a aplicao da pesquisa cientfica; a aplicao de um sistema filosfico ao trabalho da cincia. J o mtodo de pesquisa refere-se ao conjunto de tcnicas utilizadas em determinado estudo. Relaciona-se, assim, mais aos problemas operacionais da pesquisa que a seus fundamentos filosficos.

    A explicao de Moraes e Costa (1999) mostra que o mtodo de

    interpretao a concepo de mundo do pesquisador, a atitude poltica e o

    posicionamento terico da realidade analisada, que nesta pesquisa fundamentado

    pela teoria crtica da Geografia. J o mtodo de pesquisa refere-se aos instrumentos

    e tcnicas de coleta de dados e informaes, que, para Minayo (1994) se denomina

    metodologia, prtica exercida na abordagem da realidade que influencia diretamente

    no mtodo da pesquisa, com esse propsito foi empregada a etnografia e a

    abordagem qualitativa.

    A compreenso dos fenmenos sociais no algo fcil de realizar, pois a

    realidade no acontece de maneira harmnica e homognea nos lugares. Cada

    agente e elemento que edificam o espao singularizam os fenmenos sociais, da

    por que as pesquisas colaborarem na tentativa de revelar os fenmenos pela

    constituio das anlises (snteses). Ressalta Seabra (2001, p.13) que conhecer a

    realidade no significa necessariamente desvendar a verdade de forma clara e

    transparente, mas parte dela. Os conflitos pela terra e as resistncias em Tatajuba

    ajudam a desvendar a produo espacial do territrio litorneo cearense pelo

    turismo. Os recortes so necessrios, pois a cincia [...] no alcanando dominar o

  • 21

    todo, avana por meio da estratgia aproximativa das relevncias discernveis

    (DEMO, op. cit., p.33).

    Neste segmento da dissertao, trabalha-se a formulao metodolgica

    para o desenvolvimento da pesquisa, assim como a narrao dos momentos que

    possibilitaram o caminhar da pesquisa e elaborao da anlise. Nesse sentido,

    priorizou-se como mtodo de investigao a abordagem qualitativa, por intermdio

    da etnografia, voltada para estudos de comunidades inseridas em conflitos pela

    terra, acirrados pelo processo de captao de espaos litorneos para o uso

    turstico.

    2.1 A Pesquisa Etnogrfica e a Abordagem Qualitativa

    As realidades sociais, traduzidas por suas expresses, smbolos e

    culturas no espao, so representaes complexas. Para analisar processos sociais,

    deve-se buscar a compreenso da totalidade para que os fenmenos no fiquem

    descontextualizados, mesmo com o estudo de realidades microscpicas. Nessa

    perspectiva, necessita-se, sobretudo, formular conceitos que nos orientem a

    harmonizar e integrar estratgias capazes de lidar com as complexidades do

    processo social e os elementos da forma espacial. Essa uma das contribuies de

    Harvey (1980, p.17) para a formulao de mtodos de pesquisa da anlise do

    espao geogrfico.

    O real, em sua plenitude, apresenta-se ao pesquisador como algo catico

    e complexo, que a pesquisa e a explicao buscam desvendar. Morin (2003, p.148),

    estudioso francs da Teoria da Complexidade, estuda o processo dialtico de

    compreenso da realidade complexa e salienta que

  • 22

    [...] a complexidade a unio da simplicidade e da complexidade; a unio dos processos de simplificao que so a seleo, a hierarquizao, a separao, a reduo, com os outros contraprocessos que so a comunicao, que so a articulao do que est dissociado e distinguido e o escapar alternativa entre o pensamento redutor que s v os elementos e o pensamento globalista que v o todo.

    Na busca da compreenso da complexidade do emprico, subsidiada pelo

    entendimento acerca de metodologia e mtodo, e pela aplicao da fase exploratria, optou-se pelo mtodo de investigao etnogrfico, com abordagem

    qualitativa, sendo que os dados precisam de interpretao. Para Haguette (1987,

    p.55), os mtodos qualitativos enfatizam as especificidades de um fenmeno em

    termos de suas origens e de sua razo de ser. A autora (idem, ibid) ressalta que os

    qualitativistas garantem que essa abordagem capaz de

    [...] fornecer uma compreenso profunda de certos fenmenos sociais apoiados no pressuposto da maior relevncia do aspecto subjetivo da ao social face configurao das estruturas societrias, seja a incapacidade da estatstica de dar conta dos fenmenos complexos e dos fenmenos nicos.

    No mesmo sentido, Ldke e Andr (op.cit, p.13), embasados pelas

    definies de Bogdan e Biklen (1992), explicam que

    A pesquisa qualitativa ou naturalstica envolve a obteno de dados descritivos, obtidos no contato do pesquisador com a situao estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes. Entre as vrias formas que podem assumir uma pesquisa destacam-se a do tipo etnogrfico e o estudo de caso.

    A metodologia etnogrfica adequa-se investigao de comunidades e

    suas representaes. Essa abordagem na Geografia possibilita enriquecer a anlise

    da realidade estudada pelos gegrafos, especialmente quando se trata da realidade

    de uma cultura particular (NOGUEIRA, 2003). Para esta metodologia, a observao

    participante, as entrevistas, a histria oral e a histria de vida so as principais

    tcnicas e foram aqui utilizadas, em momentos especficos da pesquisa. Vale

  • 23

    salientar que as tcnicas qualitativas contribuem para captao dos fenmenos,

    dando sentido noo de processo (HAGUETTE, op. cit, p.75).

    A metodologia etnogrfica apresenta caminhos para a percepo das

    caractersticas e estratgias das culturas2, contribuindo na anlise das prticas

    cotidianas das comunidades. No litoral cearense, identificaes culturais foram

    constitudas. As comunidades pesqueiras, mesmo com o pluralismo econmico3,

    sobrevivem diretamente dos recursos da natureza. Nas cidades, o urbano produz

    ligao secundria com a natureza, intermediada pelas atividades industriais que

    criam produtos para serem consumidos, acrescido do turismo e do consumo de

    servios. Estas culturas entram em conflito quando uma tenta sucumbir a outra.

    A metodologia etnogrfica ajuda na percepo destas culturas e de suas

    estratgias, contribuindo para compreenso de conflitos e resistncias nas

    comunidades, bem como o fenmeno da produo do espao litorneo. Oliveira

    (2001, p.17) revela que o mtodo assinala, portanto, um percurso escolhido entre

    outros possveis. No sempre, porm, que o pesquisador tem conscincia de todos

    os aspectos que envolvem este seu caminhar; nem por isso deixa de assumir um

    mtodo.

    As anlises etnogrficas no se restringem apenas s comunidades

    tradicionais e/ou rurais, mas tambm, aos grupos urbanos, de imigrantes, das

    fbricas, de bairros, entre outros (BATZN, 1996). O autor (op.cit, p.18) revela que

    nos estudos etnogrficos destacam-se dois momentos fundamentais: o processo e o

    produto. Ressalta-se o processo:

    O processo etnogrfico corresponde ao trabalho de campo, realizado durante um tempo suficiente que permita conhecer a cultura de uma comunidade pequena. Nesse processo assinalamos um dos momentos

    2 Santos, J. L. d. (1983, p. 92) revela que cada cultura o resultado de uma histria particular, e isso inclui tambm suas relaes com outras culturas, as quais podem ter caractersticas bem diferentes. Afirma ainda que a cultura um territrio bem atual. 3 Maldonado (1993, p.29) explica que bastante comum em grupos pesqueiros a prtica do pluralismo econmico que consiste na coexistncia ou alternncia da pesca com agricultura, no sendo raros inclusive grupos em que empregam a atividade agrria ou agropecuria.

  • 24

    mais importantes, o acesso comunidade, o dilogo com os informantes, o registro de dados e a observao participante.

    Baztn (1996, p.3) explica que a etnografia o estudo (graphos) da

    cultura (ethos) de uma comunidade. conduzida pela observao participante,

    realizada na escala local, onde os gegrafos podem realizar estudos das relaes

    espaciais, no interior das localidades, e particularmente das relaes diretas entre os

    homens e o espao onde moram (SERRA, 1991). As etapas do projeto etnogrfico

    so: a delimitao do campo; a preparao e documentao, investigao (o

    campo), a concluso (elaborao da ruptura com o campo) e anlise dos dados e

    informaes. A explicao exige uma introspeco no plano da abstrao.

    A Etnografia uma metodologia essencialmente das cincias humanas e

    sociais, da qual a Geografia faz parte. Busca-se a compreenso dos fenmenos

    sociais na produo do espao, do lugar, da paisagem, do territrio e do turismo.

    Para tanto, a metodologia etnogrfica colabora para a obteno desses propsitos.

    Outras caractersticas etnogrficas so reveladas por Geertz (1989, p. 31), ao

    acentuar que este mtodo interpreta o fluxo do discurso social e a interpretao

    consiste em tentar salvar o dito num tal discurso da sua possibilidade de extinguir-

    se e fix-lo em formas pesquisveis. Geertz (idem, ibid), acrescenta, ainda, que tal

    descrio pode ser microscpica.

    Nas devidas propores, a comunidade de Tatajuba, em Camocim-CE,

    apresenta-se como uma dessas micro-realidades, diante da turistificao do litoral,

    no entanto, para sua compreenso, fundamental o embasamento terico. Mostra

    Geertz (op.cit, p. 38) que em etnografia, o dever da teoria fornecer um vocabulrio

    no qual possa ser expresso o que o ato simblico tem a dizer sobre ele mesmo isto

    , sobre o papel da cultura na vida humana. A pesquisa da comunidade sugeriu o

    mtodo de interpretao crtico, fundamentado pelas categorias e conceitos de

    comunidade, lugar, paisagem, territrio e turismo, acrescidos da compreenso da

    complexidade da valorizao, especulao e conflitos pela terra litornea.

    A constituio do objeto da pesquisa foi tecida pelas informaes e dados

    colhidos no campo e nas pesquisas institucionais, respaldadas nos conceitos.

  • 25

    Atente-se para o comentrio de Gomes (2000, p.368p) sobre a abordagem cientfica

    dos fenmenos, quando explica que

    [...] as realidades so completamente explicveis e a cincia deve ser capaz de reconstituir os eventos a partir da enunciao de suas causas e de seus efeitos. Trata-se de traduzir, em uma linguagem clara, objetiva e geral, o movimento do real. O saber cientfico sempre um produto da interface entre um conjunto de regras determinadas, o mtodo e o objeto.

    Na interface do mtodo de interpretao com o objeto analisado

    valorizaram-se os aspectos qualitativos da pesquisa, mediante as fontes orais,

    complementadas pelos documentos coletados. A pesquisa foi realizada por uma

    trilha onde teoria e prtica (empiria) caminharam concomitantemente. Nessa

    perspectiva, Demo (op.cit., p.27) revela que:

    Teoria e prtica detm a mesma relevncia cientfica e constituem no fundo um todo s. Uma no substitui a outra e cada qual tem sua lgica prpria. Nos extremos, os vcios do teoricismo e do ativismo causam os mesmos males. No se pode realizar prtica criativa sem retorno constante teoria, bem como no se pode fecundar a teoria sem confronto com a prtica.

    A pesquisa revela a preocupao acadmica em expressar a importncia

    da cincia, na reconstituio e interpretao histrico-espacial das realidades e da

    metodologia, que, no dizer de Demo (op. cit., p. 24), significa que todo cientista

    criativo e produtivo marca sua presena no mundo cientfico no s pela teoria e por

    vezes pela prtica, mas tambm pela discusso metodolgica. O pensamento de

    Carlos (1999, p.62) confirma esta idia quando expressa que o trabalho intelectual,

    preocupado com a interpretao do mundo no produz sua transformao, mas

    um passo importante na desmistificao e na descoberta do sentido das

    representaes que permeiam a vida cotidiana no mundo moderno com seus

    modelos de felicidade e bem-estar.

  • 26

    2.2 Os Momentos da Pesquisa

    As pesquisas de campo na comunidade de Tatajuba foram momentos

    essenciais para apreenso dos relatos, das histrias e captao dos anseios do

    povo desse lugar, que so, contingencialmente, narradas no desenvolvimento deste

    estudo. O caminho metodolgico revela detalhes da interao com os moradores, os

    dilogos foram momentos fundamentais para complementao dos dados e

    informaes, alm da elaborao da anlise. Assim, foi possvel estabelecer

    relaes, selecionar informantes e textos, levantar fatos e histrias, mapear os

    campos de estudo, estabelecer os dilogos e fazer anotaes de campo da histria

    oral.

    Em agosto de 2004, em parceria com a organizao no-governamental

    Instituto Terramar, viveu-se as experincias locais. Foram realizadas coletas de

    depoimentos, por meio de entrevistas, com o objetivo de reconstituir a histria da

    comunidade e conhecer os seus conflitos com os especuladores imobilirios. Foram

    dilogos demorados e prazerosos, que ajudaram na maturidade da pesquisadora

    para a elaborao das anlises.

    A entrevista pode ser definida como um processo de interao social

    entre duas pessoas na qual uma delas, o entrevistador, tem por objetivo a obteno

    de informaes, por parte do outro, o entrevistado (HAGUETTE, op. cit., p.75). As

    trocas de informaes, a escuta da forma simples do modo de falar dos residentes

    da comunidade, conduziram o contato informal para um dilogo, que resultou em

    laos de amizade. Alm do depoimento oral, o registro da comunidade, realizou-se

    pela documentao fotogrfica, que possibilitou pormenorizar detalhes da realidade

    pesquisada e formar um arquivo imagtico de paisagens, das atividades econmicas

    (pesca, a coleta de mariscos, agricultura, comrcio e o turismo), da infra-estrutura de

    servios na comunidade, das moradias, do lazer e da populao.

    No segundo momento, em novembro de 2004, teve-se a oportunidade de

    aprofundar as observaes participantes e conhecer uma das principais

    manifestaes culturais das comunidades de pescadores - a Regata Ecolgica.

    Registrou-se o fluxo de visitantes e turistas comunidade. Observou-se a relao

  • 27

    entre visitantes e residentes. Compreendeu-se melhor os laos de afetividade

    familiares, entre membros que, mesmo sem morar na comunidade, no perodo da

    regata, retornam para visitar os parentes e prestigiar o movimento cultural.

    Neste segundo contato, foram identificadas as lideranas, conquistadas

    amizades, facilitando-se, assim, as descobertas. As entrevistas, filmagens e

    gravaes contriburam para a reconstituio da histria de luta pelas terras.

    Trabalhou-se a histria oral do lugar. Haguette (op.cit, p.83) explica que a histria

    oral uma tcnica de coleta de dados baseada no depoimento oral, gravado, obtido

    atravs da interao entre o especialista e o entrevistado; ator social ou testemunha

    de acontecimentos relevantes para a compreenso da sociedade. Esta

    reconstituio histrica foi motivo de prazer para os informantes, que se sentiam

    felizes de contribuir com a pesquisa, e se no incio, pareciam inseguros,

    desconfiados, temerosos, ao final do trabalho contavam com segurana e prazer, o

    que lembravam sobre o lugar.

    A terceira viagem realizou-se em fevereiro de 2005. Na ocasio colheu-se

    informaes para subsidiar o diagnstico socioeconmico e cultural da comunidade.

    Atividade desenvolvida pelo Instituto Brasileiro do Meio do Ambiente e Recursos

    Naturais Renovveis IBAMA, juntamente com o Instituto Terramar, que a

    pesquisadora teve a oportunidade de participar. Tal diagnstico tem por objetivo

    implantar uma Reserva Extrativista RESEX. Nesse momento, constatou-se graves

    conflitos e desentendimentos internos, alguns moradores at, negaram-se a

    responder a pesquisa. Foi possvel perceber os conflitos internos em maior

    intensidade, o que elucidou a anlise das aes dos agentes sociais produtores do

    espao litorneo, compreendendo seus mecanismos e estratgias na valorizao e

    especulao do litoral.

    Neste terceiro momento, verificou-se que a comunidade no um todo

    harmnico, mas uma realidade de incessantes conflitos entre os que detm poder e

    os que so subordinados. Os primeiros articulam estratgias quase imperceptveis

    aos olhos comuns. Esta realidade explicada por Silva (2001, p. 50), ao ressaltar o

    papel das anlises geogrficas, explica que

  • 28

    [...] dever preocupar-se com a natureza em todas as suas instncias. O espao geogrfico constitudo de totalidades capitalistas e no-capitalistas tem a sua produo-reproduo realizada por meio do trabalho dos homens dialeticamente coisificados para o sistema e humanizados para si mesmos, onde a luta da natureza humana pela sua plenitude de vida se d dentro e fora da atividade produtiva, dentro e fora de si mesmos, do seu corpo, da sua natureza.

    Na apreenso da realidade, buscou-se indicadores e informaes,

    coletados em pesquisas institucionais e bibliogrficas, pois, como revela Kourganoff

    (1961, p.68), todo resultado cientfico mergulha as razes, ao mesmo tempo nos

    trabalhos anteriores e nas descobertas feitas em outros campos. Diz ainda esse

    terico que o carter cumulativo da cincia permite-lhe progredir pela comunho

    dos esforos de inmeros pesquisadores. uma obra coletiva (op. cit., p.71).

    Assim, a coleta de dados institucionais ocorreu nas seguintes instituies: Banco do

    Nordeste ETENE / BN, Secretaria de Turismo do Estado do Cear SETUR,

    Fundao Instituto de Pesquisa e Informao do Cear - IPLANCE, atual Instituto de

    Pesquisa e Estratgia Econmica do Cear IPECE, Instituto Terramar, CDPDH -

    Centro de Defesa e Promoo dos Direitos Humanos, Superintendncia Estadual do

    Meio Ambiente SEMACE, NEA/IBAMA - Ncleo de Educao Ambiental do

    Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovveis IBAMA,

    IDACE Instituto de Desenvolvimento Agrrio do Estado do Cear, entre outras.

    Nessas instituies, foi possvel realizar pesquisas, catalogaes cartogrficas e

    documentais, alm de coletar depoimentos e informaes.

    Utilizou-se, ainda, o acervo bibliogrfico, fonogrfico e hemerogrfico do

    Laboratrio de Estudos do Territrio e Turismo NETTUR/UECE e de outras

    bibliotecas (UECE, UFC, CAEN). Documentos foram utilizados como o Plano Diretor

    de Desenvolvimento Urbano de Camocim PDDU, Plano de Desenvolvimento

    Integrado do Turismo e Sustentvel do Plo Costa do Sol PDTIS (Avaliao do

    PRODETUR I), Diagnstico Scio-Ambiental Participativo, realizado pelo Projeto

    Gesto Costeira Sustentvel e o Dossi do Conflito Fundirio da Comunidade de

    Tatajuba de 2001-2003, documentos elaborados pelo Instituto Terramar, relatrios

    de pesquisa NETTUR, a Ata da audincia pblica que ocorreu em 2001, em

    Camocim, dissertaes, teses, reportagens, sites, entre outros. Revelando a

  • 29

    importncia dos documentos na pesquisa cientfica, Ldke e Andr (1983, p.39)

    explicam que:

    Os documentos constituem tambm uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas evidncias que fundamentam afirmaes e declaraes do pesquisador, representam ainda uma fonte natural de informao. No so apenas uma fonte e informao contextualizada, mas surgem num determinado contexto e fornecem informaes sobre esse mesmo contexto.

    Esses autores (op.cit, p.38) revelam que a anlise documental realizada

    a partir de quaisquer materiais escritos que possam ser usados como fonte de

    informao sobre o comportamento humano. Os documentos coletados foram

    imprescindveis para confirmao dos fatos e inferncias da realidade do fenmeno

    observado na pesquisa. Neste sentido, foi possvel identificar, com maior evidncia,

    o conflito em todo o litoral cearense, sobretudo na comunidade de Tatajuba, em

    Camocim, entre os anos de 1980 a 2006. Entende-se, como ressalta Silveira (2000,

    p.23), a necessidade da produo de um esquema histrico, no apenas lgico,

    capaz de apreender a lgica da histria ou, em outras palavras, a carncia do real.

    Nesse sentido, elaborou-se um quadro com a sntese cronolgica de todos os fatos

    histricos, alm das estratgias e dos encaminhamentos do conflito vivenciado em

    Tatajuba.

    A quarta viagem a Tatajuba ocorreu em janeiro de 2006, com a presena

    da orientadora da pesquisa. Teve por objetivo complementar e conferir as

    informaes, coletar pontos no GPS4 para elaborao de mapas da comunidade;

    elaborao de filmagem para composio de vdeo sobre as comunidades

    litorneas; coleta de depoimentos da histria de vida dos pescadores, lideranas e

    proprietrios de negcios tursticos; visita aos novos equipamentos tursticos

    (pousada e barraca); elaborao de documentao fotogrfica dos atrativos

    tursticos; complementao do quadro da cronologia dos acontecimentos histricos e

    dos conflitos em Tatajuba, a partir dos depoimentos dos moradores das lideranas

    comunitrias. Realizou-se, ainda, pesquisa na comunidade vizinha, com o intuito de

    conhecer as relaes de Tatajuba com a internacionalmente conhecida Jericoacoara

    e com a Sede do Municpio de Camocim.

    4 Sistema de Georreferencialmento por Satlite, utilizado para marcao de pontos vetores na elaborao de mapas em programas de computadores como o ArcView e CorelDRAW.

  • 30

    Nesse momento, em Tatajuba, reconstituiu-se um pouco mais das

    histrias de vida dos habitantes. Captaram-se peculiaridades da vida do pescador,

    alm de se fazer a complementao de informaes coletadas nas viagens

    anteriores. Lembra Haguette que a histria de vida pode ser enfocada, pelo menos

    dentro de duas perspectivas. A primeira, a mais usual, trat-la como documento e,

    a segunda, como tcnica de captao de dados (op.cit., p. 69). Diz ainda a autora

    que, a histria de vida atende mais aos propsitos do pesquisador que do autor e

    est preocupada com a fidelidade das experincias e interpretaes do autor sobre

    seu mundo (idem, ibid). As histrias eram contadas pelos residentes a pedido da

    pesquisadora.

    As tabulaes dos dados coletados e a triagem dos depoimentos deram

    continuidade ao exerccio da prtica analtica com o confronto entre os dados e

    informaes, buscando-se compreender a problemtica pesquisada. Geertz (op.cit.,

    p,29) releva que o etngrafo inscreve o discurso social: ele o anota. Ao faz-lo, ele

    o transforma de acontecimento passado, que existe apenas em seu prprio

    momento de ocorrncia, em um relato, que existe em sua inscrio e que pode ser

    consultado novamente. Seguindo no mesmo sentido, do registro da vida social,

    Coulon (1995, p.111) confirma, ao dizer que:

    Na medida em que essa corrente (etnogrfica) tem como objetivo mostrar os meios utilizados pelos membros para organizar a vida social em comum, a primeira tarefa de uma estratgia de pesquisa etnometodolgica descrever o que fazem seus membros.

    O discurso social foi inscrito e exposto a partir da historicizao do lugar

    Tatajuba, caracterizao de sua paisagem litornea como objeto do turismo, o

    processo de valorizao e conflitos territoriais; as intervenes do Estado mediante

    polticas do turismo, alm dos conflitos e contradies do desenvolvimento da

    turistificao dos espaos litorneos. Este mtodo ajuda a tirar grandes concluses

    a partir de fatos pequenos, mas densamente entrelaados [...], anota Geertz (op.cit,

    p.38). Entende-se que o desvelar de uma comunidade como Tatajuba pode significar

    mais um passo na formulao do conhecimento dos lugares tursticos, dos conflitos

  • 31

    de uso e ocupao pela terra litornea, e, sobretudo, o papel do turismo nesse

    contexto.

    No corpo desta dissertao, apresentam-se os contedos, falas,

    depoimentos e imagens da realidade pesquisada. Ressalta-se que os nomes dos

    depoentes foram suprimidos para preservar suas identidades e posicionamentos.

    Analisa-se com abordagem terico-crtica, buscando conhecer, interpretar e analisar

    a produo do espao litorneo para o turismo, tendo como principais atores os

    moradores da comunidade de Tatajuba, em Camocim-CE.

  • 3. TATAJUBA: O LUGAR E SUA PAISAGEM Tatajuba um lugar1 onde predomina natureza conservada. Dunas,

    lagoas, rio, gamboa, praia e mangues compem o conjunto de morfologias desse

    recanto, considerado paradisaco para o turismo. Trata-se de uma comunidade

    formada por pescadores e agricultores. No sentido leste-oeste, pelo litoral cearense,

    a comunidade situa-se aps a praia de Jericoacoara, no Distrito de Guri, Municpio

    de Camocim. Aps Tatajuba, existem outras comunidades, a do Macei, Coit,

    Torta, Imburanas e das Morias, antes de chegar no esturio do rio Corea, lugar

    chamado de Ilha do Amor. No mapa 01, pode-se observar onde se localiza esta

    vila de pescadores, no Municpio de Camocim.

    Camocim o penltimo municpio do litoral oeste, quase fronteira com o

    Piau, no fora o desmembramento de Barroquinha. Neste municpio, localiza-se a

    comunidade de Tatajuba, que dista 18 km da sede e est cerca de 340 km de

    distncia de Fortaleza, capital do Estado, indo pela praia. Camocim tem uma rea

    absoluta de 1.123,94 km de extenso (IBGE, IPECE, 2005) e est subdividido

    politicamente pelos Distritos de Amarelas, Sede (Camocim) e o Guri. A Sede

    localiza-se margem esquerda do rio Corea, prximo da foz. O Rio Corea divide

    o Municpio quase ao meio, dificultando a ligao da sede com o distrito de Guri,

    localizado a leste, margem direita do Rio (GOVERNO ...., PDITS, 2003). Camocim

    limita-se ao norte com o oceano Atlntico; ao sul com Granja; ao leste com Bela

    Cruz e Jijoca de Jericocoara e ao oeste com Barroquinha, conforme o mapa 01.

    O caminho mais rpido para Tatajuba pela praia de Jericoacoara. Leva-

    se aproximadamente seis horas de viagem, saindo de Fortaleza. Por essa trilha

    tem-se a oportunidade de observar as paisagens das praias cearenses, litoral oeste.

    Aps passar por Jericoacoara, percorre-se a distncia de 12 km at a vila do Guri,

    atravessando-se de balsa (movida a fora humana) o lago da Forquilha conhecido

    como lago do Urubu, percorrendo-se mais 18 km pela praia e aps esperar a mar

    baixar, atravessa-se a gamboa para chegar ao centro da vila de Tatajuba.

    1 Para Santos (2002, p.152), o lugar , antes de tudo, uma poro da face da terra identificada por um nome. Aquilo que torna o lugar especfico um objeto material ou um corpo. Uma anlise simples mostra que um lugar tambm um grupo de objetos materiais.

  • 33

  • 34

    Um outro caminho pela CE-085, denominada como rodovia estruturante,

    chega-se ao municpio de Granja, no distrito de Parazinho, percorrendo 25 km de

    estrada vicinal, passando por campos de dunas mveis e semifixas. Todos os

    acessos so difceis, portanto necessria a utilizao de carros com trao e bons

    condutores.

    Os outros acessos so pela sede de Camocim, onde se pega a balsa que

    faz a travessia pelo rio Corea, chegando Ilha do Amor. Nessa ilha buggies so

    alugados para fazer passeios tursticos para Tatajuba e Jericoacoara. O preo varia

    entre setenta e cento e oitenta reais, dependendo do roteiro escolhido, conforme

    informaes locais (PESQUISA...., 2006). O mapa 02 apresenta o roteiro e as trilhas

    mais utilizadas para se chegar a Tatajuba, realizadas durante as viagens de campo.

    Nesse roteiro, so apresentados meios de transporte e alguns elementos que

    constituem a paisagem desse lugar. O ltimo caminho geralmente feito pelos

    prprios moradores, aps pegarem a balsa, em Camocim, atravessam o rio Corea,

    chegam no Stio So Mateus onde existem carros particulares de moradores da

    comunidade e adjacncias, chamados de lotao, que fazem transporte coletivo.

    Chegar a Tatajuba uma grande aventura, no tarefa simples. No

    sculo XXI, quando todas as facilidades da tecnologia colaboram para que se

    chegue a qualquer lugar, estas dificuldades so consideradas atrativos tursticos.

    Os caminhos que levam comunidade so caracterizados pela aventura, que se

    deve conquistar. Foi no incio do sculo XX que pescadores desbravaram o

    caminho das dunas para encontrar em Tatajuba um lugar perfeito para a produo

    da pesca e da lagosta. Os moradores asseveram que a pesca foi uma das principais

    motivaes da formao da vila. Os relatos coletados informam que as primeiras

    famlias a chegarem nesse lugar vieram de ncleos de povoamento dos arredores,

    atrados pela pesca em abundncia, o que estimulou a formao da comunidade.

  • 35

  • 36

    Na fig. 1 e fig. 2, observam-se o rio Corea e ao fundo a paisagem da

    beira-rio de Camocim e o barco que faz as travessias com os moradores, visitantes

    e turistas que vo para a Ilha do Amor.

    FIGURA 1- RIO COREA

    FIGURA 2 - Rio Corea e vista da Beira-Rio de Camocim. FONTE - Eluziane Mendes, Ago./ 2004

    FONTE - Jeovah Meireles, 2002

    A histria oral da comunidade tem por marco o ano de 1902, quando a

    ocupao deu origem a dois ncleos: Cabaceiras de Cima e Cabaceiras de Baixo. A

    primeira assim denominada por localizar-se margem direita de uma gamboa, com

    topografia mais elevada; e a segunda, no lado esquerdo, com topografia mais baixa.

    A toponmia surgiu da existncia de muitas plantas de cabaa (crescentia cujete) nas

    proximidades da praia, registrada por uma das primeiras famlias, assentada ao

    lugar - a Carneiro. A fig. 3 apresenta trs pequenas casas de taipa desocupadas,

  • 37

    que simbolizam a origem da formao da comunidade, por suas antigas ocupaes,

    constatando, assim, a permanncia, uso e ocupao das terras de Tatajuba.

    FIGURA 3 - Antigas casas de pescadores de Tatajuba FONTE - Eluziane Mendes, Ago./ 2004

    No ano de 1930, a comunidade decidiu mudar o nome do vilarejo de

    Cabaceiras para TATAJUBA, em razo da abundncia dessa rvore na praia. Giro

    (1971, p.34), pesquisador da Histria cearense, descreve as caractersticas dessa

    espcie vegetal assim: a tatajuba, ou pau de tinta, madeira de cor amarela, da famlia das urticceas (Chorophora tinctoria Gand), conhecida em Sergipe por moreira e em Pernambuco por espinheiro bravo. O nome tem outras variantes - tataba, tatajuba, tata, tatarema ... Fornece boa matria corante amarela, apropriada para tinturaria, sendo tambm utilizada em construes.

    Em algumas localidades do litoral de Camocim, existe a rvore Tatajuba,

    dando origem denominao desse lugar, conforme se verifica na fig. 4, a rvore

    Tatajuba (Chorophora tinctoria Gand).

  • 38

    FIGURA 4 - rvore Tatajuba (Chorophora tinctoria Gand). FONTE - Eluziane Mendes, Ago./ 2004

    Os depoimentos dos moradores revelaram que, na formao da

    comunidade de Tatajuba, tambm fez parte um morador proveniente do Rio Grande

    do Norte. Uma nativa do lugar, a simptica senhora apelidada de Tia Bio, da famlia

    Carneiro, fez meno primeira organizao da comunidade e, como se dava a

    moradia, pelo respeito entre os membros mais antigos que concediam permisso

    para posse2 de terras dos novos moradores. Na entrevista concedida em novembro

    de 2004, a Sra. Maria Albuquerque Carneiro (Tia Bio), assim expressava:

    Eu tenho 76 anos. Nasci e me criei aqui. Meu pai, ele se engraou com minha me e casou-se. Quando a gente veio morar l no alto. S que eu no me lembro a quanto tempo, que tempo, que ano papai casou-se. Mas, que ns veio pra c, o filho mais velho de 1927 e eu sendo de 1928. De l ns samos do Alto e viemos pra c, na era de 1934. Era, tambm, do compade Jos Chico Gerevais. O morador aqui, era o papai, era o meu padrim Timteo. S tinha esses, quando a gente chegou aqui, eu s conheci uma casinha que o finado Jos Ivo tinha morado. Mas, os morador foi o meu pai e meu padrim, dois irmo (Moradora de Tatajuba, PESQUISA ..., 2004).

    A depoente refere-se ao local denominado Alto, retratando o lugar onde

    se localizava a antiga Cabaceiras de Cima, e que, entre os primeiros moradores, 2 Diegues (2002, p.85) esclarece que, para as sociedades tradicionais de pescadores artesanais, o territrio muito mais vasto que para os terrestres e sua posse mais fluda. Apesar disso, ela conservada pela lei do respeito que comanda a tica reinante nessas comunidades.

  • 39

    estava sua famlia. A identidade com o lugar revela-se ao contar a histria de vida

    dos moradores de Tatajuba. Deste modo, a relao social realiza-se praticamente, e

    esse processo revela uma articulao espao-tempo iluminando o plano do vivido: a

    vida cotidiana e o lugar (CARLOS, 2004, p.47). Compreende-se que o plano do

    cotidiano do habitante constitui-se no lugar produzido para esta finalidade, e nesta

    direo, o lugar da vida constitui uma identidade habitante-lugar (CARLOS, idem,

    ibid).

    Cada lugar , sua maneira, o mundo, como enfatiza Santos (2002,

    p.314). Nesse sentido, deve-se buscar a compreenso dos elementos que

    singularizam os lugares, e ao mesmo tempo, os elementos que o aproximam do

    mundo, encontrando os seus significados. Maldonado (1993), em estudos sobre

    comunidades pesqueiras, ressalta que a noo de lugar fundamental na anlise de

    comunidades e assinala que o lugar, a existncia local dos fenmenos tanto no

    espao fsico como no espao social que lhes confere essncia, significado e

    transcendncia. localmente que nos situamos e localmente que as coisas

    acontecem (1993, p.34). Acrescente-se que, localmente, se percebem no emprico

    as contradies do mundo, e, ao dizer de Santos (2005, p.161), hoje, certamente

    mais importante que a conscincia do lugar a conscincia do mundo, obtida

    atravs do lugar.

    Os moradores de Tatajuba se denominam de comunidade tradicional de

    pescadores. Para tanto, importante compreender o sentido do que seja

    comunidade e de tradicional; sendo esta explicada por Diegues (2002, p.89),

    como um dos critrios mais importantes para definio de culturas ou populaes

    tradicionais, alm do modo de vida, , sem dvida, o reconhecer-se como

    pertencente quele grupo social particular. Complementa Coriolano (2004, p.240),

    ao refletir sobre o conceito de comunidade, revelando-o desta forma:

    A comunidade um grupo social residente em um pequeno espao geogrfico cuja integrao das pessoas entre si, e dessas com o lugar, cria uma identidade to forte que tanto os habitantes como o lugar se identificam como comunidade. Assim, quando se fala da comunidade de Guajiru, de

  • 40

    Icapu ou de Guaramiranga e de Canto Verde, ou Redonda, por exemplo, fala-se ao mesmo tempo do povo e do lugar.

    Atenta-se para as contradies da sociedade capitalista, reproduzidas nas

    comunidades. Existe uma tendncia em report-las pelos elementos de

    solidariedade e cooperao entre seus membros, mas, para Souza, M. L. de. (2004,

    p.63) o realce solidariedade, coeso e existncia de interesses comuns,

    desconhecendo esta realidade, tende a conduzir a ao social promovida ou a ser

    promovida reproduo da ordem social. Ao buscar compreender as comunidades,

    fundamental considerar os seguintes princpios:

    A comunidade no realidade autnoma que possa se traduzir em elementos distintos da prpria sociedade na qual se situa. A sociedade, no entanto, se expressa em situaes sociais diversas, algumas das quais assumem caractersticas especficas. A comunidade uma dessas situaes. Nesse sentido, a compreenso da sua realidade supe a compreenso da realidade global. Por sua vez, tambm as suas particularidades prprias atuam sobre essa realidade (SOUZA, M. L. de, op.cit, p.64)

    A comunidade de Tatajuba, mesmo com todas as dificuldades de acesso,

    reproduz em propores diversas as relaes capitalistas. Diegues (2002, p.83)

    explica o que so as culturas tradicionais, nesse contexto:

    [...] as culturas tradicionais esto associadas a modos de produo pr-capitalistas, prprios de sociedades em que o trabalho ainda no se tornou mercadoria, onde h grande dependncia do mercado j existente, mas no total. Essas sociedades desenvolveram formas particulares de manejo dos recursos naturais que no visam diretamente o lucro, mas a reproduo social e cultural; como tambm percepes e representaes em relao ao mundo natural marcadas pela idia de associao com a natureza e dependncia de seus ciclos.

    As prticas cotidianas nas vilas de Tatajuba evidenciam associao e

    dependncia dos ciclos da natureza, alm de gradativa ampliao de seus meios de

    sobrevivncia e a incluso no trabalho-mercadoria. Sua histria, sua paisagem e seu

    lugar so analisados, complementando-se com a documentao fotogrfica.

  • 41

    3.1 As Vilas de Pescadores e suas Prticas Cotidianas

    Na dcada de 1978, os moradores de Tatajuba tiveram que se deslocar

    em virtude do movimento das dunas que migravam em direo s casas, do lado

    leste para oeste, soterrando-as, at mesmo a Igreja, cujo padroeiro So Francisco.

    A gamboa3 de Tatajuba teve seu curso deslocado e, resultou na diviso da vila4 em

    quatro ncleos: o de Tatajuba (tambm chamada de Nova Tatajuba), Vila So

    Francisco, Vila Nova e Baixa da Tatajuba, favorecendo a passagem das dunas,

    livrando as casas de futuros soterramentos.

    A vila central de Tatajuba divide-se em dois ncleos, o que fica de frente

    para o mar, nas reas da praia e ps-praia, e o outro em cima dos terraos

    holocnicos com cobertura florestal. Juntos, os ncleos, formam aproximadamente

    80 casas. Essa vila considerada o centro do povoado, onde esto concentrados os

    principais servios e equipamentos urbanos, como: posto de sade (com dois

    agentes de sade); Escola Gregrio Pedro Alexandrino (Ensino Fundamental e

    Mdio, alm de cursos para Educao de Jovens e Adultos, com capacidade de at

    150 alunos). A praa foi construda em 1994, com gerador para televiso

    comunitria; comrcio de leo e gasolina (ver fig. 5), trs barracas na praia; duas

    mercearias; um bar; quatro pousadas e duas casas com quartos de aluguel para

    turistas, ou seja, um vilarejo. No mapa 03, podem ser observadas a localizao das

    vilas de Tatajuba e sua distribuio espacial.

    3 A gamboa a influncia das guas do mar adentrando o continente. Mistura-se com guas de origem continental, formando um ambiente fluviomarinho, resultando no aparecimento do ecossistema manguezal. 4 Pelas caractersticas apresentadas pelo aglomerado que constitui as vilas de Tatajuba, caracteriza-se pelo IBGE (2000, p.17) como um povoado, isto , aglomerado rural isolado que corresponde a aglomerados sem carter privado ou empresarial, ou seja, no vinculados a um nico proprietrio do solo, cujos moradores exercem atividades econmicas, quer primrias, tercirias ou mesmo, secundrias, no prprio aglomerado ou fora dele. O aglomerado isolado rural isolado do tipo povoado caracterizado pela existncia de servios para atender aos moradores do prprio aglomerado ou de reas rurais prximas.

  • 42

  • 43

    FIGURA 5 - Ponto de venda (leo e gasolina) FONTE - Luzia Neide Coriolano, Jan./2006

    A comunicao realizada por meio do telefone pblico, instalado em

    1998, dez telefones celulares, pelas estaes de rdio de Camocim que, ao receber

    cartas, avisam aos moradores, para buscarem na rdio ou em casas de parentes.

    Entre vizinhos, a comunicao acontece pelas conversas na calada, ao cair da

    tarde, e pelos dilogos entre os pescadores ao contar suas aventuras e perigos

    vivenciados no mar.

    O posto de sade fica ao lado do colgio. Um mdico, do Programa

    Sade da Famlia-PSF, realiza consultas na comunidade duas vezes por ms,

    acompanhado por uma auxiliar de enfermagem e uma atendente. Os casos mais

    srios so encaminhados para a sede de Camocim ou Sobral. O nico reforo

    recebido pela comunidade a existncia de dois agentes de sade, um mora na

    Baixa Tatajuba e outro em Vila Nova. Com a dificuldade de atendimento mdico, so

    as rezadeiras, curandeiras que curam pela f dos moradores, o que contribui para

    minimizar problemas, receitando remdios caseiros, utilizando ervas medicinais

    como: corama, malva, gergelim, casca de laranja, entre outras. A f manifestada

    pela presena de duas igrejas, uma catlica, cujo padroeiro So Francisco, e uma

    evanglica.

  • 44

    Em Tatajuba os moradores sobrevivem, principalmente, da pesca, coleta

    de mariscos, comrcio e trabalhos pblicos na escola e no posto de sade. A

    agricultura nessa rea, de praia e ps-praia, no possui expressividade, em razo

    das condies de baixa fertilidade do solo. No ncleo central, esto duas das

    associaes comunitrias, a ACOMOTA Associao Comunitria dos Moradores

    de Tatajuba e o Conselho Comunitrio, alm do Conselho Litrgico, da Igreja

    Catlica. Os compromissos religiosos so tidos como lazer para a maioria da

    comunidade.

    Na comunidade o lazer mediado pela cultura dos povos do mar e a

    cultura urbana. Como necessidade bsica, o lazer realizado nos banhos de mar,

    caminhadas nas praias, regatas, festas do padroeiro So Francisco, nos forrs,

    festas juninas, alm das conversas nas caladas. Na figura 6, observa-se a igreja e

    na figura 7, a praa, utilizada para o lazer na comunidade.

    FIGURA 6 - Igreja catlica, Tatajuba- Praa de Tatajuba CE FIGURA 7 -FONTE - E ziane Mendes, Nov./2004 FONTE- Eluziane Mendes, Nov./2004 lu

    A sociedade de consumo transforma o lazer em mercadoria, passando a

    ser denominado de turismo. O turismo necessita de servios e equipamentos, tais

    como pousadas, hotis, parques, resorts. Estes equipamentos vm chegando a

    Tatajuba e muitos outros esto projetados para serem implantados em Camocim.

    A TV um elemento difusor de informaes na comunidade. A instalao

    da energia eltrica, em 1997, beneficia 70% do povoado. A luz do luar ainda ilumina

  • 45

    a comunidade, acompanhando moradores e visitantes nas noites, pois no existe

    energia pblica entre as casas das vilas. Onde h energia eltrica, 60% possuem

    televisores e existem cerca de 15 antenas parablicas na comunidade, sendo essa

    uma das principais diverses nas noites das famlias, e, ainda, um difusor de idias

    urbanas. Ao reportar-se importncia da TV, no cotidiano das famlias, Carlos

    (op.cit.,p.59-60) revela que:

    O universo da vida cotidiana se transforma abruptamente, novas relaes, mas tambm novos objetos e valores. A invaso da TV que aos poucos vai assumindo lugar importante na vida das pessoas ocupando o lugar de honra na sala de visitas, torna-se o centro de todas as atenes e cuidados, diante dela os olhares se fixam, lbios selam-se e a imagem preenche ausncias seu todos poder mgico contagiante.

    Ver TV um dos lazeres dos residentes, mas, apesar de sua presena,

    algumas atividades de subsistncia so consideradas lazer, no instante em que, as

    prticas de pescar, coletar e plantar so realizadas com satisfao e prazer. o

    prprio pescador que comanda seu ritmo, associando-se cadncia da natureza.

    Necessidade bsica, o lazer vivido no cotidiano, por intermdio do uso

    dos lugares, como apropriao do vivido, da praia, lagoas, entre outros elementos

    presentes na comunidade. A prtica do lazer realizada nas praias e lagoas. O fazer

    turismo configura-se como uma forma elitizada de lazer. uma modalidade de

    entretenimento que exige viagem, deslocamento de pessoas, consumo do tempo

    livre e o uso de um equipamento por mnimo que seja como transporte e hotis,

    (CORIOLANO,1998, p.115), e somente os que detm poder aquisitivo podem se

    servir dessa mercadoria, constituindo-se elementos presentes na relao de troca

    para o lazer. Os turistas na comunidade so originados de diversos Estados e

    pases, que chegam em Jericoacoara e realizam passeios a Tatajuba.

    A educao formal dos moradores da comunidade vivenciada na Escola

    Gregrio Pedro Alexandrino, em Tatajuba, com dez funcionrios, sendo que sete so

    professores, dentre eles cinco concursados. A escolaridade desses profissionais:

    dois com ensino mdio cientfico, um com pedaggico, um com nvel superior em

    Pedagogia e trs fazendo faculdade de pedagogia na UVA Universidade Vale do

  • 46

    Acara. A Educao de Jovens e Adultos-EJA (8 e 7 sries) e Ensino Mdio um

    dos programas realizados na escola. Os diretores afirmaram que houve cerca de

    15% de evaso escolar, em 2004. Declararam que os principais motivos so: a

    distncia da escola e a falta de preocupao dos pais com os filhos adolescentes. O

    bolsa-escola contribui para permanncia dos alunos na escola. Existe conselho

    escolar, formado pelos pais, professores e alunos (15 pessoas), cujo objetivo

    fiscalizar o processo pedaggico local.

    As principais dificuldades declaradas pelos entrevistados, quanto

    educao foram: irregular acompanhamento pedaggico; os livros didticos das

    sries subseqentes no chegam durante o ano letivo; existe pouca participao dos

    pais na escola; problemas com drogas fora da escola. A questo ambiental uma

    preocupao de poucos professores, embora haja o planejamento mensal com

    coordenadores da sede, nem tudo funciona a contento. Existe a necessidade de

    capacitao de professores sobre a temtica ambiental, a estrutura da escola

    precria, no tem sala de professores, sala de leitura, nem almoxarifado. Essas

    declaraes foram feitas ao Ncleo de Educao Ambiental NEA/ IBAMA, em

    2005, que luta pela capacitao dos professores para Educao Ambiental

    (COELHO, 2005).

    A Vila Nova situa-se na zona mais rural de Tatajuba. Estende-se pelos

    tabuleiros pr-litorneos em uma vasta extenso de terra, onde a fertilidade do solo

    melhor. O delegado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Camocim informou

    que existem 04 sindicalizados em Vila Nova. Nas vilas existe o Projeto Coqueiral,

    com rea de aproximadamente 12 ha para 10 pessoas, atualmente com 06

    beneficirias.

    Os moradores vivem principalmente da agricultura (feijo, macaxeira,

    batata doce, mandioca, entre outros), coleta e criao de animais de pequeno porte.

    Algumas casas de farinha existem na comunidade. prximo desse lugar, onde est

  • 47

    instalado um dos terrenos da empresa imobiliria5. A presena dessa empresa est

    modificando o cotidiano dos moradores e muitos dizem at que a Associao de Vila

    Nova foi criada pela prpria empresa. Nessa vila h energia eltrica e gua

    encanada. L foram construdas cerca de 70 casas, sendo a segunda maior vila de

    Tatajuba. A sobrevivncia retirada de atividades tradicionais. As fig. 8 e 9

    mostram estas atividades de subsistncia.

    FIGURA 8 - Casa de farinha Vila Nova FIGURA 9 - Agricultura de subsistncia FONTE- IBAMA/NEA, Fev./2005 FONTE - IBAMA/NEA, Fev./2005

    Um dos agentes de sade, que trabalha h dezesseis anos em Vila Nova,

    informou que os moradores se utilizam de vrias plantas medicinais no auxlio da

    cura das doenas. Acreditam que essas plantas combatem a gripe, alm do ch de

    carnaubinha e o soro caseiro para os problemas no intestino. Dependendo do

    perodo do ano, chuvoso ou seco, os principais problemas so as gripes e diarrias,

    principalmente nas crianas. As vacinas bsicas, programas de preveno e

    medicamentos de gestantes, hipertensos e diabticos, so fornecidos regularmente.

    Alm disso, a equipe do PSF Programa de Sade da Famlia visita a comunidade

    duas vezes por ms. Quando passa por outras localidades, faz o atendimento rpido

    no posto. Os moradores declaram que, quando ocorrem problemas mais graves,

    devem se deslocar para Camocim ou Sobral. Apesar das dificuldades de

    5 Empresa Vitria Rgia Empreendimentos Imobilirios LTDA. que se diz proprietria de 5.275,450 hectares de terra, compreendendo toda rea das vilas de Tatajuba, estendendo-se pelo distrito do Guri. A histria do conflito ser retratada em detalhes, no segmento 4, da dissertao.

  • 48

    atendimento mdico, os moradores apresentam vigor e robustez. Alguns declaram

    que resultado da vida mais sossegada e da proximidade com a natureza.

    A Baixa da Tatajuba assemelha-se s caractersticas da Vila Nova. Uma

    rea constituda por aproximadamente 30 casas de moradores, um bar, uma escola

    de Educao Infantil e Ensino Fundamental. Nessa rea, existem terrenos com

    projeto de plantao de coqueiros organizado por institutos brasileiros, em parceria

    com instituio alem, criaram os projetos PRORENDA RURAL. As fig. 10 e 11

    mostram projetos de plantao de coqueiros na Baixa da Tatajuba.

    FIGURA 10 - Paisagem da Baixa da Tatajuba FIGURA 11 - Projetos do PRO-RENDA FONTE- IBAMA/NEA, Fev./2005 FONTE - IBAMA/NEA, Fev./2005

    Na Baixa da Tatajuba, atua a Escola Jos Maria Veras, contando com

    seis funcionrios, sendo que dois professores so concursados. Na escola, a

    evaso em 2003 ocorreu por volta de 5%. Afirmaram que no existem problemas

    com drogas. Relataram que quando no h merenda escolar, os alunos faltam com

    mais incidncia, acrescenta-se que a estrutura fsica do prdio precria. A despeito

    do meio ambiente, nesta vila ocorrem as mesmas dificuldades da vila de Tatajuba,

    pois no existe capacitao, no se discute sobre meio ambiente, turismo e nem

    sobre os conflitos fundirios. Buscam gerir a escola, incluindo a participao das

    famlias.

  • 49

    A Vila So Francisco, pequeno povoado, com 15 construes de taipa e

    alvenaria, o principal resqucio da antiga Tatajuba, antes do soterramento pelas

    dunas. Localiza-se em cima de um complexo de dunas semifixas e mveis. a vila

    mais rstica, no possuindo energia eltrica, nem gua encanada. Uma cacimba

    comunitria abastece gua do consumo. Os moradores so pescadores, alguns

    aposentados, agricultores e comerciantes de coco, que a principal agricultura

    desenvolvida.

    Na vila So Francisco, conta a histria oral, as terras foram doadas para o

    santo So Francisco pelo senhor Joo Gregrio, considerado um dos fundadores de

    Tatajuba. Com o deslocamento da comunidade em 1978, em conseqncia da

    migrao das dunas, apenas algumas paredes da antiga igreja e um tamarindeiro

    resistiram passagem da duna. Essa vila enquadra-se no conceito da teoria de

    Santos sobre rugosidades no espao6, portanto essa vila a rugosidade da antiga

    Tatajuba. Faz parte do roteiro do passeio turstico dos bugueiros vindos de

    Jericoacoara, que, ao chegarem comunidade, observam os resqucios dos

    alicerces da Igreja soterrada e narram o fato histrico de Tatajuba, surpreendendo

    os turistas.

    O soterramento da antiga vila e o seu conseqente descolamento dividiu

    as vilas de Tatajuba. Facilmente eles migram e deslocam-se, em virtude das

    condies e dinmica natural, logo vo se adaptando. Na fig. 12, observa-se uma

    barcana7, denominada pela comunidade duna branca e duna encantada, cuja

    migrao foi responsvel pelo soterramento da antiga Tatajuba e o conseqente

    deslocamento e subdiviso da comunidade nas quatro vilas.

    6 No dizer de Milton Santos (2002, p.43), chamamos de rugosidade ao que fica do passado como forma, espao construdo, paisagem, o que resta do processo de supresso, acumulao, superposio, com que as coisas se substituem e acumulam em todos os lugares. 7 Para Guerra (1972, p.50; 142), as dunas so montes de areia mveis, depositadas pela ao do vento dominante. Sendo as dunas barcanas uma forma de duna semelhante a uma foice. Para alguns pesquisadores, as dunas barcanas so assim denominadas por se assemelharem a barcas.

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    FIGURA 12 - Vista da duna Branca Tatajuba - Duna encantada FONTE - Disponvel em: , acesso em 20/10/2004.

    As dunas barcanas so consideradas pela comunidade como encantadas.

    Muitas das carnabas foram soterradas e at o curso da barra da gamboa foi

    modificado, alterando todo o ecossistema local, diminuindo a influncia das mars.

    O resultado desse processo, relatado pelos moradores, foi a diminuio da produo

    de camares que existia na gamboa. Vrias so as lendas contadas a partir do

    deslocamento da chamada duna branca. No relato do morador da Vila So

    Francisco, narra as histrias do imaginrio popular:

    [...] se o morro no fosse encantado, ele j tinha sado daqui. Ele no existia a no. Ele s pode ser encantado. Tem gente que v um navio cheio de luz ligada durante a noite. Quando eu era pequeno, cansei de ouvir ba