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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR UECE
Eluziane Gonzaga Mendes
DE ESPAO COMUNITRIO A ESPAO DO TURISMO
CONFLITOS E RESISTNCIAS EM TATAJUBA, CAMOCIM/CE
Dissertao apresentada ao Mestrado Acadmico em Geografia do Centro de Cincias e Tecnologia da Universidade Estadual do Cear, como requisito parcial para obteno do ttulo de mestre. rea de concentrao: Anlise Geoambiental Integrada e Ordenao do Territrio nas Regies Semi-ridas e Litorneas. Linha de Pesquisa: Sociedade, Espao e Cultura. Orientadora: Dr. Luzia Neide M. T. Coriolano
Fortaleza - CE Abril - 2006
Universidade Estadual do Cear - UECE
Mestrado Acadmico em Geografia - MAG
Ttulo do Trabalho: De Espao Comunitrio a Espao do Turismo Conflitos e Resistncias em Tatajuba - Camocim/CE
Autora: Eluziane Gonzaga Mendes
Defesa em: 12 / 04 / 2006 Conceito obtido: Satisfatrio com louvor
Nota obtida: 10,0
Banca Examinadora
Prof. Dr. Luzia Menezes Teixeira Coriolano (UECE) Orientadora
Prof. Dr. Zenilde Baima Amora (UECE)
Prof. Dr. Antnio Jeovah de Andrade Meireles (UFC)
FICHA CATALOGRFICA
M538e Mendes, Eluziane Gonzaga De Espao Comunitrio a Espao do Turismo -
Conflitos e Resistncias em Tatajuba, Camocim Cear /Eluziane Gonzaga Mendes. Fortaleza, 2006. 192 f.; il. Orientadora: Prof. Dr. Luzia Neide MenezesTeixeira Coriolano. Dissertao (Mestrado Acadmico em Geografia) Universidade Estadual do Cear, Centro de Cincias eTecnologia. 1. Comunidades. 2. Territrio. 3. Polticas. 4. Turismo.I. Universidade Estadual do Cear, Centro de Cincias eTecnologia. CDD: 380.609181131
s comunidades litorneas do Cear, exemplo de luta pela
terra e pela vida.
Aos meus pais, Francisco Mendes e Maria Gonzaga
exemplos de fora e amor incondicional.
A todos os que acreditam
ser possvel a transformao da sociedade.
AGRADECIMENTOS
A Deus, agradeo pelo dom da vida. Por meio dela, deu-me a
oportunidade de realizar este trabalho; concedeu-me razo, esprito investigativo,
fora de vontade, rompendo os medos trazidos pela inexperincia na arte de
pesquisar.
O rompimento com o medo e a fora de vontade conduziram-me Prof.
Dr. Luzia Neide M. T. Coriolano, que me aceitou como bolsista de Iniciao
Cientfica, ainda na graduao em Geografia, e, mediante suas orientaes, inseriu-
me no mundo da pesquisa. Ao cursar o Mestrado, na metade do caminho, aceitou
acompanhar-me pelas trilhas da cincia que nos levou a Tatajuba. Portanto, minha
imensa gratido pelas orientaes, amizade e confiana doadas em um ato
recproco e verdadeiro.
Ao Prof. Dr. Luiz Cruz Lima, primeiro orientador da pesquisa, coordenador
do NETTUR-Laboratrio de Estudos do Territrio e Turismo, juntamente com a Prof.
Dr. Luzia Neide Coriolano, meus agradecimentos pela amizade, apoio e confiana
depositados no meu trabalho como componente do NETTUR, onde foram realizados
todos os trabalhos de gabinete, e em meio a tantas atividades desenvolvidas no
perodo do Mestrado.
Ao Instituto Terramar, de modo especial a Rosa Martins, por me haver
apresentado comunidade de Tatajuba. Com seu apoio, foi possvel escolher este
lugar como foco da pesquisa, representando a realidade da turistificao do litoral
cearense. Ainda no Terramar, agradeo as colaboraes de Sheila Nogueira e
Jefferson de Sousa.
Ao Ncleo de Educao Ambiental do IBAMA/CE, pela participao no
Diagnstico Scioeconmico de Tatajuba. Em especial, sou grata pelo apoio
recebido de gueda Coelho, com a concesso de informaes que foram
imprescindveis para o desenvolvimento do trabalho.
Ao Prof. Dr. Antnio Jeovah A. Meireles, pelas preciosas crticas e
sugestes, durante o Exame da Qualificao, e, especialmente a Prof. Dr. Zenilde
Baima Amora, por sua colaborao no aprimoramento da metodologia da pesquisa e
Prof. Ms. Ana Matos Arajo, pelas crticas e leituras dos fragmentos da pesquisa,
incentivando-me com suas palavras de fora e estmulo.
Aos professores ministrantes das disciplinas cursadas no Mestrado
Acadmico em Geografia. Aos Professores Dr. Daniel Pinheiro e Dr. Lidriana de
Souza, agradeo pela confiana e respeito a mim depositados ao realizar o
ENGS2005. Assim como, sou agradecida aos colegas de curso que compartilharam
das discusses, ansiedades e da realizao do I Encontro Nacional de Geografia e
Sustentabilidade-ENGS2005: Ana Maria, Davis de Paula, Edilce Dias, Jader Sousa,
Joo Srgio, Josimeire Barreto, Marcelo Gondim, Marlia Colares, Paulo Sucupira,
Sergiano Arajo; e, em especial, a minha amiga Adriana Marques Rocha, pela
sincera amizade, discusses tericas, leituras crticas e o compartilhar de sonhos e
utopias, alm de tantas atividades realizadas no Mestrado e no NETTUR.
A todos os meus colegas, bolsistas e estagirios do NETTUR
Laboratrio de Estudos do Territrio e Turismo, em particular, Camila, Enyvldia,
Inara, Kleiton e Marcela, pela ajuda, amizade, respeito e apoio doados em todos os
momentos em que precisei de suas colaboraes, alm do constante incentivo para
continuidade do trabalho de pesquisa. Em especial, agradeo ao querido Aridenio
Quintiliano, pelo afeto, sincera amizade, diversas e constantes colaboraes, alm
do incessante encorajamento.
Aos moradores da comunidade de Tatajuba, pela amizade gerada ao
longo das viagens de pesquisa e pelos depoimentos e entrevistas concedidas, em
especial Maria do Livramento Carneiro dos Reis (Mariazinha), Maria Iolene Pontes,
Antnio Carneiro dos Reis (Toinho), Maria Jos de Arajo (Dona Maz), Sr. Manoel
Ricardo Arajo, Marlene Faanha, Ivan Bezerra, Pedro Ivo da Silva (Ivo), Edvandir
de Souza Monteiro (Didi), Sr. Oswaldo Mateus, Maria Carneiro de Albuquerque (Tia
Bio), Antnio Carneiro da Silva, Vera Carneiro de Souza, Joo Bastista dos Santos
(Tita), Maria Ivaneide da Silva (nen) e ao Marcos Aurlio Pozzan.
s funcionrias Gerda, Jlia, Janana e ao Elesbo pelo atendimento s
minhas solicitaes Secretaria do Mestrado.
Ao Prof. Dias da Silva e Dona Luizinha da Silva, agradeo pela amizade
e a correo de alguns textos preliminares da pesquisa.
Ao amigo e professor de francs, Charles R. Teixeira, agradeo
imensamente pela reviso do rsum deste trabalho.
A todas instituies que cederam dados e informaes, complementando
a pesquisa.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico-
CNPq-Brasil, pela concesso de bolsa de estudo, essencial ao desenvolvimento do
trabalho.
Aos meus amados pais, Francisco Mendes e Maria Gonzaga Mendes,
pela dedicao, apoio e amor incondicional. Aos meus irmos, Evinaldo, Evenilson
e Reginaldo, pelo apoio e admirao. Ainda no mbito familiar, agradeo em
especial, a minha cunhada Cristiane Mendes, pelas constantes leituras dos textos,
fora e admirao.
Enfim, a todos os amigos que incentivaram o desenvolvimento desse
trabalho, que acreditam na Geografia, na pesquisa cientfica e na existncia de uma
sociedade mais justa e solidria. O meu muito obrigada.
RESUMO
A turistificao do litoral, implementada pelas polticas privadas e pblicas
preparam o territrio para receber as empresas, transformando os espaos
comunitrios em locus do turismo, sendo os conflitos e resistncias imanentes a
esse fenmeno. Esta dissertao teve como objetivo analisar a produo e a
valorizao do espao litorneo para o desenvolvimento do turismo. A metodologia
etnogrfica e a abordagem qualitativa conduziram a investigao e a teoria crtica da
Geografia a anlise. A transformao do litoral em mercadoria, para o setor
imobilirio e turstico um dos vetores da pesquisa que se realizou no Municpio de
Camocim e na comunidade litornea de Tatajuba, que ao complementarem o
turismo de Jericoacoara, tornaram-se objetos de interesse da especulao
imobiliria e das empresas do turismo. Nesse lugar vivenciado conflito fundirio
entre os residentes contra grileiros e especuladores imobilirios, que buscam se
apropriar de terras para seus empreendimentos. O conflito que se apresentou pela
desarticulao entre os moradores, por um lado, ocasionou a diviso interna, e de
outra parte, despertou na comunidade a resistncia ao turismo de grandes
empreendimentos e a descoberta de possibilidades, sendo o turismo comunitrio
uma das perspectivas.
Palavras-chave: 1. Comunidades 2.Territrio 3. Polticas 4. Turismo
RSUM
La turistification de la zone ctire implante par les politiques privs et
publiques preparent le territoire pour recevoir les entreprises, en transformant les
espaces communautaires en locus du tourisme. Les conflits et les rsistences
appartiennent ce phnomne. Cette dissertation a eu comme objective analyser la
production et valorization de la zone ctire pour le dveloppement du tourisme. La
methodologie etnographic et linvestigation qualitative sont t la base de la
recherche et la thorie critique de la Gographie a t la base de lanalyse. La
transformation de la zone ctire en marchandise du secteur immobiliire et
touristique est un des lments de la recherche. Lespace de linvestigation est la
commune du Camocim et la communaut des pecheurs de Tatajuba. Ces endroits
ont t transform en objet dintrt de la spculation sour les terrains et par les
entreprises touristiques. A Tatajuba il y a de conflit de terre entre les rsidents, les
grileiros et les spculateurs (agents immobiliers), car les drnieres dsirent
saproprier des terres natifes pour ses propres affaires. Il faut mettre en relief que
Tatajuba fait partie de la region touristique de Jericoacoara, plage trs connue. Le
conflit, qui inquiete les habitants, a instigu la division interne, en faisant que les
habitants cherchent des nouvelles possibilits dont le tourisme communautaire est
une des perspectives.
Mots-cl: 1. Communauts 2. Territoire 3. Politique 4. Tourisme
SUMRIO
1 INTRODUO .............................................................................................. 14
2 A TRILHA METODOLGICA ....................................................................... 19 2.1 A Pesquisa Etnogrfica e a Abordagem Qualitativa................................... 21
2.2 Os Momentos da Pesquisa ........................................................................ 26
3 TATAJUBA O LUGAR E SUA PAISAGEM............................................... 32 3.1 As Vilas de Pescadores e suas Prticas Cotidianas .................................. 41
3.2 A Atrao da Paisagem Litornea.............................................................. 60
4 TERRITRIO DE CONFLITOS E RESISTNCIAS ...................................... 79 4.1 A Valorizao e a Especulao da Terra. .................................................. 85
4.2 O Territrio Local em Disputa..................................................................... 95
5 DE ESPAO COMUNITRIO A ESPAO DO TURISMO ......................... 117 5.1 As Contradies da Poltica de Turismo no Espao Cearense ................ 118
5.2 Tatajuba: entre Passeios e Rotas Tursticas ............................................ 134
5.3 O Turismo Comunitrio: Nova Proposta................................................... 142
6 CONSIDERAES FINAIS ........................................................................ 161 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .............................................................. 165
ANEXOS ........................................................................................................ 176
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS APP - reas de Preservao Permanente
BN - Banco do Nordeste do Brasil S.A
CAEN Curso de Mestrado em Administrao e Economia da
Universidade Federal do Cear
CDPDH - Centro de Defesa e Promoo dos Direitos Humanos
CNPT-IBAMA - Conselho Nacional de Populaes Tradicionais/IBAMA
DPU Departamento do Patrimnio da Unio
ETENE - Escritrio Tcnico de Estudos Econmicos do Nordeste / BN.
IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovveis
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IDACE Instituto de Desenvolvimento Agrrio do Cear
INSTITUTO TERRAMAR - Instituto Terramar de Assessoria Pesca
IPECE Instituto de Pesquisa e Estratgia Econmica do Cear
IPLANCE Fundao Instituto de Pesquisa e Informao do Cear
MAG Mestrado Acadmico em Geografia
NEA-IBAMA - Ncleo de Educao Ambiental/IBAMA
NETTUR Laboratrio de Estudos do Territrio e Turismo
ONG - Organizao No-Governamental
PDDU - Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Camocim
PDITS - Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentvel
PNMT - Programa Nacional de Municipalizao do Turismo
PRODETUR-CE - Programa de Ao para o Desenvolvimento do Turismo no Cear
PRODETURIS-CE - Programa de Desenvolvimento do Turismo em rea Prioritria
do Litoral do Cear
RESEX - Reserva Extrativista
SETUR Secretaria de Turismo do Cear
UECE Universidade Estadual do Cear
UFC Universidade Federal do Cear
ZEE Zoneamento Ecolgico-Econmico
LISTA DE FIGURAS, MAPAS, QUADROS E GRFICOS
NDICE DE FIGURAS 1 Rio Corea Camocim-CE......................................................................... 36
2 Rio Corea e Vista da Beira Rio, Camocim-CE ........................................ 36
3 Antigas casas de pescadores de Tatajuba................................................... 37
4 rvore Tatajuba............................................................................................ 38
5 Ponto de venda (leo e gasolina)................................................................. 43
6 Igreja catlica, Tatajuba CE ...................................................................... 44 7 Praa de Tatajuba ........................................................................................ 44
8 Casa de farinha Vila Nova......................................................................... 47 9 Agricultura de subsistncia........................................................................... 47
10 Paisagem da Baixa da Tatajuba................................................................. 48
11 Projetos do Pro-Renda .............................................................................. 48
12 Vista da duna Branca ................................................................................. 50
13 Canoas na regata de Tatajuba ................................................................... 56
14 Canoa na Lagoa da Torta........................................................................... 56
15 Paisagem panormica da gamboa de Tatajuba ......................................... 60
16 Falsias vivas - litoral de Camocim-CE...................................................... 64
17 Formao Camocim CE .......................................................................... 64
18 Duna Barcana ............................................................................................ 69
19 Dunas com eolianitos ................................................................................. 69
20 Migrao das dunas sobre a gamboa ........................................................ 71
21 Ecossistema manguezal............................................................................. 73
22 Ponte sobre o mangue ............................................................................... 73
23 rea de tabuleiros em Tatajuba ................................................................. 74
24 Criao de cabras ...................................................................................... 74
25 rea apropriada pela empresa imobiliria .................................................. 99
26 Placa da empresa imobiliria ................................................................... 102
27 Logstica projetada pelo PRODETUR-NE II ............................................. 107
28 Associao Comunitria dos Moradores de Tatajuba ACOMOTA ........ 109
29 Localizao de empreendimentos tursticos no litoral .............................. 130
30 Estrutura do Boa Vista Resort & Conference Centre ............................... 132
31 Koala Passeios Jericoacoara/CE .......................................................... 138
32 Roteiro turstico CE-PI-MA em Jericoacoara............................................ 139
33 Estrutura do Hotel Aventuras ................................................................... 140
34 Pousada Verde Folha............................................................................... 148
35 Casa da Marlene ...................................................................................... 148
36 Pousada Brisa do Mar............................................................................. 149
37 Pousada Santa Maria (em construo) ................................................... 150
38 Pousada Santa Maria (em funcionamento) ............................................. 150
39 Lagoa da Torta ......................................................................................... 153
40 Barracas na Lagoa da Torta..................................................................... 153
41 Buggies de passeios vindos de Jericoacoara........................................... 154
42 X Regata Ecolgica de Canoas de Tatajuba, Camocim CE................. 157
43 Canoa vencedora da X Regata de Tatajuba ............................................ 157
NDICE DE MAPAS 1 Municpio de Camocim CE........................................................................... 33
2 Acessos a Tatajuba.......................................................................................... 35
3 Localizao das vilas de Tatajuba e rea do empreendimento
turstico................................................................................................................. 42
4 rea de Proteo Ambiental de Tatajuba, Camocim-CE
Lei Municipal N 559/94....................................................................................... 67
NDICE DE QUADROS 1 Situao das posses existentes nas vilas de Tatajuba .............................. 101
2 Proposta de doao de terras para Tatajuba ............................................. 114
3 Equipamentos dos meios de hospedagem e complexos tursticos de
Camocim ........................................................................................................ 127
4 Meios de hospedagem de Tatajuba ........................................................... 147
5 Barracas de Tatajuba ................................................................................. 152
6 Trilhas e atrativos de Tatajuba ................................................................... 155
7 Sntese da histria de Tatajuba, Camocim-CE........................................... 188
NDICE DE GRFICOS 1 Principais atrativos tursticos de Jericoacoara............................................. 135
2 Comunidades conhecidas pelos residentes e turistas de Jericoacoara ...... 137
1. INTRODUO
Esta dissertao intitulada De Espao Comunitrio a Espao do Turismo Conflitos e Resistncias em Tatajuba, Camocim-CE analisa a produo e a valorizao do espao litorneo para o desenvolvimento do turismo, a partir de
conflitos, resistncias e contradies na produo socioespacial das comunidades
de pescadores - especialmente em Tatajuba.
O turismo temtica de relevncia para a Geografia, pois, nas ltimas
dcadas, constitui um dos principais elementos na produo e consumo dos
espaos. A modernidade cria inovaes tecnolgicas que se implantam nos lugares
selecionados pelo capital, como os do turismo, atendendo esta demanda especfica,
que exige infra-estruturas como condio para dinamizar o mercado global, nacional
e local.
No litoral nordestino e, em especial, no cearense, foram instalados
resorts, aeroportos, grandes hotis, parques temticos, empreendimentos tursticos,
na tentativa de realinhar o espao local ao locus global. Vrios equipamentos
urbanos e tcnicos foram implantados para modernizar o litoral, direcionando-o para
o turismo, tendo em vista os que podem usufruir dessa modalidade de consumo o
lazer de viagem. A produo do espao para o turismo, no entanto, entra em conflito
com os interesses das famlias que, por geraes, habitam secularmente no litoral,
sendo pressionadas a cederem suas terras. Os espaos comunitrios so
expropriados pelos especuladores imobilirios para venda de loteamentos e
implantao de equipamentos tursticos, originando mais conflitos pela terra no
litoral, somados aos existentes, como o da defesa da pesca artesanal.
Os complexos tursticos so preferidos pelos turistas por serem
reconhecidos como lugares seguros, mesmo os alocados em regies consideradas
subdesenvolvidas, como o Nordeste. O territrio litorneo, antes espao dos
chamados povos do mar, vivido por comunidades centenrias, alvo de
15
descaracterizao, quando moradores so expulsos de suas terras para dar lugar
construo de empreendimentos tursticos e equipamentos de luxo. Esse processo
gera nova configurao espacial e evidencia territrios dominados por
empreendedores do turismo. Estas transformaes modificam o cotidiano local. Se,
antes, predominavam relaes diretas entre pescadores e suas famlias com a
natureza, agora, empresrios, empreendedores e comerciantes aparecem como
mediadores dessas relaes e desfrutam deste privilgio.
Os grandes empreendimentos tursticos alocam-se em reas dotadas de
valor paisagstico, mas algumas, ocupadas por comunidades pesqueiras, portanto,
desarticulam estas primeiras ocupaes. Apresentam a caracterstica peculiar, de
receber turistas em suas dependncias e ocup-los com entretenimento, de tal
ordem que no sobre tempo livre para interao e contatos fora de suas
dependncias, o que inviabiliza o conhecimento da comunidade local. O valor
paisagstico serve como ferramenta para atrair turistas que se encantam com os
cenrios naturais e com a riqueza dos equipamentos tursticos, a maioria integrante
do circuito hoteleiro mundial. Estas estncias de frias e do turismo das elites so
objetos de engenharia projetados especificamente para o consumo do lazer, e
constituem cones do turismo de sol e praia no Nordeste brasileiro.
Com a valorizao do litoral cearense pelo turismo, ocorreu aumento da
demanda de residentes para esse espao, desencadeando o processo de ocupao
do litoral pelo veraneio (segundas residncias) e, posteriormente pelos servios
tursticos. Dessa forma, desenvolveu-se o fenmeno da turistificao1 litornea em
diversos pases. O processo de turistificao do litoral implementado pelas
polticas privadas e pblicas, que preparam o territrio para receber os
empreendimentos tursticos. Faz-se necessrio compreender o fenmeno turismo
litorneo, assim como a transformao dos espaos pelo e para o turismo. O locus
de investigao desta pesquisa o Municpio de Camocim e a comunidade litornea
de Tatajuba, que ao complementarem o turismo de Jericoacoara, tornaram-se
1 A despeito de este neologismo no possuir, ainda, registro dicionarizado, largamente utilizado no jargo das disciplinas vinculadas ao estudo cientfico do turismo, motivo porque se aceita pelo fato de no haver expresso correspondente na lngua culta com a conotao que se lhe confere no emprego, certamente, muito em breve, os lexicgrafos a oficializaro nas suas obras. O significado deste conceito, no entanto, ser definido nos prximos textos. Emprega-se a palavra, aqui, sempre em itlico.
16
objetos de interesse da especulao imobiliria, das empresas e Polticas Pblicas
de Turismo.
A escolha do objeto da dissertao decorreu da revalorizao deste litoral
pelo novo Programa de Regionalizao do Turismo, com a indicao desta regio
para integrar o roteiro Cear-Piau-Maranho (CE-PI-MA). O litoral oeste serve de
exemplo de turismo regionalizado. Esta regionalizao integra os roteiros tursticos
do litoral oeste cearense com o delta do Parnaba - e os lenis maranhenses, cuja
inteno viabilizar demandas de consumo para esta moderna mercadoria o
turismo.
As polticas de regionalizao, a nova produo espacial e os novos usos
contribuem para ensejar conflitos pela posse da terra e por espaos para a
implementao do turismo. Tatajuba apresenta-se como uma das comunidades que
enfrenta destemidamente a defesa de suas terras. Essa agressiva reordenao
territorial e a cooptao de lugares para a produo de espaos tursticos situou o
litoral cearense no menu do mercado mundial, ocasionando impactos
socioambientais. Novas reas configuram-se, apesar de uma srie de embates pela
apropriao e uso da terra.
As polticas de turismo ampliam aes em todo o litoral oeste, objeto da
disputa no mercado turstico globalizado, confrontando usos tradicionais com
atividades modernas. Como atividade econmica estimulada pelas polticas pblicas,
o turismo passou a ser considerado um dos principais vetores da reproduo
socioespacial do litoral cearense, abrindo um campo de lutas entre os lderes
comunitrios, grileiros, especuladores, empresas imobilirias e os promotores do
turismo.
Camocim revalorizado pelas empresas tursticas, que instalam seus
empreendimentos, especialmente grandes hotis, resorts e centros de eventos e
lazer, como o caso, do Condado Ecolgico de Camocim. A alocao desses
empreendimentos tursticos exige extenses de terras da ordem de centenas de
hectares, normalmente terras que tm grande valor paisagstico e que passam por
litgio entre os que tm a posse e os que dizem ter o domnio, como o caso das
17
quatro vilas que compem Tatajuba, rea ocupada secularmente por pescadores, e
que ameaada por empresrio que se declara proprietrio de todas as terras da
comunidade.
Nesse lugar, vivenciado conflito fundirio entre grileiros, especuladores,
empresa imobiliria e residentes. Os primeiros buscam apropriar-se de terras para
seus empreendimentos e a comunidade luta para defender suas posses. O conflito
instigou parte dos residentes a resistir ao turismo de resorts e aos grandes
empreendimentos imobilirios. As reaes so esboadas mediante a crtica ao
turismo de elite, levando ao fortalecimento da organizao dos residentes em
associaes para luta e a defesa de suas terras.
A comunidade entende que este tipo de turismo nocivo ao litoral, e, a
exemplo da Comunidade da Prainha do Canto Verde, busca desenvolver um turismo
de forma que beneficie o lugar, que oferea oportunidades para a sobrevivncia
local e participao na sociedade de consumo. Ressalta-se que a luta na
comunidade de Tatajuba no homognea, existindo os que acreditam que a
grande hotelaria trar benefcios imediatos. Estes colaboram com os especuladores,
identificando terras vendveis e ajudando a enfraquecer a resistncia comunitria. A
luta divide a comunidade, existindo residentes que so cooptados pelos interesses
exgenos e os que so contra a construo dos equipamentos tursticos. Buscando
entender a realidade de Tatajuba, foram levantados alguns questionamentos que se
apresentam como norteadores desta pesquisa, bem como se formulou os objetivos
que se pretendeu alcanar. Assim, interroga-se:
em que medida os empreendimentos tursticos provocam transformaes sociais
e territoriais no litoral, revalorizando Tatajuba e contrariando os interesses da
comunidade?
Quais so as terras em disputa e quem so os especuladores?
Como ocorrem os conflitos de terras no litoral?
18
Quais so as principais estratgias das organizaes comunitrias?
Quais so as polticas que reestruturam o litoral cearense para implantao dos
empreendimentos tursticos?
Como as polticas comunitrias podem romper com o modelo formal do turismo,
promovendo melhor distribuio?
Na construo e reconstruo do espao, os conflitos so imanentes.
Nesse sentido, buscou-se compreender o fenmeno da produo e valorizao do
espao de Tatajuba, mediante o mtodo de investigao etnogrfico, com
abordagem qualitativa. Foram utilizados depoimentos, declaraes, histrias de
vida, observao participativa e narraes sobre o fenmeno estudado, buscando
interpret-lo luz das teorias e conceitos.
Esta dissertao est apresentada em cinco partes. Primeiramente, foi
esboado breve estudo sobre a metodologia etnogrfica e a abordagem qualitativa,
como subsdios aos estudos geogrficos das comunidades e do turismo litorneo,
delineando os momentos e os passos da pesquisa. Em seguida, buscou-se
conhecer a comunidade de pescadores de Tatajuba, caracterizar o lugar, suas
prticas cotidianas, os atrativos locais e as paisagens como objeto da disputa e de
conflito. Na quarta parte, analisa-se a luta pela terra, utilizando-se conceitos
geogrficos e econmicos, para compreender a organizao, valorizao e
especulao de terras e/ou a questo fundiria.
Ato contnuo, investiga-se a realidade de Tatajuba, elabora-se um
panorama das contradies do espao e da poltica, refletido na produo de
espaos privatizados e dos espaos do turismo, e a insero de Tatajuba nos
passeios e rotas tursticas regionais, bem como as tentativas de elaborao do
turismo comunitrio como proposta alternativa. Enfim, chega-se a consideraes que
foram extradas do estudo terico-emprico, apoiadas na sntese cronolgica que
revela os conflitos e as resistncias na comunidade de Tatajuba, Camocim-CE.
19
2. A TRILHA METODOLGICA
Certo, ns no mudaremos o mundo, mas podemos mudar o modo de v-lo. Isto importante porque s assim poderemos escapar do dogmatismo epistemolgico e marcar um encontro com o futuro (SANTOS, 2004, p. 40).
A pesquisa cientfica um ato de elaborao. Com efeito, prepara-se um
caminho que possa contribuir para facilitar a apreenso da realidade emprica que
dever ser teorizada, analisada e explicada. Nesse movimento, ensina Demo (1999,
v. 14, p.10), preciso construir a necessidade de elaborar caminhos e no receitas
que tendem a destruir o desafio da construo. Assim, cada pesquisador encontra
uma trilha mais adequada aos seus objetivos.
A natureza do objeto de pesquisa sugere caminhos para escolha do
mtodo, de investigao e interpretao, apropriado para anlise. a natureza dos
problemas que determina o mtodo, isto , a escolha do mtodo se faz em funo
do tipo de problema pesquisado, anotam Ldke e Andr (1986, p.15). Admitiu-se
que a fase exploratria contribuiria para a definio da natureza do fenmeno
analisado. Deslandes (1994, p.32) define as etapas que determinam a explorao do
fenmeno, expressando que
a fase exploratria termina quando o pesquisador define seu objeto de pesquisa, constri o marco terico conceitual a ser empregado, definiu os instrumentos de coleta de dados, escolhe o espao e o grupo de pesquisa, define a amostragem e estabelece estratgias para entrada no campo.
Assim, a fase exploratria facilitou a constituio dos momentos da
pesquisa de campo e da escolha do caminho metodolgico. Segundo Minayo (1994,
p.16), a metodologia o caminho do pensamento e a prtica exercida na
abordagem da realidade. Neste sentido, a metodologia ocupa um lugar central no
interior das teorias e est sempre referida a elas. No que se refere ao mtodo,
20
Demo (op.cit, p.24), assinala que a teoria coloca a discusso sobre concepes de
realidade. O mtodo situa a discusso sobre concepes de cincia, dos conceitos
explicativos da realidade.
Outra explicao sobre mtodo foi retirada das concepes de Moraes e
Costa (1999, p.27), que mostram duas etapas desse processo a de interpretao e
a da pesquisa / investigao:
O primeiro diz respeito concepo de mundo do pesquisador, sua viso da realidade, da cincia, do movimento etc. a sistematizao das formas de ver o real, a representao lgica e racional do entendimento que se tem do mundo e da vida. [...] mtodo de interpretao uma concepo para a conduo da pesquisa cientfica; a aplicao da pesquisa cientfica; a aplicao de um sistema filosfico ao trabalho da cincia. J o mtodo de pesquisa refere-se ao conjunto de tcnicas utilizadas em determinado estudo. Relaciona-se, assim, mais aos problemas operacionais da pesquisa que a seus fundamentos filosficos.
A explicao de Moraes e Costa (1999) mostra que o mtodo de
interpretao a concepo de mundo do pesquisador, a atitude poltica e o
posicionamento terico da realidade analisada, que nesta pesquisa fundamentado
pela teoria crtica da Geografia. J o mtodo de pesquisa refere-se aos instrumentos
e tcnicas de coleta de dados e informaes, que, para Minayo (1994) se denomina
metodologia, prtica exercida na abordagem da realidade que influencia diretamente
no mtodo da pesquisa, com esse propsito foi empregada a etnografia e a
abordagem qualitativa.
A compreenso dos fenmenos sociais no algo fcil de realizar, pois a
realidade no acontece de maneira harmnica e homognea nos lugares. Cada
agente e elemento que edificam o espao singularizam os fenmenos sociais, da
por que as pesquisas colaborarem na tentativa de revelar os fenmenos pela
constituio das anlises (snteses). Ressalta Seabra (2001, p.13) que conhecer a
realidade no significa necessariamente desvendar a verdade de forma clara e
transparente, mas parte dela. Os conflitos pela terra e as resistncias em Tatajuba
ajudam a desvendar a produo espacial do territrio litorneo cearense pelo
turismo. Os recortes so necessrios, pois a cincia [...] no alcanando dominar o
21
todo, avana por meio da estratgia aproximativa das relevncias discernveis
(DEMO, op. cit., p.33).
Neste segmento da dissertao, trabalha-se a formulao metodolgica
para o desenvolvimento da pesquisa, assim como a narrao dos momentos que
possibilitaram o caminhar da pesquisa e elaborao da anlise. Nesse sentido,
priorizou-se como mtodo de investigao a abordagem qualitativa, por intermdio
da etnografia, voltada para estudos de comunidades inseridas em conflitos pela
terra, acirrados pelo processo de captao de espaos litorneos para o uso
turstico.
2.1 A Pesquisa Etnogrfica e a Abordagem Qualitativa
As realidades sociais, traduzidas por suas expresses, smbolos e
culturas no espao, so representaes complexas. Para analisar processos sociais,
deve-se buscar a compreenso da totalidade para que os fenmenos no fiquem
descontextualizados, mesmo com o estudo de realidades microscpicas. Nessa
perspectiva, necessita-se, sobretudo, formular conceitos que nos orientem a
harmonizar e integrar estratgias capazes de lidar com as complexidades do
processo social e os elementos da forma espacial. Essa uma das contribuies de
Harvey (1980, p.17) para a formulao de mtodos de pesquisa da anlise do
espao geogrfico.
O real, em sua plenitude, apresenta-se ao pesquisador como algo catico
e complexo, que a pesquisa e a explicao buscam desvendar. Morin (2003, p.148),
estudioso francs da Teoria da Complexidade, estuda o processo dialtico de
compreenso da realidade complexa e salienta que
22
[...] a complexidade a unio da simplicidade e da complexidade; a unio dos processos de simplificao que so a seleo, a hierarquizao, a separao, a reduo, com os outros contraprocessos que so a comunicao, que so a articulao do que est dissociado e distinguido e o escapar alternativa entre o pensamento redutor que s v os elementos e o pensamento globalista que v o todo.
Na busca da compreenso da complexidade do emprico, subsidiada pelo
entendimento acerca de metodologia e mtodo, e pela aplicao da fase exploratria, optou-se pelo mtodo de investigao etnogrfico, com abordagem
qualitativa, sendo que os dados precisam de interpretao. Para Haguette (1987,
p.55), os mtodos qualitativos enfatizam as especificidades de um fenmeno em
termos de suas origens e de sua razo de ser. A autora (idem, ibid) ressalta que os
qualitativistas garantem que essa abordagem capaz de
[...] fornecer uma compreenso profunda de certos fenmenos sociais apoiados no pressuposto da maior relevncia do aspecto subjetivo da ao social face configurao das estruturas societrias, seja a incapacidade da estatstica de dar conta dos fenmenos complexos e dos fenmenos nicos.
No mesmo sentido, Ldke e Andr (op.cit, p.13), embasados pelas
definies de Bogdan e Biklen (1992), explicam que
A pesquisa qualitativa ou naturalstica envolve a obteno de dados descritivos, obtidos no contato do pesquisador com a situao estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes. Entre as vrias formas que podem assumir uma pesquisa destacam-se a do tipo etnogrfico e o estudo de caso.
A metodologia etnogrfica adequa-se investigao de comunidades e
suas representaes. Essa abordagem na Geografia possibilita enriquecer a anlise
da realidade estudada pelos gegrafos, especialmente quando se trata da realidade
de uma cultura particular (NOGUEIRA, 2003). Para esta metodologia, a observao
participante, as entrevistas, a histria oral e a histria de vida so as principais
tcnicas e foram aqui utilizadas, em momentos especficos da pesquisa. Vale
23
salientar que as tcnicas qualitativas contribuem para captao dos fenmenos,
dando sentido noo de processo (HAGUETTE, op. cit, p.75).
A metodologia etnogrfica apresenta caminhos para a percepo das
caractersticas e estratgias das culturas2, contribuindo na anlise das prticas
cotidianas das comunidades. No litoral cearense, identificaes culturais foram
constitudas. As comunidades pesqueiras, mesmo com o pluralismo econmico3,
sobrevivem diretamente dos recursos da natureza. Nas cidades, o urbano produz
ligao secundria com a natureza, intermediada pelas atividades industriais que
criam produtos para serem consumidos, acrescido do turismo e do consumo de
servios. Estas culturas entram em conflito quando uma tenta sucumbir a outra.
A metodologia etnogrfica ajuda na percepo destas culturas e de suas
estratgias, contribuindo para compreenso de conflitos e resistncias nas
comunidades, bem como o fenmeno da produo do espao litorneo. Oliveira
(2001, p.17) revela que o mtodo assinala, portanto, um percurso escolhido entre
outros possveis. No sempre, porm, que o pesquisador tem conscincia de todos
os aspectos que envolvem este seu caminhar; nem por isso deixa de assumir um
mtodo.
As anlises etnogrficas no se restringem apenas s comunidades
tradicionais e/ou rurais, mas tambm, aos grupos urbanos, de imigrantes, das
fbricas, de bairros, entre outros (BATZN, 1996). O autor (op.cit, p.18) revela que
nos estudos etnogrficos destacam-se dois momentos fundamentais: o processo e o
produto. Ressalta-se o processo:
O processo etnogrfico corresponde ao trabalho de campo, realizado durante um tempo suficiente que permita conhecer a cultura de uma comunidade pequena. Nesse processo assinalamos um dos momentos
2 Santos, J. L. d. (1983, p. 92) revela que cada cultura o resultado de uma histria particular, e isso inclui tambm suas relaes com outras culturas, as quais podem ter caractersticas bem diferentes. Afirma ainda que a cultura um territrio bem atual. 3 Maldonado (1993, p.29) explica que bastante comum em grupos pesqueiros a prtica do pluralismo econmico que consiste na coexistncia ou alternncia da pesca com agricultura, no sendo raros inclusive grupos em que empregam a atividade agrria ou agropecuria.
24
mais importantes, o acesso comunidade, o dilogo com os informantes, o registro de dados e a observao participante.
Baztn (1996, p.3) explica que a etnografia o estudo (graphos) da
cultura (ethos) de uma comunidade. conduzida pela observao participante,
realizada na escala local, onde os gegrafos podem realizar estudos das relaes
espaciais, no interior das localidades, e particularmente das relaes diretas entre os
homens e o espao onde moram (SERRA, 1991). As etapas do projeto etnogrfico
so: a delimitao do campo; a preparao e documentao, investigao (o
campo), a concluso (elaborao da ruptura com o campo) e anlise dos dados e
informaes. A explicao exige uma introspeco no plano da abstrao.
A Etnografia uma metodologia essencialmente das cincias humanas e
sociais, da qual a Geografia faz parte. Busca-se a compreenso dos fenmenos
sociais na produo do espao, do lugar, da paisagem, do territrio e do turismo.
Para tanto, a metodologia etnogrfica colabora para a obteno desses propsitos.
Outras caractersticas etnogrficas so reveladas por Geertz (1989, p. 31), ao
acentuar que este mtodo interpreta o fluxo do discurso social e a interpretao
consiste em tentar salvar o dito num tal discurso da sua possibilidade de extinguir-
se e fix-lo em formas pesquisveis. Geertz (idem, ibid), acrescenta, ainda, que tal
descrio pode ser microscpica.
Nas devidas propores, a comunidade de Tatajuba, em Camocim-CE,
apresenta-se como uma dessas micro-realidades, diante da turistificao do litoral,
no entanto, para sua compreenso, fundamental o embasamento terico. Mostra
Geertz (op.cit, p. 38) que em etnografia, o dever da teoria fornecer um vocabulrio
no qual possa ser expresso o que o ato simblico tem a dizer sobre ele mesmo isto
, sobre o papel da cultura na vida humana. A pesquisa da comunidade sugeriu o
mtodo de interpretao crtico, fundamentado pelas categorias e conceitos de
comunidade, lugar, paisagem, territrio e turismo, acrescidos da compreenso da
complexidade da valorizao, especulao e conflitos pela terra litornea.
A constituio do objeto da pesquisa foi tecida pelas informaes e dados
colhidos no campo e nas pesquisas institucionais, respaldadas nos conceitos.
25
Atente-se para o comentrio de Gomes (2000, p.368p) sobre a abordagem cientfica
dos fenmenos, quando explica que
[...] as realidades so completamente explicveis e a cincia deve ser capaz de reconstituir os eventos a partir da enunciao de suas causas e de seus efeitos. Trata-se de traduzir, em uma linguagem clara, objetiva e geral, o movimento do real. O saber cientfico sempre um produto da interface entre um conjunto de regras determinadas, o mtodo e o objeto.
Na interface do mtodo de interpretao com o objeto analisado
valorizaram-se os aspectos qualitativos da pesquisa, mediante as fontes orais,
complementadas pelos documentos coletados. A pesquisa foi realizada por uma
trilha onde teoria e prtica (empiria) caminharam concomitantemente. Nessa
perspectiva, Demo (op.cit., p.27) revela que:
Teoria e prtica detm a mesma relevncia cientfica e constituem no fundo um todo s. Uma no substitui a outra e cada qual tem sua lgica prpria. Nos extremos, os vcios do teoricismo e do ativismo causam os mesmos males. No se pode realizar prtica criativa sem retorno constante teoria, bem como no se pode fecundar a teoria sem confronto com a prtica.
A pesquisa revela a preocupao acadmica em expressar a importncia
da cincia, na reconstituio e interpretao histrico-espacial das realidades e da
metodologia, que, no dizer de Demo (op. cit., p. 24), significa que todo cientista
criativo e produtivo marca sua presena no mundo cientfico no s pela teoria e por
vezes pela prtica, mas tambm pela discusso metodolgica. O pensamento de
Carlos (1999, p.62) confirma esta idia quando expressa que o trabalho intelectual,
preocupado com a interpretao do mundo no produz sua transformao, mas
um passo importante na desmistificao e na descoberta do sentido das
representaes que permeiam a vida cotidiana no mundo moderno com seus
modelos de felicidade e bem-estar.
26
2.2 Os Momentos da Pesquisa
As pesquisas de campo na comunidade de Tatajuba foram momentos
essenciais para apreenso dos relatos, das histrias e captao dos anseios do
povo desse lugar, que so, contingencialmente, narradas no desenvolvimento deste
estudo. O caminho metodolgico revela detalhes da interao com os moradores, os
dilogos foram momentos fundamentais para complementao dos dados e
informaes, alm da elaborao da anlise. Assim, foi possvel estabelecer
relaes, selecionar informantes e textos, levantar fatos e histrias, mapear os
campos de estudo, estabelecer os dilogos e fazer anotaes de campo da histria
oral.
Em agosto de 2004, em parceria com a organizao no-governamental
Instituto Terramar, viveu-se as experincias locais. Foram realizadas coletas de
depoimentos, por meio de entrevistas, com o objetivo de reconstituir a histria da
comunidade e conhecer os seus conflitos com os especuladores imobilirios. Foram
dilogos demorados e prazerosos, que ajudaram na maturidade da pesquisadora
para a elaborao das anlises.
A entrevista pode ser definida como um processo de interao social
entre duas pessoas na qual uma delas, o entrevistador, tem por objetivo a obteno
de informaes, por parte do outro, o entrevistado (HAGUETTE, op. cit., p.75). As
trocas de informaes, a escuta da forma simples do modo de falar dos residentes
da comunidade, conduziram o contato informal para um dilogo, que resultou em
laos de amizade. Alm do depoimento oral, o registro da comunidade, realizou-se
pela documentao fotogrfica, que possibilitou pormenorizar detalhes da realidade
pesquisada e formar um arquivo imagtico de paisagens, das atividades econmicas
(pesca, a coleta de mariscos, agricultura, comrcio e o turismo), da infra-estrutura de
servios na comunidade, das moradias, do lazer e da populao.
No segundo momento, em novembro de 2004, teve-se a oportunidade de
aprofundar as observaes participantes e conhecer uma das principais
manifestaes culturais das comunidades de pescadores - a Regata Ecolgica.
Registrou-se o fluxo de visitantes e turistas comunidade. Observou-se a relao
27
entre visitantes e residentes. Compreendeu-se melhor os laos de afetividade
familiares, entre membros que, mesmo sem morar na comunidade, no perodo da
regata, retornam para visitar os parentes e prestigiar o movimento cultural.
Neste segundo contato, foram identificadas as lideranas, conquistadas
amizades, facilitando-se, assim, as descobertas. As entrevistas, filmagens e
gravaes contriburam para a reconstituio da histria de luta pelas terras.
Trabalhou-se a histria oral do lugar. Haguette (op.cit, p.83) explica que a histria
oral uma tcnica de coleta de dados baseada no depoimento oral, gravado, obtido
atravs da interao entre o especialista e o entrevistado; ator social ou testemunha
de acontecimentos relevantes para a compreenso da sociedade. Esta
reconstituio histrica foi motivo de prazer para os informantes, que se sentiam
felizes de contribuir com a pesquisa, e se no incio, pareciam inseguros,
desconfiados, temerosos, ao final do trabalho contavam com segurana e prazer, o
que lembravam sobre o lugar.
A terceira viagem realizou-se em fevereiro de 2005. Na ocasio colheu-se
informaes para subsidiar o diagnstico socioeconmico e cultural da comunidade.
Atividade desenvolvida pelo Instituto Brasileiro do Meio do Ambiente e Recursos
Naturais Renovveis IBAMA, juntamente com o Instituto Terramar, que a
pesquisadora teve a oportunidade de participar. Tal diagnstico tem por objetivo
implantar uma Reserva Extrativista RESEX. Nesse momento, constatou-se graves
conflitos e desentendimentos internos, alguns moradores at, negaram-se a
responder a pesquisa. Foi possvel perceber os conflitos internos em maior
intensidade, o que elucidou a anlise das aes dos agentes sociais produtores do
espao litorneo, compreendendo seus mecanismos e estratgias na valorizao e
especulao do litoral.
Neste terceiro momento, verificou-se que a comunidade no um todo
harmnico, mas uma realidade de incessantes conflitos entre os que detm poder e
os que so subordinados. Os primeiros articulam estratgias quase imperceptveis
aos olhos comuns. Esta realidade explicada por Silva (2001, p. 50), ao ressaltar o
papel das anlises geogrficas, explica que
28
[...] dever preocupar-se com a natureza em todas as suas instncias. O espao geogrfico constitudo de totalidades capitalistas e no-capitalistas tem a sua produo-reproduo realizada por meio do trabalho dos homens dialeticamente coisificados para o sistema e humanizados para si mesmos, onde a luta da natureza humana pela sua plenitude de vida se d dentro e fora da atividade produtiva, dentro e fora de si mesmos, do seu corpo, da sua natureza.
Na apreenso da realidade, buscou-se indicadores e informaes,
coletados em pesquisas institucionais e bibliogrficas, pois, como revela Kourganoff
(1961, p.68), todo resultado cientfico mergulha as razes, ao mesmo tempo nos
trabalhos anteriores e nas descobertas feitas em outros campos. Diz ainda esse
terico que o carter cumulativo da cincia permite-lhe progredir pela comunho
dos esforos de inmeros pesquisadores. uma obra coletiva (op. cit., p.71).
Assim, a coleta de dados institucionais ocorreu nas seguintes instituies: Banco do
Nordeste ETENE / BN, Secretaria de Turismo do Estado do Cear SETUR,
Fundao Instituto de Pesquisa e Informao do Cear - IPLANCE, atual Instituto de
Pesquisa e Estratgia Econmica do Cear IPECE, Instituto Terramar, CDPDH -
Centro de Defesa e Promoo dos Direitos Humanos, Superintendncia Estadual do
Meio Ambiente SEMACE, NEA/IBAMA - Ncleo de Educao Ambiental do
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovveis IBAMA,
IDACE Instituto de Desenvolvimento Agrrio do Estado do Cear, entre outras.
Nessas instituies, foi possvel realizar pesquisas, catalogaes cartogrficas e
documentais, alm de coletar depoimentos e informaes.
Utilizou-se, ainda, o acervo bibliogrfico, fonogrfico e hemerogrfico do
Laboratrio de Estudos do Territrio e Turismo NETTUR/UECE e de outras
bibliotecas (UECE, UFC, CAEN). Documentos foram utilizados como o Plano Diretor
de Desenvolvimento Urbano de Camocim PDDU, Plano de Desenvolvimento
Integrado do Turismo e Sustentvel do Plo Costa do Sol PDTIS (Avaliao do
PRODETUR I), Diagnstico Scio-Ambiental Participativo, realizado pelo Projeto
Gesto Costeira Sustentvel e o Dossi do Conflito Fundirio da Comunidade de
Tatajuba de 2001-2003, documentos elaborados pelo Instituto Terramar, relatrios
de pesquisa NETTUR, a Ata da audincia pblica que ocorreu em 2001, em
Camocim, dissertaes, teses, reportagens, sites, entre outros. Revelando a
29
importncia dos documentos na pesquisa cientfica, Ldke e Andr (1983, p.39)
explicam que:
Os documentos constituem tambm uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas evidncias que fundamentam afirmaes e declaraes do pesquisador, representam ainda uma fonte natural de informao. No so apenas uma fonte e informao contextualizada, mas surgem num determinado contexto e fornecem informaes sobre esse mesmo contexto.
Esses autores (op.cit, p.38) revelam que a anlise documental realizada
a partir de quaisquer materiais escritos que possam ser usados como fonte de
informao sobre o comportamento humano. Os documentos coletados foram
imprescindveis para confirmao dos fatos e inferncias da realidade do fenmeno
observado na pesquisa. Neste sentido, foi possvel identificar, com maior evidncia,
o conflito em todo o litoral cearense, sobretudo na comunidade de Tatajuba, em
Camocim, entre os anos de 1980 a 2006. Entende-se, como ressalta Silveira (2000,
p.23), a necessidade da produo de um esquema histrico, no apenas lgico,
capaz de apreender a lgica da histria ou, em outras palavras, a carncia do real.
Nesse sentido, elaborou-se um quadro com a sntese cronolgica de todos os fatos
histricos, alm das estratgias e dos encaminhamentos do conflito vivenciado em
Tatajuba.
A quarta viagem a Tatajuba ocorreu em janeiro de 2006, com a presena
da orientadora da pesquisa. Teve por objetivo complementar e conferir as
informaes, coletar pontos no GPS4 para elaborao de mapas da comunidade;
elaborao de filmagem para composio de vdeo sobre as comunidades
litorneas; coleta de depoimentos da histria de vida dos pescadores, lideranas e
proprietrios de negcios tursticos; visita aos novos equipamentos tursticos
(pousada e barraca); elaborao de documentao fotogrfica dos atrativos
tursticos; complementao do quadro da cronologia dos acontecimentos histricos e
dos conflitos em Tatajuba, a partir dos depoimentos dos moradores das lideranas
comunitrias. Realizou-se, ainda, pesquisa na comunidade vizinha, com o intuito de
conhecer as relaes de Tatajuba com a internacionalmente conhecida Jericoacoara
e com a Sede do Municpio de Camocim.
4 Sistema de Georreferencialmento por Satlite, utilizado para marcao de pontos vetores na elaborao de mapas em programas de computadores como o ArcView e CorelDRAW.
30
Nesse momento, em Tatajuba, reconstituiu-se um pouco mais das
histrias de vida dos habitantes. Captaram-se peculiaridades da vida do pescador,
alm de se fazer a complementao de informaes coletadas nas viagens
anteriores. Lembra Haguette que a histria de vida pode ser enfocada, pelo menos
dentro de duas perspectivas. A primeira, a mais usual, trat-la como documento e,
a segunda, como tcnica de captao de dados (op.cit., p. 69). Diz ainda a autora
que, a histria de vida atende mais aos propsitos do pesquisador que do autor e
est preocupada com a fidelidade das experincias e interpretaes do autor sobre
seu mundo (idem, ibid). As histrias eram contadas pelos residentes a pedido da
pesquisadora.
As tabulaes dos dados coletados e a triagem dos depoimentos deram
continuidade ao exerccio da prtica analtica com o confronto entre os dados e
informaes, buscando-se compreender a problemtica pesquisada. Geertz (op.cit.,
p,29) releva que o etngrafo inscreve o discurso social: ele o anota. Ao faz-lo, ele
o transforma de acontecimento passado, que existe apenas em seu prprio
momento de ocorrncia, em um relato, que existe em sua inscrio e que pode ser
consultado novamente. Seguindo no mesmo sentido, do registro da vida social,
Coulon (1995, p.111) confirma, ao dizer que:
Na medida em que essa corrente (etnogrfica) tem como objetivo mostrar os meios utilizados pelos membros para organizar a vida social em comum, a primeira tarefa de uma estratgia de pesquisa etnometodolgica descrever o que fazem seus membros.
O discurso social foi inscrito e exposto a partir da historicizao do lugar
Tatajuba, caracterizao de sua paisagem litornea como objeto do turismo, o
processo de valorizao e conflitos territoriais; as intervenes do Estado mediante
polticas do turismo, alm dos conflitos e contradies do desenvolvimento da
turistificao dos espaos litorneos. Este mtodo ajuda a tirar grandes concluses
a partir de fatos pequenos, mas densamente entrelaados [...], anota Geertz (op.cit,
p.38). Entende-se que o desvelar de uma comunidade como Tatajuba pode significar
mais um passo na formulao do conhecimento dos lugares tursticos, dos conflitos
31
de uso e ocupao pela terra litornea, e, sobretudo, o papel do turismo nesse
contexto.
No corpo desta dissertao, apresentam-se os contedos, falas,
depoimentos e imagens da realidade pesquisada. Ressalta-se que os nomes dos
depoentes foram suprimidos para preservar suas identidades e posicionamentos.
Analisa-se com abordagem terico-crtica, buscando conhecer, interpretar e analisar
a produo do espao litorneo para o turismo, tendo como principais atores os
moradores da comunidade de Tatajuba, em Camocim-CE.
3. TATAJUBA: O LUGAR E SUA PAISAGEM Tatajuba um lugar1 onde predomina natureza conservada. Dunas,
lagoas, rio, gamboa, praia e mangues compem o conjunto de morfologias desse
recanto, considerado paradisaco para o turismo. Trata-se de uma comunidade
formada por pescadores e agricultores. No sentido leste-oeste, pelo litoral cearense,
a comunidade situa-se aps a praia de Jericoacoara, no Distrito de Guri, Municpio
de Camocim. Aps Tatajuba, existem outras comunidades, a do Macei, Coit,
Torta, Imburanas e das Morias, antes de chegar no esturio do rio Corea, lugar
chamado de Ilha do Amor. No mapa 01, pode-se observar onde se localiza esta
vila de pescadores, no Municpio de Camocim.
Camocim o penltimo municpio do litoral oeste, quase fronteira com o
Piau, no fora o desmembramento de Barroquinha. Neste municpio, localiza-se a
comunidade de Tatajuba, que dista 18 km da sede e est cerca de 340 km de
distncia de Fortaleza, capital do Estado, indo pela praia. Camocim tem uma rea
absoluta de 1.123,94 km de extenso (IBGE, IPECE, 2005) e est subdividido
politicamente pelos Distritos de Amarelas, Sede (Camocim) e o Guri. A Sede
localiza-se margem esquerda do rio Corea, prximo da foz. O Rio Corea divide
o Municpio quase ao meio, dificultando a ligao da sede com o distrito de Guri,
localizado a leste, margem direita do Rio (GOVERNO ...., PDITS, 2003). Camocim
limita-se ao norte com o oceano Atlntico; ao sul com Granja; ao leste com Bela
Cruz e Jijoca de Jericocoara e ao oeste com Barroquinha, conforme o mapa 01.
O caminho mais rpido para Tatajuba pela praia de Jericoacoara. Leva-
se aproximadamente seis horas de viagem, saindo de Fortaleza. Por essa trilha
tem-se a oportunidade de observar as paisagens das praias cearenses, litoral oeste.
Aps passar por Jericoacoara, percorre-se a distncia de 12 km at a vila do Guri,
atravessando-se de balsa (movida a fora humana) o lago da Forquilha conhecido
como lago do Urubu, percorrendo-se mais 18 km pela praia e aps esperar a mar
baixar, atravessa-se a gamboa para chegar ao centro da vila de Tatajuba.
1 Para Santos (2002, p.152), o lugar , antes de tudo, uma poro da face da terra identificada por um nome. Aquilo que torna o lugar especfico um objeto material ou um corpo. Uma anlise simples mostra que um lugar tambm um grupo de objetos materiais.
33
34
Um outro caminho pela CE-085, denominada como rodovia estruturante,
chega-se ao municpio de Granja, no distrito de Parazinho, percorrendo 25 km de
estrada vicinal, passando por campos de dunas mveis e semifixas. Todos os
acessos so difceis, portanto necessria a utilizao de carros com trao e bons
condutores.
Os outros acessos so pela sede de Camocim, onde se pega a balsa que
faz a travessia pelo rio Corea, chegando Ilha do Amor. Nessa ilha buggies so
alugados para fazer passeios tursticos para Tatajuba e Jericoacoara. O preo varia
entre setenta e cento e oitenta reais, dependendo do roteiro escolhido, conforme
informaes locais (PESQUISA...., 2006). O mapa 02 apresenta o roteiro e as trilhas
mais utilizadas para se chegar a Tatajuba, realizadas durante as viagens de campo.
Nesse roteiro, so apresentados meios de transporte e alguns elementos que
constituem a paisagem desse lugar. O ltimo caminho geralmente feito pelos
prprios moradores, aps pegarem a balsa, em Camocim, atravessam o rio Corea,
chegam no Stio So Mateus onde existem carros particulares de moradores da
comunidade e adjacncias, chamados de lotao, que fazem transporte coletivo.
Chegar a Tatajuba uma grande aventura, no tarefa simples. No
sculo XXI, quando todas as facilidades da tecnologia colaboram para que se
chegue a qualquer lugar, estas dificuldades so consideradas atrativos tursticos.
Os caminhos que levam comunidade so caracterizados pela aventura, que se
deve conquistar. Foi no incio do sculo XX que pescadores desbravaram o
caminho das dunas para encontrar em Tatajuba um lugar perfeito para a produo
da pesca e da lagosta. Os moradores asseveram que a pesca foi uma das principais
motivaes da formao da vila. Os relatos coletados informam que as primeiras
famlias a chegarem nesse lugar vieram de ncleos de povoamento dos arredores,
atrados pela pesca em abundncia, o que estimulou a formao da comunidade.
35
36
Na fig. 1 e fig. 2, observam-se o rio Corea e ao fundo a paisagem da
beira-rio de Camocim e o barco que faz as travessias com os moradores, visitantes
e turistas que vo para a Ilha do Amor.
FIGURA 1- RIO COREA
FIGURA 2 - Rio Corea e vista da Beira-Rio de Camocim. FONTE - Eluziane Mendes, Ago./ 2004
FONTE - Jeovah Meireles, 2002
A histria oral da comunidade tem por marco o ano de 1902, quando a
ocupao deu origem a dois ncleos: Cabaceiras de Cima e Cabaceiras de Baixo. A
primeira assim denominada por localizar-se margem direita de uma gamboa, com
topografia mais elevada; e a segunda, no lado esquerdo, com topografia mais baixa.
A toponmia surgiu da existncia de muitas plantas de cabaa (crescentia cujete) nas
proximidades da praia, registrada por uma das primeiras famlias, assentada ao
lugar - a Carneiro. A fig. 3 apresenta trs pequenas casas de taipa desocupadas,
37
que simbolizam a origem da formao da comunidade, por suas antigas ocupaes,
constatando, assim, a permanncia, uso e ocupao das terras de Tatajuba.
FIGURA 3 - Antigas casas de pescadores de Tatajuba FONTE - Eluziane Mendes, Ago./ 2004
No ano de 1930, a comunidade decidiu mudar o nome do vilarejo de
Cabaceiras para TATAJUBA, em razo da abundncia dessa rvore na praia. Giro
(1971, p.34), pesquisador da Histria cearense, descreve as caractersticas dessa
espcie vegetal assim: a tatajuba, ou pau de tinta, madeira de cor amarela, da famlia das urticceas (Chorophora tinctoria Gand), conhecida em Sergipe por moreira e em Pernambuco por espinheiro bravo. O nome tem outras variantes - tataba, tatajuba, tata, tatarema ... Fornece boa matria corante amarela, apropriada para tinturaria, sendo tambm utilizada em construes.
Em algumas localidades do litoral de Camocim, existe a rvore Tatajuba,
dando origem denominao desse lugar, conforme se verifica na fig. 4, a rvore
Tatajuba (Chorophora tinctoria Gand).
38
FIGURA 4 - rvore Tatajuba (Chorophora tinctoria Gand). FONTE - Eluziane Mendes, Ago./ 2004
Os depoimentos dos moradores revelaram que, na formao da
comunidade de Tatajuba, tambm fez parte um morador proveniente do Rio Grande
do Norte. Uma nativa do lugar, a simptica senhora apelidada de Tia Bio, da famlia
Carneiro, fez meno primeira organizao da comunidade e, como se dava a
moradia, pelo respeito entre os membros mais antigos que concediam permisso
para posse2 de terras dos novos moradores. Na entrevista concedida em novembro
de 2004, a Sra. Maria Albuquerque Carneiro (Tia Bio), assim expressava:
Eu tenho 76 anos. Nasci e me criei aqui. Meu pai, ele se engraou com minha me e casou-se. Quando a gente veio morar l no alto. S que eu no me lembro a quanto tempo, que tempo, que ano papai casou-se. Mas, que ns veio pra c, o filho mais velho de 1927 e eu sendo de 1928. De l ns samos do Alto e viemos pra c, na era de 1934. Era, tambm, do compade Jos Chico Gerevais. O morador aqui, era o papai, era o meu padrim Timteo. S tinha esses, quando a gente chegou aqui, eu s conheci uma casinha que o finado Jos Ivo tinha morado. Mas, os morador foi o meu pai e meu padrim, dois irmo (Moradora de Tatajuba, PESQUISA ..., 2004).
A depoente refere-se ao local denominado Alto, retratando o lugar onde
se localizava a antiga Cabaceiras de Cima, e que, entre os primeiros moradores, 2 Diegues (2002, p.85) esclarece que, para as sociedades tradicionais de pescadores artesanais, o territrio muito mais vasto que para os terrestres e sua posse mais fluda. Apesar disso, ela conservada pela lei do respeito que comanda a tica reinante nessas comunidades.
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estava sua famlia. A identidade com o lugar revela-se ao contar a histria de vida
dos moradores de Tatajuba. Deste modo, a relao social realiza-se praticamente, e
esse processo revela uma articulao espao-tempo iluminando o plano do vivido: a
vida cotidiana e o lugar (CARLOS, 2004, p.47). Compreende-se que o plano do
cotidiano do habitante constitui-se no lugar produzido para esta finalidade, e nesta
direo, o lugar da vida constitui uma identidade habitante-lugar (CARLOS, idem,
ibid).
Cada lugar , sua maneira, o mundo, como enfatiza Santos (2002,
p.314). Nesse sentido, deve-se buscar a compreenso dos elementos que
singularizam os lugares, e ao mesmo tempo, os elementos que o aproximam do
mundo, encontrando os seus significados. Maldonado (1993), em estudos sobre
comunidades pesqueiras, ressalta que a noo de lugar fundamental na anlise de
comunidades e assinala que o lugar, a existncia local dos fenmenos tanto no
espao fsico como no espao social que lhes confere essncia, significado e
transcendncia. localmente que nos situamos e localmente que as coisas
acontecem (1993, p.34). Acrescente-se que, localmente, se percebem no emprico
as contradies do mundo, e, ao dizer de Santos (2005, p.161), hoje, certamente
mais importante que a conscincia do lugar a conscincia do mundo, obtida
atravs do lugar.
Os moradores de Tatajuba se denominam de comunidade tradicional de
pescadores. Para tanto, importante compreender o sentido do que seja
comunidade e de tradicional; sendo esta explicada por Diegues (2002, p.89),
como um dos critrios mais importantes para definio de culturas ou populaes
tradicionais, alm do modo de vida, , sem dvida, o reconhecer-se como
pertencente quele grupo social particular. Complementa Coriolano (2004, p.240),
ao refletir sobre o conceito de comunidade, revelando-o desta forma:
A comunidade um grupo social residente em um pequeno espao geogrfico cuja integrao das pessoas entre si, e dessas com o lugar, cria uma identidade to forte que tanto os habitantes como o lugar se identificam como comunidade. Assim, quando se fala da comunidade de Guajiru, de
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Icapu ou de Guaramiranga e de Canto Verde, ou Redonda, por exemplo, fala-se ao mesmo tempo do povo e do lugar.
Atenta-se para as contradies da sociedade capitalista, reproduzidas nas
comunidades. Existe uma tendncia em report-las pelos elementos de
solidariedade e cooperao entre seus membros, mas, para Souza, M. L. de. (2004,
p.63) o realce solidariedade, coeso e existncia de interesses comuns,
desconhecendo esta realidade, tende a conduzir a ao social promovida ou a ser
promovida reproduo da ordem social. Ao buscar compreender as comunidades,
fundamental considerar os seguintes princpios:
A comunidade no realidade autnoma que possa se traduzir em elementos distintos da prpria sociedade na qual se situa. A sociedade, no entanto, se expressa em situaes sociais diversas, algumas das quais assumem caractersticas especficas. A comunidade uma dessas situaes. Nesse sentido, a compreenso da sua realidade supe a compreenso da realidade global. Por sua vez, tambm as suas particularidades prprias atuam sobre essa realidade (SOUZA, M. L. de, op.cit, p.64)
A comunidade de Tatajuba, mesmo com todas as dificuldades de acesso,
reproduz em propores diversas as relaes capitalistas. Diegues (2002, p.83)
explica o que so as culturas tradicionais, nesse contexto:
[...] as culturas tradicionais esto associadas a modos de produo pr-capitalistas, prprios de sociedades em que o trabalho ainda no se tornou mercadoria, onde h grande dependncia do mercado j existente, mas no total. Essas sociedades desenvolveram formas particulares de manejo dos recursos naturais que no visam diretamente o lucro, mas a reproduo social e cultural; como tambm percepes e representaes em relao ao mundo natural marcadas pela idia de associao com a natureza e dependncia de seus ciclos.
As prticas cotidianas nas vilas de Tatajuba evidenciam associao e
dependncia dos ciclos da natureza, alm de gradativa ampliao de seus meios de
sobrevivncia e a incluso no trabalho-mercadoria. Sua histria, sua paisagem e seu
lugar so analisados, complementando-se com a documentao fotogrfica.
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3.1 As Vilas de Pescadores e suas Prticas Cotidianas
Na dcada de 1978, os moradores de Tatajuba tiveram que se deslocar
em virtude do movimento das dunas que migravam em direo s casas, do lado
leste para oeste, soterrando-as, at mesmo a Igreja, cujo padroeiro So Francisco.
A gamboa3 de Tatajuba teve seu curso deslocado e, resultou na diviso da vila4 em
quatro ncleos: o de Tatajuba (tambm chamada de Nova Tatajuba), Vila So
Francisco, Vila Nova e Baixa da Tatajuba, favorecendo a passagem das dunas,
livrando as casas de futuros soterramentos.
A vila central de Tatajuba divide-se em dois ncleos, o que fica de frente
para o mar, nas reas da praia e ps-praia, e o outro em cima dos terraos
holocnicos com cobertura florestal. Juntos, os ncleos, formam aproximadamente
80 casas. Essa vila considerada o centro do povoado, onde esto concentrados os
principais servios e equipamentos urbanos, como: posto de sade (com dois
agentes de sade); Escola Gregrio Pedro Alexandrino (Ensino Fundamental e
Mdio, alm de cursos para Educao de Jovens e Adultos, com capacidade de at
150 alunos). A praa foi construda em 1994, com gerador para televiso
comunitria; comrcio de leo e gasolina (ver fig. 5), trs barracas na praia; duas
mercearias; um bar; quatro pousadas e duas casas com quartos de aluguel para
turistas, ou seja, um vilarejo. No mapa 03, podem ser observadas a localizao das
vilas de Tatajuba e sua distribuio espacial.
3 A gamboa a influncia das guas do mar adentrando o continente. Mistura-se com guas de origem continental, formando um ambiente fluviomarinho, resultando no aparecimento do ecossistema manguezal. 4 Pelas caractersticas apresentadas pelo aglomerado que constitui as vilas de Tatajuba, caracteriza-se pelo IBGE (2000, p.17) como um povoado, isto , aglomerado rural isolado que corresponde a aglomerados sem carter privado ou empresarial, ou seja, no vinculados a um nico proprietrio do solo, cujos moradores exercem atividades econmicas, quer primrias, tercirias ou mesmo, secundrias, no prprio aglomerado ou fora dele. O aglomerado isolado rural isolado do tipo povoado caracterizado pela existncia de servios para atender aos moradores do prprio aglomerado ou de reas rurais prximas.
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FIGURA 5 - Ponto de venda (leo e gasolina) FONTE - Luzia Neide Coriolano, Jan./2006
A comunicao realizada por meio do telefone pblico, instalado em
1998, dez telefones celulares, pelas estaes de rdio de Camocim que, ao receber
cartas, avisam aos moradores, para buscarem na rdio ou em casas de parentes.
Entre vizinhos, a comunicao acontece pelas conversas na calada, ao cair da
tarde, e pelos dilogos entre os pescadores ao contar suas aventuras e perigos
vivenciados no mar.
O posto de sade fica ao lado do colgio. Um mdico, do Programa
Sade da Famlia-PSF, realiza consultas na comunidade duas vezes por ms,
acompanhado por uma auxiliar de enfermagem e uma atendente. Os casos mais
srios so encaminhados para a sede de Camocim ou Sobral. O nico reforo
recebido pela comunidade a existncia de dois agentes de sade, um mora na
Baixa Tatajuba e outro em Vila Nova. Com a dificuldade de atendimento mdico, so
as rezadeiras, curandeiras que curam pela f dos moradores, o que contribui para
minimizar problemas, receitando remdios caseiros, utilizando ervas medicinais
como: corama, malva, gergelim, casca de laranja, entre outras. A f manifestada
pela presena de duas igrejas, uma catlica, cujo padroeiro So Francisco, e uma
evanglica.
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Em Tatajuba os moradores sobrevivem, principalmente, da pesca, coleta
de mariscos, comrcio e trabalhos pblicos na escola e no posto de sade. A
agricultura nessa rea, de praia e ps-praia, no possui expressividade, em razo
das condies de baixa fertilidade do solo. No ncleo central, esto duas das
associaes comunitrias, a ACOMOTA Associao Comunitria dos Moradores
de Tatajuba e o Conselho Comunitrio, alm do Conselho Litrgico, da Igreja
Catlica. Os compromissos religiosos so tidos como lazer para a maioria da
comunidade.
Na comunidade o lazer mediado pela cultura dos povos do mar e a
cultura urbana. Como necessidade bsica, o lazer realizado nos banhos de mar,
caminhadas nas praias, regatas, festas do padroeiro So Francisco, nos forrs,
festas juninas, alm das conversas nas caladas. Na figura 6, observa-se a igreja e
na figura 7, a praa, utilizada para o lazer na comunidade.
FIGURA 6 - Igreja catlica, Tatajuba- Praa de Tatajuba CE FIGURA 7 -FONTE - E ziane Mendes, Nov./2004 FONTE- Eluziane Mendes, Nov./2004 lu
A sociedade de consumo transforma o lazer em mercadoria, passando a
ser denominado de turismo. O turismo necessita de servios e equipamentos, tais
como pousadas, hotis, parques, resorts. Estes equipamentos vm chegando a
Tatajuba e muitos outros esto projetados para serem implantados em Camocim.
A TV um elemento difusor de informaes na comunidade. A instalao
da energia eltrica, em 1997, beneficia 70% do povoado. A luz do luar ainda ilumina
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a comunidade, acompanhando moradores e visitantes nas noites, pois no existe
energia pblica entre as casas das vilas. Onde h energia eltrica, 60% possuem
televisores e existem cerca de 15 antenas parablicas na comunidade, sendo essa
uma das principais diverses nas noites das famlias, e, ainda, um difusor de idias
urbanas. Ao reportar-se importncia da TV, no cotidiano das famlias, Carlos
(op.cit.,p.59-60) revela que:
O universo da vida cotidiana se transforma abruptamente, novas relaes, mas tambm novos objetos e valores. A invaso da TV que aos poucos vai assumindo lugar importante na vida das pessoas ocupando o lugar de honra na sala de visitas, torna-se o centro de todas as atenes e cuidados, diante dela os olhares se fixam, lbios selam-se e a imagem preenche ausncias seu todos poder mgico contagiante.
Ver TV um dos lazeres dos residentes, mas, apesar de sua presena,
algumas atividades de subsistncia so consideradas lazer, no instante em que, as
prticas de pescar, coletar e plantar so realizadas com satisfao e prazer. o
prprio pescador que comanda seu ritmo, associando-se cadncia da natureza.
Necessidade bsica, o lazer vivido no cotidiano, por intermdio do uso
dos lugares, como apropriao do vivido, da praia, lagoas, entre outros elementos
presentes na comunidade. A prtica do lazer realizada nas praias e lagoas. O fazer
turismo configura-se como uma forma elitizada de lazer. uma modalidade de
entretenimento que exige viagem, deslocamento de pessoas, consumo do tempo
livre e o uso de um equipamento por mnimo que seja como transporte e hotis,
(CORIOLANO,1998, p.115), e somente os que detm poder aquisitivo podem se
servir dessa mercadoria, constituindo-se elementos presentes na relao de troca
para o lazer. Os turistas na comunidade so originados de diversos Estados e
pases, que chegam em Jericoacoara e realizam passeios a Tatajuba.
A educao formal dos moradores da comunidade vivenciada na Escola
Gregrio Pedro Alexandrino, em Tatajuba, com dez funcionrios, sendo que sete so
professores, dentre eles cinco concursados. A escolaridade desses profissionais:
dois com ensino mdio cientfico, um com pedaggico, um com nvel superior em
Pedagogia e trs fazendo faculdade de pedagogia na UVA Universidade Vale do
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Acara. A Educao de Jovens e Adultos-EJA (8 e 7 sries) e Ensino Mdio um
dos programas realizados na escola. Os diretores afirmaram que houve cerca de
15% de evaso escolar, em 2004. Declararam que os principais motivos so: a
distncia da escola e a falta de preocupao dos pais com os filhos adolescentes. O
bolsa-escola contribui para permanncia dos alunos na escola. Existe conselho
escolar, formado pelos pais, professores e alunos (15 pessoas), cujo objetivo
fiscalizar o processo pedaggico local.
As principais dificuldades declaradas pelos entrevistados, quanto
educao foram: irregular acompanhamento pedaggico; os livros didticos das
sries subseqentes no chegam durante o ano letivo; existe pouca participao dos
pais na escola; problemas com drogas fora da escola. A questo ambiental uma
preocupao de poucos professores, embora haja o planejamento mensal com
coordenadores da sede, nem tudo funciona a contento. Existe a necessidade de
capacitao de professores sobre a temtica ambiental, a estrutura da escola
precria, no tem sala de professores, sala de leitura, nem almoxarifado. Essas
declaraes foram feitas ao Ncleo de Educao Ambiental NEA/ IBAMA, em
2005, que luta pela capacitao dos professores para Educao Ambiental
(COELHO, 2005).
A Vila Nova situa-se na zona mais rural de Tatajuba. Estende-se pelos
tabuleiros pr-litorneos em uma vasta extenso de terra, onde a fertilidade do solo
melhor. O delegado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Camocim informou
que existem 04 sindicalizados em Vila Nova. Nas vilas existe o Projeto Coqueiral,
com rea de aproximadamente 12 ha para 10 pessoas, atualmente com 06
beneficirias.
Os moradores vivem principalmente da agricultura (feijo, macaxeira,
batata doce, mandioca, entre outros), coleta e criao de animais de pequeno porte.
Algumas casas de farinha existem na comunidade. prximo desse lugar, onde est
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instalado um dos terrenos da empresa imobiliria5. A presena dessa empresa est
modificando o cotidiano dos moradores e muitos dizem at que a Associao de Vila
Nova foi criada pela prpria empresa. Nessa vila h energia eltrica e gua
encanada. L foram construdas cerca de 70 casas, sendo a segunda maior vila de
Tatajuba. A sobrevivncia retirada de atividades tradicionais. As fig. 8 e 9
mostram estas atividades de subsistncia.
FIGURA 8 - Casa de farinha Vila Nova FIGURA 9 - Agricultura de subsistncia FONTE- IBAMA/NEA, Fev./2005 FONTE - IBAMA/NEA, Fev./2005
Um dos agentes de sade, que trabalha h dezesseis anos em Vila Nova,
informou que os moradores se utilizam de vrias plantas medicinais no auxlio da
cura das doenas. Acreditam que essas plantas combatem a gripe, alm do ch de
carnaubinha e o soro caseiro para os problemas no intestino. Dependendo do
perodo do ano, chuvoso ou seco, os principais problemas so as gripes e diarrias,
principalmente nas crianas. As vacinas bsicas, programas de preveno e
medicamentos de gestantes, hipertensos e diabticos, so fornecidos regularmente.
Alm disso, a equipe do PSF Programa de Sade da Famlia visita a comunidade
duas vezes por ms. Quando passa por outras localidades, faz o atendimento rpido
no posto. Os moradores declaram que, quando ocorrem problemas mais graves,
devem se deslocar para Camocim ou Sobral. Apesar das dificuldades de
5 Empresa Vitria Rgia Empreendimentos Imobilirios LTDA. que se diz proprietria de 5.275,450 hectares de terra, compreendendo toda rea das vilas de Tatajuba, estendendo-se pelo distrito do Guri. A histria do conflito ser retratada em detalhes, no segmento 4, da dissertao.
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atendimento mdico, os moradores apresentam vigor e robustez. Alguns declaram
que resultado da vida mais sossegada e da proximidade com a natureza.
A Baixa da Tatajuba assemelha-se s caractersticas da Vila Nova. Uma
rea constituda por aproximadamente 30 casas de moradores, um bar, uma escola
de Educao Infantil e Ensino Fundamental. Nessa rea, existem terrenos com
projeto de plantao de coqueiros organizado por institutos brasileiros, em parceria
com instituio alem, criaram os projetos PRORENDA RURAL. As fig. 10 e 11
mostram projetos de plantao de coqueiros na Baixa da Tatajuba.
FIGURA 10 - Paisagem da Baixa da Tatajuba FIGURA 11 - Projetos do PRO-RENDA FONTE- IBAMA/NEA, Fev./2005 FONTE - IBAMA/NEA, Fev./2005
Na Baixa da Tatajuba, atua a Escola Jos Maria Veras, contando com
seis funcionrios, sendo que dois professores so concursados. Na escola, a
evaso em 2003 ocorreu por volta de 5%. Afirmaram que no existem problemas
com drogas. Relataram que quando no h merenda escolar, os alunos faltam com
mais incidncia, acrescenta-se que a estrutura fsica do prdio precria. A despeito
do meio ambiente, nesta vila ocorrem as mesmas dificuldades da vila de Tatajuba,
pois no existe capacitao, no se discute sobre meio ambiente, turismo e nem
sobre os conflitos fundirios. Buscam gerir a escola, incluindo a participao das
famlias.
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A Vila So Francisco, pequeno povoado, com 15 construes de taipa e
alvenaria, o principal resqucio da antiga Tatajuba, antes do soterramento pelas
dunas. Localiza-se em cima de um complexo de dunas semifixas e mveis. a vila
mais rstica, no possuindo energia eltrica, nem gua encanada. Uma cacimba
comunitria abastece gua do consumo. Os moradores so pescadores, alguns
aposentados, agricultores e comerciantes de coco, que a principal agricultura
desenvolvida.
Na vila So Francisco, conta a histria oral, as terras foram doadas para o
santo So Francisco pelo senhor Joo Gregrio, considerado um dos fundadores de
Tatajuba. Com o deslocamento da comunidade em 1978, em conseqncia da
migrao das dunas, apenas algumas paredes da antiga igreja e um tamarindeiro
resistiram passagem da duna. Essa vila enquadra-se no conceito da teoria de
Santos sobre rugosidades no espao6, portanto essa vila a rugosidade da antiga
Tatajuba. Faz parte do roteiro do passeio turstico dos bugueiros vindos de
Jericoacoara, que, ao chegarem comunidade, observam os resqucios dos
alicerces da Igreja soterrada e narram o fato histrico de Tatajuba, surpreendendo
os turistas.
O soterramento da antiga vila e o seu conseqente descolamento dividiu
as vilas de Tatajuba. Facilmente eles migram e deslocam-se, em virtude das
condies e dinmica natural, logo vo se adaptando. Na fig. 12, observa-se uma
barcana7, denominada pela comunidade duna branca e duna encantada, cuja
migrao foi responsvel pelo soterramento da antiga Tatajuba e o conseqente
deslocamento e subdiviso da comunidade nas quatro vilas.
6 No dizer de Milton Santos (2002, p.43), chamamos de rugosidade ao que fica do passado como forma, espao construdo, paisagem, o que resta do processo de supresso, acumulao, superposio, com que as coisas se substituem e acumulam em todos os lugares. 7 Para Guerra (1972, p.50; 142), as dunas so montes de areia mveis, depositadas pela ao do vento dominante. Sendo as dunas barcanas uma forma de duna semelhante a uma foice. Para alguns pesquisadores, as dunas barcanas so assim denominadas por se assemelharem a barcas.
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FIGURA 12 - Vista da duna Branca Tatajuba - Duna encantada FONTE - Disponvel em: , acesso em 20/10/2004.
As dunas barcanas so consideradas pela comunidade como encantadas.
Muitas das carnabas foram soterradas e at o curso da barra da gamboa foi
modificado, alterando todo o ecossistema local, diminuindo a influncia das mars.
O resultado desse processo, relatado pelos moradores, foi a diminuio da produo
de camares que existia na gamboa. Vrias so as lendas contadas a partir do
deslocamento da chamada duna branca. No relato do morador da Vila So
Francisco, narra as histrias do imaginrio popular:
[...] se o morro no fosse encantado, ele j tinha sado daqui. Ele no existia a no. Ele s pode ser encantado. Tem gente que v um navio cheio de luz ligada durante a noite. Quando eu era pequeno, cansei de ouvir ba